ESPECTADORES/ESPIÕES: PARA UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO PERFORMANCE/CORPO/ARQUIVO Apontamento sobre o Projeto Espiões de Filipa Francisco

May 24, 2017 | Autor: Luis Bento | Categoria: Dance Studies, Performance Studies
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ESPECTADORES/ESPIÕES: PARA UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO
PERFORMANCE/CORPO/ARQUIVO

Apontamento sobre o Projeto Espiões de Filipa Francisco




Luís Bento






Trabalho de Seminário Dança em Contexto

Mestrado de Ciências da Comunicação – Comunicação e artes

Professora Doutora Sílvia Pinto Coelho






JANEIRO 2017




Resumo


O presente trabalho tem como objectivo analisar criticamente o modo como nos é proposta uma convocação de sentidos e memória no evento performativo "Projeto Espiões" de Filipa Francisco. Até que ponto podemos ver no palco, o espaço de leitura do corpo como arquivo dos gestos vividos e observados noutros corpos? A corporização da palavra no contexto da coreografia da memória. Explorando os conceitos de corpo, palavra, memória, arquivo e performance e partindo de uma ideia suscitada na apresentação do evento performativo, propomos abordar a questão analisando o processo performativo dos três intervenientes em palco, no sentido da organização dos corpos como arquivo de memórias de outros. O corpo como palimpsesto dessa memória coreografada com recurso ao minimal repetitivo, centrando a investigação no modo fragmentário como a ocupação do espaço, performance, som e texto são apresentadas ao espectador convocando-o, permanentemente, para um evento com acesso ao íntimo, à memória e ao encontro, fragmentos esses que se completam e unem no movimento dos corpos como instrumento relacional com a mente, à espreita, do espectador/espião e de que forma esse projecto poderá conduzir a uma fenda criativa. Usando como metodologia de trabalho a revisão bibliográfica, propomo-nos estabelecer uma ligação entre as questões levantadas e a abordagem, interpretação e comparação de textos na linha dos paradoxos, sentidos e linguagens, escorada nas leituras de José Gil, André Lepecki, Maria José Fazenda e outros, contribuindo para uma reflexão teórico-estética sobre a relação performance/corpo/arquivo numa linha programática tendo, como fio condutor, a interpretação do gesto e do movimento coreográfico.
Palavras-chave: Corpo, memória, performance, palco, arquivo, palimpsesto.





Introdução

Seguindo os preceitos teóricos na génese do estudo do movimento e da performance, propomo-nos demonstrar a existência da palavra dançada, trabalhada no contexto da memória, no evento performativo "Projeto Espiões", contexto esse transposto para o palco como momento da visualização da palavra, que se desnuda através do corpo do performer, desenhada, escrita e reescrita – palimpsesto da memória.
Até que ponto podemos ver, no palco, o espaço de leitura do corpo como arquivo dos gestos vividos e observados noutros corpos, explorando a ideia da palavra/corpo em movimento, como janela onde espreitamos os performers - espécie de tempo anacrónico. Com a sua actuação estarão os performers a corporizar a palavra no contexto de uma coreografia que evoca a memória? A sua relação com os espectadores, estabelecendo distinções e criando empatias escrevendo no momento serão essenciais para definir o que designamos por palimpsesto?
No "Projeto Espiões" encontramos ou há interacções decorrentes de valores sociais e culturais, reminiscências de projectos antigos dos performers que podemos assinalar sem dificuldade. Encontramos, também, uma pseudo-desorganização espacial, ainda assim, sustentada num equilíbrio entre a evolução dos performers nos quadros e o contacto do Francisco Camacho com o público.
O público é convocado a participar, a sua ausência de resposta, o seu mutismo ou o riso são participações expressas na performance, mas, ao mesmo tempo, se a estrutura está hierarquizada sobre a "entrada" dos elementos por um lado, por outro, a evolução em palco valoriza a liberdade individual da memória, do som e do movimento de cada um, o que permite uma liberdade perceptiva conferida ao espectador/público.
Que valores emergem da sua evolução em palco? Porque abordamos Este tema? Estas práticas? É uma área em que se têm colocado questões de modo mais persistente.
Para isso, convém estabelecer, primeiro, as fronteiras do termo performance, para que possamos entender, mais livremente, a ideia de arquivo e movimento coreográfico, sem ficarmos confinados a definições rígidas. A performance é um tipo de dança teatral, de intervenção e ocupação do espaço, em que os intervenientes usam o corpo para estabelecer modelos de interacção, diluindo as barreiras que separam géneros artísticos, aproximando a representação de experiências e comportamentos de pessoas comuns e os corpos dos seus intérpretes, dos corpos dos espectadores:
"O recurso ao termo "performance" parece assim mais indicado para definir o lugar de onde a própria criadora age, ou seja, um lugar definido pela diluição das fronteiras que separam os géneros artísticos e pela extensão dos modos de intervenção e expressão do corpo – seja através do movimento, gestualidade e sonoridade, seja constituindo-se enquanto espaço de inscrição plástica." (Fazenda.2007, p.21)

Da mesma forma se aborda a performance como algo para ser lido, o que vai de encontro à nossa tese de palavra corporizada no arquivo e no movimento. Com relativa facilidade, identificamos linhas de energia que partem em direcções opostas, cada uma com uma função ou um objectivo, geometria, luzes, movimentos realizados com tensão muscular das pernas, corpos deslizantes, por vezes a fazer lembrar contacto de improvisação quando Sílvia Real e Francisco Camacho estão no chão, rodando um sobre o outro e soltam gritos. Há, também, harmonia e tranquilidade quando escrevem e o Francisco Camacho fala, sobressalto e agitação quando interagem os três e percorrem/preenchem todo o palco. Agitação que passa pela oscilação da cabeça da Sílvia Real, pela sua rotação dos pulsos, flexões e extensão dos joelhos, ora agitados, ora envolvendo todo o corpo, a mesma espontaneidade de movimentos, a mesma dimensão recreativa, lúdica, associada ao prazer de provocar que encontramos no trabalho de Mathilde Monnier:
"Os movimentos das bailarinas, viradas para si próprias e estabelecendo pouco contacto entre si, são semelhantes aos que podem ser observados numa discoteca: ora pequenos, centrados na oscilação da cabeça, na rotação de um pulso ou numa leve flexão e extensão regular e ritmada dos joelhos, ora explosivos, envolvendo todo o corpo. Mathilde Monnier refere ainda, a propósito desta peça, ter tido como objectivo "trabalhar sobre a experiência do prazer de dançar, sobre as memórias da espontaneidade dos movimentos". É justamente a dimensão recreativa, lúdica e associada ao prazer das danças sociais que Monnier "espectaculariza" em Publique." (Fazenda. 2007, p.41)

E o paralelismo entre o "Projeto Espiões" e a apropriação das palavras de Maria José Fazenda continua na metalinguagem do espectáculo, nos meta-comentários, se assim se pode referir, dos intérpretes sobre si, as suas experiências sociais e culturais auto-reflexivas,
"A representação é o domínio por excelência da dança teatral. Seja construída por um grupo ou criada por um indivíduo, a dança teatral é um meta-comentário que os seus praticantes fazem sobre si e sobre as suas experiências sociais e culturais." (Fazenda. 2007, p.41)

como por exemplo, quando o Miguel Pereira fala da sua experiência da audição para a Pina Bausch, percorrendo todo o espaço do palco sempre ao fundo, em grande correria, a toda a volta, identificando o espaço e indicando o lugar onde foi fazer a audição tentando, assim, criar um quadro vivo.
"Aqui havia um aparelho. Aqui havia um varão e a Pina Bausch sentada numa cadeira a meio do palco".

Segundo Maria José Fazenda, as distinções entre danças recaem sobre contextos de ocorrência, propósitos, relações entre performers e espectadores, referindo-se, também, ao contacto-improvisação, que descreve como ênfase no diálogo físico entre dois bailarinos, que poderemos encontrar no "Projeto Espiões" num excerto da peça, quando os performers fazem torções, momentos contínuos, improvisados, chegando a tocar os corpos, a "roçarem-se" a deslizarem sobre os corpos no chão. Deste modo, sente-se reduzir as barreiras que separam linguagens e géneros artísticos entre intérpretes quando fazem gestos de ballet ou performance, falam, riem, gritam, evocam ou recordam.
"Cada coreógrafo pode criar um corpo próprio, único, estilisticamente singular", neste sentido, este corpo pode ser um corpo-arquivo, depositário ou repositório de memórias de "um conjunto de práticas e saberes conhecidos". (Fazenda. Lisboa, p.61)

O processo de composição coreográfica desenvolve-se, no início, no momento em que se estabelece a relação entre o movimento, o som, os adereços, os gestos e as luzes e nos despertam os sentidos e nos levam à descoberta do processo criativo da memória e do arquivo, assentes na articulação mecânica de todos estes elementos.
Sem artifícios, os intérpretes usam gestos, memórias, e traços que permitem trabalhar a espontaneidade do corpo, uma expressividade assente no movimento, no gesto, na careta, sem adornos ou maquilhagem. Há uma eficácia no seu conjunto (a atitude deles). No "Projeto Espiões" não há forma geométrica. Há uma materialidade do movimento, combinam-se com elementos plásticos, sonoros, imagens virtuais e figurinos. A evolução em palco corresponde a uma linguagem de movimento, sem hierarquias abandonando a ideia de que certas partes do palco são melhores que outras. Há uma relação de igualdade/desigualdade entre os intérpretes, as suas posições vão trocando, ora é o Miguel que se chega à frente e fala, ora se esconde no fundo do palco e assiste à evolução da Sílvia, aos seus gritos, aos seus pretensos desenhos com os pés sobre o pó de giz ou Francisco rebolando pelo chão ao longo do palco. Há, por vezes, uma certa anarquia na ocupação do espaço. Esta visão descentralizada do espaço do palco reconhece a existência de múltiplos centros, o que permite uma liberdade conceptiva aos espectadores dada a liberdade e o facto de, no grupo, os intérpretes serem todos livres e iguais. No "Projeto Espiões" devemos analisar o encadeamento dos movimentos, as frases, durações e direcções no espaço cénico.
Conforme Cunningham, citado por Maria José Fazenda, o centro do palco desloca-se para onde está o bailarino. Assim sendo, poderemos afirmar ter três centros no "Projeto Espiões", cada um executando ao mesmo tempo e mantendo três pontos de vista. A deslocalização do centro do palco na performance acrescenta ao longo da execução, coisas suas.
Sendo a dança e a performance actividades de criação, poderão ter uma intervenção política constituindo, por sua vez, uma fenda criativa no sentido em que a contestação política ou a sua interrupção, são momentos de tensão que podem conduzir à criação. No caso em estudo, a intervenção política cinge-se à crítica cultural, no sentido em que o projecto foi criado pelo facto de não existirem estruturas, nem apoio estatal para a constituição de um arquivo organizado, nem de um processo que crie um projecto coerente de dança para o futuro.
A ideia da performance, do binómio palco/corpo funcionar como arquivo de outros corpos podemos encontrá-la em Victor Turner citado por Maria José Fazenda:
"Por um lado, o artista "reconstitui", materializa performativamente a experiência vivida; por outro lado, devolve-a através de uma forma que permite, a si e aos outros, compreender e atribuir sentidos às suas vivências." (Fazenda. 2007, p.112)

É neste acto de reconstituição/devolução que reside a vivência, consequentemente, o acto de guardar a vivência dos outros corpos (intérpretes/espectadores). Uma reconstituição/devolução que se concretiza através dos signos, gestos, acções, mecanismos que fazem o intérprete apropriar-se da memória criativa ou da resposta expansiva de intérpretes/espectadores numa acção real e mental.
A performance contém elementos de teatralidade que podemos identificar no "Projeto Espiões", analisando os mecanismos de que os intérpretes se socorrem para traduzir as ideias, e a mecânica da narrativa. Verificamos que apontam críticas a uma sociedade refém dos reality shows e de programas tipo: Achas que sabes dançar? quando ironizam com esse tipo de espectáculos pela boca de Miguel:
"Olá, sou o Miguel, sou licenciado em economia, fui fazer um casting para dança e fui ficando"

E, mais adiante, quando se coloca na frente do palco, a meio, encarnando personagens de todos os continentes; falando em português, francês, inglês e espanhol, ironizando com o fenómeno global dos programas de dança aos quais acorrem concorrentes que, em determinado ponto, explicam como chegaram a bailarinos por acidente:
"Estou a estudar e a trabalhar nas obras para ganhar uns cobres".
Uma crítica explícita aos programas, aos concursos, à fama, à volatilidade e superficialidade, analisando a própria identidade, olhando sobre si, como como se vêm e se representam a si próprios e na relação com os outros.
Se a dança é transitoriedade, a necessidade de arquivo justifica-se, mas de que forma a performance se pode tornar arquivo? Arquivar é documentar, guardar, ao mesmo tempo, construir, consultar.
Um arquivo é um repositório de uma identidade, de um modo de agir, de actuar. Um arquivo exige documentação, método, modo, meio, gravação. O valor desse arquivo está na acção de suster o desaparecimento do objecto ou produto e preservá-lo para o futuro. (Reason. 2011, p.4)
De que modo encontramos esta ideia no "Projeto Espiões"? Sobre este ponto convém contextualizar arquivo e memória. Se o arquivo é uma oportunidade de pesquisa adequada; ela prevê, também, a oportunidade de reivindicar, analisar e tornar-se apoio da memória. A teoria do arquivo contemporâneo defende a associação arquivo e memória sendo a memória moderna, acima de tudo, um arquivo. Isto é importante porque a nível das artes performativas, o arquivo e a memória podem ser examinados ou estudados ao nível dos traços que ficam ou que restam na memória do espectador.
"Tais paralelos são particularmente relevantes para o arquivo das artes performáticas, especialmente quando examinados em relação às declarações radicais de que o único traço do evento da live performance pode e deve ser a memória dos espectadores. Peter Brook sugere isso enfaticamente, declarando que a live performance é um evento para aquele momento presente, para aquela plateia naquele espaço – e acabou. Foi-se sem deixar traço. Não houve jornalista, não houve fotógrafo; as únicas testemunhas foram as pessoas presentes; o único registro é o que eles retiveram, que é como deveria ser no teatro.15 "

Esse arquivo constituir-se-ia, assim, numa partilha entre performance e público, que transposto para a realidade do "Projeto Espiões" verificamos que arrasta consigo a memória de eventos e práticas anteriores dos performers, por seu lado, os espectadores guardam a memória da ideia do momento (quando Miguel começa a descalçar-se), a memória ou o pastiche da coreografia de peças, como "António Miguel", e outras que o próprio confirmou em conversa, que para o espectador poderá ser, apenas, um performer a despir-se e a ficar nu.
Ora esta distinção arquivo/memória pode ser positiva porque obriga o espectador a um diálogo com os fragmentos que a performance semeou no seu espírito e a uma comunhão de identidade. Em termos técnicos as gravações vídeo podem preservar os movimentos da performance, mas não o que está a acontecer na mente dos intérpretes, uma metamorfose dos sentidos.
"na era da memória eletrônica, dos filmes e da reprodutibilidade, a performance teatral também se define através do trabalho da memoria viva, a qual, não é museu, mas metamorfose".20 

Assim, No "Projeto Espiões", somos confrontados com dois tipos de memórias, a dos performers que arrastam trabalhos anteriores quando reproduzem , por exemplo, os gritos de Sílvia correspondentes a um seu trabalho do passado, ao Miguel a despir-se, ao Francisco rebolando, e a memória do público que preserva aquele momento, mas esta relação arquivo/memória levanta também uma questão: o arquivo é neutro, guarda objectos, compartimenta-os, cataloga-os e a memória é transformadora, com efeito, a nossa memória transforma os objectos arquivados, acrescenta-lhes traços, coisas que não vimos ou de que não nos lembrámos antes. Assim, o intérprete ao fazer a performance está a transformar e a processar o evento e o espectador está a transformar o processamento do produto final.
"Curiosamente, a relação entre arquivo e memória percebida por alguns autores, resulta mais do entendimento contemporâneo dos arquivos como instáveis, como inferidos ao invés de lidos, do que de um hipotético ideal do arquivo como completo e neutro. Se a memória é recriada cada vez que é revisitada, se a memória é ineren- temente transformativa, então também a construção do arquivo é recriado cada vez que é acessado. É possível, portanto, associar a teoria contemporânea do arquivo à valorização positiva da memória. Em outras palavras, ao invés da instabilidade e do comprometimento autoritário serem um acidente inevitável, isto pode ser transforma- do no motivo central de um arquivo da live performance celebrando sua transformação e fluidez. "

A memória é recriada cada vez que é acedida, como funciona isto no "Projeto Espiões"? Se a memória é transformadora, então o arquivo também é transformado, consequentemente, o resultado da performance, também, num arquivo feito de resíduos e fragmentos, pedaços que ligam o trabalho anterior dos três performers ao momento da performance. Os adereços que ficam no palco, por exemplo, objectos datados (gravador/reprodutor de cassetes, CD's, Vassoura) são fragmentos de anteriores performances, próteses do corpo que que dão seguimento à história e que ficam em palco no final da performance. Também eles ficam na memória do corpo que, ao reabrir este arquivo para nova performance, novo trabalho, obrigatoriamente abrem a memória, a imagem com esses objectos. A ideia de representar a memória de outros corpos é indissociável dos corpos com estes objectos "atrelados".


Arquivar/desarquivar

O espectador mais distraído pode ficar perplexo com o que se faz em arte, a arte, hoje, ultrapassa barreiras estéticas, não se detém no politicamente correcto e traz desassossego, inquietação, agita consciências, obriga a ginasticar o intelecto. Há, contudo, quem se sinta perdido ou defraudado quando, na dança ou na performance, por exemplo, não encontra uma correspondência entre o seu gosto e o movimento ritmado com fluxo contínuo. A performance é uma expressão de potência do movimento que encontramos no "Projeto Espiões "quando Sílvia Real roda a cabeça, encolhe os ombros, faz caretas e se deixa cair em palco, para logo se levantar e se envolver num simulacro de contacto de improvisação com Francisco Camacho, rolando um sobre o outro, voltando rapidamente a outras posições, pressupondo um desmantelamento do fluxo do movimento contínuo e ritmado que, hipoteticamente, caracterizaria o termo dança.
Apesar disso, no "Projeto Espiões" há um fluxo contínuo de actividade, de intervenção. Nele se juntam peças, "quadros", fragmentos de outras actuações enquadradas noutras performances, descarregadas neste projeto.
A falta de arquivos e documentação sobre a dança em Portugal levou a que Filipa Francisco avançasse com este projecto.
"E, se a efemeridade faz parte da dança e a memória não é uma coisa fixa, o certo é que, diz Filipa Francisco, se tornou difícil encontrar certas peças que queria ver em arquivo, seja por não existirem, seja por estarem em mau estado. "Deveria pensar-se em como se poderia fazer um arquivo. É um trabalho importante a ser feito para as novas gerações poderem ver, tomar contacto. Esta peça fez-me pensar na possibilidade de se trabalhar esse aspeto: pensar o que é um arquivo de dança".

Assim constituiu um arquivo vivo onde se analisa e expõe a performance como gramática do corpo, de forma autónoma, que exibe a linguagem da memória como se fossem vinte anos de dança e introspecção reunidos num projecto, retratados nos quadros de ardósia onde escrevem e reescrevem e onde "Berlin" se torna "be" (do verbo to be em inglês), rapidamente transformado num "Berlinde", bem português, depois de acrescentadas as restantes letras ou que, depois de apagadas deixam um bem visível: "What do you want me to be?"
A memória é, por isso, o ponto de partida para uma reflexão sobre os caminhos de todos, sobre o caminho da dança, transformando essas memórias, vivendo-as em palco, sem ficarem presos no passado.
"Há uma ideia que vem da história mas que é atualizada. Não ficamos presos ao passado".

Há um ponto de fuga, de modernidade, de trabalho de interligação ao espectador, como uma acto de espiar o passado, a vida, usando aquilo que de melhor o corpo lembra, o corpo como entidade autónoma que tem memórias e se movimenta com as que gosta mais. Uma duplicidade de vontades, a um mesmo tempo que as guarda também as exibe, mesmo quando fala de desaires e desilusões:
"Vais a uma audição, gostam de ti e depois ligam-te: não arranjaram financiamento para a peça…" (Sílvia Real)

Este acto de espiar/espreitar o passado é, na prática, o único arquivo de tanta coisa boa que não ficou guardada por falta de financiamento, de uma linguagem do corpo como experiência e resposta ao ambiente, cujo improviso, experiência e vivência tem que ser guardada, numa escrita e reescrita constante que produz documentos, resíduos e fragmentos e vontade de guardar, preservar para memória futura, que não é um falhanço cultural da memória, nem uma falta de visão nostálgica, mas a capacidade de identificar no passado, o trabalho da criatividade e dos objectos materializáveis, reinventando-o e mostrando vontade de arquivar.
Mas os corpos não podem ser só armazém de memórias de movimentos passados, mas de reinvenção do trabalho e de inserção no espectador, não do movimento em si, mas da ideia do movimento, do que foi, numa peça que é irrepetível. Este trabalho em função da memória de antigos trabalhos, parafraseando Lepecki nos Re-Enacts, poderá constituir uma espécie de ritornello, verificável no "Projeto Espiões", nos gestos dos performers que identificamos com as peças em que participaram (se visualizarmos alguns vídeos avulso), o que não deixa de ter importância, dada a irrepetibilidade do momento porque os intérpretes estão mais velhos, a produção é diferente, assim como o gosto, o que fica é a ideia inculcada no público: "Vejam, este foi o nosso trabalho!"
Contextualizando a memória, termo que preferimos a definição, citando Bergson citado por Gilles Deleuze, a memória é essencialmente duração, consciência, liberdade, percepção:
"conservação e acumulação do passado no presente". Ou então: "seja porque o presente encerra distintamente a imagem sempre crescente do passado, seja sobretudo porque ele, pela sua contínua mudança de qualidade, dá testemunho da carga cada vez mais pesada que alguém carrega em suas costas à medida que vai cada vez mais envelhecendo". Ou ainda, "a memória sob estas duas (ormas: por recobrir com uma capa de lembranças um fundo de percepção imediata;" (Deleuze. 1999, p.39)

Percepção essa que regista os traços dos acontecimentos que mais importância têm para o utilizador. De onde advém esta necessidade de guardar? De memorizar? Manter um arquivo? Porquê os corpos viverem a memória de outros ou servirem de depositários de outros? Uma das razões poderá prender-se com a falta de discurso crítico, teórico e histórico sobre o percurso da dança e dos seus executantes, parafraseando José Fiadeiro,
esta situação de procurar dispensar a memória ou mantê-la, pode ser libertadora se a memória constituir um peso ou assustadora porque não é fácil navegar à vista e é o que verificamos no "Projeto Espiões", o risco do peso da memória prende-se com a possibilidade de ficarmos presos a um momento, repetir uma corrente, uma moda, navegando à vista e largando lastro, resíduos, traços e técnicas que perpassam de trabalho para trabalho.
Contextualizando o corpo, aproximamo-nos sem rebuço, da noção defendida por Erin Manning:
"A forma dinâmica de um movimento é o seu potencial incipiente. Corpos são expressões dinâmicas de movimento no seu incipiente. (…) Refiro-me a corpos como puro plástico, ritmo. Proponho que nos movamos em direção a uma noção de um corpo que se torna, que é um corpo sensível em movimento, um corpo que resiste à predefinição em termos de subjetividade ou identidade, um corpo que está envolvido num alcance recíproco em dire ão a esse que incorpora o mundo, mesmo como mundos. Esses corpos em construção são proposições para o pensamento em movimento. Esses corpos em desenvolvimento são proposições para o pensamento em movimento."
Sem excluir o corpo sem órgãos referido por José Gil, se os corpos são proposições para o pensamento em movimento, esse pensamento em movimento tem que ser guardado, arquivado como um pensamento que mexe, se movimenta, que dança. A performance seria, assim, um veículo que permitiria a articulação entre pensamentos, movimentos, ideias, e desejos aproximando-nos assim, das Relationscapes de Erin Manning, veículo que articula tudo isso com o novo corpo que se cria, se autonomiza, se acrescenta e cria espaço à sua volta. Aquele espaço que existe vai estar sempre ali, ele só se torna diferente quando o nosso corpo está lá ou se move para lá, passando a ser outro espaço.


Conclusão

A conclusão de um trabalho incorre em riscos vários desde a hipotética parcialidade ao carácter provisório das teses defendidas, muitos são os aspectos que gostaríamos de ter abordado outros há que, porventura, ficaram aquém de um estudo e análise mais aprofundados, contudo, pretendemos apenas reflectir e fugir ao estereótipo da abordagem deste tipo de temáticas. Dissertar, neste momento sobre a apropriação do corpo pela memória ou arquivo de outros corpos, numa sociedade onde tudo está homogeneizado, incluindo o gosto, o estudo, a estética ou a dança, numa sociedade refém da imagem, é um acto arriscado. Apesar do seu poder de sedução, a sociedade espectáculo não esgota o próprio real nem pretende aglutinar gostos e estéticas, mas antes contribuir para a melhoria de procedimentos e busca de novos caminhos com interesse no homem dentro do processo artístico.
De facto, esta necessidade de arquivo, de jogo de arquivo/memória/corpo, para além da necessidade de preservação de movimentos ou ideias, está, também, intimamente ligada a uma nova ideia de corpo no seio da filosofia. Com efeito, tratando-se de um corpo sem órgãos, que cria espaço ou transforma os adereços em próteses, torna-se mais que um corpo, é uma ideia que rompe com os cânones da dança entendida como fluxo contínuo de movimento dos corpos.
"Penso em particular nos autores que seguem a destruição de Nietzsche. A filosofia tradicional através da proposição de uma crítica da vontade de poder - um projeto que informa a obra filosófica e política de Michel Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze e Félix Guattari; Obras e autores que eu invoco com frequência ao longo deste livro. Para eles não é apenas uma filosofia do corpo, mas uma filosofia que cria conceitos que permitem uma reformulação política do corpo."

O corpo não seria um contentor, mas antes um sistema aberto de troca associado ao movimento contínuo de ideias, escrita, gestos, de fragmentos do quotidiano, retratos de performance antigas como quando Miguel Pereira diz:
"O palco estava cheio de bailarinos, muito movimento e confusão e, quando fiz uma evolução, esbarrei num bailarino que tinha unhas grandes e me enfiou a mão no olho."

A performance "Projeto Espiões" é, assim, uma forma de espiar a dança e os intérpretes trazendo para o presente uma ideia de vida como performance de movimento, mais do que o seu próprio trabalho, com algumas notas de humor, acidentes, percalços, afectos, que acrescentam colorido ao repertório de memórias de três corpos/arquivo abertos, que se documentam, reinventam e se tornaram na memória de outros corpos, a partir do momento em que as suas zonas de acumulação permitiram que não se perdessem ideias e objectos culturais esquecidos pela falta de arquivos oficiais, corporizando a palavra.
"Grande parte do meu argumento neste livro gira em torno da formação da coreografia como uma invenção peculiar da modernidade precoce, como uma tecnologia que cria um corpo disciplinado para se mover de acordo com os comandos da escrita. (…) a dança e a escrita produziram relacionalidades qualitativamente insuspeitas e carregadas entre o sujeito que se move e o sujeito que escreve. Com Arbeau, esses dois sujeitos tornaram-se um e o mesmo. E através desta assimilação não muito óbvia, o corpo moderno revelou-se plenamente como uma entidade linguística."

Com efeito, quando vemos escrever nas ardósias, quando vemos escrever no computador, toda a interrogação que nos é feita, passa pelos intérpretes olhando para os seus próprios gestos como se se estivessem a ler, assistimos a essa corporização da palavra, à passagem da palavra para o corpo que forma frases, parágrafos, estabelecendo pontes para uma fenda criativa através da sua crítica e intervenção política e cultural, como quando a Sílvia faz o quadro do "idoso" mexendo na sua expressão facial, com as feições chupadas e o queixo marcado pela falta de dentes, abrindo os pés como os ponteiros do relógio "dez para as três" e arrastando-os e arrastando-se em pequenos círculos e semi-círculos em palco ou quando Miguel faz o gesto das aspas, a imitar uma concorrente de um qualquer programa tipo achas que sabes dançar criticando, dessa forma, um mundo entre aspas, espiando através desse processo de corpo/arquivo, de forma fragmentária, trabalhando o passado a ver o que lhe reserva o futuro.



































BIBLIOGRAFIA





Deleuze, Gilles. Bergsonismo. (trad Orlando, Luiz B.L.) São Paulo: editora34, 2008
Fazenda, Maria José. Dança Teatral. Lisboa: Celta editora, 2007
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http://observador.pt/2016/09/30/um-pais-pequeno-a-criar-uma-danca-gigante/ [acedido em Janeiro de 2017]
https://ceapfmh.wordpress.com/2016/06/29/jornadas-praticas-performativas-em-torno-do-corpo-arquivo/ [acedido em Janeiro de 2017]
https://razaoinadequada.com/2013/04/14/deleuze-corpo-sem-orgaos/ [acedido em Janeiro 2017]
Kevles, Bettyann Holtzmann. Naked to the bone: Medical Imaging in the Twentieth Century. New Brunswick, New Jersey. Rutgers University Press. 1997
Lepecki, André. "The Body as Archive: Will to Re-Enact and the Afterlives of Dances", Dance Research Journal Vol. 42, No. 2 (Winter 2010), pp. 28-48
Lepecki, André. Exahausting Dance:Performance and the politics of movement. New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2006
Manning, Erin. Relationscapes. Massachusetts: The MIT Press, 2009
Reason, Matthew. "Arquivo ou memória? Detritos da live performance: (trad Cabral, Biange e Montheiro, Wagner): ouvirOUver, ISSN: 1983-1005, Universidade Federal de Uberlândia, 2011 http://www.seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/23415 [acedido em Janeiro de 2017]











ANEXO II

Conversa com Miguel Pereira, Janeiro de 2017

Luís Bento – Em início de conversa, tentámos saber, na linha da relação das artes performativas e da transmissão de memória cultural, em que medida o "Projeto Espiões" poderia ser considerado um arquivo da dança feita em Portugal.
Miguel Pereira - Trata-se de um projeto da Filipa Francisco sobre memórias. Não sobre a dança, toda, em geral, mas de um pequeno período. A ideia foi trazer materiais próprios e memórias de outras peças que nos tivessem marcado e que fossem representativas.
Luís Bento – A dada altura, o Miguel conta, em palco um episódio sobre uma audição com a Pina Bausch. Pode contar-nos a história e porque motivo integrou este episódio no "Projeto Espiões"?
Miguel Pereira - Em relação ao episódio da Pina Bausch foi um episódio real e a sua inserção no Projeto Espiões pode enquadrar-se na pretensão de explorar memórias marcantes para cada um, mas não tão conhecidas não com tanta visibilidade. Momentos marcantes do próprio, para o próprio. Foi um episódio pessoal, que aconteceu no meu percurso e que não ia esquecer, não se esquece, mas era um facto pouco conhecido do público e fiz questão de o trazer à memória e usá-lo na peça. Um episódio que revela um pouco de mim, um factor marcante em termos de jogo com a falha, a impossibilidade, o controlo das expectativas, ligado ao desenvolvimento do próprio trabalho.
Luís Bento – Há, no "Projeto Espiões", um confronto entre repertórios imaginários e novos gestos coreográficos. Em relação aos trabalhos anteriores do Miguel que traços poderemos encontrar aqui?
Miguel Pereira – Podemos encontrar reminiscências de alguns trabalhos como, por exemplo, "António Miguel", "Solo de resistência" e "Corpo de baile" pelo seu jogo com a resistência física e mental.
Luís Bento – Relativamente à ideia de escrever e reescrever nos quadros, estaremos perante uma corporização da palavra? Dar corpo à palavra?
Miguel Pereira - Relativamente à escrita e reescrita nos quadros tudo começou com o trabalho de pesquisa, a pesquisa factual quando estávamos à procura, enquanto estudávamos e decidíamos que temas tratar. Esse momento em que nomeávamos as coisas, os objectos, a temporalidade, começámos a escrever coisas e datas. Inicialmente o Francisco escrevia no computador, mas a Sílvia e eu apontávamos as ideias, os elementos a giz, no quadro, achámos por bem agarrar essa ideia para a peça, acabando por não se libertar desse processo.
Luís Bento - Em relação ao tema memória/arquivo, podemos falar um pouco sobre isso?
Miguel Pereira - O arquivo é uma caixa, uma coisa fixa, a memória está sempre a mexer, é um filtro do que vivemos e é muito importante. Há uma memória do corpo para além da memória "racional", da memória do consciente. Qualquer gesto é despoletado por factores implícitos, por exemplo quando as peças nos marcaram reproduzimos o mais interessante. É aquilo que resta sem ser racional, o exercício da memória. Há coisas inscritas nos nossos corpos, apesar das referências comuns ou da formação comum com outros intérpretes por exemplo na audição da Pina Bausch, há coisas desse episódio que nos marcam a nós e não a outros.
Luís Bento - Sobre a rejeição. O tema foi tratado de forma mais humorada para lhe aliviar a carga?
Miguel Pereira - A rejeição está sempre presente em todas as actividades, fica marcada no corpo, uma determinada ideia de violência, porque há uma violência individual ou colectiva exercida sobre o corpo, representada nessa expectativa não correspondida.
Luís Bento – Relativamente a espiar. O público é convocado para espiar a vida dos outros? Espreitar?
Miguel Pereira - Sim, é um espiar mais no sentido de espreitar, espreitar coisas que não são tão evidentes, que estão mais escondidas, não eram coisas que vinham na imprensa, era mais ao nível da crítica, de ver uma ideia, não era o concreto. Espreitar obriga o público a procurar. É também uma questão de identidade, da possibilidade de o corpo poder ser outros corpos, outros momentos que fazem ou fizeram parte do percurso.
Luís Bento - Relativamente aos momentos em que vinha dizer: "Olá, sou o Miguel ou Joachin" é uma crítica aos programas tipo "Achas que sabes dançar"?
Miguel Pereira – Pode ser, mas é mais uma projecção nos outros e dos outros para falar de mim. Incorporar outras pessoas que existiram e que se cruzaram comigo para falar das minhas próprias questões.
Luís Bento - Aquela ideia de tirar as t-shirts com as datas gravadas era a passagem do tempo? Memória? Calendário?
Miguel pereira - Tirar as t-shirts partiu de uma ideia de uma peça de Jerome Bel de 1997 intitulada Shirtology. Quanto à memória e voltando à ideia do corpo/arquivo. O corpo fascina, intriga. A observação do outro, como é que o outro se coloca, principalmente no espaço público é fascinante. Nós temos uma consciência corporal em relação aos outros, pode ser também uma consciência cultural, individual e universal, o nosso corpo age por contra-ponto ao outro, como ele coloca o seu corpo e isso ajuda-nos a reflectir sobre o caminho de cada um.

































Conforme Anexo I
Conforme Anexo II.
Fazenda, Maria José. Dança Teatral. Lisboa: Celta editora, 2007, p.43-44

Fazenda, Maria José. p.77
Fazenda, Maria José. Dança Teatral. Lisboa: Celta editora, 2007, p.87
Fazenda, Maria José, p.91
Fazenda, Maria José. Dança Teatral. Lisboa: Celta editora, 2007, p.112
Fazenda, Maria José, p.124
Confrontar com Anexo II. Em conversa com Miguel Pereira foi feita referência à ambivalência da interpretação. É uma projecção nos outros e dos outros, para si próprio.
Reason, Matthew. "Arquivo ou memória? Detritos da live performance: (trad Cabral, Biange e Montheiro, Wagner): ouvirOUver, ISSN: 1983-1005, Universidade Federal de Uberlândia, http://www.seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/23415, p.6 [acedido em Janeiro de 2017]

Reason, p.6
Conforme Anexo II.
Reason, p.8
Reason, Matthew. "Arquivo ou memória? Detritos da live performance: (trad Cabral, Biange e Montheiro, Wagner): ouvirOUver, ISSN: 1983-1005, Universidade Federal de Uberlândia, p.9 http://www.seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/23415 [acedido em Janeiro de 2017]

http://observador.pt/2016/09/30/um-pais-pequeno-a-criar-uma-danca-gigante/ [acedido em Janeiro de 2017]

http://observador.pt/2016/09/30/um-pais-pequeno-a-criar-uma-danca-gigante/ [acedido em Janeiro de 2017]

Lepecki, André. "The Body as Archive: Will to Re-Enact and the Afterlives of Dances", Dance Research Journal Vol. 42, No. 2 (Winter 2010), p. 42

Fiadeiro, João. "Caixa de Ar, ou Carta Aberta à Minha Geração", folheto publicado na
comemoração dos 20 anos da RE.AL, Lisboa, 2010
Mannig, Erin "I refer to bodies as pure plastic, rhythm. I propose that we move toward a notion of a becoming body that is a sensing body in movement,6 a body that resists predefi nition in terms of subjectivity or identity, a body that is involved in a reciprocal reaching toward that in gathers the world even as it worlds. These bodies in the making are propositions for thought in motion. The dynamic form of a movement is its incipient potential. Bodies are dynamic expressions of movement in its incipiency."
Gil, José. Movimento Total: O corpo e a dança. Lisboa: Relógio D'Água, 2001, p. 73 e também "Vimos a definição do dicionário, o corpo organizado funciona como uma máquina que trabalha para a produção. Quando nosso corpo se torna um organismo, lhe dão uma utilidade, ele se insere em nossa sociedade para realizar determinados fins. Nosso desejo é esmagado, organizado externamente, nossos órgãos são capturados, amarrados dentro de uma lógica capitalista, ordenados. O órgão é sempre instrumento de algo para além dele mesmo, neste caso, o social. E assim nos tornamos presos, fracos, infelizes. O organismo não é corpo, o CsO, mas um estrato sobre o CsO, quer dizer, um fenômeno de acumulação, de coagulação, de sedimentação que lhe impõe formas, funções, ligações, organizações dominantes e hierarquizadas, transcendências organizadas para extrair trabalho útil" (Deleuze, Mil Platôs, Vol. 3). É assim, que nossos órgãos se tornam nossos inimigos. Foi por isso que Artaud declarou guerra aos próprios órgãos. A vida torna-se fraca, o desejo é canalizado, tudo trabalha pela produção, pela finalidade. Já vimos como o desejo para Deleuze não é falta, é produção (veja aqui), mas o corpo, afastado daquilo que pode, perde sua capacidade revolucionária e se torna doente, perde sua capacidade de criar o real para aceitar a vida medíocre que lhe dão. A alternativa de Deleuze está em criar para si um Corpo sem Órgãos." https://razaoinadequada.com/2013/04/14/deleuze-corpo-sem-orgaos/ [acedido em Janeiro 2017]


Gil, José, p. 57
Kevles, Bettyann Holtzmann. Naked to the bone: Medical Imaging in the Twentieth Century. New Brunswick, New Jersey. Rutgers University Press. 1997, p.527
"I am thinking in particular of those authors that follow Nietzsche's destruction of traditional philosophy through the proposition of a critique of the will to power – a project that informs the philosophical and political work of Michel Foucault, Jacques Derrida, and Gilles Deleuze and Félix Guattari; works and authors I invoke frequently throughout this book. For theirs is not only a philosophy of the body but a philosophy that creates concepts that allow for a political reframing of the body." Lepecki p.6
"Much of my argument in this book turns around the formation of choreography as a peculiar invention of early modernity, as a technology that creates a body disciplined to move according to the commands of writing. The first version of the word "choreography" was coined in 1589, and titles one of Compressed into one word, morphed into one another, dance and writing produced qualitatively unsuspected and charged relationalities between the subject who moves and the subject who writes. With Arbeau, these two subjects became one and the same. And through this not too obvious assimilation, the modern body revealed itself fully as a linguistic entity." Lepecki p.6
http://observador.pt/2016/09/30/um-pais-pequeno-a-criar-uma-danca-gigante/ [acedido em Janeiro de 2017]



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