Escrevendo nomes, revelando intrigas: as implicações políticas de uma etnografia sobre política em São Gabriel da Cachoeira (AM)

May 23, 2017 | Autor: Aline Iubel | Categoria: Antrhopology
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30ª Reunião Brasileira de Antropologia 03 a 06 de agosto de 2016 – João Pessoa

GT 48 – Onde estava escrito? Criatividade, inovação e teoria etnográfica

Escrevendo nomes, revelando intrigas: as implicações políticas de uma etnografia sobre política em São Gabriel da Cachoeira (AM). Aline Fonseca Iubel Esta comunicação parte de algumas questões teóricas e metodológicas com as quais me deparei tanto durante a pesquisa de campo quanto na escrita de minha tese de doutorado, defendida no PPGAS da UFSCar em outubro do ano passado. Por motivos de economia do tempo, que sempre nos é escasso nessas situações de congressos e grupos de trabalho, vou fazer uma apresentação muito breve do que pretendia e alcançou a tese, para que vocês não se sintam como que caindo de paraquedas no meio de um monte de questões que estão mais desenvolvidas na própria tese. Aliás, há que se dizer que o tema dessa apresentação de modo bastante pontual e não muito desenvolvido apenas na Introdução daquele trabalho, mas, são questões que em certa medida determinaram as relações que desenvolvi durante a pesquisa de campo e as escolhas que fiz quando escrevo a partir daquele material. Como vocês verão, ainda aqui, o que apresento são muito mais questões e um início de reflexão que pretendo desenvolver. Acho que o debate aqui pode justamente favorecer este tipo de trabalho futuro. Então vamos lá!

A tese é uma etnografia das políticas feitas pelos índios no alto rio Negro em dois espaços principais: o movimento indígena e a prefeitura de São Gabriel da Cachoeira. O movimento organizado existe naquela região pelo menos desde a década de 1970. Já os debates acerca da política partidária, bem como as tentativas de alianças indígenas visando ocupar cargos eletivos no município, se intensificaram ao longo dos anos 1990. Em ambos os processos tomaram à frente das falas e trabalhos alguns líderes indígenas, que muitas vezes expressavam o movimento como espécie de “laboratório” para a política partidária. Ou seja, há diversos pontos de intersecção entre essas duas esferas que fazem como que não possam ser pensadas de modo apartado. Ao contrário, as descrições e análises de algumas narrativas e acontecimentos políticos do alto rio Negro que são apresentadas na tese mostram como nesses espaços os índios dialogam, debatem, lutam e disputam entre si, mas também com dois outros agentes fundamentais: brancos e Estado. Nesse sentido, a tese reflete sobre os processos políticos de constituição de uma socialidade indígena em relação ao Estado, que eles passam a “ocupar” (de modo mais efetivo, mas também simbólico) quando, em 2008, são eleitos dois índios para os cargos de prefeito e vice-prefeito de São Gabriel da Cachoeira. Os enredos, narrativas, ações e avaliações desses processos fundamentam uma argumentação na qual o idioma mais forte é o da transformação, da instabilidade e da reversibilidade. Meu tema inicial de pesquisa, quando fui a campo pela primeira vez era Estado, mais especificamente, a participação indígena em instituições estatais. Mas, o tema da política logo se impôs nas conversas e nas relações que começaram a se estabelecer. Tema quente, sem dúvida. Na tese há maiores detalhes, mas, abreviando muito, muitíssimo a história, a vontade de se eleger e eleger índios para cargos como vereadores, prefeito e vice-prefeito acompanha os índios da região desde a

redemocratização do Brasil, momento paralelo à criação e consolidação do movimento indígena regional. É preciso esclarecer ainda que estamos falando de uma região, o alto rio Negro, onde convivem cerca de vinte diferentes etnias, mais ou menos aparentadas, tanto em termos linguísticos, quanto em termos de relações de troca, de origem, etc... há sempre distâncias e proximidades a serem administradas e, em alguma medida, isso também é política. Uma política que, por sua vez (e aqui vocês terão apenas que acreditar em mim, pois não haverá tempo de demonstrar como isso se dá), se impõe a essas outras políticas que são feitas no movimento indígena, nos partidos e no Estado. O exemplo máximo dessa mixagem de políticas é justamente a aliança que foi feita entre Pedro Garcia e André Baniwa, os índios que foram eleitos prefeito e vice-prefeito em 2008. Resumindo mais uma vez, no movimento indígena eles trabalhavam bem juntos; na prefeitura, a aliança que foi feita na campanha se desfez mesmo antes de tomarem posse, com desavenças que só se acirraram durante a gestão. Durante a pesquisa de campo, que foi feita não apenas com essas lideranças indígenas mais diretamente envolvidas com o movimento indígena e com a política partidária, mas também com cidadãos e eleitores “comuns”, por assim dizer, não foram poucas as vezes que me foi solicitado que seus nomes fossem escritos – no caderno de campo, no trabalho, etc –, mesmo em se tratando deste tema “quente” que é a política. E é sobre esse constante pedido que me foi feito que pretendo refletir aqui, ou, de outro modo, das cláusulas dos contratos que “assinamos” em campo e que temos que seguir em um momento posterior: o da escrita. Para dar a dimensão de um dos modos que tal solicitação me era feita, cito a fala de um líder (já falecido): “infelizmente, quem escreveu a história dos povos indígenas do alto rio Negro até hoje não conseguiu colocar os nossos nomes na história. E isso me revolta.

Mas eu fico na minha. Falam assim: os líderes de Pari-Cachoeira fizeram isso! Será que esses líderes não tinham nome? Quando sai de PariCachoeira, quem traz a política de dentro para fora somos nós: Pedro Machado, minha família, Benedito Machado, Carlos Antônio Machado, Carlos, meu outro primo que já morreu, aí vem o Álvaro Sampaio. Nós fizemos isso, não foram os outros. Então, isso me revolta: líderes de PariCachoeira. Não tínhamos nome não?” Há várias implicações nessa fala. Desde a busca de certa autoria de alguns fatos considerados históricos até algo fundamental em todo o noroeste amazônico, que é a onomástica. Ter nome é condição existencial primordial tanto nos sistemas Tukano quanto Arawak do alto rio Negro, constituindo a ordem primeira de pertencimento ao mundo social. Além disso, aparece aí uma formulação recorrente em se tratando de política em São Gabriel, a ideia de “fazer nome” (tanto no movimento indígena quanto na política partidária). Mas, não era só isso. O interesse de ter “seus nomes escritos” muitas vezes se transformava ou se mesclava ao interesse em saber o que me revelavam outros índios, de outros grupos (étnicos e políticos). Por mais que isso fosse esperado, já que minhas conversas em campo eram sempre sobre temas e fatos políticos, cheios de controvérsias, intrigas, acusações, em alguns momentos o fato de “solicitarem ter seus nomes escritos” parecia também uma “autorização” e quase uma moeda de troca. Algo do tipo: eu estou te contando coisas um tanto secretas e deixo até você escrever meu nome, mas o que você tem pra me dizer? O que andaram te dizendo por aí? E aqui reside o ponto, a meu ver, mais complexo de toda a questão: fazer antropologia (pesquisa de campo e etnografia) foi e continua sendo, ao menos neste meu contexto de pesquisa, fazer política. Nunca me foi permitido ficar quieta ou encima do muro. Eu, enquanto pesquisadora, e

a minha pesquisa passaram a exercer diferentes interesses por parte dos interlocutores, que muitas vezes me viam como possível fonte de informação ou, até mesmo, espécie de “aliada” política. Até porque, tanto em política quando em contextos indígenas, quando não se é “aliado” é “inimigo” (pelo menos potencialmente). Ou seja, tanto em campo quanto na escrita, o que se revela – nomes e relações, que podem ser de aliança ou de inimizade, intriga, ódio, etc. – envolve “fazer escolhas” e “correr riscos”. Mas, além disso, o que estou querendo dizer, é que muito mais do que em nossas mãos, de antropólogos e antropólogas, parte do que poderíamos chamar “controle” da pesquisa, está nas mãos dos nossos interlocutores. São eles quem determinam os “contratos intrincados”, inclusive em suas letras pequenas. Outra experiência vivida durante a pesquisa de campo é capaz de demonstrar como esses “contratos” são apresentados ao pesquisador e levam nossa reflexão ainda para outra direção. Em 2011, Pedro Garcia estava pelo terceiro ano à frente da prefeitura de São Gabriel da Cachoeira. Foi neste ano que fui pela primeira vez ao município e conheci Pedro. Como vocês podem imaginar, a cidade é pequena, muitas vezes as pessoas se encontram na rua, na fila do banco, no comércio ou em eventos públicos. Encontrar Pedro em situações como essas não era difícil, mas, eu queria ter uma conversa mais aprofundada e tranquila com o prefeito. Cheguei a me apresentar a ele na entrada ou saída de alguns eventos. Entretanto, marcar um horário para falar com uma autoridade como o prefeito não foi tarefa tão fácil. A movimentação no gabinete costuma ser intensa e o tempo de espera para falar com o prefeito varia conforme o grau de proximidade ou a questão a ser debatida. Em campo, passei por pelo menos três tentativas

antes de conseguir entrar nessa sala. Eu já havia ido à prefeitura outras vezes, conversado com alguns secretários e funcionários. Mas, a quantidade de pessoas no gabinete do prefeito me intimidou. Da primeira vez, fiquei cerca de uma hora e meia esperando minha vez de falar com o prefeito. Mas, fui informada que ele precisou sair para uma reunião, certamente mais importante que atender uma antropóloga desconhecida.

Numa

segunda

tentativa,

pude

perceber

uma

movimentação mais intensa logo na entrada da prefeitura. Havia muitos carros, em geral, quem tem carro por lá é comerciante... de fato, naquele dia, um grupo de comerciantes lotava a antessala do gabinete do prefeito. Eles tentavam falar-lhe sobre atrasos nos pagamentos de diversas compras realizadas pela prefeitura em diferentes comércios pela cidade. O clima misturava tensão e certa jocosidade, já que, enquanto aguardavam, os assuntos eram os mais diversos, desde futebol, mulheres, viagens até negócios. Notava-se, entretanto, certa tensão por parte da secretária, que entrava e saía da sala do prefeito, juntamente com alguns assessores. Creio que eles procuravam uma alternativa para que o prefeito não tivesse que falar com os comerciantes. Dessa vez, eu fui a alternativa. Depois de aguardarmos cerca de uma hora, a secretária disse aos comerciantes que Pedro não poderia atender-lhes porque havia agendado uma entrevista comigo, “a pesquisadora”. Logo que o grupo se dissolveu, no entanto, fui informada pela secretária que o prefeito não poderia me atender naquele dia. Pediu para que eu voltasse no dia seguinte. Ter sido transformada em espécie de álibi na “fuga” do prefeito em relação aos comerciantes foi, talvez, o fator decisivo para que eu de fato fosse recebida pelo prefeito no dia seguinte. Afinal, Pedro sabia que eu estava ali e interessada em sua trajetória muito por conta do que eu soube a seu respeito antes de chegar a campo, através de meu orientador

(que trabalha com ele e sua família desde os anos 1990) – e de alguns assessores do Instituto Socioambiental – gente com a qual, suponho, Pedro não gostaria de se indispor. Na tarde seguinte, talvez devido ao fato de ser sexta-feira e da chuva grossa que despencava do céu, a prefeitura estava mais vazia do que de costume. Cheguei e prontamente fui recebida por Pedro. Entrei em sua sala, fracamente iluminada por apenas uma lâmpada. As janelas fechadas escureciam o ambiente. A parede atrás de sua mesa tinha uma pintura, retratando novamente temas amazônicos: um rio, animais e plantas. Na parede oposta à porta, uma pequena mesa, tomada por papeis. Algumas cadeiras espalhadas pela sala. Ele, trajando camisa social, sentava-se atrás de uma grande mesa, também cheia de papeis e pastas. Durante as quase duas horas em que conversamos sobre os mais diversos assuntos, ele rabiscava aleatoriamente em um pequeno pedaço de papel. Apesar da longa conversa, da sinceridade com que tratou alguns assuntos sobre os quais eu achava que ele não falaria – problemas financeiros da prefeitura, as dificuldades com o André, com o PT de São Gabriel da Cachoeira e o seu envolvimento com o tal “grupo do PT de Manaus” –, naquela tarde Pedro pouco me olhou. Ele olhava para baixo, para o papel que rabiscava incessantemente. Dois anos depois, em 2013, depois de ter ficado em quinto lugar nas eleições municipais de 2012, eu voltei à cidade. Para encontrar Pedro tive que ir à sua casa. Em uma primeira visita, fui recebida por seu filho mais velho, que me disse que seu pai não estava em casa, mas num dos sítios que eles têm nas proximidades da cidade. Ele me disse para retornar na semana seguinte, quando então o mesmo filho abriu uma fresta no portão, para que Pedro pudesse, de longe, ver quem estava do lado de fora. O homem que me recebeu era outro: mais magro e forte que o Pedro sentado atrás de uma mesa na prefeitura com o qual eu havia conversado

dois anos antes. Dessa vez, sem camisa, estendia em seu quintal duas redes de pesca para que secassem ao sol. Parou essa atividade para me receber. Apenas enxugou um pouco do suor de seu rosto com uma pequena toalha, que abanou durante nossa conversa para espantar alguns mosquitos. Sentamos na varanda e nas quase três horas de conversa, fomos interrompidos diversas vezes por sua pequena filha, a caçula dentre os sete, que insistia em chamar a atenção do pai. Somente ela e o filho mais velho estavam em casa, os outros estavam na escola. Nessa oportunidade, diferentemente do que aconteceu na prefeitura, Pedro me olhava nos olhos e me chamava pelo nome. Novamente, não se furtou a falar de temas a respeito dos quais eu achava que ele se esquivaria: falou dos processos judiciais nos quais era réu por conta de problemas e atrasos nas prestações de contas da prefeitura; falou da derrota nas eleições municipais; de seu afastamento do movimento indígena; da vida que vinha levando se dividindo entre os dois sítios que mantém nas proximidades da cidade. Ele parecia pouco resignado em “voltar a viver como índio, plantando e pescando”, pensava em quais seriam suas próximas tentativas na política partidária. Curiosamente, diversas lideranças me disseram durante a pesquisa de campo que quando não encontrassem mais o que fazer no movimento indígena ou na cidade voltariam a viver em sítios ou comunidades, “como índios”; Pedro foi, no entanto, o único dentre os líderes com os quais convivi durante os quase quatro anos de pesquisa que passou uma experiência próxima a um retorno. Embora não tenha sido exatamente uma opção desejada e consciente. Segundo ele, foi o que lhe restou fazer para alimentar a família. Ao fim daquela tarde, enquanto as crianças deixavam a escola que ficava ali perto, algumas pedras foram atiradas em seu portão e para dentro de sua casa, por cima do muro. Ele disse que aquilo se repetia todo dia. Difícil saber se era apenas uma

travessura infantil habitual em outras casas pela cidade, ou, se o alvo das pedras era sempre ou preferencialmente a casa do ex-prefeito. Nem ele sabia ao certo, pois Pedro já não andava tanto pela cidade. Os rumores eram de que ele só era visto no bar próximo a sua casa, quase sempre bêbado e sozinho. Esquecimento? Desprezo? Desconsideração? Qual a melhor palavra para definir o sentimento da população por Pedro após findada a gestão? Difícil escolher uma, sobretudo porque nenhuma expressaria a opinião geral nem seria definitiva. Transformações podem ocorrer a qualquer momento. Porém, a opinião e as atitudes daqueles que durante parte de sua trajetória, enquanto líder no movimento indígena e enquanto partidário do PT e político na cidade, completam um quadro revelador dos procedimentos de construção de novos tipos de chefe indígena, nesse contexto atualizado de contato com brancos, suas lógicas e coisas. Tradicionalmente, no alto rio Negro, guarda-se o termo de “chefe” para se referir a um “dono de maloca”, um “irmão mais velho” (que os outros habitantes da maloca), que por conta dessa condição teria a prerrogativa de organizar e coordenar as atividades coletivas do grupo que lidera. Mas, somente a prerrogativa não é suficiente para ser um chefe ou “dono de maloca”, é preciso cumprir uma série de requisitos, que envolvem falas e atitudes, que o conectam profundamente ao seu grupo, o verdadeiro responsável pela construção e manutenção de um chefe. Nessas sociedades, segundo Clastres e segundo o que é possível observar em campo, um “chefe sem poder” deve mostrar “habilidade, talento diplomático para consolidar as redes de aliança que garantirão a segurança da comunidade, coragem, disposição guerreira capaz de assegurar uma defesa eficaz contra os ataques dos inimigos ou, se possível, a vitória em caso de expedição contra eles” (2004, p. 148).

É a sociedade quem cuida para não deixar o gosto do prestígio transformar-se em desejo de poder, e, se um chefe começa a desejar demais, ele é abandonado ou morto. Mas, afinal, nos cerca de trinta anos que já contam a trajetória política de Pedro (no movimento e no partido) relações entre indivíduo e grupo(s), no sentido de que ambos se constroem mutuamente, são evidentes (o que não significa que o conteúdo dessas relações sejam também evidentes). Pedro diz que chegou à Prefeitura por conta dos apoios e amizades que fez ao longo de sua trajetória. De modo semelhante, seus antigos pares no movimento e no PT de São Gabriel da Cachoeira dizem, para expressar uma decepção, no entanto, que “construíram o nome de Pedro” e o “fizeram líder”. Nesse sentido, o mesmo grupo que “construiu o nome” de Pedro foi o grupo que o “abandonou” e “criticou fortemente” durante e após a gestão na prefeitura. É plausível pensar que tal atitude – crítica – contenha em si disputa por prestígio. E, “falar dos outros”, “colocar ou tirar nomes da história”, “fazer nome”, “escrever nomes”, tudo isso é fazer política. Nesse sentido, muito mais do que por eles ou sobre eles, minha pesquisa foi feita com eles. Não há uma autoridade (da pesquisadora) naquilo que agora está escrito (na tese, aqui e em artigos). Há algumas escolhas, é claro, mas elas são e foram muito mais determinadas pelas relações estabelecidas do que por pautas e temas que eu pudesse impor ou sobredeterminar. Até porque, a própria história do Pedro deixa isso evidente, as relações entre pesquisador e interlocutores mudam também porque os próprios pólos das relações mudam. Se um dia encontrei Pedro encamisado ocupando a cadeira de prefeito, em outro, conversei com ele na varanda de sua casa, rodeado por seus filhos e dedicado a desfazer os nós em suas redes de pesca. Se eram dois momentos bastante distintos de sua trajetória, a minha relação com ele também era diferente.

Nesse jogo de relações, a escolha do que escrever envolve também as escolhas que me eram apresentadas pelos próprios interlocutores em campo sobre o que falar. Não apenas sobre si próprios, suas perspectivas, conhecimentos e memórias. Mas, também, sobre os outros e sobre os conhecimentos que, teórica ou praticamente caberiam aos outros. Não foi inesperado, por exemplo, o interesse absurdo que essas minhas conversas com Pedro depois que ele tinha deixado a prefeitura despertaram em outras pessoas e lideranças, dado que ele deixou de ser uma “figura pública, deixou de frequentar o movimento indígena, reuniões e de “falar política” (embora não tenha deixado de fazê-las). Em contextos políticos, é de se imaginar que haja desavenças, acusações, e “disputas”. Não apenas por ganhar um eleitor, um pleito, um apoiador, mas por “ganhar” em discursos ou falar, impor suas perspectivas. E aqui, a coisa se complica um pouco por estarmos tratando de um contexto indígena. Por que se complica¿ Porque, como demonstrou a tese de doutorado, as características de um político no movimento indígena e na política partidária, não são as mesmas. Isso está dito tanto pelos dados de campo (que, por questão de economia do texto não há como apresentar em extensão e profundidade) quanto por outras etnografias, desde, por exemplo, Clastres que afirma, dentre outras coisas: “ao chefe que quer ‘bancar o chefe’, os outros viram as costas, na melhor das hipóteses, eles o matam” (2004, p. 275). Essa “morte”, simbólica ou real, é temida por alguns e empreendida por outros, muito através do que se revela, do que se fala, e, no atual contexto, através do que se registra, sobretudo por escrito. Solicitar que seus nomes sejam escritos em teses, livros, artigos, cadernos de campo e, também, penso eu, solicitar resistência, permanência, autoria e vida. Mas, é também, num contexto muito marcado pela mitologia, solicitar a “entrada da história”. Mas, isso seria assunto para um outro diálogo.

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