Escutando a elaboração em psicoterapia: O uso de índices de assimilação na compreensão da mudança

July 4, 2017 | Autor: David Dias Neto | Categoria: Mixed Methods, Psychotherapy and Counseling, Assimilation
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Escutando a elaboração em psicoterapia: O uso de índices de assimilação na compreensão da mudança David Dias Neto1, 2, Telmo M. Baptista1, & Kim Dent-Bown2 1. Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa 2. ScHARR, University of Sheffield Resumo: Esta investigação incidiu sob o processo de assimilação ao longo da psicoterapia. Procurou-se analisar as expressões dos clientes e terapeutas para identificar índices de assimilação. A investigação dividiu-se em dois estudos. No primeiro, o sistema de índices foi desenvolvido através de análise qualitativa e posteriormente aplicado a 30 sessões de clientes com depressão. Deste estudo resultou um sistema de índices agrupado em cinco dimensões, que apresenta boa fiabilidade inter-cotador, consistência interna e validade convergente. O segundo estudo constituiu uma aplicação longitudinal dos índices com a finalidade de contrastar casos em função do seu sucesso. Nove psicoterapias foram gravadas e analisadas e destas apenas três apresentaram uma incongruência entre o sucesso e os índices de assimilação. Estes casos foram então analisados qualitativamente. A análise salienta o valor dos índices na compreensão da assimilação e aplicabilidade clínica no planeamento da intervenção. Palavras-chave: Psicoterapia; Investigação de processo; Assimilação; Índices.

INTRODUÇÃO Em psicologia clínica e na psicoterapia, diferentes modelos de mudança tentaram enquadrar o processo de mudança no cliente (e.g., Horowitz, 1992; Prochaska, DiClemente, & Norcross, 1992). Um conceito chave na compreensão deste processo é o da assimilação, que foi aplicada à psicoterapia por Stiles e colaboradores no seu modelo: Sequência de Assimilação de Experiencias Problemáticas (APES; e.g., Stiles, 2001). De acordo com este modelo, o processo de mudança consiste na assimilação de experiências problemáticas, que são impulsos, pensamentos ou representações de eventos que provocam sofrimento para o cliente. Essas experiências são assimiladas através de uma série de estádios (e.g., Stiles, 2001). Este modelo é suportado por uma investigação diversa e extensa. Vários estudos de caso qualitativos têm sido usados para o apoiar e desenvolver teoricamente (e.g., Osatuke et al., 2005). O modelo tem sido ainda apoiado por vários estudos que relacionam quantitativamente a assimilação com medidas de processo e de resultado da psicoterapia (Detert, Llewelyn, Hardy, Barkham, & Stiles, 2006; Rudkin, Llewelyn, Hardy, Stiles e Barkham, 2007). O conceito de assimilação foi escolhido por se considerar que permite uma visão do self como sendo simultaneamente auto-perpetuador e mutável (Neto, Baptista, & Dent-Brown, 2011). No entanto, a observação da assimilação ao longo da terapia mostra que esta não é regular. Os clientes podem transpor estádios e alguns têm uma importância particular (Detert et al., 2006). Esta irregularidade também é encontrada noutros modelos de mudança (e.g., Prochaska, DiClemente, & Norcross, 1992). Uma alternativa aos modelos de estágio é conceber a mudança de acordo com modelos contínuos. No presente estudo, tendo em consideração estas observações, considerou-se a assimilação como sendo composta por dimensões que permanecem em diferentes graus no processo de mudança e evoluem continuamente. Adicionalmente esta investigação procurou descrever este processo recorrendo a índices de assimilação. Índices são marcadores ou sinais de um determinado processo. A identificação de índices ou marcadores psicológicos tem sido utilizada como forma de medir e operacionalizar diferentes processos psicológicos. Por exemplo, Greenberg e colaboradores (e.g., Greenberg & Foerster, 1996) procuraram identificar índices de tarefas 438



  afetivas recorrendo a um paradigma particular. Esses marcadores poderiam ser usados como indicadores para determinadas intervenções da terapia que estes autores desenvolveram. Seguindo uma abordagem diferente, Pennebaker desenvolveu um processo de análise de texto designado por Exame Linguístico e Contagem de Palavras (e.g., Pennebaker, Mehl & Niederhoffer, 2003). Esta abordagem contrasta com a de Greenberg no sentido que, na anterior os índices são definidos teoricamente. Na abordagem de Pennebaker, o sistema é aplicado a posteriori no sentido de se identificarem diferenças entre grupos (e.g., Pennebaker et al., 2003; Neto & Baptista, 2010). Na presente investigação, a assimilação é considerada um processo global de mudança que pode ser decomposta em dimensões e evolui de forma contínua. Estas dimensões são representadas por índices individuais que se agrupam de acordo com estas dimensões de processo. O processo de criação dos índices adotou uma abordagem que se situa entre a de Greenberg e a de Pennebaker, no sentido em que os índices foram procurados empiricamente nas narrativas do cliente, mas através do desenvolvimento de um enquadramento conceptual da assimilação. Desta forma esperava-se que, representando a assimilação, os índices fossem elementos observáveis. A investigação dividiu-se em dois estudos. O primeiro estudo teve como objetivo a formação e teste do sistema de índices. Num segundo estudo, os índices foram aplicados longitudinalmente e contrastados com o resultado das psicoterapias. ESTUDO 1 Os objetivos do estudo 1 foram identificar e construir um sistema de índices com base em análise qualitativa e testar a sua fiabilidade – consistência interna das dimensões e fiabilidade inter-cotadores – e validade – através do contraste com a APES.

METODOLOGIA Participantes. Trinta e três clientes adultos foram convidados a participar neste estudo. O clientes encontravam-se em diferentes momentos da psicoterapia, desde a primeira à 15ª sessão. Os critérios de exclusão foram a presença de síndromes psicóticos, défices cognitivos significativos e perturbação da personalidade. Dos 33 clientes, 31 aceitaram participar, mas num caso, a gravação ficou danificada, tendo sido excluído. Desta forma, 30 clientes foram incluídos no estudo. Vinte e seis clientes eram do sexo feminino com uma idade média de 37.0 anos (DP = 12.30). A amostra foi recolhida num hospital psiquiátrico de Lisboa, embora a população atendida nestes serviços seja de severidade moderada. Dezoito clientes (60%) foram classificados pelos terapeutas como tendo depressão subclínica e a maioria não apresentava comorbilidade (27; 90%). Dezoito clientes (60%) não tinham psiquiatra e para a maioria (20; 67%) tratava-se da primeira psicoterapia. O número médio da sessão gravada foi 7.0 (DP = 4.21). Catorze terapeutas foram convidados para participar no estudo, dos quais 11 aceitaram. A classificação das sessões de acordo com a orientação teórica foi a seguinte: 14 foram classificadas como psicodinâmicas, oito como integrativas ou ecléticas, seis como cognitivo-comportamentais e duas como familiares ou sistémicas. Índices de assimilação. Os índices foram desenvolvidos através de análise qualitativa que seguiu uma adaptação da Grounded Theory (GT; Strauss & Corbin, 1998). A análise qualitativa foi realizada em 14 das 30 sessões do estudo. Duas questões guiaram a análise. A primeira foi “o que é que no discurso é indicativo de assimilação?” e a segunda foi “quando e como está o cliente a demonstrar assimilação?”. Duas categorizações independentes foram realizadas: por tema e do processo de assimilação. O número elevado de índices levou a uma categorização pragmática em quatro temas principais: emoção, self/outro, tempo e pensamento. Estas categorias foram posteriormente subdivididas em 8 subgrupos com base em questões de orientação. Esta categorização temática foi exportada para a criação do manual, para facilitar a codificação. Na fase da codificação o manual não contempla a categorização de processo, o que dificulta o enviesamento da codificação. 439



  A segunda categorização tem como finalidade descrever o processo de assimilação e assume que independentemente dos temas, os índices representam dimensões diferentes e assimilação. Por exemplo, índices sobre emoção como “I1e02 Emoções assoberbadoras” estavam mais próximos de índices de outras categorias de tema como “I4m04 Incapacidade para atribuir significado” do que índices da mesma categoria como “I1e10 Detalhar experiência emocional”. Esta proximidade traduzia a representação de uma mesma dimensão de assimilação. Esta interconexão entre índices fica evidente quando estão enquadrados no contexto do discurso do cliente. P- […] E a sensação que eu tenho é que, por muito que eu vincasse que as coisas não estavam bem [...] Isso também nunca foi realmente levado em conta por ele de uma forma muito séria. E... quando eu sinto que fui um bocado estúpida e fui... panhonha [I2i05 Autocrítica inútil], ou que fui aquela miúda que fui chorar para o canto [I4m15 Criar uma metáfora]... porque... mesmo depois disso, durante muito tempo, eu sentia-me sentia sempre culpada da coisa... [I1e10 Detalhar experiência emocional] (...) e... parece que aí os papéis inverteram-se, porque... E durante muito tempo e mesmo hoje em dia, às vezes eu ainda penso dessa forma um bocado [I3p02 Identificação de um padrão]... Embora já... não pense tanto, mas... as coisas não... fazem sentido, porque eu... fui a pessoa que devia ter ficado... E fiquei mais magoada com ele e... provavelmente devia ter ficado sem falar durante meses e meses [I2i11 Auto-asserção] e no entanto havia sempre uma parte em mim que tentava pedir desculpa pelas coisas más que eu tinha feito [I2i12 Eu visto como partes/ I4m11 Ambivalência de significados]... [Participante A14]

A análise qualitativa levou à emergência de nove categorias de processo: ausência de elaboração, evitamento, dor, nomeação, significados externos ou cristalizados, estranheza, esboços, elaboração através de visões diferentes e ação. Durante esta análise, uma auditoria de pares (Lincoln & Guba, 1986) foi realizada por um investigador externo à investigação. O sistema foi ainda sujeito a duas aplicações piloto das quais resultaram novas alterações. A análise foi então transposta para a criação de um manual designado por sistema de índices de assimilação. Os índices não são categorias típicas, no sentido em a maioria das expressões não será codificada, mas antes elementos emergentes. Para cada índice, são dadas uma definição, exemplos, heurísticas e potenciais problemas na codificação. Embora o objetivo seja alcançar um resultado para a sessão inteira, a unidade de codificação é a expressão, que é definida pela mudança de interlocutor. Instrumentos. O Inventário de Depressão de Beck (BDI; Beck, Ward, Mendelson, Mock, & Erbaugh, 1961) foi o único auto-relato a ser usado. O BDI é um inventário com 21 categorias de itens que representam sintomas de depressão. As propriedades psicométricas do BDI têm sido extensamente documentadas (Beck, Steer, & Garbin, 1988; Vaz Serra & Abreu, 1973). O alpha para o presente estudo foi de .86 e a média da amostra foi de 17.9 (DP = 9.59). Com o objetivo de validar o sistema de índices, todas as 30 sessões foram codificadas independentemente com a Escala de Assimilação de Experiências Problemáticas (APES; Honos-Webb, Surko & Stiles, 1998). Nesta versão da APES, procura identificar-se um conjunto de marcadores de assimilação em excertos das sessões transcritas. Como a assimilação é considerada num contínuo, a APES permite quer a identificação do estágio, quer a produção de um score contínuo (0-7). A codificação foi realizada por três cotadores que não participaram noutros momentos do estudo e desconheciam os auto-relatos ou outras informações sobre os clientes. O procedimento de codificação seguiu o manual (HonosWebb et al., 1998) e Detert et al. (2006). Todos os cotadores receberam 15 horas de treino na APES e foram realizadas duas reuniões para a prevenção de drift, que é a tendência natural para cristalizar enviesamentos na codificação. No presente estudo, a APES apresentou um resultado médio de 1.9 (DP = 1.04). Procedimento. Os terapeutas convidaram os seus clientes a participar no estudo e uma única sessão de terapia foi gravada. As sessões foram então analisadas com o sistema de índices de assimilação. Dois cotadores, que não participaram noutro momento da investigação, foram recrutados para participar no estudo. Os cotadores estudaram o 440



  sistema de índices exaustivamente e foram realizadas quatro reuniões, num total de 20 horas de treino. Os cotadores não tinham acesso a nenhuma informação, para além da transcrição e do áudio. Foram realizadas três reuniões para prevenir o drift. Esta aplicação resultou em duas codificações independentes que foram usadas para aferir a fiabilidade inter-cotadores. O resultado final foi uma média das duas cotações e foi o valor usado para avaliar a consistência interna e realizar uma comparação com a APES.

Resultados e Discussão A Correlação Intraclass – ICC (1,1) – desenvolvida por Shrout e Fleiss (1979), foi usada para avaliar a fiabilidade inter-cotadores. O Alpha de Cronbach foi usado para avaliar a consistência interna. O limiar de .70 foi usado para determinar a significância para ambos. O processo de ajustar quantitativamente as dimensões de índices foi similar à construção de um questionário. Começou com uma grande quantidade de índices que foram derivados da análise qualitativa e que foram reduzidos no processo. Três princípios guiaram estas operações: procurar manter o máximo da estrutura da análise qualitativa, excluir casos livremente para atingir os critérios empíricos e inserir novos casos apenas quando necessário e mediante validade facial. O primeiro passo foi a eliminação dos índices para aumentar a consistência interna das dimensões. As primeiras três dimensões (“ausência”, ”evitamento” e ”significados cristalizados”) não atingiram um nível de consistência aceitável e foram fundidos em “sofrimento externo”. ”Esboços” e “visões diferentes” também não atingiram significância estatística e foram fundidos em “descentração”. “Nomeação” e “estranheza” foram fundidos em “atender”. “Ação” e “dor” ficaram nas formulações originais. A tabela 1 apresenta os resultados finais para as dimensões dos índices. Todas as dimensões atingem valores aceitáveis de consistência interna. Relativamente a fiabilidade inter-cotadores, apenas descentração não atinge os .70, embora por uma margem pequena. Tabela 1 Fiabilidade Inter-Cotadores e Consistência Interna das 5 Dimensões (N = 30) Dimensões Sofrimento Externo Dor Atender Descentração Ação

Correlação intraclasse .73

Alpha

N

Índices

.77

11

.76

.70

9

I1e02 I1e05 I1e07 I2i05 I3f01 I3p01 I4m03 I4m07 I4m08 I4v04 I4v05 I1e04 I1s01 I1s02 I1s03 I1s04 I2i02 I2i06 I3p04 I4m04

.73 .69 .88

.72 .70 .80

9 8 5

I1e10 I1e11 I2i01I2o05 I3f02 I3p02 I3p06 I4m05 I4m14 I1e12 I2i08 I2i10 I2o03 I4m09 I4m13 I4v06 I4v10 I2i14 I2i16 I2i17 I3f03 I3f04

O sistema que resultou destas análises é composto por cinco dimensões. “Sofrimento externo” inclui elementos de ausência de elaboração, evitamento e significados externos. “Dor” corresponde ao sofrimento que é vivido como uma experiência. “Atender” é o processo de prestar atenção e experienciar novos elementos. “Descentração” estende-se para além do atender no sentido em que os clientes não só reparam num elemento mas produzem uma elaboração ou explicação que é nova. “Ação” é uma elaboração sobre uma ação ou uma reflexão sobre a mudança. Análise da validade. Em geral as dimensões não são independentes entre si e mostram correlações fracas a moderadas. No entanto, observa-se que o padrão das associações corresponde à proximidade conceptual das dimensões. Como se pode ver na Tabela 2, dimensões que são conceptualmente próximas, estão mais relacionadas do que dimensões mais afastadas. A exceção é “atender” que permanece independente das restantes dimensões. Tal pode indiciar que a relação que estabelece com as outras possa não ser linear, sendo por exemplo de patamar. 441



 

442



  Tabela 2 Correlações entre Dimensões (N = 30) Sofrimento externo -

Dor

Dor

.373*

-

Atender

.287

.223

-

Descentração

.299

.481**

.071

-

Ação

.158

.127

-.025

.396*

Sofrimento externo

Atender

Descentração

Ação

-

* p < .05; ** p < .01

A APES foi escolhida para validar o sistema de índices. A aplicação da APES resultou numa concordância intercotador de (1,1) = .66, que é ligeiramente abaixo do nível aceitável. No entanto, o resultado para a versão com medidas repetidas, resultou num ICC (1,2) = .80. Este resultado foi considerado aceitável dado o objeto de aplicação. A falta de fiabilidade intercotador já tinha sido observada na literatura (e.g., Detert et al., 2006), o que reforça a necessidade de um sistema alternativo. Em termos de validade convergente, consideraramse as correlações entre as dimensões e a APES. Observam-se correlações significativas entre a APES e quer a descentração (r(30) = .37, p < .05) e quer a ação (r(30) = .48, p < .01). A correlação positiva era expectável, tendo em conta que estas dimensões deveriam estar mais presentes em estádios avançados da APES. Esta convergência não é completa, o que pode ser o resultado de uma sobre-representação de estádios iniciais na amostra ou simplesmente que os dois métodos representam a assimilação de forma diferente.

ESTUDO 2 O segundo estudo corresponde a uma aplicação longitudinal do sistema de índices. Ao contrastar os casos de sucesso e de insucesso, pretende validar-se o sistema de índices e contribuir para a compreensão da assimilação. METODOLOGIA Participantes. Os critérios de inclusão e exclusão foram idênticos aos do estudo um. A única exceção foi a de que os clientes tinham de ter um resultado mínimo no BDI correspondendo a depressão ligeira. O período temporal considerado foi igual ao do primeiro estudo. Se a psicoterapia terminasse antes da 15ª sessão, seria incluída, mas se se prolongasse, as gravações terminavam e o cliente seria convidado a preencher os questionários. Dezoito clientes foram convidados a participar, dos quais nove foram integrados. Dos nove casos incluídos, sete eram do sexo feminino, com uma idade média de 40.1 (DP = 14.12). Onze terapeutas foram convidados para participar neste estudo, mas apenas três participaram. Os terapeutas classificaram as suas sessões de acordo com orientação teórica: cinco foram classificadas como psicodinâmicas, duas como familiares ou sistémicas e duas como integrativas ou ecléticas. Instrumentos. Três auto-relatos foram usados neste estudo, no princípio e no fim do período de avaliação. O BDI, já referido no estudo 1, foi usado para avaliar a severidade dos sintomas depressivos. O inventário breve de sintomas (BSI; Derogatis, 1993) é uma medida geral de psicopatologia. O BSI é um auto-relato de 53 itens, numa escala de Likert de 5 pontos. Quer a versão Americana, quer a Portuguesa demonstraram boas propriedades psicométricas (Derogatis, 1993; Canavarro, 1999) Finalmente, para avaliar o bem-estar psicológico, foi usada a versão curta da Escala de Bem-Estar Psicológico (PWBS; Ryff & Keyes, 1995). A PWBS é uma escala de 18 itens numa escala de Likert de 6 pontos. A 443



  adaptação para português foi feita por Novo e colaboradores (e.g., Novo, Silva, & Peralta, 1997). Procedimento e análise. Pediu-se aos terapeutas para convidarem os clientes que iam iniciar psicoterapia a participar nesta investigação. No fim do período de avaliação foi realizada uma entrevista semi-estruturada ao terapeuta para compreender a sua perspectiva sobre o processo de mudança (Neto, 2011). A entrevista foi conduzida por outro investigador que não participou em qualquer outra análise do estudo. Este estudo contrastou casos de sucesso com casos de insucesso. Para identificar os casos do sucesso foi usado o Critério Fiável de Mudança (Evans, Margison & Barkham, 1998). Este procedimento tem em consideração o erro padrão de medida e permite identificar casos de sucesso, com uma margem de erro de 5%. O instrumento usado para avaliar a mudança foi o BDI. A análise com o sistema de índices foi realizada pelo primeiro autor que desconhecia o sucesso do caso, os resultados dos auto-relatos e as entrevistas com o terapeuta. As sessões foram randomizadas usando um gerador de números aleatórios. A decisão de cegar os investigadores teve a finalidade de assegurar a triangulação das fontes. Os clientes preenchiam os seus auto-relatos sem consciência das visões explícitas do terapeuta; os terapeutas apresentavam as suas perspetivas sem terem em consideração os auto-relatos do cliente e ambos desconhecendo os resultados dos índices. Todos os casos foram analisados e julgados de acordo com a sua congruência. Casos congruentes eram aqueles em que o critério de sucesso – uma mudança significativa no BDI – era consonante com o que era esperado das dimensões nos casos de sucesso. Duas características eram esperadas: nos casos de sucesso deveriam existir tendências ao longo da terapia; e, em segundo lugar, as dimensões que correspondiam a dimensões precoces da assimilação – sofrimento externo e dor – eram esperadas diminuir relativamente a dimensões mais tardias. Dimensões mais tardias – como atender, descentração ou ação – deveriam aumentar em terapias bem-sucedidas. Os casos não congruentes foram analisados mais profundamente. Estes casos eram considerados casos críticos devido ao seu potencial de invalidar o sistema de índices. Esta análise está melhor detalhada noutro sítio (Neto, 2011). Neste artigo apenas serão apresentados os dados quantitativos referentes aos diferentes tipos de casos. Resultados e Discussão Os resultados globais estão apresentados na Tabela 3. Seis de nove casos são congruentes. Uma observação inesperada foi a aparente relação entre congruência e sucesso. A proporção de casos de sucesso foi diferente em ambos os grupos: 33% dos casos congruentes e 67% dos casos não congruentes. Isto indicia que o sucesso tende a ser mais incongruente que o insucesso em termos da evolução da assimilação. Tabela 3 Sumário das Análises de Tendências por Grupos de Casos Casos de Sucesso Casos de insucesso

Casos congruentes B02 – Diminuição da ação e da descentração B09 – Diminuição da dor B05 – Sem tendências B06 – Sem tendências B07 – Diminuição no atender B08 – Sem tendências

Casos não congruentes B03 – Sem tendências B04 – Sem tendências B01 – Sem tendências (evolução mista)

Os resultados serão apresentados para cada caso particular. Para complementar a inspeção visual, para cada caso foi calculada uma regressão linear para testar a significância das tendências observadas. A variável independente foi o número de sessão e 444



  a variável dependente foi cada uma das dimensões consideradas. Para cada caso, é apresentado o declive estandardizado (β). Os pressupostos do modelo da regressão foram tidos em consideração. Se algum dos pressupostos era significativo, o modelo não era aplicável e o nível de significância não é apresentado aqui. Seis casos congruentes. Quatro casos de insucesso foram considerados congruentes. A Figura 1 apresenta um exemplo de um caso de insucesso típico. Nestes casos é possível ver que as dimensões mais precoces permanecem consistentemente acima das outras dimensões e não se observam tendências significativas.

Figura 1. Exemplo de um caso congruente de insucesso - B07 A análise de tendência reforça estas observações. Não se encontraram tendências significativas para cada um dos quatro casos. Dois casos de sucesso foram congruentes, um dos quais é apresentado na Figura 2. Em ambos os casos, houve tendências significativas, embora as dimensões que apresentaram evolução foram diferentes nos diferentes casos. No caso B02 (Figura 2), observa-se um aumento significativo na descentração (β = .573, p = .026) e ação (β = .516, p = .049), mas não para as restantes dimensões. O Caso B09, em contrapartida, mostrou uma redução significativa na dor (β = -.579, p = .030), mas não nas restantes dimensões.

Figura 2. Frequências das dimensões ao longo da terapia de B02

Três casos não congruentes. Os casos não congruentes correspondem a casos nos quais não houve correspondência entre a evolução do BDI e a evolução que era expectável dos índices. Aqui apenas se apresentam os resultados finais da análise qualitativa, sendo que todo o enquadramento pode ser consultado em Neto (2011). O primeiro caso é um caso de sucesso incongruente, na medida em que as dimensões da assimilação parecem 445



  corresponder a um caso de insucesso. Tratou-se de um caso em que nem a terapeuta nem a análise do caso permitem concluir que as melhorias sintomáticas se possam atribuir à terapia. O cliente faz uma descrição da evolução da terapia que é ambivalente. Estas observações são reforçadas pela falta de significância nas tendências observadas. O segundo caso foi um caso de insucesso incongruente, na medida em que as dimensões parecem mostrar uma melhoria, mas apenas a partir do meio da terapia. Este caso foi considerado um processo de sucesso que ainda não tinha tido tempo para se traduzir em mudanças sintomáticas, por ser um caso em curso (i.e., que se estendeu para além das 15 sessões). Tal foi corroborado pela terapeuta e cliente e é observável em termos de mudanças no discurso da cliente. Os resultados são apresentados na Figura 3, a análise de tendências não mostra resultados significativos.

Figura 3. Frequências das dimensões ao longo da terapia de B01 O último caso foi um caso de sucesso incongruente, na medida em que não existe uma clara mudança observável nas dimensões. Este caso foi um caso de curta duração – oito sessões – sendo que se considera que correspondeu a um processo de ajustamento facilitado pela terapia. Tal implicou que a mudança correspondesse ao retorno ao nível prévio de funcionamento, sem mudanças mais profundas. Assume-se que tal se reflita na inexistência de tendências significativas ao longo da terapia.

CONCLUSÕES A investigação sobre os processos envolvidos na mudança em psicoterapia é uma área promissora. A identificação de índices destes processos é um passo importante para a extensão deste conhecimento e as aplicações práticas potenciais são inúmeras, quer em termos de avaliação dos clientes, quer no aferir das intervenções em função dos casos individuais. Esta investigação dividiu-se em dois estudos, ambos recorrendo a metodologias mistas de análise. No primeiro estudo, recorreu-se a análise qualitativa para desenvolver os índices e subsequentemente realizou-se uma análise qualitativa para averiguar a consistência interna e fiabilidade. Desta aplicação resultou um sistema de 42 índices. Em termos de fiabilidade, o sistema de índices demonstrou aceitável consistência interna e fiabilidade inter-cotadores. Em termos de validade, a convergência com a APES foi parcial, sugerindo que apesar de distintos, os dois sistemas mostram convergência. O segundo estudo consistiu na aplicação do sistema de índices à análise longitudinal de psicoterapias. Esta aplicação tinha como objetivo contribuir para a validação do sistema de índices e para a compreensão da progressão da assimilação ao longo da terapia. Para tal foram contrastados casos de sucesso e de insucesso no que respeita à evolução das dimensões da assimilação. Em seis casos, as dimensões comportaram-se conforme o expectável. Nos casos de insucesso as 446



  dimensões julgadas como estando presentes nas fases iniciais da terapia mantiveram-se relativamente elevadas e não se observaram evolução ao longo das sessões. Nos casos de sucesso, observou-se o padrão inverso. Em três casos, não se observou a correspondência esperada entre as dimensões e o resultado. Estes casos foram analisados qualitativamente (Neto, 2011), tendo sido enquadrada esta discrepância na complexidade da evolução de determinados casos em psicoterapia. Esta aplicação permitiu levantar algumas questões sobre a progressão da assimilação em psicoterapia. Por um lado a evolução dos casos de sucesso, parece ser mais diversa. Os casos de insucesso mostram padrões de evolução relativamente semelhantes, ao passo que os casos de sucesso aparentam seguir vias ou percursos de assimilação diferentes entre si. Os casos não lineares confirmam o referido na literatura, que as variáveis de processo e as de resultado nem sempre têm uma relação linear. Os índices vão ao encontro da perspectiva do cliente e do terapeuta sobre a mudança, mais do que à tradução dessa mudança em termos de sintomas (Neto, 2011). Finalmente, a assimilação parece ter progressões, regressões e períodos estáveis. Em todo o momento, as várias dimensões estão presentes e poderão desempenhar um papel ao longo da mudança. Isto confirma as vantagens de uma conceptualização contínua da assimilação Estes dois estudos foram a primeira investigação do sistema de índices de assimilação. A contínua aplicação do sistema de índices em contextos diferentes irá aumentar a nossa compreensão da assimilação e promover a melhoria do sistema de índices. Uma conclusão importante é a materialização da noção de que quando o terapeuta escuta o cliente, acede ao seu processo de assimilação e esta atenção contribuirá para o sucesso da intervenção. Com esta atenção, a intervenção poderá adequar-se ao momento-amomento da mudança do cliente. AGRADECIMENTOS Esta investigação foi suportada por uma bolsa de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/36831/2007) a David D. Neto.

CONTACTO PARA CORRESPONDÊNCIA David Neto: [email protected] REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Beck, A. T., Steer, R. A., & Garbin, M. G. (1988). Psychometric properties of the Beck Depression Inventory: 25 years of evaluation. Clinical Psychology Review, 8(1), 77–100. doi:10.1016/02727358(88)90050-5 Beck, A. T., Ward, C. H., Mendelson, M. L., Mock, J. E., & Erbaugh, J. K. (1961). An inventory for measuring depression. Archives of General Psychiatry, 4(6), 561-571. Canavarro, M. C. (1999). Inventário de sintomas psicopatológicos (BSI) [An inventory of symptom (BSI)]. In M. R. Simões, M. M. Gonçalves, & L. S. Almeida (Eds.), Testes e provas psicológicas em Portugal (pp. 95-109). Braga, Portugal: APPORT/SHO. Derogatis, L. R. (1993). Brief Symptom Inventory: Administration, scoring, and procedures manual. Minneapolis, MN: National Computer Systems, Inc. Detert, N., Llewelyn, S., Hardy, G., Barkham, M., & Stiles, W. B. (2006). Assimilation in good- and pooroutcome cases of very brief psychotherapy for mild depression: An initial comparison. Psychotherapy Research, 16(4), 393-407. doi:10.1080/10503300500294728 Evans, C., Margison, F., & Barkham, M. (1998). The contribution of reliable and clinically significant change methods to evidence-based mental health. Evidence Based Mental Health, 1(3), 70-72. doi:10.1136/ebmh.1.3.70 447



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