Espaço e Pedagogia: Arquitectura Escolar, do Moderno ao Pós-Moderno

July 23, 2017 | Autor: Paulo Lousinha | Categoria: Arquitectura, Arquitectura Escolar
Share Embed


Descrição do Produto

Espaço e Pedagogia: Arquitectura Escolar, do Moderno ao Pós-Moderno Palavras Chave: arquitectura escolar, edifício escolar, espaço, pedagogia, arquitectura, escola


1! de 16 !

1.INTRODUÇÃO

Ainda que as preocupações com o ambiente de aprendizagem não sejam novas, temos assistido a um interesse crescente pelo edifício escolar nos últimos tempos, o qual tem sido acompanhado pelo aumento de publicações sobre o tema nas áreas da arquitectura, história e ciências da educação. Curiosamente, a este interesse não tem correspondido uma efectiva produção de conhecimento científico sobre o espaço de aprendizagem, pelo menos assim o conclui Toby Greany1 numa primeira leitura ao estudo “The impact of school environments: A literature review”, publicado pelo Design Council em 2005.2 Apesar da ancestral história da educação, é apenas no começo do século XIX que surgem os primeiros edifícios desenhados especificamente para receber salas de aula do ensino primário. Até então, a escola era a casa do mestre, seguindo um modelo de relação tradicional entre o artesão e a sua oficina. Joseph Lancaster, que é um dos pensadores do método de ensino mútuo3, fornece o primeiro contributo para a discussão em torno da arquitectura escolar, quando publica em 1809 “Hints and Directions for Building, Fitting Up, and Arranging School-Rooms”4, como resposta às necessidades educativas das cidades inglesas em rápido crescimento industrial. Só a partir daí faz sentido falar em arquitectura escolar como um domínio próprio da produção arquitectónica. A escola vista como lugar é por isso um acontecimento historicamente recente, que ganha expressão principalmente a partir da segunda metade do século XIX, fruto de uma conjugação de factores: fundamentalmente sociais, mas também higienistas ou ainda simbólicos. Para Francisco Ramírez Potes, é exactamente pela natureza da função social do programa, que o edifício escolar teve um efeito catalisador para o desenvolvimento da arquitectura do movimento moderno.5 Partindo da importância que o tema escola teve no movimento moderno, porque cada edifício escolar revela uma atitude de acção educativa como suporte a uma determinada prática pedagógica, vamos olhar a evolução do

Toby Greany, “Foreword” in Higgins, Steve, Hall, Elaine, Wall, Kate, Woolner, Pam, e McCaughey, Caroline, “The impact of school environments: A literature review”. London: Design Council, 2005, p. 3. 1

2

Publicado pelo Design Council em 2005, “The impact of school environments: A literature review” é uma resenha conduzida pelo “The Centre for Learning and Teaching School of Education, Communication and Language Science” da Universidade de Newcastle, que faz uma análise de investigações científicas publicadas sobre o impacto do ambiente escolar na aprendizagem. Uma das primeiras conclusões deste estudo é a escassez de investigação efectiva em espaços de aprendizagem. Para além disso, conclui que a existente é quase sempre baseada em processos pedagógicos ultrapassados, o modelo educativo expositivo “chalk and talk”. Este método colocava centenas de alunos numa mesma sala, divididos em grupos de 10 a 20 alunos conforme o nível; a cada grupo era confiado a um monitor - um aluno mais adiantado - o qual instruía os colegas, como fora ensinado pelo professor horas antes; além dos monitores havia ainda o inspector, que vigiava os monitores e relatava ao professor. 3

4

Este trabalho seminal de Joseph Lancaster, rapidamente alargou o debate sobre o edifício escolar a outros países europeus, em resposta à importância que a educação entretanto ganha com as conquistas democráticas dos finais do século XVIII, e a consequente democratização do ensino: ao direito do voto universal junta-se o saber ler e escrever. Francisco Ramírez Potes, “Arquitectura y Pedagogía en el Desarrollo de la Arquitectura Moderna” in Revista Educación y Pedagogía 21(54). Medellín, Universidad de Antioquia - Facultad de Educación, 2009, p. 31. 5

2! de 16 !

pensamento do arquitecto, quando confrontado com a necessidade de materializar no projecto respostas a um determinado princípio pedagógico. Para evoluir neste sentido, vamos primeiro entender porque o espaço emergiu como valor essencial da arquitectura do movimento moderno. De facto, Bruno Zevi definiu o espaço como protagonista na arquitectura “porque a arquitectura não é apenas arte nem só imagem de vida histórica ou de vida vivida por nós e pelos os outros; é também, e sobretudo, o ambiente, a cena onde vivemos a nossa vida”6. Cenários de vida, os homens interagem com os espaços pelas acções que neles se exteriorizam. É a vida física, psicológica, espiritual que decorre nos edifícios que define o seu conteúdo social. Seguidamente discutiremos as pedagogias centradas na aprendizagem da criança, para depois reflectir sobre as a visão do arquitecto moderno e pós-moderno, escolhendo os exemplos da Escola ao Ar Livre em Amesterdão, de Johannes Duiker e Bernard Bijvoet e o projecto da Escola Primária em Darmstadt, de Hans Scharoun. Ainda que seja mais fácil “(...) definir o começo do período pós-modernismo do que o seu fim, que provavelmente ainda não atingimos”7, concluiremos com a identificação da mudança de atitude do arquitecto neste período balizado entre o apogeu do movimento moderno e o pós-moderno.

6

Bruno Zevi, Saber Ver a Arquitectura. São Paulo, Martins Fontes, 1989, p. 28.

Kate Nesbitt, “Introduction” in Kate Nesbiit (ed.), Theorinzing a New Agenda for Architecture, 1965-1995. New York, Princeton Architecture Press, 1996, p. 21. 7

3! de 16 !

2.ESPAÇO

“O espaço moderno reassume (...) o desejo gótico da continuidade espacial e do estudo minucioso da arquitectónica, não como sonho final dentro do qual se pode inserir o elemento dinâmico, mas como consequência de uma reflexão social.”8 “Qualquer definição de arquitectura em si requer uma prévia análise e exposição do conceito de espaço.”9 “Se há uma área onde a construção de espaço representa um desafio especial para a arquitectura, ele é o do desenho das escolas”10 As três citações com que abrimos este capítulo reflectem a visão teórica de Zevi sobre a arquitectura moderna, a preocupação filosófica de Lefebvre sobre espaço e o desafio que para Hertezberger o espaço escolar representa no projecto. O conceito de espaço como elemento distintivo da arquitectura, como lugar da sua conformidade ao uso está presente no pensamento teórico desde o final do século XIX. Segundo Josep Maria Montaner, foi Alois Riegl o primeiro historiador de arte a definir o conceito de espaço como essência da arquitectura.11 Esta mudança da concepção tectónica da arquitectura para a concepção espacial proposta por Riegl, teve em August Schmarsow um seguidor, que contrariando as correntes dominantes, sugere que a obra de arquitectura não se obtém pela mera adição de elementos construtivos, afirmando que a modelação do espaço é o elemento chave na formação dos estilos de todos os tempos. Para Kenneth Frampton, Schmarsow entendeu a evolução da arquitectura como desenvolvimento do sentir do espaço pelo homem.12 O espaço tornou-se parte integral do nosso pensamento sobre arquitectura, a tal ponto, como afirma Frampton, “que somos praticamente incapazes de o conceber sem colocar ênfase na deslocação do sujeito no tempo.”13 A consciência da nossa presença num determinado espaço, independentemente da sua escala, ocorre em múltiplos níveis por assimilação de sensações. Roy Malcolm Porter, Jr. afirma que essa assimilação depende de outras experiências “que por sua vez são uma compilação de vários conceitos e percepções relacionados, e eventualmente uma afirmação da nossa existência que confirma a sensação de lugar” para concluir que “A primeira fonte de experiência é a nossa relação com o que nos envolve através do movimento.”14 8

Bruno Zevi, Saber ver a Arquitectura. São Paulo, Martins Fontes, 1989, p. 123

9

Henry Lefebvre, The Production of Space, Oxford, Blackwell Publishers, 1991, p. 15.

10

Herman Hertzberger, Space and Learning, Rotterdam, 010 Publishers, 2008, p. 20.

Josep Maria Montaner, “Espaço e Antiespaço, Lugar e não Lugar na Arquitectura Moderna”, in Josep Maria Montaner, A Modernidade Superada: Arquitectura, Arte e Pensamento do Século XX. Barcelona, Gustavo Gili, 2001, p. 28. 11

12

Kenneth Frampton, Introdução ao Estudo da Cultura Tectónica, Lisboa e Matosinhos, Associação dos Arquitectos Portugueses e Contemporânea editora, 1998, p. 19. 13

Kenneth Frampton, Introdução ao Estudo da Cultura Tectónica, op. cit., p. 20.

Roy Malcolm Porter Jr, The Essence of Architecture: August Schmarsow's Theory of Space, Dissertation in Architecture, Faculties of University of Pennsylvania, 2005, p. 135. 14

4! de 16 !

Esta experimentação espaço/tempo também é evocada por José María Ruiz Ruiz, quando afirma que “Um dos factores que configuram a nossa personalidade é o espaço. Junto com o tempo forma as coordenadas existenciais sobra as quais se percebe a vida do homem.”15 A interacção com o espaço para a sua apreensão está portanto dependente da presença de um observador, que como afirma Fernando Távora “a consideração da existência de tal observador vem enriquecer, pela criação de situações várias, o dimensionamento do espaço.”16 Ainda segundo este autor, tudo tem importância para a organização do espaço, “as formas em si, a relação entre elas, o espaço que as limita.”17 No seu ensaio “Da Organização do Espaço” Távora identifica duas características do espaço, a continuidade e a irreversibilidade, afirmando que uma é consequência da outra porque continuidade física pressupõem dimensões, sendo o tempo uma das suas dimensões. Dada a marcha constante do tempo, o espaço é irreversível. Daqui conclui que a organização do espaço é obra da participação de todos os homens e não de apenas alguns, ainda que “em graus diferentes de intensidade e até de responsabilidade, mas, de qualquer modo, obra de que nenhum homem pode eximir-se.”18 Implícito na concepção do espaço está então o nosso duplo papel de criadores e espectadores. Apesar do espaço ser por definição um não objecto, que não é palpável, não tem densidade e não está à frente do observador, ele envolve-o por todos os lados. O espaço é afinal “o resultado material, palpável, tangível da arquitectura”19 como afirma Alberto Campo Baeza. O carácter volumétrico da forma arquitectónica depende desse espaço, matéria prima da arquitectura. O objectivo da arquitectura é então criar forma espacial. Esta questão da criação do espaço segundo Bachelard, inicia-se na imaginação. O espaço é então uma construção mental. Antes de qualquer acção, actuam as fantasias, as associações perceptivas visuais, os códigos e signos constitutivos que se construiriam, num primeiro momento, na mente e na sensibilidade do artista. Em relação à memória afirma que se conhece apenas uma série de fixações no espaço da estabilidade do ser, pois o inconsciente permanece nos locais, “está bem alojado, venturosamente instalado”20 e assim “em seus mil alvéolos o espaço retém o tempo comprimido. É essa a função do espaço.”21 Para concluir, interessa-nos pensar que “A arquitectura é sempre a expressão espacial de uma decisão intelectual” como afirmou Mies numa conferência realizada em finais de Fevereiro de 1928 na Biblioteca Nacional de Arte de Berlim.22


José María Ruiz Ruiz, “El Espacio Escolar” in Revista Complutense de Educación 5(2). Madrid, Editorial Complutense, 1994, p. 94. 15

16

Fernando Távora, Da Organização do Espaço, Porto, Curso de Arquitectura da ESBAP, 1982, p. 24.

17

Fernando Távora, Da Organização do Espaço, op. cit., p. 30.

18

Fernando Távora, Da Organização do Espaço, op. cit., p. 31.

Alberto Campo Baeza, “Essencialidade Mais com Menos, Manifesto” in Alberto Campo Baeza, A Ideia Construída, Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2004, p. 36. 19

20

Gaston Bachelard, A poética do Espaço, São Paulo, Martins Fontes/Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 30.

21

Gaston Bachelard, A poética do Espaço, op. cit., p. 28.

Ludwig Mies Van der Rohe, “Los Requisitos de la Cretividad Arquitectónica”, in Fritz Neumeyer, Mies van der Rohe, La Palabra Sin Artificio. Reflexiones Sobre Arquitectura 1922/1968. Madrid: El Croquis Editorial, 1995, p. 452. 22

5! de 16 !

3.PEDAGOGIA

A arquitectura da escola desenvolveu-se ao longo da história em função da evolução dos conteúdos didácticos. Para Francisco Burgos, “os avanços técnicos e as correntes culturais reflectiram-se no desenho da sala de aula, mas foi a inovação pedagógica o verdadeiro motor das transformações mais profundas na configuração do espaço escolar.”23 Vivemos um período de profundas transformações no contexto da actividade económica e das relações sociais, assistindo desde o final de século passado, a uma fase de rápida transição para uma nova era de mundialização das relações e de globalização da informação, onde o acelerado progresso científico e técnico tem atingido a instituição escolar, especificamente o conceito de criança, hoje reconhecida indiscutivelmente como sujeito do processo educativo. No entanto, há mais de um século que sociólogos e psicólogos reflectem sobre as grandes diferenças, físicas e psicológicas, entre adultos e crianças. “Crianças e adultos vêem o mundo diferentemente”24. Já nos anos 20 do século passado, Piaget reconhecia que ambos pensam de forma diversa. Este estado de conhecimento, leva muitos pedagogos a proporem que a escola deveria integrar pedagogia e ambiente físico, considerando-os “(...) elementos constitutivos de primeira ordem no processo formativo da criança.”25. Pestalozzi e Froebel, discípulos de Rousseau26, avançaram no século XIX com dois modelos escolares cuja influência se prolonga até aos dias de hoje: a escola nova e o jardim-de-infância.27 Froebel projectou integralmente o “seu” jardim de infância, o Kindergarten, o qual passou a ser o primeiro edifício escolar directamente concebido para uma determinada prática pedagógica.28 Nesse edifício, o jardim era o centro da escola, uma vez que Friedrich Froebel utiliza o espaço exterior como ferramenta de aprendizagem, permitindo a realização de diversas actividades: cultivo, jogos e exercícios de ginástica. Para este pedagogo, as crianças eram consideradas como flores de um jardim, que floresciam se devidamente tratadas, no qual o

23

Francisco Burgos, “Revoluvión en las Aulas: La Arquitectura Escolar de la Modernidade en Europa” in Arquitectura Viva 78. Madrid, Arquitectura Viva SL, 2001, p. 17. 24

Christopher Day e Anita Midbjer, Environment and Children: Passive Lessons from the Everyday Environment. Oxford, Architectural Press, 2007, p. 3. 25

Francisco Ramírez Potes, “Arquitectura y Pedagogía en el Desarrollo de la Arquitectura Moderna”, op. cit., p. 32.

Considerado um dos percursores da Educação Nova, Jean-Jacques Rousseau foi sem dúvida um dos mais influentes pedagogos modernos, tanto pela sua filosofia naturalista como pelas suas intuições quanto à psicologia evolutiva, sobre a diferença qualitativa entre o adulto e a criança. (Emile Planchard, A Pedagogia Escolar Contemporânea. Coimbra, Coimbra Editora Lda., 1960, p. 358.) 26

!27 As doutrinas de Rousseau exerceram grande influência no pensamento pedagógico de Pestalozzi e de Froebel, cujos trabalhos estão na génese das ideias educacionais modernas em geral e em particular, na educação pré-escolar. Irão servir de referência à maior parte das reflexões e trabalhos pedagógicos do século XIX e do princípio do século XX em Portugal. Em Portugal, os primeiros jardins de infância foram criados por iniciativa de intelectuais portugueses, os quais mantinham contacto com as ideias progressistas europeias. O primeiro jardim de infância Froebel foi fundado em Lisboa em 1882, proposto por Teófilo Ferreira, açoriano, professor do magistério primário, médico e vereador de instrução da Câmara Municipal de Lisboa. (Joaquim Ferreira Comes, A Educação Infantil em Portugal. Coimbra, Almedina, 1977, p. 32.) 28

6! de 16 !

professor seria o jardineiro. A linguagem oral associava-se à natureza e à vida. A criança expressava-se através das actividades de percepção sensorial, da linguagem e do brinquedo. Segundo Graziela Barreto, Froebel entende que “(...) brincar é uma actividade espontânea e torna-se a base do processo educativo desde o nascimento”29. Assim, é o primeiro pedagogo a reconhecer toda a importância educativa do jogo, imaginando um conjunto de vinte brinquedos (gifts) e ocupações (occupations). Os Froebel Gifts são constituídos por blocos de madeira, ainda hoje utilizados como instrumento pedagógico, e estão organizados em conjuntos que progressivamente aumentam a sua complexidade acompanhando o desenvolvimento da criança. Embora contendo diferentes formas, todas as peças se baseiam no mesmo sistema modelar. Inconscientes desta matriz matemática nas suas brincadeiras com os Froebel Gifts, para Mark Dudek, os olhos das crianças habituam-se ao correcto sentido da forma, de que resultam noções proporção e harmonia.30 Esta visão muito arquitectónica, certamente contribui para o mito que Adrian Forty31 recorda quando cita Froebel como um dos mais conhecidos discípulos de Herbart: foi a oferta de um destes conjuntos que despertou a vocação profissional de Wright.32 O ambiente exterior, visto como ferramenta de aprendizagem é comum a este dois métodos desenvolvidos por primeiro por Pestalozzi e depois por Froebel. Mas no grupo de pedagogias que reclamam a incorporação do espaço físico ao ar livre podemos igualmente identificar as irmãs Rosa e Carolina Agazzi, Maria Montessori e Rudolf Steiner. Esta valorização da importância do meio físico é evocada por favorecer o contacto da cirança com a natureza, possibilitando a realização de diversas actividades expontâneas. Maria Montessori foi a primeira mulher médica italiana e começou por trabalhar com crianças deficientes mentais. Mais tarde aplicou os conhecimentos adquiridos junto dessas crianças, às crianças normais na sua escola “casa dei Bambini”, fundada em 1907. Apesar das concepções sobre o desenvolvimento serem mais influenciadas pela antropologia do que pela psicologia do desenvolvimento, segundo Spodek e Brown o modelo que criou tinha uma forte componente desenvolvimental.33 À medida que as crianças avançavam nos vários estádios de desenvolvimento, ou períodos sensíveis, o professor preparava o meio, de forma a fomentar novas experiências que alimentassem novo desenvolvimento. Montessori achava que o conhecimento da criança se baseia nas percepções que têm do mundo, assim os sentidos deviam ser treinados, desenvolvendo inúmeros materiais e actividades com esse fim. Incluía também exercícios da vida prática, como lavar-se, vestir-se, e levantar a mesa, para desenvolver a sua independência. Fazia ainda parte do seu programa a leitura, a escrita, o estudo da natureza, a jardinagem, a aritmética e a geografia. A função do educador adquire um carácter indirecto, preparando o meio e demonstrando o uso dos

29

Graziela Barreto, Em Nome do Pai… João de Deus e a Escola Nova. Lisboa, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Departamento de Educação, 2004, p. 26. 30

Mark Dudek, A Design Manual, Schools and Kindergartens. Basel, Birkhauser, 2008, p. 13.

! Adrian Forty, Words and Building, A Vocabulary of Modern Architecture. London, Thames & Hudson Ltd., 2004, p. 157. 31 A experiência de Frank Lloyd Wright com os Froebel Gifts é relatada na primeira pessoa na sua autobiografia, mas sem o mito. (Frank Lloyd Wright, Frank Lloyd Wright - An Autobiography. Petaluma, Pomegrante Comunications, 2005, p. 13 e 14.) 32

33

Júlia Oliveira Formosinho (org.), Modelos Curriculares para a Educação de Infância, Porto, Porto Editora, 1996, p. 52. 7! de 16 !

materiais. As crianças escolhiam o material, usavam-no durante o tempo que quisessem, mas da forma considerada a adequada. Não é aplicado qualquer sistema de recompensas e castigos.


8! de 16 !

4.PEDAGOGIA, ARQUITECTURA E O ARQUITECTO MODERNO: A ESCOLA AO AR LIVRE DE AMESTERDÃO

A percepção de que o ambiente construído determina o desenvolvimento espiritual, foi um dos eixos do desenvolvimento das arquitecturas do final do século XIX, onde a “obra de arte total” - getsamkunstwerk - era um objectivo. É por isso que Potes considera pertinente mencionar algumas escolas desse período “(...) como as de Haimhuserstrasse e Elizabethplatz (1900-1901), em Munique, de Theodor Fischer34; a escola da Rue Rouelle (1908-1911), em Paris, de Louis Bonnier; a escola Letten (1912-1915), em Zurique, de Adolf Bram, ou a pequena escola da Sagrada Família, em Barcelona, que adoptou um modelo de ensino inspirado na pedagogia de Montessori.”35 Lendo a declaração do primeiro Congresso Internacional de Arquitectura Moderna (CIAM),36 percebemos o destaque atribuído ao edifício, mais do que à arquitectura, como actividade elementar do homem intimamente vinculada com a evolução e o progresso da vida humana.37 A ideia de eficiência económica defendida no primeiro ponto da declaração de La Sarraz, é imediatamente explicada no seguinte, para deixar claro que a mesma não implica a maximização do lucro, mas antes, a redução do esforço de trabalho. É neste contexto de fortes convicções pela dignificação da condição humana, que nos anos 20 e 30 do século XX, o programa escolar ganha uma relevância particularmente importante, uma vez que o edifício permite experimentar muitas das novas concepções espaciais, como resposta a uma nova sociedade, mas também ser um elemento chave na solução dos problemas higienistas levantados pela construção das grandes escolas dos últimos anos do século XIX. Antes ainda do primeiro CIAM, já a transformação da arquitectura escolar havia sido objecto do Congresso Internacional sobre Higiene Escolar, realizado em Nuremberg no ano de 1904, onde se estudaram as deficiências de ventilação, de iluminação, de instalações sanitárias e de espaços de desenvolvimento físico.38 Este debate influenciou o trabalho consequente de muitos arquitectos que começaram a projectar escolas de um só piso, em pavilhões isolados, implantados em função da orientação solar, com amplos vãos, portas de correr, coberturas planas para a exposição ao sol dos estudantes, ao mesmo tempo que o corredor apenas servia um dos lados das salas para facilitar a ventilação cruzada. Mais que novos conceitos pedagógicos, são as razões de ordem técnica

34

Theodor Fischer, um dos fundadores da Deutsche Werkbund, foi igualmente professor de um importante número de arquitectos alemães ligados do movimento moderno, como Hugo Haring e Erich Mendelsohn. 35

Francisco Ramírez Potes, “Arquitectura y Pedagogía en el Desarrollo de la Arquitectura Moderna”, op. cit., p. 33.

Assinada a 28 de Junho de 1928 por 24 arquitectos em representação de oito países europeus: seis franceses, seis suíços, três alemães, três holandeses, dois italianos, dois espanhóis, um austríaco e um belga. (Kenneth Frampton, História Crítica de la Arquitectura Moderna. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1991, p. 273.) 36

37

Kenneth Frampton, História Crítica de la Arquitectura Moderna, op. cit., p. 273.

Anne-Marie Châtelet, “School Buildings and Architecture” in Paula S. Fass (ed.), Encyclopedia of Children and Childhood: in History and Society, Vol. 3. New York, Macmillan Reference, 2004, p. 726. 38

9! de 16 !

por causas sanitárias que ditam o fim das escolas em claustro do final do século XIX, responsabilizadas pelo aumento da tuberculose infantil. Esta coincidência das vontades conceptuais e expressivas do movimento moderno - maior transparência, interligações volumétricas e espaciais, fenestração liberta de regras de composição formal para cumprir a função iluminar39 - com a solução dos problemas higienistas - maior contacto com o ambiente exterior, eficaz ventilação e iluminação natural - mais que uma preocupação pedagógica, é uma oportunidade para os arquitectos implementarem a linguagem moderna. De facto, sem estarem vinculados a uma pedagogia em particular, as primeiras escolas modernas encontraram na resolução destes problemas um motivo para mostrar uma nova expressão arquitectónica. A natureza do uso social, própria do edifício escolar, foi explorada pelos arquitectos modernos - mais enfaticamente que outros programas muito debatidos nos congressos internacionais de arquitectura moderna, como o da habitação ou o dos escritórios40 - para laboratório experimental de uma nova linguagem que caminha em direcção ao abstraccionismo. Por esta altura, já o edifício escolar se tinha transformado numa tipologia claramente identificável no ambiente urbano. Com as preocupações higienistas, desapareceram os grandes corredores centrais com distribuição em espinha para dar lugar a escolas com apenas uma ala de salas de aula, com um lado voltada para o sol e outro destinado a distribuição, facilitando desta forma a ventilação cruzada. Mas a utilização do espaço interior permanecia o mesmo: corredor apenas para circulação e a sala de aula uma caixa opaca. Para Herman Hertzberger é paradoxal que apesar da emergência de novos ideais em educação, apelando a uma maior independência do aluno e expressando reservas ao modelo tradicional do professor expositivo, não tenha surgido uma resposta correspondente da arquitectura, capaz de arrasar definitivamente a sala contentor.41 Segundo este autor, parece que “(...) a inexorável consequência espacial de dar mais independência aos alunos, abrindo a sala de aulas, nunca chegou realmente à arquitectura.”42 Hertzberger afirma ser surpreendente que até os arquitectos modernos raramente respondam a este desenvolvimento, embora professem ser a cara de uma reforma social: “Em vez disso, os arquitectos modernistas estavam, mais preocupados com longas janelas e grandes transparências, principalmente orientadas para o mundo exterior.”43 Esta visão crítica do autor, prossegue com o exemplo das escolas ao ar livre, as quais afirma serem populares entre os arquitectos modernos por servirem de desculpa para a utilização massiva de vidro, sem que os mesmos aportassem qualquer mudança ao consagrado

39

Bruno Zevi para explicar o catálogo como metodologia do projecto, dá o exemplo das janelas: “As janelas. O classicismo seleccionou um módulo para as janelas dum palácio renascentista; em continuação estuda a sequência de módulos, as relações entre vazios e cheios, os alinhamentos horizontais e verticais, quer dizer, a sobreposição das ordens. Pois bem, o arquitecto moderno liberta-se destas preocupações formais para se lançar numa tarefa de semantização muito mais complexa e proveitosa. Sobretudo: nenhum módulo deve ser repetitivo” (Bruno Zevi, A Linguagem Moderna da Arquitectura. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1984, p. 18.) É paradoxal que o tema “arquitectura escolar” nunca tenha tido grande protagonismo nos CIAM, sabendo que Siegfried Giedion, primeiro secretário do congresso, foi assessor da exposição “A Nova Escola”, realizada entre 10 de Abril e 14 de Maio de 1932 em Zurique. 40

41

Herman Hertzberger, Space and Learning, Rotterdam, 010 Publishers, 2008, p. 13.

42

Herman Hertzberger, Space and Learning, op. cit., p. 13.

43

Herman Hertzberger, Space and Learning, op. cit., p. 13. ! de 16 10 !

papel autoritário do modelo educativo vigente. Herman Hertzberger conclui que embora progressistas, os arquitectos não estavam interessados na renovação do ensino e aprendizagem: “(...) se olharmos para lá das magnificas extensões em vidro da escola ao ar livre de Duiker, vemos crianças ainda sentadas nos tradicionais bancos de escola, embora estes tenham sido desenhados de novo e quando o tempo o permitia, eram algumas vezes usados ao ar livre.”44 Olhemos então o caso das escolas ao ar livre, que Hertezberger cita como exemplo da aparente contradição entre a condição social que o arquitecto moderno reclama e a prática profissional. Um importante número de referências da arquitectura escolar moderna são escolas deste tipo. Com origem na Alemanha, as escolas ao ar livre têm por função lutar contra a tuberculose infantil, mas os objectivos pedagógicos rapidamente se associam às razões sanitárias que estiveram na sua génese. Francisco Ramíres Potes cita a iniciativa do pedagogo Hermann Neufert, que em colaboração com o médico Bernard Bendix, funda em 1904, no bosque berlinense de Charlotemburgo, a primeira escola deste tipo, a Charlottenburger Waldschule, desenhada pelo arquitecto Walter Spikendorff. Promovido pelos Congressos Internacionais de Higiene, ainda segundo o mesmo autor, este modelo é rapidamente repetido noutros países europeus e nos Estados Unidos da América.45 Em 1922, realizou-se o primeiro Congresso Internacional de Escolas ao Ar Livre, em Paris.46 Um exemplo paradigmático desta tipologia é a Escola ao Ar Livre em Amesterdão, de Johannes Duiker e Bernard Bijvoet, (1927-1930). Paradigmático mas também paradoxal para o modelo: esta escola é projectada para crianças saudáveis, em altura, e em ambiente urbano. Conta-se que só conseguiu a licença de construção no interior de um quarteirão, longe da vista, para não confrontar a arquitectura tradicional do bairro47. Independentemente desta história que Hertzberger cita no texto da revista espanhola Arquitectura Viva48, na verdade ao ficar preso num pátio livre da malha de Amesterdão, a escola ganhou protecção para o que seria a sua maior vulnerabilidade num outro contexto urbano, pela grande dimensão dos seus planos envidraçados. Implantado no topo norte do pátio, o edifício expõe-se a sul, numa complexa relação entre interior e exterior, com o percurso de acesso à escola a atravessar todo a área de recreio. Dispondo as sete salas numa planta quadrada de quatro pisos, o edifício faz coincidir a sua diagonal com o eixo norte/sul, numa composição simétrica apenas contrariada pelo volume a nascente, ao nível térreo, do ginásio. Seis das salas de aula organizam-se duas a duas, por piso, e partilham um balcão ao ar livre no vértice sul. A sétima fica no piso térreo do lado oposto ao ginásio. A solução estrutural desmaterializa as esquinas, ao mesmo tempo que se autonomiza por completo da fachada seguindo a preceito a cartilha do movimento moderno, libertando as diagonais. Isto 44

Herman Hertzberger, Space and Learning, op. cit., p. 13.

45

Francisco Ramírez Potes, “Arquitectura y Pedagogía en el Desarrollo de la Arquitectura Moderna”, op. cit., p. 37.

Este foi o primeiro de cinco Congressos que se realizaram dedicados ao tema: Bélgica, 1931; Alemanha, 1936; Itália, 1948 e Suíça em 1956. Tal como foram os problemas sanitários que estiveram na base da expansão deste modelo, foi a descoberta da penicilina e o consequente desenvolvimento dos antibióticos a ditarem o sem fim. A titulo de curiosidade, cabe aqui referir a obra de 1922 da autoria de Camilo Augusto de Figueiredo, intitulada “Breves Considerações sobre Escolas ao Ar Livre”; nesta tese de doutoramento da Faculdade de Medicina do Porto, o autor afirma que apesar do governo ter decretado a 29 de Março de 1911 a criação de escolas ao ar livre, na data da publicação do trabalho ainda nenhuma havia sido realizada. 46

47

Herman Hertzberger, “Educación Espacial”, in Arquitectura Viva 78. Madrid, Arquitectura Viva SL, 2001, p. 24.

48

Herman Hertzberger, “Educación Espacial”, 1927-1930”, op. cit., p. 24. ! de 16 11 !

permite desenhar a entrada no edifício por um dos vértices através de uma porta de duas folhas que segue a lógica da ala assimétrica do ginásio. Nos pisos elevados, o acesso às salas mais não é que um grande patamar junto à escada. O pé-direito maior no piso térreo justifica-se pela necessidade de volume no ginásio, ao mesmo tempo que permite elevar a cota da sala de aula térrea, com o objectivo de criar privacidade visual dos alunos desta sala em relação ao exterior. É curioso referir esta aparente contradição do projecto, que se preocupa com a possível distracção que as crianças no recreio possam exercer sobre as da sala de aula, mas não se preocupe com o olhar indiscreto da vizinhança do quarteirão sobre as restantes salas. No texto de Johannes Duiker “A Escola Saudável para a Criança Saudável”, deixa claro na sua descrição sobre esta escola de Amesterdão, qual foi a sua principal motivação, talvez influenciado pela sua obra terminada anteriormente, o Sanatório de Hilversum: “É uma vigorosa força higiénica que influencia as nossas vidas e vai crescer em estilo - um estilo higiénico! A ênfase unilateral colocada no treino da mente, como um dogma escolástico, dificulta a necessária atenção que deve ser dedicada aos poderes e potencialidades do corpo presentes ainda que de forma incipiente na criança. Ainda que o desenvolvimento normal da mente esteja vinculado a um desenvolvimento normal do corpo. Abandonados entre quatro paredes de uma sala de aula sobrelotada, sujeitos durante horas a fio a matérias que muitas vezes não entendem, muitas vezes com pouca luz ao enoitecer, submetidos a uma mais ou menos rígida disciplina - assim é como as crianças passam a sua juventude de prazer e alegria. (...) Claro que há os novos métodos pedagógicos: os sistemas de Montessori e Dalton, cada um dos quais com as suas exigências especiais em dimensões e divisões da sala de aulas. Estes são certamente da maior importância para a criança. Mas estes sistemas pedagógicos não são tão influentes na arquitectura do edifício escolar como os factores higiénicos de imaterialização da estrutura, que tem um carácter muito mais geral. Isto, então, é o ponto de partida para a nossa filosofia de edifício escolar moderno. (...)”49 Não admira que sobre este projecto, Hertzberger afirme: “pode ser espectacular na sua transparência e maravilhosa pureza construtiva” mas não passa de uma versão aberta para o exterior do sistema tradicional sala de aula não obstante a luz e o ar, onde as crianças “continuam a ser ensinadas nas tradicionais linhas”,50 ou seja, também a escola transformada em máquina, mas no pior exemplo do modelo fordista.


49

Johannes Duiker, “A Escola Saudável para a Criança Saudável” in Herman Hertzberger, Space and Learning, op. cit., p. 14.

50

Herman Hertzberger, Space and Learning, op. cit., p. 14. ! de 16 12 !

5.PEDAGOGIA, ARQUITECTURA E O ARQUITECTO PÓS-MODERNO: A ESCOLA PRIMÁRIA DE DARMSTADT

A renovação dos edifícios escolares verificadas na década 20 e 30 do século XX ficou marcada, como vimos, pelas questões higienistas e sanitárias associadas ao programa das escolas ao ar livre. Esta euforia renovadora baseada neste modelo de escola, foi interrompida durante a segunda guerra mundial, e vencida pouco depois pelos antibióticos. Anunciava-se a chegada de um novo período histórico, que a industrialização e comercialização da descoberta de Fleming antecipava. A sociedade ocidental avançava no segundo pós-guerra para um modelo capitalista que enfraquecia os conteúdos do programa social do movimento moderno. A América importava o modelo da arquitectura moderna europeia mas sem a componente ideológica. A estética era progressivamente adoptada para a realização das sedes das grandes empresas: “Despida do seu programa social, a arquitectura moderna foi reduzida nos anos 50 a um estilo para repetição no sector comercial.”51 A evolução da arquitectura escolar seguiu o seu caminho, com os primeiros sinais de crítica ao movimento moderno. O interesse em ligar arquitectura e pedagogia, segundo Potes, tem nas escolas primárias de Hans Scharoun, as suas primeiras e mais importantes concretizações.52 Ainda que influenciada pela ética funcionalista, a arquitectura de Hans Scharoun era anti-moderna, opondo-se ao interesse pela geometria abstracta. Este arquitecto alemão considerava estar mais ligado a uma tradição de desenho Nórdica, numa abordagem que contrastava com a tradição Latina, onde as regras da abstracção matemática prevaleciam. No período pós-guerra, Scharoun construiu duas das três escolas que projectou. Numa altura em que a maioria das instalações escolares permanecia agarrada à sala de aula rectangular, sem diferenciação entre espaços para crianças e jovens, a Escola Primária de Darmstadt que projectou, fazia uma abordagem mais adaptada à escala dos seus utilizadores. Apresentada em 1951, durante a realização do Darmstadter Gesprach,53 esta escola que nunca viria a ser construída, foi vista, segundo Mark Dudek, como um protótipo que representava a intrínseca estrutura social da comunidade escolar no seu planeamento e organização.54 Segundo este autor, há neste projecto uma interessante ligação a John Dewey55, uma vez que o 51

Kate Nesbitt, “Introduction” in Kate Nesbiit (ed.), Theorinzing a New Agenda for Architecture, 1965-1995, op. cit., p. 22.

52

Francisco Ramírez Potes, “Arquitectura y Pedagogía en el Desarrollo de la Arquitectura Moderna”, op. cit., p. 52.

53

Realizado entre 4 de Agosto e 16 de Setembro de 1951, entre os presentes estavam autores como Martin Heidegger, José Ortega y Gasset e Alfred Weber, junto de arquitectos como Rudolf Scwharz e Ernst Otto Schweizer, que acumulavam a prática oficinal com o trabalho em teoria da arquitectura. (Francisco Ramírez Potes, “Arquitectura y Pedagogía en el Desarrollo de la Arquitectura Moderna”, op. cit., p. 52.) 54

Mark Dudek, Architecture of Schools, The New Learning Environments. Oxford, Architectural Press, 2007, p. 34.

O método de John Dewey segue o princípio da acção. Uma ideia, que pode surgir duma criança ou do educador, transforma-se num plano de acções, sendo essa passagem resultado da interactividade entre uns e outros. Para Dewey este método educativo é o meio e o fim de construir o conhecimento. O papel do educador é o de dinamizador atento e de animador das acções que a criança com ele e/ou sem ele, vai construindo - um modelo de organização democrática. 55

! de 16 13 !

desenho não se limita a cumprir os requisitos meramente funcionais, mas preocupa-se com o papel social da escola. Para Dudek, Scharoun vê a escola como um microcosmo da cidade onde as salas de aula representam as casas, ligadas pelo seu próprio espaço comum de articulação como uma espécie de rua interior. Elementos institucionais do programa, como a capela e a assembleia podem ser interpretados em termos de iconografia urbana como a igreja e a assembleia municipal56. O projecto de Darmstadt é proposto para um terreno rectangular, largo e estreito. Formalmente distante da simplicidade volumétrica e planimétrica do modelo racionalista vigente, a escola expressa uma linguagem influenciada na estética expressionista, que caracterizarão outros trabalhos de Scharoun. A resposta ao programa organiza-se em três áreas distintas, por diferentes níveis etários, associando cada uma delas a zonas de encontro. Como numa cidade, estas três áreas misturam-se com com outros elementos do programa, em agrupamentos autónomos, com identidades próprias, ligados por um amplo corredor, como se de uma rua se tratasse: a metáfora da cidade fortificada. A sequência espacial cria uma hierarquia do público para o privado: começando no domínio privado, os alunos habitam o seu próprio espaço dentro da sala que pertence a uma determinada classe, que pertence a um grupo de classes, que pertence a toda a escola, que finalmente pertence à comunidade. A localização de cada parte do edifício relaciona-se com a idade dos alunos, fazendo igualmente uso de um código interior de cores. Scharoun dividiu estes grupos em escola baixa, escola média e escola alta para as idades até aos 3 anos, dos 4 aos 6 anos e dos 7 aos 9, respectivamente. Ao contrário do que vimos com as escolas ao ar livre, aqui a arquitectura reflectia as teorias pedagógicas da época, que propunham para diferentes fases do crescimento da criança, diferentes tipos de espaços, dado que tanto a percepção visual como cognitiva se vai desenvolvendo de maneira gradual. Por outro lado, Scharoun propunha zonas comuns abertas à “mistura social” dos alunos de diferentes idades. A assembleia eram um dessas zonas. A principal ideia que Scharoun defendeu com o projecto desta escola, foi a de que a arquitectura devia acompanhar a evolução cognitiva da criança em cada fase do seu desenvolvimento.


Mark Dudek, Architecture of Schools, The New Learning Environments. op. cit., p. 34. Não temos dúvidas em afirmar que este modelo Hans Scharoun está na origem das propostas de escolas apresentadas mais tarde por Herman Hertzberger: Escola Montessori em Delft (1960-1981) e nas Escolas Apollo em Amesterdão (1980-1983). 56

! de 16 14 !

6.CONCLUSÃO

Em função dos exemplos escolhidos, tomemos o caso de Duiker e da sua Escola ao Ar Livre em Amesterdão (1927-1930). Naquele final de década, numa altura de fortes convicções sobre o papel social do arquitecto, depois da realização do primeiro CIAM em La Sarraz, o ênfase era colocado no contributo da arquitectura como solução higienista para o bem estar corporal. O texto do arquitecto, “A Escola Saudável para a Criança Saudável”, deixa isso bem claro, legitimando uma opção formal, e deixando em segundo plano o contributo espacial para a renovação da educação: primeiro o corpo, só depois a mente. E esta é uma decisão consciente, tanto mais que manifesta algum enfado pelas exigências dos novos métodos pedagógicos que os sistemas de Montessori e Dalton impõem, ainda para mais divergentes nas dimensões e compartimentação da sala de aulas. Para Hertzberger é seguro afirmar que Duiker expressa as ideias da sua geração de arquitectos modernistas, uma geração que simplesmente não estava preocupada com as consequências espaciais da renovação na educação.57 Afinal, a inspiração dos arquitectos modernos ligou o dever social de defesa a uma melhor sociedade no programa do edifício escolar, conjugando apenas três factores: ar, luz e saúde. A vinculação do espaço com o exterior é uma constante em todos estes projectos para satisfazer essa necessidade. Mas se é verdade que por um lado as escolas desenhadas pelos arquitectos do movimento moderno podem não ter acrescentado nada de novo às concepções pedagógicas da época, por outro mudaram radicalmente a imagem austera e pesada das que as antecederam. Perante esta realidade, com a crise do modelo modernista que Kate Nesbitt identifica com a mudança de paradigmas sociais e tecnológicos dos anos 60, as novas experiências de arquitectura escolar vão por oposição olhar para a conceptualização espacial como resposta a práticas pedagógicas. Ou seja, reconhecer o que não interessou a Duiker: que o espaço escolar possui uma dimensão educativa, assumindo como no exemplo citado da escola de Darmstadt, que pela sua prática o arquitecto pode também ser educador. Mas este espaço de experimentação, essencialmente formal na primeira metade do século passado, e pedagógica depois do moderno, parece ter deixado de entusiasmar os principais actores envolvidos no processo educativo. Termino citando Francisco Burgos: “Para o bem e para o mal, o recinto escolar deixou há décadas de ser um campo de ensaio para arquitectos e pedagogos e só o futuro dirá se se trata de um parêntesis temporal ou de uma situação definitiva.”58


57

Herman Hertzberger, Space and Learning, op. cit., p. 14.

58

Francisco Burgos, “Revoluvión en las Aulas: La Arquitectura Escolar de la Modernidade en Europa”, op. cit., p. 21. ! de 16 15 !

Referências / Bibliografia ÁBALOS, Iñaki. A Boa-vida: Visita Guiada às Casas da Modernidade, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2003. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço, São Paulo, Martins Fontes/Editora Universidade de Brasília, 2000. BARRETO, Graziela, Em Nome do Pai… João de Deus e a Escola Nova. Dissertação apresentada com vista à obtenção do Grau de Mestre em Educação na área da supervisão e orientação pedagógica, Lisboa: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa - Departamento de Educação, 2004. BURGOS, Francisco, “Revoluvión en las Aulas: La Arquitectura Escolar de la Modernidade en Europa” in Arquitectura Viva 78. Madrid, Arquitectura Viva SL, 2001, p. 17 - 21. CHÂTELET, Anne-Marie, “School Buildings and Architecture” in FASS, Paula S. (ed.), Encyclopedia of Children and Childhood: in History and Society, Vol. 3. New York: Macmillan Reference, 2004, p. 725-728. DAY, Christopher e Midbjer, Anita, Environment and Children: Passive Lessons from the Everyday Environment. Oxford: Architectural Press, 2007. DUDEK, Mark, Architecture of Schools, The New Learning Environments. Oxford: Architectural Press, 2007. FORTY, Adrian, Words and Building, A Vocabulary of Modern Architecture. London: Thames & Hudson, 2004. FRAMPTON, Kenneth. Introdução ao Estudo da Cultura Tectónica, Lisboa e Matosinhos: Associação dos Arquitectos Portugueses e Contemporânea editora, 1998. HERTZBERGER, Herman, Space and Learning. Rotterdam: 010 Publishers, 2008. MONTANER, Josep Maria, A Modernidade Superada: Arquitectura, Arte e Pensamento do Século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001. NESBITT, Kate, “Introduction” in NESBITT, Kate (ed.), Theorinzing a New Agenda for Architecture, 1965-1995. New York: Princeton Architecture Press, 1996, p. 16-70. POTES, Francisco Ramírez, “Arquitectura y Pedagogía en el Desarrollo de la Arquitectura Moderna.” in Revista Educación y Pedagogía 21(54). Medellín: Universidad de Antioquia - Facultad de Educación 2009, p. 29-65. RUIZ, José María Ruiz. “El espacio escolar.” in Revista Complutense de Educación 5(2), Madrid, Editorial Complutense, 1994, p. 93-104. SILVA, Carlos Manique da. “A Ideia de “Casa da Escola” no séc. XIX Português” in Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, História, III série, volume 6. Porto, 2005, p. 291-312. TÁVORA, Fernando. Da Organização do Espaço. Porto: Curso de Arquitectura da E.S.B.A.P. 1982. ZEVI, Bruno, A Linguagem Moderna da Arquitectura. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984. ZEVI, Bruno, Saber Ver a Arquitectura. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ! de 16 16 !

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.