Entrevista ao site Globo Universidade sobre História Ambiental (2011)

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17/09/2011 07h27 - Atualizado em 17/11/2011 12h35

Entrevista: Professor José Augusto Pádua fala sobre História Ambiental Historiador fala sobre sua carreira como pesquisador e ativista Por Miguel Conde Rio de Janeiro imprimir

José Pádua é um dos pioneiros no estudo da História Ambiental (Foto: Renato Velasco) Neste sábado, dia 17, o Globo Universidade apresenta professores, pesquisadores e alunos que estudam História Ambiental. Aproveitando este tema, republicamos uma entrevista realizada em abril com o historiador José Augusto Pádua, um dos pioneiros da área no país. Para entender por que mais de 900 pessoas morreram nos deslizamentos ocorridos em janeiro de 2011 na Região Serrana do Rio de Janeiro, afirma o historiador José Augusto Pádua, não basta explicar como as casas foram soterradas, mas também os motivos de elas terem sido construídas. Um dos mais importantes pesquisadores mundiais na área da história ambiental, Pádua viu nessa enxurrada um exemplo trágico das interações entre vida social e mundo natural que constituem o tema básico de seu campo de estudos. Suas abordagens vêm transformando, nas últimas décadas, a compreensão da relação do ser humano com o planeta, ao mostrar como é

falsa a ideia tradicional de uma cisão entre civilização e natureza. A tese de doutorado do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), transformada no livro "Um sopro de destruição" (editora Zahar), revelou como, no Brasil dos séculos XVIII e XIX, as questões ambientais tinham um lugar importante nos debates políticos sobre ocupação do território e desenvolvimento econômico. A história brasileira, diz, é também a de seus biomas. Coorganizador deEvironmental history, conjunto de ensaios publicado em 2010 pela Universidade de Oxford (Reino Unido), onde foi professor visitante, Pádua conversou com o Globo Universidade sobre suas trajetórias como pesquisador e ativista. Globo Universidade – As causas de uma tragédia como a que aconteceu na Região Serrana são geralmente pensadas mais de um ponto de vista urbanístico (ocupação do solo) e climático. O que uma abordagem histórica, em particular da história ambiental, pode nos dizer sobre o que aconteceu? José Augusto Pádua – A primeira tendência num caso desses é fechar o foco na tragédia. Mas para entendê-la melhor – e até evitar que ela se repita no futuro – precisamos de uma perspectiva mais ampla. Em 1987, houve, na Serra, uma chuva semelhante à deste ano, mas, na época, morreram umas 200 pessoas, enquanto em 2011 chegamos perto de mil vítimas. É claro que alguma coisa mudou nesse período. GU – O que mudou? JAP – De 1987 para cá, o que aconteceu foi uma explosão de ocupação daquelas encostas. Essa ocupação, antes de ser examinada em seus efeitos físicos, pode ser entendida em suas causas, que são simbólicas. Ironicamente, ela está ligada a uma valorização da natureza no imaginário da sociedade. Os habitantes da cidade ocuparam aquelas encostas em busca do verde. Assim, foi crescendo o número de clubes, de casas de campo e, com essa ocupação, feita por pessoas mais ricas, vieram também as habitações pobres, precárias. GU – Você acha que, nas medidas anunciadas após a tragédia, já foi incorporada essa compreensão da interação entre natureza e cultura? JAP – Em alguma medida, sim. A ideia de criação de parques pluviais é uma iniciativa do poder público reconhecendo que algumas áreas são de risco mesmo e que temos que deixar lugares para as águas fluírem. É um aprendizado, mas precisamos fazer muito mais, em termos de alarme e principalmente em termos da ocupação do território. Precisamos de uma ocupação mais planejada e menos densa. A falta de consciência ecológica faz com que exista uma arrogância – eu construo em qualquer lugar e a tecnologia vai resolver. Não é bem assim. A gente está vendo agora que não

é bem assim. E a gente tem que estudar história para entender esses movimentos. GU – No caso do Japão, você acredita que faltou ao país se planejar mais de acordo com a própria história ambiental? JAP – Eles são bem preparados para enfrentar terremotos, mas não tsunamis. Se você observa a história do [oceano] Pacífico, vê que havia motivos para que eles considerassem essa possibilidade. GU – Você diria que a história ambiental propõe um novo modelo da relação entre natureza e cultura? JAP – Ela faz parte de um movimento maior das ciências humanas, de tentativa de construção de modelos mais dinâmicos, interativos. Ainda tendemos a pensar o mundo como um palco estático no qual se desenrola a história humana. Mas a natureza é tudo menos estática. Pelo contrário, ela está sempre em transformação. Temos que adotar visões mais interativas e menos dualistas entre o que é cultura e o que é mundo biofísico. Somos um animal mamífero, um primata. Precisamos respirar, nos alimentar, tudo que criamos é feito a partir de elementos que existem no planeta. Mas ao mesmo tempo somos seres da linguagem, da cultura. Quando nos relacionamos com a água, a areia, essa não é uma relação imediata. É uma relação que passa pelos sistemas de cognição culturais. Sempre há uma interação.

O pesquisador fala sobre o desastre na Região Serrana do Rio (Foto: Renato Velasco) GU – Em que essa abordagem difere daquelas que, no século XIX, explicavam as diferenças culturais por diferenças geográficas? JAP – O determinismo geográfico tinha justamente a ideia de uma natureza

fixa, que determinava a sociedade. Hoje pensamos a interação da sociedade com o mundo biofísico, é outra perspectiva. GU – Você se tornou ambientalista nos anos 1970, antes de se dedicar academicamente ao estudo da história e do meio ambiente. Como se deu seu envolvimento com o movimento ambiental e quem eram suas principais referências políticas e intelectuais à época? JAP – Foram anos de muita criatividade social e intelectual, apesar do fechamento político. Entrei na discussão ambiental por volta de 1975, um pouco por influência da contracultura, pela busca de novos caminhos críticos. Havia uma insatisfação de muitas pessoas na época com o marxismo ortodoxo. Aquele é o momento dos novos movimentos sociais, quando começam a surgir reivindicações de outro tipo, que não eram somente socioeconômicas, mas ligadas a comportamento. As teorias políticas tradicionais, seja no campo do liberalismo, seja no campo do socialismo, colocavam pouca atenção nessa dimensão da vida, da relação com o planeta, e tinham quase como um axioma o crescimento ilimitado. Havia uma discussão crítica sobre isso que vinha da contribuição de cientistas, ecólogos, biólogos, com algumas referências teóricas, como Yvan Illich e André Gorz. GU – O senhor iniciou e abandonou cursos de Economia e Sociologia, até, por fim, decidir-se pela História. Era difícil desenvolver seus interesses dentro do ambiente acadêmico brasileiro de fins dos anos 1970? JAP – Naquela época, havia todo um caldo de cultura de novos movimentos sociais, o feminismo, o sindicalismo, a criação do PT [Partido dos Trabalhadores]. A academia não ficou surda a essa movimentação. Várias disciplinas se abriram para essa discussão, por um duplo movimento: exógeno, por um lado, e por outro como resultado de discussões internas. A primeira ponte que eu encontrei foi na economia, em autores como Herman Daily e Nicholas Georgescu-Roegen, que buscavam uma vinculação mais forte entre a economia e o mundo biofísico. Entrei para o Departamento de Economia na PUC-Rio [Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro], tentando fazer essa ponte, mas percebi que não havia possibilidade. O curso era extremamente abstrato, com pouca base no mundo social vivido, quanto mais na relação com o biofísico. Tentei em seguida a sociologia, também na PUC-Rio, mas o curso era muito ortodoxo, com um marxismo dogmático. Aí tranquei a matrícula e, em 1980, fui morar na Europa. Foi um ano muito importante na minha formação. Entrei em contato com a discussão ecológica que estava acontecendo na França, com René Dumont, na Alemanha, na Inglaterra e também na Índia, por onde passei. GU – Por que, ao voltar ao Brasil, você decidiu estudar história?

JAP – Eu estava buscando concretude, vida vivida, e encontrei muito mais isso na história do que na economia ou na sociologia. Não sabia da existência da história ambiental, comecei por conta própria a buscar algumas pontes. Logo ao me formar, comecei a dar aulas. Então, por exemplo, ao montar um curso sobre Revolução Industrial eu buscava na literatura questões ligadas a fontes de energia, poluição dos rios, questões do trabalho. E comecei a fazer também algumas pontes com a história do Brasil, lendo a historiografia clássica brasileira, livros como Nordeste, de Gilberto Freyre, obras de Sérgio Buarque de Holanda e até mesmo Caio Prado Jr. GU – Como, afinal, você descobriu a existência da História Ambiental? JAP – Foi em 1982, quando conheci o Warren Dean, que na época estava criando esse campo com outras pessoas nos Estados Unidos. A História Ambiental consciente de si mesma, como uma área de pesquisa institucionalizada, nasce nessa época. Dei sorte que um dos principais autores dessa corrente fosse um brasilianista e, além disso, uma pessoa muito generosa. Fui catapultado para a bibliografia internacional e até para o contato direto com outros historiadores da área.

José Augusto Pádua analisa a História Ambiental (Foto: Renato Velasco) GU – Em 1984, você publicou com Antonio Lago, na coleção Primeiros Passos, da Brasiliense, um livro chamado O que é ecologia, que vendeu mais de 100 mil exemplares. Naquele momento, começo dos anos 1980, a ecologia já era um assunto importante na agenda política brasileira? JAP – O que aconteceu foi uma expansão muito grande do debate ambiental em diferentes setores da sociedade. Ele entra pelo sindicalismo, pelo empresariado, nas políticas públicas... Torna-se um debate multissetorial, o

que, num certo sentido, faz com que ele perca algo de sua radicalidade, pois ele passa a se construir numa negociação entre diferentes perspectivas e não mais apenas como agenda de um pequeno grupo. Essa expansão começa já nos anos 1970, na verdade, com a Conferência de Estocolmo de 1972. GU – Também em 1984, você ingressa no mestrado, mas escolhe estudar ciências políticas no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), em vez de história. Por quê? JAP – Nunca deixei de ser historiador, mas, naquela época, o Iuperj era muito atraente, vivia um momento de ouro, com a riqueza e criatividade dos debates conduzidos ali. Fiz minha formação lá e comecei a publicar coisas nessa interface de política, ecologia, história. Nas pesquisas que vinha realizando no Iuperj sobre a história do pensamento político brasileiro, comecei a perceber que existia uma tradição de debate político nos séculos XVIII e XIX, esquecida, sobre temas que hoje fazem parte da agenda ambiental, um debate conduzido por autores como José Bonifácio, Alexandre Rodrigues Ferreira, Joaquim Nabuco, Guilherme Capanema... Essa pesquisa deu origem à minha tese, que depois transformei no livro Um sopro de destruição. GU – Esse debate dos séculos XVIII e XIX antecipa o atual de alguma forma? JAP – Não gosto de pensá-los como pioneiros, numa linha de evolução, prefiro pensar que a formação da sensibilidade ecológica na modernidade não é um processo de algumas décadas, mas de alguns séculos. Está ligada a todo esse processo de expansão europeia, ao que a gente chama de expansão do mundo na globalização, a troca de animas e plantas nesse processo. Nas regiões do mundo colonial, especialmente, houve um processo muito intenso de desflorestamento, que tornava esse tema muito visível. Mas não há uma continuidade dos debates dessa época para os que surgem no século XX. Aquela discussão estava esquecida e, como historiador, achei aquilo um filão riquíssimo. GU – As pessoas que discutiam isso na época já se pensavam como ambientalistas? JAP – Não se falava em ecologia ou meio ambiente naquele período, mas você pensa o passado sempre a partir dos conceitos e inquietações do presente. Você precisa projetar no passado algumas ideias para tentar construir uma interpretação. Essa tradição que eu identifiquei estava em livros que outros historiadores já haviam consultado. O que não existia era um olhar que desse coerência a esse material. Numa crítica superficial, pode-se dizer que fiz uma projeção do presente no passado. Esse risco

sempre existe, mas aqui não se trata de uma projeção no passado, e sim de uma qualificação retrospectiva.

José Augusto Pádua é professor da UFRJ (Foto: Renato Velasco) GU – Quando você diz que até o momento aquele material não havia sido lido por alguém com suas inquietações, isso quer dizer que naquele momento a história ambiental no Brasil era um campo de um homem só? JAP – Era e continua sendo um campo pequeno. Hoje, você não conta mais nos dedos os pesquisadores, mas é, ainda, uma área emergente. E muitas coisas que a gente vem pesquisando hoje são coisas novas, não foram ainda trabalhadas. Num país como o nosso, a riqueza de documentação sobre isso é espantosa. O Brasil se formou a partir de complexos territoriais que estavam muito relacionados com a exploração de determinados recursos naturais. A documentação sobre animais, plantas, árvores, queimadas, formas de exploração desses recursos, é muito rica. GU – Qual a situação do campo hoje em termos de financiamentos e condições de pesquisa? JAP – É uma situação boa. É um campo emergente, mas não é marginalizado. Ele está bem estabelecido, principalmente em escala internacional, e os grandes historiadores vêm reconhecendo a importância dessa perspectiva. Ela é uma abordagem muito rica, mas ela não é reducionista. A ideia não é fazer uma nova panaceia, mas olhar elementos que não vinham sendo muito trabalhados na historiografia. Não se trata de buscar explicação para tudo na relação com o mundo biofísico e sim de uma ampliação da análise histórica. É mais uma de várias ampliações da historiografia, que passou dos grandes personagens para a economia, o

cotidiano, os hábitos, e agora incorpora também o mundo biofísico. GU – O que muda, em linhas gerais, quando se pensa dessa maneira a história do Brasil, por exemplo? JAP – Muitas vezes, na historiografia, você pensa o território de forma abstrata, como um mapa político. Na perspectiva da história ambiental, o território não é abstrato, vazio. Ele é sempre um território cheio, e diversificado. Não dá para pensar a história do Brasil sem pensar os territórios brasileiros, os biomas: a Mata Atlântica, o cerrado, a caatinga, a floresta amazônica, o pampa, o Pantanal. E aí você começa a perceber que essa interação entre os sistemas socioeconômicos e os sistemas naturais acontece o tempo todo. Por exemplo, você não tinha pecuária na Mata Atlântica nem na Floresta Amazônica, mas no cerrado, na caatinga e nos campos do sul. Isso é determinismo geográfico? Eu prefiro dizer: isso é a interação da sociedade com o mundo vivo. Era muito mais inteligente do ponto de vista do uso dos recursos queimar floresta para fazer agricultura e aproveitar as cinzas para alimentar o solo, em vez de botar boi. A pecuária se concentra nos espaços mais abertos, onde tem um papel importante de conquista territorial.

O historiador foi coordenador do Greenpeace na área de biodiversidade (Foto: Renato Velasco) GU – Além de sua atuação acadêmica, você foi de 1991 a 1996 o coordenador para a América Latina do Greenpeace na área de biodiversidade e florestas. Em que essa experiência modificou sua percepção da causa ambiental? JAP – A experiência na Greenpeace foi fascinante para mim. Entrei em contato com um modo de fazer política ambiental com uma estrutura

impressionante. Eles tinham um sistema de comunicações como não se conhecia naquela época no Brasil, um centro de mídia em Londres ultraprofissional... E não foi, para mim, uma experiência de ativismo, apenas, mas também de aprendizado. Às vezes, existe uma tendência de achar que a informação só circula no mundo acadêmico, o que não é verdade. O que aprendi sobre florestas nesse período foi algo extraordinário. GU – Eles trabalhavam com financiamento de pesquisas? JAP – Não havia tanto financiamento de pesquisa, mas um trabalho forte deles mesmos de coleta de informações. Tive acesso a todos esses dados e, ao mesmo tempo, aprendi muito, também, na experiência de campo, onde tive que conviver com os diferentes atores envolvidos com a floresta na Amazônia: empresários, madereiros, consumidores, índios, estudiosos, seringueiros. Participei de conflitos muito fortes e tenho a satisfação de saber que algumas florestas estão de pé hoje devido a um trabalho que eu ajudei a construir. Ao mesmo tempo, sempre tive consciência que meu lugar era mais na academia.

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