Episex-PT: Epidemiologia das disfunções sexuais femininas em Portugal

June 26, 2017 | Autor: Ana Carvalheira | Categoria: Sexual Dysfunction, Erectile dysfunction, Female Sexual Dysfunction
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Pedro Vendeira Nuno Monteiro Pereira Fátima Serrano Ana Alexandra Carvalheira

Estudo EPISEX-PT/Feminino: prevalência das disfunções sexuais femininas em Portugal

TRABALHO ORIGINAL. A Sociedade Portuguesa de Andrologia, com o apoio dos Laboratórios Pfizer, levou a cabo um ambicioso estudo epidemiológico sobre as disfunções sexuais em Portugal. Apresentam-se os dados referentes às disfunções sexuais no sexo feminino. O estudo, denominado EPISEX-PT/Feminino, pretendeu abranger todas as disfunções sexuais femininas, avaliando não só a sua prevalência, como caracterizando-as sob o ponto de vista demográfico, sociológico e clínico. A dimensão da amostra e a quantidade de variáveis investigadas tornam o EPISEX-PT num dos mais importantes estudos epidemiológicos realizados internacionalmente sobre disfunções sexuais. A investigação incidiu essencialmente no despiste das disfunções sexuais, tendo sido utilizados testes e questionários validados internacionalmente, para uniformização e comparação de resultados. Foram avaliados ainda dados de caracterização clínica e opinião relativamente às disfunções e seu tratamento. Palavras-chave: EPISEX-PT, epidemiologia, disfunções sexuais femininas.

Introdução O presente trabalho é o resumo da parte dedicada às disfunções sexuais femininas do estudo EPISEX-PT, promovido em 2005 pela Sociedade Portuguesa de Andrologia em parceria com os Laboratórios Pfizer. O objectivo principal do estudo foi a avaliação das disfunções sexuais das portuguesas, permitindo determinar não só a sua prevalência, como caracterizálas sob o ponto de vista demográfico, sociológico e clínico. Na investigação foram utilizados testes e questionários validados internacionalmente, para uniformização e comparação de resultados. Foram também avaliados conhecimentos, percepções e convicções relativas à sexualidade e às disfunções sexuais. A dimensão da amostra e a quantidade de variáveis investigadas tornam o EPISEX-PT num dos mais significativos estudos epidemiológicos sobre disfunções sexuais. No que se refere às disfunções femininas os resultados são particularmente interessantes, atendendo à escassez de estudos internacionais nessa área.

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CADERNOS DE SEXOLOGIA • NÚMERO 4 JANEIRO/JUNHO 2011

Metodologia

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O estudo EPISEX-PT feminino é um estudo transversal, efectuado por aplicação directa de um questionário. Foram analisados dados referentes a 1.250 mulheres dum universo de cerca de três milhões e novecentas e vinte mulheres, com idades compreendidas entre 18 e 75 anos, inquiridos em Portugal continental. A amostra foi estratificada por região do país e grupo etário. O erro amostral assumido foi inferior a 2%, considerando-se um nível de significância de 95%. O tratamento estatístico foi efectuado pela KeyPoint, Consultoria Científica. Tendo em consideração as características da informação que se pretendeu recolher, o inquérito foi realizado através de uma entrevista estruturada ou respondido pela própria mulher, em entidades profissionais, locais de lazer e de carácter social, nomeadamente escolas básicas e secundárias (professoras/ auxiliares de acção educativa), corporação de Bombeiros, centros de dia/ lares de idosos (utentes/ empregadas), câmaras municipais (empregadas), associações recreativas, universidades (alunas e professoras). A taxa de resposta em relação à população inquirida foi de 68%. Para efeitos deste estudo consideram-se os seguintes tipos de disfunção sexual feminina: alterações da libido, alterações da excitação, alterações do orgasmo e dispareunia. Foi efectuada uma análise de caracterização global dos indivíduos e uma sub-análise das inquiridas com disfunção sexual. Na avaliação das mulheres com disfunção sexual considerou-se como tendo disfunção aquelas que referiam algum problema sexual, mesmo que ligeiro. Sobre essas, fez-se uma análise descritiva de respostas feitas numa segunda parte, específica, do questionário.

Com o objectivo de caracterizar especificamente as inquiridos com uma determinada patologia sexual, considerou-se como tendo disfunção sexual as mulheres que responderam (com qualquer opção excepto “sem problemas”) a pelo menos uma das seguintes questões: Tem algum problema de desejo sexual? Tem algum problema na excitação/ lubrificação? Tem algum problema de orgasmo? Tem algum problema de desconforto/ dor na relação sexual? Os dados analisados incluíram dados demográficos (sexo, idade, raça, estado civil, residência, escolaridade e profissão/ actividade), dados clínicos (antecedentes pessoais e co-morbilidade, tensão arterial, dados antropométricos e avaliação da presença de disfunção sexual) e caracterização da doença para as mulheres com disfunção sexual (impacto da disfunção e procedimentos diagnósticos e terapêuticos). A amostra foi ajustada para a idade, tendo-se determinado a prevalência de cada um dos tipos de disfunção sexual analisados, bem como o intervalo de confiança a 95%. A análise estatística incluiu a análise descritiva das variáveis incluídas no questionário. As variáveis foram analisadas tendo-se utilizado métodos de estatística descritiva, nomeadamente frequência absoluta e relativa para as variáveis categóricas, e média, mediana, desvio padrão, máximos e mínimos para as variáveis contínuas. Para análise comparativas entre variáveis categóricas foi utilizado o

teste de qui-quadrado (ou o teste exacto de Fisher). A comparação de médias foi efectuada através da análise ANOVA, ou do teste t para amostras independentes (sempre que se compararam apenas 2 grupos). Todos os testes estatísticos foram efectuados considerando um nível de significância de 0.05.

Resultados

Caracterização demográfica Foram analisados os dados demográficos e clínicos das 1.250 mulheres incluídas, população que se encontra descrita na tabela 1 no que se refere à sua distribuição geográfica e etária. As mulheres inquiridas apresentavam uma idade média de 44 anos (dp=15.43), variando entre os 18 e os 75 anos. Relativamente à raça registou-se um predomínio franco de mulheres de raça branca (98.6%), havendo 1.1% de mulheres de raça negra. Das inquiridas, 33% tinham filhos. O número médio de filhos foi de 1.94 por mulher. A maioria das inquiridas (56.8%) era casada ou vivia em união de facto à data de realização do inquérito. Havia 27.2% de solteiras, 9.1% de separadas e 6.9% de viúvas. A distribuição por local de nascimento coincidia aproximadamente com a representatividade de cada região no estudo. Mais de três quartos das inquiridas (76.5%) afirmou residir em concelhos urbanos.

Tabela 1 População do estudo

Norte

18-29 102

30-39 84

40-49 75

50 -59 60

60-75 80

Total 401

Centro LVT

75 74

63 59

60 57

55 55

86 68

339 313

Alentejo Algarve Total

23 19 293

19 17 242

19 16 227

18 14 202

31 21 286

110 87 1250

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As inquiridas apresentavam um nível de escolaridade um pouco superior ao nível médio da população portuguesa, sendo que 37.3% tinham entre o 10º e 12º ano de escolaridade. Com menos que o 5º ano de escolaridade encontravam-se 14.8% e tinham uma licenciatura 27.1% das inquiridas. A grande maioria (80.6%) era profissionalmente activa, encontrando-se desempregadas 4.8%. Mais de 60% das inquiridas referiu ter um rendimento mensal inferior a 1000 euros, sendo que 25% tinha um rendimento inferior a 500 euros por mês.

Caracterização clínica A maioria das inquiridas (75.7%) afirmou consultar o médico regularmente. A caracterização física (peso, altura, IMC, frequência cardíaca, Tensão arterial sistólica e tensão arterial diastólica) está sintetizada na Tabela 2. Eram fumadoras cerca de 20.6% das mulheres, considerando-se fumadoras passivas 8.8% e ex-fumadoras 8.0%. As que haviam deixado de fumar, haviam-no feito, em média, há 7.3 anos (dp=6.49). Na questão do número de cigarros por dia, considerou-se não só o número de cigarros das fumadoras atuais, como também o número de cigarros que as ex-fumadoras fumavam. Estabeleceu-se o valor de 0.5 anos para as inquiridas que deixaram de fumar há menos de 1 ano. E assim, a número médio de cigarros fumados era de 11.97 (dp=7.22), com um máximo de 45 cigarros.

Relativamente ao consumo de bebidas alcoólicas, as respostas apontaram para um consumo esporádico de vinho e cerveja por parte de 27.6% das mulheres. Apenas 9.8% bebiam diariamente vinho ou cerveja. Diziam nunca beber 36.0% das inquiridas. Diziam não praticar qualquer tipo de exercício físico 38.8% das mulheres, fazendo-o regularmente 24.0%. As principais patologias referidas pelas inquiridas foram ansiedade (24.9%), alergias (20.5%), depressão (19.2%) e dores ósseas/articulares (19.0%). O excesso de colesterol estava presente em 13.8% das inquiridas e a hipertensão arterial em 10.6%. Havia 5.4% de diabéticas. A maioria das mulheres referia um nível de stress muito elevado (22.3%) ou elevado (57.1%). Só referiam baixos níveis de stress 8,5% das inquiridas. Aproximadamente 25% das mulheres estavam a realizar terapêutica anticoncepcional. Quase dezassete por cento (16.8%) referiram estar a tomar antidepressivos, 9.1% antihipertensores, 5.6% fibratos e/ou estatinas. Apenas 5.4% fazia terapêutica hormonal de substituição.

Frequência da atividade sexual Cerca de 75% das inquiridas referem uma frequência de atividade sexual de pelo menos uma vez por semana, havendo 29.0% com duas relações sexuais por semana e 5.1% com mais de quatro relações por semana.

Importância do sexo na qualidade de vida De acordo com o questionário que avaliava a importância do sexo na qualidade de vida, 65.8% das inquiridas consideraram que o sexo era muito importante ou mesmo fundamental. Apenas 6.2% afirmaram que não tinha qualquer importância.

Grau de satisfação com a vida sexual Cerca de 75% consideraram que ficariam muito satisfeitas ou satisfeitas se mantivessem a actual função sexual, havendo 8.5% que consideraram que ficariam insatisfeitas ou muito insatisfeitas.

Orientação sexual O parceiro Em relação à orientação sexual das inquiridas, 81.8% afirma ser exclusivamente heterossexual, 12.6% não respondem a esta questão e as restantes 5.6% referiram ser parcialmente ou exclusivamente homossexuais.

Tabela 2

Satisfação Mais de 90% das inquiridas heterossexuais casadas ou em união de facto pensava que o parceiro estava satisfeito ou muito satisfeito face à condição sexual da companheira.

Caracterização física Média 64.24

Mediana 62.00

Dp 11.56

Mínimo 39.00

Máximo 118.00

n 1208

Importância do parceiro

Peso (kg) Altura (m) IMC

1.60 25.03

1.60 24.22

0.07 4.47

1.30 16.42

1.85 44.44

1124 1101

77.01 128.32 79.60

75.00 125.00 80.00

11.89 18.43 11.10

49.00 78.00 40.00

138.00 218.00 129.00

1144 1185 1185

Cerca de 70% das inquiridas acredita que o parceiro tem muita influência no seu desempenho sexual, apenas considerando 7.4% que tem pouca ou nenhuma importância.

Pulso (bpm) TAS (mmHg) TAD (mmHg)

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Disfunção sexual do parceiro

cussão sobre a vida familiar e afectiva (59.6%) e sobre a qualidade de A maioria das inquiridas heterosse- vida em geral (55.9%). Apenas 21.1% xuais considerava que o seu parceiro referiram repercussão sobre a vida não tinha qualquer tipo de disfunção profissional. sexual, mas 20% afirmaram que sim. Quando questionadas relativamente ao tipo de disfunção sexual do par- Procura de apoio por disfunção ceiro, 49.7% referiram que ele tinha sexual diminuição do desejo, 49.2% ejaculação prematura, 22.9% ejaculação No caso de terem uma disfunção seretardada e 22.3% disfunção eréctil. xual, apenas 14.0% não pensariam em procurar ajuda para resolver a situação. Quando inquiridas se eram Opiniões sobre a disfunção sexual capazes de expor um problema de feminina disfunção sexual ao seu médico, 9.9% das mulheres disseram que Impacto da disfunção sexual nunca o fariam por vergonha de disfeminina na vida de um casal cutir o assunto. A maioria (53.8%) das inquiridas deRelativamente à opinião sobre o im- clarou que já havia sido questionada pacto das disfunções sexuais femini- pelo seu médico sobre a sua vida nas na vida de um casal, as inquiridas sexual. A grande maioria das muafirmaram que deveriam ser sobre- lheres (85.2%) considerasse que o tudo o desconforto /dor na relação médico deveria inquirir esse assunto. (84.2%) e as alterações da excitação/ A generalidade das inquiridas (92%) lubrificação (82.5%). A percentagem afirmou que, se sofresse de uma baixava para 69.4% no que diz res- disfunção sexual, informaria o compeito ao impacto de alterações do panheiro e aceitaria (88.2%) ir ao desejo e para 58.6% no que respeita médico com ele. a alterações do orgasmo.

Impacto da disfunção sexual feminina na própria vida

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Apenas 10.9% das inquiridas responderam que ter uma disfunção sexual não seria motivo de preocupação, sendo que para 60.7% isso seria um motivo de elevada preocupação e, para 28,4%, de preocupação ocasional. Quanto ao modo como as inquiridas se sentiriam afectadas se tivessem algum tipo de disfunção sexual, 82.9% afirmaram que a repercussão seria sobre a sua vida conjugal, sobre a auto-estima (67.9%) e sobre o humor, admitindo 68.3% que ficariam ansiosas e 67.3% que ficariam deprimidas. Referiram ainda reper-

as alterações do desejo sexual e 21.7% as do orgasmo. Em relação à possibilidade de tratar as disfunções sexuais femininas as respostas foram em geral um pouco mais optimistas, com 62.5% a afirmarem que é possível tratar a dor/ desconforto e 59.9% as alterações da excitação/ lubrificação. Apenas 38.4% julgavam possível tratar as alterações do desejo sexual e 25% as do orgasmo. O nível de conhecimento objectivo sobre tratamentos para a disfunção sexual foi reduzido, havendo apenas 17.9% das inquiridas que afirmaram conhecer tratamentos para os diferentes tipos de disfunção: 17.9% para o desejo hipoactivo, 22.8% para as alterações da excitação/ lubrificação, 19% para o desconforto/ dor na relação sexual e apenas 7.8% para o tratamento das alterações do orgasmo. Existiam 10% das inquiridas que achavam perigoso tratar a disfunção sexual feminina.

Prevalência da disfunção sexual feminina

A prevalência de disfunção sexual foi Conhecimentos sobre as disfunções calculada segundo dois parâmetros: sexuais femininas os que responderam a pelo menos uma das questões sobre se tinham Questionadas sobre se a alteração da algum tipo de disfunção sexual e, excitação/lubrificação era o mesmo especificamente, aqueles que resque diminuição do desejo sexual, ponderam que tinham pelo menos apenas 16.2% deram resposta posi- um tipo de disfunção, classificantiva. Sobre se alteração do orgasmo do-o como moderado/frequente a era o mesmo que diminuição do de- severo/persistente. sejo, só 13.9% responderam afirma- Se considerarmos como tendo distivamente. E só 15.8% responderam função sexual as mulheres que resque a disfunção sexual feminina é ponderam que tinham pelo menos consequência da idade e, portanto, um tipo de disfunção, qualquer que nada havia a fazer. fosse a sua intensidade, a prevalênEm relação à possibilidade de preve- cia global da disfunção feminina é nir as disfunções sexuais femininas, de 56.4%. 58.4% afirmaram que é possível pre- Repare-se que, se definirmos como venir a dor/ desconforto e 53.1% as só sofrendo de disfunção sexual as alterações da excitação/ lubrificação. mulheres que responderam que o seu Apenas 39.8% julga possível prevenir problema era moderado/ grave ou

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severo/ completo, então a prevalência global da disfunção sexual feminina na população em análise baixa para 18.6% A análise por tipos de disfunção sexual (assumindo o parâmetro de pelo menos uma disfunção, ligeira a moderada), revela que existe uma prevalência de 35.0% de problema de desejo sexual, 31.6% de proble-ma de excitação, 31.6% de proble-ma de orgasmo e 34.1% de problema de desconforto/dor na relação sexual. A análise dos resultados acima descritos mostrou que apenas 43.7% das mulheres não apresentavam qualquer tipo de disfunção sexual, enquanto que 11% das mulheres apresentavam simultaneamente todos os tipos de disfunção sexual considerados.

Caracterização das mulheres com disfunção sexual Foram analisadas as respostas das inquiridas que responderam à segunda parte do questionário, ou seja, daquelas que consideraram ter algum tipo de disfunção sexual (mesmo que ligeira). Quando inquiridas sobre que atitude haviam tomado perante a constatação do problema, a maioria (51.7%) procurou informação escrita, havendo 20.9% que procuraram informação na internet e 7.6% que contactaram linhas telefónicas de apoio. Das 207 inquiridas que procuraram informação escrita, 41 pesquisaram informação geral (causas, factores de risco), 27 informaram-se sobre opções de tratamento, 17 sobre técnicas sexuais e 30 sobre alterações da vida sexual com a idade. Relativamente aos indivíduos que procuraram informação na Internet, 19 procuraram informar-se de modo geral, 12 informaram-se sobre opções de tratamento, 5 sobre técnicas sexuais e 13 sobre alterações da vida sexual com a idade.

Cerca de 55% das mulheres consultaram um profissional de saúde, tendo sido o ginecologista o especialista mais consultado, logo seguido do clínico geral (30.3%) e do psiquiatra (15.9%). Em resposta à questão sobre o que havia feito quando se sentiu afectada, 39.3% das mulheres afirmou nada ter feito. Contudo, a maioria das doentes (63.4%) assumiu o problema e questionou se estaria a andar com demasiadas preocupações/stress. Muitas (59.2%) conversaram sobre o assunto com parceiro. Mais de metade (54.8%) procuraram ajuda, consultando um profissional de saúde, tendo 41.4% passado a verificar a tensão arterial mais regularmente. Questionaram a sua actual relação sexual 40.1% das mulheres, tendo 35.9% questionado se o problema não seria dos medicamentos que andavam a tomar e 26.9% se estaria a desenvolver alguma doença que estivesse a afectar a vida sexual. Algumas (20.4%) passaram a fazer mais exercício físico e outras (15,4%) deixaram de fumar ou beber. Apenas tomaram medicamentos sem prescrição médica 5.1% das mulheres. A maioria das doentes (76.7%) que consultaram um médico consideraram que este as ajudou, havendo 88% que consideraram que este dialogou abertamente. De notar que 46.5% das mulheres afirmaram que o médico lhes havia dito que o problema “era normal” e que passaria com o tempo. As mulheres que não consultaram o médico fizeram-no por achar que a situação ia melhorar por si (58.7%), por acharem que a situação não era relevante (57.8%) ou por vergonha da situação (44.6%). Foi realizada a caracterização das inquiridas com algum tipo de disfunção sexual (mesmo que ligeira) segundo alguns indicadores sóciodemográficos e clínicos:

Perturbações do desejo sexual Foram identificadas 350 mulheres com perturbações do desejo sexual, ligeira a severa. A média de idades foi de 46.6 anos (dp=13.4). Verificou-se uma prevalência crescente com a idade, que atingiu o máximo na classe etária dos 50 aos 59 anos (38.1%). Relativamente à distribuição regional, verificou-se uma prevalência superior na zona Centro (30.7%), sendo o Alentejo a região com menor prevalência (15.5%). Das mulheres com problemas de desejo sexual, 18.5% tinham filhos. A disfunção de desejo sexual predominou nas mulheres casadas (37%) e era menor (14.7%) nas solteiras. Foi no grupo com menor nível de escolaridade (sem 5º ano) que se verificou a maior prevalência de desejo hipoactivo (45.6%), enquanto que a menor prevalência (24.1%) foi detectada nas mulheres com nível médio de escolaridade (10-12º ano). No que diz respeito a características clínicas das mulheres com perturbações do desejo sexual, verificou-se que elas tinham um índice de massa corporal dentro dos valores normais (IMC=25.1 Kg/m2). As patologias mais correlacionadas foram ansiedade (34.9%) e depressão (33.1%). As dores ósseas/ articulares (22.3%) e o excesso de colesterol (17.7%) foram as outras patologias mais frequentes. O stress estava presente em 82.0% das queixosas. Oitenta por cento das inquiridas com perturbação do desejo eram heterossexuais, 11% não responderam a esta questão e cerca de 9% eram parcialmente ou exclusivamente homossexuais. Relativamente à frequência de relações sexuais, verificou-se que as mulheres com disfunção tinham menor número de relações sexuais e que a frequência diminuía com o aumento da gravidade da patologia.

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Das 350 mulheres identificadas como tendo problemas de desejo sexual, 230 (65.7%) tinham con-comitantemente alterações da excitação, 203 (58.1%) tinham alterações do orgasmo e 172 (49.2%) tinham desconforto/dor na relação sexual.

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vamente homossexuais. Relativamente à frequência de relações sexuais, verificou-se que as mulheres com disfunção relativa à excitação têm menor número de relações sexuais e que a frequência diminuía com o aumento da gravidade da patologia. Das 306 mulheres identificadas Perturbações na como tendo problemas de excitação, excitação/lubrificação 230 (75.1%) tinham concomitantemente alteração do desejo sexual, Foram identificadas 306 mulheres 196 (64.1%) tinham alterações do com perturbação ligeira a severa na orgasmo e 173 (56.3%) tinham dor excitação/ lubrificação. A média de ou desconforto na relação sexual. idades foi de 47.6 anos (dp=14.3). Esta disfunção estava presente sobretudo nos grupos etários na Perturbações do orgasmo década dos 50 anos (35.6%). Relativamente à distribuição regio- Foram caracterizadas 301 mulheres nal, verificou-se uma prevalência com perturbações do orgasmo, de lisuperior no Norte e Centro (29.4% e geira a severa. A idade média foi de 28.6% respectivamente), sendo a 44.7 anos (dp=14.9), estando esta região com menor prevalência, o disfunção presente em todos os gruAlentejo (12.7%). pos etários de forma semelhante, Das mulheres com problemas de ex- ainda que de forma mais predomicitação, 66 em 297 (22.2%) tinham nante nas mulheres com idades entre filhos. A alteração da excitação/ lu- os 40 e os 49 anos (27.6%). brificação predominava nas mulhe- Relativamente à distribuição regiores casadas (31%). nal, verificou-se uma prevalência suEmbora a maioria das mulheres com perior no Norte e Centro (27% e esta disfunção tenham o ensino su- 28% respectivamente), sendo a perior, foi no grupo com menor nível região com menor prevalência, o de escolaridade que se verificou uma Alentejo (13.6%). maior prevalência desta situação Das mulheres com alterações do (46.0%). orgasmo, 90 em 301 (29.9%) tiNo que diz respeito a características nham filhos. A alteração do orgasclínicas, verificou-se um índice de mo predominou nas mulheres casamassa corporal dentro dos valores das (28.1%). normais (IMC=25.3 Kg/m2). As pato- Embora a maioria das mulheres com logias mais referidas foram ansie- esta disfunção tenha o ensino sedade (35.9%) e depressão (33.3%). cundário ou superior, foi no grupo As dores ósseas/ articulares (21.9%) com menor nível de escolaridade que e o excesso de colesterol (19.9%) se verificou uma maior prevalência foram as outras patologias mais fre- desta situação (35.4%). quentes. O stress estava presente em No que diz respeito a características 79.4% das queixosas. clínicas, verificou-se um índice de Setenta e sete por cento das inquiri- massa corporal dentro dos valores das com problemas de excitação normais (IMC=24.8 Kg/m2). As patoeram heterossexuais, 13% não res- logias mais referidas foram ansieponderam a esta questão e cerca de dade (33.9%), depressão (32.9%) e 9.9% eram parcialmente ou exclusi- alergias (22.3%). O stress estava pre-

sente em 80.6% das queixosas. Oitenta e quatro por cento das inquiridas com problemas de orgasmo eram heterossexuais, 11.9% não responderam a esta questão e cerca de 3.8% eram parcialmente ou exclusivamente homossexuais. Relativamente à frequência de relações sexuais, verificou-se que as mulheres com disfunção orgásmica têm menor número de relações sexuais e que a frequência diminui com o aumento da gravidade da patologia. Das 301 mulheres identificadas como tendo alterações do orgasmo 203 (67.6%) tinham concomitantemente alterações do desejo sexual, 196 (65.3%) tinham alteração da excitação e 171 (56.7%) tinham dor/ desconforto na relação sexual.

Desconforto/dor na relação sexual Foram caracterizadas 324 mulheres com grau ligeiro a severo de desconforto/ dor na relação sexual. A situação foi mais frequente nos grupos etários mais jovens (26.5% entre 18 e 29 anos e 25.3% entre 30 e 39 anos). Relativamente à distribuição regional, verificou-se uma prevalência superior no Centro (31.3%) e muito baixa no Alentejo e Algarve (5.9% em cada). Das mulheres com problemas de, 117 em 324 (36.1%) tinham filhos. A situação de desconforto e dor predomina nas mulheres casadas (29%). Embora a maioria das mulheres com esta disfunção tenham o ensino secundário (10º ao 12º ano), foi no grupo com maior nível de escolaridade que se verificou uma maior prevalência desta situação (35.3%). No que diz respeito a características clínicas, verificou-se também um índice de massa corporal dentro dos valores normais (IMC=24.3 Kg/m2). As patologias mais referidas foram ansiedade (32.1%), depressão

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(27.2%) e alergias (23.5%). O stress estava presente em 81.0% das mulheres. Oitenta e um por cento das inquiridas com desconforto/dor na relação sexual eram heterossexuais, 12% não responderam a esta questão e cerca de 7% eram parcialmente ou exclusivamente homossexuais. Relativamente à frequência de relações sexuais, verificou-se que as mulheres com desconforto e dor na relação sexual têm menor número de relações sexuais e que a frequência diminui com o aumento da gravidade da situação. Das 324 mulheres identificadas como tendo dor ou desconforto na relação sexual, 172 (53.2%) tinham concomitantemente alterações do desejo sexual, 173 (53.3%) tinham alteração da excitação e 171 (52.6%) tinham alterações do orgasmo.

Discussão Este estudo conta com uma amostra de 1250 mulheres portuguesas entre os 18 e os 75 anos (idade média=44) numa distribuição aproximadamente representativa de todas as regiões do continente, sendo 76.5% residentes em concelhos urbanos. Relativamente à caracterização clínica, as principais patologias referidas foram a ansiedade (24.9%) e a depressão (19.2%). Parece-nos significativo destacar nesta amostra da população portuguesa, os 16.8% de mulheres que referem estar a tomar antidepressivos. Os resultados relativos à prevalência da disfunção sexual feminina, um dos focos deste estudo, revelam uma prevalência de 56.4% de mulheres – que referiram ter pelo menos um tipo de disfunção qualquer que fosse a intensidade da mesma – e 18.6% de mulheres que classificaram o seu problema sexual como moderado / grave ou severo / completo. Estes re-

sultados ilustram bem uma problemática importante relativamente à classificação e diagnóstico das disfunções sexuais femininas: a questão problema vs. disfunção. Nem todos os problemas ou dificuldades sexuais constituem uma disfunção. O resultado de 56.4% de prevalência de disfunção sexual feminina, inclui as disfunções classificadas neste estudo como ligeiras, o que reflete a existência de algum tipo de dificuldade nas vivências sexuais. Por outro lado, os resultados mostram que 75% das mulheres revelaram ficar muito satisfeitas ou satisfeitas se mantivessem a atual função sexual. Ora este resultado é muito claro, e de alguma forma demonstra que os 56.4% não traduzem a prevalência de disfunções sexuais. Se mais de metade da amostra fosse de mulheres disfuncionais (56.4%), não encontraríamos 75% satisfeitas com a atual função sexual. Assim, na análise dos resultados, pensamos que são os 18.6% que traduzem o grupo de mulheres com disfunção sexual. Por outro lado, e decorrente do tipo de metodologia utilizada – um questionário de autoresposta –. devemos ainda considerar que os resultados são baseados numa avaliação das próprias mulheres e não num diagnóstico clínico. Quanto à análise dos tipos de disfunção, os resultados revelam percentagens muito semelhantes nos diferentes quadros de disfunção: 35% de problemas de desejo sexual, 34.1% de problema de desconforto/dor na relação, e exactamente o mesmo valor para a disfunção da excitação e do orgasmo (31.6%); e ainda os 11% de mulheres que apresentaram simultaneamente todos os tipos de disfunção. No grupo das 350 mulheres identificadas como tendo problemas de desejo sexual, 65.7% tinham concomitantemente alterações da excitação, 58.1% tinham alterações do orgasmo e 49.2% tinham desconforto/dor na relação sexual. Esta ele-

vada frequência de sobreposição de diagnósticos também se verifica nos outros grupos de disfunções. Pensamos que estes dados ilustram claramente a questão da sobreposição de disfunções, como verificamos na prática clínica. Com bastante frequência encontramos mulheres com mais de um tipo de disfunção, o que demonstra o carácter circular, em vez de sequencial, da resposta sexual feminina. Pensamos aliás, que as disfunções sexuais femininas constituem um espectro muito diversificado de dificuldades. Daí, a entrevista clínica ser ainda o melhor instrumento de avaliação. Relativamente à caracterização do grupo de mulheres com disfunções sexuais, os resultados revelam que, em geral, as perturbações sexuais estão associadas positivamente às patologias da ansiedade e depressão, como seria de esperar, bem como a outras variáveis como o baixo nível educacional, menor número de relações sexuais e o estado civil “casadas”. Outro resultado a destacar, diz respeito aos problemas sexuais dos parceiros. A grande maioria serão parceiros masculinos, pois a amostra é maioritariamente heterossexual. Quando questionadas relativamente ao tipo de disfunção sexual do parceiro, 49.7% referiram a diminuição do desejo sexual do parceiro. Este dado pareceu-nos inicialmente estranho, pois o desejo hipoactivo não é considerado um frequente problema masculino. Contudo, a avaliação masculina do estudo EPISEX-PT revelou que a diminuição do desejo sexual foi a disfunção mais prevalente na população masculina avaliada, com 15.5%, contudo um valor bastante afastado do que foi referido pelas mulheres. Relativamente às implicações clínicas deste estudo, consideramos significativo os 85.2% de mulheres que considera que o médico deveria in-

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CADERNOS DE SEXOLOGIA • NÚMERO 4 JANEIRO/JUNHO 2011

quirir sobre possíveis dificuldades sexuais, contudo, apenas 53.8% declarou já ter sido questionada pelo médico sobre a sua vida sexual. Sabemos que o profissional de saúde pode não ter formação adequada para tratar uma disfunção sexual, mas pode sim detectar a existência de problemas, averiguar o grau de preocupação e interesse do doente em resolver e por conseguinte, reencaminhar para outro profissional com formação sexológica. Neste estudo, os resultados mostram que apenas 55% das mulheres com disfunção sexual consultaram um profissional de saúde. Quando surge um problema sexual a procura de ajuda deve fazer-se o quanto antes, o que permite intervir antes do problema evoluir para uma disfunção. Quando surgem dificuldades sexuais, o tempo é um potencial inimigo. Outro aspecto interessante, são os 20.9% de mulheres que recorreram à internet para informações sobre disfunções sexuais. Atualmente, alguns anos depois da recolha destes dados, este valor dever-se-á ter alargado muito, ninguém duvidando da sua eficácia como meio de divulgação e desmistificação dos problemas e disfunções sexuais. Devemos assinalar a principal limitação deste estudo que está relacionada com a metodologia utilizada. O instrumento de medida é um questionário de auto-resposta, são as próprias mulheres que fazem uma auto-avaliação da sua situação de funcional vs. disfuncional, por conseguinte, a validade interna pode estar comprometida. Sabemos que o melhor método de avaliação das disfunções sexuais é a entrevista clínica. Contudo, pensamos que este estudo, com uma amostra de 1250 mulheres

portuguesas e uma taxa de resposta de 68%, oferece um contributo considerável, abrindo caminho para futuras investigações no campo da sexualidade feminina – um campo de estudo negligenciado até há bem pouco tempo – focando a importância da saúde sexual como uma esfera a ter em conta na qualidade de vida e bem estar em geral.

Conclusão Segundo os resultados do estudo EPISEX-PT Feminino, a prevalência global de um qualquer tipo de disfunção sexual feminina – incluindo as ligeiras – atinge aproximadamente 2.210.000 mulheres portuguesas, ou seja 56% da população feminina com mais de 18 anos. Dizendo de outra maneira, apenas aproximadamente 1.710.000 das mulheres portuguesas com mais de 18 anos (44%) não sofrem de qualquer tipo ou grau de disfunção sexual. A análise por tipo de disfunção mostrou que cerca de 1.523.000 mulheres (35%) têm algum grau de diminuição do desejo sexual; cerca de 1.254.000 mulheres (32%) algum grau de diminuição da excitação/ lubrificação; cerca de 1.254.000 mulheres (32%) algum grau de dificuldade de orgasmo; e cerca de 1.332.000 portuguesas (34%) algum grau de dor ou desconforto durante a relação sexual. Todos esses resultados devem, contudo, ser analisados com precaução, pois a prevalência global da disfunção sexual significativa, isto é, de grau moderada e grave, foi muito menor: apenas 729.000 mulheres (19%). Consideramos que este é o

número de portuguesas que se deve considerar como possuidora de disfunção sexual, com necessidade de intervenção terapêutica. Contudo, consideramos igualmente importante a procura de ajuda especializada também nos casos em que, embora não exista o diagnóstico de disfunção, se verificam dificuldades ou problemas sexuais que podem ser resolvidos, de modo a permitir uma vivência da sexualidade mais satisfatória.

Os autores Pedro A. Vendeira, MD, PhD [email protected] Consultor de Urologia do Hospital de S. João. Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Responsável do Núcleo de Urologia da Clínica Saúde Atlântica, Porto. Investigador da iSEX – Associação para o Estudo Avançado da Sexualidade Humana. Nuno Monteiro Pereira, MD, MSc, PhD [email protected] Urologista. Mestre em Sexologia. Doutorado em Cirurgia/Urologia pela Universidade Nova de Lisboa. Professor Associado da ULHT. Director da Clínica do Homem e da Mulher. Director da iSEX – Associação para o Estudo Avançado da Sexualidade Humana. Fátima Serrano, [email protected] Consultora de Ginecologia da Maternidade Dr. Alfredo da Costa. Assistente de Ginecologia da Faculdade de Ciências Medicina da Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Sexologia pela Universidade Lusófona. Investigadora da iSEX – Associação para o Estudo Avançado da Sexualidade Humana. Ana Alexandra Carvalheira, PhD [email protected] Psicóloga Clínica. Investigadora da Unidade de Investigação em Psicologia e Saúde, ISPA, Lisboa. Investigadora da iSEX – Associação para o Estudo Avançada da Sexualidade Humana.

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