ESPM - TCC (Graduação) - Louise Queiroga Max Marins - Jornalismo de Imersão na Era da Convergência: A reinvenção do Gonzo pela Vice Media

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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO (GRADUAÇÃO)

LOUISE QUEIROGA MAX MARINS

JORNALISMO DE IMERSÃO NA ERA DA CONVERGÊNCIA A Reinvenção do Gonzo pela Vice Media

Rio de Janeiro 2016

JORNALISMO DE IMERSÃO NA ERA DA CONVERGÊNCIA A Reinvenção do Gonzo pela Vice Media

Monografia de graduação apresentada à Escola Superior de Propaganda e Marketing, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel

em

Comunicação

Social



Habilitação Jornalismo.

Orientadores: Prof. Dr. Pedro Peixoto Curi e Profa. Ma. Adriana Barsotti Vieira

Rio de Janeiro 2016 LOUISE QUEIROGA MAX MARINS

JORNALISMO DE IMERSÃO NA ERA DA CONVERGÊNCIA A Reinvenção do Gonzo pela Vice Media

Monografia de graduação apresentada à Escola Superior de Propaganda e Marketing, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel

em

Comunicação

Social

Habilitação Jornalismo.

Rio de Janeiro, 27 de junho de 2016.

BANCA EXAMINADORA

Talitha Ferraz Prof.

Lucia Santa Cruz Prof.

Pedro Peixoto Curi Prof.



FICHA CATALOGRÁFICA

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe, Lourdes Madureira Queiroga Max Marins, minha maior inspiração e quem sempre acreditou em mim em todos os momentos; ao meu pai, Enilson Max Marins, por ter apoiado à minha escolha pelo Jornalismo – mesmo quando eu estava cursando outra faculdade –; e à minha avó e madrinha, Lea Madureira Queiroga, que mesmo não estando entre nós, sei que estaria muito contente com minhas realizações.

AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas foram fundamentais para a realização deste trabalho. Antes de mais nada, agradeço a Deus, por ter estado sempre comigo, me dando as forças necessárias para seguir em frente, sem nunca desistir. Gostaria de agradecer à minha mãe, Lourdes, por ter me oferecido muito amor e compreensão ao longo de todo o processo da realização deste trabalho. Da mesma forma, agradeço ao meu pai, Enilson, por ter me ajudado quando eu estava perdendo a razão e as forças para me manter em pé. Um muito obrigada aos meus orientadores, Pedro Peixoto Curi e Adriana Barsotti Vieira. Sem vocês, este trabalho não seria possível. Agradeço também à toda minha família e amigos que aceitaram minha ausência durante eventos comemorativos e, mesmo assim, não deixaram de estar ao meu lado, mesmo que em pensamento. Por último, mas sem menos importância, agradeço aos professores da ESPM que contribuíram para minha forma de pensar e entender a comunicação no mundo de hoje; e às minhas colegas de turma por terem tornado a experiência da faculdade muito mais divertida do que pensei que seria.

“I always have a comfortable feeling that nothing is impossible if one applies a certain amount of energy in the right direction. When I want things done which is always at the last moment, and I am met with such an answer: ‘It's too late. I hardly think it can be done;’ I simply say: ‘Nonsense! If you want to do it, you can do it. The question is, do you want to do it?’” – Nellie Bly

RESUMO

O objetivo deste trabalho é verificar se o jornalismo de imersão, com enfoque no jornalismo gonzo, é reinventado pela Vice Media. Além de ser uma das formas mais extremas do jornalismo de imersão, o jornalismo gonzo também é uma vertente do jornalismo literário. Por isso, o trabalho contextualiza o jornalismo literário nos séculos XIX e XX. A Vice emprega em seu conteúdo tanto o jornalismo de imersão quanto o jornalismo imersivo. Embora estes conceitos tenham nomenclaturas semelhantes, seus significados são distintos. O de imersão corresponde ao envolvimento do autor na história, e o imersivo, ao uso da realidade virtual, mas ambos pretendem aproximar o público da história. A análise de conteúdo constata que a reinvenção do jornalismo gonzo da Vice ocorre devido à possibilidade de uma coexistência entre não apenas diferentes mídias, mas também diferentes gêneros jornalísticos. Palavras-chave: jornalismo de imersão, jornalismo gonzo, jornalismo literário, jornalismo imersivo, realidade virtual.

ABSTRACT This paper intends to verify whether Vice Media reinvents the immersion journalism, focusing on gonzo journalism, or not. Gonzo journalism is not only one of the most extremes forms of immersion journalism; it is also a part of the literary journalism. Therefore, this paper contextualizes the literary journalism in the nineteenth and twentieth centuries. Vice employs in its content both immersion journalism and immersive journalism. Although these concepts have similar nomenclatures, their meanings are different. The immersion journalism is about how the author involves himself in the story, and the immersive journalism is about the use of virtual reality, but both aim to approach the public to the story. The content analysis finds that the reinvention of Vice’s gonzo journalism is due to the possibility of coexistence between not only different media, but also different journalistic genres. Keywords: immersion journalism, gonzo journalism, literary journalism, immersive journalism, virtual reality.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10 1. AS ORIGENS DO JORNALISMO LITERÁRIO E SUAS VERTENTES......... 16 1.1 Jornalismo literário no século XIX..................................................................... 16 1.2. A penny press e a objetividade jornalística ........................................................ 19 1.3 Jornalismo literário no século XX ...................................................................... 22 1.3.1 O Novo Jornalismo ..................................................................................... 24 1.3.2 Jornalismo gonzo ........................................................................................ 28 2. A INFLUÊNCIA DA CONVERGÊNCIA DE MÍDIAS NO CONCEITO DE JORNALISMO DE IMERSÃO................................................................................ 34 2.1 Jornalismo de Imersão e Jornalismo Imersivo .................................................... 34 2.2 A influência das novas tecnologias na narrativa jornalística ............................... 43 2.3 O infotenimento no jornalismo ........................................................................... 46 3. ANÁLISE DE CONTEÚDO: VICE MEDIA ........................................................ 50 3.1 Sobre a VICE Media .......................................................................................... 50 3.2 Metodologia ...................................................................................................... 53 3.3 O Jornalismo Gonzo da Vice .............................................................................. 59 3.4 A intimidade do jornalista com o tema ............................................................... 64 3.4.1 O gonzo Damian Abraham ......................................................................... 65 3.4.2 Da história pessoal para o contexto ............................................................. 67 3.4.3 Selfies e a aproximação com o leitor .......................................................... 69 3.5 Os níveis do jornalismo de imersão e a sua reinvenção na internet ..................... 73 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 79 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 82

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INTRODUÇÃO Chegando à entrada do parlamento grego, meu olhar imediatamente caiu sobre um velhinho vestido de maneira bem estranha dada a ocasião: no pé direito ele usava um tsarouhi (um sapato típico enfeitado com um pompom) e no pé esquerdo um tênis esportivo. Ele tinha uma foto enorme de Georgios Karaiskakis presa na lapela de sua camisa branca. Karaiskakis era um comandante grego da guerra pela independência do país em 1821 – tipo um William Wallace dos gregos (DINIAKOS, 2015).

Pode não parecer, mas o trecho acima é o início de uma reportagem publicada no site da empresa canadense Vice Media sobre a votação que definiria o futuro da Grécia, ocorrida em 15 de julho de 2015, no Parlamento. Entre o “sim” e o “não” às medidas exigidas pela União Europeia para definir como o país pagaria suas dívidas e enfrentaria a crise financeira, os olhos do mundo voltaram-se todos para o lugar onde nasceu a democracia e os jogos Olímpicos. Ora, nada como o relato dos bastidores feito por um jornalista grego – que bem conhece o parlamento do seu país e sabe do que está falando – para deixar a história ainda mais emocionante. O que ganha maior evidência nesse texto são os detalhes ignorados pelos demais veículos de comunicação que, na tentativa de fazer o jornalismo convencional, deixam de lado as percepções individuais, construindo, portanto, reportagens semelhantes, com praticamente as mesmas informações. No entanto, apesar de não ser recente a ideia de um jornalismo subjetivo e literário, na internet, essa forma se reinventa. O avanço tecnológico contribui para o aprimoramento da forma de construir e divulgar as notícias, aproximando públicos distantes da história quase que instantaneamente, oferecendo uma percepção diferenciada sobre o desenrolar da notícia. Por um lado, o jornalismo convencional está intimamente relacionado aos conceitos da objetividade, às respostas às tão conhecidas seis perguntas do lead da matéria – o que, quem, quando, onde, por quê e como? – e à técnica da pirâmide invertida, pelo meio da qual o jornalista apresenta os fatos mais relevantes nos primeiros parágrafos seguidos dos menos importantes. Por outro, há vertentes do jornalismo que apontam para um caminho quase oposto, não fosse pelo fato de também buscar retratar a realidade, ainda que por meio de outras estruturas e estilos linguísticos, como o relato do jornalista Antonis Diniakos no exemplo acima. Ratificando essas ideias, o jornalista americano Jack Hart diz que “escritores habilidosos colocam o leitor lá [no local da história] e o deixam testemunhá-la, experimentá-la e senti-la”, por meio da narrativa, e conclui que “isso é muito mais

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poderoso do que uma versão indireta da realidade” (HART, 2007 p. 104, tradução da autora)1. De forma semelhante, Tom Wolfe defendeu que repórteres e escritores devam transpassar a emoção em seus relatos: “porque são as emoções, não os fatos, que mais engajam e animam os leitores e, no final, são o coração da maior parte das histórias” (WOLFE, 2007, p. 151, tradução da autora)2. E mais, de acordo com Lincoln Steffens (apud BOYNTON, 2005, Kindle Edition, posição 271), apurar e reportar as notícias da forma mais plena e humana possível, a ponto de o leitor ver a si próprio no lugar do outro, é, de maneira artística e metodológica, – o ainda não alcançado – verdadeiro ideal tanto para um artista quanto para um jornal. Os escritores do New Journalism, em português, Novo Jornalismo, criaram estratégias inovadoras de imersão na reportagem. De acordo com Tom Wolfe (apud BOYNTON, 2005, Kindle Edition, posição 271), escrever uma reportagem corresponde a uma imersão, por meio da qual o repórter faz uma acumulação incessante de detalhes. A Grécia adora um bom personagem, mas naquele momento, um velho vestido como uma mistura de jogador de futebol e guarda presidencial não parecia apropriado. O parlamento grego já estava caótico o suficiente enquanto se preparava para o que foi descrito como a votação mais crítica em décadas – uma votação sobre medidas de austeridade tão complicada que faria Thatcher dançar no túmulo. Alguns parlamentares do Syriza denunciaram publicamente um acordo que o primeiro-ministro Alexis Tsipras negociou antes da reunião parlamentar. A noite de 15 de julho estava destinada a entrar para a história como o começo de uma nova era de turbulência para uma Grécia já em apuros (DINIAKOS, 2015).

No caso do conteúdo da matéria de Diniakos, esses pensamentos dos estudiosos americanos se concretizam. Conforme o autor lança as informações, envolvendo o leitor nos bastidores da construção da notícia, levando-o a se aproximar do trabalho jornalístico, é provocada uma sensação de imersão. A sala de imprensa me estressou, então decidi andar pelo prédio. Encontrei um amigo, que atualmente está trabalhando como contato local para o Washington Post. Ele estava entre dois jornalistas norteamericanos que gravavam declarações de Gerasimos Giakoumatos, um parlamentar da Nova Democracia e um dos políticos favoritos das colunas de fofocas dos jornais. Fiquei impressionado que dois jornalistas do jornal que deu o escândalo de Watergate e ganhou um Pulitzer, tivessem viajado milhares de quilômetros através do Atlântico para ouvir declarações de Gerasimos Giakoumatos. As pessoas estavam levando isso muito a sério (DINIAKOS, 2015). “Skilled narrative writers put the reader there and let her witness it, have the experience, feel it. That’s much more powerful than a secondhand version of reality”. 2 “[…] for it is the emotions, not the facts, that most engage and excite readers and in the end are the heart of most stories”. 1

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O que os repórteres do jornalismo literário começaram a fazer no início do século XX e, mais tarde, seria aprofundado pelo movimento Novo Jornalismo nos Estados Unidos, a partir dos anos 1960, é reinventado na atualidade, por meio dos novos aparatos tecnológicos. Apesar da mudança na forma de informar, as principais características do jornalismo literário ou dos romances de não-ficção, discutidas há décadas, permanecem. A Vice Media, que será objeto de análise no presente trabalho, diferencia-se das demais empresas de mídia por adaptar, ao seu conteúdo, uma vertente do jornalismo literário não muito bem vista por diversos profissionais da mídia: o jornalismo gonzo. Esta denominação surgiu nos anos 1970 por meio da atuação do jornalista americano Hunter S. Thompson. A vertente é caracterizada pela participação do repórter na notícia, fugindo, pois, às regras da clássica objetividade jornalística. Com isso, se o estilo gonzo fosse analisado através da perspectiva de Hart, o escritor estaria aproximando ao máximo possível o leitor da história narrada, pelo fato de ele próprio ser parte da notícia. “Finalmente, há a visão íntima, que descreve a cena como se você estivesse na cabeça do protagonista, olhando através dos seus olhos” (HART, 2007, p. 104, tradução da autora)3. Com efeito, o jornalismo gonzo é uma das formas mais extremas do jornalismo de imersão (KALVØ, 2015, p. 76). Esse trabalho tem a proposta de verificar se o jornalismo gonzo é reinventado no atual contexto das mídias sociais e do aprimoramento de plataformas e ferramentas de comunicação digital. Dessa forma, depois de feita uma revisão bibliográfica sobre o contexto histórico dos jornalismo literário e gonzo, o próximo passo será desvendar as formas atuais de adotar tais gêneros. O conteúdo produzido pela Vice, por flertar com o jornalismo gonzo, atrai, principalmente, o público cuja faixa etária varia entre 18 e 34 anos e que não assiste mais tanto à televisão, nem acompanha as notícias pelos jornais impressos, mas, sim, pelas mídias digitais (REUTERS, 2013). Trata-se de um segmento de público que se interessa por informação, mas que dispõe de uma gama de opções distintas responsáveis por oferecer conteúdo diferenciado. Enquanto isso, a mídia convencional, seguindo a mesma receita de linguagem na produção de notícias do século passado, perde audiência e, consequentemente, receita publicitária. Dessa forma, as empresas de mídia enfrentam uma crise para buscar

“Finally, there is the internal view, describing the scene as though you are inside the head of the protagonist, looking through the protagonist's eyes”. 3

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rentabilizar seu conteúdo via internet. Por isso, migram para novos modelos, para que também possam reinventar suas próprias formas de produção de conteúdo. Foi exatamente para angariar este novo público que dois gigantes da indústria, o Times e a CNN, procuraram encontrar o mesmo equilíbrio oferecido pela Vice, produzindo reportagens em vídeo a partir de perspectivas pessoais dos repórteres. [...] Uberti diz que, embora tais narrativas em primeira pessoa não sejam capazes de substituir a comunicação convencional ou a análise necessária para transmitir os aspectos mais importantes das hard news, elas oferecem um prato saboroso ao espectador. Ele crê também que, desta forma, a história acaba ganhando profundidade, pois aborda ângulos da cobertura que nunca poderiam figurar na primeira página (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2015).

Outros temas a serem discutidos e relacionados à Vice Media serão o jornalismo imersivo e o infotenimento, conceitos que serão apresentados no capítulo 2. Por meio do recurso da realidade virtual, por exemplo, o jornalista consegue realizar a imersão do leitor na história, mostrando-a, além de contá-la. Assim, o público assiste ao vídeo gravado por uma câmera que captura imagens em 360° e tem a sensação de estar no local, presenciando o acontecimento. Para isso, é necessário usar do Google Cardboard4 ou algum equipamento que permita o mesmo efeito. A primeira reportagem a utilizar o recurso da realidade virtual – VICE News VR: Millions March (Milhões Marcham, tradução livre) – foi produzida pelo diretor de criação da Vice News, Spike Jonze, em parceria com o cineasta e criador do aplicativo VRSE, Chris Milk, por meio do qual pode ser assistida (mesmo sem o cardboard). A reportagem de, aproximadamente, oito minutos mostra os protestos que reuniram 60 mil pessoas na cidade de Nova York em 13 de dezembro de 2014, clamando por melhor atitude e respeito por parte da polícia, acusada de racismo e impunidade em casos de assassinatos. O vídeo, divulgado em 23 de janeiro de 2015, permite acompanhar a manifestação de perto, observar detalhes em todas as direções, se deixar guiar pelas vozes e, ainda, seguir os passos da repórter Alice Speri, enquanto esta narra o que está acontecendo e entrevista os manifestantes (VICE NEWS, 2015). Aliás, o mesmo aplicativo também já conta com um vídeo da The New York Times Magazine, com o objetivo de transportar o leitor ao dia de preparação para a capa da revista de 22 de abril de 2015, Walking New York (Caminhando em Nova York, tradução livre). Tratava-se de um projeto audacioso que pretendia aderir ao chão de Nova York 4

Cardboard é uma caixa de papelão desenvolvida pela Google para permitir a imersão do usuário em vídeos de realidade virtual gravados em 360°. Para utilizá-la, é necessário um smartphone por meio do qual seja possível reproduzir esse tipo de imagem.

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uma imagem – em preto e branco e com 50 metros de comprimento – feita pelo artista francês conhecido como JR. A figura, colada na calçada em frente ao edifício Flatiron em Midtown, em Manhattan, representava um imigrante azerbaijano de 20 anos, chamado Elmar Aliyev, e permaneceu no local por apenas um dia, não oferecendo tempo o bastante para as pessoas notarem o que de fato era, já que o efeito imediato só podia ser percebido do alto (WIRED, 2015). Nós tiramos uma fotografia e a colamos no chão, voamos em um helicóptero e tiramos uma foto dela. Parte de mim pensou: “Ninguém vai acreditar que fizemos isso”. Eles vão achar que usamos Photoshop ou algo assim. Era uma maravilhosa oportunidade para usar realidade virtual para transportar o leitor não apenas para um lugar inalcançável – porque estava bem no meio de Midtown em Manhattan –, mas também para um tempo, um tempo que agora está perdido (SILVERSTEIN apud WIRED, 2015, tradução da autora)5.

Nonny de la Peña, uma das pioneiras no estudo da realidade virtual aplicada à produção de notícias e responsável pelo Projeto Síria, diz que a ideia do jornalismo imersivo 6 é permitir que o participante, tipicamente representado como um avatar digital, entre em um cenário virtualmente recriado, representando o local da notícia (DE LA PEÑA et. al, 2010). Para promover uma cobertura imersiva do conflito na Síria, Peña utilizou a plataforma de desenvolvimento de jogos Unity. “[...] que inclui fotos de vítimas e reproduções da arquitetura local. As imagens são renderizadas em 3D e se transformam em uma experiência virtual com ajuda do Oculus Rift7” (MALAGUETAS, 2015). A sensação de presença obtida por meio de um sistema imersivo [...] permite que o participante acesse os ambientes e sons e, possivelmente, os sentimentos e emoções que acompanham a história (DE LA PEÑA et al., p.291, tradução da autora)8.

De acordo com Uberti (apud OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2015), a Vice ganhou popularidade devido à produção de minidocumentários divulgados online que fugiam do que prega o jornalismo convencional. O autor acrescenta, ainda, que os repórteres atuam como guias em locais espalhados pelo mundo, “de um jeito mais cru e “We took a photograph, pasted it on the ground, flew up in a helicopter, and took a picture of it. Part of me thought, ‘Nobody’s going to believe that we did that’. They’re going to think it’s Photoshop or something. It was a wonderful opportunity to use VR to transport a reader not to a place that’s unattainable—because this is just right in the middle of Midtown Manhattan—but to a time, a time that is now lost”. 6 O conceito de jornalismo imersivo será apresentado no capítulo 2. 7 Oculus Rifit também é um dispositivo que permite assistir a vídeos de realidade virtual – também chamada de aumentada. Em 2014, a empresa criadora do Oculus Rift foi comprada pelo Facebook. 8 “The sense of presence obtained through an immersive system [...] affords the participant unprecedented access to the sights and sounds, and possibly feelings and emotions, that accompany the news”. 5

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menos formal”. Os temas, contudo, não deixavam de abordar situações conflituosas, “como as rebeliões em Ferguson, nos EUA, ou a guerra civil na Ucrânia” (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2015). Dessa forma, a Vice procura informar e entreter a geração do milênio, mostrando de forma descontraída, informal e, às vezes, imersiva, dos assuntos mais leves aos considerados mais “sérios”. Por meio do jornalismo de imersão, há maior aproximação do jornalista com os acontecimentos narrados, bem como do público com o fato transportado a ele. O objetivo do trabalho é, portanto, comprovar a hipótese de que a internet e as novas tecnologias facilitam a reinvenção do jornalismo gonzo e de imersão como forma de produção de conteúdo multimídia que faz o público imergir na história. Para isso, a imersão do autor e a interação do leitor serão analisadas por meio das diferentes estratégias empregadas pela Vice: pela narrativa, herdada do jornalismo literário e do jornalismo gonzo, e pelo desenvolvimento tecnológico, por meio da realidade virtual. O capítulo 1 abordará o contexto histórico do jornalismo literário e da sua vertente gonzo, considerados como a origem para os conceitos de jornalismo de imersão e jornalismo imersivo. A diferença entre estes termos será esmiuçada no capítulo 2. No capítulo 3, foi realizada uma análise de conteúdo de reportagens multimídia da Vice, com o intuito de verificar a hipótese aqui levantada. Seja na noite em que o parlamento grego definiu o futuro do país, ou no dia em que Nova York viu uma manifestação de milhares contra o racismo da polícia, ou, ainda, no dia em que teve uma de suas calçadas transformada em obra de arte; o leitor tem a oportunidade de se informar, de se transportar para o local da narrativa e sentir que está participando do acontecimento.

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1. AS ORIGENS DO JORNALISMO LITERÁRIO E SUAS VERTENTES Quando jornalismo e literatura estão juntos, o texto representa uma combinação de gêneros, já que são dois formatos de discursos distintos – o jornalístico e o literário. Nessa sobreposição, encontra-se o jornalismo literário, entendido como um gênero híbrido. Há, contudo, teóricos que o classificam como um gênero único. A origem desse gênero híbrido pode ser atribuída a publicações no século XIX, iniciadas na Europa, enquanto ocorriam as transformações sociais provocadas pela Revolução Industrial. Países como Inglaterra e França deixaram como herança registros de grandes escritores, como Charles Dickens e Honoré de Balzac, respectivamente. Foi a fase dos folhetins, histórias fictícias seriadas e, normalmente, pulicadas no rodapé das primeiras páginas dos jornais. Com a virada do século XIX para o século XX, novas transformações econômicas e sociais surgiram, e o jornalismo passou a adquirir seu caráter informativo e industrial, seguindo a lógica capitalista. A penny press, nos EUA, inaugurou o conceito No entanto, permanecia forte a presença da ficção na imprensa, principalmente, por meio dos folhetins. Já na segunda metade do século XX, o emprego da objetividade, estabelecido como ideal a ser alcançado no início do século, passou a ser contestado. Escritores voltaram a utilizar recursos do gênero literário para retratarem fatos reais. O estilo aplicado em romances de não-ficção ficou conhecido como Novo Jornalismo. Nesse mesmo período, vale ressaltar, também surgiu o jornalismo gonzo, vertente mais subjetiva do jornalismo literário, do qual o Novo Jornalismo faz parte. O estilo gonzo será analisado em profundidade no capítulo seguinte, por meio de reportagens da empresa Vice Media. 1.1 Jornalismo literário no século XIX Após as revoluções burguesas do século XVIII, o capitalismo ganhava força com o andamento da Revolução Industrial na Grã Bretanha. A disseminação de novas tecnologias na Europa configurou também uma difusão do conhecimento. No século XIX, a consolidação das ideias iluministas e o incentivo à alfabetização propiciaram o desenvolvimento da imprensa. Com o objetivo de cativar o público para aumentar a tiragem dos jornais, escritores publicavam folhetins, que eram histórias fictícias baseadas

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em personagens com os quais os leitores se identificavam. Esse modelo foi exportado para as regiões de influência europeia, como o Brasil. Por outro lado, a forma adotada para atrair os leitores ocorreu diferentemente nos Estados Unidos. A imprensa norteamericana ficou caracterizada pelas matérias de interesse humano, tendendo para o registro de crimes. De acordo com Antonio Hohlfeldt (2002, p. 146), o século XVIII, na Inglaterra, foi palco para a publicação nos jornais de romances e contos, “inaugurando os diferentes gêneros literários contemporâneos – que mesclariam ficção e realidade”, com destaque para Daniel Defoe, autor de Um Diário do Ano da Peste (1722). Por meio deste relato ficcional, Defoe retratou os horrores do período da peste bubônica em Londres no ano de 1665. Ao realizar pesquisas e entrevistas, apurou as informações necessárias para registrar o sofrimento daquele ano para a população da cidade devido à temida epidemia que já havia dizimado um terço da população europeia no século XIV (GUIA DO ESTUDANTE, 2007). De acordo com Héris Arnt (2004, p. 47), literatura e jornalismo eram intimamente sobrepostos nesse período. No entanto, os escritores participariam da produção jornalística com maior intensidade no século XIX. Arnt acredita que o jornal, como um todo, é composto por informação – mesmo quando se trata de conteúdo ficcional – como os folhetins, cuja função não era informar o conteúdo jornalístico baseado em fatos da realidade. Dessa forma, é como se o folhetim pudesse refletir a imagem da sociedade, funcionando como um espelho. Sobre isso, Pena (2008, p. 29) considera o folhetim como uma herança do romance realista. Por exemplo, na obra O Pai Goriot, Balzac afirma que a história “não é nem uma ficção, nem um romance, mas muito pelo contrário, é tão real que cada leitor pode reconhecer os elementos narrados na sua própria casa ou talvez no seu próprio coração”. (BALZAC, 2012, p. 57, tradução da autora)9. Além disso, o folhetim tinha a função de denúncia e crítica social, algo bastante empregado no jornalismo literário (ARNT, 2004, p. 48). Assim, mais do que mostrar como se comportava a sociedade da época, os escritores de folhetins buscavam ressaltar, nos jornais, as mazelas sociais provocadas pelas desigualdades socioeconômicas. Fontana reforça a ideia de os folhetins retratarem os costumes da sociedade.

“[...] ce drame n’est ni une fiction, ni um roman. [...] il est si véritable, que chacun peut em reconnaître les élements chez soi, dans son cœur peut-être!” 9

18 Nesta época, o realismo social passa a captar – a partir da observação e da recriação detalhada do cotidiano – os costumes e a linguagem das ruas e trazê-los para o campo da ficção, a exemplo de Charles Dickens e Émile Zola (FONTANA, 2006, p. 326).

Segundo Pena (2008, p. 29), o jornalismo adotou características mais populares, permitindo a criação de conteúdo voltado para uma vasta camada da sociedade, principalmente, na França e na Grã-Bretanha, a partir das décadas de 1830 e 1840. Da mesma forma, Arnt acredita que houve aumento da procura pelos jornais devido a forma como a imprensa tratou a população que passava a ter acesso à cultura letrada. O papel da imprensa foi fundamental para a segmentação da cultura letrada. As massas, apenas alfabetizadas, encontraram nos jornais um estímulo à leitura. Em consequência, houve o aumento considerável das tiragens de jornais. O extraordinário desenvolvimento da imprensa europeia no século XIX estava fundado em modificações profundas na estrutura social (ARNT, 2004, p. 48).

A origem da palavra folhetim está no termo francês feuilleton cujo significado, segundo Pena (2008, p. 28 e 29), remetia, inicialmente, a uma espécie de suplemento que abordava críticas literárias e variedades. Os folhetins eram encontrados no rodapé das primeiras páginas do jornal, onde ficava o espaço reservado ao entretenimento, incluindo também contos e novelas curtas (NUNES, 2014, p. 40). No entanto, este termo depois veio a significar os romances publicados em séries. “O editor do jornal francês La Presse, Émile Girardin, foi quem primeiro compreendeu a necessidade de cultura do mercado, e convida escritores para trabalharem em seu jornal” (ARNT, 2004, p. 47). Dentre os escritores que contribuíram para o La Presse, está Honoré de Balzac, cuja obra A Comédia humana foi toda publicada em folhetins. Aliás, Balzac pode ser apontado como o principal representante da produção de folhetins devido à sua ambição literária, fora do comum, de representar a realidade, totalizando 91 romances. (KEIME, 2012, p. 16). Dessa forma, conforme aponta Pena, Balzac influenciou muitos nomes naquele período e esse formato de publicação se disseminou rapidamente pela Europa Ocidental. Os mais reconhecidos escritores que publicaram narrativas em jornais são: Charles Dickens e Walter Scott, representando a Grã-Bretanha; Camilo Castelo Branco e Júlio Diniz (Portugal); Dostoievski e Tolstoi (Rússia); e Victor Hugo e Alexandre Dumas, além do próprio Balzac, representando a França (PENA, 2008, p. 30 e 31). A consolidação do capitalismo reforçava o intuito de formar mão de obra qualificada para as funções que surgiam com o avanço tecnológico da Revolução

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Industrial, o que exigia incentivo à alfabetização. “Em 1848, somente uma economia estava efetivamente industrializada – a inglesa – e consequentemente dominava o mundo” (HOBSBAWM, 1979, p. 187). Assim, a alfabetização da população urbana começou a ser bastante incentivada na Europa, onde o livro ainda era muito caro e fora do alcance da maior parte das pessoas. De acordo com Pena (2008, p. 29), houve considerável aumento nas vendas de jornais, assim como uma consequente queda dos preços, devido à publicação de narrativas literárias. Diante deste cenário, um dos destaques é Charles Dickens que, em Oliver Twist, publicado entre 1837-1839, contou os infortúnios do pobre órfão, cuja mãe solteira morreu ao dar à luz. Oliver poderia ser, na verdade, tantos outros meninos sem família, sem oportunidades e sem nenhuma forma de apoio do Estado, da Igreja ou de alguma pessoa que pudesse se responsabilizar pela sua criação. Um dos pontos levantados por Pena (2008, p. 34) sobre Charles Dickens merece uma atenção especial. De acordo com ele, o romance Oliver Twist é marcado por uma forte dose de subjetividade, pois “no livro, Dickens conta parte de sua própria história, na figura do personagem Oliver [...]”, além de expor afiadas críticas às condições insalubres de sobrevivência que o sistema causava aos mais pobres que moravam em Londres. Já nos EUA, a sucessão de fatos que compõem a história norte-americana levou a uma formação da imprensa de modo diferenciado da Europa. Nas primeiras décadas do século XIX, o jornalismo americano detinha características próprias, criando um novo modelo de produção de conteúdo para o público de modo geral, conquistando leitores que não pertenciam às elites. Era a chamada penny press, assim nomeada pelo fato de os jornais custarem um penny, ou seja, um centavo. 1.2. A penny press e a objetividade jornalística Diferentemente do conteúdo dos jornais europeus, os Estados Unidos deram prioridade aos acontecimentos corriqueiros e, em especial, aos que envolviam crimes e violência, buscando ressaltar as emoções dos protagonistas das histórias como forma de despertar curiosidade nos leitores, por meio do sensacionalismo. Para isso, conforme indica Arnt, também adotaram uma linguagem simples, voltada para as classes mais populares da sociedade. Os jornais americanos não apelaram para os folhetins em capítulos, para ganharem leitores, eles seguiram um caminho que se tornou

20 característico do jornalismo nos Estados Unidos até os dias de hoje, que são as matérias de interesse humano – com relatos de crimes e dramas familiares. Os fatos são vistos a partir do ponto de vista dos protagonistas, numa forma narrativa que se aproxima da ficção (ARNT, 2004, p.50).

Com efeito, Schudson (2010, p. 38) destaca não apenas o lado comercial dos penny papers, vendidos a baixo custo, mas também a invenção de um gênero que reforçou a importância do cotidiano. Os jornais das elites, até então, custavam seis centavos e, para acessá-los, era necessário ter uma assinatura anual. No entanto, a comercialização dos penny papers provocou uma revolução no mercado jornalístico: além de custarem um centavo, eles podiam ser comprados na rua, diariamente, com os jornaleiros (Schudson, 2010, p. 28 e 29). Assim, a imagem de um garoto segurando o jornal e gritando “extra, extra!” ilustra bem o período a partir de 1830. Schudson (2010, p. 39) salienta que o foco da imprensa penny era local. A narrativa de interesse humano adaptava-se aos diferentes assuntos apurados pelos jornalistas, como os criminais, jurídicos, comerciais, religiosos, da alta sociedade e esportivos, ressaltando sua importância no jornalismo diário. Considerando um contexto marcado pelo declínio do mercantilismo e despontamento do liberalismo econômico, a imprensa também publicava críticas com base no humor. Surgia, assim, um novo gênero, chamado de “colunismo”, bem característico dos jornais norte-americanos. Afinal, o próprio Estado resguardava o direito da livre expressão. Seba Smith, com o pseudônimo de Major Jack Downing, foi o pioneiro desse gênero, e inspirou escritores como Charles Farrar Browne e Mark Twain. (ARNT, 2002, p. 88-90). A Guerra Civil (1861-1865) intensificou o jornalismo nos Estados Unidos, aumentando tanto o número de repórteres quanto a circulação dos jornais. Na virada do século, o jornalismo e a forma como os repórteres escreviam transformaram-se. O modelo narrativo ficara para trás e o factual ganhava evidência num contexto em que a concorrência entre os jornais tornava-se mais acirrada. Data desta época o lead, que consiste do primeiro parágrafo da notícia, e a pirâmide invertida, técnica por meio da qual as informações mais relevantes da notícia aparecem no início do texto, seguidas das complementares. Pena (2013, p. 48) atribui a invenção da aplicação da “pirâmide invertida” nos jornais à segunda metade do século XIX, mais precisamente em 1861, ano que, aliás, data do início da Guerra Civil nos Estados Unidos.

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Além disso, a última década do século apresentava a necessidade de separar fatos de opiniões, por meio da classificação do que era notícia e do que era editorial. Mesmo o New York World, que assumia um tom sensacionalista, passou a adotar esse mecanismo de escrever conteúdo noticioso. O jornalista Theodore Draiser, após uma passagem pelo Chicago Tribune, conhecera este modelo novo de produção de notícia, então, ao se mudar para Nova York, não estranhou os cartazes colados nas paredes do New York World ressaltando a ideia de construir textos precisos, seguindo as novas regras. Olhei em volta da grande sala, enquanto esperava com paciência e animação, e vi colados nas paredes, em intervalos, cartazes impressos em que se lia: Precisão, Precisão, Precisão! Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Os Fatos – O Tom – Os Fatos! Eu sabia o que aqueles cartazes significavam: a ordem apropriada para se iniciar uma notícia de jornal. (DRAISER apud SCHUDSON, 2010, p. 97).

O início do século merece uma atenção especial devido às adaptações pelas quais a produção jornalística passou. Enquanto nos séculos anteriores os relatos publicados pela imprensa explicitavam um entrelaçamento entre a percepção do repórter diante do fato a ser noticiado, nas primeiras décadas do século XX, o olhar do repórter tornou-se mais relativo. Isso quer dizer que o texto jornalístico deveria passar por uma filtragem, destilando as informações principais dos acontecimentos com o intuito de deixar de lado o conteúdo que remetesse às opiniões do autor. O século XX intensificaria ainda mais este modelo, por meio da busca pelo ideal da objetividade nos relatos noticiosos. Após a Primeira Guerra Mundial, os jornalistas passam a duvidar da crença incondicional nos fatos, observa Schudson. A propaganda durante a guerra e o surgimento das relações públicas, posteriormente, levaram a um ambiente de desconfiança. Os jornalistas se convenceram que o mundo que reportavam era “algo que os partidos interessados tinham construído para que a imprensa relatasse” (Schudson, 2010, p.37). Uma resposta a isso, constata Schudson, foi a criação de novos gêneros de reportagem subjetiva, como será visto mais adiante neste capítulo. A outra foi o emprego da objetividade jornalística como técnica. Para Schudson, neste cenário de desconfiança nos fatos, a objetividade jornalística se firma mais como um método do que propriamente como uma crença na realidade, já que os jornalistas, por volta de 1920, já começavam a questionar a validade da neutralidade. Ou seja, a objetividade passa a ser uma estratégia na atividade profissional. O ideal da objetividade, entendido como declarações consensualmente validadas sobre o mundo, com base numa separação radical entre fatos e valores, passa a se estabelecer. Contudo, ele surge não tanto como uma

22 extensão do empirismo ingênuo e da crença nos fatos, mas como uma reação contra o ceticismo [...] Não representava, enfim, a expressão final de uma crença nos fatos, mas a imposição de um método projetado para um mundo no qual nem mesmo os fatos poderiam ser confiáveis (SCHUDSON, 2010, p.144).

Pena (2008, p. 50) concorda: para ele, a objetividade jornalística seria um método de trabalho capaz de assegurar algum rigor científico ao jornalismo e tentar reduzir a influência da subjetividade no relato dos fatos. Seu verdadeiro significado está ligado à ideia de que os fatos são construídos de forma tão complexa que não se pode cultuá-los como a expressão absoluta da realidade. Pelo contrário, é preciso desconfiar destes fatos e criar um método que assegure algum rigor científico ao reportá-los (PENA, 2008, p. 50 e 51).

Schudson (2010, p. 186) caracteriza a crise na democracia, a partir da crise de 1929, como uma sucessão de expectativas frustradas. Com isso, ele sustenta que a origem do ideal da objetividade no jornalismo deve-se à necessidade de encobrir “a decepção do olhar moderno”, como se as opiniões e a euforia de outrora fossem, naquele momento, um motivo de vergonha. “A objetividade é um mito”, declarou a repórter Kerry Gruson, do Raleigh Observer, e muitos jovens jornalistas compartilharam a sua visão. Sydney Gruson, pai de Kerry e assistente de edição no New York Times, alegou em oposição: “Talvez eu seja antiquado, mas reconheço muito nitidamente a autenticidade das colunas de notícia. A objetividade pura pode não existir, mas você tem que lutar por ela de qualquer maneira”. Os comentários dos Grusons foram reunidos por Stanford Sesser no Wall Street Journal, no outono de 1969 (SCHUDSON, 2010, p. 188 e 189).

Portanto, os próprios jornalistas começam a duvidar da possibilidade de narrar o mundo de forma objetiva. Neste contexto, surge um “novo jornalismo”, resgatando a mistura entre narrativa e notícia, literatura e jornalismo. 1.3 Jornalismo literário no século XX A segunda metade do século XX proporcionou renovações para o jornalismo quanto ao ideal da objetividade sonhado nos anos anteriores. Essa situação provocou um conflito de gerações, dividindo os jornalistas entre aqueles que defendiam a busca pela objetividade daqueles que reinventavam o conteúdo, trazendo novas formas de relatar fatos reais, ainda que fossem empregados elementos fictícios, como no caso de A Sangue Frio, de Truman Capote, classificado por ele como um romance de não-ficção. Assim,

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foi resgatada a sobreposição entre literatura e realidade, o que proporcionou o surgimento de um Novo Jornalismo. Jacobson, Marino e Gutsche Jr (2015, p. 2) delimitam o jornalismo literário do século XX em três fases (ou ondas – termo utilizado pelos autores). A primeira onda foi situada na década de 1890; a segunda, nas décadas de 1930 e 1940; e a terceira, nos anos 1960, caracterizada pelo Novo Jornalismo, que emergiu, novamente, na década de 1980 e persistiu nos anos 2000, adquirindo o nome de Novo Jornalismo Novo. Na década de 1920, foi publicado um revelador relato sobre a experiência de viver em um hospício. Trata-se do livro Diário do Hospício escrito por Lima Barreto. A partir de delírios provocados pelo excesso de bebidas alcóolicas, o jornalista brasileiro fora internado no Hospital Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, entre 1914 e 1920. Diante da situação de paciente no sanatório, Barreto escreveu sobre o que vivera durante o tratamento. Nessas condições, enquanto a Primeira Guerra Mundial eclodia na Europa, também Barreto precisava enfrentar um conflito interior na luta contra o alcoolismo. (FOLHA DE S. PAULO, 2010). Para enfrentar a dura realidade de viver no sanatório, Barreto encontrava nos jornais uma rota de fuga. De acordo com Barbosa (2010, p. 126), “o texto leva-o a construir não só uma outra leitura, como o transporta para outro lugar”. Dessa forma, para Barreto, os jornais correspondiam a uma representação da realidade a que ele não tinha acesso, permitindo uma sensação de liberdade, ainda que não fosse plena. “Os ambientes descritos são como que recriados, se inserindo ele mesmo naquela descrição, transformando-se, dessa forma, o texto, aprisionado pela sua leitura, numa vivência particular” (BARBOSA, 2010, p. 126). Enquanto isso, nos EUA, a subjetividade vinha resgatando o espaço que perdera na virada do século XIX para o século XX. De acordo com Fontana (2006, p. 327), a publicação de Hiroshima escrito por John Hersey foi um marco para o jornalismo literário. O livro que conta a história de seis sobreviventes da bomba nuclear jogada no Japão, após declarado o fim da Segunda Guerra Mundial, foi primeiramente publicado pela revista The New Yorker em 1946. Hersey privilegia a perspectiva humana e subjetiva em detrimento da frieza estilística do relato oficial. Os acontecimentos que envolvem os seis sobreviventes se alternam, num crescendo sempre interrompido no momento mais tenso (FONTANA, 2006, p. 327).

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Desse modo, a segunda metade do século XX renovaria o jornalismo, com o surgimento de um novo gênero entre o jornalístico e o literário. Entrava, em cena, assim, o romance de não-ficção, termo este usado por Truman Capote para classificar o livro A Sangue Frio. Primeiramente publicado pela revista The New Yorker, o romance uniu ferramentas da ficção aplicadas a fatos reais e, por ter rompido as barreiras da objetividade, caracterizou o que foi chamado de Novo Jornalismo. De acordo com Pena, um dos fatores que favoreceu seu surgimento foi a insatisfação de jornalistas com as regras da objetividade. O que vai proporcionar o advento do Novo Jornalismo contemporâneo na década de 1960, nos Estados Unidos, é a insatisfação de muitos profissionais da imprensa com as regras de objetividade do texto jornalístico, expressas na famosa figura do lead, uma prisão narrativa que recomenda começar a matéria respondendo às perguntas básicas do leitor. Wolfe logo percebe essa insatisfação e seus primeiros ataques são contra o maior representante da suposta “cientificidade” dos jornais, o colunista do Times Walter Lippmann, a quem chamou de vendedor de roncos, uma crítica ácida ao estilo pasteurizado de seu texto (PENA, 2008, p. 53 e 54).

Nos Estados Unidos, o novo gênero do romance de não-ficção nascia, marcado pela publicação de A Sangue Frio escrito por Truman Capote. Esta obra, lançada inicialmente, em 1966, na revista The New Yorker, uniu ferramentas narrativas da ficção aplicadas a fatos reais e, por ter rompido as barreiras da objetividade, caracterizou o que foi chamado de “Novo Jornalismo”. 1.3.1 O Novo Jornalismo E pensar no tempo que deve ter levado para amarrá-la assim! E ela deitada ali, morrendo de medo. Estava usando algumas joias, dois anéis – uma das razões pelas quais eu sempre achei que o motivo não tinha sido roubo – e um robe, uma camisola branca, e meias brancas. Sua boca tinha sido fechada com fita adesiva, mas ela tinha levado um tiro à queima-roupa no lado da cabeça, e o disparo – o impacto – tinha arrancado a fita. Os olhos estavam abertos. Bem abertos. Como se ainda estivesse olhando para o assassino. Porque ela deve ter visto quando ele se aproximou e apontou a arma. Ninguém disse nada. Estávamos perplexos demais (CAPOTE, 2003, p. 94).

A história de um brutal assassinato de uma família no interior do Kansas poderia ser apenas mais uma nota nos jornais, mas para Truman Capote guardava todo o potencial para tornar-se um romance altamente detalhado. Dessa forma, quebrando as barreiras e fugindo das regras jornalísticas, Capote criou o gênero de romance de não-ficção, sem considerar, contudo, que pertencia ao jornalismo, ainda que fosse baseado na realidade. (PENA, 2008, p. 53). A mistura entre narrativa romanceada e fatos reais era a base

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estrutural para que Capote produzisse sua obra, da mesma forma que seu talento em apurar e sua criatividade para escrever serviram de matéria-prima para compor um dos mais reverenciados romances dos Estados Unidos. De acordo com Necchi (2009, p. 101), tudo começou em novembro de 1959, quando Capote leu no The New York Times uma notícia sobre o assassinato de quatro pessoas de uma mesma família no interior do Kansas, nos Estados Unidos. A apuração de Capote durou até 1965, ano em que os assassinos foram executados, e a publicação aconteceu no ano seguinte. “O acontecimento poderia ser o mote para provar sua tese de que, nas mãos do escritor certo, histórias reais podem ser tão emocionantes quanto as de ficção” (NECCHI, 2009, p. 101). No entanto, A Sangue Frio foi alvo de críticas de quem estava mais próximo às ideias conservadoras, já que nem todas as informações relatadas por Capote correspondiam de fato ao que acontecera, conforme ressalta Belo: A própria veracidade do relato de Capote foi colocada em questão pelos editores da New Yorker, que contrataram um profissional para checar as informações relatadas por ele. Nem todas as informações eram 100% verdadeiras (BELO, 2006, apud FONTANA, 2006, p. 328).

Não obstante, para produzir um conteúdo recheado de características narrativas, não é preciso deixar-se levar pela imaginação. O conceito de romance de não-ficção criado por Truman Capote abriu as portas para que talentos do jornalismo se sobressaíssem na vastidão de notícias desprovidas de vida. Vários críticos se queixaram de que romance “verídico” era uma expressão ambígua, uma mistificação e que não havia nada de realmente original ou novo no que eu tinha feito. Mas houve quem pensasse de maneira diversa, outros escritores que compreenderam o alcance da minha experiência e se apressaram a pôr a receita em prática (CAPOTE, 1981, apud COSSON, 2001, p. 19).

O nascimento do Novo Jornalismo provocou mudanças na forma como os fatos são observados, compreendidos, relatados e lidos. Os acontecimentos deixam de ser frios e estáticos para ganharem vida na mente do leitor. O Novo Jornalismo da década de 1970 serviu para alterar padrões da objetividade jornalística. Mas, em breve, novas mudanças seriam introduzidas. Surgiu a percepção no meio jornalístico de que, além da necessidade de adaptação da linguagem, é preciso utilizar técnicas de apuração imersivas. Essa nova modalidade foi denominada Novo Jornalismo Novo (PENA, 2008, p. 60).

26 Ao contrário de seus predecessores, o grupo contemporâneo não se preocupou em idealizar um manifesto do gênero ou redigir uma carta de princípios. Na verdade, os integrantes se identificam muito mais pelas estratégias de apuração do que por uma linguagem específica, e não se mantêm como uma instituição de valores unificados. Foram os teóricos da Academia que localizaram o fenômeno e fizeram a classificação (PENA, 2008, p. 59 e 60).

Apesar da liberdade que o Novo Jornalismo Novo demonstra ter, no início houve certas preocupações em relatar profundamente uma história, ultrapassando certos limites, como a invasão de privacidade. De acordo com Robert Boynton (2005, Kindle Edition, posição 99), o que Tom Wolfe – preocupado com esta questão – não fora capaz de prever é que uma nova geração de jornalistas iria ultrapassar seus métodos de reportagem, aprofundando ainda mais seu envolvimento com os personagens. Além disso, Pena chama os jornalistas do Novo Jornalismo Novo de ativistas, devido ao seu envolvimento com questões sociais: Os novos autores querem desempenhar um papel mais político que literário. E isso fica patente nos assuntos escolhidos por eles e nas respectivas estratégias de imersão. Ted Conover, por exemplo, trabalhou um ano como guarda de prisão para escrever Newjack. [...] Guardadas as devidas diferenças de estilo e procedência, todos fazem parte de uma geração cujo engajamento em questões sociais é condição essencial para o exercício da profissão. Mais do que jornalistas, eles são ativistas (PENA, 2008, p. 61).

Independentemente das correntes que se desencadearam no século XX, vale destacar as técnicas narrativas responsáveis por identificar um texto jornalístico como literário, de acordo com Tom Wolfe: construção cena a cena, presença de diálogo por inteiro, narração em terceira pessoa e uso de detalhes simbólicos. Norman Sims (1984, apud BERNING, 2011, p. 3), de forma semelhante, caracteriza o Novo Jornalismo pelos elementos imersão, voz, precisão e simbolismo. Para Fontana (2006, p. 328), a descrição detalhada das cenas e a reprodução fiel dos diálogos são técnicas do Novo Jornalismo que servem para aproximar o autor da realidade, de forma que ele acompanhe os personagens e as situações que pretende narrar. As estratégias narrativas presentes nesta estética jornalística apontam para a construção e o entrelaçamento de artifícios complexos, que concorrem para o efeito de real que se deseja obter. Predição, pressentimento, obsessão, recordação, flashback, motivações psicológicas, extensas descrições e reprodução detalhada de diálogos figuram entre alguns dos artifícios que o jornalismo literário empresta da prosa de ficção (FONTANA, 2006, p. 328).

De acordo com Pena (2008, p. 55), o escritor precisa dominar os símbolos do contexto. Afinal, são eles os responsáveis por estabelecer a conexão entre as mensagens

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nas entrelinhas e o leitor. Para contar uma história de não-ficção, o escritor deve ser capaz de detalhar os eventos narrados, conhecendo profundamente a história tão bem quanto aqueles que a viveram. Mais que isso, o escritor precisa desenvolver uma capacidade de não apenas descrever e detalhar, mas também de dispor de uma sensibilidade a ponto de criar uma ponte com os leitores que ultrapassa o próprio texto. O detalhamento do ambiente, as expressões faciais, os costumes e todas as outras descrições só farão sentido se o repórter souber lidar com os símbolos. Se puder atribuir significados a eles e, mais importante ainda, se tiver a sensibilidade para projetar a ressignificação feita pelo leitor. Tom Wolfe dá um ótimo exemplo dessa capacidade quando refere-se à descrição de bebedeiras. O bom escritor não tenta descrever a bebedeira em si, mas conta com o fato de o leitor já ter estado bêbado em algum momento da vida (PENA, 2008, p. 55).

No Brasil, um exemplo do uso de símbolos é Incidente em Antares, escrito por Érico Veríssimo e publicado em 1971. Por meio de uma história fantasiosa, em que os cadáveres, diante de uma greve geral na cidade, incluindo os coveiros, fazem uma manifestação para serem enterrados dignamente, o autor representou a repressão política empregando metáforas e simbologia. Assim, a obra pode ser classificada de várias formas, como romance de realismo mágico, de acordo com Cosson (2001, p. 17), ou romance de realismo maravilhoso, conforme aponta Márcia Ivana de Lima e Silva (2005, p. 187). – Pois o delegado de Antares, Inocêncio Pigarço, que é um homem cruel, um torturador de prisioneiros políticos, costuma dizer que o Jango e o Brizola estão cutucando o dragão com vara curta. – Acho que o delegado tem razão. Se esse dragão despertar e resolver entrar em ação... bom, muita coisa vai acontecer (VERÍSSIMO, 1995, p. 129).

O trecho acima exemplifica elementos da realidade brasileira presentes à época, como o uso da tortura pelos militares aos opositores do regime, principalmente a partir da década de 1970, quando a ditadura investiu em métodos violentos de repressão. Não por acaso, Veríssimo escolheu uma sexta-feira 13, em dezembro, para que acontecesse a marcha dos cadáveres contra a greve dos coveiros, com o intuito de terem, enfim, um enterro digno. De acordo com Silva (2005, p. 194), o objetivo dessa escolha seria de “marcar o ápice da arbitrariedade da ditadura militar”. Isso ratifica a fala de Silvano Santiago ao dizer que a intenção dos romances-reportagem, diante de um contexto desprovido de liberdade de expressão, seria de “desficcionalizar o texto literário e, com isso influir, com contundência, no processo de revelação do real” (SANTIAGO, 1979, apud COSSON, 2001, p. 17).

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No entanto, conforme aponta Cosson (2001), os romances-reportagem que, por sua vez, tinham por base fatos reais, vieram a ser publicados apenas quando o regime militar começou gradualmente a ceder às pressões da oposição. Por meio dos romancesreportagem Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1975) e Aracelli, Meu Amor (1976), o jornalista José Louzeiro registrou, detalhadamente, casos policiais de grande repercussão nacional. No romance-reportagem Aracelli, Meu Amor, Louzeiro conta a história do violento caso de uma menina que sofrera abuso sexual antes de ser brutalmente assassinada em 1973 (ESTADÃO, 2013). De acordo com Meister (1999, p. 93), essa foi a forma encontrada pelo jornalista de criticar o contexto sociopolítico da época em aspectos como a corrupção na política, o comportamento repressor por parte da polícia, o tráfico de drogas, a miséria social, e a manipulação de informações. Com efeito, de acordo com Cosson (2001, p. 76), uma das mais fortes características do gênero romance-reportagem é a função de denúncia social. De fato, seja por meio do romance de não-ficção americano, ou o romance-reportagem no Brasil, a denúncia estava simbolizada de diferentes maneiras. Quando o jornalista se propõe a escrever um romance-reportagem, não basta reunir uma grande quantidade de informações, tampouco esmiuçá-las nas páginas da história, mas, sim, promover uma imersão na narrativa, permitindo que os leitores possam senti-la, experimentá-la e perceber sua relevância social, mesmo se ela não estiver ali explicitada. Se há um nome para ser destacado nesse sentido, não há dúvidas de que esse nome é Hunter Thompson, o criador do jornalismo gonzo. Na década de 1970, assim como escritores brasileiros tinham a vontade de realizar denúncias sociais, conforme salientou Cosson, também Thompson assumia uma posição de criticar o estilo de vida norte-americano. Para isso, o jornalista retratou “a decadência dos ideais da contracultura, bem como da própria sociedade americana” (SILVA, 2011, apud MASSOTE, 2013, p. 59 e 60). 1.3.2 Jornalismo gonzo Além desse ponto a incrível nuvem de poeira que pairaria sob esta parte do deserto durante os próximos dois dias já estava solidamente formada. Nenhum de nós percebeu até então que essa era a última vez que veríamos o “Fabuloso Mint 400” – Ao meio-dia, era difícil ver a área do bar/casino, cem pés afastada sob o sol escaldante. A idéia de tentar “cobrir esta corrida” em qualquer sentido de imprensa convencional era um absurdo: Era como tentar manter o rumo para um encontro em uma piscina olímpica preenchida com pó de talco em vez de água. A Ford Motor Company tinha vindo, como prometido, com um “Bronco da imprensa” e um motorista, mas depois de algumas corridas selvagens

29 pelo deserto – à procura de motocicletas e, ocasionalmente, encontrando uma – eu abandonei o veículo para os fotógrafos e voltei para o bar (THOMPSON, 2005, p. 38, tradução da autora)10.

Nada é tão próximo à ideia de imersão na narrativa pelo autor quanto o jornalismo gonzo. Trata-se de uma vertente do Novo Jornalismo que também surgiu nos anos 1970 nos Estados Unidos, segundo a qual o jornalista não é um mero interlocutor entre o fato e o leitor. O jornalista é a própria história. Capaz de assimilar com vasta intensidade o individualismo norte-americano, esse modelo de escrever relatos de não-ficção é uma transgressão a tudo o que outrora fora defendido como o ideal jornalístico. “A principal característica dessa vertente é escancarar a questão da impossível isenção jornalística tanto cobrada, elogiada e sonhada pelos manuais de redação” (PENA, 2008, p. 57). De acordo com Pena, a definição de gonzo está atrelada ao envolvimento do repórter com o processo de investigar e escrever a matéria e em como ele se transforma em um personagem. Jornalismo gonzo consiste no envolvimento profundo e pessoal do autor no processo de elaboração da matéria. Não se procura um personagem para a história; o autor é o próprio personagem. Tudo o que for narrado é a partir da visão do jornalista. Irreverência, sarcasmo, exageros e opinião também são características do jornalismo gonzo (PENA, 2008, p. 57).

Já Attie (2009) define o jornalismo gonzo como uma “mistura de literatura, reportagem investigativa e contracultura”. Além disso, cita o significado dado por um dicionário. “Em 1979, o Dicionário Webster’s definiu ‘gonzo’ como ‘algo bizarro; desenfreado; extravagante; estilo pessoal de jornalismo’, definições que retratam não só a obra, como o próprio autor” (ATTIE, 2009). De acordo com Carolina Massote (2013, p.57), o surgimento do jornalismo gonzo foi possibilitado pelos trabalhos que já estavam sendo feitos de antemão pelos autores do Novo Jornalismo, em especial, Truman Capote e Tom Wolfe. Para a autora, o jornalismo gonzo contribui para a reformulação dos ideais do jornalismo convencional. Em outras palavras, o ideal da objetividade, antes tido como algo possível de se alcançar, caso

“Beyond that point the incredible dust cloud that would hang over this part of the desert for the next two days was already formed up solid. None of us realized, at the time, that this was the last we would see of the ‘Fabulous Mint 400’ – By noon it was hard to see the pit area from the bar/casino, one hundred feet away in the blazing sun. The idea of trying to ‘cover this race’ in any conventional press-sense was absurd: It was like trying to keep track of a swimming meet in an Olympic-sized pool filled with talcum powder instead of water. The Ford Motor Company had come through, as promised, with a ‘press Bronco’ and a driver, but after a few savage runs across the desert – looking for motorcycles and occasionally finding one – I abandoned this vehicle to the photographers and went back to the bar”. 10

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houvesse total desprendimento do repórter com relação ao seu relato, passou a ser considerado uma utopia. Não haveria, portanto, uma verdade absoluta no jornalismo. “A objetividade jornalística foi repensada graças ao trabalho de profissionais como Thompson. Hoje, é quase senso comum que não existe uma verdade absoluta por trás do jornalismo” (MASSOTE, 2013, p. 19). O ano era 1971 e o jornalista Hunter Thompson tinha como tarefa cobrir a famosa e prestigiada corrida de motos Mint 400 em Las Vegas para a revista Sports Illustraded. No entanto, Thompson, na faixa dos seus 30 anos, enxergou uma bela oportunidade para desfrutar daquela viagem de uma forma um tanto quanto não convencional. Preparou a mala do carro com uma quantidade absurda de drogas a ponto de deixar qualquer um completamente alterado. Não poderia esquecer, é claro, do seu advogado, a quem atribuiu o nome de Doutor Gonzo, a partir do qual veio o termo que caracteriza essa vertente extremamente subjetiva do jornalismo. Ele próprio também dependeria de um pseudônimo. Afinal, ninguém em sã consciência poderia experimentar uma aventura daquelas assumindo a própria identidade. Dessa forma, Hunter Thompson tornou-se Raoul Duke. “É preciso viver as reportagens para poder relatá-las” (PENA, 2008, p. 57). Quanto à sua tarefa para a Sports Illustraded, Thompson supostamente deveria escrever sobre a corrida, já que fora para Las Vegas por causa disso. No entanto, Thompson mudou o plano para o qual fora instruído e seguiu as próprias regras, deixando de lado tanto as leis do jornalismo convencional quanto as do sistema judiciário norteamericano, considerando a variedade de substâncias químicas por ele e seu advogado consumidas. O resultado foi a obra intitulada Medo e Delírio em Las Vegas – uma jornada selvagem ao coração do sonho americano que, por sinal, acabou não sendo publicada pela Sports Illustrated, mas pela Rolling Stone. Aliás, a publicação de Thompson saiu em mais de uma edição da Rolling Stone e o sucesso foi inevitável. Consequentemente, surgiu a oportunidade de publicar Medo e Delírio em livro (PENA, 2008, p. 57). Attie (2009) salienta o poder que esse livro tem de impactar os leitores. Antes mesmo de o público ter acesso às suas aventuras, o texto de Thompson provocava sensações intensas, conforme conta o coordenador de produção da Rolling Stone naquela época, Paul Scanlon. Quando terminei de ler [o primeiro capítulo], estava batendo na mesa com a mão e não conseguia me conter. Entrei na sala de Grover [um dos editores] e ele estava debruçado em cima da mesa, respirando com dificuldade. Ele se virou, e tinha lágrimas nos olhos, e não conseguia parar de rir. Passamos o resto do dia relendo trechos em voz alta um pro

31 outro. Todos ficamos extremamente chapados. Ninguém esperava aquilo (SCANLON apud ATTIE, 2009).

Vale ressaltar que o jornalismo gonzo tem o poder de imergir os leitores na história relatada. Considerando que Thompson narra suas experiências com narcóticos, não é à toa que Scanlon utiliza a expressão “todos ficamos extremamente chapados”, quase como se a narrativa fosse tão profunda a ponto de as drogas transcenderem o texto e provocarem nos leitores os seus efeitos. Attie (2009) destaca que o jornalismo gonzo foi assim classificado por outro jornalista, não pelo próprio Thompson. O termo “gonzo” surgiu quando o jornalista Bill Cardoso, amigo de Hunter, ao ler o texto chamado “O Kentucky Derby é Decadente e Degenerado” [...] escrito para o Scalan’s Monthly, em junho de 1970, exclamou: “eu não sei que porra você está fazendo, mas você mudou tudo. Isso é totalmente gonzo”. A expressão pegou e passou a definir uma forma de jornalismo sem barreiras, que hoje é alvo de estudos acadêmicos (ATTIE, 2009).

Este artigo foi publicado na revista esportiva Scanlan's Monthly. Nesse caso, Thompson também fugiu da pauta para a qual foi instruído. O jornalista foi para Louisville cobrir um evento esportivo de grande porte, mas o conteúdo da reportagem ficou repleto de críticas ao estilo de vida das pessoas daquela cidade (MASSOTE, 2013, p. 59). Massote (2013, p. 57) ressalta que a própria personalidade de Thompson fugia de comportamentos convencionais. Assim, não apenas a vertente criada por ele admitia características irreverentes. Dessa forma, pode-se dizer que o jornalismo gonzo reflete o jeito de ser do autor. Hunter Stockton Thompson nasceu na cidade de Louisville, no estado norte-americano de Kentucky, no dia 18 de julho de 1937. Foram 67 anos de vida até o seu suicídio que ocorreu em Aspen, no Colorado, no dia 20 de fevereiro de 2005, quando ele escreveu em seu bilhete de suicídio que haviam sido "17 anos a mais do que precisava ou desejava". Durante sua vida, Hunter S. Thompson fez de tudo: peitou agentes do FBI aos 9 anos, foi preso às vésperas de sua formatura no colegial, entrou para as Forças Aéreas do Exército americano, tornouse jornalista, foi candidato a xerife em uma cidade do Colorado, escreveu obras memoráveis para revistas e jornais que viraram livros traduzidos para as mais diversas línguas (RITTER e ROCHA apud MASSOTE, 2013, p. 57 e 58).

Kalvø (2015, p. 29) destaca os primeiros indícios do estilo gonzo na narrativa de Thompson. Em 1965, o jornalista ficou responsável por uma pauta no jornal The Nation que abordava a presença de motociclistas na Califórnia como uma tendência que ganhava

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força. Para realizá-la, Thompson imergiu no tema durante um ano. Kalvø (2015, p. 29, tradução da autora)11 salienta que o jornalista começou a ser conhecido como “um repórter intrépido da ‘decadência e depravação’ da cultura americana”. Com o sucesso da publicação, veio um expressivo interesse por transformá-la em livro, que receberia o título Hell's Angels: a Strange and Terrible Saga (1966), em português, recebeu o título Hell’s Angles: Medo e Delírio Sobre Duas Rodas. Vale dizer que este foi o primeiro livro publicado por Thompson. “A reportagem em seu livro está mais próxima às técnicas de Wolfe do Novo Jornalismo, mas também, com certeza, traz muitas características do seu posterior estilo gonzo” (KALVØ, 2015, p. 29). Hunter Thompson escolheu a gangue de motoqueiros Hell’s Angels, liderada por Sonny Barger, famosa por cometer inúmeras infrações e conter entre seus membros, mafiosos e estupradores. Durante o período de pesquisa, com o intuito de obter e lançar ao público o máximo de informações sobre o grupo, Thompson não só acompanhou os motoqueiros por 18 meses, como fingiu ser um deles, testemunhando os delitos comuns naquele meio. Tamanha ousadia rendeu um texto escrito em primeira pessoa, com uma riqueza de detalhes impressionante. Um retrato completo, sociológico, antropológico, psicológico e político do fenômeno das gangues de motociclistas, seus problemas com a polícia, seu envolvimento com a contracultura da época e seu tratamento na grande mídia americana. Após ter sido descoberto e rotulado como traidor, o jornalista levou uma surra e foi ameaçado de morte (ATTIE, 2009).

De fato, Thompson não apenas fazia uma imersão no assunto investigado, como também assumia riscos, sobrepondo-se em uma linha muito tênue que delimita práticas de investigação jornalística e ações criminosas. Com efeito, o estilo inventado por Thompson tem suas razões para ser tão criticado. Além do uso constante dos mais diversos tipos de narcóticos, o repórter defendia atitudes eticamente condenáveis na apuração jornalística. De acordo com Felipe Pena (2008, p. 56 e 57), valia até mesmo xingar o entrevistado para que a reportagem rendesse. Ele recomendava que o jornalista respirasse fundo, e em seguida xingasse o interlocutor. Não importava a ofensa, e sim a reação, que deveria ser a mais exacerbada possível. Fez isso com os motoqueiros do Hell’s Angels, com quem conviveu por um ano e meio, e tomou uma surra antológica. Mas a matéria ficou excepcional. Aliás, virou tema de um dos melhores livros dele. Não importa que o cara tenha parado no hospital (PENA, 2008, p. 56 e 57).

11

“[…] as an intrepid reporter of the “decadence and depravity” of American culture”.

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Apesar disso, o jornalismo gonzo serviu de inspiração para diversas publicações, segundo Pena (2008, p. 57), como Playboy, Rolling Stone, San Francisco Chronicle, Esquire, e Vanity Fair. Massote (2013) completa dizendo que as reinvenções do jornalismo gonzo são praticadas até a atualidade e exemplifica dois casos brasileiros: as revistas Piauí e Trip, sendo que, para esta última, vale destacar o jornalista Arthur Veríssimo. Dessa forma, é possível constatar que o suicídio de Thompson, em 2005, não deixou para trás sua contribuição ao jornalismo. Muito pelo contrário, de acordo com Silva (2010, p. 109), o jornalismo gonzo serviu como inspiração para escritores que admiram sua irreverência, estilo, desenvoltura e escrita. [Hunter S. Thompson] deixou para trás um legado irreverente, provocador e verdadeiro. Sem falar no séquito de fãs formado por estudantes de jornalismo que viram na extravagância e nos métodos do pai do gonzo jornalismo uma maneira inovadora e divertida de se contar uma história (SILVA, 2010, p. 109).

Massote (2013, p. 60) justifica que a razão para o jornalismo gonzo de Thompson ter sido viável foi a realização de uma vontade que já existia pelo público. Isso caracterizou, portanto, um marco no jornalismo da década de 1970, baseado no ideal objetividade e em uma distância entre as opiniões do repórter e a história que ele conta. Thompson provocou, embora sob efeito de drogas, uma mudança no que poderia ser publicado em uma imprensa “respeitável”. Essa mudança só foi possível porque o público ansiava por ela. Já se sabia que um jornalista tem uma participação pessoal sobre aquilo que escreve e publica. O que Thompson e outros colegas de sua geração fizeram foi um deslocamento do ponto de vista. Admite-se, assim, que o jornalista estava completamente inserido na história que conta (nos jornalismos inglês e norte americano, a palavra story é comumente usada para se referir à pauta) (MASSOTE, 2013, p. 60).

Para um novo gênero surgir, é preciso haver oposição a outro que já existia. Dessa forma, também o jornalismo vive as suas rupturas e sobreposições, sofre divergências, censura, críticas e aplausos. Um ponto é certo: o jornalismo literário mudou a ponto de deixar o jornalista ainda mais nas profundezas da narrativa. A proposta do próximo capítulo será contextualizar o jornalismo de imersão, por meio de explicações sobre sua origem e de como pode ser influenciado pelo avanço tecnológico e uso da internet. Devido ao emprego da realidade virtual, a sensação de imersão aplicada ao jornalismo originou outro conceito, chamado jornalismo imersivo. Além disso, será abordada a questão de como o entretenimento marca o jornalismo.

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2. A INFLUÊNCIA DA CONVERGÊNCIA DE MÍDIAS NO CONCEITO DE JORNALISMO DE IMERSÃO Considerando que o foco deste capítulo é a forma como a tecnologia e a internet influenciam o jornalismo de imersão, inicialmente, explicarei a diferença de significados entre jornalismo imersivo e jornalismo de imersão. O imersivo utiliza, necessariamente a tecnologia, pois corresponde ao emprego da realidade virtual em produções jornalísticas. Por outro lado, há o jornalismo de imersão, que independe do uso de tecnologia, pois é praticado desde o século XIX. Em outras palavras, o jornalismo de imersão corresponde à forma de relatar determinada história. Para praticá-lo na narrativa, em geral, é necessário um grande investimento de tempo e estudo sobre o tema investigado. O jornalismo de imersão pode, contudo, ser influenciado pela tecnologia, adaptando-se à narrativa jornalística da internet. Assim, serão explicados de que forma os conceitos influenciam o jornalismo digital de modo geral, como multimidialidade, hipertextualidade e interatividade. Por último, será abordada a questão do infotenimento e como esse conceito influencia o jornalismo de imersão e o jornalismo imersivo. Para isso, será considerada a função de provocar sensações que o entretenimento desempenha em meios digitais. Com efeito, a realidade virtual exemplifica como o infotenimento se faz presente no jornalismo imersivo. 2.1 Jornalismo de Imersão e Jornalismo Imersivo Jornalismo imersivo (immersive journalism) e Jornalismo de imersão (immersion journalism) são conceitos aparentemente semelhantes, usados muitas vezes como sinônimos. O primeiro termo diz respeito ao emprego da tecnologia em reportagens, por meio da realidade virtual, tendo sido introduzido por Nonny de la Peña (2010). Já o segundo corresponde ao intenso envolvimento do repórter com a história por ele investigada, conforme a definição de Kalvø (2015, p. 36). De acordo com o autor, o jornalismo de imersão, em geral, demanda tempo para que a história seja investigada. No entanto, Kalvø ressalta que o tempo investido é variável, assim como o nível de imersão. Já para Robin Hemley (2012, Kindle Edition, posição 920), é imprescindível que o autor faça-se presente na história para que o conteúdo seja considerado jornalismo de imersão. Dessa forma, o jornalismo de imersão independe dos suportes tecnológicos utilizados, pois o importante é a forma como a história é produzida e narrada ao público.

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Basicamente, o jornalismo de imersão age por meio da forma de narrar, enquanto o jornalismo imersivo age por meio da realidade virtual. De acordo com Hart, quando o escritor emprega a visão íntima no texto, ele aproxima o leitor da história. “Finalmente, há a visão íntima, que descreve a cena como se você estivesse na cabeça do protagonista, olhando através dos seus olhos” (HART, 2007, p. 104, tradução da autora)12. Dessa forma, apesar das diferenças, assim como o jornalismo de imersão, o jornalismo imersivo também ambiciona trazer o público para a atmosfera da história. Pode-se observar, portanto, que o jornalismo de imersão corresponde tanto à imersão do autor quanto do público. Por outro lado, o jornalismo imersivo corresponde apenas à imersão do público. Considerando que dois conceitos são semelhantes, muitas vezes, as nomenclaturas se misturam, o que pode provocar mal entendidos. Embora não haja uma regra que os separe claramente, suas origens estão a, praticamente, um século de distância. O jornalismo de imersão foi empregado pela primeira vez no final do século XIX, enquanto o jornalismo imersivo foi empregado pela primeira vez em 2015, como será detalhado nos parágrafos a seguir. O trabalho analisa as novas possibilidades que o desenvolvimento tecnológico oferece para ambos os modelos. Por um lado, o jornalismo de imersão, caracterizado por uma forma de apurar e de narrar uma história e, por outro, o jornalismo imersivo, caracterizado pela utilização da realidade virtual. Embora nenhuma reportagem que utilizasse a realidade virtual tenha sido publicada durante a semana que foi objeto desta pesquisa, em metodologia a ser explicada no capítulo 3, algumas delas serão comentadas neste capítulo pela inovação da Vice no uso desse recurso tecnológico. Janet Murray reforça o significado de imersão como uma narrativa que mostra uma realidade ao público envolvendo-o por inteiro. “Imersão” é um termo metafórico derivado da experiência física de estar submerso na água. Buscamos de uma experiência psicologicamente imersiva a mesma impressão que obtemos num mergulho no oceano ou numa piscina: a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade completamente estranha, tão diferente quanto a água e o ar, que se apodera de toda a nossa atenção, de todo o nosso sistema sensorial (MURRAY, 2003, p. 102).

“Finally, there is the internal view, describing the scene as though you are inside the head of the protagonist, looking through the protagonist's eyes”. 12

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Não é à toa que Tom Wolfe (apud BOYNTON, Kindle Edition, posição 99) considera o processo de relatar uma história como um relato de imersão, marcado pelo somatório incessante de detalhes sobre um indivíduo. Robin Hemley (2012, p. 56) vai além ao dizer que o jornalismo de imersão também pode ser chamado de jornalismo participativo. Hemley enfatiza que, por meio dele, o autor demonstra engajamento no tema de seu interesse, visando adquirir um olhar que parte de dentro da história. Hemley ressalta que esse método também é nomeado por alguns como jornalismo performático. No entanto, mesmo contendo elementos voltados para o humor e para a diversão, acredita que o objetivo vai além de meramente chamar a atenção do público. Ainda de acordo com Hemley (2012, Kindle Edition, posição 932), a pioneira do jornalismo de imersão foi Elizabeth Jane Cochran, cujo pseudônimo adotado foi Nellie Bly. Nos anos 1880, a jornalista revolucionou a participação feminina no jornalismo norte-americano. Aliás, na segunda metade do século XIX, algumas mulheres já atuavam como jornalistas, mas não produziam matérias investigativas. Ela essencialmente inventou o jornalismo de imersão, primeiro se passando como funcionária de uma indústria têxtil para expor as precárias condições de trabalho que as mulheres enfrentavam na sua cidade natal, Pittsburgh nos anos 1880 (HEMLEY, Kindle Edition, posição 932, tradução da autora)13.

Conhecida como a primeira jornalista investigativa norte-americana, a destemida escritora envolvia-se com o trabalho investigativo numa época em que esta modalidade do jornalismo dava seus primeiros passos. Ao escrever para o jornal New York World, de Joseph Pulitzer, Nellie Bly conquistou o público ao relatar suas aventuras e também os perigos pelos quais passou na apuração dos fatos investigados (HEMLEY, 2012, Kindle Edition, posição 923). O caso em que a jornalista se infiltrou num manicômio feminino para desvendar a forma como as mulheres tidas como doentes eram tratadas pelos médicos e enfermeiras ganhou tanta repercussão que os leitores pediram que a jornalista publicasse um livro. Assim, após a veiculação das descobertas da escritora narradas com altas doses de subjetividade, ela publicou o material em um livro intitulado Ten Days in a Mad-House, em tradução livre, Dez Dias em um Manicômio. Para ingressar nessa perigosa

“She essentially invented immersion journalism, first posing as a sweat-shop worker to expose the appalling conditions under which women toiled in her hometown of Pittsburgh in the 1880s”. 13

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investigação, ela assumiu a identidade de Nellie Brown e precisou fingir-se de louca, já que não havia outra possibilidade de ingressar no local. Nos relatos, a jornalista conta o passo a passo para cumprir sua missão. A narrativa acontece seguindo o tempo conforme os fatos se desenrolaram, com início, meio e fim, sem adotar o formato da pirâmide invertida que posteriormente invadiria as redações. Além disso, Nellie abre para os leitores o que aconteceu nos bastidores de todo o processo vivenciado por ela – desde quando soube do seu editor que deveria se passar por louca, até o final da intensa experiência. Descobriu, afinal, que as condições das pacientes eram degradantes e, por causa de sua publicação, sentiu-se gratificada ao saber que o Estado aumentaria a verba destinada ao manicômio. “Então, eu tenho pelo menos a satisfação de saber que as pobres desafortunadas serão mais bem tratadas por causa do meu trabalho” (BLY, 2014, Kindle Edition, tradução da autora)14. Gostaria que os médicos especialistas que estão condenando-me por meu comportamento, que têm provado suas habilidades, de pegar uma mulher perfeitamente sã e saudável, deixá-la em silêncio e sentada em postura reta de 6h às 20h, sem falar nada nem mover-se durante essas horas, não permitir leitura nem acessar informações sobre o mundo e seus acontecimentos, oferecê-la péssima comida e um severo tratamento, vejam quanto tempo levará para fazê-la louca (BLY, 2014, Kindle Edition, tradução da autora)15.

No entanto, para uma mulher ser uma jornalista naquela época nem sempre significava que seus projetos seriam facilmente aprovados pelo editor do New York World. Há outra experiência de Nellie Bly que foi realizada, mas com relutância. Um ano antes de embarcar na aventura de dar a volta ao mundo, vencendo todos os recordes até então, incluindo o do personagem Phileas Fogg, inventado por Jules Verne em A Volta ao Mundo em 80 dias, a jornalista apresentou sua ideia ao editor do World e eis que a resposta recebida foi: “É impossível para você fazer isso, – foi o seu terrível veredito. – Em primeiro lugar, você é uma mulher e precisaria de um protetor e, mesmo se fosse possível para você viajar sozinha, seria preciso carregar tanta bagagem que iria lhe impedir de fazer mudanças rápidas. Além disso, você não fala nenhum outro idioma além de inglês, então não há razão para falarmos sobre isso; ninguém exceto um homem poderia fazer isso. – Muito bem, – eu disse com raiva, – Comece com

“So I have at least the satisfaction of knowing that the poor unfortunates will be better cared for because of my work”. 15 “I would like the expert physicians who are condemning me for my action, which has proven their ability, to take a perfectly sane and healthy woman, shut her up and make her sit from 6 A. M. until 8 P. M. on straight-back benches, do not allow her to talk or move during these hours, give her no reading and let her know nothing of the world or its doings, give her bad food and harsh treatment, and see how long it will take to make her insane”. 14

38 o homem, e eu começarei no mesmo dia para algum outro jornal e o vencerei (BLY, 2014, Kindle Edition, posição 4135, tradução da autora)16.

Mas em 1889 ela foi chamada justamente para vivenciar tal experiência e registrar por escrito suas aventuras. Era do interesse dos leitores e, acima de tudo, era um sonho já amadurecido na mente da repórter. Assim, ela embarcou com uma pequena mala de mão rumo a Londres, sua primeira parada. O sucesso veio com a publicação de mais um livro, chamado Around the World in Seventy-Two Days, em tradução livre, “A Volta ao Mundo em Setenta e Dois Dias”. Não há consenso, entretanto, sobre a origem do Jornalismo de imersão. Binnie Klein (2010, p. 133) apresenta George Plimpton como o inventor do gênero. Este jornalista ganhou fama nos anos 1960 com a publicação dos livros Out of my League e Paper Lion, em que descreve sua participação como um homem comum jogando em times profissionais de beisebol e futebol americano, respectivamente. Além disso, sua forma de escrever pode ser comparada ao estilo gonzo criado por Hunter Thompson, já que ele é o personagem principal das histórias e passou, de fato, por uma imersão profunda para contar os bastidores de atletas dessas duas modalidades esportivas. Aliás, como também já fora mencionado, a imersão de Nellie Bly nas histórias investigadas também se assemelha ao estilo gonzo de Thompson. Enquanto Hemley e Klein definem o jornalismo de imersão com precisão, Daniel Kalvø (2015, p. 21) encontra dificuldades em descrevê-lo. No entanto, Kalvø também reconhece que este método é, por vezes, relacionado ao gonzo, ao Novo Jornalismo ou, ainda, ao jornalismo literário. O autor afirma que as semelhanças compartilhadas por estas classificações são a preferência por temas reais, a necessidade de extensa pesquisa e as mensagens deixadas nas entrelinhas. ‘Jornalismo de imersão’ não é, em muitos modos, uma expressão nova. O termo é usado em diversas formas, por diferentes pessoas, para explicar uma enorme variedade de diferentes coisas. A palavra ‘imersão’ por si só é bem autoexplicativa, mas pode ter mais de um significado. [...] Assim, a prática do jornalismo de imersão pode ser vista como um exercício de empatia que tenta explicar as realidades de terceiros e como eles encaram seus próprios problemas, o que nos oferece uma chance de entender como outras pessoas vivem suas vidas

“‘It is impossible for you to do it’, was the terrible verdict. ‘In the first place you are a woman and would need a protector, and even if it were possible for you to travel alone you would need to carry so much baggage that it would detain you in making rapid changes. Besides you speak nothing but English, so there is no use talking about it; no one but a man can do this.’ ‘Very well,’ I said angrily, ‘Start the man, and I'll start the same day for some other newspaper and beat him’”. 16

39 com base em um caráter humano (KALVØ, 2015, p. 21, tradução da autora)17.

Para Eva Domínguez-Martín, o jornalismo de imersão está mais relacionado ao literário. De acordo com ela, para que um repórter narre uma realidade por meio do jornalismo de imersão, é preciso conhecê-la em profundidade e investir tempo na investigação. “A imersão do repórter se apresenta como condição necessária para conseguir a posterior imersão da audiência no relato jornalístico” (DOMÍNGUEZMARTÍN, 2013, p. 87, tradução da autora)18. Além disso, Domínguez-Martín cita a obra Hells’s Angels: Medo e Delírio sobre duas rodas, de Hunter S. Thompson, já mencionada no capítulo 1, como um exemplo de jornalismo de imersão. O autor classificou seu trabalho como jornalismo gonzo, que é uma vertente do Novo Jornalismo e, portanto, literário. “Thompson, de observador de uma realidade, passava a ser participante dela” (DOMÍNGUEZ-MARTÍN, 2013, p.88, tradução da autora)19. No cenário brasileiro, Temer, Assis e Santos (2014, p. 79) enxergam o jornalismo de imersão como uma prática deixada em segundo plano, “além de ser termo carente de conceituação e – por que não dizer? – de problematização”. Os autores definem jornalismo de imersão como: [..] um método de apuração de informações no qual repórteres se inserem no ambiente dos acontecimentos [...] para compreendê-los e, posteriormente, transformá-los em narrativas que ultrapassam relatos frios e objetivos tal como pressuposto pelo formato notícia (TEMER, ASSIS e SANTOS, 2014, p. 80).

A tecnologia avançou a certo ponto que a imersão no jornalismo transcendeu a mídia impressa, o audiovisual e outras formas de se produzir notícia. Com o emprego da realidade virtual no jornalismo, houve a necessidade da utilização de outro conceito que explicasse e caracterizasse as novas sensações imersivas por ele provocadas. Murray (2003, p. 101) conceituou imersão na narrativa, com base na definição estabelecida pela física para explicar imersão, visando atrelar seu significado à literatura. Para exemplificar como as ferramentas digitais provocam a imersão, a autora cria uma “‘Immersion journalism’ is in many ways not a new expression, and is used in many different ways, by different people, to explain a whole variety of different things. The word ‘immersion’ itself is quite selfexplanatory, but can have more than one meaning. […]In this respect, it can be seen as a sort of exercise in empathy, trying to explain the realities of others, and how they face their own problems, offering us the chance to relate to how other people live their lives on a basic human level”. 18 “La inmersión del reportero se presenta como condición necesaria para conseguir la posterior inmersión de la audiencia en el relato periodístico”. 19 “Thompson pasaba de ser observador de una realidad a participante de ella”. 17

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analogia entre o funcionamento da internet e o célebre cavaleiro criado por Cervantes. “Diferentemente dos livros de Dom Quixote, o meio digital leva-nos a um lugar onde podemos encenar nossas fantasias” (MURRAY, 2003, p. 101). Dom Quixote foi dado como louco não por ler demais, mas por acreditar que tudo que lia era real. Assim, Murray compara a sensação que uma narrativa envolvente provoca no leitor com o que o cérebro humano sente quando um indivíduo passa pela experiência de ver algo pela realidade virtual. Uma narrativa excitante, em qualquer meio, pode ser experimentada como uma realidade virtual porque nossos cérebros estão programados para sintonizar nas histórias com uma intensidade que pode obliterar o mundo à nossa volta (MURRAY, 2003, p. 101, grifo da autora).

De acordo com Nonny de la Peña (et. al, 2010, p. 291), pioneira no estudo da realidade virtual aplicada à produção de notícias, o jornalismo imersivo permite que o participante, tipicamente representado por um avatar digital, entre em um cenário virtualmente recriado, como se fosse o local de onde os fatos narrados aconteceram. A autora salienta que a ideia fundamental do jornalismo imersivo “é permitir que o participante, de fato, entre em um cenário virtualmente recriado, representando a notícia” (DE LA PEÑA et al, 2010, p. 292, tradução da autora)20. A sensação de presença obtida por meio de um sistema imersivo [...] permite que o participante acesse os ambientes e sons e, possivelmente, os sentimentos e emoções que acompanham a história (DE LA PEÑA et al, 2010, p.291, tradução da autora)21.

Assim, a intenção do jornalismo imersivo assemelha-se à afirmação feita por Murray, no que tange a possibilidade de o público conseguir experimentar sensações por meio do meio digital. De acordo com Domínguez-Martín (2015, p. 414), o jornalismo imersivo aumenta a sensação de se explorar um lugar. “O jornalismo imersivo é uma forma narrativa que busca a imersão através de técnicas interativas e visuais consistentes em fomentar o papel ativo do usuário no relato de uma experiência sensorial de exploração do espaço” (DOMÍNGUEZ-MARTÍN, 2015, p. 414, tradução da autora)22.

“[…] is to allow the participant to actually enter a virtually recreated scenario representing the news story”. 21 “The sense of presence obtained through an immersive system affords the participant unprecedented access to the sights and sounds, and possibly feelings and emotions, that accompany the news”. 22 “El periodismo inmersivo es una forma narrativa que busca la inmersión a través de técnicas interactivas y visuales consistentes en fomentar el rol activo del usuario en el relato y una experiencia sensorial de exploración del espacio”. 20

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Para promover uma cobertura imersiva do conflito na Síria, Peña utilizou a plataforma de desenvolvimento de jogos Unity. Assim, criou o Projeto Síria, que “inclui fotos de vítimas e reproduções da arquitetura local. As imagens são renderizadas em 3D e se transformam em uma experiência virtual com ajuda do Oculus Rift” (MALAGUETAS, 2015). O Oculus Rift é um dispositivo tecnológico que permite a visualização de imagens em realidade virtual. A marca pertence ao Facebook, que comprou a empresa criadora do dispositivo. De acordo com Domínguez-Martín (2015, p. 415), o Projeto Síria recria imagens gravadas de um ataque em Alepo em que crianças são atingidas, passando para o público a sensação de estar presente no local. Há outros disponíveis no mercado além do Oculus Rift. Um exemplo é o Google Cardboard, conforme fora explicado na introdução. Para visualizar os vídeos em realidade virtual, é necessário baixar um dos aplicativos que disponibilizam este tipo de vídeo e colocar o smartphone no interior do cardboard, em que as lentes criarão o efeito de imersão. O próprio YouTube, o aplicativo de vídeos do Google oferece a possibilidade de publicar e de visualizar vídeos em realidade virtual. A primeira reportagem em realidade virtual colocada à disposição do público foi produzida pela Vice Media e disponibilizada para download via o aplicativo VRSE23. Gravada em dezembro de 2014 e publicada em janeiro de 2015, VICE News VR: Millions March (Milhões Marcham, tradução livre) aborda a questão da violência policial contra negros, na cidade de Nova Iorque. Para cobrir uma manifestação em dezembro de 2014 contra a agressividade policial, a Vice utilizou uma câmara que grava imagens em 360°. A reportagem contou com a produção do diretor de criação da Vice News, Spike Jonze, em parceria com o cineasta e criador do aplicativo VRSE, Chris Milk. Embora o conteúdo também possa ser visualizado sem o cardboard, a sensação de quem assiste ao vídeo por meio dele é mais intensa, devido à imersão provocada e à liberdade de olhar para lados diferentes, como se estivesse presente ao protesto. Dessa forma, a experiência torna-se única para cada pessoa. Há, contudo, elementos do jornalismo tradicional presentes, a exemplo de entrevistas com participantes da manifestação e as passagens de uma repórter, como ocorre em matérias televisivas. Outro exemplo é o vídeo em realidade virtual produzido pelo canal Broadly, pertencente à Vice, com apoio da marca Vaseline. A reportagem imersiva, com 4:37

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O VRSE é um aplicativo que oferece espaço não apenas a empresas jornalísticas, mas também a bandas, produtoras de filmes, dentre outras que queiram propagar na internet seus vídeos gravados em 360º.

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minutos, mostra como a sacerdotisa Manbo Katy utiliza práticas do vodu para resgatar a esperança de pessoas que perderam parentes no terremoto que assolou o Haiti em 2010. A Broadly juntou-se à realizadora vencedora de um Oscar da Academia, Lucy Walker, para conhecer melhor os rituais de cura no Haiti. Em Portau-Prince encontramo-nos com Manbo Katy, sacerdotisa que conjura espíritos para a ajudarem a melhorar a vida dos membros da sua comunidade. Seis anos depois do terramoto de 2010, que matou cerca de 160 mil pessoas e deixou mais de um milhão sem casa, o Haiti vive ainda um período de dificuldades extremas e muitos procuram ajuda para curarem problemas físicos, emocionais e espirituais (VICE, 2016).

Também há uma versão estendida do documentário, com 14:39 minutos, disponível no YouTube. Vale dizer que as duas versões estão disponíveis no YouTube. Para assistir à reportagem imersiva gravada em 360°, deve-se utilizar os navegadores Chrome ou Firefox, no computador, ou utilizar o aplicativo VRSE, no smartphone. Como já mencionado no capítulo anterior, este aplicativo permite que o vídeo seja assistido com ou sem o Google Cardboard. No entanto, para a melhor experiência imersiva, o mais indicado é utilizar o cardboard para conferir o material. Conforme indica a descrição da reportagem no site da Vice de Portugal, a proposta foi mostrar a realidade vivida pela sacerdotisa, realizando as práticas das suas crenças na busca por oferecer conforto aos parentes das vítimas. Acompanhamos a sacerdotisa e aqueles cujas vidas ela tocou, enquanto se juntam em comunhão, enfeitam o templo e preparam homenagens aos mortos, numa cerimónia imersiva e transformativa que tem como objectivo chamar os espíritos para que protejam a comunidade (VICE, 2016).

Tanto a reportagem produzida no Haiti quando a gravada em Nova Iorque evidenciam a preocupação da Vice em promover um jornalismo que consiga imergir o público na história relatada. As práticas do vodu no Haiti não produziriam o mesmo efeito no leitor se fossem contadas em um formato de texto. A imersão intensifica-se com o uso das imagens, em conjunto com as informações contidas na história. Com isso, a convergência desponta como um conceito fundamental para transmitir a imersão de uma forma mais eficaz. A iniciativa da Vice provocou um rebuliço na mídia. Seguindo a tendência, o New York Times produziu diversos vídeos gravados em 360° ao longo de 2015. Ainda que, em um primeiro momento, os vídeos tenham sido publicados no mesmo aplicativo, VRSE, esta empresa de mídia expandiu o investimento, por meio da criação de um aplicativo próprio, chamado NYT VR, em que as reportagens em realidade virtual foram agrupadas, estando todas disponíveis para download gratuito.

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2.2 A influência das novas tecnologia na narrativa jornalística A partir dos anos 2000, o jornalismo literário expandiu-se para outros formatos além do texto, transcendendo, pois, sua forma convencional, conforme ressaltam Jacobson, Marino e Gutsche (2015, p. 2). A convergência de mídias favoreceu a produção de reportagens literárias multimídia e notícias produzidas para adequarem-se ao desktop e às telas dos smartphones, bem como para serem compartilhadas nas mídias sociais. Assim como os jornalistas do século XVII usavam xilogravuras para permitir a produção em massa de ilustrações, os jornalistas de hoje apropriam-se do fotojornalismo, infográficos e transmissões televisivas. Com isso, os autores afirmam que a tecnologia abre espaço para que o design e a mixed media, ou mídia mista em português, permitam a criação de diferentes formatos de storytelling (COOKE, 2005, GUTSCHE, 2011, e SCHACK, 2014, apud JACOBSON, MARINO e GUTSCHE, 2015, p. 5). Corroborando esse pensamento, o termo transmídia, concebido por Henry Jenkins em 2003, e aperfeiçoado, em 2008, no livro “Cultura da Convergência”, auxilia a explicação de como a narrativa pode se complementar, por meio da junção de diferentes ferramentas, desde que, uma vez separados, cada suporte mantenha o sentido da história (ALZAMORRA e TÁRCIA, 2012, p. 24). Uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada meio faz o que faz de melhor [...] (JENKINS, 2008, apud ALZAMORA e TÁRCIA, 2012, p. 24).

Isso significa que, se uma mesma história estiver disponível na internet em diferentes mídias, como podcast, texto e vídeo, cada uma delas transmitirá uma mensagem que faça sentido ao internauta, independentemente das demais. Para Henry Jenkins (2009, p. 41), diferentes mídias, cujas origens datam de períodos longínquos, se complementam. Com isso, os meios de comunicação não desaparecem com o surgimento de novas tecnologias. No entanto, de acordo com o autor, há ferramentas associadas a cada meio que podem, sim, tornarem-se obsoletas. O que acontece é uma renovação de como eram utilizadas, de forma que possam adaptar-se aos novos meios. “Tecnologias de distribuição vêm e vão o tempo todo, mas os meios de comunicação persistem como camadas dentro de um estrato de entretenimento e informação cada vez mais complicado” (JENKINS, 2009, p. 41). Cada meio antigo foi forçado a conviver com os meios emergentes. É por isso que a convergência parece mais plausível como uma forma de

44 entender os últimos dez anos de transformações dos meios de comunicação do que o velho paradigma da revolução digital. Os velhos meios de comunicação não estão sendo substituídos. Mais propriamente, suas funções e status estão sendo transformados pela introdução de novas tecnologias (JENKINS, 2009, p. 41 e 42).

Ao compararem a literatura eletrônica ao jornalismo digital, Aguiar e Barsotti primeiro distinguem o que caracterizaria tais gêneros. Para os autores, não são os meios em que são veiculados – no caso, os digitais – que delimitam suas fronteiras, e sim as novas possibilidades de narrar trazidas pela multimidialidade, interatividade e hipertexto. Se um jornalista de veículo impresso hoje pode gravar um vídeo, lançar mão de um infográfico animado ou de uma entrevista gravada em áudio para produzir sua reportagem na Internet, o que distinguirá o jornalismo televisivo do impresso e do radiofônico no futuro? Se, no mundo analógico, as fronteiras persistirem, elas se tornarão cada vez mais frágeis na tela do computador (AGUIAR e BARSOTTI, 2010, p. 12).

De acordo com Berning (2011, p. 3), o jornalismo literário publicado online ilustra as técnicas de ficção utilizadas na época do Novo Jornalismo, com o intuito de trazer autenticidade ao conteúdo. Assim, a autora aponta que “a internet tornou-se uma plataforma promissora para textos jornalísticos e, mais precisamente, reportagens literárias” (BERNING, 2011, p. 4, tradução da autora)24. Com isso, ao adotar as técnicas empregadas nos anos 1960, o jornalismo online atual reinventa a narrativa, oferecendo ao leitor a impressão de que pode imergir ainda mais na história. As propriedades eletrônicas específicas do ciberespaço, hipertextualidade, multimidialidade e interatividade, não apenas permitem novas possibilidades narrativas, mas também oferecem meios aperfeiçoados de imersão para o leitor” (BERNING, 2011, p. 4, tradução e grifos da autora)25.

No ano 2000, Royal já afirmava que a forma de produzir jornalismo literário poderia ser ampliada devido à hipertextualidade, multimidialidade e interatividade trazidas pela internet. Royal (2000, p. 12) salienta que a voz da narrativa na internet é expandida devido à possibilidade da aplicação da interatividade ao conteúdo jornalístico, oferecendo ao leitor modos de participação no relato. Assim, Royal (2000, p. 17) relaciona os recursos interativos – seja por meio da participação do leitor na criação da história, seja pela existência de grupos de discussão, bate-papos ou até mesmo e-mail – a

“[…] the Internet has become a prominent platform for the publication of journalistic texts, and more precisely, literary reportages”. 25 “The specific electronic properties of cyberspace, that is, hypertextuality, multimediality and interactivity, not only allow for new narrative possibilities but also offer enhanced means of immersion for the reader”. 24

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técnicas de imersão. “A Web providencia muitos recursos que suportam um ambiente imersivo” (ROYAL, 2000, p. 16, tradução da autora) 26. Jacobson, Marino e Gutsche (2015, p.13) destacam a multimidialidade presente numa publicação da New York Times Magazine, chamada Dream Boat, em tradução livre, “Barco dos Sonhos”. A matéria aborda uma viagem de refugiados da Indonésia rumo à Austrália. Para acompanhar o texto, há no post um vídeo filmado pelos jornalistas que estavam a bordo do barco. Se não fosse pelas imagens, o leitor talvez não tivesse a dimensão das dificuldades enfrentadas pelos refugiados. O recurso multimídia permite que haja essa mistura entre mídias, texto e vídeo, ampliando a imersão do público na história. “O curto vídeo revela para o público, em um nível visceral, o risco inerente na viagem – um risco que pode ser perdido pela abstração da descrição textual” (JACOBSON, MARINO e GUTSCHE, 2015, p.13, tradução da autora)27. Vale ressaltar que o vídeo está integrado ao post, iniciando automaticamente, sem que haja a necessidade de um comando. Royal (2000, p. 14) observa que o jornalismo literário pode apresentar outras técnicas além das quatro mencionadas por Wolfe, conforme explicação no capítulo anterior. Dentre elas, a autora cita a digressão significativa, por meio da qual o autor aplica a não-linearidade à narrativa; e uso criativo da linguagem, que permite o emprego do coloquialismo. Mesmo que os recursos tecnológicos ofereçam novas possibilidades ao jornalismo, o vigor original do Novo Jornalismo dos anos 1960 permanece. Não é à toa que, por exemplo, a jornalista Louise Kiernan foi finalista de um Pulitzer em 2001. Quando escreveu uma matéria para o Chicago Tribune sobre a morte de uma mulher, Kiernan (2007, p. 145) foi além da construção de uma notícia meramente objetiva. Ela adotou recursos literários para explicar a causa do acidente – o impacto provocado pela queda de um pedaço de vidro de janela. Logo na primeira frase, isso fica claro: “O vidro cai como uma sombra, rápida e silenciosa, uma mancha escura mergulhando através da atmosfera úmida” (KIERNAN, 2007, p. 145, tradução da autora)28. A metáfora entre o vidro e uma sombra não foi, contudo, fruto da criatividade da jornalista, nem de licença

“The Web provides many features that will support an immersive environment”. The short video reveals to the audience, on a visceral level, the risk inherent in the voyage – a risk that may be lost through the abstraction of textual description. 28 “The glass falls like a shadow, swift and silent, a dark blur swooping through the wet sky”. 26 27

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poética, tampouco de observação, mas, sim, do laudo da polícia, que também fora usado para rastrear testemunhas e entrevistá-las (KIERNAN, 2007, p. 145). Portanto, é preciso ter cautela com o determinismo tecnológico. Aguiar e Barsotti (2010, p. 14) afirmam que deve-se evitar a “exaltação à técnica”. Para eles, “a riqueza das narrativas não residirá nas novas tecnologias, mas na capacidade de domá-las” (AGUIAR e BARSOTTI, 2010, p. 14). Os autores enfatizam que “cada período histórico busca suas formas de expressão artística para melhor refletir sua cultura. Mas seu valor não está na forma, e sim no significado” (AGUIAR e BARSOTTI, 2010, p. 14). 2.3 O infotenimento no jornalismo O jornalismo não tem apenas o objetivo de informar temas de interesse público, pois busca também instigar os leitores por meio de um conteúdo que seja atraente para eles. No entanto, essa característica não é uma novidade trazida pelas novas tecnologias. Muito pelo contrário, já que desde os primórdios do jornalismo como um modelo de negócio capitalista, com origens remetendo ao século XIX, a imprensa busca criar um conteúdo leve e prazeroso, que sirva para momentos de lazer e descontração. Aguiar (2008) lembra que a relação entre informação e entretenimento é uma característica da imprensa desde o período da penny press, quando os jornais exploravam o sensacionalismo e os folhetins, como já mencionado no capítulo 1. Por meio de tais estratégias e do preço de um centavo, os jornais conseguiram aumentar seu público. Nesta linha de análise, Traquina (2005: 50) lembra que a criação de um “novo jornalismo” no século XIX – a penny press, com o exemplar vendido ao equivalente a um centavo – conseguiu não só aumentar a circulação dos jornais, mas, com preço acessível, também passou a incorporar um público mais amplo e generalizado, além de politicamente menos homogêneo (AGUIAR, 2008, p. 18).

A origem do termo infotenimento, contudo, é mais recente. De acordo com Barsotti e Aguiar (2013, p. 308), este neologismo foi criado na década de 1980, nos Estados Unidos, e significa a união de notícia com diversão. Embora o entretenimento já estivesse presente na mídia impressa desde o século XIX, Francisco de Assis (2009, p. 6) ressalta que diversos estudos sobre a história do jornalismo atribuem a origem do gênero diversional ao Novo Jornalismo, iniciado nos Estados Unidos na década de 1960. Seguindo essa linha de pensamento, Erbolato (2006, apud Assis, 2009, p. 7), chama o Novo Jornalismo de Jornalismo Diversional. Dejavite (apud Assis, 2009, p. 7 e 8), embora não considere o infotenimento um gênero jornalístico, e sim uma “especialidade” traz uma definição para o termo condizente com as demais:

47 O jornalismo de INFOtenimento é o espaço destinado às matérias que visam informar e divertir, como, por exemplo, os assuntos sobre estilos de vida, as fofocas e as notícias de interesse humano – os quais atraem, sim, o público. Esse termo sintetiza, de maneira clara e objetiva, a intenção editorial do papel de entreter no jornalismo, pois segue seus princípios básicos ao mesmo tempo que atende às necessidades de informação do receptor dos dias de hoje. Enfim, manifesta aquele conteúdo que informa com diversão (DEJAVITE, 2006, apud ASSIS, 2009, p. 8).

Aguiar (2008, p. 17) acredita que o entretenimento marca presença em “notícias sobre comportamento, interesse humano, programas de televisão, filmes, música, moda, previsão do tempo e esportes”. De maneira semelhante, Amaral não enxerga o infotenimento na seção de notícias factuais ou de interesse público, mas sim naquelas formadas por fatos que fogem à normalidade, as consideradas “bizarras”, que distraem e surpreendem. Podem ser enquadradas como entretenimento as notícias que não têm o propósito de ampliar o conhecimento das pessoas sobre o que ocorre cotidianamente no mundo e ficam limitadas a contar histórias interessantes, insólitas e surpreendentes desconectadas do contexto social (AMARAL, 2008, p. 67).

Apesar de ser normalmente associado ao conteúdo produzido, o infotenimento também pode estar presente na forma de entregar o conteúdo ao público. Assim, newsgames, ou seja, jogos online cujo objetivo é informar e entreter, ao mesmo tempo, também podem ser enquadrados na categoria de infotenimento. Afinal, os jogos são desenvolvidos não apenas para instigar o público e informá-lo, mas também diverti-lo com base em seus formatos. A origem do termo é atribuída ao designer Gonzalo Frasca, conforme aponta Marciano (2012, p. 38), que discorre sobre a relação entre jornalismo e jogos. Para o autor, os newsgames tornam a experiência mais participativa. Segundo Tiago Dória, o termo newsgames refere-se a jogos feitos com base em notícias ou acontecimentos em curso. Foi criado em 2003 pelo designer Gonzalo Frasca, desenvolvedor do September 12th considerado um dos primeiros newsgames, que simula o combate ao terrorismo (MARCIANO, 2012, p. 38).

Nonny de la Peña (2010, p. 292) acredita que os newsgames são uma forma de o jornalismo promover interatividade. De acordo com de la Peña, o objetivo dos jogos seria que o internauta assumisse o papel de jornalista, exercendo suas funções, de forma que, assim, obtivesse as informações, como se ele próprio as tivesse coletado. O público poderia interagir com o processo de criação da notícia, por meio de um jogo, sendo informado não apenas sobre o conteúdo da notícia por trás dele, mas também sobre como uma notícia é construída.

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Um bom exemplo que ilustra a definição da autora é o primeiro jogo produzido pela Al Jazeera, chamado Pirate Fishing, ou Pesca Pirata, em tradução livre, divulgado em setembro de 2014. A empresa obteve sucesso ao dar este passo na produção de newsgames, pois o jogo recebeu o prêmio de melhor mídia digital29 pelo One World Media Awards, em junho de 2015 (AL JAZEERA, 2014). Esse newsgame leva o público aos bastidores de uma investigação jornalística sobre a pesca ilegal praticada em Serra Leoa. O lead da notícia foi substituído por uma forma de mostrar os fatos na ordem cronológica em que se sucederam. A técnica da pirâmide invertida, que conta a notícia baseada em graus de importância e prioridade, foi deixada de lado. O internauta inicia a jornada como um repórter júnior e, conforme avança no jogo, junta as pistas e provas da investigação, avançando nas fases até tornar-se repórter sênior. A história poderia ser contada no tradicional formato de documentário, que foi produzido em 2012, mas os recursos digitais possibilitaram trabalhar os vídeos de uma forma criativa, que aproveitasse a interatividade para atrair a atenção do público. De acordo com a jornalista responsável pela investigação da pesca pirata em Serra Leoa, Juliana Ruhfus, os jovens sentem vontade de participar da produção midiática ao invés de tomarem uma posição passiva, como as gerações passadas (AL JAZEERA, 2014). Ainda que a informação, nesse caso, não se identifique com algo relacionado ao mundo das celebridades, do esporte ou de notícias sobre crimes passionais – assuntos normalmente associados ao entretenimento –, a forma como ela foi entregue não corresponde ao jornalismo tradicional. Assim, o infotenimento é um conceito que pode ser empregado aqui para caracterizar esse newsgame. O infotenimento é encontrado, portanto, não apenas no gênero diversional, aparecendo em formatos tradicionais, como jornais, revistas e programas televisivos, mas também no gênero informativo por meio dos novos formatos de mídia, como infográficos, newsgames e reportagens multimídia. No Brasil, Aguiar e Barsotti (2013, p. 311) exemplificam o emprego do infotenimento em reportagens multimídia do Globo a Mais, revista digital vespertina do jornal O Globo, que ficou disponível para assinantes de janeiro de 2012 a maio de 2015. Seu conteúdo podia ser acessado em tablets, dispositivos com telas sensíveis ao toque. Algumas matérias utilizaram recursos tecnológicos que buscavam transmitir sensações

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O nome original é Best Digital Media Award.

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aos leitores. Uma delas é “Tiros na tela”, que abordava a influência de filmes norteamericanos em atentados na vida real. “Quando o leitor chegava à página inicial da reportagem, era saudado com o barulho de um tiro e um efeito que simulava uma tela de vidro estilhaçada por uma bala” (AGUIAR e BARSOTTI, 2013, p. 311). Dessa forma, a reportagem não apenas informa, como também envolve o leitor no tema retratado. Além de provocar sensações, havia publicações que empregavam newsgames como forma de entreter o público e informá-lo ao mesmo tempo. Ainda no que diz respeito às sensações provocadas por conteúdo jornalístico, de la Peña explica como a imersão atrelada à realidade virtual é eficaz para transpassar a mensagem de uma forma envolvente ao leitor. A sensação de presença obtida por meio de um sistema imersivo [...] permite que o participante acesse os ambientes e sons e, possivelmente, os sentimentos e emoções que acompanham a história (DE LA PEÑA et al., p.291, tradução da autora)30.

Com o intuito de provocar sensações, o jornalismo imersivo também apresenta características do infotenimento. Como já mencionado, a Vice foi pioneira no uso de vídeos que transportam o público à cena retratada pela utilização do recurso da realidade virtual, com o objetivo de estimular sensações. No entanto, considerando que não há frequência na produção deste tipo de reportagem, a preferência deste estudo foi por analisar posts produzidos ao longo de uma semana, em metodologia a ser detalhada no próximo capítulo.

The sense of presence obtained through an immersive system […] affords the participant unprecedented access to the sights and sounds, and possibly feelings and emotions, that accompany the news”. 30

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3. ANÁLISE DE CONTEÚDO: VICE MEDIA Considerando a proposta deste trabalho – verificar se há a reinvenção do jornalismo gonzo na internet –, o terceiro capítulo agrega as informações gerais mais relevantes sobre a Vice, a empresa escolhida para a análise de conteúdo. Após o histórico, é apresentada a metodologia adotada. Em seguida, tem início a análise de conteúdo das publicações consideradas como “jornalismo gonzo”. Com o objetivo de averiguar se a hipótese levantada na introdução do trabalho é sustentada por evidências que a comprovem, verificarei se os elementos do jornalismo literário, de imersão e gonzo, apresentados nos capítulos anteriores, têm se manifestado no site da Vice. Além disso, como será discutido no decorrer deste capítulo, o trabalho classificou as reportagens que foram selecionadas para a análise em níveis de imersão distintos. 3.1 Sobre a VICE Media A empresa começou como uma pequena revista chamada Voice of Montreal – em português, Voz de Montreal, em 1994. Os fundadores Shane Smith, Suroosh Alvi e Gavin McInnes modelaram um conteúdo que imprimisse características da contracultura. O assunto inicialmente abordado era referente ao cenário musical e a revista era distribuída gratuitamente nas ruas ou em lojas de discos. Smith detinha um talento para a venda de anúncios publicitários e o negócio começou a decolar. A marca foi renomeada para Vice Media e, em 1996, foi criado o site Viceland.com, considerando que o domínio Vice.com já estava sendo usado. Pouco depois, em 2001, a sede foi transferida para o Brooklyn, em Nova Iorque, nos Estados Unidos (KÜNG, 2015, Kindle Edition, posição 1732). Em 2007, Spike Jonze tornou-se diretor criativo da Vice. Nesse mesmo ano, a empresa fechou um negócio com Tom Freston, CEO da Viacom, proprietária da MTV, com o objetivo de criar a rede de vídeos online VBS.TV. O investimento inicial ficou a cargo da MTV, e a produção de conteúdo, da Vice que, em 2011, comprou a rede por uma quantia não revelada. Com essa aquisição, a rede VBS.TV foi unida ao site Viceland.com, que passaram a utilizar o domínio Vice.com. Para continuar investindo na produção de vídeos, a Vice contou com investimentos do Google que buscava incentivar marcas a usarem o YouTube por meio da criação de canais. Ao ser uma das empresas selecionadas, a Vice recebeu um incentivo equivalente a U$100 milhões, e passou a utilizar a plataforma de vídeos do Google para divulgar seus documentários (KÜNG, 2015, Kindle Edition, posição 1747).

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Em 2014, a companhia 21st Century Fox, de Rupert Murdoch, adquiriu 5% de participação da Vice Media e, pouco tempo depois, A&E, pertencente à Disney e à Hearst Corporation, comprou 10%. (KALVØ, 2015, p. 50). Ao longo dos anos, desde a sua criação como uma pequena revista punk em Montreal, no Canadá, a empresa passou por um grandioso crescimento e “tornou-se uma abrangente plataforma de notícias e um grupo de entretenimento avaliado em mais de U$2,5 bilhões” (ADWEEK, 2014, tradução da autora)31. Esse valor quase dobrou até 2016. Hoje, a companhia vale US$4 bilhões (CNN, 2016). O conteúdo mantém uma relação bastante próxima com o infotenimento, estilo detalhado no capítulo anterior que mistura informação com entretenimento, visando atingir o público-alvo: os millennials, como são chamados os jovens da geração Y, nascidos entre o fim da década de 1970 e meados dos anos 1990. Silva (2010, p. 43) argumenta sobre o interesse dos leitores hoje em dia. As possibilidades que a internet oferece são muitas e, portanto, as empresas de mídia devem produzir conteúdo que desperte os interesses do público, sejam eles voltados para conteúdo em vídeo, texto, fotografias, dentre outros. Silva exemplifica o caso do New York Times que, em 2009, deixou de se identificar como um jornal impresso para ser considerado uma empresa de informação. A justificativa para tal decisão, apontada por Silva, é aproximar-se dos leitores que migraram para outras formas de acessar conteúdo jornalístico. “A questão é, em que diabos de lugar se esconderam os leitores? A resposta para muitos especialistas é categórica, o leitor está na internet” (SILVA, 2010, p. 43). A Vice Media está presente na internet por meio do site segmentado nos seguintes canais: 1) Vice (canal principal que agrega as principais publicações da empresa); 2) Vice Video (disponível em inglês, agrega as produções audiovisuais); 3) Viceland (disponível em inglês, é o site do canal de televisão da companhia); 4) Vice News (voltado para o conteúdo de notícias hard news); 5) Noisey (conteúdo sobre o meio musical); 6) Motherboard (conteúdo sobre ciência e tecnologia); 7) Broadly (voltado para conteúdo de interesse feminino); 8) Munchies (assuntos de gastronomia); 9) Vice Sports (conteúdo relacionado a esportes); 10) The Creators Project (voltado para criatividade, arte e tecnologia); 11) Thump (conteúdo sobre música eletrônica e cultura); 12) i-D (assuntos sobre moda, música e cultura); 13) Fightland (assuntos sobre luta); e 14) Vice on HBO (publicações sobre os documentários que passam na série da Vice News no canal HBO).

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“[…] has become a platform-spanning news and entertainment group valued at more than $2.5 billion”.

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Ao contrário das demais companhias, a Vice produz conteúdo patrocinado por empresas e, por isso, é criticada por defensores de que o editorial não se deve misturar com o comercial. As críticas com relação à Vice dizem respeito a produção de marketing de conteúdo para marcas, o que confundiria o objetivo de algumas matérias: seriam jornalismo ou publicidade? Sobre isso, Shane Smith garante que não há influência entre o patrocinador e a condução da matéria. “Smith disse em uma entrevista ao The Guardian: ‘nós não fazemos marketing de conteúdo, nós fazemos conteúdo patrocinado por marcas’” (KALVØ, 2015, p. 51, tradução da autora)32. Para a análise de conteúdo, foi escolhida a classificação de publicações chamada Stuff, em tradução livre, “Coisas”, que aborda assuntos variados, do site da Vice dos Estados Unidos. Foram desconsideradas as publicações Stuff dos demais canais da companhia. Com isso, foram excluídos os canais da Vice patrocinados por empresas como, por exemplo, o The Creators Project, patrocinado pela Intel e o Broadly, pela Unilever. A Vice possui, ainda, canais no YouTube e conteúdo criado, especialmente, para o aplicativo Snapchat. Quanto à presença na televisão, além da série de documentários da Vice News transmitida pela HBO, a empresa também possui um canal de televisão próprio, chamado Viceland, cujo lançamento ocorreu em 29 de fevereiro de 2016. O grupo Vice também marca presença nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram, Tumblr, Soundcloud e Pinterest, além de aplicativos para smartphones. Apesar de ser amplamente divulgada no meio digital, a Vice ainda produz a revista impressa, de periodicidade mensal, que pode ser assinada por um pacote de 10 edições, nas versões norte-americana ou canadense por U$25, ou na versão global por U$75. Vale dizer que a revista também está disponível em versão digital gratuita via o aplicativo Vice Magazine. Em 2013, Shane Smith revelou que seu desejo era de que a Vice fosse a sucessora da CNN e da ESPN (THE GUARDIAN, 2013). No ano seguinte, afirmou que a companhia visa produzir um bom conteúdo, ter a maior quantidade possível de olhos voltados para ver este conteúdo, e angariar receita para continuar investindo na produção de conteúdo (ADWEEK, 2014). Em 2016, veio a criação do canal de televisão Viceland.

“On defending himself of accusations of branded content, Smith said this in an interview with The Guardian: ‘we don't do branded content, we do content sponsored by brands’”. 32

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Com isso, a empresa deu um passo decisivo nos negócios, investindo em um mercado que até então não havia explorado. A Vice caracteriza-se pelo conceito de jornalismo de imersão. Assim, produz um conteúdo alternativo ao jornalismo convencional, aqui considerado como aquele que tem por base o ideal da objetividade, que adota a técnica da pirâmide invertida e do lead. A descrição da Vice no site corrobora a afirmativa de adotar técnicas imersivas em seu conteúdo. O jornalismo de imersão da VICE oferece um ponto de vista ímpar e inigualável na mídia convencional. Com foco na cobertura noticiosa, VICE lidera o posto para definir “notícia” no século XXI. Apenas em 2012, enviamos repórteres para cobrir conflitos no Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Gaza, Libéria, e Congo, e nós estamos dedicados a trazer hard news para os jovens no estilo idiossincrático da VICE (VICE, tradução e grifos da autora)33.

Dessa forma, a descrição da Vice no site reforça o objetivo da companhia de adotar técnicas do jornalismo de imersão em seu conteúdo. 3.2 Metodologia Como metodologia para este trabalho sobre a Vice Media, escolhi aplicar a análise de conteúdo. Para isso, durante a semana de 17 a 23 de abril de 2016, foram recolhidas as reportagens classificadas como Stuff no site da Vice dos Estados Unidos. Apenas as publicações classificadas como Stuff, postadas no site da Vice foram consideradas, sem que estivessem relacionadas aos demais canais da companhia. A Stuff é uma seção que aborda assuntos variados, unindo material que trabalha com mídias diversas, ou apenas texto com hiperlinks. Por meio da técnica da categorização, ou análise categorial, as matérias foram segmentadas em: 1) texto com hiperlinks; 2) narrativa audiovisual (produção própria); 3) texto com narrativa audiovisual que complementa o assunto principal do post (produção própria); 4) texto com narrativa audiovisual que não complementa o assunto principal do post (produção própria classificada no post como “relacionada”); 5) texto com vídeo promocional próprio; 6) texto com vídeos externos à Vice; 7) podcast (BARDIN, 1988, BARROS e TARGINO, 2000, apud FONSECA JÚNIOR, 2006, p. 301).

“VICE’s immersion journalism offers a point of view unparalleled and unrivaled in mainstream media. With a focus on news coverage, VICE is leading the charge to define “news” in the 21st century. In 2012 alone, we sent reporters to cover conflicts in Afghanistan, Iraq, Lebanon, Syria, Gaza, Liberia, and Congo, and we are devoted to bringing hard news to young people in VICE’s idiosyncratic style”. 33

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A análise de conteúdo foi escolhida para dispor de um material suficiente que possa cumprir com o objetivo deste trabalho. Conforme apontado na introdução, o objetivo é comprovar a hipótese de que a internet e as novas tecnologias facilitam a reinvenção da vertente extremamente subjetiva do jornalismo literário (gonzo) e inspiram a forma de produzir conteúdo multimídia que imerge tanto o autor quanto o público na história. A Vice foi a empresa de mídia escolhida para ser objeto de análise porque promove a imersão do público na notícia por meio de duas estratégias: o uso da realidade virtual e a subjetividade permitida ao repórter nas narrativas. Nesse aspecto, Silva (2010, p. 43) vai além e ressalta o termo multimídia como uma forma de não apenas caracterizar o jornalismo na internet, mas também de caracterizar as funções dos próprios internautas, como se eles também fossem multimídia. Considerando que a multimidialidade pode ser estendida aos internautas, por meio das formas como interagem com os recursos digitais, também os repórteres se enquadram nessa extensão. Ferreira (2014, p. 16) assume essa possibilidade exemplificando o trabalho de Hunter S. Thompson. Ao apurar o material das suas reportagens gonzo, Thompson utilizava dispositivos tecnológicos disponíveis, como câmera e gravador. De acordo com Fonseca Júnior (2006, p. 290), a análise de conteúdo é composta por três fases: pré-análise, exploração do material, e tratamento dos resultados obtidos e interpretação. De todas as fases da análise de conteúdo, a pré-análise é considerada uma das mais importantes, por se configurar na própria organização da análise, que serve de alicerce para as fases seguintes. Envolve a escolha de documentos a serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos, bem como a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final (FONSECA JÚNIOR, 2006, p. 290).

Com isso, após ter sido definido o objeto da pesquisa, foi realizada a leitura flutuante, indicada por Bardin (1988, apud FONSECA JÚNIOR, 2006, p. 290). Dessa forma, antes mesmo de começar a redigir a introdução deste trabalho, acessava o site da Vice tanto na versão brasileira quanto na norte-americana, para verificar o perfil das matérias, sobre o que elas tratavam e que tipo de linguagem era utilizado. Além disso, também conferia e acompanhava notícias referentes à Vice e aos efeitos que ela provocava em outras empresas de mídia. Durante esse processo, percebi que havia uma consistente comparação entre as matérias da Vice e o jornalismo gonzo, criado por Hunter S. Thompson. No entanto, sabia

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que precisaria analisar o conteúdo para conferir a hipótese de que a utilização da internet estaria promovendo a reinvenção desta vertente de jornalismo literário. A semana escolhida para a análise de conteúdo coincidiu com a chamada semana da maconha, ou cannabis, em seu termo científico. A droga aparece em diversos posts da Vice e isso foi, rapidamente, percebido ao longo da fase da leitura flutuante. Há, inclusive, uma coluna que aborda exclusivamente esse narcótico, chamado Weediquette. A forma como a data 20 de abril é escrita em inglês, 4.20, representa o famoso número da maconha, 42034. Bardin (1988, apud FONSECA JÚNIOR, 2006, p. 298) enumera critérios para categorizar a análise de conteúdo: “semântico (categorias temáticas), sintático (verbos, adjetivos), léxico (classificação das palavras segundo seu sentido) e expressivo (categorias que classificam as diversas perturbações da linguagem, por exemplo)”. O critério adotado neste trabalho foi o semântico, referente, portanto, a uma temática. No caso aqui estudado, o tema em questão foi a semana da maconha. Em segundo lugar, para definir as categorias dos posts no decorrer deste período, foi adotado o critério expressivo: o objetivo era agrupar os posts segundo a semelhança entre seus atributos. Vale destacar que, durante a leitura flutuante, foi percebido que a quantidade de posts publicados no site da Vice dos Estados Unidos em uma única semana é consideravelmente alta para que pudesse ser objeto do presente estudo. Por este motivo, escolhi a seção já referida anteriormente, a Stuff. A escolha pela Vice dos EUA é devido à localização da sede da empresa ser em Nova Iorque. Portanto, considerei que seria mais relevante abordar o conteúdo produzido pela matriz. Boa parte do material é republicado nos sites da Vice nos mais de 30 países onde ela está presente. Na tabela 1, pode-se observar a quantidade de publicações por dia referente a cada uma das sete categorias escolhidas para delimitar o conteúdo da Vice referente à semana em questão, do dia 17 ao 23 de abril.

34

Mais sobre a origem do número pode ser acessado em: A História por Trás do Número Favorito de todo Fumeta: 420. Disponível em: . Acessado em: 8/5/2016

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Tabela 1 – Análise de conteúdo da Vice (EUA), em publicações Stuff Análise de conteúdo - VICE (EUA) Categorias

Posts classificados como "Stuff" (Coisas) Dias da semana 17/04/2016 18/04/2016 19/04/2016 20/04/2016 21/04/2016 22/04/2016 23/04/2016

Total por categoria

Só texto com hiperlinks

1

4

8

8

6

6

2

35

Narrativa audiovisual (produção própria)

0

1

0

1

1

0

0

3

Texto com narrativa audiovisual que complementa o assunto principal do post (produção própria)

0

1

0

0

1

1

0

3

Texto com narrativa audiovisual que não complementa o assunto principal do post (produção própria): vídeo classificado como "relacionado"

1

0

1

0

1

0

0

3

Texto com vídeo promocional próprio

0

0

1

1

1

0

0

3

Texto com vídeos externos

0

3

1

1

0

3

0

8

Podcast

1

0

0

0

0

0

0

1

Total de posts por dia

3

9

11

11

10

10

2

Total de posts na semana

56

Fonte: Elaborada pela autora, 2016

A categoria mais numerosa foi a “só texto com hiperlinks”, reunindo um total de 35 posts ao longo da semana. Em segundo lugar, veio a categoria “texto com vídeos externos”, somando oito publicações. Nesta, foram considerados vídeos promocionais, como trailers da série Game of Thrones, produzida pela HBO, cuja estreia da sexta temporada iria ao ar no domingo seguinte, dia 24 de abril. Quatro categorias obtiveram três posts ao longo da semana. Entre elas, está a categoria “texto com narrativa audiovisual que complementa o assunto principal do post (produção própria)”. Por adotarem o conceito de multimidialidade, as publicações desta categoria foram as escolhidas para serem analisadas nesta pesquisa. De acordo com Royal (2000. p. 17), a hipertextualidade associada a arquivos de áudio e vídeo aumentam a experiência sensorial do leitor. Dessa forma, priorizei os posts em que os vídeos de produção própria e o texto conversassem entre si. As categorias “texto com narrativa audiovisual (produção própria) classificada como ‘relacionada’”, “texto com vídeo promocional próprio”, “narrativa audiovisual (produção própria)” e “podcast” (que contou com apenas um post na semana) foram

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desprezadas por não estarem de acordo com a proposta da análise de conteúdo aqui empregada. A primeira publicação da categoria escolhida para a análise deste trabalho data de 18 de abril, uma segunda-feira: Immigrants to Canada explain what shocked them the most about Canadian Culture (em tradução livre, “Pessoas que imigraram para o Canadá explicam o que mais os chocou a respeito da cultura canadense”). O vídeo que acompanha o texto é From Syria to the Six: Kourosh Houshmand's Welcome Wagon (em tradução livre, “Da Síria para Toronto: Kourosh Houshmand oferece as boas vindas típicas canadenses”), publicado no YouTube no dia 9 de fevereiro de 2016. Também há a publicação Stoners share their worst dabbing stories (em tradução livre, “Maconheiros contam suas piores experiências com o fumo de óleo de haxixe”), da quinta-feira, 21 de abril. O vídeo conta com o trabalho do repórter T. Kid, especialista no assunto. Intro to Butane Hash Oil (em tradução livre, “Introdução ao Óleo de Haxixe extraído com Butano”) foi publicado em 25 de julho de 2013. Por último, há a matéria Weed saved my life after a decade on anxiety meds (em tradução livre, “A maconha salvou minha vida após uma década sob medicação para ansiedade”), da sexta-feira, 22 de abril. Ao longo desta publicação, foram distribuídos três vídeos da série Canadian Cannabis, que significa em português, “Cannabis Canadense”. O primeiro vídeo mostra o sistema de produção da maconha no Canadá. Inside Canada's New Corporate Weed System: Canadian Cannabis (Episode 1) (em tradução livre, “Por dentro do Novo Sistema Corporativo Canadense de Maconha: Cannabis Canadense (Episódio 1)”, publicado no YouTube em 11 de setembro de 2014. The Cash Crop: Canadian Cannabis, que significa algo como “Colheita do Dinheiro: Cannabis Canadense”, foi publicado no dia 18 de maio de 2015. O terceiro vídeo, The Dark Grey Market: Canadian Cannabis, que, em português, significa “O Mercado Cinza: Cannabis Canadense”, foi publicado em 19 de outubro de 2015. Após conferir o conteúdo de cada uma das quatro publicações pertencentes à essa categoria, foi realizada uma nova categorização, mas, dessa vez, classificando-as em jornalismo convencional ou jornalismo gonzo, como mostra a tabela 2.

58 Tabela 2 – Análise de conteúdo Vice (EUA), em publicações da categoria 3 Análise de conteúdo - VICE (EUA) Posts classificados como "Stuff" (Coisas) Dias da semana Total de posts na 17/04/2016 18/04/2016 19/04/2016 20/04/2016 21/04/2016 22/04/2016 23/04/2016 semana Pessoas que imigraram A maconha Maconheiros para o salvou contam suas Texto com narrativa audiovisual Canadá minha vida piores que complementa o assunto explicam o após uma experiências principal do post (produção que mais os década sob 3 com o fumo própria) chocou a medicação de óleo de respeito da para haxixe cultura ansiedade canadense Total de posts por dia 0 1 0 0 1 1 0 Categorias

Fonte: Elaborada pela autora, 2016

Dentre as quatro publicações pertencentes à categoria, foi realizada uma nova categorização. Desta vez, tendo por base o critério semântico. Após a leitura dos textos e a visualização dos vídeos de cada uma das quatro publicações, elas foram classificadas em jornalismo convencional ou jornalismo gonzo, como mostra a tabela 3. De acordo com Kalvø (2015, p. 34), enquanto o jornalismo gonzo mostra a humanidade do autor, o jornalismo convencional procura escondê-la. “Pode-se dizer que o jornalismo de imersão distingue-se do jornalismo convencional devido à sua procura por significados mais subjacentes, na tentativa de contextualizar a história reportada” (KALVØ, 2015, p. 35, tradução da autora)35.

“It can be said that Immersion Journalism distinguish itself from traditional journalism by its search for more underlying meanings, attempting to contextualize the story it is reporting on”. 35

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Tabela 3 – Análise de conteúdo Vice (EUA), categorização em jornalismo convencional ou gonzo

Análise de conteúdo - VICE (EUA) Posts classificados como "Stuff" (Coisas) Semana de 17 a 23 de abril de 2016 Categoria

Texto com narrativa audiovisual que complementa o assunto principal do post (produção própria)

Formatos/ Títulos das publicações

Pessoas que imigraram para o Maconheiros contam suas piores A maconha salvou minha vida Canadá explicam o que mais os experiências com o fumo de óleo após uma década sob chocou a respeito da cultura de haxixe medicação para ansiedade canadense

Texto Vídeo(s)

Jornalismo Convencional

Jornalismo Convencional

Jornalismo Gonzo

Jornalismo Gonzo

Jornalismo Gonzo

Jornalismo Convencional

Fonte: Elaborada pela autora, 2016

A classificação levou em conta, separadamente, os vídeos e os textos. Dessa forma, o total na semana contabilizou seis. Com relação ao post “Pessoas que imigraram para o Canadá explicam o que mais os chocou a respeito da cultura canadense”, o vídeo que o acompanha apresenta características gonzo, enquanto o texto foi classificado como jornalismo convencional. As observações se repetem para o segundo post da categoria, “Maconheiros contam suas piores experiências com o fumo de óleo de haxixe”. O vídeo “Introdução ao Óleo de Haxixe extraído com Butano” assemelha-se bastante do estilo praticado por Hunter S. Thompson. Já o texto não contém as mesmas características e, portanto, assim como o outro, não será analisado em profundidade, já que o foco são as publicações gonzo. Por último, “A maconha salvou minha vida após uma década sob medicação para ansiedade”, diferencia-se das publicações anteriores. O texto é irreverente, narrado em primeira pessoa e repleto de experiências autorais. Ainda que o autor também seja o apresentador dos três vídeos da série documental “Cannabis Canadense”, os documentários foram classificados como convencionais. No texto, seus pontos de vista ganham muito mais evidência. 3.3 O Jornalismo Gonzo da Vice De acordo com Kalvø (2015, p. 35), o jornalismo de imersão pode assumir dois modos: o realístico e o interpretativo. O primeiro descreve as experiências provocadas por uma dada situação. Já o segundo assume a forma de uma realidade construída a partir da interpretação e introspecção do repórter.

60 O modo realístico transmite para o público uma realidade mais externa – o que aconteceu, como aconteceu e assim por diante; enquanto que o modo interpretativo transmite uma realidade interna do repórter ou tema – como um evento foi experimentado por alguém (KALVØ, 2015, p. 35, tradução da autora)36.

Dessa forma, Kalvø defende uma classificação em diferentes níveis de imersão, em vez de extremos, no que tange o emprego de elementos imersivos no relato jornalístico. Uma das formas que ocupam o maior nível do jornalismo de imersão, segundo Kalvø, é o jornalismo gonzo. Isto posto, após feitas as análises, será atribuído um nível de imersão para cada uma das publicações, considerando aqui apenas as classificadas como contendo características do jornalismo gonzo. No vídeo “Da Síria para Toronto: Kourosh Houshmand oferece as boas vindas típicas canadenses”, referente ao primeiro post a ser analisado, Kourosh Houshmand afirma, assim que o vídeo começa: “Eu não gosto da palavra refugiado. Rotula as pessoas através de uma janela estreita e desafortunada em suas vidas. Quero dizer, o que você faria se voltasse para casa e ela estivesse assim?”. O vídeo então mostra a imagem de uma casa destruída por, ao que tudo indica, bombardeios em um local de conflito no Oriente Médio. A proposta do vídeo é mostrar como um refugiado sírio está se habituando ao Canadá, onde passará a viver com sua família, fugindo da guerra em seu país. No entanto, como o próprio repórter é um imigrante que saiu do Irã quando tinha apenas quatro anos, e foi levado para o Canadá pela família para ali construir um novo lar, isso dá o caráter gonzo à história. O jornalista convidado conta isso no vídeo quando diz: É, o mesmo aconteceu comigo. Eu tinha quatro anos quando eu vim do Irã para o Canadá. No início, ficamos hospedados na casa de um parente, não por muito tempo, mas ficamos acostumados a morar em uma única área. Aquela proximidade te oferece algum consolo, sabe? Você se sente muito mais confortável. Não é você contra o mundo, como algumas pessoas por aí são, sabe? (HOUSHMAND, 2016, tradução da autora)37.

A proposta do vídeo, vale ressaltar, vai além de mostrar a visão do jovem Nazar Poladian sobre sua chegada em um país tão distante e com uma cultura tão diferente do

“The realistic mode conveys to the audience a more external reality – what happened, how it happened and so on; while the interpretative mode conveys an internal reality of the reporter or subject – how an event was experienced by someone”. 37 “Yeah, that’s the same thing, like I was four when I came from Iran to Canada and I remember, like, for the first little while we were staying a relative’s house, not for long time, but we got acquainted we were living in a single area. That closeness, and even their proximity, it’s like you can take some solace in that, you know? You feel a lot more comfortable. It’s not, like, you against the world, as like a couple of people there, you know?” 36

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seu país de origem. A ambição é mostrar a identificação do repórter com a situação. Quanto a isso, a descrição do vídeo no YouTube informa que: Estudante, jornalista, e auto-proclamado “Harry Potter do Oriente Médio”, Kourosh sabe, em primeira mão, as dificuldades de se sentir deslocado – ele nasceu em uma família de imigrantes iranianos em Toronto. Agora, ele quer retribuir (VICE, 2016, tradução da autora)38.

Além disso, Houshmand não apenas entrevista o imigrante Nazar, mas, sim, planeja para ele uma noite de Ano Novo inesquecível. Aquela seria a primeira virada de ano do jovem sírio em seu novo lar e o repórter da Vice fez questão de que ele se sentisse acolhido: Como vocês estão? É! Isso aí, pessoal, preciso da ajuda de vocês aqui. 2016 é um ano especial e aqui estou com meu amigo Nazar, um recémchegado refugiado sírio. Ele acabou de chegar no Canadá. Vamos dar a ele um ‘bem-vindo’ bem alto. Vamos lá! [...] Nazar tornou-se uma celebridade instantânea após fazer o discurso. Foi apenas um pequeno conforto na sua realidade atual e então percebi: este lugar frio e desconhecido está a milhares de quilômetros do seu lar de verdade na Síria. [...] Assim, agora, Nazar é um refugiado, mas ele também é meu novo amigo (HOUSHMAND, 2016, tradução da autora)39.

Essa função de Houshmand no vídeo funciona como gonzo porque ele também pode ser considerado um personagem. Ainda que não corresponda ao jornalismo gonzo de Thompson, com toda sua irreverência e descolamento das práticas tradicionais do jornalismo, as intenções do jornalista e sua perceptível conexão com o entrevistado fazem com que essa produção ultrapasse o limite entre convencional e gonzo. Dessa forma, não é como se o vídeo fosse inteiramente gonzo, mas significa que está mais próximo das suas características. O vídeo complementa o texto jornalístico convencional do post, por este conter uma série de depoimentos de imigrantes sobre sua adaptação no Canadá. Dessa forma, o vídeo torna a publicação mais rica, além de humanizá-la. Embora o texto tenha sido enquadrado na categoria jornalismo convencional, não chega a ser considerado uma notícia, já que é desprovido de informações factuais. O principal do conteúdo é entender

“Student, journalist, and self-proclaimed "Middle-Eastern Harry Potter," Kourosh knows firsthand the struggles of being displaced—he was born to an Iranian immigrant family in Toronto. Now, he wants to pay it forward”. 39 “How’s everything? Yes! Alright, guys, I need your help here. 2016 is a special year and here I am with my friend Nazar, who’s a recent Syrian refugee. He’s just got to Canada. Let’s show him a nice loud welcome. Let’s go! […] Nazar became an instant celebrity after that speech. Just a small comfort from his current reality and it hit me: this cold and unfamiliar place is a thousand miles from his real home in Syria. [...] As, right now, Nazer is a refugee, but he’s also my new friend”. 38

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o que pensam os imigrantes, conhecendo como eles estão se habituando a uma nova realidade. Entendendo o jornalismo gonzo como uma forma de jornalismo de imersão, que permite a transparência dos pensamentos do autor ou apresentador, no caso dos documentários, é possível fazer um paralelo entre esse vídeo analisado e uma das observações levantadas por Kalvø. O jornalismo de imersão comumente é atrelado ao tempo que o autor leva na apuração da história. Provavelmente, o item mais óbvio sobre jornalismo de imersão é como o repórter imerge na história relatada. Isso normalmente requer um extenso uso de tempo na reportagem do que em geral é feito, ainda que esse aspecto possa variar bastante, tanto quanto o nível de imersão (KALVØ, 2015, p. 36, tradução da autora)40.

Dessa forma, mesmo que o vídeo de Houshmand não tenha demandado uma longa dedicação de tempo do, como normalmente é associado ao jornalismo imersivo, isso não tira o mérito da imersão de Houshmand no assunto. Afinal, o tema do vídeo é algo com o qual ele relaciona-se há bastante tempo, ainda que nem soubesse que fosse trabalhar nesse minidocumentário no futuro. Vale destacar dois exemplos dados por Kalvø para explicar como a imersão pode ocorrer em períodos de tempo tão distintos. No caso da jornalista Nellie Bly, em que ela investigou o tratamento de pacientes em um asilo para doentes mentais, foram necessários dez dias de experiência. Conforme fora mencionado no capítulo anterior, ela se infiltrou como uma paciente, para vivenciar de fato as experiências e depois poder relatá-las com exatidão. “Em uma escala de níveis de imersão, esse exemplo certamente está no extremo máximo” (KALVØ, 2015, p. 36, tradução e grifo da autora)41. O outro caso é de Walt Harrington que escreveu sobre sua convivência durante 25 anos com o ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush. Para Kalvø, esse exemplo tem um nível de imersão relativo, mesmo que diga respeito a uma relação de longa data. “[...] o nível de imersão é aqui controlado extensivamente pelo próprio tema” (KALVØ, 2015, p. 36, tradução da autora)42. Em outras palavras, o modo interpretativo no caso de Nellie Bly é mais usado do que o modo realístico. Já no caso de Walt Harrington, o oposto é observado, ou seja, o

“The perhaps most obvious thing about Immersion Journalism, is how the reporter immerses him or herself in the story being written. This usually require a greater use of time in the reporting than is normally done, although the time aspect can however vary to a large extent, as well as the degree of immersion”. 41 “In a scale of immersiveness, this would surely be at the extreme end”. 42 “[…] the level of immersion is here controlled to a great extent by the subject himself. 40

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modo realístico é mais usado do que o interpretativo. Isto posto, pode-se concluir que Nellie Bly aborda nesse relato alta dose de realidade interna, contando uma experiência pessoal. Por outro lado, Walt Harrington aborda alta dose de realidade externa, aprofundando-se em uma história cujo enfoque é a relação com outra pessoa. No entanto, vale ressaltar que ambos adotam o jornalismo de imersão. A diferença é que a Nellie Bly aproxima-se muito mais do jornalismo gonzo do que Harrington, tendo em vista que ela ocupa o nível máximo de imersão, de acordo com Kalvø. No próximo vídeo da análise, “Introdução ao Óleo de Haxixe extraído com Butano”, a história é contada pelo repórter que escreve sob o pseudônimo de T. Kid e é especialista em temas relacionados à maconha. Esse minidocumentário, com 10:40 minutos, explica como ocorre a produção do óleo de haxixe oriundo da cannabis. Esse óleo é a forma concentrada da droga e é obtido por meio de extração por gás butano. O vídeo não foi classificado como jornalismo convencional porque o repórter se envolve, diretamente, com o que ele está reportando. É possível, inclusive, compará-lo a Hunter Thompson. T. Kid também usa drogas enquanto trabalha. O repórter da Vice fuma óleo de haxixe enquanto faz um vídeo sobre a produção desse concentrado. Por estar diretamente envolvido com o tema, o comportamento de T. Kid reforça o caráter gonzo da história. Já na introdução do vídeo, ele declara todo seu amor pelo narcótico. Eu sou T. Kid. Escrevo a coluna dominical da Vice sobre maconha. Eu amo tanto a maconha que decidi fazer um show inteiramente voltado para ela. Quando eu o comecei no último outono, tinha nem ideia de que a maconha estava prestes a ser legalizada em dois estados. Todos os tipos de subculturas ganharam evidência, mas o mais fascinante de todos era também o que crescia mais rapidamente – óleo de haxixe extraído com gás butano, um extrato que é puro THC. Bem-vindos à Weediquette (T.KID, 2013, tradução da autora)43.

A respeito do conteúdo textual do post “Maconheiros contam suas piores experiências com o fumo de óleo de haxixe”, pode-se notar semelhanças com a publicação “Pessoas que imigraram para o Canadá explicam o que mais os chocou a respeito da cultura canadense”. Isso porque também mostra uma compilação de relatos pessoais. Dessa vez, contudo, são sobre o tema em questão retratado no post. Dessa forma, os relatos são de experiências em fumar o concentrado da cannabis, por meio do óleo de haxixe.

“I’m T. Kid. I write Vice’s Sunday weed column. I love weed so much that I decided to make a whole show about it. When I started it last fall, I had no idea that weed was about to be legalized in two states. All kinds of subcultures came to light, but the most fascinating one was also the fastest growing – butane hash oil, an extract that’s pure THC. Welcome to Weediquette”. 43

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De acordo com Silva (2010, p. 109), o jornalista gonzo assume o papel de personagem na história que está contanto e pode ser, inclusive, o protagonista, como é o caso do texto “A maconha salvou minha vida após uma década sob medicação para ansiedade”, escrito por Damian Abraham. Tom Wolfe disse uma vez: “Hunter S. Thompson é gonzo” (apud KALVØ, 2015, p. 34, tradução da autora)44. Em outras palavras, o estilo gonzo seria algo específico de seu criador que não pode ser realizado da mesma forma. Assim, por mais que as reportagens aqui tenham sido classificadas como gonzo, elas não refletem fielmente o estilo de Hunter S. Thomson. É como se esse estilo fosse uma espécie de camaleão que se adapta conforme a personalidade do escritor. 3.4 A intimidade do jornalista com o tema A relação entre o tema e o repórter é bastante próxima na reportagem gonzo “A maconha salvou minha vida após uma década sob medicação para ansiedade”, escrita por Damian Abraham, o apresentador da série “Cannabis Canadense”, produzida pela Vice. Abraham é um usuário da cannabis medicinal para tratar dos seus transtornos de ansiedade. O autor, vale ressaltar, é vocalista de uma banda de Toronto e costumava sofrer ataques de pânico quando precisava subir ao palco. Após cerca de dez anos consumindo medicamentos voltados para estes problemas psicológicos, Abraham experimentou fumar maconha enquanto a turnê da banda passava pela Holanda. Até o momento, pode-se perceber que a Vice convida pessoas que são próximas aos temas da pauta para contarem suas histórias ao público. Não cabe, nesse caso, o papel do jornalista que não é especialista no assunto e, a partir de uma pauta, começa a estudar seu conteúdo. O que a Vice busca é alguém que já esteja preparado para, imediatamente, narrar a história e mostrar uma realidade que já conheça profundamente. Com efeito, Küng ressalta que “o objetivo da Vice é oferecer à audiência histórias ‘genuínas’, na sua linguagem” (2015, Kindle Edition, posição 1759, tradução da autora)45. Não é à toa que, para Hemley (2012, Kindle Edition, posição 1388), quanto mais diferente um autor for do grupo no qual busca se infiltrar, maior será a desconfiança perante ele. A definição do perfil do jornalista gonzo feita por Silva (2010, p. 109), corresponde à atuação de Damian Abraham na reportagem aqui analisada. “O jornalista

“Hunter S. Thompson is gonzo”. “Vice's goal is to give audiences 'genuine' stories about topics that interest them, in their language, and made by them (the average age of journalists is 25)”. 44 45

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gonzo preza a liberdade de expressão, a experimentação de estados de consciência alterados e, sobretudo, a verdade. Uma verdade livre de caretices e burocracias” (SILVA, 2010, p. 109). O texto aqui analisado e escrito, minuciosamente, por Abraham é dividido em sete partes, uma introdução e os seis entretítulos a seguir: Maconha vs. Ansiedade, Por dentro do Sistema de Maconha Medicinal do Canadá, Como a Falta de Pesquisas do Governo Impacta os Usuários de Cannabis Medicinal, Investimentos Verdes, Ascensão do Mercado Cinza, e O Futuro da Maconha no Canadá (tradução da autora)46. Resumindo o conteúdo da reportagem, o autor descreve seus problemas de saúde e os efeitos colaterais provocados pelos medicamentos que consumiu por cerca de dez anos, por que passou a usar o narcótico e os impactos do uso em sua vida, a burocracia que os pacientes precisam enfrentar para acessar a cannabis medicinal no Canadá, a necessidade que leva alguns pacientes a consumirem a droga por meio do mercado paralelo, as transformações na legislação canadense no que concerne o uso da cannabis medicinal, de que forma as restrições influenciam a vida dos pacientes, seja por parte do governo ou dos médicos, além das soluções para facilitar o acesso ao medicamento. Dada a extensão da reportagem e a estreita relação entre o autor e o assunto esmiuçado, essa publicação foi considerada como sendo a principal e a que mais contribuiria para a análise desse trabalho sobre o jornalismo gonzo reinventado na internet, aplicado pela Vice, que atribui ao seu conteúdo o conceito jornalismo de imersão. 3.4.1 O gonzo Damian Abraham Antes de analisar cada parte do relato gonzo escrito por Damian Abraham, é necessário explicar quem ele é e enfatizar qual é a sua profissão. Abraham é o vocalista da banda Fucked Up, originada em Toronto, no Canadá. Desde muito jovem, o artista sofre com transtornos de ansiedade e, na faixa dos 20 anos, quando passou por uma experiência traumática com relação a alguém próximo, precisou entrar com medicação contra ansiedade e depressão. No entanto, conforme ele mesmo conta, sentiu efeitos colaterais frustrantes. Se ele desistisse dos remédios estabilizantes do humor, entraria em colapso e os ataques de pânico voltariam. Dessa forma, ele precisou conviver durante cerca de dez anos com os

“Weed vs. Anxiety, Navigating Canada's Medical "Marihuana" System, How the Lack of Government Research Impacts Medical Cannabis Users, Green Investments, Rise of the Dark Grey Market, The Future of Weed in Canada”. 46

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efeitos colaterais: diminuição da libido, dificuldades para dormir à noite e cansaço durante o dia, ganho de peso e mudança na voz, de uma forma que não o permitia cantar como desejava. Sua primeira experiência com a maconha foi breve e ocorreu aos 13 anos. Ele só entraria em contato com a droga novamente muitos anos depois. Durante uma turnê na Europa, em 2010, Abraham não estava com sua medicação e, como já havia passado por uma péssima experiência ao deixar de tomar os devidos remédios, também enquanto fazia turnê em países europeus, o artista optou por usar a maconha. Nos bastidores de um festival no dia seguinte em Nijmegan, Holanda, eu tentei fumar um baseado de novo. Ao que tudo indica, quase que instantaneamente, a ansiedade diminuiu, e eu relaxei. Foi naquele momento que eu percebi ter totalmente mal interpretada essa planta e a maconha medicinal de modo geral, como uma besteira hippie. Pelo resto daquela turnê eu fumei maconha e vi que minha ansiedade deixou de ser um problema (ABRAHAM, 2016, tradução da autora)47.

A partir daquele momento, seu envolvimento com a questão da maconha medicinal no Canadá começou e, conforme o tempo foi passando, foi se estreitando. Vale salientar que, em 2014, quando Abraham começou a apresentar a série “Cannabis Canadense” para a Vice, sua imersão no assunto já havia começado. Após perceber que os efeitos colaterais da antiga medicação desapareceram, o artista conversou com sua médica e explicou que a única mudança que ele fizera fora trocar os remédios devidamente prescritos pelo uso do narcótico. Havia um programa permitido pelo governo em vigor desde 2001, chamado Marihuana48 Medical Access Regulations (MMAR), em tradução livre, Regulações ao Acesso da Maconha Medicinal. Por meio desse programa, pacientes que fossem legalmente qualificados a participar podiam ter acesso a gomos de maconha secos. Com isso, Abraham pediu à sua médica que pudesse entrar no programa, o que a especialista reagiu com certa relutância. Somente em 2012, ele começou a convencê-la de que o tratamento com cannabis seria uma boa opção. Dentre seus argumentos, estava o fato de que perdera bastante peso, o que foi impressionante, segundo ele, pois já estava acostumado a ter um sobrepeso havia muitos anos. Uma das razões para o emagrecimento foi a perda da vontade de consumir

“Backstage at a festival the next day in Nijmegan, Netherlands, I tried smoking pot again. It seemed that, almost instantaneously, the anxiety subsided, and I relaxed. It was from that moment that I realized I had totally misjudged this plant and medical marijuana as a whole as some hippy bullshit. For the rest of that tour I smoked weed and found that my anxiety stopped being an issue”. 48 O governo canadense optou pela grafia de “marijuana” com um “h” no lugar de “j”. 47

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refrigerante. O apresentador da Vice conta que tinha o costume de tomar de três a seis litros de refrigerante por dia, enquanto precisava dos comprimidos. Com isso, Abraham ingressou na burocracia do sistema canadense para acessar a cannabis medicinal. Nesta parte do texto, o apresentador informa o leitor sobre as transformações que o Canadá passou enquanto ele aguardava uma licença para o programa MMAR. Dessa forma, a vida do autor deixa de ser o principal ponto do conteúdo e passa a dividir o espaço com o contexto geral, que explica o que aconteceu. Kalvø (2015, p. 33 e 34) chama a atenção para o fato de que o estilo gonzo é considerado intimista e subjetivo por estar misturado com a própria personalidade de seu criador, Hunter S. Thompson. Em formas mais subjetivas de reportagem, há um desafio de desempenhar duas situações sociais distintas: o ato de experimentar algo e o ato de escrever sobre isso. Tantos tentaram imitar o jornalismo gonzo, mas pouquíssimos conseguiram bater essa meta (KALVØ, 2015, p. 33 e 34, tradução da autora)49.

3.4.2 Da história pessoal para o contexto O vocalista da banda Fucked Up estabelece, a partir do entretítulo Por dentro do Sistema de Maconha Medicinal do Canadá, uma relação mais profunda entre o contexto no seu país e sua própria história. Um dos pontos levantados pelo autor é o mercado paralelo da cannabis medicinal e como que ele foi proliferando no país. “Enquanto eu esperava ela [a médica] ler os formulários e pesquisar mais sobre a cannabis, ela concordou em me arranjar um dispensário durante esse período” (ABRAHAM, 2016, tradução da autora)50. O mercado cinza comercializa produtos legais por meio de canais de distribuição não permitidos pelo governo. Abraham ressalta que ele tornou-se mais forte em Toronto e Vancouver, devido ao crescimento do número de dispensários de maconha medicinal. Os primeiros dispensários médicos começaram a abrir em Toronto e Vancouver em meados dos anos 1990, como uma forma de providenciar cannabis para as pessoas com necessidade médica. Há quatro anos, o número de dispensários cresceu, mas eles ainda não eram algo comumente visível em Toronto. Muitos não tiveram sua localização revelada e uma sinalização mínima e indefinida, ou mesmo nenhuma, e os pacientes eram forçados a confiar na palavra de outros clientes – que

“So in the more subjective forms of reporting, there is a challenge to portray two distinct social situations: the act of experiencing something and the act of writing about it. As so many have tried to emulate the gonzo journalism, still so very few have succeeded in it”. 50 “While I waited for her to read the forms and do some research into cannabis, she agreed to set me up with a dispensary in the meantime”. 49

68 foi exatamente o que eu tive que fazer (ABRAHAM, 2016, tradução da autora)51.

Apesar de ter acessado a cannabis medicinal por meio do mercado paralelo, Abraham permaneceu na tentativa de entrar no programa do governo. Ainda que precisasse enfrentar uma burocracia para ser aceito pelo MMAR, isso não significa ter sido fácil entrar no mercado paralelo. A inscrição para acessar o clube ilegal incluía uma parte sobre o seu diagnóstico com a assinatura da médica que acompanhava o seu caso, além de um comunicado escrito pela médica confirmando o mesmo diagnóstico do formulário. Após os documentos serem entregues, Abraham soube da localização do clube por meio de um amigo que já era integrante. No encontro presencial, precisou assinar outros formulários, em que prometia seguir as regras do clube: “não revender, não comprar para outras pessoas, não levar amigos, nunca revelar a localização do clube, ou ficar perto do local por muito tempo, dentre outros” (ABRAHAM, 2016, tradução da autora)52. Em seguida, o autor transfere o enfoque do relato para o contexto geral, deixando em segundo plano sua própria experiência, ainda que seja mencionada em determinados momentos. Com isso, é possível perceber uma troca entre os modos descritos por Kalvø no que diz respeito ao jornalismo de imersão. Antes, a narrativa estava mais voltada para o modo interpretativo e, a partir desse entretítulo, passou a ter o modo realístico como dominante. De fato, conforme Kalvø salienta, “os modos podem ser usados em níveis variados e ambos podem estar presentes em um mesmo texto, alterando-se conforme a situação ou o contexto pedem” (KALVØ, 2015, p. 35, tradução da autora)53. Abraham conta que o mercado paralelo oferece a cannabis medicinal em forma comestível, de pomada, concentrada, como o óleo de haxixe, além dos gomos secos de maconha para serem fumados ou vaporizados. O apresentador afirma que sua vontade de ser aceito pelo programa do governo era devido à permissão que ele teria para cultivar sua própria plantação, ou de terceirizar a licença para que outra pessoa produzisse para

“The first medical dispensaries began opening up in Toronto and Vancouver in the mid-90s as a way to provide cannabis to people with a medical need. Four years ago, the number of dispensaries had grown, but they were not yet a common sight in Toronto. Many had undisclosed locations and minimal nondescript signage, if any at all, and patients were forced to rely on word of mouth from other clients—which is exactly what I had to do”. 52 “[…] no reselling, no buying for other people, no bringing friends with me, never revealing the club's location or loitering around it, etc., etc.”. 53 “The modes can be used to varying degrees and both can be present in the same text, changing modes as the situation or context demands it”. 51

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ele. Dessa forma, ele economizaria comprando o medicamento já pronto, considerando o valor financeiro da cannabis medicinal comercializada no mercado paralelo. Muitos dos cultivadores caseiros podiam produzir sua medicação por, aproximadamente, C$2 a grama, depois de cobrir as despesas. Dado que o preço da cannabis, em Toronto, gira em torno de C$8 a C$9 [US$6 a US$9] a grama, e muitos pacientes requerem múltiplas gramas por dia, isso seria uma economia significativa (ABRAHAM, 2016, tradução da autora)54.

A partir de dezembro de 2012, o programa do governo MMAR sofreu mudanças e, com isso, o interesse de Abraham em relação ao assunto intensificou-se ainda mais. “Eu imergi na comunidade [da cannabis medicinal] na esperança de aprender tudo o que eu pudesse e assisti ao desenrolar disso” (ABRAHAM, 2016)55. Ele explica o procedimento como forma de se inteirar mais sobre o assunto. A partir do entretítulo Como a Falta de Pesquisas do Governo Impacta os Usuários da Cannabis Medicinal, o texto sofre uma guinada e passa a explicar sobre os programas do governo e outros assuntos que não eram prioridades nessa reportagem. Dessa forma, para que o leitor pudesse se aprofundar e saber sobre o contexto de determinados acontecimentos no Canadá durante o período retratado pelo autor, foram colocados hiperlinks para outras matérias jornalísticas, mesmo que não fossem da Vice. 3.4.3 Selfies e a aproximação com o leitor A reportagem, por mais que forneça uma série de informações, mostra exclusivamente o ponto de vista de quem é a favor do uso da cannabis medicinal. Com o caráter gonzo do texto, o leitor conhece apenas um lado da história. De acordo com Kalvø (2015, p. 76), quando o repórter adota uma perspectiva mais profunda, outros pontos de vista podem ficar encobertos, o que poderia ofuscar a abordagem do conteúdo. Dessa forma, Kalvø ressalta que a reportagem “corre o risco de ser contextualmente míope, enxergando apenas o que está diretamente a sua frente, mas ignorando perspectivas mais amplas” (KALVØ, 2015, p. 76, tradução da autora)56. Não é à toa que, para ele, o jornalismo gonzo ocupa o maior nível do jornalismo de imersão e admite, ainda, que “a realidade construída pelo autor (o monólogo do eu interior) poderia, de fato, nos dar uma

“Many of these home cultivators were able to produce their medication for around $2 a gram after covering expenses. Given that the price for cannabis is seemingly set in Toronto at around $8-$12 [$6-$9 USD] per gram, and many patients require multiple grams per day, that would be a substantial savings”. 55 “I immersed myself in the community in the hopes of learning all that I could and watched it unfold”. 56 “[…] it can run the danger of being to contextually myopic, seeing only what is directly in front of it, but ignoring the broader perspective”. 54

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perspectiva totalmente própria, mas à custa de precisão factual” (KALVØ, 2015, p. 76, tradução da autora)57 Abraham descreve como os pacientes podem, legalmente, acessar o medicamento proveniente da maconha por meio do MMPR e as formas que os produtores licenciados encontraram para recuperar seus investimentos de milhões de dólares canadenses feitos no novo projeto. Devido às exigências governamentais, para que um produtor recebesse a licença que o permitiria produzir e comercializar a cannabis medicinal, ele precisaria cumprir com uma série de medidas que custam caro. Dessa forma, os pequenos produtores não tiveram a oportunidade de ingressar no processo. Apesar de o texto não conter entrevistas, o leitor pode conferir as falas de outras pessoas nos três vídeos inseridos no conteúdo que não apenas complementam as informações, como também servem como uma forma de o leitor imergir ainda mais na história. Ao ler sobre os produtores licenciados, pode-se apenas imaginar, mas ao ver como a produção ocorre no documentário, o conhecimento transmitido ultrapassa o limite do texto. Corroborando essa constatação, Jason Mojica, que na época era editor chefe da Vice News 58 (apud NIEMANLAB, 2014) acredita que a fórmula que dá certo online vai além das frases de efeito que aparecem, principalmente, no storytelling das notícias televisivas. Além disso, de acordo com o chefe de criação da Vice, Eddy Moretti (NIEMANLAB, 2014), o conteúdo que a companhia produz recebe, em geral, muito da personalidade dos autores. Afirma, ainda, que a conexão entre o conteúdo e o público é estabelecida por histórias que vão além do jornalismo convencional. A Vice teria, dessa forma, um elemento que os jovens procuram, segundo ele: empatia. Apesar do que o senso comum pode dizer, Morretti afirma que o público jovem quer vídeos com mais de 60 segundos. É a habilidade de o vídeo ser imersivo e narrativo que permite que a Vice crie uma conexão com o público (NIEMANLAB, 2014, tradução da autora)59.

Com efeito, Kalvø defende que o jornalismo de imersão provoca mais empatia do que o convencional porque “busca explicar as complexidades do nosso mundo e as pessoas que vivem nele” (2015, p. 35, tradução da autora)60. Para Mojica, as notícias da “[…] the reality constructed by the writer (the ego’s inner monologue) could indeed give us a totally fresh perspective, but at the expense of factual accuracy”. 58 Em abril de 2016, Mojica mudou de função e passou a ser o chefe de reportagem do programa Vice News on HBO. 59 “Despite what conventional wisdom might say, Moretti says young viewers want more than 60-second clips. It’s video’s ability to be immersive and narrative that lets Vice connect with audiences”. 60 “[…] it attempts to explain the complexities of our world and the people in it”. 57

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Vice têm uma voz e exigem que seus profissionais dediquem tempo na sua produção. Mojica (apud NIEMANLAB, 2014, tradução da autora)61 acredita que “é importante para o site ser um lugar onde você possa vir todo dia descobrir o que está acontecendo no mundo e que é capaz de afetar a sua vida”. A reportagem de Damian Abraham é uma imersão no que tange as formas de acesso à cannabis medicinal, seja por meio dos programas do governo, o antigo MMAR, ou o atual MMPR, ou, ainda, por meio do mercado paralelo. Nos três últimos entretítulos da reportagem gonzo de Abraham – Investimentos Verdes, Ascensão do Mercado Cinza, e O Futuro da Maconha no Canadá –, dentre os principais pontos levantados estão os incentivos que os produtores licenciados realizam, com o objetivo de resgatarem os investimentos milionários na produção e comercialização da cannabis medicinal. Ao narrar o caminho burocrático que os pacientes precisam percorrer para acessar o medicamento, Abraham ressalta a criação de clínicas em que médicos que apoiam o uso da cannabis medicinal atendem pacientes para lhes prescrever as receitas exigidas pelo MMPR. Aliás, ele próprio afirma frequentar uma dessas clínicas. Completa dizendo que o procedimento para fazer o pedido precisa ser repetido a cada três meses. No entanto, conforme Abraham contou por experiência própria, agendar uma nova consulta não é tarefa fácil. Pacientes recebem uma avaliação por um médico para determinar se há uma necessidade. Caso dê positivo, também recebem a quantidade por dia em gramas requerida (ainda preciso descobrir no que ela é baseada). Depois disso, o paciente encontra-se com um “consultor” que os auxilia no direcionamento a um produtor licenciado e na seleção dentre as variedades de cannabis oferecidas. Dado que os produtores licenciados, atualmente, não têm permissão para distribuir “produtos promocionais” (acredite em mim, eu tentei), eu vivenciei um tempo difícil acreditando eu o consultor tivesse algum conhecimento além das mercadorias dos produtores licenciados, se comparado a qualquer um que lesse as descrições do site. O paciente faz então um pedido no site de um dado produtor licenciado e espera alguns dias para que o medicamento apareça (ABRAHAM, 2016, tradução da autora)62.

“It’s important for the site to be a place where you can come everyday to find out what’s happening in the world that affects your life”. 62 “Patients are given an assessment by a doctor to determine if there is a need, and if so, the amount per day in grams that they require (based on what, I have yet to figure out). After this, the patient meets with a "consultant" who helps steer them to a LP and select their strains. Given that the LPs are currently not allowed to supply "promotional product" (trust me, I have tried), I have a hard time believing that the consultant has any greater knowledge of the LPs' wares then anyone reading the descriptions of the website. The patient then makes an order from the given LP's website and waits a few days for the medicine to show up”. 61

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A experiência imersiva do autor intensificou-se quando, em abril de 2014, começou a gravar, em Vancouver, o primeiro episódio da série de documentários “Cannabis Canadense” para a Vice. Vale ressaltar que, no início da gravação, havia 30 locais na cidade que trabalhavam com a comercialização da cannabis medicinal. Já 18 meses depois, para gravar outro episódio, dessa vez, especificamente, foram contabilizados quase 200 dispensários de maconha. Pode-se concluir, portanto, que a produção dessa série é um exemplo de dedicação significativa de tempo com o objetivo de analisar determinado tema. Sobre isso, Royal (2000, p. 16), ressalta que o gênero de jornalismo investigativo está incluído na prática do jornalismo literário, considerando que o autor, em geral, imerge na história por mais tempo do que um repórter que cobre uma notícia factual. Além disso, a imersão também deve ser proporcionada ao leitor. “O autor comprometese fortemente com o tema, deixando de lado sua vida, seus confortos, suas liberdades, com a melhor das intenções de revelar a grande verdade” (Royal, 2000, p. 16, tradução da autora)63. No caso da reportagem gonzo aqui analisada, a Vice publicou um relato de alguém que tivesse a vida já imersa no assunto em vez de utilizar um repórter que fizesse uma narrativa convencional. Com isso, por mais que um repórter passasse por uma imersão e relatasse cada detalhe do processo, o texto ficaria extenso, mas perderia o seu caráter gonzo. Dessa forma, a reportagem pode ser considera tanto gonzo, quanto de imersão, já que o autor é o principal personagem e precisou vivenciar a imersão no processo. Vale ressaltar que essa imersão corresponde não apenas à necessidade de buscar mais informações sobre a cannabis medicinal e como ter acesso aos medicamentos provenientes dela, mas também ao início das gravações da série de documentários. Uma forma pela qual o leitor pode perceber e acompanhar a história é por meio das fotos que aparecem entre trechos da reportagem. As imagens são, basicamente, selfies, ou seja, fotos do próprio Abraham. Com isso, soma-se mais um fator que aproxima esse post da categoria de jornalismo gonzo, enquanto o distancia da categoria de jornalismo convencional. Abraham optou por escrever contando os fatos na ordem em que aconteceram, seguindo a cronologia dos acontecimentos pessoais, desde seu primeiro contato com drogas e álcool na adolescência, até o que poderia ser considerado notícia naquele dia da “The author makes a strong commitment to the subject by giving up his life, his comforts, his freedoms, in the best interest of revealing a greater truth”. 63

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publicação, a sexta-feira, 22 de abril. Dessa forma, a técnica do jornalismo convencional da pirâmide invertida foi deixada de lado, visto que acontecimentos recentes citados nos últimos parágrafos do texto poderiam ser um lead de matéria jornalística convencional. Naquela semana da maconha, aproximadamente, 15 mil pessoas reuniram-se no centro de Toronto para manifestar-se a favor da droga. Abraham salienta que esse encontro anual do dia 20 de abril cresceu nos últimos anos. Além disso, o Canadá anunciou à Organização das Nações Unidas (ONU), no mesmo dia, que pretende criar políticas de legalização da maconha na primavera de 2017. Com a virada da situação, espera-se que os pacientes possam produzir sua própria cannabis medicinal. Com isso, percebe-se que o mais importante na publicação não são as informações recentes ou o que acontecerá a partir das novas decisões do governo, mas, sim, a compreensão de todo o processo. Dessa forma, o leitor lê a história pelos olhos do autor do texto, acompanhando o passo a passo vivenciado por ele. A atenção do leitor, nesse único post, divide-se entre os três vídeos dispostos ao longo do texto, o próprio texto, e as imagens que, assim como os vídeos, também estão dispostas pela página, entremeadas pelos parágrafos da reportagem. A utilização de ferramentas distintas em uma mesma publicação deixa claro a coexistência entre essas diferentes formas de leitura: texto, vídeos e fotos. Considerando a crise atual do jornalismo convencional, a Vice é um exemplo que se destaca por dispor de recursos e investimentos no que concerne o interesse do público, jovens entre 18 e 34 anos. Além dos 14 canais segmentados no site da Vice, cada um deles voltado para um assunto específico, a empresa também produz séries de documentários que imergem em um dado assunto. Isso comprova que a imersão não deve ocorrer apenas entre autor e história, mas também entre a empresa de mídia e os interesses do públicoalvo. Pelo exposto na análise de conteúdo, fica claro que a Vice oferece formatos diferentes de reportagens, com base na narrativa transmídia. 3.5 Os níveis do jornalismo de imersão e a sua reinvenção na internet A leitura do texto mostra uma visão detalhada dos programas de cannabis medicinal no Canadá e como que as suas transformações impactaram a vida dos usuários. No entanto, os leitores não conhecem o outro lado da história. Por mais que haja entrevistas com produtores licenciados nos documentários, com argumentos que indicam as vantagens da sua atuação, como geração de impostos e de empregos, não apresenta o

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que o governo ou a comunidade médica tem a dizer. Mesmo contando com essa falta de outros pontos de vista, a Vice não tem a pretensão de ser fonte exclusiva de informação para os leitores. Pelo contrário, a empresa tem a proposta de complementar a visão de mundo deles. Jason Mojica destaca que a empresa visa o público que busca encontrar na Vice um conteúdo que se aprofunda em temas diversos, que os interessam. “Leia o New York Times e venha para o nosso site, ou vice-versa” (apud NIEMANLAB, 2014, tradução da autora)64. De acordo com Hemley, quando o autor se propõe a contar uma história de imersão deve ser adotar os papéis de participante e de observador e, “certamente nunca apenas o de observador” (2012, Kindle Edition, posição 1338, tradução da autora)65. Essa dualidade pode ser associada aos dois modos que o jornalismo de imersão utiliza, conforme fora apontado por Kalvø – o realístico e o interpretativo. Sua coexistência é o que permite que o conteúdo jornalístico seja classificado como jornalismo de imersão. Dessa forma, tendo por base a ideia de níveis de imersão diversos, apresentada por Kalvø em seu estudo sobre a Vice, é possível aqui comparar os dois vídeos e o texto objetos da análise de conteúdo. Com isso, pode-se notar que cada um deles está em um nível diferente. Se for atribuída uma escala de 0 a 5 no que diz respeito ao nível do jornalismo de imersão, o primeiro vídeo (“Da Síria para Toronto: Kourosh Houshmand oferece as boas vindas típicas canadenses”) ocuparia a posição 3; o segundo vídeo (“Introdução ao Óleo de Haxixe extraído com Butano”), ficaria com a posição 4; enquanto o texto (“A maconha salvou minha vida após uma década sob medicação para ansiedade”), a posição 5. No outro lado da moeda, como se fosse uma força contrária, estaria o jornalismo convencional. Com isso, o primeiro vídeo ocuparia a posição 2; o segundo, a 1; e o texto, a 0. Pode-se concluir, portanto, que o texto divide-se apenas entre os dois modos de jornalismo de imersão, realístico e interpretativo, conforme Kalvø explicitou. O gráfico 1 mostra os níveis de jornalismo convencional e de jornalismo de imersão em cada um dos conteúdos das publicações analisadas anteriormente. Foram atribuídos números romanos para corresponderem a cada uma. Dessa forma, “Da Síria para Toronto: Kourosh Houshmand oferece as boas vindas típicas canadenses” corresponde ao número I no gráfico; “Introdução ao Óleo de Haxixe extraído com

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“Read The New York Times and come to our site, or vice versa”. “[…] certainly never simply the observer”.

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Butano” corresponde ao II; e “A maconha salvou minha vida após uma década sob medicação para ansiedade”, ao III. Gráfico 1 – Níveis de Jornalismo

Fonte: Elaborado pela autora, 2016

Vale ressaltar que, para obter os valores mostrados no gráfico 1, considerei o modo realístico como uma constante equivalente a 2,5. Conforme já mencionado, o modo realístico aborda uma realidade externa ao autor, segundo Kalvø. Considerando que as três produções mostram realidades externas aos seus respectivos profissionais, elas poderiam assumir a mesma proporção com relação ao modo realístico. Isso permitiu o cálculo do valor correspondente ao modo interpretativo de cada um. Dessa forma, foi necessário calcular a diferença entre o nível de jornalismo de imersão e o valor do modo realístico, porque o jornalismo de imersão equivale à união de ambos os modos. Com isso, o texto de Abraham foi o que mais utilizou o modo interpretativo, cujo valor é o mesmo do modo realístico (2,5) porque há um equilíbrio entre os dois. Por outro lado, o vídeo de T.Kid foge um pouco do caráter gonzo devido à presença de características do jornalismo convencional. Dessa forma, o valor encontrado para seu modo interpretativo foi de 1,5. Por último, o vídeo de Houshmand é o mais distante do jornalismo gonzo e não é à toa que o valor calculado para a utilização do modo interpretativo foi de apenas 0,5. No entanto, foi justamente essa pequena presença da realidade interna de Houshmand que levou essa produção a ter sido classificada como “gonzo” e não “convencional”. Isso porque, conforme Kalvø explicou, as matérias jornalísticas não devem ser classificadas por extremos, mas, sim, por níveis. Dessa forma, foi considerada a maior inclinação do vídeo de Houshmand para o jornalismo gonzo, e

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não uma classificação extrema que o catalogasse como “totalmente gonzo” ou “totalmente convencional”. Talvez a característica mais óbvia sobre Jornalismo de Imersão é como o repórter imerge na história relatada. Isso, normalmente, requer uma grande dedicação de tempo na produção da reportagem do que, em geral, é feito, ainda que esse aspecto com relação ao tempo possa, entretanto, variar bastante, assim como o nível de imersão (KALVØ, 2015, p. 36, tradução da autora)66.

Tendo em vista que o modo interpretativo aborda uma realidade interna aos profissionais, quanto maior for a sua presença na reportagem, mais próxima ela estará do jornalismo gonzo que, conforme aponta Kalvø, é uma das formas que estão no extremo do jornalismo de imersão. A comparação entre o uso que os três profissionais fizeram dos modos realístico e interpretativo pode ser observada no gráfico 2, em que cada publicação corresponde, mais uma vez, ao respectivo número romano que a representa. Lembrando que “Da Síria para Toronto: Kourosh Houshmand oferece as boas vindas típicas canadenses” corresponde ao número I no gráfico; “Introdução ao Óleo de Haxixe extraído com Butano” corresponde ao II; e “A maconha salvou minha vida após uma década sob medicação para ansiedade”, ao III. Gráfico 2 – Níveis de Jornalismo e Modos de Jornalismo de Imersão

Fonte: Elaborado pela autora, 2016

“The perhaps most obvious thing about Immersion Journalism, is how the reporter immerses him or herself in the story being written. This usually require a greater use of time in the reporting than is normally done, although the time aspect can however vary to a large extent, as well as the degree of immersion”. 66

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Os vídeos de T. Kid e Houshmand, diferentemente do texto de Abraham, apresentam entrevistas, informações e formas de documentar um tema típicas do jornalismo convencional. No caso de Houshmand, por mais que ele conte parte de sua vida, o foco da história continua sendo o refugiado sírio e seu mais novo amigo, Nazar. Ainda que seu papel fuja do convencional, Houshmand atua, em determinados momentos, como um ouvinte, alguém que está ali para mostrar o personagem e a história que ele tem para mostrar. Existe uma troca entre os dois, diálogo e a própria apresentação do refugiado feita pelo jornalista às pessoas que estavam em uma festa de ano novo, mas não há um protagonismo por parte de Houshmand. Se não fosse a experiência de vida dele, o vídeo teria sido enquadrado como convencional. No entanto, é como Hemley ressaltou, quanto mais diferente um autor for do grupo no qual busca se infiltrar, maior será a desconfiança perante a ele (HEMLEY, 2012, Kindle Edition, posição 1388). Mesmo entre esses dois vídeos, é possível notar maior aproximação com o estilo gonzo, no caso do segundo. O envolvimento do apresentador T. Kid ganha um destaque maior no documentário, se comparado ao primeiro vídeo. No entanto, ainda assim, o foco do documentário é a extração do óleo de haxixe via gás butano. Com isso, percebe-se que o modo realístico do jornalismo de imersão ocupa maior espaço na realização deste vídeo do que o modo interpretativo, por isso ele ocupou a posição de número 4. Por outro lado, no caso do texto, o foco da publicação é o próprio Damian Abraham. Por mais que haja um equilíbrio entre o modo realístico e o modo interpretativo, o nível se mantém constante na posição 5 do jornalismo de imersão. Isso ocorre porque ele, o artista, o apresentador dos documentários, é o protagonista. Mesmo que os documentários dispersados na publicação sejam considerados jornalismo convencional, como é o próprio Damian que os apresenta, não há qualquer força que diminua o grau de imersão para esse post. Com isso, sua posição foi a número 5, o nível máximo da escala e a mais próxima do jornalismo gonzo, conforme ressaltou Kalvø. A reinvenção do jornalismo de imersão, aqui analisado com base no estilo gonzo, ocorre devido à mistura de mídias utilizadas na internet. Se antes Hunter S. Thompson já era um repórter multimídia, como destacou Ferreira (2014, p. 16), agora os meios de divulgação dos trabalhos gonzo também adotam o item multimidialidade, um dos três mais importantes componentes do jornalismo online. Embora nenhuma publicação envolvendo a realidade virtual tenha sido levada ao ar na semana observada, elas foram abordadas no capítulo 2 como uma das formas de reinvenção do jornalismo de imersão na internet. Assim como Aguiar e Barsotti (2010, p.

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311), defenderam que o infotenimento pode se fazer presente quando a produção jornalística tem o objetivo de despertar sensações, também o jornalismo imersivo pode ser enquadrado no infotenimento. Afinal, a sensação de imersão no local da gravação provoca no público uma experiência de conhecer os detalhes de outra realidade, com a sensação de estar no local. Conforme fora dito ainda na introdução deste trabalho, “escritores habilidosos levam o leitor ao local da história e o deixam testemunhá-la, experimentá-la e senti-la, por meio da narrativa. Isso é muito mais poderoso do que uma versão indireta da realidade” (HART, 2007 p.104, tradução da autora)67. A essência do gonzo, portanto, não se perdeu. Ela apenas se transformou. O importante é perceber que cada produção classificada como gonzo possuirá níveis variados e características distintas, porque cada uma delas refletirá os sentimentos e percepções da pessoa que as realizou. Entendendo o gonzo como um estilo camaleão, essa reinvenção, portanto, vai além até mesmo da utilização de tecnologias. Cada pessoa age de uma forma, pensa, interpreta e escreve de infinitas maneiras. O gonzo se reinventa porque as próprias pessoas mudam. As tecnologias utilizadas são consequência da mudança de comportamento, seja coletivo, ou individual.

“Skilled narrative writers put the reader there and let her witness it, have the experience, feel it. That’s much more powerful than a secondhand version of reality”. 67

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho verificou que o jornalismo praticado pela Vice Media reinventa o jornalismo gonzo, um estilo que desempenha o nível máximo do jornalismo de imersão. Para que isso fosse possível, foi necessário não apenas contextualizar o jornalismo literário nos séculos XIX e XX, mas também, realizar uma revisão bibliográfica sobre como o jornalismo utiliza os recursos tecnológicos no meio digital. Isso porque o jornalismo gonzo é uma vertente do jornalismo literário, originada na década de 1970, enquanto também estava em consolidação o movimento do Novo Jornalismo. Tomando como origem do jornalismo literário o século XIX, os escritores já buscavam imergir o público na história que contavam. A imersão é possível tanto para o público que lê o relato e pode imaginar-se no lugar dos personagens, quanto para o autor, dependendo do nível do seu envolvimento no tema. Por isso, o jornalismo de imersão não depende de tecnologias para ser utilizado. Com a proposta de verificar se, com a internet, o jornalismo de imersão, em seu nível máximo, ou seja, o jornalismo gonzo, adapta-se aos recursos digitais, reinventandose, escolhi analisar publicações da empresa Vice Media. Esta companhia produz conteúdo com base no que se entende por jornalismo de imersão e vai além, pois também conta com duas reportagens de jornalismo imersivo em seu histórico. O jornalismo imersivo é uma forma de reinventar o jornalismo literário, pois a sensação de estar presente no local da gravação assemelha-se ao poder que a narrativa tem de permitir que o leitor testemunhe a história tal como se estivesse presente no local dos acontecimentos relatados. Apesar de as nomenclaturas serem semelhantes, seus significados são distintos. Enquanto o jornalismo de imersão está relacionado ao nível de envolvimento do autor na história, o jornalismo imersivo significa a utilização da realidade virtual para mostrá-la, com o objetivo de despertar sensações no público. Isto posto, enquanto o jornalismo de imersão, que já se propunha a aproximar o leitor da história, como se este enxergasse pelos olhos dos personagens, o jornalismo imersivo vai além, maximizando a experiência. Além de provocar aproximação entre leitor e história, o jornalismo de imersão também corresponde à imersão do autor no tema, de forma que marque o conteúdo com sua própria voz, o que foge, portanto, ao ideal da objetividade jornalística. Por isso, mesmo que o jornalismo imersivo já seja por si só uma reinvenção do jornalismo literário, essa constatação não basta para verificar a hipótese levantada na

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introdução deste trabalho, ou seja, se a Vice Media reinventa o jornalismo de imersão, com enfoque no jornalismo gonzo. Com efeito, a reinvenção do jornalismo gonzo ocorre devido à mistura de mídias utilizadas na internet, decorrente da multimidialidade, um dos três mais importantes componentes do jornalismo online. Em conjunto com a hipertextualidade, o gonzo conversa com o jornalismo convencional, disponibilizado em outras mídias, oferecendo um conteúdo diferenciado ao público. Thompson, o criador do jornalismo gonzo, utilizava diversos apetrechos enquanto trabalhava na produção de novas histórias. No entanto, o conteúdo disponibilizado aos leitores era apenas formado por texto, sem que as informações interagissem com outras mídias. O jornalismo gonzo que a Vice realiza atualmente utiliza texto, com informações que ligam para outros sites, por meio de hiperlinks, oferecendo uma possibilidade de o público aprofundar-se mais na história. Além de disponibilizar, em uma mesma publicação, mídias diferentes, a Vice une, ainda, gêneros diferentes, como o convencional e o gonzo. Isso mostra que a internet possibilita uma coexistência não apenas entre diferentes mídias, mas também entre diferentes gêneros jornalísticos, como o jornalismo convencional e jornalismo gonzo em duas das publicações aqui analisadas. Isso pode ser considerado uma reinvenção pois, numa época em que o conteúdo gonzo de Thompson era publicado em uma única mídia, ele não conversava com outros conteúdos da mesma forma como acontece na internet. Pode-se concluir, ainda, que o gonzo é um estilo camaleão, que faz do autor um espelho. Isto posto, quando o autor encara o jornalismo gonzo, a imagem refletida é ele próprio. Com isso, o gonzo se reinventa porque as próprias pessoas mudam. Dessa forma, nas três produções analisadas nesse trabalho, Houshmand, T. Kid e Abraham realizam jornalismo gonzo, mas cada um à sua maneira, e com níveis de jornalismo de imersão diferentes. O primeiro vídeo foi o que obteve a maior aplicação do modo realístico, pois a realidade externa ocupou a maior parte do seu conteúdo. Além disso, o enfoque do vídeo foi o imigrante sírio Nazar Poladian. Já no segundo, ainda que o modo interpretativo usado por T. Kid tenha sido maior do que o usado por Houshmand, o enfoque do vídeo é o tema, e não a atuação do apresentador. Por último, foi constatado um equilíbrio entre os modos realístico e interpretativo na reportagem escrita por Abraham. Além disso, o próprio autor é o protagonista e o enfoque da publicação. Por isso, este texto obteve o nível máximo do jornalismo de imersão, sendo, portanto, o que mais se aproxima do jornalismo gonzo.

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Acredito que este trabalho possa contribuir para o jornalismo brasileiro porque não constam muitas pesquisas nacionais sobre esse assunto e, considerando a crise pela qual as redações passam atualmente, enxergo uma necessidade de mudança no que diz respeito ao nível de imersão do repórter ao apurar e narrar uma história. Tal como a Vice pratica em seu conteúdo, quando o autor é próximo ao público para quem ele se dirige, isso gera maior confiança entre os leitores. Com isso, essa mudança está relacionada à possibilidade de o repórter imergir mais profundamente não só na apuração, mas também na publicação, deixando, portanto, sua voz aparecer, de forma que o público possa identificar-se com o autor, o que gera mais confiança. Espero que este trabalho sirva como inspiração para as pessoas que acreditam no jornalismo tanto quanto eu.

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