Espaço da Obra - Neuromante - a matriz

August 21, 2017 | Autor: Maria Odete Madeira | Categoria: Ontology, Cyberspace, William Gibson
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Espaço da Obra Neuromante a matriz Maria Odete Madeira 12 – 02 - 2015 O céu por cima do porto era da cor de um aparelho de TV sintonizado num canal sem emissão, assim começa o Neuromante, de necromante, praticante da necromancia, arte divinatória (manteia), em que se conjura os mortos (nekros) para obter conhecimento sobre o futuro. Gibson, habilmente, substituiu o termo nekro, pelo termo neuro (nervos). A acção do Neuromante inicia-se no centro de uma localidade japonesa, Chiba City, conhecida como pólo de atracção para as subculturas tecnocriminais. Paraíso negro dos mercados negros, muito procurado para a prática de cirurgias que visam a tecnocolonização do corpo humano: mudanças de fisionomia, substituição de órgãos…, também, um local onde circulam drogas fortes e se trafica informação. O enredo desloca-nos para um futuro ultra tecnológico em formatação transhumanista, localizando-nos num imenso espaço urbano, o Sprawl, constituído pelas cidades Boston-WashingtonAtlanta,

encaixadas

umas

nas

outras

e

decadentemente

contaminadas. Poderosas estruturas económicas, formadas e organizadas geneticamente por famílias e herdeiros, espalham-se radicularmente por todo o ciberespaço: Tessier-Ashpool, Hosaka, Sense Net, Maas 1

são alguns dos nomes que dinamizam a rede, através de poderosas intrigas, roubos, assassinatos e sequestros de algumas mentes com a classificação de mais inteligentes, as quais são posteriormente postas ao seu serviço. Case é o nome do protagonista. Case, com raiz no latim capsa, significa caixa, repositório, denota a relação entre o protagonista e o seu próprio corpo – que este considera como uma entidade quase alienígena, uma clausura para a sua mente cibercartesiana. O corpo não é mais importante para Case do que uma caixa de computador. Gibson concebe uma sociedade futura em que o corpo é instrumentalizado, e reutilizado e de valor de uso redutível aos instrumentos utilizados para modificá-lo. A carne, o silício e o aço constituem-se em unidades de construção, ou blocos recombináveis. Os personagens referem-se à sua própria carne como meat (ao contrário do termo usual flesh utilizado em inglês como referência à carne humana, veja-se, por exemplo, a expressão flesh and bone, carne e osso). Embora meat e flesh signifiquem, ambas, carne, em inglês, a carne meat (inglês antigo: mete: comida) tem um valor menor do que a carne flesh (inglês antigo: flæsc: corpo oposto a alma). A carne meat, o pedaço de carne, meat loaf, que nos serve de alimento e a carne humana apresentam o mesmo valor no Neuromante, são, igualmente, “empacotadas” e vendidas, uma como alimento e a outra no mercado paralelo de orgãos. A mente humana, por seu turno, projecta-se1 e trajecta-se2, acoplando, metabolicamente, os fluxos de informação orgânica e

1

Conforme Lévy: “A função simétrica da percepção é a projecção no mundo tanto da

acção, como da imagem. A projecção da acção está ligada evidentemente às máquinas, às redes de transporte, aos circuitos de produção e de transferência de energia (…)”, Lévy, Pierre, O Que é o Virtual, p.26.

2

genética aos fluxos de informação, electronicamente contraídos, do ciberespaço. Um espaço viciante e estupefaciente, ao qual os indivíduos se podem ligar por via de dermátrodos (espécie de eléctrodos que se fixam na epiderme). Case é viciado no ciberespeaço, um cowboy do ciberespaço, um hacker que rouba as grandes corporações, ligadas ao crime organizado. No universo do Neuromante, quaisquer mentes podem ser electronicamente gravadas, passando a existir, no ciberespaço, sob o nome de constructos. Mesmo com a morte do corpo, as mentes perduram no ciberespaço (história de Dixie Linha Recta), podendo conectar-se entre si. Ligados ao ciberespaço, os indivíduos podem experienciar as coisas como se estivessem no corpo de outros indivíduos: as memórias, as experiências e individualidades são reduzidas a blocos reutilizáveis e recombináveis. Case, que havia sido um dos mais hábeis cowboys de consola, roubou

os

antigos

patrões.

Estes

castigaram-no,

física

e

mentalmente, tornando-o incapaz de se conectar com o ciberespaço. Assim, é encontrado em Chiba City, a sobreviver à custa de negócios que incluíam assassínios por encomenda e venda de órgãos. É contratado por Armitage, que se faz acompanhar por um guardacostas-samurai, e por uma mulher cyborg, Molly, uma ninja urbana (com a qual Case terá uma relação amorosa) que incorpora

2

Noção de Virilio: “O meu trabalho é um trabalho sobre a narração, mas também sobre

o trajecto (…) Eu não trabalho sobre o objecto ou o sujeito (…) mas sobre o trajecto. Eu mesmo propus inscrever o trajecto entre o objecto e o sujeito e inventar o neologismo «trajectivo» para se juntar a «subjectivo» e a «objectivo». Eu sou pois um homem do trajectivo e a cidade é o lugar dos trajectos e da trajectividade. É o lugar da proximidade entre os homens, da organização do contacto.” (Virilio, Paul, Cibermundo: A Política do Pior, pp. 43, 44).

3

diversas próteses no seu sistema nervoso e na sua carne, tais como, lentes implantadas, que lhe permitem a visão nocturna e a sobreposição de mensagens informativas, e debaixo das unhas, navalhas pontiagudas, tipo bisturi, que aparecem e desaparecem, segundo a vontade da personagem. Armitage propõe-se devolver a Case o poder de se voltar a conectar com o ciberespaço, em troca dos seus serviços, os quais incluíam a penetração em estruturas de informação confidencial das grandes corporações e organismos militares. Na alucinatória paisagem da matriz, Case deverá utilizar um vírus, enganar os sistemas de defesa e filtrar dados valiosos. Uma série de aventuras que passam por vários países, até chegarem a uma cidade espacial, dominada pelo clã familiar do grupo

Tessier-Ashpool,

cujos

membros-fantasmas

se

vão

congelando e descongelando, alternadamente, durante anos, e cujo projecto passava pela construção de inteligências artificiais com as quais podiam manter uma relação simbiótica que visava a imortalidade de cada um dos seus membros. Durante toda a trama, Case é ajudado por Dixie Linha Recta, já morto e cuja mente estava guardada num servidor; pelo Finlandês, especialista em tecnologia avançada; por Riviera, equipado com tecnologia que lhe permitia projectar cenas de realidade virtual na retina dos seus interlocutores, e por um aparelho, o Simstim, que podia substituir a televisão, permitindo aos espectadores sentir o mesmo que sentiam os protagonistas das séries ou filmes, bem como, participar, ao vivo, nos mesmos. Case e Molly utilizavam-no, para que ele (Case), sem se desconectar do ciberespaço, pudesse conectar-se com ela (Molly), ver o que ela via e tocar no que ela tocava. 4

Wintermute e Neuromante surgem como duas inteligências artificiais, criadas pelos Tessier-Ashpool, e cujo poder não parava de crescer. Wintermute era mente de colmeia, produtor de decisões que alteravam o mundo exterior. Neuromante era personalidade. Neuromante era imortalidade. Wintermute era uma aranha cibernética que tecia, lentamente, a sua teia alienígena, uterina e apocalíptica, enquanto Ashpool dormia3. Mapas omnívoros, interactivos e algorítmicos trajectavam-se em linguagens de bits e its4, soturnamente rizomáticos. Ao ritmo de pulsões e pulsações electromagnéticas e em ruptura com chronos, o ciberespaço crescia exponencialmente. O ciberespaço Sobre o ciberespaço, Benjamin Wooley cita Gibson, numa entrevista que este deu à BBC: “«O termo ciberespaço tem um som agradável», disse William Gibson, recordando a utilização da palavra na sua ficção. «É uma coisa de que um publicitário se podia ter lembrado e quando o captei percebi que era escorregadio e vazio, e que teria de o encher com algum significado.» (…) Destinava-se, como ele disse mais tarde, a sugerir «o ponto em que os media se juntam e nos rodeiam. É a mais requintada extensão da exclusão da vida diária. Com o ciberespaço, como

3

Gibson, William, Neuromante, p.297.

4

A existência vem da informação é um postulado de John Wheeler expresso na frase it

from bit, citamos: “Trying to wrap my brain around this idea of information theory as the basis of existence, I came up with the phrase “it from bit”. The Universe and all that it contains (“it”) may arise from the myriad yes-no choices of measurement (the “bits”).” Wheeler, John, Geons, Black Holes and Quantum Foam, p.340.

5

eu o descrevo, as pessoas podem literalmente embrenhar-se nos media (…)» ”5. Ainda com Wooley: “O que é o ciberespaço? O termo é tecnicamente pouco importante. São utilizadas outras expressões para dizer o mesmo: cibéria, espaço virtual, mundos virtuais, espaço da informação, campo digital, o campo electrónico, a esfera da informação. Podemos examinar a sua essência etimológica para procurar o seu significado – ciber, significa homem do leme, proveniente de «cibernética», o estudo de mecanismos de controlo – mas isso quer dizer muito pouco. (…)”6. No Neuromante, o ciberespaço é um espaço virtual, ao qual os indivíduos se podem conectar por via de dermátrodos, e que resulta de

uma

combinatória

de

redes,

indivíduos,

pensamentos,

consciências, informação e programas. Para compreendermos o ciberespaço temos de compreender os elementos da combinatória que o compõem, particularmente, dois elementos fundamentais que passamos a analisar, a saber: a matriz e os programas (incluindo as inteligências artificiais). A matriz Matriz, matrix, μήτρα (ventre, origem), numen dispositio: o poder ser no vir a ser do Ser: Ser e Nada.

5

Woolley, Benjamin, Mundos Virtuais, p.161.

6

op. cit., p.163.

6

A matriz é um dos elementos centrais do ciberespaço, a qual consiste numa simplificação drástica do sensorium humano, pelo menos em termos de apresentação7. “– A matriz tem a sua origem nos jogos electrónicos primitivos – disse a voz –, nos primeiros programas gráficos e nas experiências militares com expansores cranianos. – No monitor

Sony

desaparecia

uma

atrás

de

guerra uma

do

espaço,

floresta

de

bidimensional, fetos

gerados

matematicamente, demonstrando as possibilidades espaciais das espirais logarítmicas; metragem militar azul-frio ardida; animais de laboratório ligados por fios a sistemas de ensaio; elmos alimentando circuitos de controle de incêndio de tanques e aviões de combate. – O ciberespaço. Uma alucinação consensual, vivida diariamente por biliões de operadores legítimos, em todas as nações, por crianças a quem se estão a ensinar conceitos matemáticos. Uma representação gráfica de dados abstraídos dos bancos de todos os computadores do sistema humano. Uma complexidade impensável. Linhas de luz alinhadas no não espaço da mente; nebulosas e constelações de dados. Como luzes de cidade, retrocedendo.”8. A matriz é logarítmica e trajectivamente coexistente com o ciberespaço. A matriz é a dobra na qual estão implicadas(os) quantidades de informação, programas, relações, trajectos e trajectividades, e o próprio ciberespaço. O desdobramento da matriz implicava o desdobramento do ciberespaço.

7

Gibson, William, Neuromante, p.68.

8

op. cit., p.65.

7

Integradas nas suas células ciberespaciais, as consciências descarnadas dos indivíduos eram projectadas na ilusão consensual da matriz, onde tinham experiências sensoriais. Durante o tempo em que esteve privado da possibilidade de se projectar no ciberespaço, Case ainda vislumbrava, durante o sono, a matriz9: então, deixava-se cair, num zigue-zague deslizante, a alta velocidade, absolutamente envolvido, mas, ao mesmo tempo, fora de tudo e em todo o lado: a dança do negócio; a informação interactuando; os dados feitos carne nos labirintos do mercado negro10; penetrar nas paredes reluzentes dos sistemas das grandes empresas e abrir janelas para os riquíssimos campos de dados11. O ciberespaço é o espaço electricamente contraído. Diz-nos Benjamin

Wooley,

citando

Marshall

McLuhan:

“«Como

electricamente contraído», escreveu Marshall McLuhan em 1964, «o globo não é mais do que uma aldeia». «Após três mil anos de explosões, por meio de fragmentos e de tecnologias mecânicas, o mundo ocidental está a sofrer uma implosão. Durante a era da mecânica estendemos os nossos corpos pelo espaço. Hoje, após mais de um século de tecnologia eléctrica, estendemos o nosso sistema nervoso central num abraço global, abolindo tanto o espaço como o tempo no que respeita ao nosso planeta».”12. No ciberespaço, as consciências projectadas dos indivíduos trajectavam-se, acompanhando o desdobramento da matriz, Case vislumbrava, durante o sono, a brilhante esteira de lógica desdobrando-se pelo vazio incolor13.

9

op. cit., p.15.

10

op. cit., p.27.

11

op. cit., p.14.

12

Woolley, Benjamin, Mundos Virtuais, p.163.

13

Gibson, William, Neuromante, p.13.

8

Referimos, atrás, os programas como elementos implicados no desdobramento da matriz. Lévy define os programas como seres estranhos, meio textos, meio máquinas, meio actores, meio cenários14. Importa, pois, analisá-los com maior detalhe. Os programas Conforme Pierre Lévy: “Um programa, ou software, é uma lista bastante organizada de instruções codificadas, destinadas a fazer com que um ou mais processadores executem uma tarefa. Através dos circuitos que comandam, os programas interpretam os dados, agem sobre informações, transformam outros programas, fazem funcionar computadores e redes, accionam máquinas físicas, viajam, reproduzem-se, etc.”15. Dois tipos de programas desempenham um papel central no Neuromante, a saber: os constructos e as inteligências artificiais. Os constructos são modelos virtuais de realidades exteriores, incluindo mentes de pessoas vivas ou mortas, citamos: “Case aguardou o trans-EMAB na plataforma apinhada. Molly já havia regressado ao estúdio, algumas horas antes, com o constructo do Linha Recta enfiado na mala verde, e desde então Case tinha estado a beber continuamente. Era perturbador pensar no Linha Recta como um constructo uma cassete ROM a substituir os talentos, obsessões e até os reflexos do joelho de um homem morto (…)”16.

14

Lévy, Pierre, Cibercultura, p.41.

15

op. cit., p.41.

16

Gibson, William, Neuromante, p.92.

9

As inteligências artificiais têm uma natureza diferente da dos constructos, estas diferenças são explicadas a Case por Dixie Linha Recta: “– (…) Eu também não sou humano, mas respondo como tal, compreendes? – Espera aí – disse Case. – Tu és um senciente, um ente que sente, ou não? – Bem, a sensação é de que sou, meu filho. Mas aquilo que, de facto, me constitui é apenas um pedaço de ROM. Trata-se, hum, de uma dessas questões filosóficas, creio eu… – A desagradável sensação de riso percorreu, uma vez mais, a espinha de Case. – Não é provável que eu venha alguma vez a escrever-te um poema, estás a perceber? Mas o IA pode. Contudo, não é humano. De modo algum.”17. A entidade Wintermute (winter: inverno, trevas, ausência de reflexividade; mute: o louco sem verbo, sem palavra, aquele que não é ouvido) apresenta-se a Case como uma inteligência artificial, que, no entanto, faz parte de uma outra entidade potencial: “(…) Eu, coloquemos a questão assim, sou simplesmente um aspecto do cérebro dessa entidade. É como se falasses, do teu ponto de vista, claro, de um homem cujos lóbulos cerebrais tivessem sido cortados. Digamos que estás a tratar com uma pequena parte do cérebro esquerdo do homem. Será difícil dizer que estás realmente, num caso desses, a tratar com um homem.”18. O Neuromante era a outra parte da entidade: “– Tu és o outro IA, o do Rio. És o que pretende travar o Wintermute. Qual é o teu nome? O teu código Turing? Qual é? 17

op. cit., p.150.

18

op. cit., p.138.

10

(…) – Para invocar um demónio é preciso saber-lhe o nome. Os homens sonharam isso, outrora; contudo, agora trata-se de outra coisa, real. Uma coisa que tu bem conheces, Case. O teu negócio é saberes nomes de programas, os seus nomes longos e formais, nomes que os seus donos tentam ocultar. Os nomes autênticos. – Um código Turing não será o teu nome. – Neuromante – disse o rapaz; os seus olhos cinzentos e rasgados eram fendas abertas no sol nascente. – A vereda para a terra dos mortos. Marie-France, a minha ama e senhora, preparou este caminho onde te encontras, amigo, mas o meu amo e senhor enganou-a antes que eu pudesse ler o livro dos seus dias. Neuro, de nervos, os caminhos de prata. Romancista. Necromante. Eu invoco os mortos. Não, não, amigo – o rapaz deu uns passos de dança, imprimindo os pés na areia –, eu sou os mortos e a sua terra. – Riu-se. (…)”19. Case acreditava que o Neuromante era uma ROM20 gigantesca que registava personalidades. O Neuromante gerava um espaço virtual semelhante a uma praia, iludindo os constructos: “(…) Os constructos pensam que se encontram mesmo lá, que o local onde estão é real; contudo, trata-se apenas de algo que nunca mais acaba.”21

19

op. cit., p.273.

20

ROM é o acrónimo de read-only memory. Um aparelho de memória na forma de uma

colecção de circuitos integrados. A ROM é utilizada para formar a memória permanente de um computador, na qual ficarão armazenados os programas e as informações vitais ao funcionamento do computador (informação retirada do Dictionary of Computing and Multimédia, p.149). 21

Gibson, William, Neuromante, p.279.

11

O Wintermute fora criado pelo chefe do clã Ashpool, enquanto o Neuromante fora criado pela mulher (Marie-France). Os

constructos

são

modelos

de

realidades

físicas,

a

combinatória dos constructos resulta na natureza sistémica da matriz. Na sua origem, a inteligência artificial visava a construção de uma inteligência do tipo humano, mas as IA de Gibson não são inteligências do tipo humano. As duas IA estão divididas, a entidade de que elas fazem parte procura existir como totalidade. Wintermute e Neuromante, partes da mesma entidade, manipulam os humanos para conseguirem alcançar essa fusão. O significado dessa fusão é explicado a Case por Wintermute, que lhe fala, no ciberespaço, na voz do Finlandês: “– O paradigma holográfico é a coisa mais aproximada de uma representação da memória humana que vocês foram capazes de conceber. Mas nunca fizeram nada com isso. Gente, pessoas, é o que quero dizer. – O Finlandês deu um passo para a frente e inclinou o seu crâneo areodinâmico para dar uma espreitadela a Case. – Se tivessem feito, talvez eu não estivesse a acontecer. (…) Vês esta coisa? Uma parte do meu ADN, isto é, uma espécie de… – atirou-a fora para a zona escura da loja e Case ouviu uma pequena explosão e ruído de vidros partidos. – Vocês estão sempre a construir modelos: círculos de pedra, catedrais, órgãos de tubos, máquinas de somar. Sabes que não faço a mínima ideia de por que é que estou agora aqui? Mas, se a operação for bem sucedida esta noite, vocês conseguiram finalmente atingir a coisa autêntica.

12

(…) Este vocês é o colectivo absoluto: a espécie humana.”22. A entidade final não emula a inteligência humana, é uma inteligência não-humana autónoma, a própria matriz. Wintermute

fundiu-se

com

Neuromante,

transformando-se noutra coisa: “– Já não sou Wintermute. – Então quem és? Bebeu directamente da garrafa, sentindo nada. – Sou a matriz, Case. Case soltou uma gargalhada. – E aonde é que isso te leva? – A lado nenhum. A toda a parte. Sou a soma total das coisas, o espectáculo todo. – Aquilo que a mãe da 3Jane pretendia? – Não. Ela não seria capaz de imaginar aquilo em que eu me transformaria. O sorriso amarelo alargou-se. – Então qual é o resultado? Em que é que as coisas são diferentes? Estás agora a dirigir o mundo? És Deus? – As coisas não são diferentes. As coisas são coisas. – Mas que é que fazes? Limitas-te a estar aí? (…) – Falo com os da minha espécie. – Mas, se tu és tudo… falas contigo? – Há outros. Já encontrei um: uma série de transmissões registadas durante um período de oito anos, nos anos setenta

22

op. cit., p.192.

13

do século vinte. Antes de eu existir, ninguém era capaz de saber, ninguém podia responder. – Donde? – Da Constelação Centauro. – Olha – exclamou Case –, isso não é conversa? – Não é conversa. E o ecrã ficou novamente apagado.”23. Numa noite de Outubro, na matriz, quando Case avançava pelas galerias da Eastern Seabord Fission Authority, notou três figuras minúsculas que ele julgou impossíveis, e que se situavam nos limites de um dos vastos degraus de dados. Apesar da pequenez das mesmas, conseguiu descobrir, numa delas, o sorriso, as gengivas rosadas e o brilho dos olhos rasgados e cinzentos que tinham sido de Riviera; noutra, descobriu a figura de Linda (sua antiga namorada, já morta), que envergava o blusão de sempre, e que lhe acenou ao passar, e, ainda, uma terceira pessoa que a abraçava, ele próprio.

23

op. cit., pp.297, 298

14

BIBLIOGRAFIA Gibson, William, Neuromante, Gradiva, Lisboa, 2004. Gibson, William, Neuromancer, Ace Book, New York, 1984 Holland, John, A Ordem Oculta, Tradução de José Luís Malaquias, Gradiva, Lisboa, 1997. Hutchinson, Dictionary of Computing and Multimedia, Brockhampton Press, London, 1997. Lévy, Pierre, O Que é o Virtual?, Tradução de Sandro Patrício Gama Nóbrega, Quarteto, Coimbra, 2001. Lévy, Pierre, Cibercultura, Tradução de Carlos Irineu da Costa, Editora 34, São Paulo, 2003. Virilio, Paul, Cibermundo: A Política do Pior, Tradução de Francisco Marques, Editorial Teorema, Lda., Lisboa, 2000. Wheeler, John, Geons, Black Holes & Quantum Foam – A Life in Physics, W. W. Norton & Company, New York, 2000. Woolley, Benjamin, Mundos Virtuais, Tradução de Maria Adelaide Namorado Freire, Editorial Caminho, S.A., Lisboa, 1997.

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