“Esse meu jeito de viver”: Experiência, consumo e sociabilidade em Pokémon GO

May 24, 2017 | Autor: P. Conceição dos ... | Categoria: Facebook, Redes Digitais, Circulação, Consumo de experiência
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Seriado em Revista: apontamentos sobre a midiatização na versão digital de Bravo! Anna de Carvalho Cavalcanti Silvana Copetti Dalmaso Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS Palavras-chave: jornalismo cultural; revista digital; narrativa seriada; Bravo!.

RESUMO EXPANDIDO Este artigo tem como objetivo investigar a forma como a revista de cultura Bravo! migrou, em agosto deste ano, para o formato digital, acionando em si referências midiatizadas a partir de outros contextos em emergência no momento, como as séries audiovisuais. Ao longo de 16 anos de existência, a Bravo! atuou no mercado editorial brasileiro como um veículo de referência no campo do jornalismo cultural impresso e, ao lançar-se na internet, aponta para questionamentos importantes que propomos desenvolver e aprofundar neste trabalho: quais características do ambiente digital a revista assimilou em sua versão digital? O que os novos publishers procuraram manter de sua essência editorial? De que forma a Bravo! fez sua própria mediação, ao transigir para o online? Tais questionamentos situam-se na perspectiva de uma sociedade atravessada pela midiatização, pela presença das mídias que, agora, não apenas mediam, mas organizam as manifestações e as práticas do contemporâneo, entre elas o jornalismo. Compreendemos o jornalismo como um campo de relações capaz de construir a realidade por meio do estabelecimento de hierarquias, mediando categorias de visibilidade alicerçadas na confiança, na credibilidade e no prestígio. O jornalismo cultural, enquanto especialidade jornalística, afirma seu lugar supostamente perito a partir de um contrato de confiança estabelecido com o leitor. Diz a ele o que deve ser lido, visto e assistido, ou seja, escolhe entre o que é relevante e o que pode ser silenciado a partir de seus critérios. O conhecimento produzido a partir da credibilidade construída por meio da leitura da realidade, de acordo com Miguel (1999, p. 197), faz do jornalismo um sistema perito, “um sistema de excelência técnica cuja efetividade repousa na confiança depositada por seus consumidores”. Depreendemos, então, que o jornalismo, enquanto sistema perito, é capaz de estabelecer hierarquias, conceder visibilidade e prestígio, estabelecendo o que é relevante e, portanto, digno de atenção.

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A partir desse lugar de perito, uma segunda característica se soma na compreensão do jornalismo, que é a de metassistema perito, agindo como força reguladora no intuito de proteger os consumidores dos diversos outros sistemas peritos. Enquanto metassistema, inscrito na área de cultura, o jornalismo tem um valor determinante na inclusão ou exclusão de produtos e pessoas, atuando também como perito do sistema artístico. Dessa forma, ficam subentendidas a justeza na seleção e hierarquização das notícias relacionadas a esse campo, tornando o jornalismo um mapa de leitura possível do sistema artístico relativo ao tempo e espaço presentes, disseminado na imprensa de cultura contemporânea. Como parte do universo de publicações fundamentais à construção do jornalismo cultural brasileiro, a revista impressa Bravo! exerceu um papel estratégico essencial, reiterando a existência de um espaço de legitimação em suas páginas. Lançada em outubro de 1997, a Bravo!, objeto deste trabalho, permaneceu no mercado por quase 16 anos, somando, ao todo, 192 edições distribuídas mensalmente, abordando música, cinema, artes visuais, livros, teatro e dança. Em todas as capas de Bravo!, para referenciar o mês de origem da edição, encontrávamos a seguinte frase: “O melhor da cultura em [mês e ano da publicação]”. Por meio dessa citação, a revista se proclamava como detentora da capacidade de elencar quem ou quais foram os melhores representantes da cultura em um determinado mês, seja um artista, uma obra de arte ou uma peça de teatro. Ainda que a escolha fosse feita com base em critérios analíticos e conceituais, sempre expostos e articulados por jornalistas especializados nas áreas específicas, percebe-se que a revista se proclamava desde então como detentora de um capital simbólico (BOURDIEU, 2003) com poder para dar voz aos eleitos de cada edição e proclamá-los como o que existia de melhor na cultura daquele momento, o suprassumo do jornalismo cultural. Recentemente, em agosto de 2016, após três anos fora de circulação, a Bravo! voltou em versão online, relançada pelos jornalistas e publishers Helena Bagnoli e Guilherme Werneck, ex-executivos da Abril. O retorno da revista, além de suscitar questões sobre esse lugar de ascensão do jornalismo cultural – a internet –, propõe-nos um olhar acerca desse novo projeto, em novo formato, que surge. Apesar de, anteriormente, a Bravo! ter site, com conteúdos exclusivos para assinantes, a revista nunca tinha tido uma versão integralmente online, conforme atualmente acontece. No texto intitulado “Manifesto Bravo!”, publicado na página inicial do site onde a revista está hospedada (www.bravo.vc), lemos que o objetivo atual da revista é 2

transcender limites a partir de uma experiência que se materializa em diferentes formatos e linguagens – a experiência online, que tanto vem crescendo no ambiente midiatizado da vida cotidiana. Ao explicar sobre esse novo formato, o texto diz: “Na aparente contramão da história, escolhemos como caminho primeiro a profundidade: dossiês monotemáticos intensos, ligados a uma ideia que inspira e amarra as pautas escolhidas, desenhando, o que à semelhança das séries televisivas, chamamos de temporadas”. Dessa forma, de acordo com o manifesto, a revista vai trabalhar com dossiês monotemáticos, ou seja, textos mais aprofundados sobre um só tema, que deve constituir o assunto da “temporada”. Segundo esse novo formato, a cada quinze dias será lançado um novo “episódio” e, em três meses, a “temporada” é encerrada para que outra se inicie, com novo conceito. Conforme assumido, a ideia que inspira a revista atualmente está relacionada às séries televisivas, incorporando aspectos temporais, narrativos e conceituais desse formato audiovisual, e reforçando o aspecto imagético presente nas revistas e nas séries. Esse tipo de relação explícita faz referência à afetação e interação entre as mídias, típicas da midiatização. Diferentes formatos e linguagens de mídia, como impresso e audiovisual, dialogam entre si na versão digital de Bravo!. Verón (1998) sublinha o status das mídias mesclando-se em todos os aspectos significativos do funcionamento social, mediante complexas interações entre mídias, instituições e indivíduos, daí resultando processos de afetações não-lineares engendradas por práticas discursivas. Nesse sentido, o caráter de hipermídia também se sobrepõe nas reportagens da Bravo! digital, pois utiliza modalidades comunicativas próprias do ambiente digital, entre elas os links para complementar a informação. De acordo com Longhi (2009, p. 192), “a hipermídia atua para a criação de narrativas nas quais o acompanhamento de informações adicionais ao texto significa, por si só, um elemento fundamental da informação on-line”. As características do jornalismo digital como hipertextualidade, multimidialidade e interatividade atuam na composição dessas narrativas híbridas, potencializam aspectos conforme as especificidades do produto, além de possibilitar o aprofundamento dos conteúdos. Para Ureta (2009, p. 60), no ambiente digital, “a reportagem tem demonstrado seu design flexível e sua excepcional capacidade de diversificar e implantar novas formas de contar”. No caso de Bravo!, essas diferentes formas de contar estão intrinsecamente associadas aos formatos narrativos seriados, extremamente populares atualmente. Esse formato implica uma mescla entre o audiovisual e o digital que se dá em sentidos temporais e narrativos. Ao assumir para si uma narrativa seriada, Bravo! traz à 3

tona uma importante estratégia de articular-se com práticas sociais cujas dinâmicas já estão instaladas e estruturadas fortemente em nosso contexto. O fato de as séries estarem em grande emergência reflete uma temporalidade específica, que perpassa instituições e indivíduos, e é também assimilada no jornalismo cultural de Bravo!. O tempo longo de uma revista impressa, marcado por uma leitura que duraria um mês, no caso da Bravo!, é agora substituído por uma temporalidade que estrutura uma outra mídia, a qual possui extrema aceitação atualmente, os seriados. Gomes (2006) fala de uma nova ambiência cujos processos midiáticos viriam a se constituir em novos operadores da inteligibilidade social. Essa nova forma de apreensão social, de inteligibilidade, perpassa a instauração de um tempo midiático que se constrói como base, sustentáculo, de toda uma mídia que, atualmente, acompanha o instantâneo, o simultâneo e o fugaz. A temporalidade das séries, quando assimilada pela Bravo! digital, cria uma forma de midiatização de um tempo contemporâneo, ubíquo, que perpassa as novas formas narrativas e o contexto tecnológico no qual elas circulam, séries e revistas digitais. Assim, este artigo propõe um olhar sobre a revista Bravo! como um lugar de percepção de temporalidades e narrativas contemporâneas que convergem, entre a revista digital e as séries audiovisuais. Para isso, utilizaremos os aportes metodológicos da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977) a fim de mapear e identificar os entrecruzamentos entre formatos midiáticos que estão presentes na Bravo! digital. A partir de um olhar inicial, percebe-se que a revista mantém seu lugar perito de curadora da cultura contemporânea, transigindo ao digital em busca de acompanhar o ritmo temporal do seu público e do seu meio. Nesse percurso, desenvolveremos de forma mais ampla as noções e relações entre jornalismo cultural (GADINI, 2004; GOLIN, 2012; 2013), jornalismo digital de revista (BENETTI, 2013; MIELNICZUK, 2015) e narrativa seriada (JOST, 2011; SILVA, 2014), considerando a midiatização (BRAGA, 2008; FAUSTO NETO, 2008; FERREIRA, 2007; 2008) como pressuposto teórico e empírico. A Bravo!, como um veículo jornalístico de referência, apresenta-se como um objeto que vem refletir com legitimidade os aspectos teóricos a serem abordados.

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Transmídia, propagabilidade, engajamento. Reflexões sobre visibilidade e legitimação do jornalismo na sociedade midiatizada. Carolina T. Weber Dall Agnese Eugênia Maria M. da R. Barichello Vivian de Carvalho Belochio Universidade Federal de Santa Maria, UFSM

Palavras-chave: visibilidade midiática; legitimação institucional; jornalismo; narrativa jornalística transmídia; midiatização. RESUMO EXPANDIDO No cenário de midiatização da sociedade e das práticas sociais, as lógicas de visibilidade e legitimação de organizações e instituições ganham novos contornos (BRAGA, 2006; HJARVARD, 2014; THOMPSON, 2008; SODRÉ, 2013). Atualmente, as próprias organizações midiáticas precisam estar visíveis, sobretudo a fim de obter ou reforçar sua legitimidade enquanto mediadoras perante a sociedade, em um contexto de transformações sociotécnicas e novas formas de interação com os públicos. Em especial o jornalismo, que vê seus fundamentos, saberes e práticas serem apropriados por outros atores e instituições sociais, chegando a um paradoxo: ao mesmo tempo em que (por meio das organizações midiáticas) oferece elementos para uma nova organização da cultura e da sociedade, perde o status de lugar exclusivo para a representação do real (FAUSTO NETO, 2008). Situação que vai demandar das organizações de mídia uma série de estratégias com o intuito de demarcarem seu papel na sociedade, chamando a atenção para seus discursos e modos de fazer. Neste artigo, nosso interesse recai nas práticas do jornalismo em plataformas e ambiências digitais. Entende-se que a visibilidade e a legitimação das organizações e instituições midiáticas nesses espaços resulta em grande medida das ações dos interagentes e depende não só da interação nos espaços “oficiais”, como o webjornal, mas também de ambiências mais abertas e participativas como as mídias sociais digitais. Assim, apontamos a narrativa transmidiática no jornalismo, caracterizada por contar histórias em múltiplos meios e plataformas e por incluir a participação dos fãs para a expansão da narrativa (JENKINS, 2008; DIAS SOUZA, 2010; SCOLARI, 2016), como 5

objeto propício para pensar a visibilidade midiática e a legitimação institucional no contexto da midiatização. A narrativa transmidiática tem como base esforços contínuos das organizações para a serialização, que compreendem estratégias para manter leitores comprometidos, capazes de acompanhar cada atualização e de fazer conexões entre os segmentos de informações que compõem a narrativa. Tal prática (oferta de narrativas em série) não é nova; porém, assume uma nova configuração no contexto da sociedade midiatizada ao acrescentar estratégias de engajamento ligadas diretamente à complexificação das narrativas que exploram as capacidades cognitivas do público (JENKINS, 2008; FORD; GREEN; JENKINS, 2014). Nesse contexto, considera-se pertinente relacionar conceitos relacionados às potencialidades das narrativas transmídia, como a propagabilidade de conteúdo e o engajamento do público, com as estratégias de visibilidade e de legitimação, especialmente da organização jornalística, enquanto representante de uma instituição (GUERRA, 2005). Assim como transmídia, os conceitos de propagabilidade e engajamento foram aplicados inicialmente à indústria de entretenimento; contudo, é possível fazer conexões com a produção jornalística, uma vez que esses fatores impulsionam o desenvolvimento da notícia (CANAVILHAS, 2014). Tem-se como hipótese que tais características são utilizadas de forma estratégica, inicialmente visando à visibilidade, e consequentemente potencializando a legitimação. Dessa forma, nesta investigação, que faz parte de uma pesquisa doutoral, propõese refletir sobre a visibilidade midiática e a legitimação na sociedade midiatizada a partir da análise das estratégias das organizações jornalísticas de busca pelo engajamento do público em ambientes de mídia propagável, notadamente as mídias sociais digitais, a partir de narrativas transmidiáticas. Pretende-se verificar como as características intrínsecas dessas narrativas contribuem para tornarem visíveis os conceitos, pensamento e modos de fazer das organizações, por meio dos fluxos e interações com os públicos, ao mesmo tempo em que explicam e justificam a existência da instituição ou da organização, a fim de legitimá-la ou reforçar sua legitimidade. Com essa proposta, o texto se organiza em quatro partes. Na primeira, delineiase o cenário em que essa reflexão é realizada, da sociedade midiatizada, pautada por constantes transformações sociotécnicas e múltiplas formas de interação das organizações com os públicos. Toma-se o processo de midiatização como base conceitual, especialmente a partir da perspectiva teórica dos meios como ambiências, envoltórios culturais. Entendem-se as modificações nos processos produtivos jornalísticos como 6

decorrentes da midiatização (FAUSTO NETO, 2008; 2015). Na segunda, trata-se da questão da visibilidade e da legitimação das organizações e instituições sociais - mais especificamente, das estratégias operadas pelas organizações jornalísticas.

Compreende-se

como

estratégias

de

visibilidade

as

práticas

comunicacionais que objetivam informar e comunicar os atos da organização, enquanto representante de uma instituição, tornando-a visível; ao mesmo tempo, tornam visível determinando pensamento, conceito, modo de fazer. Na sociedade midiatizada, essas estratégias são praticadas não só nos espaços institucionalizados do jornalismo (jornal, revista, programa de rádio, webjornal), como também em espaços externos como as mídias sociais digitais, incorporando práticas e linguagens típicas dessas ambiências. Por outro lado, enquanto estratégias de legitimação considera-se as práticas comunicacionais e interações realizadas em suportes midiáticos de visibilidade que buscam explicar e justificar a existência da instituição ou da organização, a fim de legitimá-la perante a sociedade. No contexto da sociedade midiatizada, as mídias sociais digitais constituem-se em um espaço privilegiado para isso.

Em uma terceira seção, busca-se relacionar o cenário e os conceitos discutidos inicialmente com a definição de narrativa transmídia, a fim de verificar como as características dessas narrativas, como a capacidade de propagar-se e de engajar os públicos, se configuram como estratégias da organização jornalística. Por fim, em uma quarta seção, faz-se uma aproximação empírica, com análise das estratégias de visibilidade e legitimação verificadas em uma narrativa transmidiática de uma organização jornalística de referência. Destaca-se que a finalidade de analisar as práticas das organizações jornalísticas é entender as possíveis alterações de algo que está além delas – a instituição jornalística. Estabelecer tal perspectiva dá maior relevância ao estudo, pois as observações e questionamentos não se esgotam à observação do caso empírico.

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Multiplicação dos métodos e abertura ao ensaio: uma proposta para a constituição das rotinas produtivas do jornalismo como objeto do saber formalizado Clarissa Corrêa Henning Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Palavras-chave: Anti-ciências; rotinas produtivas do jornalismo; cibercultura; empresariamento de si; jornalismo sem fins lucrativos. RESUMO EXPANDIDO Resumo: A cibercultura vem deslocando os modos de dar e de receber informação. Seja na elaboração da pauta, na escolha das fontes, no uso das métricas ou nas emergentes e variadas formas de jornalismo independente. Os meios de comunicação digital, se por um lado são ferramentas de multiplicação da emissão e uma importante abertura às ações protagonizadas pelos internautas, também devem ser entendidos como meios de produção. Cada vez mais jornalistas vêem a descentralização dos meios como uma oportunidade para exercer o jornalismo livre dos constrangimentos ditados pela indústria hegemônica de produção de conteúdo. Pensar sobre os efeitos de tais transformações no jornalismo suscita questionamentos e inquietações quanto aos elementos eventualmente potentes para constituir essa área do saber. A importância filosófica da epistemologia decorre do fato de ser impossível separar o objeto de seus efeitos. E se é a organização dos objetos que dá forma à realidade, o fenômeno analisado carrega em si a inscrição de quem busca determiná-lo. Assim, a caótica percepção do pesquisador exige uma organização racional que classifique e projete a sequência da investigação. A ideia é de que, contra o empirismo simplista, o dado seria antes de qualquer coisa um réu e a prática científica iniciaria, justamente, pela ruptura com o senso comum. Mas essa ruptura é uma elaboração: ela é constituída por um conjunto de técnicas desenvolvidas pelo pensamento. O saber científico é resultado de reflexão e por isso nunca está presente em uma aproximação inicial. Precisa ser construído e depende, portanto, da racionalização dos processos de discernimento.

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Fatos são idéias racionalizadas que, encadeadas, os valida como científicos. A construção dos fatos está imersa, portanto, na história do pensamento. A consequência de tal afirmação é de que a construção dos fatos é sempre datada e localizada. Por outro lado, ao operar o corte da observação, o observador carrega consigo determinadas possibilidades - aprendidas na disciplinirazição inerente ao saber formal - e assim restringe o que a ela se combina. As teorias sobre os efeitos das rotinas jornalísticas, muitas vezes, naturalizam o objeto de modo a relacioná-lo às condições de produção de conteúdo ditadas pela mídia hegemônica. Mas, diante da proliferação das vozes online e das possibilidades de práticas profissionais mais autônomas, as condições de produção passam a ser reelaboradas por elementos, se não alheios, pelos menos mais variados do que aqueles presentes nas grandes redações. Um dos deslocamentos importantes neste tempo é a incitação ao empresariamento de si. Ao lado das novas tecnologias, penso que este é um fenômeno importante para a análise das rotinas produtivas, na medida em que alguns jornalistas têm se organizado em coletivos e fundado veículos online sem fins lucrativos. Muitos desses profissionais acumulam jornadas de trabalho porque as iniciativas ainda não são autossustentáveis. Além disso, precisam lidar com técnicas de administração e de gestão na organização do trabalho feito pelo coletivo. O freelancer também lança mão de algumas dessas técnicas, porém tais estratégias aparecem de forma mais ampla em grupos de profissionais que precisam organizar toda a cadeia produtiva de uma iniciativa jornalística. Há exigências quanto ao planejamento da iniciativa; devem criar e gerenciar os sites; administrar custos; gerir pessoas; além de organizar o trabalho propriamente jornalístico. Conversar com esses novos atores e atentar para os deslocamentos provocados pelo empresariamento de si sobre as rotinas produtivas é um modo de diversificar as teorias que constituem o sujeito jornalista. Uma escuta atenta quanto às motivações para jornadas duplas, aos usos e apropriações das ferramentas digitais, à produção e gerenciamento do conteúdo em redes sociais – e também às possibilidades de financiamento do trabalho. Tal abertura ao empírico parece contribuir com o avanço do conhecimento. Contudo, penso ser oportuno tensionar as formas de tratamento de tais informações e as maneiras como incluimos a empiria no saber científico.

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Tradicionalmente, as fases do método científico constituem um ordenamento de sistemas de afirmação. E, se os dados são utilizados rigorosamente de acordo com as teorias estabelecidas, o sistema de afirmação é revigorado. Assim, o gesto metodológico de falsear as teorias normativas pode auxiliar na abertura da ciência. Se a ideia é fortalecer os fatos – e não as hipóteses -, desenvolver o pensamento ensaisticamente pode contribuir para diversificar as vozes que regulamentam o saber dito normalizado. Ao problematizar a chamada condição de coerência, tais investigações questionam a antiguidade e a familiaridade das teorias estabelecidas. Se relatos de observação e resultados experimentais tendem a encarnar pressupostos teóricos – e se são construídos de maneira a confirmar estes últimos – os preconceitos só podem ser descobertos por contraste, nunca por análise. A escolha envolve uma metodologia plural que lance mão de uma gama de teorias parcialmente superpostas, mas sem serem consistentes entre si. A metodologia pluralista, conscientemente evitando o sistema de afirmação, produz aumento do conteúdo empírico. Daí a importância de tornar forte o argumento mais fraco: ao nadar contra a correnteza, tal argumento faz aparecer alternativas necessárias ao avanço do conhecimento. Justamente por ser inseparável de sua história, a constituição da ciência também é atravessada pelas dispersões. A discordância entre hipóteses e fatos é qualitativa quando a teoria é incompatível com um fato bem conhecido e tal paradoxo é uma fértil oportunidade de multiplicar os modos pelo quais o saber científico constrói os objetos de investigação. A comunicação, de modo geral, sem dúvida transcende os meios eletrônicos. Mas, tendo em vista o alto grau de conectividade do mundo contemporâneo, é importante levar em conta que o próprio processo de cognição está mudando. E, justamente por isso, obras ligadas às premissas elaboradas na época do modelo emissor-receptor, longe de serem dispensáveis, são fundamentais para a análise da diferença em tais processos. Teorias que apregoam a evolução tecnológica como uma forma de redenção devem ser analisadas com muito cuidado. Contudo, penso que a cautela deve ser igual nas investigações hermenêuticas que buscam os “sentidos” e entendem os processos comunicacionais como

exclusivamente humanos. Apoiando-se na abordagem

antropocêntrica, elas deixam uma lacuna crucial na comunicação, de maneira geral, e no jornalismo digital, em particular. A busca por operar com elementos apropriados ao conceito de “processos midiáticos” mira na tentativa de desenvolver uma pesquisa que investigue as condições de 10

possibilidade da organização dos objetos de análise de uma determinada área do saber. Potanto, o diferencial do gesto metodológico de focar nos processos é que assim passamos de um horizonte de “objetos organizados” à análise das condições de possibilidade de tal organização. Estudar e escrever são exercícios constantes para a composição do pensamento. Assim, a proposta é, por um lado, organizar tais investigações amparada em metodologias múltiplas que, no conjunto, sejam potentes para o falseamento/multiplicação da produção teórica que vem constituindo o objeto das rotinas produtivas no jornalismo. Mas, por outro lado, penso que também a abertura ao empírico deve atentar para elementos não previstos – e nem teorizados – no planejamento da investigação. É essa escuta que dá o tom ensaistico aos caminhos da pesquisa, de modo a facilitar o encontro do pesquisador com elementos externos ao seu pensamento e, consequentemente, às suas práticas. É a pesquisa como exercício filosófico, como uma oportunidade de transformar-se mediante uma experiência de si colada ao pensamento. Conversar com os sujeitos da pesquisa e lançar mão dessas informações na elaboração de produtos científicos é um gesto necessário ao avanço do conhecimento. Por outro lado, a negociação da construção de tais dados junto àqueles que ativamente produzem o fenômeno sob investigação é tarefa que busca potencializar a experimentação no pensamento. E é uma forma de lidar com a pesquisa de modo a fortalecer os protagonistas de saberes menores (jornalistas ligados à veículos online sem fins lucrativos, por exemplo). Tal gesto multiplica os modos como temos constituido as rotinas produtivas do jornalismo – e os sujeitos jornalistas que são produzidos por ela, mas que também as produzem e multiplicam.

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A convergência a favor da marca no contexto da midiatização: a Netflix como conceito Kélliana Braghini Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Palavras-chave: CONVERGÊNCIA; MIDIATIZAÇÃO; MARCA; CONCEITO; NETFLIX. RESUMO EXPANDIDO Uma das líderes de conteúdo digital desde 1997, a Netflix tornou-se recentemente um fenômeno mundial. Presente em mais de 190 países e consumida por 83 milhões de assinantes, a empresa se enuncia como o maior serviço de TV pela internet do mundo. A plataforma é um gigantesco banco de dados audiovisual, que oferece um acervo dos mais variados filmes, séries e shows incluindo produções originais exclusivas, por um valor a baixo das TVs por assinatura. A distribuição de conteúdo via streaming iniciou em 2007 nos EUA e começou a se expandir para outros países entre 2010 e 2011. Em pouco tempo a Netflix tornou-se referência no negócio, tanto que quando surgem novas iniciativas da mesma natureza, elas são imediatamente comparadas à empresa. Mesmo não sendo a única, é a mais lembrada e tem servido de inspiração no ramo da distribuição sob demanda. O projeto brasileiro Cosmic, foi considerado “o Netflix dos quadrinhos”, o Kindle Unlimited, serviço de assinatura de e-books, chamado de “Netflix dos livros”, o Gamelist, catálogo de games para computador também foi inspirado na Netflix e ainda o MECflix, plataforma de estudo online desenvolvida pelo Ministério da Educação é uma referência óbvia. Netflix virou sinônimo de streaming. Hoje o nome não remete apenas a uma marca, mas a um conceito ou até mesmo a um verbo. Não raro se vê pelas redes sociais a expressão netflixing para se referir ao ato de assistir a vários episódios de uma série ao mesmo tempo, ou passar um longo período de tempo assistindo a materiais disponíveis na plataforma. Neste contexto, levantamos a hipótese de que existe uma ação participativa dos usuários/assinantes da plataforma na constituição de um imaginário sobre a marca. Acreditamos que neste limiar existente entre a forma como a Netflix se coloca midiaticamente e como ela é compreendida e ressignificada em outras instâncias, 12

diferentes sentidos são gerados a partir de um movimento complexo de circulação. “Na ‘sociedade em vias de midiatização’ estamos diante de um novo cenário sócio-técnico discursivo que constitui as novas interações entre produção/recepção. Estas resultam diretamente, de novas formas de organização de circulação dos discursos” (FAUSTO NETO, 2010, p. 6). A Netflix não foi a primeira e tampouco é a única forma de se ter acesso a conteúdo audiovisual, mas é hoje uma das mais promissoras, principalmente no Brasil, onde já ultrapassou o faturamento do segundo maior canal da TV aberta, o SBT. Consideramos que a grande adesão do modelo de consumo audiovisual oferecido pela empresa indique, ou ainda, seja resultante de uma reconfiguração das lógicas comunicacionais, tendo os sujeitos-usuários como parte constituinte deste processo.

Tais injunções circulatórias não deixam de ser novas formas de situar os receptores junto ao âmbito do próprio sistema de produção tecno-discursiva das mídias. Não mais mantidos a distância, os receptores se tornam em cooperadores destes processos passando a integrar a própria cena produtiva midiática, nos seus mais variados formatos e gêneros. A complexificação tecnológica expõe o trabalho da circulação, muda os ambientes, as temporalidades, as práticas sociais e discursividades, o status dos sujeitos (produtores e receptores), as lógicas de contatos entre eles e os modos de envio e reenvio de discursos entre eles, diluindo fronteiras outrora cristalizadas, em favorecimento desta nova “zona de contato”, mas também de indeterminações (FAUSTO NETO, 2010, p. 13).

Isso é perceptível na relação que se estabelece entre os assinantes e a marca. Além de um contrato comercial, há uma relação que se constrói na troca, até, por vezes, de afetos. Os fãs propagam o nome Netflix pela internet das mais variadas formas, e demonstram identificação pela empresa com afetividade e personificação da marca, como nos exemplos das Figuras 1, 2, e 3.

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Figura 1: Divulgação gratuita.

Fonte: Twitter (2016).

Figura 2: Amor.

Fonte: Netflix Facebook (2016).

Figura 3: Ciúmes.

Fonte: Netflix Facebook (2016).

O destaque da Netflix, portanto, vai além do serviço que oferece. Muitas hipóteses podem ser levantadas, mas a que supomos neste trabalho é que suas lógicas de produção e funcionamento são próprias do contexto tecnocultural que vivenciamos e que ela respeita e utiliza de forma inteligente as potencialidades comerciais de uma sociedade em 14

vias de midiatização (FAUSTO NETO, 2010). Tal discussão será problematizada com base nos conceitos de cultura da convergência e conexão (Jenkins, 2008 e 2014), por considerarmos que a estrutura tecnológica da plataforma e suas estratégias de funcionamento são sintoma desta cultura, e circulação (Fausto Neto, 2010), por entender que “as novas condições de circulação afetam as lógicas de instituições produtoras e sujeitos-receptores, por força da ambiência da midiatização” e nosso objeto emerge e se constitui como significante desta ambiência.

Referências FAUSTO NETO, A. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, A; VALDETTARO, S (org.). Mediatización, Sociedad y Sentido: diálogos entre Brasil y Argentina. Rosário: Universidad Nacional de Rosário, 2010. JENKINS, H. Cultura da Convergência. Cultura da convergência: a colisão entre os velhos e os novos meios de comunicação. 2a ed. São Paulo: Aleph, 2009. Disponível em: Acesso em: 14 de jul. 2016. ______.; FORD, S.; GREEN, J. Cultura da Conexão. Criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

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Ciberjornalismo em dispositivos móveis: uma análise da conjuntura brasileira Lucas Santiago Arraes Reino Palavras-chave: Dispositivos móveis; Ciberjornalismo; Aplicativos RESUMO EXPANDIDO Resumo: As mudanças sociais que os celulares vêm provocando em nossa sociedade impactaram vários setores, incluindo o Jornalismo. Nesse sentido pretendemos neste artigo discutir e analisar como jornais nacionais, nos grandes centros (capitais do país), estão fazendo uso dos aplicativos para celulares e tablets na sua rotina e assim traçar um panorama permita enxergar o mercado nacional, levando em conta suas particularidades regionais, e também propor uma classificação auxilie em novas pesquisas sobre o tema. Para compreender o panorama atual do jornalismo brasileiro, ou pelo menos começar a mapeá-lo na área de dispositivos móveis, realizamos um levantamento amparado no modelo exploratória-descritivo, que na explicação de Gil (2007), costumeiramente, tem como foco um problema pouco estudado, ou insuficientemente sistematizado, e permite, a partir do olhar detalhado para o campo, levantar hipóteses que vão permitir enxergar o problema de pesquisa mais nitidamente e até pensar em outras problemáticas não tão explicitas antes de tal observação. Didaticamente o autor a faz uma esqueleto de como proceder nesse modelo de pesquisa: primeiramente um levantamento bibliográfico; em seguida orienta para aplicar entrevistas com pessoas com reconhecida experiências sobre o problema pesquisado; e finalmente análise e descrição dos exemplos específicos. Neste estudo que propomos com este artigo, adotamos o tripé proposto por Gil (2007), incluindo o levantamento do referencial teórico sobre os aplicativos, entrevista com dois pesquisadores consagrados no tema, os professores doutores Eduardo Campos Pellanda, da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul); e Fernando Firmino da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba); além de uma descrição detalhada, um mapeamento, de como os veículos usam ou apresentam os aplicativos nas suas páginas. A parte descritiva desse estudo buscou delinear os dispositivos mais comuns adotados pelos veículos no ciberespaço brasileiro. Para isso foram analisados e testados os aplicativos das principais páginas de imprensa em cada uma das capitais brasileiras, além

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de selecionados três veículos de abrangência nacional, aqueles considerados de grande imprensa por terem uma linha editorial menos regionalizada, apelo e abrangência nacional. A proposta foi traçar um perfil de uso dos aplicativos tradicionais e/ou próprios pela imprensa, entender se há distinções ou reciprocidade nos modos de usos pelo país, bem como entre os veículos maiores. O levantamento integra um estudo maior, organizado pelos membros do Grupo de Estudos em Ciberjornalismo (Ciberjor), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em parceria com pesquisadores de outras instituições, entre elas a Universidade Federal do Maranhão (campus de Imperatriz) na figura dos professores que assinam este artigo e coordenam o Grupo de Pesquisa em Comunicação e Cibercultura (GCiber). Ao todo, foram analisados 27 veículos que representam o mais acessado de cada capital do país, com exceção de São Paulo, que por ter a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo na listagem dos representantes nacionais, juntamente com O Globo, teve o jornal mais tradicional de Santos como referência nessa categoria.

Tabela 01. Veículos pesquisados por Região do país sobre uso de App

Zero Hora Gazeta do Povo Jornal de Santa Catarina Campo Grande News Olhar Direto Correio Braziliense Diário de Goiás UAI Extra Espírito Santo Hoje Tribuna

Veículos pesquisados SUL Porto Alegre /RS www.zerohora.com.br Curitiba/PR www.gazetadopovo.com.br Santa Catarina/SC http://jornaldesantacatarina.clicrbs.com.br/sc/ CENTRO OESTE Campo Grande/MS www.campograndenews.com Cuiabá/MT Brasília/DF

www.olhardireto.com.br www.correiobraziliense.com.br

Goiânia/GO

http://diariodegoias.com.br/ SUDESTE Belo Horizonte/MG www.uai.com.br Rio de Janeiro /RJ www.extra.globo.com Vitória /ES http://www.eshoje.jor.br/ Santos/SP

tribuna.com.br NORDESTE 17

Tribuna do Norte Correio 24 horas Gazeta Imirante Jornal da cidade O povo Jornal da Paraíba Meio Norte O liberal Diário da Amazônia O Rio Branco Diário do Amapá Jornal do Tocantins Diário da Amazonia Folha de Bela Vista O Globo Folha de S.Paulo Estado do São Paulo

Natal/RN

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Salvador/BA Maceió/AL São Luís/MA Aracaju/Sergipe Fortaleza/CE Paraíba/João Pessoa

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Palmas/TO

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Porto Velho/RO

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Bela Vista / RR

http://www.folhabv.com.br/

Nacional Nacional Nacional

NACIONAIS http://oglobo.globo.com www.folha.uol.com.br www.estadao.com.br

Fonte: Os autores (2016)

Depois de dois meses analisando esses veículos e uma equipe de sete pesquisadores, podemos perceber que pelo menos por enquanto o limbo parece uma metáfora razoável para explicar o atual papel dos aplicativos para dispositivos móveis na rotina dos cibermeios. Isso porque se nos grandes veículo nacionais todos façam uso do recurso, na contramão dos veículos pelo restante do país (31% não usam), a verdade é que eles não são um destaque. Na sua totalidade, entre os que adotam, o ícone para divulgar a plataforma na página fica sempre escondida, difícil de ser encontrada, quando não acontece como no Estado de S. Paulo, cujo recurso só foi achado depois de uma busca dirigida no Google.

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No que tange o uso de aplicativos tradicionais, o Whatsapp é o mais comum, embora nenhum dos veículos que fazem uso dele especifique o horário de funcionamento ou disponibilize conteúdo específico. De forma pragmática, o aplicativo só é usado como sugestão de pauta. Na verdade, o uso tradicional do dispositivo não chegaria a ser um problema não fosse o tempo de resposta, lento demais, particularmente pelo formato do recurso e até para os modelos mais vetustos. Em média a resposta de interação demora pelo menos 24 horas, mas boa parte dos veículos analisados sequer respondeu contato depois de dois meses. Quanto à orientação de uso, os que responderam foram unanimes em dizer que serve “para envio de fotografias, vídeos e texto”.

Mas nem só de Whatsapp vivem os aplicativos na imprensa. Na verdade, em maior frequência aparecem os aplicativos próprios, adotados por sete a cada um dos veículos nas Capitais e nos três nacionais. No que tange a tecnologia, esses recursos são pensados tanto para o IOS quanto para Android, substancialmente. Alguns ampliam para outros sistemas, embora sejam menos comuns. Diferentemente do Whatsapp, os sistemas próprios têm um uso de difusão do conteúdo tradicional (jornal impresso a que a empresa está vinculada ou replicação do conteúdo do site) e não exploram potencialidades de conteúdo específico ou interação. Nem mesmo a venda ou publicidade tem sido um diferencial ao modelo mais clássico, sendo que o comércio resume-se a assinatura do modelo impresso e a publicidade mais comum são os anúncios já populares em outras plataformas. No Estado de S. Paulo, que encontramos algumas matérias específicas para o aplicativo, fica evidente que ainda é uma experimentação, já que eram assinadas por estagiários, conforme contava da assinatura. Para auxiliar a entender os resultados trazidos pelo levantamento, apresentamos os dados reunidos para dois especialistas na área de comunicação e dispositivos móveis, que separadamente analisam cada um dos pontos levantados no mapeamento descritivo dos veículos e ajudam a entender a conjuntura atual. Referências GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. Saõ Paulo: Atlas, 2007.

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As matérias-primas das mídias: infraestrutura, endologia e materialidade da midiatização Marcio Telles da Silveira Universidade Federal do Rio Grande do Sul Palavras-chave: epistemologia; materialidade; meio-ambiente.

RESUMO EXPANDIDO Cena um: no conturbado interior da República Democrática do Congo, onde biopolítica torna-se necropolítica, senhores da guerra com ligações com empresas internacionais governam territórios ricos em minérios. Nas minas empobrecidas, 40 mil crianças de até sete anos de idade removem cobalto das entranhas da Terra. O minério bruto então escorre destas minas para a Zhejiang Huayou Cobalt, onde será processado e vendido para 16 multinacionais de alta tecnologia – entre elas, Apple, Sony e Samsung (Exposed...., 2016). Cena dois: nos departamentos de pesquisa e desenvolvimento destas gigantescas multinacionais, cientistas americanos e japoneses brincam com o cobalto africano. Cedo (Sony, em 1991) ou tarde (MIT, em 2002), depois de muitas tentativas abortadas, eles chegarão a um composto (al)químico bizarro: LiCoO2 – a primeira bateria secundária de íon-lítio. Cena três: no distrito chinês de Shenzhen, o cobalto congolês energiza os gadgets montados pela linha de produção da Foxconn. Ali ocorre uma estranha hibridização entre matéria orgânica e inorgânica: pó de alumínio acumula-se nos pulmões dos trabalhadores migrantes chineses (Parikka, 2015), em prol do valor comercial “imaterial”. O brilho da estética futurista dos iPhones e dos MacBooks tem um valor estilo século XIX. Cena quatro: escrevo este projeto em meu MacBook Pro energizado (empoderado?) por uma bateria de lítio, transformando diferenças de voltagem elétrica em pontos na tela através de milhares de transistores. Dentro do microchip, entre mais de 60 elementos químicos diferentes, a bateria de íon-lítio energiza outra transformação alquímica curiosa: aquela da “entropia à informação” (Kitler, 2013, p.223). Cena cinco: para a energia ser processada, primeiro ela precisa ser armazenada. Uma bateria de seis células com 10.8V e 5800mA transforma 62 watts por hora em bits digitais, 0s e 1s – do hardware ao software. Todavia, assim que a máquina é desconectada

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de uma fonte de energia elétrica, minha inserção na ubíqua “Sociedade em Rede” tem os minutos contados. Cena seis: cerca de 10% de toda a eletricidade produzida no mundo é gasta no ecossistema das tecnologias de informação e comunicação (TICs) – cerca de 1,500 terawatts/hora ao ano. Com a eletricidade vem o calor: agora mesmo, Microsoft e Google estão submergindo seus server farms no oceano com a esperança de reduzir o gasto calórico. Nosso campo de sonhos é, em verdade, um campo de elétrons: “conforme nossas vidas migram para a nuvem digital [...] os elétrons seguem” (Welsh, 2013).

As seis cenas acima não são cenas usuais quando tratamos das tecnologias de comunicação, tanto no cotidiano quanto no trabalho acadêmico. Acostumamos-nos a pensar nossa “Sociedade em Rede” como um mundo em vias de desmaterialização, em direção à assim-chamada nuvem digital. Todavia, essa desmaterialização é, em verdade, “modos de materialização que tornam infraestruturas imperceptíveis ou efêmeras” (Gabrys, 2011, p.58). Logo, é a grande exploração dos recursos minerais terrestres – cerca de “36% de todo ferro, 25% do cobalto, 15% do paládio, 15% da prata, 9% do ouro, 2% do cobre, e 1% de alumínio vão anualmente para tecnologias midiáticas” (Parikka, 2015, p.34), segundo estatísticas de 2008 – a verdadeira base material de nossa sociedade “imaterial”. É preciso, portanto, estudar o que está “abaixo” das mídias, se quisermos compreender toda extensão de seu impacto social e cultural. A tentativa não é propriamente nova nos estudos sobre mídia. O próprio McLuhan (1995) já havia apontado que aquilo que se encontra abaixo de todas as mídias é a eletricidade. O autor canadense foi inovador também quando precedeu Kittler e sua extravagante afirmação de que “não existe software” (Kittler, 2013). Se uma interface humano-máquina opera “a partir de manipulações estritamente locais de signos e, portanto, de significantes de potencial elétrico variado” (Kittler, 2013, p.223), e se “a luz elétrica é informação pura” (McLuhan, 1995, p.8), então podemos dizer que tudo o que um computador faz é manipular luz através de seus circuitos integrados. Isso está de acordo com McLuhan, para quem “o conteúdo de todo meio é sempre outro meio” (McLuhan, 1995, p.8), sendo a eletricidade um “meio sem mensagem” (McLuhan, 1995, p.8). Logo, o conteúdo das mídias digitais é a própria luz. Porém, mesmo que McLuhan e Kittler tenham demonstrado a luz e a materialidade como base das tecnologias midiáticas, eles permaneceram cegos para aquilo que se encontra ainda mais abaixo: os materiais brutos com que as mídias são 21

feitas. Estes incluem minerais raros e compostos químicos tóxicos. A cada dia, mais e mais recursos ecológicos estão sendo exauridos pela “demanda cada vez maior por minerais e outros materiais pelas indústrias de alta tecnologia” (Parikka, 2015, p.92). Mesmo que não estejamos atentos, carregamos um pedaço de Congo em nossos bolsos. Portanto, quero advogar por uma “endologia” da mídia: o estudo das interações entre elementos internos de um objeto, em oposição à ecologia, as interações entre elementos externos. Endologicamente percebe-se que as tecnologias existentes para o desenho de um smartphone (celulares, internet, chips de memória, torres de celulares, interfaces, baterias, microchips, etc.) não se entrosam umas com as outras e necessitam de trabalho. Só poderemos utilizar de forma ubíqua a internet em nossos smartphones com os materiais certos disponíveis e agenciados; do contrário, as exigências seriam outras. Implicado está, portanto, a urgência de se conhecer as características dos materiais brutos antes de serem agenciados na “materialidade” das mídias. Muitas das nossas tecnologias de mídia são fontes de renovadas formas de desigualdade, exploração e alienação. Dyer (2002, p.114) demonstra como os equipamentos de iluminação na fotografia e no cinema foram criados para iluminar a pele branca da melhor forma possível, dando preferência a luzes alógenas de carbono em detrimento das lâmpadas de tungstênio, mais modernas para os técnicos, mais econômicas para os produtores e mais confortáveis paras os atores. Todavia, as lâmpadas de tungstênio têm muito vermelho e amarelo em sua composição, cuja consequência é um “blackening effect” nos brancos. Logo, se o cinema é ontologicamente branco, “então os críticos e os teóricos de cinema precisam encontrar uma maneira de lidar com o racismo materialista no núcleo econômico e tecnológico do cinema” (Malin, 2016, p.17). Ao ligar um laptop para postar no Facebook, o usuário está acessando uma vasta infraestrutura de protocolos, malha energética, regulações de mercado, estandardizações e materiais terrestres sem pensar a respeito. Estas são as infraestruturas da mídia. No fundo, o que torna possível esse acesso são as baterias de íon-lítio. Constantemente deixadas de fora de nossas análises teóricas, elas abastecem nossas máquinas processadoras de eletricidade ao estocar energia transmitida por postes elétricos. Todavia, assim que a energia se esgota, nossa inserção em uma cultura “always-on” se acaba. O principal “ingrediente” destas baterias é o lítio, o metal mais leve da tabela periódica. Suas características permitem-no que possua amplas vantagens sobre outros materiais utilizados na criação de baterias secundárias. O lítio, todavia, não é barato: o Chile, o principal exportador do metal, começou o ano com sua maior empresa de 22

mineração, SQM, envolta em escândalos, como financiamento dos principais partidos políticos chilenos e a prática de controlar o preço a fim de expulsar competidores do mercado. Além do lítio, as baterias também incluem cobalto – 25% da demanda mundial –, manganês, níquel e fósforo. Recentemente, um relatório da Anistia Internacional apontou o uso de trabalho infantil escravo nas minas congolesas de cobalto. Na base de nossos sonhos de conectividade digital encontram-se as formas mais brutais de exploração, corrupção e roubo. Elétrons, todavia, devem fluir. Em resumo, é somente investigando a extração e a produção, além do uso, de nossas tecnologias de mídia que poderemos apreender eficazmente nossa sociedade midiatizada. Seu custo é alto: envolve trabalho infantil, trabalhadores doentes, corrupção e exaustão da natureza. Precisamos fazer com que estas “matérias” se tornem visíveis novamente. É uma tentativa de recolocar a natureza na “Ecologia da Mídia”: assim como a mídia está a alterar a bios da vida humana, também está modificando a physis da Terra.

Referências Berry, D.M. & Galloway, A.R. (2015). “A Network is a Network is a Network: reflections on the computational and the societies of control,” Theory, Culture & Society, 0(0), 1-22. Bryant, L.R. (2011) “A Logic of Multiplicities: Deleuze, Immanece, and Onticology,” Analecta Hermeneutica, 3, 1-20. Exposed: Child labour behind smart phone and electric car batteries. (2016). Disponível em: https://www.amnesty.org/en/latest/news/2016/01/Child-labour-behind-smart-phoneand-electric-car-batteries/. Acessado em 29 de junho de 2016. Gabrys,

J.

(2006).

Appliance

Theory.

Disponível

em:

http://cabinetmagazine.org/issues/21/gabrys.php. Acessado 15 de janeiro de 2016. Gabrys, J. (2011). Digital Rubbish: a natural history of electronics, Ann Arbor, MI: University of Michigan Press. Kittler, F.A. (2013). The Truth of the Technological World: essays on the Genealogy of Presence. Stanford: Stanford University Press. Machado, I. (2014). Vieses da Comunicação: explorações de Marshall McLuhan. São Paulo: Annablume. Malin, B.J. (2016). Communicating with Objects: Ontology, Object-Orientations, and the Politics of Communication. Communication Theory, 26(3). McLuhan, M. (1995). Understanding Media: the extensions of man. Cambridge, MA: The MIT Press. 23

Parikka, J. (2015). The Geology of Media. Minneapolis: University of Minnesota Press. Walsh, B. (2013). The Surprisingly Large Energy Footprint of the Digital Economy. Disponível em: http://science.time.com/2013/08/14/power-drain-the-digital-cloud-isusing-more-energy-than-you-think/. Acessado em 29 de janeiro de 2016.

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A influência de algoritmos na autocomunicação de massa Marlise Viegas Brenol Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Palavras-chave: algoritmos, autocomunicação de massa, personalização RESUMO EXPANDIDO 1. Resumo O objetivo deste artigo é problematizar o impacto dos mecanismos de programação chamados de algoritmos na comunicação estabelecida na internet. Para tanto, vamos estudar conceitos de Castells (2015) sobre as formas de comunicação em rede e os poderes estabelecidos, a definição de nichos (Anderson, 2006) e os estudos sobre personalização na web (Lorenz, 2014). O diálogo entre teóricos e conceitos indica a liberdade de produzir conteúdos na internet, mas também a falta entendimento e transparência da lógica que estabelece como atingir o público-alvo. No ambiente da sociedade em rede na internet, os poderes são tensionados e reconfigurados. A metodologia utilizada será a pesquisa bibliográfica.

Os meios de comunicação passam por um processo de transição e reconfiguração acentuado iniciado na década de 1990. As transformações pelas quais a indústria de mídia, jornalismo e publicidade, em especial, vem passando mudam a relação entre a audiência e os meios de produção e emissão de informações. A internet e a tecnologia de conexão sem fio conduzem a passagem de uma comunicação de um para muitos para uma comunicação muitos para muitos. Castells (2015) acredita que há três formas a serem consideradas no contexto dos anos 2000 em diante: a comunicação de massa, a comunicação interpessoal e a autocomunicação de massa. Este artigo se debruça sobre a última forma para problematizar a influência de programadores (atores humanos) e algoritmos (atores não-humanos) na capacidade da mensagem autogerada chegar no alvo selecionado quando os comutadores (atores de ligação entre redes) ocultam as estratégias de ação.

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A comunicação de massa é o formato consolidado da indústria de mídia do século XX, no qual os meios de radiodifusão e os jornais impressos eram intermediários entre a audiência e as demais instituições sociais (governos, empresariado, comércio, sociedade civil organizada, religiões, etc). Na comunicação de massa, a audiência não tinha estratificação, era um bolo amorfo para o qual se emitiam mensagens mais ou menos padronizadas em protocolos de comunicação culturalmente inteligíveis pelo maior número possível de pessoas.

A comunicação interpessoal é interativa. Uma mensagem é enviada de um para um com potencial de retroalimentação em um formato dialógico. Ela pode se estabelecer por um mecanismo de mediação como telefone, mensagem instantânea ou até mesmo cartas. Ou ela se constitui na relação presencial na qual os interlocutores interagem frente a frente em uma conversa.

A terceira forma descrita por Castells é a autocomunicação de massa, permitida a partir do acesso à internet como uma comunicação caracterizada pelo novo perfil de comunicador, capaz de enviar mensagens de muitos pra muitos a qualquer tempo utilizando técnicas de narrowcasting (comunicar a um público específico) ou broadcasting (comunicar para um público difuso). Ou seja, a emissão da mensagem é autogerada e pode ter um alvo selecionado, por isso autocomunicação, mas também é capaz de ser emitida para um público amplo e gigantesco, portanto com potencial massivo.

Exemplos dos mais populares da autocomunicação de massa são os canais de You Tube criados por pessoas não vinculadas a instituições de mídia e que conquistam um público massivo de audiência. O canal da atriz Kéfera Buchmann, 23 anos, tem 8 milhões de inscritos e publicações de vídeos de até cinco minutos duas vezes por semana. Kéfera é considerada vloger (blogueira de vídeos) e youtuber (dona de um canal com publicações periódicas).

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No campo do jornalismo também há iniciativas autônomas usando recursos do meio digital, sem vínculo com grandes empresas de mídia. Um dos casos citados pelo manifesto do jornalismo pós-industrial1 de 2012 é do SCOTUSblog. O site produzido por advogados, estudantes de direito e jornalistas cobre julgamentos da suprema corte norteamericana. Na cobertura do Affordable Care Act, a lei da reforma da saúde norteamericana, o site se destacou por publicar a informação correta sobre a obrigatoriedade do plano de saúde privado. O site de notícias da área jurídica atingiu na época um milhão de visitantes. Na ocasião, a reportagem da CNN cometeu um equívoco ao transmitir o resultado errado da votação.

O canal vlog da Kéfera e o SCOTUSblog são dois exemplos da segmentação de mídia independente dos grandes conglomerados. São canais estabelecidos de forma autônoma pelos seus autores com interesses específicos de audiência no ambiente digital. Eles são desdobramentos das transformações no sistema global de mídia. Importante destacar que a autonomia e liberdade dos atores em gerar as mensagens não significa uma autonomia comercial. Essa dinâmica cria novos mercados e novas oportunidades de negócios. Embora a autocomunicação pareça uma forma de libertação da comunicação de massa, Castells (2015) alerta para uma integração dos grupos de mídia em redes globais multimídia com interesse em expandir mercados em proporções transnacionais como foco em privatização e comercialização da internet.

Esse fenômeno tem relação com a convergência das mídias de radiodifusão e analógicas e das mídias digitais. Não percebe-se a tendência à extinção de uma ou outra forma de mídia, observa-se uma potencial articulação das três formas de comunicação "em um hipertexto digital composto e interativo que inclui, mistura e recombina em sua diversidade toda a variedade de expressões culturais transmitidas pela interação humana" (CASTELLS, 2015, pg. 102). Essa interação de uma audiência ativa permite moldar o

O manifesto "Jornalismo πós-Industrial - adaptação aos novos tempos" é um projeto de pesquisa desenvolvida pelo Town Center for Digital Journalism da Universidade de Columbia (2012, EUA) e traduzido no Brasil pela REvista de Jornalismo da ESPM. Os autores – C.W. Anderson, Emily Bell e Clay Shirky – classificam como jornalismo pós-industrial a configuração atual da produção de notícias na qual as grande empresas definham e oportunidades fragmentadas surgem para suprir a necessidade de informação pública. 1

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significado da informação, ou seja, permite uma construção interativa e coletiva de significados. O ator que habita esse mundo é chamado por Castells de audiência criativa.

Bibliografia ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. Do mercado de massa para o mercado de nicho. 7ª reimpressão. Rio de Janeiro : Elsevier, 2006.

CASTELLS, Manuel. O poder da comunicação. 1ª ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

C.W. ANDERSON, EMILY BE LL E CLAY SHIRKY. O jornalismo pós-industrial. Revista de Jornalismo ESPM. Edição online, 2013. Acesso em 22/06/2016: http://www.espm.br/download/2012_revista_jornalismo/Revista_de_Jornalismo_ESPM _5/files/assets/common/downloads/REVISTA_5.pdf

GRANOVETTER, Mark. The Strength of Weak Ties (1973). American Journal of Sociology,

Vol.

78,

Issue

6,

1973.

Acesso

em

20/07/2016

http://www.jstor.org/stable/2776392

LATOUR, Bruno. Reassembling the social: An Introduction to Actor-Network- Theory. New York: Oxford University Press, 2005.

LIMA JUNIOR, Walter Teixeira. Considerações sobre a relevância da informação jornalística nos sistemas computacionais conectados em rede. Comunicologia-Revista de Comunicação e Epistemologia da Universidade Católica de Brasília, 2010, p. 14-31.

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LORENZ, Mirko. Personalização: análise em seis graus in CANAVILHAS, João (org.) Webjornalismo, sete características que marcam a diferença, ebook, LabCom, Covilhã, Portugal, 2014.

PARISER, Ely. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

SATUF, Ivan. Interface-actante: aplicativos agregadores para dispositivos móveis e a tradução da notícia. Leituras do Jornalismo 3, publicação online, 2015.

Sites

GIZMODO: Facebook Workers: We Routinely Suppressed Conservative News. Acesso em 19/07/2016 http://gizmodo.com/former-facebook-workers-we-routinely-suppressedconser-1775461006

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“Esse meu jeito de viver”: Experiência, consumo e sociabilidade em Pokémon GO Pedro Henrique C. dos Santos Mayara Soares de Araujo Romulo Tondo Universidade Federal Fluminense Universidade do Estado do Rio de Janeiro Universidade Federal de Santa Maria Palavras-Chave: Consumo de experiência; Pokémon Go; Facebook; Circulação; Redes Digitais RESUMO EXPANDIDO

Resumo A sociedade moderna contemporânea pode ser compreendida através das relações sociais dos sujeitos e dos objetos em um ecossistema midiático. Neste estudo, apresentamos uma pesquisa exploratória no site de rede social Facebook, sobre a circulação de dados digitais acerca do game para dispositivos móveis Pokémon Go e a relação que o mesmo possui com o universo de jovens brasileiros. Pokémon Go é um game que se utiliza da tecnologia da realidade aumentada para reformular a experiência dos jogadores na captura dos Pokémon. Essa tecnologia permite que os jogadores visualizem na tela do dispositivo móvel o Pokémon que será capturado, ambientalizado no cenário no qual encontra-se o jogador. No aplicativo, existem recursos pré-determinados que permitem que os gamers aumentem o nível do seu avatar, a principal delas é a captura e evolução dos Pokémon. Existem duas formas, até o momento, de obter um Pokémon: a captura que simula a jornada Pokémon, na qual o jogador avista um Pokémon e através de uma pokébola pode capturar um determinado Pokémon. A segunda forma são através dos eggs, que são chocados por meio das incubadoras. Esses “ovos” permitem chocar Pokémon raros, que não são encontrados pelos jogadores na captura tradicional. Os recursos do game podem ser comprados em uma loja virtual, o que se caracteriza como um processo de monetização do jogo, ou também pode ser obtido através de pokéstops, locais físicos nas cidades que permitem que os jogadores obtenham recursos para serem utilizadas durante as jogatinas. Nas pokéstops é possível adquirir de forma gratuita pokébolas, utilizadas na captura dos Pokémon, os eggs, as razz berry, potion, revive. Para compreendermos melhor o cenário atual do game, realizamos um monitoramento da página Pokémon GO 30

Brasil durante o período da estreia do jogo no Brasil, no dia 03 de agosto de 2016, e as duas semanas após o seu lançamento. Organizamos nossa metodologia de forma qualiquantitativa, a partir da investigação e seleção de publicações realizadas pelos administradores da página e da análise dos comentários e das reações dos frequentadores fanpage. Partimos do pressuposto de que os jogadores de Pokémon Go que são ativos na página do Facebook iniciaram o seu contato e envolvimento com a franquia a partir do desenho animado que foi transmitido pela televisão. A partir desse envolvimento inicial, se interessaram em consumir outras mídias, como é o caso do aplicativo Pokémon Go. Assim, o download do Pokémon Go pode ser interpretado como uma forma de ampliar a experiência do usuário em relação ao consumo desse produto midiático, atitude que é característica dos fãs brasileiros da cultura pop japonesa (URBANO, 2013). Desta maneira, é possível passar a ser entendido como um exemplo de consumo de experiência (PEREIRA; SICILIANO; ROCHA, 2015). Diante desse contexto, propomos uma investigação de como as publicações revelam processos sociais mediados pelo aplicativo que remetem a experiências anteriores dos sujeitos-usuários, ou seja, uma memória de envolvimento (PEREIRA; SICILIANO; ROCHA, 2015). Percebemos que os curtidores da fanpage respondem às publicações através de comentários que trazem à tona memórias afetivas de quando costumavam assistir o animê pela televisão. Do mesmo medo, as publicações possuem material que remetem à época de exibição televisiva, por meio postagens de imagens retiradas da produção audiovisual. Ou seja, por meio da participação ativa dos usuários, a circulação (BRAGA, 2012) torna-se um espaço onde ocorrem novas formas de apropriação, transformações de sentidos, enfim, é uma articulação entre as práticas midiáticas que formam circuitos de interação. Entendemos que essa postura tanto dos frequentadores quanto dos administradores da página pode ser interpretada como uma forma de reivindicar a legitimidade sobre o conhecimento sobre a franquia Pokémon, bem como traça linhas de distinção em relação a outros membros que aplicam o game através de um consumo baseado no sucesso massivo do aplicativo. Além disso, o jogo passa por atualizações constantes, o que reconfigura não só as publicações e os comentários, mas gera uma expectativa para novas mudanças, pertinentes para o entendimento deste fenômeno.

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Midiatização, instituições e interações na minissérie Black Mirror Renata Valentim Gomes Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG RESUMO EXPANDIDO Resumo O presente artigo propõe analisar a representação da dinâmica entre as instituições e o processo de midiatização da vida contemporânea presente na narrativa da minissérie britânica Black Mirror, a partir da Teoria da Estruturação e da perspectiva relacional, que identifica a mídia como forma de interação situada em um quadro temporal, no terreno da ação humana, conferindo a devida ênfase às dimensões social e simbólica destes processos. Palavras-chave: televisão; midiatização; instituições; interações; representação.

Introdução – TV, ficção e realidade No presente trabalho, pretendemos centrar nossa atenção à análise da dinâmica das relações estabelecidas entre o processo de midiatização cotidiana e as instituições sociais, a partir da representação crítica da relação entre a mídia e a justiça encontrada no episódio intitulado The Entire Story Of You, objeto desta análise, à luz das perspectivas de Hjarvard (2014), Braga (2007) e Boltanski (2011). The Entire Story Of You2 é o terceiro episódio da primeira temporada da série britânica Black Mirror (Reino Unido, 2011 – presente), criada pelo jornalista Charlie Brooker, cuja temática propõe uma abordagem crítica da midiatização da vida social e das relações humanas, transformada pelo desenvolvimento das tecnologias digitais. Trata-se de uma narrativa seriada3 ficcional distópica, que se vale da representação crítica de diversos

Transmitido pelo Channel 4, canal que, apesar de permitir publicidade externa em sua programação – assim como a BBC –, faz parte da rede de canais públicos do Reino Unido. Parte de sua verba é oriunda da contribuição do Television Fee, uma taxa que os cidadãos britânicos têm de pagar. Black Mirror teve até o presente duas temporadas transmitidas, compostas por três episódios em cada uma delas, além de uma produção especial de Natal, exibido em dezembro de 2014. Foi incorporada recentemente ao catálogo de produções originais do serviço de streaming Netflix. 2

Arlindo Machado (2000) define como “serialização em episódio unitário” o tipo de narrativa em que mudam-se as situações, por vezes os personagens, mas possui a temática como eixo que liga os episódios. No caso do nosso objeto, é a representação midiática dentro do universo distópico de cada história que conecta umas às outras. 3

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fenômenos midiáticos encadeados, em uma narrativa menos centrada na representação da tecnologia em si, mas na problematização dos reflexos de seus vários usos e implicações no cotidiano. Adotando o entendimento de França (2012) sobre a TV como meio que reflete valores, problemas e tendências de uma sociedade em um dado momento, ao mesmo tempo em que exerce sobre ela um papel de constituição, influenciando comportamentos, temáticas e modismos, aproximaremos a sua capacidade de inserção reflexiva da vida social com a proposta narrativa da minissérie, sugerida já em seu título: um “espelho negro”, capaz de refletir o presente, a realidade.

A atração criada por Brooker emprega a ficção científica como artifício para tratar de problemas contemporâneos reais, derivados do papel ocupado pelos processos de midiatização em todas as esferas da vida social, política, econômica e cultural. Ainda que seu universo distópico retrate dispositivos tecnológicos não existentes, a série traz em sua diegese representações bastante próximas4 da realidade. É lançando mão deste recurso que o autor constrói sua representação e sua crítica.

Midiatização, instituições e práticas sociais A midiatização das práticas sociais contemporâneas, conforme destaca Hjarvard (2014) não se limita à formação da opinião pública, à medida que perpassa quase todas as instituições sociais e culturais. Também entendida como uma instituição, a mídia é incorporada por outras, por sua capacidade de oferecer a informação, construir relações sociais e despertar a atenção com ações comunicativas. E para analisar o papel ocupado pela mídia e sua função dinâmica neste contexto, o autor ancora-se na teoria da estruturação de Anthony Giddens (1984), para quem a midiatização é uma característica intrínseca da modernidade (1991), ordem social marcada pelo enfeixamento de diferentes dimensões institucionais a que deu origem, em destaque o poder administrativo e o militar, o capitalismo e a industrialização. No seio destas dinâmicas institucionais estão as descontinuidades, um rompimento sem precedentes com as formas de organização da vida tradicional; o desencaixe, deslocamento das relações sociais, modificadas pelas É o caso da realidade aumentada do Google Glass. No episódio institulado “The Entire Story of You”, a representação midiática é análoga: um par de lentes que registra toda a experiência do usuário em um dispositivo de memória artificial implantada em sua cabeça, oferecendo a opção de assistir tanto individual quanto coletivamente, projetando em TVs por wi-fi. 4

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redefinições de espaço-tempo e, o mecanismo que mais nos importa nesta reflexão, a reflexividade, que “consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas” (1991, p. 45). É justamente esta qualidade reflexiva das práticas sociais que produz a relação de interdependência entre a mídia, as demais instituições e os atores. Tal dinâmica se faz visível ao nos darmos conta de que as mídias participam da produção de representações mentais, ações e relações em uma variedade de contextos privados e semiprivados (Hjarvard, 2014, p. 23). José Luiz Braga (2007) sublinha a importância desta participação ao tratar da midiatização como processo interacional em avançado estágio para se tornar o processo “de referência”, lugar que já foi da oralidade e hoje é da escrita.

Um processo interacional “de referência”, em um determinado âmbito, “dá o tom” aos processos subsumidos – que funcionam ou passam a funcionar segundo suas lógicas. Assim, dentro da lógica da mediatização, os processos sociais de interação mediatizada passam a incluir, a abranger os demais, que não desaparecem mas se ajustam. (BRAGA, 2007, p. 142)

Seja na esfera profissional, familiar, religiosa ou política, observamos a crescente presença midiática em nosso cotidiano. A influência, antes exercida por meios hegemônicos como a TV, o rádio e o jornal, é agora potencializada pelas tecnologias digitais da comunicação e da informação e os mecanismos de transmidialidade, em que se apresentam a instantaneidade, a interatividade, a customização, a abrangência, entre outras características. A transformação no processo de midiatização a partir do desenvolvimento das redes telemáticas reforça sua presença nas mais diversas dimensões institucionais, dando origem a novas práticas e desdobramentos. A importância das instituições é destacada por Luc Boltanski (2011), situando-a em um quadro de destaque em suas reflexões acerca da atividade crítica como possibilidade de mudança social. Ao discutir sobre a relação entre o saber sociológico e a crítica social, ele faz um balanço dos “vícios” e das “virtudes” encontrados nas tradições da sociologia crítica, em que encontramos pensadores como Pierre Bourdieu, e na sociologia pragmática da crítica, perspectiva assumida de Louis Quéré. Para ele, quando a sociologia crítica dirigiu seu foco ao mostrar a relevância da temática da dominação e, a partir dela, elaborar uma crítica política das relações de poder na sociedade, acabou por reduzir os atores sociais à 34

condição de seres alienados. A corrente pragmática, por sua vez, deu a devida atenção às ações cotidianas dos sujeitos e reconheceu a pluralidade de valores e modos de agir dos atores e do próprio mundo social, mas não soube superar assimetrias duráveis da realidade social. A tese de Boltanski é que, apesar da incompatibilidade de superfície entre as duas tradições, há uma solidariedade de fundo. Assim, ele propõe a conciliação dos aspectos positivos dos dois programas. A compatibilização das duas perspectivas, para Boltanski, permite conferir às instituições um papel basilar e permanente, a partir de sua compreensão como meio de solidificar uma ordem social que, diante da heterogeneidade de aplicações e ações dos sujeitos a partir de valores presentes no mundo, confere à realidade uma estabilidade mínima. Assim, se a operação da crítica parte de um fundo tido por óbvio5, é porque existe alguma “entidade virtual” – as instituições - que oferece suporte e torna possíveis as práticas reflexivas dos sujeitos e, por conseqüência, as mudanças sociais.

Devo considerar que a crítica só se torna significativa pela relação com a ordem que ela põe em crise, mas também, de outro, que os dispositivos que asseguram alguma coisa – como a preservação de uma ordem – não se torna totalmente significativa senão ao reconhecer que estão apoiados sob ameaça constante, embora de modo desigual segundo as épocas e as sociedades, representada pela possibilidade da crítica. (BOLTANSKI, 2011, p. 57, tradução nossa).

O objeto de análise deste trabalho, o episódio The Entire Story Of You, traz em sua narrativa uma representação da relação entre a mídia, o estado e a família.

Referências: BOLTANSKI, Luc. The Power of Institutions. In: ______________. On Critique: a sociology of emancipation. Cambridge: Polity Press, 2011.

BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. In: MÉDOLA, A. S.; ARAÚJO, D.; BRUNO, F. (orgs). Imagem, visibilidade e cultura midiática. Porto Alegre: Sulina, 2007.

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No contexto original, “taken for granted” (BOLTANSKI, 2011, p. 63), tradução nossa.

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CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2010.

FRANÇA, Vera V. A TV e a dança dos valores: roteiro analítico para tratar da relação entre televisão e sociedade. In: FRANÇA, V. V.; CORREA, L. G. (orgs). Mídia, instituições e valores. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

_________________. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.

HJARVARD, Stig. Midiatização: conceituando a mudança social e cultural. Revista MATRIZes, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 21-44, jan/jun. 2014.

MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 5.ed. São Paulo: Senac, 2000.

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Midiatização, mecanismos de participação e circulação discursiva: das cartas dos leitores aos comentários em fanpages Viviane Borelli Universidade Federal de Santa Maria Palavras-chave: circulação, midiatização, comentários em fanpages RESUMO EXPANDIDO Ao acessar sites ou perfis de jornais no Facebook observamos mudanças na paisagem discursiva midiática se compararmos ao que era produzido há algumas décadas. A emergência de outros enunciadores nos desafia a problematizar a prática jornalística a partir da ideia de que cada vez mais há distintos enunciadores e não mais a relação clássica: enunciador (jornal) e destinatário (leitor). É nessa conjuntura que notamos uma certa crise de performance no jornalismo, visto que os jornais têm de lidar com enunciadores que se atravessam nos quadros enunciativos tradicionais e geram outros sentidos que se sobrepõem, codeterminam e interferem sobre o que é dito e também sobre o modo como algo é dito. Mesmo que os jornais ainda tentem controlar o processo produtivo – no modelo clássico de transmissão de informação de um emissor para um receptor, fazendo projeções de quem são seus públicos - os discursos acabam seguindo rumos não previstos: notícias são compartilhadas e comentadas por leitores nos sites de redes sociais numa ampla cadeia significante. Isso denota que o processo de enunciação não ocorre de forma linear, pois há ressignificações, conexões mais amplas e difusas, e que no universo dos sentidos não há causalidades (Verón, 2004, 2013). Estamos diante de uma era de incertezas, em que os quadros de sentido - outrora construídos pelas mídias como uma moldura mais linear e causal aos seus enunciados cada vez mais tomam forma por meio de processos de enunciação atravessados por injunções de distintos sujeitos. Nesse sentido, a mediação – função de ordem simbólica que dá base à emergência do campo dos media (RODRIGUES, 1999) - é questionada: leitores interrogam preceitos caros ao jornalismo – como o conceito de notícia e de objetividade; sugerem outros olhares sobre fatos que ocorrem na sociedade; questionam as modalidades de participação e o funcionamento dos espaços abertos a comentários;

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propõem novos modos de enunciação de notícias e outras construções discursivas sobre os temas publicados. Emerge, de forma acelerada, nesse contexto, a circulação, onde há zonas de contato, de interpenetrações e enunciações de múltiplas ordens e provenientes de sistemas diferentes, como problematiza Fausto Neto (2009, 2012). Para o autor, o jornalista deixa de ser o “mestre principal da sua atividade discursiva, uma vez que seu ato se encontra no meio de uma rede de interdiscursos, de fluxos de meios e de produções de coenunciadores” (FAUSTO NETO, 2012, p. 62). Dessa forma, o papel clássico atribuído ao jornalista – o de mediador de discursos – é rediscutido e repensado nessa lógica discursiva que se desenha a partir da emergência de distintos enunciadores que entram em interação no processo de circulação. Os jornais têm passado por mutações em suas práticas discursivas em função do desenvolvimento tecnológico e por pressões do mercado, em que as lógicas de marketing têm consequências do ponto de vista empresarial ou profissional. Nesse contexto, é preciso lembrar que há demandas para a abertura desses espaços para participação que podem ser mais estruturais e contextuais - em função do processo de midiatização da sociedade e do protagonismo dos sujeitos - ou mesmo de caráter mercadológico, visto que o fato de as mídias estarem abertas para receber a participação de seus públicos implica na garantia de proximidade convertida em cliques, engajamento e também em índices para anunciantes. Entretanto, nessa processualidade, há, também, consequências do ponto de vista ético, pois não há garantias de que os conteúdos ali publicados representem mais qualidade: nem para as mídias que, muitas vezes, acabam por ter vinculados ao seu nome comentários de conteúdo questionável (preconceituosos ou desrespeitosos, por exemplo) ou que venham a agregar, por exemplo, informações que tenham implicações substanciais para o desenvolvimento da sociedade. O fato de as mídias possibilitarem a inclusão de enunciados à oferta discursiva proposta pelo seu dispositivo de enunciação (VERÓN, 2005, 2013) implica em acoplamentos e interpenetrações (LUHMANN, 2005, 2013). A abertura de espaços para participação não é necessariamente uma novidade dentro da lógica de funcionamento do sistema midiático. As cartas dos leitores constituem uma seção importante do projeto editorial dos jornais e remetem à inserção de ideias e opiniões dos leitores na enunciação midiática. Se outrora, na era da preponderância do impresso, os espaços para participação eram limitados a pequenas colunas e linhas, hoje, na ambiência da internet podem ser alargados. É preciso lembrar que o acesso ao sistema 38

midiático (LUHMANN, 2005, 2013) é regulado a partir de regramentos e lógicas específicas, havendo normas explícitas que visam gerir a participação, criar regras e também sanções para aqueles que ali se enunciam. Entretanto, há concepções editoriais distintas em relação à proposição de uma seção de cartas dos leitores e a abertura dos espaços para comentários a notícias, visto que essa modalidade de participação remete a outros objetivos que nem sempre vão ao encontro da ampliação de temas e discussão de questões que dizem respeito à vida coletiva. Como problematiza Esteves (2003, 2007, 2011), o espaço midiático pode se constituir num locus ímpar para a participação cidadã e o exercício da democracia. Entretanto, não há garantias de que isso ocorra já que os leitores inscrevem-se nesses ambientes com distintas intenções. A partir desse contexto, o objetivo do artigo é refletir sobre o funcionamento e a constituição do espaço de comentários em perfis de jornais no Facebook como um locus de trocas de opiniões e ideias a partir de enunciações feitas tanto por jornais quanto por leitores a partir da emergência de uma zona discursiva singular, a da circulação no contexto de uma sociedade em vias de midiatização. Para dar conta de compreender essas questões que configuram-se numa problemática de circulação, são analisados fragmentos discursivos dos termos e condições de uso publicadas por jornais 6 em seus sites, bem como informações retiradas da aba “Sobre” dos perfis no FB para identificar como constroem discursivamente seus interlocutores e que regramentos impõem para a participação de outros enunciadores. Os periódicos7 foram eleitos de forma intencional – pelo acesso que se teve aos dados – de modo que não foi possível ter o mesmo tipo de informações de todos os jornais. De forma complementar, com intuito de descrever e analisar como os jornais concebem e regulam os espaços dos comentários de leitores, realizou-se entrevistas com editores gaúchos8 de Gazeta do Sul, Diário Popular, Nacional e dos periódicos do Grupo RBS - Zero Hora, Pioneiro e Diário de Santa Maria. A partir de um roteiro básico de 6

Dos brasileiros Estadão, Folha de S. Paulo, O Globo, A Tarde, Estado de Minas, Gazeta do Povo, Diário Popular, Nacional, Gazeta do Sul, Zero Hora, Pioneiro, Diário de Santa Maria e dos portugueses Diário de Notícias, Público e Jornal de Notícias. 7 Sabe-se que todos os media possuem singularidades – uma história, uma identidade e um modo particular de lidar com seus protocolos interacionais ao longo do tempo, portanto aqui serão retirados fragmentos desses termos que não serão analisados em profundidade e nem comparativamente, visto que busca-se identificar algumas regularidades nos seus modos de enunciação (Verón, 2004). Todos os dados relativos aos sites e páginas dos jornais no FB foram coletados no mês de dezembro de 2015. 8 Todos os entrevistados assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido que detalhava os objetivos da pesquisa, que os dados seriam usados para elaboração de artigos e os contatos da pesquisadora responsável pelo projeto caso fosse necessário fazer mais algum tipo de esclarecimento.

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questões (Gil, 2006) foram feitas perguntas sobre as principais mudanças realizadas pelo jornal nos últimos anos em relação à participação dos leitores; sobre as semelhanças, diferenças e características específicas dos espaços para comentários no site e no perfil no FB; sobre regulação, normas e acesso a esses ambientes. Foram realizadas, ainda, entrevistas com leitores/comentadores com intuito de ouvi-los em relação ao conceito que formulam acerca da abertura dos jornais para escuta de opiniões de outros enunciadores e por que ali se enunciam. Os contatos foram feitos por meio do FB, a partir de pré-observações de perfis de comentadores (Pioneiro, Diário Popular, Diário de Santa Maria e Nacional, Diário de Notícias e Público). As entrevistas foram realizadas por inbox (em 2015 e em 2016) e teve-se retornos bem distintos: alguns respondiam apenas a primeira questão, outros deram retorno para todas as perguntas e alguns deram abertura suficiente para serem feitas perguntas que não estavam previstas num pequeno roteiro. As questões versavam sobre a frequência com que comentava alguma página do jornal; se costumava ver as notícias diretamente no site do jornal, pelo feed de notícias ou na fanpage do periódico; que tipo de notícias mais chamava a atenção; os motivos que os levava a comentar alguma notícia; como avaliava sua interação com o jornal. No artigo, discute-se alguns conceitos acerca do funcionamento do sistema midiático, da participação de leitores no processo de enunciação dos jornais, bem como problematiza-se o processo de midiatização e a circulação discursiva. Por meio de análise das regras e normas de regulação propostas pelos jornais, identificam-se marcas discursivas que apontem para a concepção e o funcionamento desses espaços. Busca-se tensionar a reflexão teórica com os dados empíricos para que seja possível fazer um paralelo entre proposições de investigadores e as práticas discursivas dos sujeitos e mídias nesses ambientes. Dessa forma, a questão central é uma problemática de circulação, visto que o processo de midiatização da sociedade coloca em contato no espaço dos comentários tanto enunciações da instância midiática quanto aquelas que são produzidas pelos sujeitos que ali se inscrevem. Nessa processualidade, constitui-se, portanto, um outro locus singular de produção de sentidos, em que os discursos produzidos remetem à construção coletiva e cidadania, a embates e divergências de opiniões e também a superficialidades e fragmentações dos ditos.

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