Entrevista com Sloterdijk: \"Esnobes arrogantes fazem corrida de automóvel à noite\"

May 29, 2017 | Autor: Giovane Martins | Categoria: Peter Sloterdijk
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TRADUÇÃO ENTREVISTA COM PETER SLOTERDIJK: “ESNOBES ARROGANTES FAZEM CORRIDA DE AUTOMÓVEIS À NOITE”1 Entrevista de Lars Grote Traduzido por Giovane Martins Vaz dos Santos2

O filósofo Peter Sloterdijk fala sobre as consequências preocupantes do Brexit, rejeita o referendo como meio do populismo, fala sobre a nossa “Era da Impotência” e não acredita que a conclusão do Campeonato de Futebol Europeu influenciará no clima político do país.

Senhor Sloterdijk, sentamos aqui no Castelo de Reckahn, em Brandenburg/Havel, e você falou durante o festival “Lit:Potsdam3” sobre Martin Luther e o fim da unidade da Igreja. Não estamos, desde o Brexit, mesmo que antes do fim da União Europeia, nos dirigindo cada vez mais para uma compreensão da Europa Ocidental como uma unidade dogmática da igreja?

Peter Sloterdijk: A Europa nunca foi uma igreja. A Europa tem, desde 1945, em alguns países, já há algum tempo, a estrutura de uma sala de maquiagem. Desde a Implosão, em 1990, o grupo de Estados da Europa Oriental foi adicionado [dazugekommen] forçosamente. A característica específica do espaço europeu é a vida sob Constituições. Isso é algo que muitas pessoas não entendem como fatos independentes, porque você ainda tem toda a fumaça das ideologias, denominações, religiões e até mesmo cosmovisões. Para se viver sob uma Constituição, no entanto, ainda não há nenhum conjunto de ferramentas poderosas. Esta é a definição realmente exata do que hoje deve

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Título original: Ignorante Snobs beim nächtlichen Autorennen. Publicado em: http://www.maz-online.de./Nachrichten/Kultur/Ignorante-Snobs-beim-naechtlichenAutorennen. 2 Acadêmico de Filosofia da PUCRS. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq e pesquisador colaborador do CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana. 3 Festival de literatura que ocorreu de 7 a 10 de julho deste ano.

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designar o populismo: o não entendimento [Nichtbegriffenhaben] do que é uma vida sob uma Constituição.

Você falou do populismo: desde o Brexit, o referendo se tornou um meio para o populismo e para o camelô marginalizado?

Sloterdijk: Penso que ele [o referendo] deveria ser desacreditado. E, por conseguinte, mostrou que mesmo a mais antiga cultura política da Europa, a saber, a britânica, não é imune à forma mais primitiva de discurso de ódio. Isso prova que mesmo as grandes nações, politicamente experientes, são vulneráveis e corruptíveis. Nos países da primeira geração, que experimentam a democracia há dez ou vinte anos, não seria surpreendente. Quase todos estes Estados foram ditaduras, como, aliás, quase 140 das 200 nações mundiais. Mas quando uma nação como a Inglaterra, uma democracia de décima geração, apresenta-se como uma massa agitada sem representação, onde dois adolescentes esnobes e arrogantes, tal como suicidas, fazem uma corrida de carros à noite, não se preocupando com os transeuntes, você deve olhar não somente para a Constituição, mas também fazer sérias considerações sobre a adequação das nações democráticas.

Se olharmos para o Brexit e para a apertada eleição presidencial na Áustria, que agora deve se repetir, vemos decisões afiadas em questões elementares – dois grupos eleitorais que se enfrentam quase igualmente. Vivemos em uma nova era de implacabilidade e de disputa?

Sloterdijk: O clima predominante da época é de desamparo. O desamparo mostra-se, entre outras coisas, no fato de que você não pode se dar ao luxo de ser generoso. Isso pode, atualmente, ser estudado com muita clareza na Áustria. Você percebe que isso também aparece na nova ala nacional-conservadora alemã. Esses são pobres diabos, que são, ao contrário da esquerda, organizados e representados por eles. O típico público do AfD4 são pessoas que pensam estar vulneráveis e desamparadas pelo interesse político. Como tal, é uma expressão de uma atmosfera do tempo, pois a impotência nunca é muito popular, e busca por uma válvula. Foram feitas tentativas anteriores de compensar a 4

AfD: Alternative für Deutschland: “Alternativa para a Alemanha”, é um partido conservador alemão criado em 2013. Defende, entre outras pautas conservadoras, nacionalistas e populistas, o fim do Euro e a substituição desta moeda por uma nacional.

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impotência com projeções imperiais, e um ditador acabou sendo adorado. Estas eram pessoas que cultuavam variantes da impotência, que atualmente não podem se impor em quase lugar algum. Então, o empoderamento do populismo vulgar permanece apenas em um nível fantasioso.

Nossa experiência no Campeonato Europeu é apenas um reflexo dos humores políticos? A Inglaterra está saindo mais cedo, o contraste da economia e do sucesso desportivo da Islândia é gritante. Você pode levar isso em consideração?

Sloterdijk: Eu não acho. Com a exceção internacional, o futebol é particularmente organizado em nível de clubes. É uma indústria desportiva empresarial. Possui interesses nacionais normalmente específicos. O Campeonato Europeu e a Copa do Mundo são regressões organizadas a partir da necessidade de se identificar. Onde se poderia, hoje, identificar-se de outra forma com o seu país? Os partidos não oferecem nenhuma oportunidade: lá, um baixo quociente de inteligência é formado mesmo em um fator de potência. Estas regressões organizadas têm, afinal, a virtude de treinar emoções que de outra forma não são mais necessárias. Pode-se identificar com o próprio, ou seja, a assim chamada própria equipe. A identificação se tornou um recurso escasso. Pois o nosso tempo está aparado na desparticipação [Departizipation] e na desidentificação [Desidentifikation], está aparado nas relações mutáveis, em ligações fracas. Durante este período, o Campeonato Europeu e a Copa do Mundo são campos de treinamento para os sentimentos que deixaram de ser usados de outras formas.

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