ESPAÇO ABERTO: PICHAÇÃO E FOTOGRAFIA

June 3, 2017 | Autor: F. Antônia da Sil... | Categoria: Artes, Fotografia, Pichação
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GT: Artes Visuais

Eixo Temático: Cultura Visual e ensino/aprendizagem em Artes Visuais

ESPAÇO ABERTO: PICHAÇÃO E FOTOGRAFIA Fernanda Antônia da Silveira (UFES, Espírito Santo, Brasil) Matheus Boni Bittencourt (UFES, Espírito Santo, Brasil)

RESUMO: O presente trabalho consiste em uma discussão reflexiva à respeito da pichação como forma de inscrição no espaço público e em uma pesquisa fotográfica sobre a pichação no Centro de Vitória (ES). Tanto a pichação quanto o grafite foram sujeitos à criminalização por meio de leis endurecedoras sob a justificativa oficial de combate à degradação urbana. Contudo, apenas recentemente o grafite foi descriminalizado. Os esforços repressivos fracassaram na tentativa de inibir as práticas, clandestinas ou não, de inscrição no espaço público. Tal prática remonta à Antiguidade, e na modernidade tardia adquiriram significações estéticas e políticas múltiplas, tendo como denominador comum a transgressividade. Sendo assim, problematizamos a possibilidade de a fotografia ser uma domesticação da pichação como expressão transgressora. Palavras-chave: Pichação; Fotografia; Transgressão; Repressão.

OPEN SPACE:TAGGING AND PHOTOGRAPHY ABSTRACT: The present work is a reflexive discussion about the tagging as a way of inscription in the public space and a photographical research about the tagging in the Center of Vitória (ES). Both tagging and graffiti were subjugated to criminalization by hardening laws, under the oficial justification of fighting against urban decay. Only recently the graffiti was decriminalized. The repressive efforts failed in the attempt to inhibit the practices, clandestine or not, of inscription in the public space. That practice dates back in the Antiquity, and in late modernity aquired multiple aesthetical and political meanings, being the transgression it's common denominator. Be that, we problematize the possibility of the photography as a domestication of tagging as an transgressive expression. Key words:Tagging; Photography; Transgression; Repression.

1 Introdução Esta pesquisa fotográfica de pichação expõe a domesticação da imagem e da pichação, pois essa não é uma arte para deixar as ruas da cidade limpa, sem poluição visual. Ela é uma arte transgressora que foge dos padrões impostos pela mídia, governo e principalmente pelas concepções de arte transmitidas pela cultura estética conservadora. Primeiro, faremos uma discussão sobre o sentido estético da pichação. Em seguida, enunciaremos sobre a pesquisa fotográfica realizada em Vitória. 2 A discussão sobre a pichação A inscrição no espaço público conceitualiza o ato de inscrever como o movimento de expor seu conteúdo, em oposição à escrita: “o prefixo latino 'ins' significa um movimento dado/gerado/exposto para fora, em contrapartida o prefixo 'es' refere-se a um movimento para dentro” (LOPES, 2013, p.18). Dessa maneira, o ato de inscrever em paredes e em prédios é uma forma de registro visual de cunho político ou cultural, de manifestação de indivíduos e grupos, rivais ou não, que, por conseguinte, almejam propagar sua voz muitas vezes despercebida por nós. Essa voz enunciada no mundo permeia o espaço que ganha força ao ser vista pelo público. Nesse sentido, a pichação e o grafite vão perdendo suas diferenças, as técnicas se misturam e interagem. Cria-se uma relação de confusão na busca de uma definição de grafite e pichação. Sendo assim, qual a diferença entre elas? Será que as fotografias de pichação em algumas páginas nas redes sociais são grafite ou pichação? Ou será que seriam grafite e pichação ao mesmo tempo? A pichação e grafite são apenas feitos em espaços públicos? Essas perguntas revelam sentidos carreados de significados quando percebe-se essa maneira de se manifestar no espaço público. Quando o indivíduo percorre as ruas, ele percebe aquilo que está inscrito na parede ou prédio do espaço público. Para isso, o olhar ocupa o espaço e sucede-se com a abertura atenta para as manifestações emergidas no caos urbano social: O que é uma rua? É uma via no interior de um aglomerado urbano que serve, específica ou simultaneamente, para atravessar uma zona desse aglomerado, para acessar lugares situados ao longo ou imediatamente próximos a essa via, e para produzir um espaço coletivo utilizável em diversos tipos de atividade. Uma rua, então assegura, pelo menos, uma das três funções seguintes: de trânsito, de acesso (distribuição) e de recepção (BORTHAGARAY, 2010, p.18).

Além disso, segundo LOPES (2013): “[…] Apropriando-se do espaço público os governos, por exemplo, apropriam-se da fonte do poder democrático […]”. A enunciação emergida do caos urbano dialoga com a movimentação urbana, os lugares revelam o excesso visual de cartazes, grafites ou pichações, tráfego intenso de veículos com buzinas, fumaças, engarrafamentos por toda a cidade, calçadas abarrotadas de mercadorias, pessoas e camelôs, os cheiros e suores das pessoas que passam na rua (CARMO, 2003). Resulta num revezamento de conteúdos em que permeia os lugares dessa paisagem que marcam as relações sociais predominantes no espaço. Destacamos que a arte pública “[...] não é pública porque acontece em um espaço público definido em termos urbanos, mas porque acontece em meio ao conflito [...]”

(MARCHART, apud RIBEIRO, 2012, p.4). Logo, a arte pública só se torna pública quando articulada com a arte política. Nesse contexto, as autoridades políticas usam o grafite como um antídoto da pichação, que é nivelada ao vandalismo. Isso pode ser visto na Lei Nº 12.408, de 25 de Maio de 2011, sancionada por Dilma Rousseff, sobre a legalização do grafite considerada como uma estética agradável para o olhar do outro, “[...] escolher o que lhe convém e repudiar o que não lhe convém [...]” (LE PANCHE, apud ROUILLÉ, 2009, p.101). O grafite entrou no circuito das galerias e transformou as ruas em galerias, enquanto a pichação é correlacionada à depreciação, deterioração, destruição cruel do que é considerado venerável. A pichação, tal como é comumente definida, estando muito mais ligada à ação de pichar do que ao produto resultante da mesma, perderia sentido se ficasse limitado às paredes autorizadas. A pichação é definida, na maioria das vezes, como uma condenável atitude de vandalismo (VAZ, 2012, p.1-2).

Mesmo com todo o esforço repressivo dos agentes do Estado e seus aliados (oligopólios da mídia, proprietários urbanos, etc) no combate à pichação, tal prática acabou se tornando parte do cotidiano cultural urbano, sendo “[...] uma manifestação estética de parte da população jovem das periferias [...]” (Pereira, 2010, p. 146). A transgressividade da pichação é sua principal característica como expressão cultural, seja revelando uma adesão ambígua aos valores individualistas pela prática de espalhar “assinaturas”, ou por sua desobediência civil manifestada em mensagens de questionamento ético e político do status quo. Sendo assim, deve-se considerar a história da pichação no Brasil, que se inicia na década de 60 e desde o início possuía um cunho político sem preocupação estética, voltada para a desobediência civil como expressão de revolta de uma parcela da juventude urbana contra o status quo. Com a expansão das grandes cidades e após a Ditadura Militar, a pichação ingressa em nosso meio com uma poética subversiva. A partir da década de 80, os pichadores são acusados de degradar espaços urbanos saturados de propaganda comercial, poluição do ar, lixo, engarrafamentos, crimes violentos (inclusive dos órgãos que tem como função oficial reprimi-los) e pauperismo. É denominada como “vandalismo”, sobretudo porque a definição de arte concebida pelos pichadores pode ser entendida como uma violência estética. A violência estética se distingue da estetização da violência, porque não apresenta a violência como espetáculo para entretenimento e publicidade para as massas. Pelo contrário, a violência estética da pichação se coloca no espaço público como um desafio às convenções dessas mesmas massas, não quando elas confortavelmente sentam em poltronas para ver o produto consumido, mas quando circulam pelo ambiente urbano em seu dia a dia. A pichação é uma intrusa, que ninguém pediu para estar ali, mas que se prolifera e retorna sempre que é removida. Como assinatura abstrata ou mensagem éticopolítica, expressão da transgressão individual ou da desobediência civil, ''o pixo'' provoca e desafia os olhares das massas e dos órgãos de repressão. A pixação escrita com “x” é a denominação que os pichadores fazem para marcar a prática dos atores sociais que deixam seu registro pela cidade. A rua é o palco que contém a transgressão do pixo. Não denominaremos a institucionalização da pichação dentro da galeria como arte, pois estaríamos negando ou despotencializando a transgressão poética e política do mesmo. No texto O Ato Criador considera-se a definição da palavra 'arte', segundo o Duchamp: “O que quero dizer é que a arte pode ser ruim, boa ou indiferente, mas,

seja qual for o adjetivo empregado, devemos chamá-la de arte, e arte ruim, ainda assim, é arte, da mesma forma que a emoção ruim é ainda emoção.” (DUCHAMP, 1975, p.73). Dessa maneira, entende-se que a pichação e grafite podem ser boas ou ruins dependendo do ponto de vista de cada espectador. A diferenciação da pichação e grafite só ocorre na lei, pois a essência de ambos é a mesma, mas, com uma estética e forma que se diferenciam. Se formos relembrar do grafite mais antigo feito pelos soldados semitas no penhasco egípcio (Fotografia 1), mais de três mil anos atrás, registra-se o ato de inscrever com hieróglifos, iconografia da representação do homem e Deus. Riscar em paredes na época era uma comunicação com a população analfabeta, e também uma forma de narração dos contos religiosos ou políticos. Segundo o autor: [...] Ele apresenta duas inscrições que parecem conter o nome de um homem e uma referência a Deus, e representam ações criativas de indivíduos isolados de hieróglifos sancionados oficialmente. Riscar em superfícies como forma de expressão é ainda utilizado em alguns locais por todo o continente [...] (HUNTER, 2013, p.10). Fotografia 1: A tumba que pertenceu a um responsável do alto escalão que viveu durante a XVIII dinastia faraônica (1569-1315 a.C.).

Fotografia de Mostafá Al’Saghir. Fonte: Richard Gonzaléz

A tradução da palavra italiana graffiti designa “a inscrição ou desenho de épocas antigas”. No caso, desenhos riscados nas paredes, rochas, vasos, dentre outros locais e peças do passado. Já em nosso contexto de era da tecnológica, a prática refere-se à utilização do spray nas paredes formando uma escrita com desenho em muros da cidade. Esse movimento de desenhar com spray carrega uma linguagem de marca territorial. Uma marca que confunde o ato de grafitar legalmente e ilegalmente (grafite versus pichação), tendo como foco central a pichação, que se confunde com códigos de gangues que marcam o território contra invasão de outros grupos rivais e policiais. Busca a variedade de sentidos na processualidade das práticas sociais, “[...] confecciona-se numa rede de nós e malhas de linguagem e

cultura e se desdobra numa cena de leitura que não cessa de reinventar [...]” (ALMEIDA, 2012). Desse modo, a pichação nos dias atuais incomoda o outro que circula pelas ruas da cidade, o espectador ao ver a pichação na parede e prédios sente-se incomodado, a ação da pichação causa um misto de prazer e repulsa. A reação cumpre seu papel na forma de desacostumar ao agradável de ser visto ou não “[...] o mundo é belo, com a condição de conservar somente as aparências, a superfície das coisas [...]” (ROUILLÉ, 2009, p.249), no caso a pichação interfere nas transformações do espaço em que estamos inseridos (WAINER, 2005). Os sujeitos participam da ação, fazem, interagem e são os protagonistas inserindo a voz e inscrevendo no espaço. O pichador ao inscrever no muro da cidade, protesta para deixar um certo desconforto no espaço público e diversos paradigmas impostos pelo governo e mídia. “Toda arte que se preze tem de incomodar, causar no espectador algum tipo de reação à qual ele não está acostumado. A pichação é um bom exemplo de como cumprir bem este papel” (WAINER, 2005). “A inscrição pública existe de forma paradoxal, pois a possibilidade de sua completude de conceitualização, através de um sentido, reside justamente na perspectiva e aceitação de que ela não tenha um sentido completo e autônomo [...]” (LOPES, 2013, p.24). O entendimento desse lugar reside na mediação da subjetividade e objetividade. Todavia, esse espaço é o local onde as subjetividades estão inseridas e que se manifestam ao nosso redor. Dessa forma, o lugar social permeia a comunicação visual repleta de sentidos e significados que invadem o nosso olhar, mostrando aquilo que sentimos: um prazer desinteressado em contemplar as manifestações inseridas no contexto da História da Arte Contemporânea. A Arte Contemporânea é uma arte do pós-guerra que rompe com o formalismo e acadêmicismo da Arte Antiga até a Arte Moderna, no caso, uma quebra ou ruptura com a tradição da Arte Moderna, originando o desmantelamento das suas categorias. Ela permeia nosso contexto histórico adentrando com questionamentos referentes à documentalidade, des-hierarquização e apropriação dos processos industriais como podem ser vistos nas obras de Andy Warhol. Dessa maneira, o artista elege uma obra de arte como, por exemplo, Caixa de Brillo de Andy Warhol em seguida, a obra se institucionaliza, pois o museu é o local que institucionaliza o que pode ser ou não arte. Segundo o autor: [...] o princípio do registro do objeto através de um local institucional, que o atribui a um autor e comunica ao público […], a novidade reside, no fato de a instituição não estar simplesmente registrando obras já constituídas, mas estar constituindo como qualquer obra escolhida pelo artista [...] (ROUILLÉ, 2009, p. 297).

Como também os ready-made feitos com roda de bicicleta, urinol, um porta garrafas entre outros materiais de Duchamp permearam o campo da arte investigando e propondo a questão sobre o que é arte. A partir dele a pesquisa direciona na transformação do material. De acordo com o autor: [...] A transformação material levada a efeito pelo pintor dá lugar, com o ready-made, a uma transformação simbólica, a uma conversão. Tudo não é arte, mas tudo pode transformar-se em arte, ou melhor, qualquer coisa pode tornar-se material de arte, desde que inserida em um procedimento artístico. A arte torna-se uma questão de procedimento, e de crença [...] (ROULLÉ, 2009, p.296-297).

Após Duchamp, surgiram diversos artistas como Dan Flavin, Bruce Nauman, Richard Serra, Robert Morris, Susan Sotang entre outros artistas, além deles, emergiram os críticos Joseph Kosuth e Rosalind Krauss são propagadores das práticas artísticas, questões da Arte da década de 60 e 70 que reformulam o processo do suporte da obra. E também como a expansão da Arte Contemporânea é o centro das questões do mundo contemporâneo. Ela predomina como a arte dialoga com o mundo e a pichação se insere nesse movimento. A Arte Contemporânea é o desenvolvimento da Arte mais inovadora e provocante para o espectador. Confunde o observador mostrando elementos do dia a dia no espaço institucionalizado. Pode-se dizer que existe uma diferença entre o grafite e a pichação para além do reconhecimento social e jurídico, pois também há uma diferença estética na forma de expressão. Contudo, essa noção é fronteiriça, podendo se confundir. 3 A pesquisa fotográfica O trabalho poético fotográfico foi feito no centro histórico do município de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo (ES), nos anos de 2014 e 2015. A pesquisa contém uma problemática social que envolve conteúdos da fotografia e a pichação. Iremos abordar a estética na imagem (Fotografia 2) da pichação, visto que, a fotografia apropria-se da arte feita no espaço público, que tem caráter transgressor. Nesse sentido, fotografamos 50 imagens com cunho político e letras ininteligíveis para a pesquisa na qual ancora-se nesta discussão. Fotografia 2: Série de Fotografia Estética

Fotografia de Fernanda Antônia da Silveira. Fonte: própria

Percorremos os arredores do Centro de Vitória fotografando as paredes, prédios e muros pichados, bem como, ao final do percurso, selecionamos apenas sete imagens em preto e branco para sobrepor-las e retirar todo o aspecto agradável da imagem que é a estética. O resultado parcial dessa investigação foi a apresentação das imagens sobrepostas e penduradas na parede da sala de aula de fotografia na Célula Modular Universitária (Cemuni), localizada no Centro de Artes na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). A forma de mostrar dessa maneira origina em imagens escuras e ininteligíveis, pois apagavam a fotografia com temática da pichação que estava sobreposta na parede e retirava o sentido estético. Evidenciamos no processo poético o apagamento da imagem (Fotografia 3) e o atropelo de imagem dentro da fotografia com temática da pichação. A pichação é estética na fotografia que permite um olhar esteticamente agradável “[...] o mundo é belo, com a condição de conservar somente as aparências, a superfície das coisas [...]” (BUADELAIRE apud ROUILLÉ, p.269, 2009). Fotografia 3. Apagamento da fotografia e sobreposição de imagem.

Fotografia de Fernanda Antônia da Silveira. Fonte: própria

Para sair desse ambiente da estética, fizemos o apagamento mediante uma sobreposição de imagens para apagar toda a idéia da estética de agradável ao olhar do outro.

“A fotografia nunca é inocente, mas estrutura pelas formas de representação que são sempre ideológicas. [...] em sua modalidade linguística, investiga como nós pensamos e fazemos os outros pensarem, [...] trata de como as fotografias são usadas para criar sentidos” (GODFREY, apud DUCHAMP, 1957, p.4).

Refletimos sobre o modo de fotografar, o enquadramento, ângulo, a apresentação das imagens que são apenas um registro da pichação, mas, não é de fato a pichação. “[...] Assim, a fotografia é máquina para, ao vez de representar, captar. Captar forças, movimentos, intensidades, densidades, visíveis ou não; e não para representar o real, porém para produzir e reproduzir o que é possível de ser visível (não o visível) [...]” (ROUILLÉ, 2009, p.36). A fotografia agrada a visão do sujeito e mascara a intervenção urbana. A valorização estética estabelece uma amplitude de grau com aquilo que é bom ou ruim, um sim ou não, um culpado e um inocente, tendo em vista que ocorrer uma comparação no desejo de contemplar um objeto em relação ao outro. O valor estético considera-se como um ato de gostar ou não daquilo que lhe convém, aquilo que lhe comove e transcende a emoção do espectador quando olha um objeto de arte ou não (GREENBERG, 2002). Ainda conforme o autor: […] Não se escolhe gostar ou deixar de gostar de determinada obra de arte mais do que se escolhe ver o sol como luminoso ou a noite como escura. (O que se escolhe ou determina é o foco da atenção, mas esse foco, por sua vez, guarda uma tênue ligação direta com a intuição enquanto tal). Por outras palavras a valorização estética é reflexiva, automática, e jamais se chega a ela por arbítrio, deliberação ou raciocínio. (Se déssemos mais atenção a isso, talvez houvesse menos rancor nas discussões sobre arte. Mas receio também que isso induziria as pessoas a apresentar seus juízos estéticos de uma forma mais honesta.)[...](GREENBERG, p.43, 2002).

A aceitação da população com o grafite é bem diferente em relação à pichação que toma conta da cidade, pois ela invade os olhares que permeia o espaço público sem limite na sua inscrição na parede ou prédios. A escalada dos prédios elevadíssimos revela a disputa pelo prestígio entre os pichadores. As letras impossibilitam a identificação da assinatura, e os extensores, sprays deixam as palavras ininteligíveis para aqueles que desconhecem, ou não pertencem ao meio. Em vista disso, as letras agridem a sociedade, crescendo, e assim, cada vez mais cresce o sentido de cunho político e estético espalhados pela cidade. O desentendimento introduz dúvidas à respeito da propagação da subversão. Dentro da concepção dos agentes que fazem isso, a pichação, se quiser, vira obra de arte. Uma arte feita para incomodar, desafiar e arriscar “[...] defende a entrada da arte de rua no mercado da arte, mas critica os grafiteiros que se apropriam da linguagem do pixo; [...] guerra de egos entre pixadores se transformou na arte transgressora […] do século 21 – podendo virar também a mais politizada [...]” (BLUMEN, 2014, p. 1). Portanto, os agentes não querem que a pichação seja chamada de arte, pois, de acordo com alguns pichadores, o pixo é uma transgressão da cultura estética e política dominantes. 4 Considerações As pichações são enunciações não institucionalizadas e transgressoras em que as mensagens propagam ideologias de apoio a diferentes causas. O ato de inscrever

não está restrito para o grafite e pichação, mas sim para o ato de inscrever em espaços públicos como uma forma de manifestação poética e política, a inscrição existe de uma forma que seu significado se encontra na aceitação de que ela não tenha um significado autônomo e paradoxal, muito menos completude de conceitualização (Lopes, 2009). A pichação é autonomia, respondendo com vínculo na problemática social, carregando a energia da metrópole que não pára nem um minuto, onde o lucro está acima de tudo e o espaço urbano é o palco de interferências. A construção se torna relevante com o social como forma de gerar ressignificações no campo da arte contemporânea. O campo artístico se organiza numa verdade interna que sempre muda, dependendo da mudança de percepção artística. A mudança pode gerar, ou não, certa frustração, estranheza com aquele objeto. O espaço urbano deve sofrer as interferências das propostas dos manifestadores da pichação, pois ela é transgressiva e subversiva aos muros da cidade que não necessita de autorização do proprietário, desafiando conscientemente sua vontade. O ato de pichar é visto como depredação e degradação da propriedade pública e privada, tendo em vista, a sua problematização em enunciar a contestação com os conflitos sociais e culturais da nossa sociedade. 5 Referências ALMEIDA, Júlia. Textualidades Contemporâneas: palavra, imagem, cultura. Vitória: EDUFES, 2012. BRASIL. Decreto-lei nº 12.408, de 25 de maio de 2011. Disponível em: . Acesso em 25 de julho de 2013. BORTHAGARAY, Andrés. Conquistar a rua! Compartilhar Sem Dividir. São Paulo: Romano Guerra, 2010. BLUMEN, Felipe. O pixo é o que tem de mais conceitual na arte contemporânea hoje. Catraca Livre, 22 ago. 2014 Disponível em . Acessado em 23 de agosto de 2014. CARMO, Tânia Regina. Reflexos Urbanos: A Poética Urbana de Valdelino Gonçalves dos Santos (Didico). Vitória, 2003. DUCHAMP, Marcel. O Ato Criador (1957). In: BATTOCK, Gregory (org.). A Nova Arte. São Paulo: Ed. Perspectiva, col. Debates, 1975. GREENBERG, Clement. Estética Doméstica: observações sobre arte e gosto. São Paulo, Cosac e Naif, 2002. GONZALÉZ, Ricard. Descubiertas nuevas tumbas del Antiguo Egipto en Luxor y Asuán. El País, Madrid, 5 mar. 2014. Disponível em: http://cultura.elpais.com/cultura/2014/03/05/actualidad/1394008626_911526.html.Acessado em 25 de julho de 2015. HUNTER, Garry. Arte de rua ao redor do mundo. São Paulo: Madras, 2013. LOPES, Diego Kern. A Inscrição Pública como Antagônica no Campo Institucional da Arte. Dissertação de Mestrado em Artes, Ufes, Centro de Artes, Vitória, 2013. PEREIRA, Alexandre Barbosa. As marcas da cidade: a dinâmica da pixação em São Paulo. Lua Nova, São Paulo, 79: 143-162, 2010. REVISTA Rap Brasil: Especial Graffiti, nº 35. São Paulo: Escala. 2006. RIBEIRO, Gisele. Da arte pública à esfera pública política da arte. 34 - Revista Poiésis, n 20, p. 1-12, 2012. ROUILLÉ, André. A Fotografia: Entre documento e arte contemporânea. Editora Senac, São Paulo, 2009.

WAINER, João. Pichação é arte. Super Interessante. São Paulo, n. 213, p.98, abril/maio 2005. Fernanda Antônia da Silveira Graduanda do curso de Artes Plásticas, integrante do Grupo de Estudo em Metodologia de Pesquisa em Arte (GEMPA) e participa do Projeto de Desenvolvimento de Leitura para Projetos de Pesquisa em Graduação em Artes na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Matheus Boni Bittencourt Graduado em Ciências Sociais, especialista em História Cultural e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e servidor público do Museu de Artes do Espírito Santo “Dionísio Del Santo” (MAES).

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