Espaços de verdade. A partir de Michel Foucault.

June 2, 2017 | Autor: R. Branco Julião | Categoria: Epistemology, History of Psychiatry, Michel Foucault
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Espaços de verdade. A partir de Michel Foucault

Ricardo Julião •

O texto publicado encontra-se em: Oficina de Filosofia das Ciências Sociais e Humanas : CFCUL-ILTEC. pp 65-73.

Foucault ministra no ano lectivo de 1973-1974 um curso no Collège de France intitulado Le Pouvoir Psychiatrique no qual procura desenvolver uma arqueologia do saber psiquiátrico e uma genealogia da instituição hospitalar psiquiátrica. No decurso dessa análise, mais precisamente na sessão de 23 de Janeiro de 1974, Foucault anuncia um parêntesis no plano traçado de modo a realizar pequena história da noção de verdade: “Alors, là, je voudrais ouvrir une parenthèse et insérer une petite histoire de la vérité en général”.1 É sobre o conteúdo apresentado nesse parêntesis que o nosso texto irá incidir. A nossa hipótese de trabalho é a de que a distinção realizada pelo autor entre verdade-demonstração e verdade-acontecimento poderá ter um papel heurístico em filosofia da ciência ao propor uma genealogia e arqueologia das modalidades, espaços e actores legitimamente reconhecidos para proferirem enunciados científicos verdadeiros. Com este desvio, Foucault procurou inventariar duas séries da história da verdade no pensamento ocidental com o intuito de tornar visível, por um lado, a trama e espessura existentes entre um regime de investigação científico, anónimo e universal, e por outro, um regime experiencial, singular e contextual, em última instância, político, caracterizado por rituais de produção de verdade. De modo a melhor visualizar o seu contributo para a epistemologia e história das ciências, começaremos por ilustrar quais as correntes epistemológicas contemporâneas

mais

significativas

na

abordagem

ao

problema

do

conhecimento e da verdade. O problema do conhecimento é um tema central no pensamento filosófico. A Foucault, Michel; Le Pouvoir Psychiatrique; Cours au Collège de France. 1973-1974, p. 233, Paris, ed. Seuil/Gallimard, 2003. 1

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tradição filosófica considera o desejo de conhecer uma característica constitutiva do ser humano. Aristóteles enuncia-o logo no primeiro livro da Metafísica. Esse desejo não levanta qualquer tipo de problema, o problema surge quanto ao estatuto do conhecimento e ao correcto modo de o adquirir. Diferentes questões emergem deste ponto de vista acerca do desejo de verdade e conhecimento. Por um lado, a questão do estado cognitivo requerido ao sujeito de modo àquele poder ser qualificado de conhecimento, por outro, a questão do conteúdo do que é conhecido. Existe em ambos os estados cognitivos a pressuposição de uma correlação natural entre sujeito e conhecimento. No primeiro caso é colocado em primeiro plano a questão da crença e convicção do estado cognitivo do sujeito, no segundo é trazido à coação a questão do conteúdo de verdade: depende este do estado cognitivo do sujeito ou é uma característica objectiva e independente daquele? Dentro destas duas grandes linhas de investigação emergiram diferentes matizes hermenêuticos, dos quais salientamos os seguintes como centrais para a epistemologia contemporânea: uma linha de investigação comummente designada de teoria da verdade como correspondência, uma outra definida como coerentista e uma última de orientação pragmática. Sintetizemos cada uma delas – é de salientar que nenhuma destas posições coloca em causa a natural adequação entre o sujeito de conhecimento e o que pode ser conhecido, isto é, a existência de um desejo e intimidade natural, ou afinidade electiva, entre sujeito, conhecimento e objectos de conhecimento. A posição epistemológica que considera a verdade como correspondência parte do suposto da existência de um mundo independente do sujeito ao qual este pode aceder através de juízos que fazem a síntese entre conceitos e realidade. A actividade central nesta concepção é o juízo. A rectidão do juízo na relação que este estabelece entre conceitos e ‘realidade’ determina o conteúdo de verdade do que é conhecido. Por outro lado, na concepção de verdade coerentista o elemento central é a estrutura lógica dos enunciados e a relação que é estabelecida entre cada enunciado de uma proposição, ou conjunto de proposições. A coerência e consistência interna do conjunto de enunciados garantem a verdade das proposições. Por último, a versão pragmatista da 3

verdade caracteriza-se pela capacidade funcionalista e utilitária desta: são verdadeiros os conteúdos, ou enunciados, que satisfaçam as expectativas que se encontrem em apreço numa determinada linha de investigação. Tanto na posição coerentista quanto pragmatista da verdade, a existência de uma realidade independente do sujeito não é um problema central, visto o conteúdo de verdade

do

conhecimento

não

depender

da

independência

daquela

relativamente a este.2 Por outro lado, e numa direcção distinta, Foucault distingue o desejo natural de conhecimento, do de vontade de saber. Recuperando algumas afirmações de Nietzsche onde este considera o conhecimento não tanto como um instinto natural do ser humano assente numa afinidade electiva entre sujeito e conhecimento, mas antes como um epifenómeno resultante do confronto entre diferentes instintos humanos que visam estabilizar e controlar a realidade caótica do mundo, Foucault analisa a história do conhecimento e da verdade a partir das categorias políticas do poder, da estratégia e das tácticas, pois considera que o conhecimento não é desejado por si mesmo, antes deriva de elementos extracognitivos, mais precisamente, de elementos jurídico-políticos de exercício de poder. Seguindo esta linha hermenêutica, Foucault apresenta uma leitura da história da verdade neste curso de 1973-1974 assente, para utilizar a sua terminologia, em duas tecnologias de produção de verdade: a verdadedemonstração e a verdade-acontecimento. Segundo Foucault, a verdade-demonstração caracteriza-se por ser um conhecimento assente na figura formal do inquérito e da investigação, enquanto que a verdade-acontecimento assenta no carácter experiencial da vivência, isto é, na provação à qual um sujeito é submetido, provação essa que acaba por produzir a verdade sobre ele próprio ou acerca do tema em apreço.3 Foucault

Para um aprofundamento destas diferentes linhas de investigação epistemológicas, ver Jonathan Dancy, Epistemologia Contemporânea, Edições 70, tradução de Tereza Louro Pérez, Lisboa, 1990. 2

Estas duas séries da história da verdade encontram-se tematizadas de modo mais sistemático, e usando uma terminologia um pouco diferente, num conjunto de conferências proferidas por 3

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associa a primeira destas duas séries ao que denominamos de conhecimento científico, e a segunda ao conhecimento das ciências do homem. É precisamente sobre a função do conhecimento e, por conseguinte, acerca do conteúdo de verdade do mesmo na história do pensamento ocidental, que Foucault se distancia da interpretação tradicional. De acordo com a sua leitura, na série verdade-demonstração, a verdade encontra-se em todo o lado aguardando apenas ser descoberta ou revelada. O sucesso desta tecnologia de acesso à verdade assenta no facto de o sujeito possuir os instrumentos correctos para a investigar, as categorias necessárias para pensá-la e a linguagem apropriada para a enunciar. Desde que o sujeito possua estes requisitos, a verdade pode ser alcançada. Aquele que é capaz de aceder a este tipo de verdade é, por conseguinte, um sujeito universal e anónimo, a-histórico e puramente racional, assim como a verdade que aguarda em todo o lado ser descoberta é universal, passível de ser pensada e de ser enunciada. Deste modo, nenhuma realidade, assim como nenhuma verdade acerca da mesma, se encontra a priori excluída da investigação

científica.

Por

conseguinte,

a

principal

característica

do

conhecimento científico, e da noção de verdade a ele associada, assenta na geografia daquele ser global. ...um saber como aquele que denominamos ciência, é um saber que supõe a existência por todo o lado, em todos os lugares e tempos, da verdade... para o saber científico existe, com certeza, momentos onde a verdade se capta mais facilmente, pontos de vista que permitem aperceber mais facilmente, ou com mais firmeza, a verdade; existem instrumentos para a descobrir onde ela se esconde, onde ela se recolhe. Mas em geral, para a prática científica, existe sempre a verdade: a verdade encontra-se sempre presente em todas as coisas, ou sob todas as coisas; podemos colocar a questão da verdade a propósito de tudo e mais alguma coisa.4

Foucault na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro entre 21 e 25 de Maio de 1973, com o título A verdade e as formas jurídicas. Utilizámos a tradução realizada por Roberto Machado e Eduardo Morais para a Nau Editora, 3ª edição, Rio de Janeiro, 2002. “... un savoir comme celui que nous appelons scientifique, c'est un savoir qui suppose, au fond, qu'il y a partout, en tout lieu et le temps, de la vérité... c'est que pour le savoir scientifique il y a bien sûr des moments où la vérité se saisit plus facilement, des points de vue qui permettent d'apercevoir plus aisément ou plus sûrement la vérité; il y a des instruments pour la découvrir là où elle se cache, là où elle est reculée ou enfouie. Mais, de toute façon, pour la pratique scientifique en général, il y a toujours de la vérité; la vérité est toujours présente en toute chose ou sous toute chose, à propos de tout et de n'importe quoi l'on peut poser la question de la vérité.” Le Pouvoir..., p. 235; todas as traduções são de minha autoria. 4

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Por outro lado, a tecnologia de verdade-demonstração ganha corpo, segundo Foucault, a partir do século XII com a estatização dos modos de inquérito e investigação levados a cabo nos processos disciplinares contra hereges, criminosos e todo o tipo de suspeitos considerados transgressores da normalidade. Esses processos de investigação tinham como condição de possibilidade a ausência de prova concreta ou testemunha ocular do acontecimento em litígio, pelo que todo um mecanismo de fiscalização e recolha de dados politicamente orientado se foi insidiosamente instituindo. Este procedimento determinou uma certa forma de saber, permitiu a formulação de regras de investigação precisas e um alargamento geográfico totalizante na procura da verdade. Trata-se de uma metodologia antiga assente na demonstração necessária, de raiz aristotélica, e alegadamente desinteressada quanto aos seus objectivos, que acabou por ser absorvida por tácticas e estratégias de poder jurídico-político. Ao invés de se encontrar ao serviço do amor pelo conhecimento, a tecnologia da verdade-demonstração encontra-se ao serviço de uma racionalidade política de longo alcance, sem um projecto definido, mas amplamente produtivo no que diz respeito aos dispositivos de inquérito e investigação. Ao contrário da verdade-demonstração, a verdade-acontecimento não se caracteriza por ser uma verdade universal, disponível em toda a realidade, sempre à mão, passível de ser descoberta em qualquer objecto e por qualquer sujeito apetrechado com os requisitos acima referidos; é, pelo contrário, uma verdade contextualizada e local, à qual o acesso é restrito: apenas um pequeno grupo de iniciados nas técnicas de investigação requeridas, sedimentadas com treinos específicos, tanto éticos quanto técnicos, pode alcança-la. Podemos afirmar que nesta série da verdade, a geografia é local, a metodologia assenta num ritual, e a verdade alcançada é mais provocada do que encontrada. De modo a captar a verdade é necessário criar em seu redor uma atmosfera propícia que, segundo Foucault, é da ordem bélica, e onde a relação estabelecida entre sujeito e objecto não é da ordem do conhecimento, mas de poder, dominação, controlo. Ao ser, idêntico e universal da verdade-demonstração, contrapõe Foucault o 6

acontecer, descontínuo, plural e local, da verdade-acontecimento. Podemos denominar essa verdade descontínua, verdade-relâmpago, por oposição à verdade-céu que se encontra presente universalmente sob a aparência das nuvens. Temos então duas séries na história ocidental da verdade. A série da verdadedescoberta, constante, constituída, demonstrada, e uma outra série que é a série da verdade que não é da ordem daquilo que é, mas da ordem daquilo que aparece, uma verdade dada, não na forma da descoberta mas, na forma do acontecimento, uma verdade que não é constatada, mas que é suscitada, perseguida: mais produzida do que apofântica; uma verdade que não se dá pela mediação de instrumentos, mas que se provoca por rituais, que se capta através de manhas, que se apreende segundo as ocasiões. Não se trata para esta [tecnologia de] verdade de um método, mas de estratégia. Entre esta verdade-acontecimento e aquilo que ela apreende, a relação não é da ordem sujeito/objecto. Por conseguinte não é uma relação de conhecimento, é antes uma relação de choque, é uma relação da ordem do relâmpago, do clarão. É uma relação da ordem da caça, uma relação em todo o caso arriscada, reversível, belicosa; é uma relação de dominação e de vitória, uma relação não de conhecimento, mas de poder.5

É a história da trama que se constituiu entre estas duas séries na história ocidental da verdade que Foucault diagnostica neste pequeno parêntesis. Visto a série verdade-demonstração se ter sedimentado como o valor cognitivo central no pensamento ocidental, Foucault direcciona o olhar para a série verdadeacontecimento levantando os elementos arcaicos que esta mantém na tecnologia da verdade-demonstração. A sua tarefa consiste, por conseguinte, em Mostrar que a demonstração científica no fundo não é senão um ritual, que o suposto sujeito universal de conhecimento na realidade não passa de um indivíduo historicamente qualificado segundo um certo número de modalidades e que, na realidade, a descoberta da verdade é uma certa modalidade de produção de verdade; rebater, deste modo, aquilo que se dá como uma verdade de constatação ou como uma verdade de demonstração, sobre o solo dos rituais, o solo das qualificações do

Cette vérité discontinue, on pourrait l'appeler la vérité-foudre par opposition à la vérité-ciel qui, elle, est universellement présent sou l'apparence des nuages. L'on a donc deux séries dans l'histoire occidentale de la vérité. La série de la vérité découverte, constante, constituée, démontrée, et puis une autre série, qui est la série de la vérité qui n'est pas de l'ordre de ce qui est, mais qui est de l'ordre de ce qui arrive, une vérité, non pas donnée dans la forme de la découverte mais dans la forme de l'événement, une vérité qui n'est pas constatée mais qui est suscitée, traquée: production plutôt qu'apophantique; une vérité qui ne se donne pas par la médiation d'instruments, mais qui se provoque par de rituels, qui se capte par des ruses, qui se saisit selon des occasions. Il ne sera donc pas question pour cette vérité-là de méthode, mais de stratégie. Entre cette vérité événement et celui qui en est saisit, qui la saisit ou qui en est frappé, le rapport n'est pas de l'ordre de l'objet au sujet. Ce n'est pas, par conséquent, un rapport de connaissance; c'est plutôt un rapport de choc; c'est un rapport de l'ordre de la foudre ou de l'éclair; c'est un rapport de l'ordre de la chasse, un rapport en tous cas risqué, réversible, belliqueux; c'est un rapport de domination et de victoire, un rapport, donc, non pas de connaissance, mais de pouvoir. Le Pouvoir..., p. 237. 5

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indivíduo cognoscente, sobre o sistema da verdade-acontecimento; é isto que designo arqueologia do saber. Por outro lado, existe um outro movimento a realizar, o de mostrar como, no decurso da nossa história,..., e de um modo cada vez mais acelerado depois da Renascença, a verdade-conhecimento adquiriu as dimensões que sabemos e que podemos hoje verificar; mostrar como é que ela colonizou e parasitou a verdade-acontecimento, como é que acabou por exercer sobre esta uma relação de poder que é provavelmente irreversível, que é neste momento, em todo caso, um poder dominante e tirânico; como é que essa tecnologia da verdade demonstrativa colonizou efectivamente, e exerce actualmente, uma relação de poder sobre a verdade que se caracteriza por uma tecnologia ligada ao acontecimento, à estratégia, à caça. É a isto que podemos denominar genealogia do conhecimento, o reverso histórico indispensável à arqueologia do saber.6

Por conseguinte, podemos afirmar que Foucault considera como categoria fundamental na produção da verdade não tanto o sujeito portador de categorias universais, mas antes o espaço de luta onde o sujeito se encontra, mais concretamente, os espaços que esse sujeito habita e por onde circula. É o espaço que determina a verdade e não o sujeito. De certo modo a verdade é um atributo espacial, local. Diferentes espaços, diferentes verdades, e por conseguinte, diferentes sujeitos. Não é o olhar do sujeito sem espaço e tempo, fora da história e das suas contingências, mas antes o espaço temporalmente determinante, aberto a ocasiões propícias, saturado de estratégias e manhas que configura a produção de uma verdade exterior ao próprio sujeito. Esse olhar necessita de um treino7 específico para a captar, de estratégias para a apreender, de um local para a receber, de tácticas para a circunscrever e produzir. Existe, por conseguinte, uma co-pertença entre sujeito e verdade: tanto a verdade é produzida por um Montrer que la démonstration scientifique n'est au fond qu'un rituel, montrer que le sujet supposé universel de la connaissance n'est en réalité qu'un individu historiquement qualifié selon un certain nombre de modalités, montrer que la découverte de la vérité est en réalité une certaine modalité de production de la vérité; rebattre ainsi ce qui se donne comme vérité de constatation ou comme vérité de démonstration, sur le socle des rituels, le socle des qualifications de l'individu connaissant, sur le système de la vérité-événement, c'est cela que j'appellerai l'archéologie du savoir. Et puis, il y a un autre mouvement à faire, qui serait de montrer comment précisément, au cours de notre histoire, au cours de notre civilisation, et d'une manière de plus en plus accélérée depuis la Renaissance, la vérité événement, comment elle a fini par exercer sur elle un rapport de pouvoir dominant et tyrannique, comment cette technologie de la vérité démonstrative a effectivement colonisé et exerce maintenant un rapport de pouvoir sur cette vérité dont la technologie est liée à l'événement, à la stratégie, à la chasse. C'est cela que l'on pourrait appeler la généalogie de la connaissance, envers historique indispensable à l'archéologie du savoir. Le Pouvoir..., pp. 238 – 239. 6

de virtudes epistémicas, como Lorraine Daston e Peter Galison denominam o treino e actividade do cientista de modo a objectivar um conhecimento verdadeiro. vide Lorraine Daston & Peter Galison, Objectivity, pp. 39-42. Zone Books, New York, 2007. 7

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conjunto de tácticas e estratégias, quanto o sujeito é determinado por estas. Se a tradição filosófica pensou o sujeito como intrinsecamente capaz de verdade, Foucault considera a verdade intrinsecamente produtora de sujeitos. Desse modo o local onde a verdade é enunciada, ou visualizada, o sujeito que a enuncia e os modos de a tornar visível, isto é, as técnicas, estratégias e encenações para a apresentar, são os momentos centrais na constituição da verdade. Como exemplo desta relação, Foucault apresenta o caso da histeria e da loucura. Por um lado, estas duas patologias surgem cientificamente determináveis a partir do momento em que se constrói um espaço específico onde possam ser visualizadas, por outro o sujeito científico (o médico) que as enuncia como verdadeiras doenças possui um treino específico do “olhar” para as enunciar e as apreender, assim como o sujeito patológico (o paciente) vê agregada a si uma verdade construída e encenada. Nesta relação de poder vai-se construindo uma subjectividade, a do paciente, que vê “colada” a si uma patologia, um desvio, cientificamente justificada. Desse modo passa a reconhecer-se como portador de uma doença que o identifica no mais íntimo de si mesmo. Subjectividade científica e patológica. Objectividade da doença e do sujeito patológico. Com esta análise Foucault tenta apresentar que a loucura, tal como a conhecemos e apreendemos, surgiu num determinado espaço que se encontra temporalmente determinado. Sem a construção desse espaço, assim como do sujeito que o habita erraticamente e do sujeito que sabe a verdade dessa errância, não haveria um conteúdo de verdade científico, justificação necessária para futuras acções políticas de terapia globalizada. Em jeito de conclusão podemos afirmar que, para Foucault, a verdade científica não se encontra arredada das relações de poder, antes é um produto destas: a “verdade não existe fora do poder ou sem o poder... A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, o tipo de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo

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de dizer o que funciona como verdadeiro”8

Foucault, Michel, Verdade e Poder, in Microfísica do Poder; tradução de Lilian Holzmeister e Angela Loureiro de Souza. Organização, Introdução e Revisão Técnica de Roberto Machado, Edições Graal, Rio de Janeiro, 1979. 8

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