Esboço para uma Arqueologia da Crise

May 23, 2017 | Autor: André de Almeida | Categoria: Economia Política
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Esboço para uma Arqueologia da Crise
André de Almeida

1. O noticiário e as colunas econômicas têm sido tomados recentemente por
palavras como: ganância, irresponsabilidade, imprudência, alavancagem,
risco sistêmico, ativos tóxicos, etc. Elas vieram substituir o que até
então era: empreendedorismo, competição, eficiência, inovação,
instrumentos de diluição de risco, "produtos" financeiros
sofisticados, etc. A diferença na carga valorativa dos campos
semânticos de cada um destes conjuntos de palavras não se refere,
entretanto, a diferentes realidades objetivas, mas a uma mesma
realidade experimentando o seu desenvolvimento histórico. É certo,
portanto, que para uma história que tinha terminado e se cristalizado
no presente cause perplexidade uma mesma realidade – o capitalismo em
sua atual fase - se apresentar tão contraditória. Desnorteados, sobram
os adjetivos. Não sem razão. O que era tão firme e sólido – "os
mercados oniscientes" e "as sofisticadas finanças globais" conduzidos
em bases "científicas" – se diluiu e desmanchou no ar. O delírio de
alguns – situados convenientemente no parque dos dinossauros –
tentando pensar a partir de categorias como o trabalho e o capital, o
imperialismo e a exploração e a produção de bens e serviços
necessários, ganha novos adeptos a clamar por uma volta à economia
real. Mas como e por que a economia deixou de ser real? Esta é a
questão a ser enfrentada para, deixando de lado os juízos de natureza
moral, encontrar razões objetivas e, portanto, estruturais para esta
crise; situando-a no quadro das próprias contradições do capitalismo,
em sua versão neoliberal.
2. O primeiro passo para entendê-la é se perguntar por que o capitalismo,
a partir dos anos 80, foi mudando no sentido de se reorganizar em
torno do credo Neoliberal. Ou melhor, a que propósitos se voltava o
Neoliberalismo como a nova ideologia do capital. Eu creio que este
movimento se condensa em dois objetivos articulados: 1) eliminar
grande parte das conquistas alcançadas pelo mundo do trabalho no pós-
guerra e como decorrência estabelecer um patamar superior para as
taxas de acumulação do capital; e 2) para viabilizar o novo modelo,
implantar um novo padrão de hegemonia mundial para o centro do
sistema, ou seja, redefinir a tradicional liderança dos EUA em termos
de um poder imperial.
3. Para contextualizar estes objetivos seria importante, ainda que em um
vôo rasante, verificar os antecedentes da conjuntura que os engendrou.
O mundo do pós-guerra, para o centro do capitalismo, foi marcado por
uma política econômica – de corte Keynesiano – referenciada nas idéias
de pleno emprego, da oferta universal de serviços públicos e de uma
robusta rede de proteção social. Em maior (Europa) ou menor (EUA)
medida, estas características conformaram uma estrutura social que se
cristalizou no termo "Estado de Bem Estar".
4. Operadas nestes marcos as economias foram induzindo a uma apropriação
crescente da renda pelos trabalhadores. Considerando ainda o conjunto
de bens e serviços subsidiados, a renda líquida disponível para o
consumo apresentou uma trajetória ascendente. Isto permitiu uma
organização do capital voltada a investimentos na indústria de consumo
de massa.
5. Ao mesmo tempo, a arquitetura de Bretton Woods - com taxas cambiais
organizadas em torno de um dólar lastreado em ouro -, aumentos dos
ganhos de produtividade, consistentes taxas de crescimento e baixas
taxas de inflação, estabeleceram margens de lucro aceitáveis para o
capital. Aceitáveis, principalmente, quando comparadas com o seu custo
de oportunidade, ou seja, as taxas de juros de longo prazo que, por
sua vez, permaneceram estáveis e baixas por longo período. Aceitáveis,
ainda, dado o contexto político e geopolítico que se configurou a
partir do fim da guerra.
6. Neste contexto destaca-se o papel desempenhado pela União Soviética,
tanto como o próprio modelo alternativo como também no alargamento
objetivo das fronteiras de experiências socialistas. Soma-se ainda a
participação destacada de partidos e forças políticas de esquerda na
resistência e luta para a derrota do nazi-fascismo, o que propiciou a
sua crescente influência em seus respectivos países. Em conjunto,
estes e os antes mencionados, foram fatores determinantes para uma
correlação de forças que fortalecia a classe trabalhadora, liderada
pelo operariado.
7. A periferia deu também a sua contribuição para o que se convencionou
chamar de "era de ouro" do capitalismo. À sempre presente deterioração
dos termos de troca no comércio internacional, com a exploração
predatória de recursos naturais e produtos agrícolas, se associou um
incipiente processo de substituição de importações que se mostrou uma
importante fonte de remessas de lucros, royalties, etc.
8. Em resumo: crescimento econômico, sindicatos e trabalhadores
fortalecidos, um Estado atento ao bem estar e margens de lucro
condicionadas. O resultado: um pujante mercado de consumo de massas e
uma distribuição funcional da renda em torno de 70/30 entre o trabalho
e o capital.
9. O esgotamento deste modelo teve início nos anos 70. Como marco da
transição podemos registrar o rompimento unilateral, no governo Nixon,
da conversibilidade do dólar em ouro e a sua influência sobre as taxas
de câmbio e os preços relativos. Na seqüência ocorre o primeiro choque
no preço do petróleo em 1973. Em conjunto estes fatores reverteram o
comportamento tanto das taxas de crescimento como das de inflação,
dando início a um período caracterizado pelo termo "estagflação".
10. No plano geopolítico esta década assistiu, ainda, à derrota dos EUA na
guerra do Vietnam, às revoluções vitoriosas na Nicarágua e no Irã e à
ocupação soviética no Afeganistão. Associados aos problemas
econômicos, antes mencionados, estes fatos foram produzindo uma
percepção de enfraquecimento da potência líder no processo de
articulação do capital.
11. Merecem destaque, também, dois episódios do ano de 1979. A eleição de
Margareth Thatcher na Grã-Bretanha e o segundo choque do petróleo
(quase triplicando os preços) em decorrência da revolução iraniana.
Neste mesmo ano ocorre, então, o início do processo de restauração
conservadora. Em setembro, ainda no governo Carter, o FED (Banco
Central dos EUA, sob a presidência de Paul Volker) eleva unilateral e
brutalmente a taxa básica de juros.
12. No contexto em que se deu, esta medida obrigou a que todos os demais
países do centro do sistema a acompanhassem, sob pena de uma migração
descontrolada de capitais e os possíveis reflexos nas taxas de cambio.
Em conjunto, alta nos preços do petróleo e nas taxas de juros
produziram uma enorme recessão que se prolongou por alguns anos. Um
dos efeitos imediatos foi a derrota de Carter, em 1980, e a entrada em
cena de um agente de enorme importância para a reação do Capital: o
governo Reagan.
13. Junto com Thatcher, que já se encontrava no governo, Reagan, ao
assumir em 1981, deu início ao programa concreto de enfraquecimento e
enfrentamento do mundo do trabalho. Com uma forte recessão e um dólar
valorizado como pano de fundo ocorre, ainda, uma ampla abertura
comercial para produtos importados, beneficiando o Japão e os
emergentes asiáticos de então: Coréia, Taiwan, Cingapura e Hong Kong.
Ao mesmo tempo em que trazia sérias dificuldades para a indústria
tradicional local. Neste quadro o desemprego vai crescendo. Os
sindicatos, os salários e os direitos começam a ser atacados.
14. Em paralelo, o Estado vai retrocedendo em diversas atividades
relacionadas à prestação de serviços básicos. Empresas (especialmente
na Inglaterra) vão sendo privatizadas. Muitas greves, manifestações e
lutas populares. Todas tratadas com total intransigência, repressão e
demissões. Nenhuma negociação; pois tratava-se de afirmar o ideário
Neoliberal, no novo patamar que se estabelecia para a luta de classes.
O Capital estava na ofensiva.
15. Com a inflação pressionando os custos e as importações crescendo
estava dado o caminho a seguir pelo setor industrial tradicional:
redistribuir a cadeia produtiva externamente. A deslocalização da
produção se apresentava como mais uma arma no arsenal do Capital. A
esta se agrega ainda um aumento substantivo dos processos de imigração
– com a conseqüente redução dos rendimentos do trabalho - fechando,
em definitivo, o cerco sobre os trabalhadores.
16. Na outra ponta o novo patamar das taxas de juros, estabelecia o piso
para as taxas de lucro e acumulação esperadas, criando assim, as bases
para a predominância do capital financeiro e a crescente
financeirização da riqueza. Às empresas produtivas restava buscar, na
periferia, fatores de produção a baixíssimos custos no que se referia
à mão de obra e recursos naturais. O paulatino incremento da
participação de ganhos de natureza financeira também se apresentava
como alternativa para a equalização das taxas de lucro próxima dos
valores de esperados.
17. O governo Reagan implementou também uma nova política tributária onde
as maiores rendas e os ganhos de capital foram em muito desonerados.
Os cortes compensatórios dirigiram-se preponderantemente para os
gastos sociais. O mesmo realizou Thatcher na Grã-Bretanha. Era a
materialização da opção ideológica perseguida.
18. Outra opção central do governo Reagan foi o incremento da corrida
armamentista, com o projeto guerra nas estrelas como o carro chefe.
Para alem dos objetivos geopolíticos, referentes a forçar a União
Soviética a se desgastar na tentativa de acompanhar, isso cumpria um
papel de política industrial e tecnológica de reconfiguração da
composição da indústria, bem como de direcionar os gastos públicos de
acordo com a estratégia concebida, acarretando um aumento estrutural
na participação dos gastos militares no orçamento.
19. Os avanços alcançados na microeletrônica encontraram neste período um
forte desenvolvimento no sentido das aplicações ao sistema produtivo.
Os PC's, chips e os softwares correspondentes levaram à difusão da
automação, da robótica e à informatização crescente. As
telecomunicações em muito se beneficiaram desta mudança na base
técnica. Mudança que, na prática, também fragilizava o mundo do
trabalho, visto que acarretava uma diminuição dos postos de trabalho,
ao mesmo tempo em que exigia novas e mais sofisticadas qualificações.
20. A apropriação dos ganhos de produtividade decorrentes desta onda de
inovações, dada a fragilidade estrutural do mundo do trabalho, foi
feita pelo Capital, o que permitia uma elevação acentuada nas taxas de
acumulação.
21. Do ponto de vista da periferia, uma das conseqüências mais marcantes
de todo esse processo de reestruturação ocorre nas dificuldades com o
pagamento das dívidas externas e no financiamento dos déficits em
conta corrente. A moratória do México, em 1982, é o evento síntese
deste quadro. Mas o pior ainda estava por vir.
22. No front da política externa, verifica-se agora, não só um
enfrentamento direto com a União Soviética, o leste europeu ou Cuba,
mas também uma intervenção concreta contra qualquer aspiração de
transformações pela esquerda ou, mesmo, tentativas de soberania que
oferecessem qualquer resistência à afirmação do poder que vinha se
instituindo. A invasão de Granada, o apoio explícito a contra-
revolução na Nicarágua, o estímulo a guerras civis, como em Angola e
ao extermínio, como em El Salvador, o investimento na guerra do Iraque
contra o Irã são exemplos desta escalada de violência a serviço do
imperialismo.
23. Em todo este processo, digno de nota ainda, é a total domesticação da
social-democracia européia. Seja pela derrota eleitoral direta, seja
pela mutação sofrida pelos seus principais partidos, a pauta política
da esquerda foi virtualmente varrida do mapa. Era o pensamento único
vencendo a batalha ideológica e conquistando a hegemonia.
24. Ao longo da década de 80 ocorreram mudanças pontuais em relação ao
núcleo duro da política econômica que a inaugurou. O dólar se
movimentou em relação as outras moedas relevantes, valorizando-se ou
não, as taxas de juros ficaram maiores ou menores, os fluxos de
capitais migraram em uma direção ou outra; mas tudo convenientemente
acertado. O cerne do novo modelo sempre foi a referência.
25. Com o desmoronamento do bloco soviético – cujo marco simbólico foi a
queda do muro em 1989 – a década se encerra com a vitória das forças
do Capital. Os objetivos iniciais tinham sido alcançados. Um mundo
unipolar, dominado absolutamente – tanto do ponto de vista bélico,
ideológico ou econômico – pela potência líder dos interesses do
Capital: os EUA.
26. A ratificação, para que não subsistisse qualquer dúvida, se deu com a
guerra contra o Iraque, onde todo um aparato de altíssima tecnologia a
serviço da morte e da destruição foi posto em operação. Assim também
ocorre, por diversas vezes, durante o processo de esfacelamento da
Iugoslávia. Concomitantemente era também decretado o fim da História.
O presente, então, se eternizaria no que foi caracterizado como "A
Globalização". Suprimido o tempo, restava lançar-se ao espaço; todo o
mundo a ser conquistado e subjugado aos interesses do Capital.
27. Nesta fase expansiva, à periferia coube o chamado "Consenso de
Washington": privatização de tudo que fosse ofertado pelo estado ou
empresas públicas ( o que incluía bens, mas também serviços), abertura
comercial indiscriminada, respeito aos chamados direitos de
propriedade intelectual e total liberdade para os movimentos de
capital. Estes eram os requisitos para que os países pudessem ser
percebidos como confiáveis pelos "mercados". Na verdade tratava-se de
atender aos programas de relocalização das empresas produtivas
tradicionais e também às novas demandas trazidas pelos setores da
"nova economia" que se desenvolvia a partir dos êxitos na
microeletrônica, na informática e na biotecnologia.
28. O mais importante, no entanto, expressando a já quase absoluta
dominação do Capital Financeiro, era garantir a possibilidade dos
ganhos na arbitragem das taxas de juros e de câmbio; contando, ainda,
com a sempre presente, retirada de juros e amortizações sobre as
dívidas externas.
29. Neste quadro, as crises associadas aos balanços de pagamentos e aos
ataques especulativos contra as respectivas moedas se sucederam com
freqüência impressionante. O efeito devastador destas crises foi
reordenando o movimento da periferia no sentido de administrar suas
economias de forma quase mercantilista, de modo a acumular reservas,
preferencialmente em dólares. A contra face desta política era a
inevitável contração do consumo interno a fim de gerar todo esse
excedente.
30. Em paralelo verificou-se um processo de privatização da administração
de estoques reguladores (alimentos, metais, etc.) com efeitos
crescentes sobre a volatilidade dos preços. Mais uma fronteira para a
especulação.
31. Especulação, aliás, nada mais é do que o próprio movimento do Capital
Financeiro. Portanto, a marca destas décadas que conduziram o mundo a
esta crise. Bolhas, mais bolhas, aqui e acolá, umas depois das outras.


32. O argumento central deste texto se organiza a partir da idéia que todo
o processo de mudanças, ocorridas desde a década de 70, foi conduzido
de modo a garantir taxas crescentes para a acumulação do capital. O
Neoliberalismo que, inicialmente quase confinado ao círculo acadêmico
da Escola de Chicago, serviu como doutrina para a reação anti-popular
promovida pelas elites chilenas durante a ditadura de Pinochet, se
apresentou apenas como a construção ideológica necessária a
legitimação deste processo. Ao olhar-se para o mundo no limiar da
crise, é forçoso reconhecer o êxito desta empreitada.
33. O Capital conseguiu se apropriar de parcela adicional de 20% do
produto nos países centrais. Ou seja, a nova distribuição funcional da
renda passou a ser de 50/50. Com um sério agravante, visto que na
parcela alocada ao Trabalho se encontra também boa parte das
altíssimas remunerações obtidas pelos executivos de grandes
corporações e do sistema financeiro, assim como de toda a renda
associada ao mundo, crescente, de celebridades e congêneres. Aliado
aos novos paradigmas tributários, isto acarretou uma brutal
deterioração dos índices de distribuição de renda, com aumento
concreto da pobreza mesmo entre os países centrais.
34. No entanto o padrão de consumo desenvolvido durante a "Era de Ouro"
não foi substancialmente alterado. Creio, até, que se radicalizou com
a entrada em cena de toda esta nova parafernália eletrônica. Assim,
também, uma contradição foi sendo gestada concomitantemente. De onde
viria a renda para tanto consumo? Sem a circulação da mercadoria, por
que investir? Na falta de investimento, como se concretizaria a
reprodução do Capital? O circuito clássico D-M-D'estaria em xeque.
35. Ainda que estruturalmente o problema não se resolvesse, uma tentativa
de adiar os seus efeitos reais poderia ter sido uma redução do padrão
de consumo do centro e um correspondente aumento na periferia.
Entretanto, esta seria uma solução que enfrentaria enormes
resistências nos países centrais e, certamente, levaria à derrota os
seus agentes políticos. Mesmo porque, muito embora o pensamento único
estivesse sempre presente e nenhuma alternativa se encontrasse em
disputa, o jogo eleitoral permanecia.
36. Na periferia, as restrições seriam de outra ordem. O processo de
relocalização da produção, conduzida pelo capital monopolista na
procura por mão-de-obra com baixa remuneração, muito embora tenha
produzido uma incorporação de importantes contingentes da população ao
mercado de consumo, não produziu um aumento no salário médio que
pudesse compensar as perdas verificadas nas economias centrais.
Associa-se, ainda, a necessária contenção do consumo para o processo
de acumulação de reservas internacionais.
37. A solução de fato encontrada, na perspectiva do consumo, foi a
explosão do crédito e a financeirização total da economia. Estas duas
dimensões convergem na medida em que é o capital financeiro que
propicia o endividamento das famílias, não permitindo uma queda no
consumo correspondente à verificada na renda, ao mesmo tempo em que
permite às empresas produtivas ganhos financeiros com base nos fluxos
de caixa disponíveis. Constitui-se, portanto, dois circuitos
alternativos para o processo de acumulação: D-D' e D-M-D'-D''.
38. Em outra frente, estava dada, ainda, uma taxa de remuneração
estrutural para o Capital: os títulos de dívidas públicas. Na maior
parte do globo as políticas fiscais foram convenientemente ajustadas
de modo a assegurar o pagamento de juros e amortizações. Para além dos
desdobramentos em inúmeros instrumentos que permitiam os ganhos de
arbitragem, esta foi uma forma sutil do capital financeiro construir a
sua hegemonia, e controlar, de fato, as políticas fiscais e monetárias
dos governos. Sutil na exata medida em que as "democracias realmente
existentes" não permitiam uma consciência de suas populações para o
tipo de opção política que isto acarretava.
39. Porque todo o contracionismo fiscal e monetário (a exceção dos EUA)
que marcaram este período – na periferia, principalmente, mas não só –
acarretaram uma enorme contenção nas taxas de crescimento, aumento nos
índices de desemprego e limitação nos gastos sociais. Os
trabalhadores, neste contexto, continuavam a garantir os ganhos do
Capital sem que para tanto um único emprego fosse gerado ou uma única
atividade produtiva criada.
40. Muito embora ardilosos, estes meios que o Capital foi construindo em
busca do aumento das taxas de acumulação, diante de um quadro de
rendas do trabalho decrescentes, apresentavam limitações objetivas.
Neste contexto, então, a desregulamentação, que hoje é considerada uma
das causas da crise, nada mais foi do que um caminho natural para
garantir sobrevida a este processo. Na realidade, o que se verifica é
que a frouxidão regulatória foi conseqüência, e não causa, das
transformações que conduziram à crise.
41. É importante notar também que a espiral do crédito, estruturante para
este sistema, exigia altos índices de alavancagem e uma inflação de
ativos (as chamadas bolhas) que pudesse fazer face tanto às garantias
formais como produzir o chamado efeito riqueza. Sendo assim, verifica-
se mais uma vez, que estes fenômenos, tão freqüentes ao longo deste
período, são antes conseqüências do que causas.
42. Outra das causas, correntemente mencionada, é o caráter
estruturalmente superavitário de algumas economias em relação às
demais. No centro do sistema se encontram, neste caso, Japão e
Alemanha que, seja por razões histórico-culturais mais profundas
(vinculadas a hábitos de consumo), seja pelo caminho trilhado durante
a "era de ouro" (centralidade das exportações no modelo de
desenvolvimento), sempre mantiveram este comportamento, portanto, não
representaram novos fatores para o funcionamento do sistema. Na
perspectiva da periferia, como antes mencionado, o problema reside na
questão das reservas e nas restrições ao consumo interno. De novo,
então, muito mais vinculados às conseqüências do que às causas.
43. A questão central, portanto, deve ser encontrada em outra dimensão da
realidade. Parece-me que esta dimensão é o caráter estrutural do
investimento. Este tem sido, como já apontado, crescentemente
deslocado para regiões com menores remunerações do trabalho. Por
conseguinte, estes investimentos não são capazes de gerar a renda
necessária para a sua realização plena. Ou seja, com rendas do
trabalho declinantes e considerada a baixa elasticidade-renda do
consumo dos próprios capitalistas, as taxas de investimento
estruturalmente induzidas não são compatíveis com as taxas de lucro e
acumulação fixadas pelo Capital. Daí a proeminência do capital
financeiro. Esta é a contradição fundamental, responsável pelo
afastamento crescente da economia de sua base real: a produção e a
circulação de bens e serviços necessários. A fuga do real, a tentativa
de virtualização da economia a partir dessa miríade dos tais
instrumentos financeiros, se conseguiu, a partir de um poderoso
discurso ideológico respaldado em um poder militar sem precedentes,
apresentar-se de forma hegemônica ao longo do último período
histórico, parece ter encontrado nesta crise o início de sua
desconstrução.
44. Esta desconstrução, todavia, não necessariamente tomará o rumo da
superação da contradição de fundo. Ao contrário. Dada a atual
correlação de forças que conforma a luta de classes e a batalha das
ideologias pode-se prever uma tentativa de fuga para frente. A maior
parte das medidas anunciadas e efetivadas de combate à crise já
sugerem este caminho. Ao aportar quantidades inimagináveis de recursos
no sistema financeiro, os governos sinalizam suas reais prioridades.
Na verdade, todo esse dinheiro (que inexistia) não passa de um brutal
mecanismo de emissão de moeda. Este fato, embora não explicitado, tem
balizado algumas projeções de médio e longo prazo. A principal delas:
a necessidade de uma elevação significativa no patamar das taxas de
juros para se contrapor à expansão monetária agora realizada. Maiores
taxas de juros, especialmente as incidentes sobre as dívidas públicas,
garante um patamar de ganhos para o Capital. Uma maior regulação
talvez seja o preço a ser pago durante o tempo necessário para a
reorganização da próxima ofensiva. Por ironia, pode-se fechar esse
ciclo recente da acumulação capitalista exatamente como ele teve
início na década de 70.
45. Neste quadro, provável, o que restará para o mundo do trabalho não é
difícil de prefigurar. Os sinais já se fazem presentes. Alterá-lo
dependerá fundamentalmente dos êxitos que a esquerda anti-capitalista
possa obter no embate ideológico.
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