Erosão do solo no estado do Paraná: uma revisão histórica

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Erosão do solo no estado do Paraná: uma revisão histórica Tiago Santos Telles(1); Graziela Moraes de Cesare Barbosa(2); Rafael Fuentes Llanillo(3); Carlos Eduardo das Neves(4); Alexandre de Assis Marques dos Reis(5) & Maria de Fátima Guimarães(6) (1) Pesquisador, Área de Socioeconomia (ASE), Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), Londrina, PR, C.P. 481, CEP 86001-970, [email protected] (apresentador); (2) Pesquisadora, Área de Solos (ASO), IAPAR, Londrina, PR, C.P. 481, CEP 86001-970, [email protected]; (3) Pesquisador, ASE, IAPAR, Londrina, PR, C.P. 481, CEP 86001-970, [email protected]; (4) Bolsista ATP-A/CNPq, Geógrafo, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR, C.P. 6001, CEP 13012-970, [email protected]; (5) Bolsista ATP-B/CNPq, Curso de Geografia, UEL, Londrina, PR, C.P. 6001, CEP 13012-970, [email protected]; (6) Professora Associada, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Depto. Agronomia, UEL, Londrina, PR, C.P. 6001, CEP 13012-970, [email protected].

Apoio: CNPq.

RESUMO: As atividades de pesquisa e extensão sobre o manejo e a conservação dos solos agrícolas desenvolvidas no estado do Paraná, com destaque aos estudos sobre erosão, encontram-se dispersas na história. O objetivo deste trabalho foi apresentar, através de um resgate histórico, as pesquisas e os programas realizados no estado do Paraná, que possibilitaram o desenvolvimento de tecnologias para o controle da erosão do solo. Para tanto, foram utilizados os relatórios técnicos anuais do IAPAR e dos programas e políticas públicas desenvolvidos no estado, empregando o método de revisão histórico-bibliográfica. Um amplo trabalho de planificação de uso, manejo e conservação dos recursos naturais foi executado, em microbacias hidrográficas, representando feito pioneiro no Brasil, pelo seu enfoque, duração e dimensões. No entanto, os problemas de degradação ambiental por erosão e os prejuízos a ela associados são prementes. Muitos agricultores têm negligenciado o manejo da cobertura do solo e os princípios básicos do PD, retirando o sistema de terraceamento e executando semeadura e tratos culturais morro abaixo. Nesse contexto, políticas públicas são imprescindíveis para manutenção da consciência ambiental de todos os agentes sociais, visando o controle da erosão do solo. Palavras-chave: manejo e conservação do solo e da água; políticas públicas; Plantio Direto.

INTRODUÇÃO A utilização dos solos agrícolas no estado do Paraná sofreu profundas modificações ao longo de sua história. Entre as décadas de 1930 e 1950 sobressaíram às exportações de madeira e erva mate, bem como a pecuária extensiva sobre pastagens naturais. De 1946 a 1963, foi a época do café, período no qual o estado foi o maior produtor desta commodity no país. Entretanto, em julho de 1975, em função de forte geada, cafezais foram dizimados. Esse fator colaborou para substituição, que já vinha ocorrendo desde 1968, da monocultura do café para o

binômio trigo-soja em larga escala. Assim, além do cultivo do café, que se dava em muitas das vezes, sem práticas conservacionistas, o cultivo com a sucessão trigo-soja mediante mecanização intensiva e inadequada, se constituíram como fatores agravantes da erosão no Paraná. Em função disso, o problema da erosão – e a falta de conservação do solo – no Paraná já era alvo de preocupação dos governos federal e estadual, de algumas entidades e produtores rurais desde o final da década de 1960. No entanto, as tecnologias e os sistemas de preparo e manejo disponíveis naquela época não se mostraram eficientes no controle da erosão do solo. Na década de 1970, diversas iniciativas forma desenvolvidas para modificar as técnicas de manejo que vinham sendo adotadas. Produtores rurais do Paraná, preocupados com a erosão, deram os primeiros passos para a utilização das tecnologias de conservação dos solos que estavam sendo desenvolvidas, e ainda em fase de testes, na Europa e nos Estados Unidos. A união de esforços das várias esferas da sociedade (produtores rurais, Estado e institutos de pesquisa, ensino e extensão), se concentrou no desenvolvimento do Plantio Direto (PD). As perdas geradas pelo processo erosivo e a demanda de tecnologias para o seu controle fomentaram a pesquisa e a formulação de políticas públicas, que através de programas tinham a premissa de controlar o avanço da degradação das terras agrícolas. As principais tecnologias desenvolvidas com a finalidade de equacionar essas perdas, no Paraná, foram o uso de terraços em solos cultivados e o PD. Embora muito tenha sido desenvolvido, as atividades de pesquisa e extensão sobre o manejo e a conservação dos solos agrícolas desenvolvidas no estado do Paraná, com destaque aos estudos sobre

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erosão, encontram-se dispersas na história. O objetivo deste trabalho foi apresentar, através de um resgate histórico, as pesquisas e os programas realizados no estado do Paraná, que possibilitaram o desenvolvimento de tecnologias para o controle da erosão do solo. MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados os relatórios técnicos anuais do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) e dos programas e políticas públicas desenvolvidos no estado do Paraná, com ênfase no manejo e na conservação do solo e da água. Para realização do estudo foi empregado o método de revisão histórico-bibliográfica. RESULTADOS E DISCUSSÃO No final da década de 1960, iniciaram-se as atividades de cooperação técnico-científicas entre o governo brasileiro e o alemão, visando encontrar soluções para o problema da erosão do solo. Foi então que o Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária Meridional (IPEAME), vinculado ao Ministério da Agricultura (MA), com sede no município de Colombo1, no Paraná, estabeleceu acordo com a Agência Alemã de Cooperação Técnica (GTZ) e com a Imperial Chemical Industries (ICI)2 para desenvolver ações de pesquisa em conservação do solo, nas Estações Experimentais de Ponta Grossa e de Londrina3 – que estavam sobre a jurisdição desse Instituto4. Além disso, produtores rurais do Paraná, também preocupados com o problema da erosão no estado, deram início à utilização das tecnologias de conservação dos solos que estavam sendo desenvolvidas e ainda em fase de testes. Entre esses produtores, merece destaque Herbert Bartz, do município de Rolândia, que, mediante testes orientados desde 1969, pelo especialista da GTZ, Rolf Derpsch, e com o apoio da equipe técnica da ICI, viajou aos Estados Unidos e Inglaterra, e importou equipamentos para dar início ao PD, em 1972 (Casão Junior et al., 2012). Também, em 1972, foram criados o IAPAR e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária 1 O IPEAME/MA de Colombo é o antecessor da atual Embrapa Floresta. 2 Atualmente denominada Syngenta. 3 As Estações Experimentais do IPEMA/MA em Ponta Grossa e Londrina, foram absorvidos pela Embrapa e, posteriormente, pelo IAPAR 4 Para maiores detalhes sobre o tema ver Derpsch et al. (2010) e Casão Junior et al. (2012).

(EMBRAPA) e iniciadas as pesquisas com PD. Em 1975, o IAPAR implanta o Programa Manejo e Conservação de Solos, visando o estudo e desenvolvimento de sistemas de manejo de solos, principalmente o PD para o controle da erosão no estado. Entre 1970 e 1977 foi desenvolvido o Projeto Noroeste do Paraná, um dos primeiros que tinha como caráter prioritário o controle da erosão do solo. Entre 1975 e 1987 foi criado o Programa Nacional de Conservação dos Solos (PNCS), para promover o combate à erosão do solo e garantir o desenvolvimento e adoção de práticas conservacionistas5. Entre 1976 e 1979, foi desenvolvido, no estado do Paraná o Programa Integrado de Conservação dos Solos (PROICS), que visava à demarcação de curvas de nível para implantação de práticas mecânicas de conservação de solo, especialmente o terraceamento. O programa atingiu, com as práticas de terraceamento e plantio em nível, quase 2,5 milhões de hectares, atendendo a cerca de 72 mil propriedades rurais, em 130 municípios. A necessidade de informações acerca dos problemas da erosão rural no estado do Paraná, juntamente com a política nacional (PCNS) e estadual (PROICS) de conservação de solos levou o IAPAR a desenvolver atividades de pesquisa, as quais objetivaram avaliar os custos e a eficiência do controle da erosão sobre diferentes condições físicogeográficas (solo e clima), avaliar as perdas através de chuva natural e simulada em distintas culturas agrícolas e em diferentes formas de preparo, estabelecer práticas conservacionistas e homogeneização de tecnologia. Para tanto, em 1975 foram instalados, pelo IAPAR, parcelas experimentais em diferentes municípios para avaliar as perdas por erosão (Fig. 1). As primeiras parcelas de erosão foram instaladas em Londrina, sendo conduzidas tanto com chuva natural quanto simulada, com solo sem cobertura – parcela padrão da Equação Universal de Perdas de Solo (USLE) – e com as culturas de algodão, café, milho, pousio, soja e trigo, em preparo convencional (PC) e PD. Em Bela Vista do Paraíso os experimentos foram conduzidos em condição de chuva natural, com solo sem cobertura e com as culturas de aveia, café, milho, soja e trigo, em PC e PD. Em Campo Mourão, os mesmos ocorreram em condição de chuva natural, com solo sem cobertura e com as culturas de milho, 5 O programa foi revogado em 05/03/1987, pelo Decreto 94076, e substituído pelo Programa Nacional de Microbacias Hidrográficas (PNMH).

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soja e trigo, em PC e PD. Em Paranavaí os experimentos foram com chuva natural, com solo sem cobertura e com as culturas de amendoim, Brachiaria, café, cana-de-açúcar, colonião, mamona, mandioca, milho e tremoço, em PC. No município de Rolândia os experimentos foram com chuva natural, tendo como culturas a soja e o trigo, PC e PD. Em Ponta Grossa os experimentos foram com chuva natural, com o solo sem cobertura e com as s culturas de aveia preta, milho, soja, tremoço e trigo, em PC e PD. Os experimentos de Lapa, com chuva natural, forma realizados em solo sem cobertura e nas culturas de aveia preta, batata, forrageira perene (coast-cross), feijão, mandioca, milho, pastagem, gramínea (pensacola), pousio e tremoço, em PC. Em Cianorte os experimentos foram com chuva natural, em solo sem cobertura e nas culturas de milho, soja e trigo, em PC e PD. Em Morretes os experimentos foram com chuva natural, em solo sem cobertura, no PC. Em Cerro Azul foram com chuva natural, em solo sem cobertura, na cultura de citrus-ponkan, com sistema tradicional de preparo.

Figura 1. Experimentos em erosão desenvolvidos pelo IAPAR, a partir de 1975, no estado do Paraná. Um dos primeiros projetos de C&T executado no IAPAR pelo Programa Manejo e Conservação de Solos, foi realizado em pareceria com a GTZ, dentro de um projeto denominado Controle da Erosão do Solo no estado do Paraná. O referido projeto foi desenvolvido entre os anos 1977 e 1985 e teve como objetivo recuperar e preservar o potencial produtivo dos solos paranaenses que vinham sendo degradados com a expansão da cafeicultura na região (Derpsch et al., 1991; 2010). Com essa rede de colaboração se consolidaram as pesquisas e o PD, no Paraná.

Entre 1983 e 1986, foi desenvolvido o Programa de Manejo Integrado de Solos (PMIS), que buscava a superação de problemas técnicos remanescentes do PROICS e o manejo adequado do solo com vista a sua conservação. Entre 1987 a 1990, foi executado o Programa de Manejo Integrado de Solos e Água (PMISA). Tinha como objetivo estimular a adoção do manejo conservacionista do solo e da água, tanto em uma propriedade quanto em microbacias, visando otimizar o uso dos fatores de produção, aliado à recuperação e a preservação permanente dos recursos naturais. O programa contou com a participação comunitária e institucional e sua contribuição foi decisiva por estabelecer as bases para os programas posteriores de manejo e conservação do solo e da água. Embora prevendo a integração de um conjunto de práticas para a preservação dos recursos naturais, a continuidade da erosão hídrica e a premência de seu controle, especialmente nas regiões Oeste, Norte e Noroeste do Paraná, fez com que o programa mantivesse a prioridade na utilização de práticas mecânicas, complementadas com ações de uso de plantas de cobertura e adubação verde, correção do solo e reflorestamento. Entre 1975 e 1984, foi desenvolvido o PRONOROESTE, programa de desenvolvimento da região Noroeste do estado do Paraná, que visava à resolução dos problemas de erosão na região do Arenito Caiuá. Através de campanhas de difusão de técnicas de controle de erosão e PD, foram realizados trabalhos pilotos em microbacias hidrográficas em Campo Mourão (em 1980) e em Nova Santa Rosa (entre 1981 e 1982). Entre 1990 a 1996, foi o desenvolvido o Paraná Rural, com foco no combate ao avanço do processo erosivo. Tratava-se de um conjunto de ações voltadas para disciplinar o uso e o manejo dos solos e das águas, em bacias hidrográficas. A partir das constatações de que o sistema de uso e manejo do solo estava levando a agricultura paranaense a uma situação de perda de rentabilidade e agravando os problemas com poluição das águas e perdas de solo (Sorrenson & Montoya, 1989), e que ações isoladas não levavam à reversão do quadro erosivo, a solução pensada passou pela decisão de aumentar o poder de regulamentação e intervenção pública no processo, contando, no entanto, com uma maior participação comunitária no planejamento do espaço rural e da ação produtiva agrícola. O instrumental utilizado foi o plano de uso e manejo dos solos, tendo como o universo a totalidade do estado, com prioridade as áreas com maiores problemas.

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O Projeto Paraná 12 meses foi executado entre 1998 e 2006, tendo com objetivos principais: amenizar a pobreza rural, viabilizar a recuperação dos solos e modernizar a agricultura familiar. Para a viabilização da recuperação dos solos as estratégias técnicas focaram no aumento dos rendimentos físicos das atividades agropecuárias, através da redução da degradação do meio ambiente e do manejo adequado dos recursos naturais, controlando a erosão e melhorando a fertilidade dos solos; e na eficiência técnico-econômica e capacidade de competição das unidades produtivas familiares, por meio da intensificação dos sistemas de produção e da diversificação e verticalização da produção. A grande amplitude e a falta de planejamento no desenvolvimento de ações comprometeram os resultados obtidos. O Projeto Paraná Biodiversidade, implementado entre 2003 e 2009, teve por objetivo promover a conservação e manejo da biodiversidade natural constituída por espécies, da flora e da fauna de ocorrência original para as áreas consideradas no projeto. Introduziu o conceito de corredores ecológicos para conservação da biodiversidade, considerando as microbaciais hidrográficas como unidades de intervenção e planejamento. Embora instrumento de articulação entre a produção agrícola e a proteção da biodiversidade, sua abrangência foi em apenas 10% do território paranaense. Entretanto, com a redução das perdas de água e solo preconizadas e confirmadas pelo PD, e pelos resultados alcançados pelo conjunto de programas e políticas públicas desenvolvidos no Paraná, muitos agricultores do estado passaram a retirar os terraços a partir de 2000. Essa prática trouxe de volta o problema de erosão, agora também nas lavouras em que o PD já estava implantado e consolidado. Frente a essa demanda, foi realizado novo estudo de um grupo de pesquisadores do IAPAR que, utilizando modelos para simular perdas de solo em diferentes espaçamentos entre terraços, comparou as perdas de solo em PD e em situação de PC, em condições de alta e baixa erosividade (Caviglione et al., 2010). Os autores concluíram que os terraços devem ser mantidos no PD por ser uma prática eficiente para controle da erosão, principalmente em anos de chuvas mais intensas. O boletim técnico respaldou a elaboração de uma resolução pela Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (SEAB), que normatiza o uso dos métodos de conservação de solos que devem ser adotados. A resolução está vigorando desde o dia 3 de setembro de 2010.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O estado do Paraná realizou um excelente trabalho de planificação de uso, manejo e conservação dos recursos naturais renováveis, em microbacias hidrográficas, representando um feito pioneiro no Brasil, pelo seu enfoque, duração e dimensões. No entanto, os problemas de degradação ambiental por erosão hídrica e os prejuízos a ela associados são prementes. O retrocesso nos sistemas de manejo do solo, presentes na atualidade, podem representar o retorno de processos erosivos severos. Muitos agricultores têm negligenciado o manejo da cobertura do solo e os princípios básicos do PD, retirando o sistema de terraceamento e executando semeadura e tratos culturais morro abaixo. Nesse contexto, políticas públicas focadas no uso, manejo e conservação dos recursos naturais, usando as bacias hidrográficas como unidade de referência, são imprescindíveis para manter sempre permanente a consciência ambiental na sociedade paranaense e brasileira, visando o controle da erosão do solo. REFERÊNCIAS CASÃO JUNIOR, R.; ARAÚJO, A.G.; LLANILLO, R.F. Plantio direto no Sul do Brasil: fatores que facilitaram a evolução do sistema e o desenvolvimento da mecanização conservacionista. Londrina, IAPAR, 2012. 77p. CAVIGLIONE, J.H.; FIDALSKI, J.; ARAÚJO, A. G.; BARBOSA, G.M.C.; LLANILLO, R.F.; SOUTO, A.R. Espaçamento entre terraços em plantio direto. Londrina, IAPAR, 2010. 59p. (Boletim técnico, 71). DERPSCH, R.; ROTH, C.H.; SIDIRAS, N. & KÖPKE, U. Controle da erosão no Paraná, Brasil: sistemas de cobertura do solo, plantio direto e preparo conservacionista do solo. Eschborn, GTZ/IAPAR, 1991. 272p. (Sonderpublikation der GTZ, 245) DERPSCH, R.; FRIEDRICH, T.; KASSAM, A. & HONGWEN, L. Current status of adoption of no-till farming in the world and some of its main benefits. IJABE, 3:1-25, 2010. SORRENSON, W.J. & MONTOYA, L.J. Implicações econômicas da erosão do solo e do uso de algumas práticas conservacionistas no Paraná. Londrina, IAPAR, 1989. 104p. (Boletim técnico, 21)

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