Espalhamento e composiçao de notícias via comentários em redes sociais

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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015

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Desafios do jornalismo diante do espalhamento e formação compositiva dos conteúdos via comentários

Eloisa Joseane da Cunha Klein 1

Resumo: Este texto parte da análise de duas situações que tratam de maneira correspondente o conteúdo publicado em comentários e a totalidade de opiniões presentes na sociedade. A partir destes casos, refletimos sobre questões relevantes para a análise da tematização pública e contexto informativo contemporâneos. Em ambos, se destaca uma lógica de equivalência entre o que é expresso nos comentários e o pensamento da sociedade brasileira sobre algum tema midiatizado pelo jornalismo e propagado em postagens. Observa-se que a leitura dos comentários resulta em consequências para outras postagens e até mesmo decisões. Ambos valem-se da lógica compositiva permitida pelo digital, incorporando comentários, editando-os na forma de imagem ou citação textual, e ressignificando os textos a partir da fala expressa em redes sociais digitais.

Palavras-chave: Jornalismo; Facebook; Comentários; Comunicação.

1. Comentários que se desdobram em decisões editoriais e políticas Em janeiro de 2015, as notícias sobre a execução do brasileiro Marco Archer2, condenado por tráfico de drogas na Indonésia, eram acompanhadas por centenas de co-

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Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). [email protected]

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mentários que surpreendiam pelo teor e por se colocarem majoritariamente a favor da pena de morte, desejando que fosse aplicada também no Brasil. Em matéria sobre campanha para evitar o fuzilamento, postada pela BBC no Facebook, alguns comentadores ironizavam a organização da família e dos amigos perguntando se podiam ajudar enviando balas e usavam xingamentos para se referir ao condenado: “campanha adote um vagabundo antes que ele morra”. O tema teve alta repercussão entre as postagens os comentários no Facebook entre os dias 15 e 18 de janeiro (data da confirmação da morte). Como o governo brasileiro havia pedido clemência, juntavam-se os comentários comemorando a morte do condenado e afirmando a pena de morte juntavam-se à onda de comentários violentos contra o executivo brasileiro: “nossa ‘presidenta’ tá com peninha dele, esse fuzilamento já demorou demais”. Textos diversos em sites, colunas e blogs abordavam a questão do grande número de comentários sobre o assunto e a empresa jornalística BBC Brasil (2015) fez uma matéria analisando a própria postagem, indicando a predominância das posições favoráveis à execução. A necessidade de buscar o engajamento de pessoas para ter alcance de leitura das publicações está na base de decisões que levam a tratar de forma circular assuntos que causam polêmica e tem uma repercussão grande em comentários e compartilhamentos. Esta demanda resulta das transformações decorrentes da abertura da possibilidade de emitir e publicar conteúdos por qualquer pessoa conectada à internet, potencialmente reduzindo o papel de mediação de instituições como o jornalismo, seja pela diminuição de sua posição na definição da agenda pública, seja pela defasagem econômica, com a transformação do modelo de gestão midiática. A base deste texto está na observação de casos de matérias jornalísticas e decisões de atuação em mídias sociais que tiveram fundamento na leitura e análise de comentários pelos responsáveis pelas publicações no Facebook. Analisamos uma publicação da BBC baseada em comentários sobre a execução de um brasileiro na Indonésia e um conjunto de postagens do senador Cristovam Buarque em que este expressa sua con2

Marco Archer foi executado em 18 de janeiro de 2015, na Indonésia, em cumprimento de punição pelo crime de tráfico de drogas, para o qual é estipulada a pena de morte. Informações em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/01/brasileiro-marco-archer-e-executado-na-indonesia-diztv.html

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trariedade com a redução da idade penal. Tomamos estas duas situações como ponto de partida para reflexões sobre as problemáticas da demanda de espalhamento e da lógica compositiva e dispersa dos conteúdos em fluxos informacionais em redes digitais, uma vez que a intensidade, número e teor de comentários desencadeiam matérias jornalísticas, decisões editorais, e posturas políticas em mídias sociais. Os dois casos permitem-nos pensar sobre questões relevantes para a análise da tematização pública e contexto informativo contemporâneos. Em ambos, se destaca uma lógica de equivalência entre o que é expresso nos comentários e o pensamento da sociedade brasileira sobre algum tema midiatizado pelo jornalismo e propagado em postagens. Observa-se que a leitura dos comentários resulta em consequências para outras postagens e decisões. Ambos valem-se da lógica compositiva favorecida pelo digital, incorporando comentários, editando-os na forma de imagem ou citação textual, e ressignificando os textos a partir da fala expressa em redes sociais digitais. Situados em relação ao jornalismo, e em redes digitais, os comentários dizem respeito aos “textos inseridos por internautas na plataforma que os meios de comunicação disponibilizam como lugar de interação, diretamente ligados ao conteúdo produzido e veiculado pelo veículo” (BUENO, 2014) – embora muitas vezes o assunto do comentário seja totalmente diferente da postagem. Estes textos encontram-se em espaços que permitem que se “opine ou contribua com o conteúdo produzido pela mídia” (BUENO, 2014). Nas pesquisas em jornalismo, algumas propostas tem em conta um alargamento do território da colaboração, compreendendo a dimensão dos comentários como uma possibilidade colaborativa, se não para auxiliar o jornalismo, como complexificação do contexto informacional. Esta consideração aparece em pesquisa de Träsel quanto às discussões geradas em comentários de postagens realizadas por “repórteres amadores” (TRÄSEL, 2007, p. 25). Anderson (2006), ao pensar a gestão da informação abrangendo públicos periféricos e nichos (‘cauda longa’) entende que estes públicos iriam trabalhar a primeira notícia, a partir de comentários realizados conjuntamente ao compartilhamento, e que fariam com que as informações agrupassem características do jornalismo e de outras pessoas.

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Parte das lógicas de tipo conversacional desenvolvidas em seções nas quais as pessoas podem participar com opiniões, informações e comentários podem ser estudadas a partir dos fundamentos das teorias sobre a democracia deliberativa, como propõem Barros e Sampaio (2014), já que se observa a possibilidade de tematização via organização de argumentos – embora na maior parte dos casos não sejam notadas pretensões de decisão. Os comentários também permitem uma “densidade semântica”, “por serem uma camada adicional de informação e de opinião diversa” (SAMPAIO; BARROS, 2014). No entanto, muitas vezes os pontos de vista aparecem como evidência não questionada (CUNHA, 2014) e se formam correntes de opinião que polarizam as abordagens dos comentadores.

2. Comentários no Facebook e a afetação de escolhas de publicação e decisões editoriais As lógicas de uso do Facebook são estratégicas na composição das possibilidades informativas no Brasil, onde 50% da população tem acesso à internet – com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2013, cujos resultados analisados foram divulgados em 20153. Os dados também apontam para um crescente uso de tablets e celulares, o que facilita o acesso a aplicações como o Facebook. Por meio da tecnologia móvel digital, adultos com idade avançada e pessoas que não tinham acesso a computadores se tornam usuárias da internet e desenvolvem modalidades diferenciadas de relações sociais, aprendizado e busca de informações – interagindo e se informando também via Facebook (KLEIN, 2015). Dados do Facebook indicam a existência de 89 milhões de contas de brasileiros4 em 2014 e dados da agência Quartz, que opera nos Estados Unidos e realiza pesquisas sobre a economia do mundo, apontam que 67% dos internautas brasileiros buscam informações no Facebook5.

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http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150429_divulgacao_pnad_ibge_lgb http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/08/oito-cada-dez-internautas-do-brasil-estao-no-facebookdiz-rede-social.html 5 http://observatoriodaimprensa.com.br/e-noticias/cerca-de-70-dos-brasileiros-se-informam-pelofacebook/ 4

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A possibilidade de uso das hashtags no Facebook é mais tardia, comparativamente a outras mídias na internet, sendo disponibilizada a partir de 2013 6, o que explica a baixa adesão dos usuários para este tipo de etiquetagem do conteúdo via palavraschave. Assim, a articulação temática das falas sobre temas públicos ocorre mais tradicionalmente por meio das postagens jornalísticas, sob as quais há grande adesão dos usuários do Facebook para a realização de comentários. Este contexto de uso do Facebook dá especial relevância ao espaço dos comentários, já que estes ao mesmo tempo espalham informações, no sentido de tematização de assuntos públicos, como também são usados como referência e pautam o jornalismo (como assunto e como lógica de ranqueamento de matérias). Na análise da BBC Brasil sobre a repercussão do caso do brasileiro executado, parecia-se considerar que os comentários eram representativos do conjunto da população brasileira, concluindo o texto da empresa jornalística que “brasileiros defendem pena de morte a traficantes na Indonésia” – o texto é marcado com a hashtag “sala social”, reforçando o elemento da participação. As análises são complementadas com fotografia de tela da página da BBC Brasil no Facebook, registrando comentários sob matéria que divulgava a tentativa de amigos e parentes de Archer em conseguir apoio para pressão sobre o governo da Indonésia. Os primeiros comentários da postagem obtiveram 515, 139 e 105 avaliações positivas (curtidas) no transcurso de 22 horas, conforme a fotografia de tela indica: “Campanha por traficante? Estão achando que todo mundo é como aqui?; “Ele não pensou nas dezenas de famílias que ele ia destruir com 13,4kg de cocaína”; “deveria ter uma ONG p fazer uma campanha p matar os daq”. Para contemplar textos com teor adverso, a BBC recortou um comentário que aparecia adiante, na página, e que se colocava contrário à pena de morte, utilizando-se de tática comum entre os comentadores, de referir-se à leitura do conjunto de outros textos sob a mesma postagem, avaliando a postura geral percebida. É interessante notar que nestes textos já aparece uma generalização da leitura das opiniões – levada para interpretar o total de comentários e as pessoas, em geral. “É incrível como as pessoas estão violentas. Para elas, tudo deve ser resolvido com morte ou com violência”. O comentário é contestado na sequência, no mesmo recorte da fotografia de tela: “C. M., a 6

http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2013/06/como-usar-hashtags-no-facebook.html

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maioria desses países antes de ter leis brandas possuíam pena de morte e leis rigorosas (...). Temos leis brandas e crimes muito violentos. Adianta a lei ser branda? Elas se desenvolvem conforme a sociedade”. Como estes dois comentários aparecem um imediatamente após o outro, nota-se um equilíbrio estabelecido entre as posições dos comentadores – que é confrontado pela série de cinco comentários à favor da pena de morte (com muitas votações positivas), que aparecem no mesmo recorte operado pela empresa jornalística. Embora no interior da matéria publicada no site da empresa jornalística houvesse entrevista com pesquisadora que afirmava a tendência de pessoas com posições extremas comentarem mais, a BBC Brasil tornava textualmente equivalentes o teor dos comentários e a opinião dos brasileiros. Na postagem do Facebook (repetida no site), o texto constrói uma oposição com relação à pesquisa do IBGE: “Embora a mais recente pesquisa sobre pena de morte no país indique que brasileiros são contra este tipo de punição, a maioria dos internautas consultados pela BBC Brasil defende a execução de dois conterrâneos condenados por tráfico de drogas na Indonésia” (BBC Brasil, 2015). Cabe notar que mesmo falando sobre consulta a internautas, o texto refere-se apenas à analise dos comentários da postagem sobre o caso Archer. Embora em análises acadêmicas possamos encontrar preocupações em distinguir o número de comentários e seu teor do que seria a expressão da totalidade de opiniões sobre a vida pública, em matérias e artigos opinativos tais elementos frequentemente aparecem equiparados, como em postagem do site JusBrasil sobre a execução do brasileiro Marco Archer, que, a partir dos comentários no Facebook chega à conclusão semelhante à da BBC Brasil: “Brasil quer pena de morte” (PINHEIRO, 2015). Esta situação nos faz atentar para o fato de que o modo como os comentários são feitos, seu conteúdo e o tipo de repercussão que oferecem, alimentam postagens jornalísticas no Facebook, decisões editoriais e decisões sobre o uso de mídias sociais por políticos. Em outra situação, repete-se este tipo de associação entre o teor dos comentários e a visualização de uma opinião generalista e representativa da população brasileira. Trata-se de postagens do senador Cristovam Buarque em sua página do Facebook. Em de 16 de abril de 2015, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) postou três razões pe-

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las quais era contra a redução da maioridade penal7. Quatro horas depois da postagem sobre sua posição política, o senador fez outra publicação, destacando um comentário de um dos seguidores e o tipo de ação desencadeada por este tipo de comentário. O comentador sugere que o senador leia os comentários para ver que “está contra 84% da população”. Em sua postagem, Cristovam Buarque diz ter seguido a recomendação e verificado que “ele tem razão”. E escreve:

Talvez até mais do que 84% dos comentários são contra a minha posição. Mas é a minha posição e não vejo razão para mudar, porque não fui convencido de estar errado. Prefiro continuar contra a corrente, mas com a minha posição, do que mudar para sufar na opinião pública. Quanto a perder a próxima eleição, se eu for candidato, irei para casa com a consciência em paz.

Transcorridos 24 minutos desta referência ao tópico estabelecido pelo comentador, o senador escreveu, às 23h55 do dia 16 de abril de 2015: “estou impressionado com os que se dizem contra a violência, são violentos na hora de criticar as minhas posições”. No outro dia, pela manhã, o senador volta à estratégia de mencionar o nome do comentador, desta vez copiando todo o comentário, escrito em caixa-alta: “Violentos são os vermelhos, senador... somos da paz... só queremos paz e segurança para nossos filhos e netos (...). Cadeia aos 16 anos, já! Não nos decepcione”. Após a inserção do comentário, o senador escreve: “L., vou decepcioná-lo com muita convicção”. A postagem causa polarização entre os novos comentadores. Conforme aumenta a frequência das postagens na página, mais curtidores/seguidores do senador se manifestam. A postagem, feita às 9h38, tinha 28 comentários dez minutos depois (eram quase mil na última leitura, em julho de 2015). Dezoito comentários foram favoráveis ao senador, dois eram neutros (porém abordando questões correlatas a ideia defendida por Cristovam) e oito eram contrários. O tom muda crescentemente com o passar do tempo. Na noite do dia 17, o senador faz uma postagem que engloba sua posição, os comentários recebidos quando da divulgação de sua posição contrária à redução da maioridade, e também as diferenças de opinião notadas conforme a republicação, em sua 7

“Sou contra a redução da maioridade penal por três razões. É insensato porque não reduzirá a violência. Os jovens que cometem crimes grandes e hediondos estão pouco preocupados se vão ficar presos. Eles nem têm vida. Até a pena de morte não os inibiria. É injusto porque vai condenar certamente jovens que caíram na criminalidade porque não receberam o apoio na hora certa. (...) é manipulação política para atender a vontade de uma população que está desesperadamente assustada com a criminalidade”.

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página, de comentários negativos. Em sua análise, ele compara os comentários em sua página com pesquisa do Ibope8, de 2014 (sugerida por um comentador), que dizia que 83% da população brasileira eram a favor da redução da maioridade penal. O senador avalia que nos comentários o índice parecia ser maior, mas que não seria oportunista e não “surfaria” nas pessoas para se manter na política. “Fico com os dez por cento e começo a me preparar para não ser candidato em 2018”. O senador escreve que continuaria atuando em suas frentes, e conclui que a dureza dos comentários era contraditória com a vontade de “acabar com a violência”: “pela dureza das mensagens que recebo, talvez não seja apenas o mandato que vão tentar tirar de mim. E dizem que querem acabar com a violência”. O impacto dos comentários na leitura do assunto por Cristovam Buarque é tal que, em pouco mais de 24h desde a postagem em que defendia sua posição sobre um assunto polêmico, o senador disse que passava a pensar em não concorrer, e chegou a pensar que alguns comentadores queriam-no morto. Este caso permite-nos pensar que as ondas formadas pelos comentários atuam sobre o tipo de tomada de decisão em mídias sociais e até mesmo na vida pública. O senador readéqua sua fala pública conforme os comentários que recebe, notando-se o mesmo tipo de valoração temática e quantitativa dos comentários, assim como ocorria com o exemplo da BBC Brasil. Thaísa Bueno (2014) aponta um dado relevante, a partir de sondagem feita pelo Blog do Sakamoto, em que 45% dos respondentes diziam acreditar que as opiniões postadas nos comentários correspondem à visão da sociedade, contra 48% que acreditam que as opiniões sejam mais conservadoras. Tratase de uma visão de equivalência entre comentários registrados no Facebook e posição da população brasileira sobre temas – o que repete (e reforça) o tipo de abordagem observada nos casos aqui analisados. Dada a centralidade exercida pelos comentários nestas duas postagens, perde-se a ideia de que nem todas as pessoas procuram expressar-se sobre assuntos com altos níveis de tensão. Pesquisas sobre participação política, por exemplo, avaliam que poucas pessoas, no conjunto da sociedade, comentam tópicos sobre política, e por isso o 8

http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/83-da-populacao-e-a-favor-da-reducao-da-maioridadepenal.aspx

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fato de haver adesão às seções de comentários não necessariamente corresponde a maior engajamento deste tipo na sociedade (SAMPAIO; BARROS, 2014). Do mesmo modo, nem todas as pessoas procuram expressar-se sobre assuntos correlatos, que envolvem similares níveis de tensão. Além de nem todas as pessoas falarem sobre assuntos que geram conflitos na vida cotidiana, dados divulgados em agosto de 2014 pelo Pew Research Center indicam que, em pesquisa com pessoas dos Estados Unidos, decaía em grande percentagem o número de indivíduos que se disporiam a tratar em mídias sociais sore assuntos sobre os quais há polaridade – comparativamente a encontros em outros ambientes de sociabilidade, como jantares familiares ou reuniões9 (HAMPTON at al., 2014). O centro de pesquisa analisa o problema de as pessoas não se expressarem diante de temas dominados por outras correntes de opinião a partir de Noelle Neumann (1993), com o conceito de “espiral do silêncio”, que indica a influência do “clima de opinião” em resultados de eleição. Para Hampton at al. (2014), pesquisadores do instituto Pew Research Center, esta lógica está presente em “mídias sociais”, ainda com mais intensidade. Foco analítico similar é buscado com frequência em estudos que observam que pessoas com maior ligação (de amor e ódio) com um assunto tendem a comentar mais – e geralmente são responsáveis pelos primeiros comentários, o que aumenta a possibilidade de alto ranqueamento favorável a estas opiniões (CUNHA, 2014). Esta tendência é verificável pelas expressões de amor (como coração, nos comentários favoráveis ao senador Cristovam Buarque) e ódio (como as expressões “vagabundo” ou a expressão do desejo de morte em comentários favoráveis à execução do brasileiro e à pena de morte). A validação dos comentários como expressão da opinião de uma sociedade carrega uma lógica circular entre o que é jornalisticamente tratado, e como as pessoas falam destes assuntos, fazendo-os retornar ao jornalismo. Tal lógica ganha dimensões problemáticas diferenciadas em função dos circuitos de rede. Uma vez que como o ranqueamento de notícias via quantidade de comentários aumenta o potencial de circulação, visibilização e penetração nas conversações de uma notícia, portais e páginas jorna9

Ao tomarem um caso concreto, a cobertura de Snowden, 86% discutiria o assunto pessoalmente, contra 42% que o fariam em mídias sociais.

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lísticas tendem a valorizar estratégias que potencializem que notícias sejam comentadas, frequentemente dando ênfase para assuntos sobre os quais há uma polarização intensa, o que serve de estímulo para respostas imediatas à publicação. Resende (2007) analisa como esta lógica está presente em coberturas de guerras – em que os lados envolvidos apresentam discursos buscando se colocar como verdadeiros. Ao contrário de desaparecer com a abertura das possibilidades de fala, esta tendência se multiplica em redes digitais, quando as ondas de opinião estudadas por Noelle-Neumann (19993) se espalham mais rapidamente.

3. Espalhamento e formação compositiva dos conteúdos via comentários Se para o jornalismo a maior mudança oferecida pela internet é a popularização da publicação, não do registro – já que antes as pessoas podiam registrar, mas não publicar (ZANOTTI, 2010) – , na lógica da formação compositiva dos conteúdos das redes sociais na internet uma característica central é a possibilidade do espalhamento. A condensação teórica do termo “espalhamento” aparece no livro “Spreadable Media” (JENKINS; FORD; GREEN, 2013) e se refere ao fato de que a circulação midiática e de informações passa a depender de ações de pessoas que vão alimentar circuitos informativos a partir de várias formas de conteúdo. Para conseguirem se destacar no córrego informativo, os negócios de mídia e as empresas passam a visar o que se tem chamado de “engajamento”, caracterizado como o momento em que pessoas selecionam a opção “gostar” de um conteúdo, comentam ou passam adiante, entre seus contatos. Todas estas ações são valorizadas pelo sistema de ranking de informações de empresas como Google e Facebook e informações bem classificadas nestes rankings tendem a ser mais vistas (JENKINS; FORD; GREEN, 2013). Assim, notamos que há uma centralidade da circulação nos processos de mediatização (BRAGA, 2006; 2011; 2012), quando própria lógica da circulação modifica aspectos dos dispositivos interacionais e passa a reconfigurar o tipo de conteúdo que faz parte da construção de circuitos informacionais (KLEIN, 2013). Como exemplo, observamos que o ato de comentar sobre um acontecimento passa a fazer parte do volume de tal 10

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acontecimento, o que faz com que volte a ser publicado como conteúdo independente – oque acontece nos dois casos aqui considerados. A partir da análise de 1,3 milhão de postagens no Facebook, Zarella (2014) examinou características que tornavam estas postagens populares, com maior índice de comentários, compartilhamentos e curtidas. De acordo com sua análise, os conteúdos compartilhados em mídias de tipo colaborativo são mais vistos e comentados quanto maior a frequência de postagens daquele que posta. Postagens com uso de imagens, com textos mais completos, também provocam maior adesão. Sua pesquisa aponta ainda que quando há conteúdos positivos ou negativos, há maior engajamento do que quando o conteúdo é neutro. Observamos que a fotografia de tela, no caso da BBC, cumpre função de tornar visual a informação contida na visualização do conjunto de comentários. Aspecto similar aparece com a cópia na íntegra do comentário sob postagem do senador Cristovam Buarque. Além de propriamente relacionadas às postagens de páginas e usuários de redes sociais na internet, o tipo de engajamento a conteúdos também está relacionado ao que acontece em outras mídias, particularmente a televisão. Usar tablets ou smartphones enquanto se acompanha o que está sendo transmitido na TV é ação comum para 34% dos brasileiros segundo pesquisa recente da consultoria americana Millward Brown (CASTRO, 2014). Por terem uma experiência de assistir a um programa e usar outros dispositivos, estes usuários acabam produzindo conteúdos simultaneamente à espectorialidade televisiva. Assim, há a circularidade dos conteúdos também é fomentada pela ação das pessoas na internet: nota-se que um dos comentadores de Cristovam Duarte lhe indica a busca de uma pesquisa do Ibope que fora encomendada pela Globo e Jornal Estado de São Paulo. Vale (2013) destaca a capacidade de publicizar assuntos exatamente por causa da intensa atividade de engajamento de usuários de redes sociais na internet em atividades de demonstrar o que se gosta, comentar ou compartilhar conteúdos. Por outro lado, ao privilegiarem características de replicação de conteúdo e expressão de opinião imediata, pode-se repetir o tom de ódio propagado em empresas midiáticas (CASTRO, 2014). Ao contrário de serem casos isolados, resultados de algum consumidor impaciente, os comentários negativos assumem parte significativa do conteúdo produzido por 11

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usuários na internet. Ondas de comentários de ódio e preconceito assumem tal dimensão que frequentemente são objetos de análise por instituições sociais e pelo jornalismo, como as manifestações de ódio contra nordestinos, após o período eleitoral, em 2014. Tais ondas de ódio estão relacionadas a uma dispersão da autoria, que faz parte da própria lógica dos comentários em mídias sociais, que são vistos em córrego, conforme vão sendo adicionados, e concorrendo com um enorme fluxo de outros comentários. Estudos demonstram que o anonimato encontrado pelos comentadores em sites motiva a “raiva” e a “agressão”. Neste sentido, o reconhecimento entre redes de contato, no Facebook, faria com que usuários passassem a ser mais comedidos em suas condutas públicas. No entanto, o Facebook igualmente tem se mostrado como espaço para manifestação de ódio, raiva e agressividade. Santos Junior (2014) observa que espaços de conversação privada, como mensagens e grupos, passaram a ser usados com a finalidade de alastramento de mensagens de ódio. Mesmo páginas públicas conferem um caráter de anonimato para as postagens, uma vez que a identidade dos mantenedores é privada. Estes espaços multiplicam textos que ampliam a circulação de dados conteúdos. A questão da autoria se destaca como uma problemática importante dentre as questões colocadas pelas tecnologias digitais (GUNKEL, 2012). Quando se pode copiar e colar textos, editar imagens e vídeos, republicar tudo na internet, é difícil refazer o percurso que levaria até um autor totalmente original. Mesmo quando consideramos a ligação entre comentários e perfis vinculados a pessoas, duas questões tornam esta relação entre postagem e autor problemáticas: o fato de que textos isolados perdem-se na vasta corrente de outros comentários, e a existência de algoritmos que atuam gerenciando informações e promovendo conteúdos, na internet. Na corrente de comentários de mídias sociais, parece se desvincular a relação entre um autor como propositor de uma ideia e o texto registrado – que vai ser lido no conjunto de dezenas de outros comentários, ou a partir de uma vasta visualização e captação de positividade. A leitura via positividade ou negatividade do conteúdo é motivada pela ferramenta que permite apenas “gostar” da postagem, sobrando a ação de comentar para quem discorda dela. Esta tendência colocada pela ferramenta estimula reações rápidas e, em vários casos, agressivas. Alguns destes comentários vêm sendo estudados como parte de “discursos de ódio”, classificados como aqueles que se destinam “contra pessoas 12

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que partilham de uma identidade comum” (SILVA at al., 2011, p. 446), e que ampliamse na internet. Este elemento é particularmente problemático quando consideramos a atuação de bots, algoritmos que simulam a ação de um ser humano, avaliam positivamente um conteúdo (curtem) ou o comentam (FERRARA at al., 2015, p. 1)10. Um bot social deste tipo pode servir para auxiliar na organização de dados, resultando em algum tipo de agregador de conteúdo, por exemplo. Mas alguns bots podem ser usados para “espalhar informação não verificada e rumores”11 (FERRARA at al, 2015, p.2). Assim como um número grande de postagens pode indicar a importância de um evento, pode também ser resultado da ação de bots que, sem verificarem a informação, saem espalhando-na. Alguns são especialmente desenhados para manipular o discurso “com rumores, spam, malware, desinformação, fofoca ou apenas barulho” (idem)12, por exemplo, para inflamar uma campanha eleitoral. A utilização de bots pode ser facilmente verificada em aplicações como o Instagram, em que quase todas as interações se baseiam em números de seguidores e curtidas. Basta criar um perfil e fazer uma postagem para receber curtidas e comentários de contas que não são de usuários humanos. No YouTube, vários vídeos tutoriais ensinam como instalar e utilizar um bots, para autocurtidas, para comentar posts de pessoas aleatórias, para participar de debates13. No entanto, com a sofisticação dos algoritmos, se tornou mais difícil de verificar se uma informação provém de um humano, engajado em redes sociais na internet, ou de outro algoritmo, malicioso. Além da dificuldade de verificar a informação, a atuação dos bots pode “dar a falsa impressão de que uma peça de informação, não importa sua precisão, é altamente popular e endossada por muitos, exercendo uma influencia contra a qual ainda não se

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“A social bot is a computer algorithm that automatically produces content and interacts with humans on social media, trying to emulate and possibly alter their behavior” 11 e spread of unverified information or rumors 12 These bots mislead, exploit, and manipulate social media discourse with rumors, spam, malware, misinformation, slander, or even just noise. 13 São exemplos de vídeos tutoriais sobre como instalar e usar bots: “Bot comment Faceboo 2014 (https://www.youtube.com/watch?v=ICpF0MBh9KI) e Facebook auto likes bot 2015 (https://www.youtube.com/watch?v=9SI1ipQiGQQ).

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desenvolveu anticorpos”14 (idem). Ferrara at al. (2015) apontam para a possibilidade de a atuação deste tipo de bots influenciarem até mesmo os mercado, o que está diretamente relacionado com o atual sistema de ranqueamento, baseado em tópicos mais populares15. Como os primeiros comentários tendem a ter alta valoração (curtidas), podem reforçar esta disposição em “citar” trechos de fala de indivíduos como se representantivos da voz do “público” (ASNTED, 2014) , mesmo que descontextualizados com relação a outros comentários ou tipo de atuação do comentador.

4. Reflexões finais sobre a produção dispersa de conteúdos Boa parte dos conteúdos que acessamos em sites de redes sociais está relacionada a coisas produzidas socialmente, por indivíduos dispersos, que adquirem alguma visibilidade em função das características comuns que tais conteúdos dividem. Esta característica está presente em memes, em vídeos virais, em hashtags populares, em ondas de comentários sobre algum acontecimento, evento ou atividade vivida em um tempo. Este tipo de composição pode ser visto como algo "fluído", nos termos especificados por Bauman (2001), cuja propriedade é ser constituído por fluxos, o que significa a flexibilidade nos objetos originais. Os fluídos se dissolvem, escorregam, invadem os outros, não são facilmente contidos. E por serem fluídos, tendemos a ver os líquidos com uma leveza. Os comentários e produções coletivas em redes sociais na internet também respondem por esta característica da transitoriedade, da curta duração das ondas de opinião, dos ciclos em que conteúdos são discutidos. Daí o problema de se tratar as informações constantes nos comentários como correspondentes precisas de posicionamentos da totalidade da população. As relações fluídas entre as pessoas efetivam, mesmo assim, alguma ação de nível político, cuja base é exatamente as relações sociais. É o que vemos nas situações analisadas, em que decisões provisórias ou permanentes acabam sen14

they can give the false impression that some piece of information, regardless of its accuracy, is highly popular and endorsed by many, exerting an influence against which we haven’t yet developed antibodies. 15 Além de potencialmente poderem gerar pânico ao espalharem informações maliciosas, impactarem os mercados, este tipo de bot pode causar danos em termos de espalhamento de informação privada – ou na apropriação e uso deste tipo de dado, como ficou claro pela manipulação de emoções conduzida pelo Facebook, sobre o que os pesquisadores responsáveis concluíram sobre a existência de contágio emocional também na internet (FERRERA at al., 2015).

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do tomadas em virtude da associação entre comentários e algum tipo de estamento social. O fluído, organizado como um dos conceitos da narrativa humana (BAUMAN, 2001), e experimentado pela dissipação de conteúdos e de sujeitos, promove algumas aproximações que se não podem ser consideradas como engajamentos, resultam, mesmo assim, em criação de modificações, em realização de coisas. Esta criação toma por base a lógica fluída do conteúdo. O conteúdo, diferentemente do produto, se espalha, se modifica, se altera. E se dissipa no espaço, portanto eliminando suas fronteiras. Embora esta dissipação seja caracterizada por movimentos aleatórios, o fato de que os conteúdos não viajam intactos, mas são sempre modificados, implica que reste algum resultado coletivo que é diferente da cognição deliberativa, decisão de participação e formulação de objetivos individuais e sociais claramente políticos. Mas não se trata de um movimento completamente aleatório e portanto há algum tipo de impacto sobre a discussão da vida coletiva. Estes conteúdos dissipados carregam a identificação de contextos e relatos, a revisão de elementos midiático-culturais socialmente partilhados, e uma certa costura não institucional dos eventos. O jornalismo entende uma mudança de lugar na fonte (CHAPARRO, 2015), mas ainda compreendemos fonte como um direito de fala, que encontra sua exposição ideal na atividade de blogueiros – pessoas que trabalham textualmente a fala. Mas presenciamos igualmente este laborioso córrego de imagens fazendo coisas transversais, tecendo pontos de ligação ao que aparece como movimento aleatório – e que acabam resultando em algum tipo de afetação desde a pauta até os modos de fazer do jornalismo. Tal contradição é explorada por Gunkel (2012) ao analisar a história da constituição do termo hacker e como ele passa a abarcar uma dicotomia: como coisa de alguém criativo, mas também como coisa de um tipo criminoso, transgressivo. O comentador, de certa forma, também tem esta trajetória marginal, que tem mais a ver com um movimento do que com um lugar instituído, com regras estáveis. Como movimento, suas lógicas vão sendo constituídas pela vinculação a pessoas, práticas, performances.

Referências

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