Envelhecimento ativo: quem financia? (Active Ageing: Who finances it?)

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Envelhecimento ativo: quem financia? Jorge Felix1 Palestra de abertura no III Congresso Municipal sobre Envelhecimento Ativo - Cidade Amiga dos Idosos. Câmara Municipal de São Paulo, 3 de outubro de 2015. .......................................................................................................................................... Bom dia a todas e a todos, Agradeço o convite para ter a honra de abrir o III Congresso Municipal sobre Envelhecimento Ativo, Agradeço o vereador Gilberto Natalini e também agradeço a minha amiga Marília Berzins em nome de todos que estão envolvidos na organização deste evento tão importante.

Antes de entrar propriamente no tema principal, gostaria de fazer algumas considerações sobre o conceito2 do envelhecimento ativo. É claro que em pesquisas acadêmicas e no debate público, nós, pesquisadores do envelhecimento, trabalhamos com esse conceito. O envelhecimento ativo é, em definição simplória, a ampliação pela Organização Mundial da Saúde do conceito de envelhecimento saudável. A OMS divulgou esse documento em 2002 como contribuição à Assembleia da ONU sobre envelhecimento, realizada em Madri.3 Até o século XX, a aferição do bom envelhecimento esteve relacionada quase exclusivamente às condições de saúde do idoso. A adoção desta nomenclatura foi uma forma de a OMS dissentir de que o “saudável” é a única condição para garantir o bem-estar da população idosa com autonomia4 e independência5. 1

Doutorando em Ciências Sociais, mestre em Economia Política e professor da PUC-SP e da FESP-SP, coordena o Centro de Estudos da Economia da Longevidade [email protected] 2 Sobre conceito ver: Guattari, F. e Deleuze, G. O que é filosofia?, Ed. 34, São Paulo, 3ª ed. 2010. 3 Ver World Health Organization (WHO), Active ageing: a policy framework, Geneve, 2002. 4 A OMS entende como autonomia a habilidade de controlar, lidar e tomar decisões pessoais sobre como se deve viver diariamente, de acordo com suas próprias regras e preferências. 5 Segundo a definição da OMS, trata-se da habilidade de executar funções relacionadas à vida diária, isto é, capacidade de viver independentemente na comunidade com alguma ou nenhuma ajuda de outros para executar atividades de vida diária (AVDs), como tomar banho, comer, usar o banheiro e andar pelos

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O envelhecimento ativo é definido como: (abre aspas) “processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas” (fecha aspas) (OMS, 2002: 13) Em julho deste ano, em uma revisão feita por especialistas do conceito do envelhecimento ativo6, o termo “ativo”, segundo os redatores do novo documento, sofre de uma limitação da linguagem e os pesquisadores defendem que esse “ativo” significa além de "saudável", uma velhice (abre aspas) "bem sucedida", "produtiva" ou "positiva". Neste novo relatório, os redatores se preocupam em explicar melhor o conceito. Dizem eles: “Sua intenção era a de permitir que as pessoas realizassem o seu potencial para o bem-estar físico, social e mental ao longo de todo o curso da vida e de participar na sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades -, ao mesmo tempo, proporcionando-lhes uma proteção adequada, segurança e cuidados quando necessário.”

Do ponto de vista da ciência social, o quero chamar a atenção sobre o conceito do envelhecimento ativo é que, nestes 13 anos de sua existência, TALVEZ, ele tenha sido incompleto como conceito – e, portanto, também incompleto ou insuficiente, quando de suas tentativas de aplicação na realidade – para dar conta de toda a complexidade da tarefa de garantir o bem-estar da população idosa.

E digo isso porque tem muito a ver com a questão do financiamento, que iremos falar daqui a pouco.

O que eu problematizo, para usar a linguagem da ciência social, ou seja, o que me parece uma questão para reflexão de todos nós é até que ponto o conceito de cômodos da casa e atividades instrumentais de vida diária (AIVDs), como fazer compras, realizar trabalhos domésticos, preparar refeições etc. 6 Ver: Active Ageing: A Policy Framework in Response to the Longevity Revolution / International Longevity Centre Brazil (Centro Internacional de Longevidade Brasil). – 1st edition – Rio de Janeiro, RJ, Brazil, 2015.

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“envelhecimento ativo” não serve para, citando a professora Guita Debert 7, reprivatizar a velhice, para transferir ao indivíduo a responsabilidade ÚNICA, e não compartilhada com a sociedade, sobre a sua condição ATIVA na velhice.

Até que ponto, o conceito de “envelhecimento ativo” não sofreu uma mutação pela mídia, pelos organismos multilaterais (ONU, Banco Mundial, FMI etc), para servir de argumento, aí entro no meu tema, para reduzir as fontes de seu próprio financiamento, na dinâmica que a economia tomou no século XXI.

O próprio envelhecimento humano, ou a longevidade, é uma promessa. A ciência fez dele uma conquista. Ainda pouco democrática, como irei mostrar mais à frente. Portanto, o envelhecimento ativo é uma META, é um OBJETIVO. Mas o meu receio é que ele, de novo, repito, na economia do século XXI, tenha sido interpretado como uma condição dada, uma realidade que, sendo assim, não precisa ser financiada.

O adjetivo ATIVO soa como uma obrigação de manter-se, segundo as palavras dos próprios redatores do documento divulgado este ano, “produtivo”, de ser “bemsucedido” no seu envelhecimento. Esse adjetivo, no meu modo de ver, é excludente com aqueles que apresentam incapacidades – às vezes prematuras – ou com os “mais idosos”. No relatório divulgado anteontem, a própria OMS reconhece que os países falharam na aplicação do conceito do envelhecimento ativo. Já na página 4 das 260 páginas, a organização reconhece (abre aspas) “a falta de progresso” (fecha aspas) nesses 13 anos. Porque, afirma a OMS, o documento dava (abre aspas) “pouco detalhe sobre as necessárias mudanças sistêmicas para se alcançar os objetivos apontado pelo conceito do envelhecimento ativo” (fecha aspas).8

Diz a OMS: o conceito de envelhecimento ativo não convenceu os gestores, por exemplo, a adaptarem o sistema público de saúde para o novo perfil epidemiológico

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Ver: DEBERT, G. A reinvenção da velhice, Ed. Unicamp, São Paulo, 1999. Ver WHO - World Report on Ageing and Health, Geneva, 2015.

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da população. Ou seja, para atender a doenças crônicas, como o Alzheimer, por exemplo. Muito menos para as demandas na área psicológica.

Eu sugiro ou tenho a ousadia de sugerir, depois de alguma reflexão sobre esse conceito, um outro adjetivo para o envelhecimento a ser conquistado pelas sociedades. Eu proponho o resgate de uma palavra que me parece que deveria ser o alvo de uma sociedade em processo acelerado de envelhecimento como o Brasil: dignidade. Eu sugiro passarmos a mirar o envelhecimento digno!

O envelhecimento digno inclui também aquele que pode optar por avaliar que sua fase produtiva já foi o suficiente para a sociedade e que ele tem, sim, o direito de se aposentar, tem sim o direito a adoecer, a se divertir ou, se quiser, continuar a trabalhar. Mas o ativo por si só não garante essa heterogeneidade ou liberdade de escolha. Daí, no meu ponto de vista, todos os problemas quanto ao seu financiamento.

Desde as mudanças ocorridas na economia no fim da década de 1970, financiar o envelhecimento digno passou a ser um fardo para as sociedades.

Assumiu-se, simplesmente, que as pessoas envelhecem ativas e ponto final. E que essa conquista não necessita de financiamento, por parte do Estado e também das empresas, que as pessoas podem, individualmente, financiar as suas necessidades na velhice, sempre com mais tempo de trabalho, independemente de quanto tempo elas já trabalharam. A despeito de condições desiguais.

Aos poucos, assistimos o desmonte dos sistemas de Seguridade Social. O envelhecimento ativo, portanto, para o Estado, deixou de ser uma meta, como a OMS o definiu. Quero deixar claro que não estou culpando a OMS ou os formuladores do conceito, estou dizendo que houve uma deturpação do conceito ao longo do tempo, embora a OMS também defenda, em seu documento original, que o “envelhecimento ativo” evitará “aposentadorias prematuras”.

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Não evitou, pelo menos no Brasil, os privilegiados no sistema de aposentadoria tiveram força política para manter os seus privilégios, como magistrados e militares.

Mas a Seguridade Social (Saúde, Previdência Social e Assistência Social) deixou de ser “um seguro coletivo” 9 e passou a ser, no entendimento econômico, apenas custo. No entanto, como o mundo é desigual, nos países e, claro, entre os países, a Seguridade Social também assim foi construída ao longo da história.

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Assistimos hoje a um evento impressionante: a onda dos imigrantes, principalmente, sírios, mas de muitas outras origens. Na minha visão, essa é uma resposta à construção desigual, ao longo de séculos, do financiamento do bem-estar na velhice. Os imigrantes dizem o seguinte: vocês construíram seus sistemas de seguridade social explorando o meu país e, agora, só me resta ir em busca do seu sistema de seguridade, mesmo que eu tenha que mordê-lo pelas bordas, como um trabalhador precário, informal, um pedreiro ou qualquer atividade braçal, quem sabe, um cuidador dos seus idosos.

O Estado do Welfare State, do Bem-Estar Social, nos países ricos foi financiado a custas de 30 anos de petróleo barato.

Ou seja, a única riqueza que os países orientais tinham para vender, o mundo rico levou a custos baixíssimos do pós-guerra até o fim da década de 1970. Mais ou menos como a colonização dos países latino-americanos ou dos africanos – e lembro aqui que a última colônia africano se libertou em 1974. Logo, quando comparamos a nossa velhice com a dos europeus, dos norte-americanos, precisamos levar em conta a história. Quem financiou o envelhecimento ativo deles?

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BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade, Jorge Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1998, p. 51.

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Agora, eles querem que nós, dos países pobres, financiemos a sobrevivência do Sistema de Seguridade Social deles, que está ameaçado seja pelo envelhecimento populacional, seja pela nova dinâmica da economia mundial que levou à crise iniciada em 2008.

Para destacar melhor o que estou dizendo, fui ver a expectativa de sobrevida depois dos 60 anos - nos países onde está ocorrendo mais imigração.

Dos 8 países com o maior número de imigrantes, apenas 2 têm média de expectativa de sobrevida depois dos 60 na média mundial, que é de 20 anos – Syria, com exatos 20 e Albania, com 21. Nos outros 6, a expectativa vai de 13 (em Mali e Gambia, isto é menos do que os 16 anos de média dos países pobres) a 19 (o caso de Kosovo). Na América Latina, a média é de 22 anos.

Ou seja, a longevidade no

parâmetro dos países ricos, para esses imigrantes, ainda não é uma realidade.

Por que estou me prendendo tanto a esse panorama internacional? Não deveria falar mais do Brasil ou de São Paulo? Não. Na questão do bom envelhecimento, tentei destacar isso no meu livro10 já na orelha, o bom envelhecimento de um, o meu, o seu, dependerá, cada vez mais, do bom envelhecimento de todos, de todos no planeta. A economia é globalizada. Não vai adiantar financiar o seu envelhecimento ativo ou digno se o outro não tiver o mesmo.

Na economia globalizada, atitudes isoladas cada vez valerão menos.

Não vai adiantar construir muros, cercas, como a Hungria – salvo se quiser trocar o sprai de pimenta por tiros de verdade, já chegou agora a tiros de borracha. Falta pouco. Nada vai adiantar se o “seguro coletivo” for desfinanciado, se a Seguridade Social for destruída.

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Ver: FELIX, J. Viver Muito, Ed. Leya, São Paulo, 2011.

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O envelhecimento digno talvez seja o maior desafio de “ação coletiva” planetária do século XXI.11

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Agora, sim, posso falar um pouco, sobre o Brasil. E começo lembrando que a nossa rede de Seguridade Social ainda resiste a duras penas. Desde o primeiro dia da Constituição de 1988, muitos aqui devem se recordar, mas os mais novos acredito que não saibam, começou a tentativa por seu desmonte com uma frase de José Sarney, então ocupando a presidência da República: “Com essa Constituição, o país é ingovernável”. Isso significava que o país, na visão desses políticos, não poderia garantir a Seguridade Social que ali havia sido aprovada. Isto é, o financiamento da saúde, do trabalho, da aposentadoria, dos mais pobres, de tudo o que garante o bom envelhecer. Começo pelo SUS. Sistema Único de Saúde. Neste momento em que o país está pressionado pela política da austeridade fiscal, imposta pela lógica econômica mundial, o sistema de saúde universal e gratuito é o alvo do corte de gastos. Não há envelhecimento ativo, obviamente, sem envelhecimento saudável. Muitos aqui financiam sua saúde por planos privados. Mas preciso lembrar que a grande maioria da população brasileira só tem o SUS.

A despeito disso, a participação do gasto privado no total de gastos com saúde é de 52,5% , contra 47,5% do gasto público (isso equivale a 4,5% do PIB). Do gasto privado, 30,35% é out of pocket (sai do bolso), sendo a maior parcela com medicamentos. A saúde suplementar (planos e seguros privados) representou, em 2014, 2,5% do PIB12. O país gasta 9,5% do PIB com Saúde. Não é pouco.

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Ver: SENNETT, R. Juntos, os rituais, os prazeres e a política de cooperação, Ed. Record, Rio de Janeiro, 2012. 12 Dados da ANS disponíveis no site da Cnseg www.cnseg.org.br

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Mas a participação do setor público com Saúde, de 47,5%, está abaixo de países de renda média, que atingem 56,2% - quase dez pontos percentuais a mais. Estou falando de países como Argentina e Uruguai.

É bom lembrar que os gastos privados de Saúde, inclusive os planos, são subsidiados pelos recursos públicos, principalmente, por meio das isenções de imposto de renda de pessoas físicas ou empresas.

Em outras palavras, toda a sociedade abre mão de recursos para só alguns terem o benefício. Cerca de 10% dos gastos públicos com Saúde, na verdade, são renúncias fiscais, transferências para o sistema privado.

Estou falando isso porque, na discussão atual, a qual chamaram Agenda Brasil, voltou-se a se falar em pagamento pelos serviços do SUS. Embora a ideia tenha sido descartada nas discussões políticas, mostra a tentativa incansável de desfinanciar ainda mais a saúde pública.

Destaco também a ideia, sempre em pauta, de desvincular as receitas da saúde. Ou seja, deixar os governos livres – municipais, estaduais e federal - para gastarem quanto quiserem e não mais aquele percentual que a Constituição os obriga a gastar. Nos Estados Unidos, isso significou 33 milhões de norte-americanos sem nenhuma cobertura de saúde, sobretudo na velhice 13. Eram 44 milhões antes do chamado Obamacare e mesmo com o restabelecimento da saúde pública no país, desde 2013, o número ainda impressiona. Isso significa dizer que uma vez feita algum tipo de concessão para diminuir o SUS, dificilmente o caminho terá volta.

Sem querer politizar, quero lembrar que essa é uma proposta não só das forças políticas que estão no governo, mas também da maioria das forças políticas que estão na oposição. Talvez isso seja o mais traumático para a sociedade brasileira neste momento: a disputa não é por um projeto alternativo, é um embate para ver quem 13

Ver: http://www.census.gov/newsroom/press-releases/2015/cb15-157sp.html Acesso em 22 de setembro de 2015.

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comandará o mesmo projeto, a mesma agenda, pelo menos, no que tange à área social.

Na soma final, o Brasil gasta 1,7% do PIB com Saúde contra 4% do PIB, quase o dobro, com pagamento da dívida pública. Em bom português: somos um país pobre que ainda financia a seguridade social dos países ricos.

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O mesmo impacto da política econômica na Saúde, verifica-se na Educação. Com um agravante: a queda da fecundidade se dá mais rápido nas classes mais abastadas, logo, as crianças brasileiras, em sua maior parte, dependerão mais da educação pública. Embora em menor quantidade, como a qualidade atual é muito baixa, dificilmente o Estado poderá reduzir o financiamento da educação pública melhorando o seu nível. É uma questão para os idosos brasileiros do futuro porque saúde e educação andam juntas.

Outra questão importante quando pensamos em financiar o envelhecimento é, obviamente, o trabalho. Não existe envelhecimento ativo sem levar em consideração todo o ciclo laboral e, por isso, me voltei para as pesquisas sobre as metamorfoses do mundo do trabalho no século XXI.

Neste ponto, acredito que entra uma questão contemporânea comum a países ricos e pobres. Primeiro, porque vivemos um momento do capitalismo desfavorável para o mundo produtivo e amplamente favorável para o mundo financeiro.

Nesse mundo, o trabalho tem pouca importância em termos de quantidade e qualidade. Vale o tempo, a rapidez e o curto prazo. Nessa disputa, o trabalho, principalmente dos mais velhos, é desprestigiado dentro das empresas, embora, cientificamente, não exista prova de relação entre idade e produtividade.

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Quase sempre o debate e a literatura sobre a saída do mercado de trabalho é vista como uma decisão unilateral do homem e da mulher. Pouco se explica sobre a saída involuntária, sobre o desemprego, sobre a falta de aceitação por parte dos empregadores.

Quem depende do trabalho, no entanto, enfrenta o desafio de provar todos os dias aquilo que sempre foi. Reprovar constantemente sua capacidade. Como define o grande sociólogo norte-americano, Richard Sennett, que visitou o Brasil no mês passado e com quem tive a oportunidade de conversar, vive-se “entre o talento e o fantasma da inutilidade”.14

Se faz urgente uma legislação capaz de enfrentar e impedir a chamada “fragilização da segunda metade da carreira”15, a prática usual de demitir aos 45 anos e contratar um jovem, com salário menor e, principalmente, mais obediente aos processos corporativos.

Digo isso porque as experiências de privatização da previdência social, como no Chile, mostraram-se cruéis para aqueles que, com a fragilização da segunda metade da carreira e o desemprego, chegaram à velhice sem conseguir alcançar as regras para se aposentar e necessitaram recorrer, para financiar seu envelhecimento, à Assistência Social, que precisou ser recriada no Chile no século XXI.

Nos últimos dez anos, segundo o Banco Mundial, a América Latina teve de incluir 11 milhões de pessoas na assistência social. O Brasil ainda preserva seus sistema de repartição e deveria defende-lo com muito mais afinco de ameaças de mudanças radicais que vêm sendo propostas por vários partidos políticos.

Entra aí um ator importante na questão do financiamento: as empresas. As empresas passaram ao largo da discussão sobre a reforma previdenciária no Brasil. De

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Ver: SENNETT, R. A cultura do novo capitalismo, Ed. Record, Rio de Janeiro, 2ª ed. 2008. Capítulo II Ver: GUILLEMARD, A-M. Le défis du vieillissement – âge, emploi, retraite, perspectives internationales, Armand Colin, Paris, 2e edition, 2010. 15

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um lado, elas cobraram, por meio de suas instituições representativas, e ainda cobram, o equilíbrio fiscal, que sempre é feito pela redução da Seguridade Social, sobretudo Previdência. Cobram a idade mínima de aposentadoria.

Do outro lado, elas têm muito pouco compromisso com o financiamento desse sistema, uma vez que adotam essa prática descarada da rotatividade dos empregados mais maduros e mais caros pelos mais jovens e mais baratos.

Isso compromete enormemente a sustentabilidade financeira depois dos 50, 60 anos. Alguma responsabilidade sobre esse financiamento, no meu ponto de vista, recai sobre as empresas. Vocês vão sempre lembrar de uma ou outra que emprega idosos. Mas são pouquíssimas e as vagas são em número muito menor do que a oferta de trabalho.

Várias pesquisas demonstram que há mais idosos querendo trabalhar – e precisando trabalhar – do que vagas para eles. Sem contar muitos que saem da vida laboral e não entraram na aposentadoria. Repetem assim um fenômeno já verificado em países que envelheceram antes do Brasil. A França, por exemplo, tem o menor índice de empregabilidade da Europa para aqueles com mais de 50 anos.

É preciso verificar atentamente o papel das empresas nisso tudo. Os programas corporativos de pré-aposentadoria funcionam mais como um convencimento para o empregado pedir a aposentadoria e a empresa conseguir “se livrar dele” do que uma preocupação com a futura sustentabilidade financeira do indivíduo. Não há uma real preocupação das empresas com a requalificação, a educação continuada e, muito menos, com o que o trabalhador vai fazer depois de sua saída 16. São raras, cada vez mais raras, as exceções.

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Ver TONELLI, M.J. e ARANHA, F. Envelhecimento da força de trabalho no Brasil, como as empresas estão se preparando para conviver com equipes que, em 2040, serão compostas principalmente por profissionais com mais de 45 anos?, EASP-FGV/PwC, São Paulo, 2013. Para informações internacionais, ver RUZIK-SIERDZIÑSKA, A. and RADVANSKÝ, M. Two faces of ageing: Older Workers and Older Consumers In: BEBLAVÝ, M.; MASELLI, I.; VESELKOVÁ, M. (editors) Green, Pink and Silver? The Future of Labour in Europe, vol. 2, Centre for European Studies, Brussels, 2015.

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Em 2050, metade da população em idade ativa terá mais de 50 anos. É preciso pensar na empregabilidade desses quase 90 milhões de brasileiros. 17

Isso se torna mais grave porque caminhamos para uma economia de muito retorno financeiro e poucos empregos. O Whatsapp, que todos usamos, é uma empresa que foi vendida por 19 bilhões de dólares, mas emprega apenas 55 pessoas.

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Falamos do Estado, das empresas. Há também o papel do indivíduo em relação ao envelhecimento ativo. Se essa é uma meta. É preciso rever sua trajetória de vida. Saúde

preventiva, educação continuada,

relações

sociais

e

seus

hábitos,

principalmente o fumo, o álcool, o sedentarismo.

Quanto ao lado especificamente financeiro, minha predileção é sugerir sempre uma reflexão sobre o consumo. Vivemos na busca pela velocidade, pela atualização sem fim ou pela necessidade de representações, de compensações, de um consumo de coisas cada vez mais descartáveis.

O homem, nós, os consumidores, nunca venceremos a escalada da atualização. A indústria trabalha para nos sentirmos sempre atrasados. Logo, refletir sobre o consumo implica não apenas uma melhor capacidade de poupança para a velhice, mas uma poupança dos recursos ambientais, de matérias primas finitas usadas em todo o aparato tecnológico moderno. O financiamento da boa velhice também passa, cada vez mais, por questões ambientais.

Por fim, não poderia deixar de citar a economia da longevidade, minha linha de pesquisa. É algo que está sendo visto pelo mundo como alguma possibilidade, evidente

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Ver: CAMARANO, A.A. et al. Menos jovens e mais idosos no mercado de trabalho? p. 377-406 In: CAMARANO, A.A. (org.) Novo regime demográfico: uma nova relação entre população e desenvolvimento?, Ipea, Rio de Janeiro, 2014.

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não a única ou a hegemônica, em proporcionar uma visão mais positiva do envelhecimento nas sociedades contemporâneas.

É preciso também ter uma visão do fator idade como uma fonte de riqueza. Vivemos em sociedades capitalistas e, por enquanto, as respostas para financiar o envelhecimento devem sair do ventre desse sistema.

A inovação - a economia a serviço das pessoas, das novas necessidades das famílias com mais idosos, e dos próprios idosos em maior número - está sendo vista pelos países ricos como uma oportunidade de renovação de suas indústrias, principalmente a tecnológica.

A economia da longevidade tem ajudado a melhorar a visão sobre os idosos e até a reduzir o preconceito e a discriminação, uma vez que a produção de bens e serviços se volta para atender o idoso. Sempre pensando em sua autonomia e independência.

O desenvolvimento dessa estratégia de crescimento econômico, que muito pode ajudar a financiar a seguridade social, depende, porém, de ações políticas e empresarias, mas principalmente de levarmos esse conhecimento, como eu proponho por meio de uma disciplina acadêmica, para estudantes de Direito, Engenharia, Administração, Economia, enfim para os profissionais do futuro. Eles serão os responsáveis por criar possibilidades de financiamento na sociedade envelhecida.

A economia da longevidade, portanto, é uma tentativa de impedir que o processo de envelhecimento populacional seja mais um fator de desigualdade social. Uma tentativa de contribuir para que, até o fim do século, tenhamos um envelhecimento não apenas ativo, o que é muito desejável, mas, como eu disse, um envelhecimento digno.

Muito obrigado.

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