Esta nova e nunca história de Antônio Vieira — O Livro Anteprimeiro e outros escrito

June 15, 2017 | Autor: Marcus Motta | Categoria: Padre Antonio Vieira
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          Esta nova e nunca história de Antônio Vieira  — O Livro Anteprimeiro e outros escritos  Marcus Alexandre Motta 

    Copyrigth @ 2008 Marcus Alexandre Motta  Publicações Dialogarts (http://www.dialogarts.uerj.br)   Coordenador do volume: Flavio García [email protected] Coordenadora do projeto: Darcilia Simões contato@ darciliasimoes.pro.br   Co‐coordenador do projeto: Flavio García [email protected] Coordenador de divulgação: Cláudio Cezar Henriques [email protected] Projeto de capa e Diagramação: Carlos Henrique de Souza Pereira  Logotipo Dialogarts: Rogério Coutinho 

Universidade do Estado do Rio de Janeiro  Centro de Educação e Humanidades  Instituto de Letras  Departamento de Língua Portuguesa,  Literatura Portuguesa e Filologia Românica    UERJ – SR3 – DEPEXT – Publicações Dialogarts  2008 

        Catalogação na Fonte  E800.m      Esta nova e nunca história de Antônio Vieira – O Livro  Anteprimeiro e outros escritos. Motta, Marcus Alexandre.  Rio de Janeiro: Dialogarts, 2008. p. 175  Publicações Dialogarts  Bibliografia.  ISBN 978‐85‐86837‐49‐4    1. Antônio Vieira. 2. Literatura. 3. História. 4. Artes.  I. Motta, Marcus Alexandre. II ‐ Universidade do Estado  do Rio de Janeiro. III ‐ Departamento de Extensão. IV.  Título  CDD 801  808.5 

978-85-86837-49-4

9 788586 837494

      Correspondências para:  UERJ/IL/LIPO – a/C de Darcilia Simões ou Flavio García  Rua São Francisco Xavier, 524 sala 11.023 – B  Maracanã – Rio de Janeiro – CEP 20 569‐900  [email protected]

                                            Dedico este livro  à memória de José Carlos Barcellos  um dia ele o leu, com sua generosidade, o aceitou 

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Índice  A ARTE E O TEMPO ENQUANTO TAIS ............................................................ 7  I – O INACABADO E O INCERTO ..................................................................... 10  II – TERMO DA NAVEGAÇÃO........................................................................... 35  III ‐ O QUE SE FINDA NO ANTEPRIMEIRO.................................................. 76  FONTES..................................................................................................................... 85  BIBLIOGRAFIA (SOBRE VIEIRA) ..................................................................... 86 

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A Arte e o Tempo enquanto tais  Daniel Barreiros  E nos rostos poderá ser visto o desapontamento e a angústia que só a travessia causa, travessia esta que, com pontos  de  partida  e  chegada  conhecidos,  mapeados  e  traçados  em  seguras  linhas  desde  o  sempre,  não  serão  aqui  vistos  ou  alcançados,  e  estarão  à  prova  do  uso  de  astrolábios  e  quadrantes,  fato  que  transmuta  magicamente  a  chegada  e  a  partida  em  pontos  antípodas  numa  presumível  esfera,  para  os  quais  a  saudade  do  que  virá  e  a  ansiedade  do  que  foi  podem  (ou  não) ser a mesma coisa, mediadas somente pela navegação constante, pelo alcance do vôo humano, pelo marear. E lhes terá  sido  dito  que  muitos  astutos  comandantes,  de  olhos  abertos  a  vasculhar  cartas,  e  bem  informados  por  curiosos  e  incansáveis marinheiros nas gáveas, que perscrutam horizontes com muitas lentes, e servidos por fiéis contramestres, terão  somente  dito  “estamos  em  alto  mar”  quando,  sob  festa  e  vinho,  marcaram  em  seus  mapas  as  inelutáveis  coordenadas  da  Taprobana.  E  é  isto  que  sabe  a  obra‐de‐arte,  junto  assim  mesmo,  com  hífens,  o  que  nos  dará  a  confiança  de  que  nem  “obra”,  nem  “arte”,  se  separem:  há  pontos  de  chegada  e  de  partida,  mas  assumi‐los  (ou  mesmo  mostrar  a  ousadia  de  “conhecê‐los”) inevitavelmente é um ato de encurtar distâncias, é o deflagrar de um salto quântico que distancia “arte” da      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 



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órbita  em  que  circula,  fazendo  restar  somente  “obra”.  E,  ao  contrário  dos  comandantes  e  de  suas  cartas,  que  nutrem  certezas,  a  nós,  a  quem  cabe  esta  profecia,  não  nos  é  dado  esperar  que  a  mecânica  dos  quanta  venha  promover  o  movimento  inverso,  que  libera  energia  ao  reunir  arte  e  obra  mais  uma  vez.  Não  há  energia  liberada,  e  não  há  certeza  de  que  se  reúnam,  porque  esqueceu‐se  o  caminho.  Não  o  caminho  pelo  qual  se  chega;  simplesmente  as  águas.  É  isto  que  verão: onde não há nomes, pode haver arte. Verão também aqueles que seguem a rota (não os que a seguiram ou os que a  seguirão,  porque  é  desejável  que  nunca  estejam  nem  no  início,  nem  no  fim)  que  o  Texto  é,  em  si,  dotado  de  plena  historicidade, que não anulará (e sim aprofundará) sua condição de arte na medida em que esta historicidade seja buscada  com  o  mesmo  cuidado  com  que  se  contempla  o  mar  oceano.  O  Tempo,  este  intérprete  único  e  necessário  das  profecias,  se  relaciona de modo sublime com a obra‐de‐arte, e somente assim permite que dela seja feita obra. Aos cartógrafos deixemos  que  vejam  o  texto  como  vestígio,  como  mancha,  como  traço  (e,  vos  digo,  sob  as  graças  da  bela  Clio,  que  efetivamente  o  são!),  e  então,  se  forem  venturosos  o  suficiente,  terão  sido  capazes  somente  de  vislumbrar  inícios  e  fins,  mas  nunca  obra‐ de‐arte; Posídon há de poupá‐los se admitirem sua falha ou a deliberada intenção de ignorar o oceano; se não o fizeram, se  profanam a santidade do Mar, utilizando‐o e nunca reverenciando‐o, e assim atestam diante dos deuses, com hecatombes,  a  glória  de  seu  feito,  este  de  terem  vencido  o  mar  nas  intrépidas  trirremes,  rumando  de  porto  a  porto,  ora,  pobres  deles!  Terão  tomado  a  nuvem  por  Juno.  E,  então,  diante  da  pira,  lhes  será  dito  que  no  Texto,  dádiva,  foi  encontrada  sua  forma  profana, e que estará perdida para sempre a mediação que o tornaria a ambrosia do Espírito. Não se acha a arte quando o  texto  submete‐se  ao  Tempo,  e  sim,  quando  lhe  é  dado  o  poder  de  domá‐lo,  e  aprofundar‐lhe  a  experiência,  domínio  este  que não significa a imortalidade. É perecível também a obra‐de‐arte enquanto tal; o “cruzar os séculos” não garante que a      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 



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“obra” seja “arte”, visto que não se “é” arte. A arte aparece em um “tornar‐se”, que se expressa no domínio sobre o Tempo,  que  se  dá  quando  lhe  tomam  o  timão  e  se  leva  ao  limite  tudo  aquilo  que  o  Tempo  sabe.  E  é  exatamente  este  aprofundamento  da  experiência  e  a  impossibilidade  de  dizer‐se  que  a  obra  “é”  algo,  o  que  sugere  a  existência  de  arte,  nunca verificável pela empiria. Assim, serão alertados que, o que segue nas páginas adiante, não é cartografia. Curvaram‐ se  estas  palavras  diante  dos  deuses  e,  reverenciando  o  Mar  e  a  rota,  gritaram  aos  homens  “torno  isto  obra‐de‐arte!”,  e  ao  fazê‐lo, elas, estas palavras que seguem, foram recompensadas com a ascensão. Tornaram‐se também elas Texto.  

   

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I – o inacabado e o incerto     Os  especialistas  costumam  colocar  Vieira  como  expressão  acabada  e  certa;  por  importância  histórica,  idéias  e  estilo  artístico, imediatamente sob o conceito de Barroco, ou fazendo derivar para algo como “discurso engenhoso”.  1 A excessiva  ansiedade  conceitual,  portanto,  substitui  a  contento  a  preocupação  com  os  escritos  do  autor,  pois  todos  os  estudos  sobre  Vieira se nutrem de uma pergunta subjacente às diferentes compreensões: o que Vieira é?   Este tipo de discurso que se faz lógico, a partir dos dados provenientes dos escritos de Vieira, em qualquer temática  ou  questão  elaborada  para  compreendê‐lo,  acaba  promovendo  uma  espécie  de  elasticidade  mental  que,  na  ordem  do  querer‐dizer, apenas configura as múltiplas facetas contextuais ― Companhia de Jesus, bases contra‐reformistas ―, sem se  quer desconfiar que as mesmas se iniciam nos seus escritos. O franco apego ao Vieira é isto declara, por fim, a inexistência,  em  sua  obra,  do  contraste  entre  a  atividade  social  do  jesuíta  e  a  sua  produção  literária  como  pregador  ou  a  sua  defesa  O Discurso Engenhoso é o título do consagrado livro de António José Saraiva; o capítulo referido chama‐se ʺAs quatro fontes do discurso engenhoso nos sermões do padre  Antônio Vieiraʺ (São Paulo: Perspectiva, 1980).  

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arraigada do chamado Quinto Império.  Não  há  dúvida  que  posso  denominá‐lo  de  artista  barroco  e  dar‐lhe  o  título  de  grande  escritor  da  língua  portuguesa  do século XVII. Ao fazer isso, porém, tenho de confessar que não coloco o discurso de Vieira numa classe ideal de escrita e  nem  o  qualifico  como  artista.  O  que  faço  é  enunciar  um  contra‐senso;  pois  mesmo  que  eu  estivesse  convicto  sobre  a  definição  derradeira  do  conceito  de  Barroco  e  convencido  de  ser  Antônio  Vieira  um  grande  escritor,  tal  fé  só  me  serviria  caso não questionasse a ação simplista de promover correspondência empírica entre conceitos e fatos.  Ao  estabelecer  identidades  entre  dois  discursos,  o  de  Vieira  e  de  um  contemporâneo  seu,  sou  levado  fatalmente  a  concluir pela superioridade de um deles. Se quiser explicar o porquê, explico‐o dizendo que não o pode ser, porquanto, na  ordem  estética,  identidade  significa  repetição  e  a  repetição  anula  o  valor.  Deduzo,  então,  que  o  valor  artístico  e  histórico  dos  escritos  de  Vieira  consiste  numa  experiência  que  se  fez,  de  modo  que,  se  for  repetida  ou  se  for  algo  que  repete  outra  experiência  discursiva,  não  tem  qualquer  valor.  Logo,  chego  à  evidência  de  que  a  importância  do  Livro  Anteprimeiro  da  História  do  Futuro,  de  Vieira,  não  está  em  nenhum  dos  elementos  resultantes  de  semelhanças,  a  ponto  de  parecerem  idênticos  aos  princípios  analógicos  com  os  quais  se  fazem  figuras  discursivas  epocais;  consagrando‐o  como  apenas  um  documento de uma época. Se o contrário for aceito, devo retirar de imediato o título concedido a Vieira de artista da língua  portuguesa  ―  a  noção  de  documento  é  completamente  distinta  de  uma  apreensão  estética  do  que  se  quer  denominar  de  literatura.  A  idéia  de  dependência  a  uma  época,  entretanto,  nem  sempre  é  desprovida  de  prestígio.  Pode  haver  discursos  cuja  “semelhança”  indica  a  relação  de  dependência  sem  resultar  em  nulidade  ou  perda  do  valor  dos  discursos  do  jesuíta.  Ou      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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seja:  quando  o  processo  criativo  não  é  processo  de  cópia,  mas  de  aprofundamento  da  experiência.  Nesse  caso,  trata‐se  claramente  de  relação  histórica  que  foge  à  averiguação  e  só  pode  ser  expressa  através  do  discurso  que  se  nega  a  viver,  confortavelmente, na empiria.  Excluído como contra‐senso o juízo do tipo o que Vieira é ― obra barroca ou quase‐barroca ―, posso recorrer à forma  diversa  de  buscar  o  valor  artístico  e  histórico  do  escrito  do  jesuíta,  que  é  também  contra‐senso;  porém,  demasiadamente  histórico.  O  Livro  Anteprimeiro,  de  Antônio  Vieira,  é  um  escrito  luso‐brasileiro  do  século  XVII,  em  cuja  eficácia  está  implícito que, assim sendo, diferencia‐se de outros escritos do mesmo século e afirma a distinção do que seria pertencer a  Companhia  de  Jesus.  A  partir  disto,  não  me  limito  a  constatar  a  analogia  mais  ou  menos  marcante  com  obras  conhecidas  daquela época e daquele lugar. Qualquer tentativa de pensamento calcado em analogias poderia ocultar cópia ― ausência  de valor histórico na obra de Vieira. Ainda que eu insista na existência de premissas culturais comuns, os escritos de Vieira  se caracterizam por algo diferente e novo na História Luso‐Brasileira.    projeto 

A  ação  artística  e  histórica,  no  caso  de  Vieira,  é  algo  que  pressupõe  um  projeto,  a  Clavis  Prophetarum,  Esperança  de  Portugal,  História  do  Futuro.  Conseqüentemente,  o  procedimento  de  cópia  que  substitui  a  experiência  e  o  projeto  por  modelo não é artístico. Caso contrário, a escrita do jesuíta seria uma repetição morta, vazia e abandonada à teologia que se  mostra, obviamente, a cada linha dos escritos.  O  Livro  Anteprimeiro  é  fenômeno  histórico  e  não  fenômeno  circunscrito  à  época.  A  obra  traduz  perfeitamente  a      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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ambigüidade fundamental da arte discursiva no esforço de apreender, para além das circunstâncias de época, o significado  máximo  do  tempo  para  um  religioso.  Ora,  salvar‐se  ou  perder‐se  depende  do  que  se  faz.  Quem  tem  poder  está  acima  da  ambigüidade e da incerteza; a revelação é graça, a graça salvação, o poderoso é um salvado. O artista Vieira deve salvar‐se  com  aquilo  que  faz;  ser  capaz  de  intuir  a  revelação  além  do  fenômeno.  A  época  pode  lhe  fornecer  o  patrimônio;  a  vida  pode  lhe  dar  sustentação,  os  homens  do  poder  podem  lhe  indicar  o  que  deve  fazer,  o  objetivo  que  deve  alcançar,  mas  nenhum desses traços pode lhe indicar a maneira de agir, de alcançar o objetivo.  Tal aspecto teórico demonstra: o escritor Vieira realiza uma experiência que demanda o mais preciso e adequado ao  assunto  que  trata,  tornando‐se  com  ele  uma  expressão  que  escapa  das  medidas  comunicativas  as  quais  todos  estamos  acostumados. Mas, tal posicionamento teórico torna ainda mais difícil o resultado historiográfico, ao passo que, a partir da  vida  una  e  coesa  da  historiografia  marcada  por  contornos  de  caráter  e  contexto,  as  frases  de  Vieira  se  vêem  gratificadas  com  certa  apreensão,  estabelecendo  parâmetros  métricos  para  a  cultura  positivista  que  ainda  nutre  os  estudos  dedicados  ao jesuíta.  Quero  ler  a  obra  de  Vieira,  precisamente  o  Livro  Anteprimeiro  da  História  do  Futuro,  e  outros  escritos  através  deste  livro, como prosa de um tipo de mundo na angústia do termo incompleto. Nesse sentido, abandono longe uma espécie de  raciocínio  que  ora  expulsa  a  poética  de  Vieira,  ora  expurga  o  fantasma  irônico  que  diz:  não  se  exalte  com  a  destruição  do  grande, conforme‐se com sua destruição pelo fato de que a verdade é vitoriosa e todos se exaltam com esta vitória.  Que historiador há ou pode haver, por mais diligente investigador que seja dos sucessos presentes ou passados, que  não  escreva  por  informações?  E  que  informações  há  de  homens,  que  não  vão  envoltas  em  muitos  erros,  ou  da  ignorância,      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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ou da malícia? Que historiador há de tão limpo coração e tão inteiro amador da verdade, que o não incline só o respeito, a  lisonja,  a  vingança,  o  ódio,  o  amor,  ou  da  sua,  ou  da  alheia  nação,  ou  do  seu  ou  de  estranho  príncipe?  Todas  as  penas  nasceram em carne e sangue, e todos na tinta de escrever misturam as cores de seu afeto. 2   sepultura 

A  historiografia  preocupada  com  a  pergunta  o  que  Vieira  é?—  seja  a  escrita  reconhecedora  de  uma  compulsão  biográfica do jesuíta, seja aquela que assume um fundo biográfico para o personagem, as idéias pouco teóricas sobre o que  é  pertencer  à  Companhia  de  Jesus  —  sempre  pergunta:  ʺquem  fala?ʺ  respondendo  ora  pelo  indivíduo,  ora  pelo  contexto  e  nunca pelo fundo que dissolve tanto um como outro: “humor da morte”.  Sob  o  comando  do  “humor  da  morte”,  a  ironia  e  o  fundo  trágico  da  existência  consolidam  a  efemeridade  da  vida  cristã. E reconhecer esse “riso” é viver linha horizontal de uma cova, em que a significação, designação e manifestação dos  discursos estão abolidas em profundidade e altura. Seu nome de uso comum é sepultura.  Perante essa formatação estática, o discurso de Vieira, que ilude ao afirmar a constância biográfica, faz comparecer a  ʺTábua  da  Graçaʺ.  Essa  inscrição  da  privação  de  Deus,  de  sua  divindade,  a  humilização  pauliniana,  arruma  os  elementos  da linguagem do cristão através da exigência que o Criador impõe à criatura e esta precisa exibi‐la discursivamente. 

 Daqui por diante, todos os trechos selecionados do Livro Anteprimeiro da História do Futuro, de Antônio Vieira, aparecerão citados em itálico, sem aspas, numa tentativa  de incorporá‐los ao texto. Ao final deste livro serão apresentadas as edições utilizadas, e, ao mesmo tempo, por evitar referendar as páginas, tomo a iniciativa instigar a  leitura  desse  texto.  O  mesmo  se  faz  com  A  Apologia  das  Coisas  Profetizadas  –  Adma  Fadul  Muhana  (org.  Fix.  de  Texto).  Ao  mesmo  tempo  que  algumas  máximas  provenientes dos Sermões, verdadeiros lugares‐comuns da inteligência de Vieira, estão no texto como roubos declarados.  2

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Os  momentos  da  linguagem  do  jesuíta,  vívidos  em  estilhaços  de  espelho,  devem  buscar,  ao  mesmo  tempo,  a  forma  incompleta  e  a  mais  necessária.  Tal  organização  elabora  sempre  a  sensação  de  que  as  paixões  e  as  ações  cristãs  consubstanciadas nos discursos estão sob o signo do é pouco, em razão da humilização de Deus. Isso acaba criando, por um  lado,  uma  tendência  a  estabelecer  uma  correspondência  à  privação  da  divindade;  o  que  significa  tomar  posse  da  voz  imperativa  ao  falar  da  fé.  Por  outro  lado,  no  âmbito  da  intenção  e  do  resultado,  vestir  os  discursos  para  que  vivam  a  inadequada  representação  da  Verdade  ―  dado  que  só  ela  se  auto‐representa,  escapando,  portanto,  dos  próprios  saberes  que buscam configurá‐la.  Esses  três  aspectos  do  discurso,  a  elevação  moral  daquele  que  se  manifesta,  o  equívoco  dos  enganos  designados  e  a  analogia  das  significações,  são  as  fontes  tradicionais  de  onde  partem  todas  as  figuras  da  retórica.  É  nessa  desdobra  da  linguagem  que  a  ironia  aparece  como  ponto  inelástico  do  discurso;  acontecendo  como  aplicação  natural  cristã,  em  sua  forma sublimada, diante do Mundo.  Sempre a Voz de Deus, do alto de sua Onipotência, libera valores propriamente irônicos, circunscritos à fraqueza da  existência  humana:  o  Infante  D.  Henrique...  mereceu  que  o  mesmo  Deus  com  uma  voz  do  Céu  o  exortasse  a  levar  por  diante  o  começado, com promessa de seu favor e luz dos gloriosíssimos fins, que por meio de tão dura porfia se haviam de alcançar.   A voz do alto, que posso fazer corresponder ao firmamento como modelo discursivo de Vieira, sempre se retira para  a  sobranceira  unidade.  Por  estar  impedido  o  acesso  direto  do  homem  às  alturas,  em  função  do  drama  da  culpa  histórica  vivido  intensamente  no  século  XVII,  os  escritos  de  Antônio  Vieira  devem  ser  compreendidos  a  partir  da  imagem  da  sepultura.  Sua  ação  de  escrever  se  torna  dinâmica  quando  se  apreende  o  forte  afeto  de  sua  vontade  de  pôr  fim  a  toda      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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desesperança através da horizontalidade da morte que na escrita habita e se promete.    vértices 

O  sentido  da  história  para  um  cristão  não  geraria  a  procura  se  ele  estivesse  impresso  nos  acontecimentos.  É  a  ausência  de  sentido  nos  acontecimentos  propriamente  ditos  que  cria  a  busca  da  predominância  do  sentido  fora  deles.  Ao  colocar a questão do sentido, o religioso se transporta para um vazio que só pode ser preenchido pela esperança e pela fé.  Ambas carregam em si uma única essência temporal, o Futuro a ser consumado.  Na perspectiva católica da história, o passado é uma preparação intencional para o futuro. Logo, a sua interpretação  se torna uma profecia invertida. A formulação nominativa História do Futuro é, de fato, a única maneira de se fazer História  para um cristão. O Livro Anteprimeiro daquela obra é uma antecipação de pensamento de livro, um interlúdio alegórico. Esse  interlúdio,  repleto  de  ironias  sublimadas  que  aparecem  como  se  fossem  expressões  otimistas,  alimenta‐se  da  apóstrofe  retórica  que  sofre  a  transformação  cênica  do  discurso  profético:  vede  como.  A  resultante  sempre  faz  comparecer  o  que  Portugal deve a si mesmo, e quando chega a ser, já não é mais Portugal, e sim o Quinto Império.  Os  espectros  do  futuro  são  aparições  que  se  manifestam  no  reino  do  luto.  Elas  são  atraídas  por  Vieira  para  funcionarem  como  sinais.  E  como  dar  ao  homem  o  sofrimento  que  lhe  cabe  é  base  de  qualquer  compreensão  cristã,  Vieira  aflige o futuro para que, ele, anuncie o término de qualquer aflição. O futuro é o elemento predominante do qual surge, no  cristão,  a  necessidade  da  interpretação  histórica,  sendo,  portanto,  a  experiência  básica  do  mal,  do  sofrimento  e  da  eterna  procura da felicidade.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Vieira  se  envolvia  nas  questões  políticas  de  seu  tempo  ―  todos  os  estudiosos  sabem.  Contudo,  ao  participar  do  ambiente político como religioso, reconhecia por muitas vezes o fato que a aliança entre trono e altar tende a desacreditar  ambos. O envolvimento da religião na política sempre expõe as premissas da fé ao quase fracasso, pois a idéia de liberdade  que o cristianismo trouxe ao mundo significa estar livre da política, uma liberdade de estar e permanecer fora do domínio  da sociedade secular como um todo.  A  vida  política  do  jesuíta  evidencia  que  algo  corrói  tanto  as  palavras  do  agir,  quanto  as  ações  transpostas  em  palavras.  Isso  significa  que  passava  a  reinar  entre  as  preocupações  humanas  uma  fratura  profunda.  A  prática  não  tinha  mais a capacidade de ser moldagem da teoria da Contra‐Reforma. Secularizando e induzindo as preocupações religiosas no  seio  da  sociedade,  abria‐se  o  campo  das  respostas  para  as  soluções  profanas.  Ao  se  expor  completamente  à  política  de  interesses mundanos, a religião Contra‐Reformada de Vieira recolhia para si a fugacidade do próprio mundo e, por isso, o  jesuíta recupera o valor de fé da profecia.    tardividade 

O  objetivo  que  guia  Vieira  não  é  do  reino  do  impraticável.  A  fé  no  mundo  requer  o  realizável,  que  só  pode  ser  o  homem. Há um que acontece na natureza do livro e é tão real quanto a realidade de leitura minuciosamente íntegra.  Esse homem se impôs provendo‐se do acaso da leitura. Através dela, um projeto esgota inteiramente o espaço de sua  alma.  E  foram  tantas  as  mudanças  que,  se  alguém  tentasse  pintá‐lo,  dar‐lhe  nome  ou  traçar  aspectos  de  sua  vida,  após  a  leitura, não poderia acertar e nem responder a contento, pois é o semelhante sem semelhante (Sermão de Santo Inácio).      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Esta nova e nunca história de Antônio Vieira – O Livro Anteprimeiro e outros escritos  Marcus Alexandre Motta  Tudo que quiserdes, tudo que desejardes, tudo que houverdes mister, achareis neste Santo ou neste compêndio  de  todos  os  Santos.  Essa  foi  a  razão,  porque  a  Providência  Divina  quis  concorressem  e  se  ajuntassem  neste  grande  exemplar  tanta  diversidade  de  estados,  de  exercícios,  de  fortunas.  Nasceu  fidalgo,  foi  cortesão,  foi  soldado,  foi  mendigo,  foi  peregrino,  foi  preso,  foi  estudante,  foi  graduado,  foi  escritor,  foi  Religioso,  foi  pregador,  foi  súdito,  foi  prelado,  foi  legislador,  foi  mestre  de  espírito,  e  até  pecador  foi  em  sua  mocidade:  depois  arrependido,  penitente  e  santo.  Para  quê?  Para  que  todos  achem  tudo  em  S.  Inácio:  Omnibus  omnia  factus  sum.  O  fidalgo  achará  em  S.  Inácio  uma  idéia  de  verdadeira  nobreza;  o  cortesão,  os  primores  da  verdadeira polícia; o soldado os timbres do verdadeiro valor. O pobre achará em Santo Inácio, que o não desejar  é  mais  certa  riqueza:  o  peregrino  que  todo  mundo  é  pátria:  o  perseguido  que  a  perseguição  é  o  caráter  dos  escolhidos:  o  preso  que  a  verdadeira  liberdade  é  a  inocência.  O  estudante  achará  em  S.  Inácio  o  cuidado  sem  negligência:  o  letrado  a  ciência  sem  ambição:  o  pregador  a  verdade  sem  respeito:  o  escritor  a  utilidade  sem  afeite.  O  Religioso  achará  em  Santo  Inácio  a  perfeição  mais  alta:  o  súdito  a  obediência  mais  cega:  o  prelado  a  prudência  mais  advertida:  o  legislador  as  leis  mais  justas.  O  mestre  de  espírito  achará  em  S.  Inácio  muito  que  aprender,  muito  que  ensinar,  e  muito  por  onde  crescer.  Finalmente,  o  pecador  (por  mais  metido  que  seja  no  mundo  e  nos  enganos  de  suas  vaidades)  achará  em  S.  Inácio  o  verdadeiro  norte  da  salvação:  achará  o  exemplo  mais  raro  da  conversão  e  mudança  de  vida:  achará  o  espelho  mais  vivo  da  resoluta  e  constante  penitência:  achará  o motivo mais  eficaz da  confiança em Deus, e  na sua misericórdia, para  pretender,  para conseguir,  para  perseverar, e para subir e chegar ao mais alto cume da santidade e graça com a qual se mede a Glória. 

  Se  não  se  tem  mais  a  convicção  de  que  os  homens  participam  com  Deus  de  uma  razão  natural,  tal  como  no  Renascimento, o mundo de Vieira reconhece que a razão é em si artifício. Dessa forma, o seu ideal cognitivo é armazenar e  colecionar as vozes dos mortos, cujo “campo santo” é a imagem da Biblioteca.  Santo Inácio aparece como essa Biblioteca monumental repleta de espelhos e livros, onde o que se procura acha. Ora,  livros e espelhos são de fato constituídos da mesma polpa imagética. Aquela que os permite persistir incessantemente. São  formas  duplicadas;  comentários  silenciosos  que  se  movimentam  tendo  outro  fora  de  si.  Sempre  no  súbito  reflexo  da      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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imaginação, outras imagens se multiplicam e abarcam o que se pode esperar ver e saber.   Vieira  transforma  Inácio  em  emblema  espectral.  As  atitudes  do  santo  ganham  caráter  pessoal  através  dos  múltiplos  fragmentos  apresentados.  Tudo  funciona  por  conjugação  significativa.  E,  num  desvelo  digno  e  irônico,  alcança  a  superioridade do fundador de sua Companhia. Ele é capaz de mortificar tudo e ser muito mais, possuidor da capacidade de  superação dos estados de coisas.  Os espectros advindos de Santo Inácio na forma verbal da esperança da fé — achará — convertem‐se num salmo em  crescente fértil. As aparições do santo demonstram o reino do luto, pois as atitudes no mundo em nada se assemelham ao  ideal do fundador edificado por Vieira.  O procedimento retórico do jesuíta torna o tempo verbal da passagem um espaço de escrita, onde os acontecimentos  espelhados e lidos expressam a simultaneidade residente num agora exato. O interlúdio metonímico na inversão espectral  reifica  por  contigüidade  aqueles  que  não  são  presentificações  emblemáticas  de  Santo  Inácio.  Dessa  forma,  a  plenitude  do  santo  e  o  vazio  daqueles  que  não  se  espelham  nele,  nem  o  fazem  lido,  podem  ser  considerados  uma  extensão  irônica  do  andamento metonímico da passagem.  A ironia sublimada de Vieira ― no que implica na derrota potencial da ação e seu alocamento no afeto para impedir  a  queda  na  introspecção  e  no  acanhamento  do  desejo  ―  estrutura  e  solapa  o  próprio  corpo  do  discurso,  impedindo  qualquer  outra  forma  mental  que  não  consagre  a  motivação  expressa  nos  jesuítas.  Isso  se  dá  em  razão  da  capacidade  da  ironia, praticada por Vieira, ser uma espécie de equivalente técnico para a doutrina do pecado original.  O espaço metonímico da passagem citada, portanto, é um tipo de metáfora limitadora dos recursos fáceis às imagens      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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e  ao  tempo,  como  o  imperativo  achará  ―  uma  metalepse  restauradora  que  destrói  o  tropo  metonímia  por  contingência  irônica  da  Biblioteca.  Eis,  em  Santo  Inácio  um  equilíbrio  entre  a  identificação  a  ser  introjetada  e  a  projeção  do  menos  em  relação ao santo como expulsão do pouco. Após ele, tudo pede um mais, um é, um muito que e um para.  Acreditava  Vieira  nesse  templo  habitado  por  livros  e  espelhos  das  experiências  do  ter  visto;  todo  o  mundo  imaginado  cabia  neles.  No  sonho  e  na  vigília,  queria  prever  e,  prudentemente,  alcançar  uma  inteligência  que  por  si  era  perplexa,  pois  buscava  que  a  sua  alma  fosse  a  imagem  correspondente  à  tarefa  jesuítica  no  Mundo.  Esse  mundo  revelado  ao Mundo pelos Descobrimentos, a Graça concedida a Portugal e à sua Cruz.    enleio  Este  Mundo  é  um  teatro;  os  homens  as  figuras  que  nele  representam,  e  a  história  verdadeira  de  seus  sucessos  uma  comédia  de  Deus, traçada e disposta maravilhosamente pelas idades de sua Providência. E assim como o primor e sutileza da arte cômica consiste  principalmente  naquela  suspensão  de  entendimento  e  doce  enleio  dos  sentidos,  com  que  o  enredo  os  vai  levando  após  si,  pendentes  sempre  de  um  sucesso,  encobrindo‐se  de  indústria  o  fim  da  história,  sem  que  se  possa  entender  onde  irá  parar,  senão  quando  se  vai  chegando  e  se  descobre  subitamente  entre  a  expectação  e  o  aplauso,  assim  Deus,  soberano  Autor  e  Governador  do  Mundo  e  perfeitíssimo  Exemplar  de  toda  a  natureza  e  arte,  para  maior  manifestação  de  sua  glória  e  admiração  de  sua  sabedoria  de  tal  maneira  nos  encobre  as  coisas  futuras,  ainda  quando  as  manda  escrever  primeiro  pelos  profetas,  que  nos  não  deixa  compreender  nem  alcançar  os segredos de seus intentos, senão quando já têm chegado ou vão chegando os fins deles, para nos ter sempre suspensos na expectação  e pendentes de sua Providência. E é esta regra (com pouca exceção de casos) tão comum em Deus e seus decretos, que, ainda quando as      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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profecias são muito claras, costuma atravessar entre elas e os nossos olhos umas certas nuvens, com que sua mesma clareza se nos faz  escura.  Evidencia  Vieira  a  “facticidade”.  Os  homens  são  capturas  da  contingência  ― um  contexto  inalterável  onde  o  escape  inexiste.  Deus  é  autor  da  Comédia,  um  exórdio  triste  num  final  alegre.  Quando  os  homens  aceitam  suas  virtudes  e  ações  como padrão de auto‐reconhecimento, o riso da morte recita o outro lado, o drama histórico que espelha a culpa.  A  enteléquia  dos  acontecimentos  humanos  não  se  encontra  terminada  em  si.  Inexorável  fatalidade,  já  que  todo  o  andamento  de  Vieira,  após  a  expressão  sua  Providência,  gera  a  caudalosa  manifestação  de  ininterruptas  frases.  Elas  se  fazem  incompletas,  no  contínuo  processamento  de  outra  vaga  inconclusa,  até,  novamente,  depararem‐se  com  a  mesma  expressão ― sua Providência.  A  Comédia  é  sutil,  da  qual  nada,  ou  muito  pouco,  a  criatura  compreende;  entendimento  quase  sempre  suspenso,  uma  vez  que  o  que  se  vai  chegando  trai  os  dados  anteriormente  assinalados.  O  enredo  da  Comédia  acontece  como  vento:  sopra  as  velas  pendentes  de  um  sucesso  para  outro;  desloca‐se  a  criatura  para  o  fim  e  não  sabe  onde  irá  parar.  Mesmo  nas  “tendas” do saber, ela está incapacitada de prever o que virá. Sabe que algo está por vir; sabe que tudo tem fim; sabe, até,  qual será o fim; mas não sabe quando. E, por não sabê‐lo, inquire‐o.  O  quando,  por  motivo  do  próprio  interrogatório,  distancia‐se.  Ameaça  se  aproximar  em  derradeiro  ato.  Afasta‐se,  reconduzindo  a  si  para  trás,  no  quando  do  quando;  ou  seja,  no  se  vai  chegando.  A  expectação  da  alma  descobre  que  o  posto  que  não  é  o  quando  anteriormente  aceito,  tampouco  é  qualquer  outro.  Por  fim,  já  sem  qualquer  um,  encobre‐se  o  fim  da  história e a criatura descobre subitamente a história verdadeira.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Na Verdade do futuro, a incompletude humana obtém um só e único papel a representar: atores que não conhecem o  que de fato representam, impedidos como estão de aplaudir entusiasticamente as próprias ações. Tudo que fizeram abrevia  a  prova  do  enredo  de  Deus.  Eles  próprios  são  vestes  representativas  dessa  Comédia.  Deus  é  perfeito  autor  e  diretor.  “Escritor” da eternidade, manifesta‐se completamente na ausência entre os homens.  Deus  não  quer  que  a  criatura  acesse  os  conhecimentos  do  Seu  intento  futuro.  Cabe,  então,  esperar  e  contar  com  o  comentador  especial  de  tudo  que  há‐de  ser  presente:  o  tempo.  Ele  é  a  projeção  da  criatura  para  além  de  si,  e  esta,  a  sua  concretude infalível. O tempo inicia com ela, e a criatura morre por excesso de intimidade com ele.  Deus,  porém,  ama  as  figuras  que  representam  no  teatro  do  mundo.  Revela‐lhes  em  “cacos”  o  que  há‐de  ser  presente  através  das  próprias  histórias.  O  fim  vem  chegando.  E,  mesmo  assim,  a  expectação  da  alma  se  mantém  pendente  como  velas ao sopro da Providência. Dois tempos em uma só temporalidade: o que passa como vento e aquele que sofre no vento.  Assim há‐de ser a criatura e nada mais.    enredo 

A  naturalidade  de  Vieira  frente  à  natureza  artística  de  Deus  revela  o  quadro  da  ação  cômica  ao  qual  a  criatura  está  submetida,  cuja  vida  revela  a  oposição  radical  de  parentesco.  A  Comédia  anuncia  a  luta  entre  a  humana  curiosidade  de  futuro e o Pai. Nela existe o cerimonial de expulsão, retirando qualquer personagem que não queira se curvar aos intentos  Paternos.   A  ação  cômica  conduz,  destarte,  a  ordem  social  ao  desenho  da  fé.  Repele  a  demonstração  e  a  defesa  de  versões      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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opostas  da  situação.  Julga,  proclamando  o  fim  completo  da  Verdade  e  as  correspondentes  ilusões  humanas,  fazendo  comparecer, no mesmo ponto, a retórica da Verdade e a jurisprudência de Deus na história.  Há,  então,  algo  irônico  na  Comédia  que  não  equivale  a  rebaixamento  satírico.  Em  Vieira  a  ironia  não  é  militante  como na sátira. Em sua altivez assume o conteúdo realístico e indica a total abstinência em possuir essa natureza; pois ele  provém da real condição humana em desenvolver uma peça de Deus no teatro do mundo. Nesse domínio da Comédia que  eleva  a  ironia,  o  realismo  do  mundo  é  a completa  presença  do  eterno  engano  dramático  que  está  constantemente  próximo  ― altiva condição do realismo das menores distâncias entre o Céu e a Terra.   Do  ponto  de  vista  da  criatura,  na  comédia  de  Deus,  há  moral  e  experiência  realística  da  vida.  Entre  o  drama  e  o  teatro  das  representações,  algo  está  para  acontecer  ou  ser  revelado.  E  aquilo  que  acontece  e  se  revela  é  a  poética  da  incompletude.  Como  a  criatura  pode  estar  justificada  historicamente  e,  contudo,  desautorizada  pelas  mesmas  certezas  conceituais  de  fundo;  a  realidade  inconclusa  é  o  inacabado  da  conclusão  sobre  o  ultrapassado.  Há  algo  mais,  que  não  o  correlativo para o passado, mas o tempo incompleto de algo novo.   É o Livro Anteprimeiro a “introdução” a uma obra que jamais existiu finalizada; aquela que Vieira quis que fosse sem  nunca ter sido. A existência de algo e a inexistência do mesmo me deixam à vontade para afirmar que a incompletude é um  parâmetro  adequado  para  se  pensar  a  concretude  daquilo  que,  por  si,  deveria  ser  inacabado.  A  História  do  Futuro,  ou  chamemos  de  Clavis  Prophetarum,  Esperança  de  Portugal  e  Quinto  Império,  só  tem  um  Livro  Anteprimeiro.  Vieira  apresenta  aquilo que ele sabe existir tão‐somente por direito de fé e não de fato, a História do Futuro: esta nova e nunca ouvida História.        Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Esta nova e nunca história de Antônio Vieira – O Livro Anteprimeiro e outros escritos  Marcus Alexandre Motta    murmúrios 

Nenhuma  coisa  se  pode  prometer  à  natureza  humana  mais  conforme  a  seu  maior  apetite,  nem  mais  superior  a  toda  sua  capacidade,  que  a  notícia  dos  tempos  e  sucessos  futuros;  e  isto  é  o  que  oferece  a  Portugal,  à  Europa,  ao  Mundo  esta  nova e nunca vista História.  Secreta  e  rígida  medida  para  a  natureza  humana.  Capacidade  em  um  só  ponto:  a  promessa  dos  tempos  futuros.  Se  para toda capacidade há um fenecimento, Vieira prefixa a onipotente norma do desejo; a curiosidade. Embarga o oferecer a  Portugal, à Europa, ao Mundo, pondo‐o à sombra de sua promessa, esta nova e nunca vista (ouvida) História. O pronome  indefinido nenhuma é o que se dilata na composição de Antônio Vieira.  Despedindo‐se  do  porquê  da  capacidade  humana  se  confundir  com  o  apetite  de  futuro,  cerra  a  porta  e  se  coloca  frente a um espelho que o aguarda em vão. Esse espelho é a escrita, que no lugar da amplificação retórica do mais, maior,  nem mais, faz do drama vivido pelos homens a chama do Livro Anteprimeiro da História do Futuro.  Há,  entre  o  poder  da  promessa  e  a  capacidade  humana,  memórias  para  o  futuro  projetadas  sobre  papéis.  Nada  se  pode  perder  da  promessa.  Não  há  como  rebaixar  a  fonte  do  prometido,  a  Promessa  fundadora  de  Portugal  de  Cristo  a  Afonso  Henriques  ―  “quero  fazer  em  ti  e  em  teu  sangue  um  Império  para  mim”.  Quando  o  ocaso  de  um  tipo  de  mundo  torna‐se visível, sendo esse o papel do tempo presente na escrita de Vieira, a luz que se dispersa gera o querer dizer sobre  as coisas inesquecíveis.        Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Esta nova e nunca história de Antônio Vieira – O Livro Anteprimeiro e outros escritos  Marcus Alexandre Motta    nem, com 

Para  satisfazer,  pois,  à  maior  ânsia  deste  apetite  e  para  correr  a  cortina  aos  maiores  e  mais  ocultos  segredos  deste  mistério,  pomos  hoje  no  teatro  do  Mundo  esta  nossa  História,  por  isso  chamada  do  Futuro.  Não  escrevemos,  com  Beroso,  as  antiguidades  dos  Assírios,  nem,  com  Xenofonte,  a  dos  persas,  nem,  com  Heródoto,  a  dos  Egípcios,  nem,  com  Josefo,  a  dos  Hebreus,  nem,  com  Cúrcio,  a  dos  Macedônios,  nem,  com  Tucídedes,  a  dos  Gregos,  nem,  como  Lívio,  a  dos  Romanos,  nem com os escritores portugueses as nossas; mas escrevemos sem autor o que nenhum deles escreveu nem pôde escrever.  Eles  escreveram  histórias  do  passado  para  os  futuros,  nós  escrevemos  a  do  futuro  para  os  presentes.  Impossível  pintura  parece antes dos originais retratar as cópias; mas isto é o que fará o pincel da nossa História.  Fecham‐se  os  livros.  Com  eles  fechados,  não  há  autor,  nem  títulos.  Os  livros  sepultam  a  ação  da  escrita  e  vivem  naquele que os leu como espelhos das experiências. Antônio Vieira os punge. Apenas um cristão com as suas preocupações  e  altivez  de  fé  é  capaz  de  escrever  uma  História  independente  de  outras:  escrevemos  sem  autor  o  que  nenhum  deles  escreveu nem pôde escrever.  Só  um  livro,  porém,  é  passível  de  estar  aberto  quando  fechado  e  lacrado  quando  se  declara;  só  um  livro  é  por  excelência sem autor e autoria ao mesmo tempo ― a Bíblia. É nela que se descobrem as constelações de idéias intemporais,  relacionadas  com  as  coisas  do  tempo,  assim  como  as  visões  de  arranjos  figurativos  às  estrelas  do  firmamento.  Os  fenômenos  do  mundo  são  repartidos  no  tempo  por  aquelas  constelações  de  idéias  intemporais,  e  nelas,  os  fenômenos  são  salvos de sua consumação inevitável; desaparecer.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Antônio  Vieira  precisa  salvar  o  fenômeno  alargado  e  pertinente  ao  seu  tempo:  para  satisfazer,  pois,  à  maior  ânsia  deste  apetite  (a  curiosidade).  A  verdade  desse  “absurdo  humano”  não  entra  em  relação  íntima  com  a  salvação  pretendida  pelo  jesuíta.  Colocaria,  então,  o  ser  da  Verdade  no  lugar  da  ânsia  deste  apetite?  Não.  O  ser  da  Verdade  se  distingue  do  amor  humano  pelos  futuros  ―  senão  que  vão  sempre  após  eles,  porque  os  amam.  A  estrutura  da  Verdade  sobre  o  futuro  requer essência que se ausente de ânsias. Se Vieira tivesse a preocupação de fazer valer qualquer ato meramente contrário  aquele tipo de amor temporal, a Verdade da religião não teria permanência.  Como  reter  a  vontade  humana  e  a  permanência  da  Verdade  numa  perigosa  proximidade  para  a  fé  num  solo  significativo  e  firme  para  a  política  das  preocupações  de  Vieira?  Fazer  sepultar  a  idéia  de  que  escreve  e,  nessa  morte,  inventar a permanência da falta de intenção na autoria, deixando marcas que demonstram que ele está a perseguir sábios.  O que, então, livraria o homem da fenomenalidade do mundo através da força destituída do desenrolar dos fenômenos? A  promessa  de  escrever  o  futuro  a  partir  da  sepultura  do  tempo,  o  Livro.  É  a  promessa  que  pode  ser  um  processo  em  ação  afetiva,  levantando  as  palavras  da  sepultura  da  realidade;  o  que  permitiria  a  elas  um  novo  direito  de  nomear  os  acontecimentos  que  ainda não são: e  para correr a  cortina  aos maiores  e mais ocultos segredos deste mistério,  pomos  hoje  no teatro do Mundo esta nossa História, por isso chamada do Futuro.    tipo 

Aceito a fala sobre o novo, que vem à luz desalojando o velho, mesmo que o velho e o novo se confundam, quando o  muito  antigo  ganha  estatuto  de  novidade  —  como  ocorre  em  Vieira.  Admito  que  o  indivíduo  profético  aviste  o  novo  à      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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distância, na escuridão e por traços indefinidos. Como o profeta não é possuidor do porvir e não consegue fazê‐lo vigorar,  ele  se  torna  perdido  para  a  própria  realidade.  Antônio  Vieira,  contudo,  nunca  se  perde  para  a  realidade  de  seu  tempo  e  nunca se manteve pacífico ante os andamentos do mundo. Logo, ele não é exclusivamente profeta. Seria, então, a forma de  herói?  O  herói  é  trágico  por  excelência.  Luta  pelo  seu  povo;  esforça‐se  para  aniquilar  o  mundo  que  está  em  vias  de  desaparecer  de  maneira  a  tornar  vigente  o  novo;  e  com  isso,  destruir  o  passado.  Nesse  sentido,  o  velho  deve  ser  visto  em  toda a imperfeição; mas se o antigo é muito antigo por ser ainda novidade e perfeito, como se dá em Vieira, digo que ele é  inconstituível através do trágico. Seria, então, irônico?  Para  o  sujeito  irônico  a  realidade  perdeu  todo  o  valor.  Mostra‐se  de  forma  incompleta;  força  o  constrangimento  e  incomoda em virtude do inacabado de tudo. O sujeito irônico não detém o novo; não sabe o que vai chegar. Vieira, porém,  crê e sabe da Verdade o que vai chegar. Logo, o jesuíta se torna inadequado ao parâmetro irônico.  O  irônico,  contudo,  é  uma  forma  de  profeta.  O  último  anda  de  mãos  dadas  com  o  tempo  e  o  primeiro  aparta‐se  das  suas  fileiras  e  se  ergue  contra  ele.  Um  anda  de  frente  para  o  futuro  e,  o  outro,  de  costas.  Para  o  sujeito  irônico  o  que  está  por vir é oculto, mas a sua relação com a realidade assume a postura de inimigo.  Se  na  realidade  histórica  o  negativo  é  existente  por  direito  histórico,  uma  profunda  ironia  pesa  sobre  o  mundo  do  jesuíta. Antônio Vieira reivindica fazer o mesmo que João Batista, aquele que aponta com a voz e depois com o dedo. João  Batista,  no  entanto,  foi  aquele  que  não  era  Aquele  que  devia  vir  e  nem  sabia  o  que  devia  vir,  e,  apesar  disso,  O  batizou  e  deu aos da fé de Abraão a anulação de sua realidade através do real de sua espera. Vieira aponta com a voz e aguarda que      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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o Senhor das Promessas se torne alvo. De fato, o reino da incompletude é a determinação de sua “subjetividade”.  Aceito  o  lugar  da  Comédia  de  Deus,  posso  admitir  o  livro  Anteprimeiro  da  História  do  Futuro  como  se  fosse  um  desesperado  “prefácio”  para  o  derradeiro  ato  da  peça  de  Deus.  Vieira  não  se  completa  através  da  figura  do  profeta,  já  disse,  e  por  sua  incompletude  torna‐se  o  testemunho  da  redescoberta  das  Profecias.  Vela  a  ironia  sublimada  como  correspondente  ao  sorriso  de  Deus;  de  fato,  ele  expressa  a  possibilidade  prefacial  de  um  “herói”  lutuoso  na  Comédia  supra‐histórica.    há‐de ser 

Vieira solicita aos leitores viverem os originais, antevendo o que hão de obrar. Contudo, o melhor comentador das profecias  é  o  tempo.  A  Promessa  de  Cristo  ao  Rei  D.  Afonso  Henriques  (“quero  fazer  em  ti  em  teu  sangue  um  Império  para  mim”),  que ainda não era, envia Portugal ao sublime estado futuro do Quinto Império, proveniente da Profecia de Daniel. Vieira crê  neste último e derradeiro Império? Pouca significância existe em delimitar o expresso pelo jesuíta como sonho ou realidade  da intervenção religiosa no mundo. Se for realidade, não há como perder a validade desse bem. Se for sonho, não se perde  a validade moral, pois esta se torna inatacável no sonho.  Vieira aspira preencher tudo com a sua noção de futuro, o há‐de ser presente, configurando um realismo das menores  distâncias  entre  o  céu  e  a  terra;  natural  espelhamento  entre  livros  e  experiências  missionárias.  Claro  que  o  escrito  do  jesuíta é artístico, mas só o é na medida em que faz das leituras e das experiências uma tonalidade nova. Sua importância é  essa, uma vez que converte a audição profética em visão tátil, ao saborear a Promessa, na qual as experiências e as leituras      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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repousam.  Vieira,  então,  participaria  da  cultura  do  mareante  e  do  rústico.  Universo  de  trabalho  que  precisa  dar  ao  mundo  um  segundo  mundo  e  uma  segunda  vida  em  pecados  declarados  para  fazer  chover  a  graça  e  ler  nas  estrelas  os  sinais  do  amanhã de um ontem bastante próspero.  Tal realismo, que rebaixa o céu e aproxima a fé da constante semente de campos lavrados e mares navegados, faz do  tempo  um  hemisfério  de  cortes  no  mundo.  Sempre  o  passado  altivo  e  visível  e  o  futuro  invisível  e  inferior;  e  no  meio  de  um e outro hemisfério ficam os horizontes de tempo, que são estes instantes do presente que imos vivendo onde o pretérito  termina e o há‐de ser presente começa.  Nesse princípio a nossa História, a qual nos irá descobrindo as novas regiões e os novos habitadores deste segundo hemisfério do  tempo que são os antípodas do passado. Oh que coisas grandes e raras haverá que ver neste novo descobrimento.    fossem 

Dobrado de sete lâminas dizem que era aquele escudo (o escudo de Enéas de Virgílio); e também o da nossa História,  para que em tudo lhe seja semelhante, é publicado em sete livros. Nele verão os capitães de Portugal sem conselho, o que  hão‐de resolver; sem batalha, o que hão‐de vencer e sem resistência, o que hão‐de conquistar. Sobretudo se verão nele a si  mesmos e suas valorosas ações, como em espelho, para que, com essas cópias de morte‐cor diante dos olhos, retratem por  elas vivamente os originais, antevendo o que hão‐de obrar, para que obrem, e que hão‐de ser, para que o sejam.  O ofício e a obrigação dos poetas é impedimento normativo das causas históricas, dizer as coisas como foram. A arte      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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poética  serve  para  colorir  o  que  havia  de  ser  e  afirmar  como  era  bem  que  fossem  e  não  para  pintar  o  que  ou  como  havia  sido.  A  promessa  de  Vieira  em  escrever  um  livro  santo  absorve  o  estilo  poético.  Para  reverter  os  quadros  desfavoráveis  e  fazer  valer  a  idealidade  da  leitura,  a  experiência  missionária,  não  há  arma  mais  poderosa  do  que  o  arranjo  artesanal  da  escrita feita de arte e saber bíblico, no qual estivessem entalhados e descritos os mesmos sucessos futuros que se haviam de  obrar naquela empresa.  O jogo de inversões imagéticas, e as cópias da compreensão na leitura, anulam‐se por um colorido sem cor, a morte‐ cor  ―  termo  que  designa  um  artifício  da  pintura  renascentista  que  prepara  a  tela  com  cores,  degradando‐as  conforme  os  objetivos  pretendidos.  A  vida  presente  na  leitura  espera  que  Vieira  seja  a  preparação  da  vida  definitiva.  A  retidão  moral  depende  do  momento  da  morte  representada  anteriormente,  o  qual  está  sujeito  à  constituição  de  um  ego  volitivo  que  afirme a intelectiva necessidade frente aos problemas de Portugal.  Os  capitães  de  Portugal,  porém,  só  podem  contar  com  a  imposição  do  laurel  da  liberdade.  A  posse  daquilo  que  irá  ser escrito por Vieira é o fim último que a Providência havia disposto para Portugal, o Quinto Império. As frases do autor  são acompanhadas da fruição daquele bem, um ato perfeito de apetite intelectual da vontade do hão‐de.  Antônio  Vieira  se  põe  como  síntese  das  várias  figuras  “literárias”  e  bíblicas,  acrescentando  em  cada  uma  delas  a  angústia temporal da escrita, o que o compele a repetir espectralmente as imagens das leituras. São João Batista, Bandarra,  Daniel,  São  João,  Isaías  e  o  historiador  dos  Descobrimentos,  João  de  Barros,  apontam  para  a  violência  da  imitação  neste  Livro Anteprimeiro. Se todo desejo admite em si a violência, e se qualquer modelo só pode tratar algo que lhe confira uma  plenitude  de  ser  ainda  mais  total,  a  violência  desejante  da  promessa  de  Vieira,  o  Quinto  Império,  é  essencialmente      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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mimética. Aquilo, porém, que Vieira “mimetiza” não é exatamente os modelos por ele privilegiados, mas o que os desejos  modelados elegem.  Antônio Vieira escolhe dois modelos básicos no Livro Anteprimeiro: o Apocalipse de São João e a Profecia de Daniel.  Altivamente satisfeitos em si, tais modelos se apresentam e pedem a imitação. Há, porém, apenas um direito mimético em  todos  que  converge  para  a  mesma  expectação  da  alma,  o  futuro.  Contudo,  qualquer  mimesis  relacionada  ao  desejo  de  totalidade conduz necessariamente ao conflito.  Vieira  diz  que  sua  marca  emblemática  é  o  Profeta  Isaías.  Este  havia  feito  tanto  história  profética,  quanto  profecia  histórica. Ser o testemunho das profecias é a tarefa da história, portanto. O “não” dado pelos Descobrimentos no teatro do  mundo é uma condenação terrível, dado que se refaz em outro “não”, agora de Vieira, que precisa novamente redescobrir  Portugal ― permitindo‐me pensar que o futuro de Portugal para o jesuíta não é Portugal algum e sim o Quinto Império.  Nesse  aspecto,  as  profecias  são  pathos  decorrentes  das  experiências  que  se  revelam  enquanto  histórias  encobertas,  sinalizando algo que apenas enquanto sinal se deixa ver. A fé de Vieira no Quinto Império traduz a vivência em esperança  solista que se alimenta da idéia horizontal dos Descobrimentos; pois se é do tempo em verdade a finalidade, além de todo  desdobramento  temporal,  a  realidade  pode  ser  representada  num  único  ato  que  tanto  é  caráter,  quanto  fado  dos  Descobrimentos ― esta nova e nunca vista história.    sina 

Vivei,  vivei  Portugueses,  vós  os  que  mereceis  viver  neste  venturoso  século!  Assim  Vieira  apresenta  os  direitos  e      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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deveres desse segundo povo eleito: Vós descobristes ao Mundo o que ele era, e eu vos descubro a vós o que haveis de ser.  Em nada é segundo e menor este meu descobrimento, senão maior que tudo. Maior cabo, maior esperança, maior império.  Aceita  de  antemão  essa  evidência  confessa,  imagino  que  o  Livro  Anteprimeiro  seja  capaz  de  prescrever  a  mesma  expressão  histórica  do  acontecimento  Descobrimentos.  Assim  sendo,  coloco  no  lugar  do  acontecimento  o  Livro  Anteprimeiro  da  História  do  Futuro  e,  num  jogo  de  espelhos,  a  sensibilidade  imagina  que  os  Descobrimentos  são  aceitos  como o futuro de qualquer história, a ponto de silenciar todas as outras, como diz Vieira. Logo, redescubro que a História  do  Futuro  consubstancia  a  imagem  e  mostra  a  urgência  da  mortificação  daquele  acontecimento,  permitindo  superação  e  projetando a necessidade de se igualar a este que comparece em todo o Livro Anteprimeiro.  Mas  se  o  sol  de  Portugal  morre  no  extremo  ocidental  e  nasce  no  Oriente,  e  se  essa  aurora  se  dissipou,  pois  foi  solapada por outras nações, e se o mesmo Portugal é a parte mais ocidental da Europa, onde o sol europeu morre e recebe,  através dos portugueses, outros mundos; o que vejo? Que o futuro de Portugal é o Ocidente colonial, exigindo que seu sol  volte novamente a nascer.  Mas se as palavras são como as estrelas, só nascem após o ocaso do sol, e supondo que essa noite de Portugal fosse a  Colônia  Ocidental  e  enquanto  hemisfério  fosse  aquele  que  Vieira  chama  de  invisível  e  inferior,  o  futuro;  qual  seria  a  maneira?  Seria  o  ato  de  semear,  porque  o  semear  é  uma  arte  que  tem  mais  de  natureza  que  de  arte:  caia  onde  cair;  assim  como o sol semeia luz às coisas sem mesmo reter o verbo para si.  Aceita tal configuração “heliotrópica”, tenho a constância das raízes do velho naturalismo português em Vieira, que  espera  o  passar  das  noites  para  ver  o  movimento  da  vida  em  germinação.  Mas,  se  também  admito  que  o  pregar  há‐de  ser      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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como  quem  semeia,  e  não  como  quem  ladrilha,  ou  azuleja,  e  que  todas  as  estrelas  estão  por  sua  ordem;  mas  é  ordem  que  faz  influência,  não  é  ordem  que  faça  lavor,  e,  por  fim,  que  não  fez  Deus  o  céu  em  xadrez  de  estrelas  como  os  pregadores  fazem  o  sermão  em  xadrez  de  palavras;  o  que  encontro?  O  realismo  das  menores  distâncias  entre  o  céu  e  a  terra  no  espelhamento entre escrita e experiências missionárias que afirma, independentemente de um estilo consagrado: veja o céu  que ainda tem na terra quem se põe da sua parte; saiba o inferno que ainda há na terra quem lhe faça guerra com a palavra  de Deus; e saiba a mesma terra, que ainda está em estado de reverdecer, e dar muito fruto.  3 Idealizo  que  o  Livro  Anteprimeiro  se  capacita  em  configurar  as  expectativas  irrealizadas  dos  Descobrimentos  conforme  as  expectativas  da  esperança:  ver  confirmada  a  Missão  de  Portugal.  Contudo,  assim  como  os  Descobrimentos  geraram  o  apogeu  e  nada  se  foi  para  além  dele,  “ato  sem  história  que  é  para  tudo  quanto  nasce  o  tempo  do  seu  nascimento” 4,  suponho  que  o  Livro  Anteprimeiro  anuncia  um  livro,  gerando  uma  expectativa  que  não  se  confirma  tal  e  qual o que poderia ter sido se fosse confirmado historicamente o valor do acontecimento Descobrimentos.  Nesse jogo de espelhos, luz e olhos, nesse ir por diante, a incompletude da História do Futuro ― chamemos também  de  Clavis  Prophetarum,  detonada  pela  Inquisição  ou  bloqueada  por  ela  no  refúgio  do  Latim,  escrita  antes  de  1649,  no  período  do  Maranhão,  ou  em  1663  ―  expressa  muito  bem  o  recomeço  da  valorização  dos  Descobrimentos.  Os  Descobrimentos prometeram outra história e o Livro Anteprimeiro, um livro definitivo, que não aconteceu.   Antônio VIEIRA, ʺSermão da Sexagésima, Lisboa, Capela Real, 1655ʺ. In: Sermões do Pe Antônio Vieira. v. I. op. cit. p. 17.   Usamos a reflexão de Eduardo LOURENÇO de maneira restrita para a idéia dos Descobrimentos e a alargamos para traduzir o nosso pensamento quanto a história por si  luso‐brasileira, repleta de historicidade de um único verbo, redescobrir. In: O Labirinto da Saudade. Lisboa: Dom Quixote, 1982. p. 18.    3 4

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Os  Descobrimentos  no  Livro  Anteprimeiro  assumem  a  articulação  entre  a  novidade  e  as  fundações  do  antigo  da  fé,  as  profecias  bíblicas  que  o  previram.  As  profecias  só  podem  ser  desvendadas  a  partir  desse  fato  e  melhor  compreendidas  quando  se  faz  outra  descoberta  na  região  da  Colônia,  a  Missão  jesuítica  no  Maranhão,  os  Antípodas  de  Vieira  ―  onde  o  dizer é fazer, o ouvir é ver.  Se a Missão dessa segunda descoberta no anterior espaço descoberto corre o risco de se fazer incompleta em função  da  própria  dinâmica  colonial,  o  contraponto  necessário  é  formulado  pela  anti‐história  de  uma  Filosofia  da  Restauração,  o  Quinto  Império.  Em  função  da  história‐natureza  dos  Descobrimentos,  atos  sem  história,  reino  da  incompletude,  provém  a  sua natureza‐histórica, o Quinto Império, morte natural da própria vida missionária. Assim, o Quinto Império é a História  em um só ato da Missão; filho da ação fantasmática do verbo redescobrir. 

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II – termo da navegação.  mar 

(...) era o termo da navegação do mar Oceano junto somente à costa de África, o cabo chamado de Não, sendo mares  que  depois  dele  se  seguiam,  tão  temerosos  aos  navegantes,  que  era  provérbio  entre  eles  (como  escreve  o  nosso  João  de  Barros): quem passar o Cabo de Não, ou tornará ou não. Aparecia ao longe deste o cabo  Bojador, pelo muito  que se metia  dentro do mar, cuja passagem, tanto por fama e horror comum, como pelo desengano de muitas experiências, se reputava  entre  todos  por  empresa  tão  arriscada  e  impossível  à  indústria  e  poder  humano,  como  se  pode  ver  no  IV  capítulo  da  primeira  Década.  Mas  quem  ler  o  capítulo  seguinte,  verá  também  como  um  homem  português,  não  de  muito  nome,  chamado  Gil  Eanes,  foi  o  primeiro  que,  dispondo‐se  ousadamente  ao  rompimento  de  uma  tamanha  aventura,  venceu  felizmente  o  cabo  em  uma  barca,  quebrou  aquele  antiqüíssimo  encantamento  e  mostrou  com  estranho  desengano  à  Espanha,  ao  Mundo  e  ao  mesmo  Oceano  que  também  o  não  navegado  era  navegável;  o  qual  feito  ponderando  o  nosso  grande historiador como seu costumado juízo, diz breve e sentenciosamente: A este seu propósito se ajuntou a boa fortuna,  ou por melhor dizer, a hora em que Deus tinha limitado o curso de tanto receio, como todos tinham, de passar aquele cabo  Bojador....      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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As  frases  de  Vieira  se  assemelham  às  navegações  portuguesas.  O  ato  de  costear  a  África  se  repete  na  escrita,  margeando  o  continente  histórico  do  período  de  Infante  D.  Henrique.  Primeiramente  nele  e  por  ele  se  povoaram  os  desertos dos séculos...   Do início dos Descobrimentos, as frases do jesuíta recuperam a ação de ruptura das incertezas, ignorâncias e medos,  apresentando‐se  como  arte  de  marear.  O  herói  épico,  que  envergonha  os  medos,  acanha  as  ignorâncias  e  desagrava  as  incertezas.  Gil  Eanes,  tem  o  nome  curto,  como  curta  é  a  palavra  não.  A  relação  de  proporcionalidade  entre  a  escrita  do  jesuíta,  sua  leitura  e  o  acontecimento,  traduz  bem  a  espécie  de  engrandecimento  retrocessivo  e  de  intenção  quase  pedagógica.  O herói da épica navegante comparece em todas as orações e não só na frase onde é citado. Torna‐se a potencialidade  figurativa  do  acontecimento‐fantasma  Descobrimentos.  E  como  tal  revela  a  ventura  e  ousadia  do  ontem  de  Portugal  ao  gerar a condição fantasmática sobre os homens da mesma pátria.  Vieira, lendo João de Barros, prepara Gil Eanes para acontecer através do artifício da criação de uma cena anterior e  uma  imediatamente  posterior,  cujo  cenário  o  espera  e  se  destrói  na  medida  em  que  passa.  O  momento  inicial  dos  Descobrimentos e o personagem destacado são efeitos da quase‐causa: é Deus quem tinha limitado o curso de tanto receio.  Antônio  Vieira  apreende  o  valor  do  acontecimento‐fantasma  lendo‐o:  cujo  principal  intento  naquela  empresa,  como  dizem  todas  as  nossas  histórias,  foi  o  puro  zelo  de  Fé  e  conversão  da  Gentilidade.  Na  experiência  missionária,  a  épica  navegante  se  converte  amplificadamente  na  segunda  Companhia  de  Jesus  (nome  que  deve  a  Portugal),  após  a  dos  Apóstolos.  A  tempestade  é  maior  que  o  mar,  e  tão  imensa  como  o  mundo  todo,  e  os  jesuítas  creram,  entenderam  e      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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supuseram  com  evidência  que  o  Senhor  não  necessita  acordar,  levantar,  nem  falar,  nem  mandar,  nem  se  mostrar  visível,  nem  correr  aquela  cortina  [o  rito  da  Eucaristia],  que  o  leito  da  barca  não  tinha:  mas  debaixo  e  coberto  dela  sair  somente  fora...  As  incertezas  do  navegador  e  do  missionário  se  aparentam.  Na  rotina  de  ambos,  o  ato  de  plantar  pontos  cartográficos  e  almas  recoloca  a  ação  do  semear  em  destaque.  Nos  dois  a  ordem  advém  do  firmamento,  o  céu  estrelado  manifesto  no  “Sermão  da  Sexagésima”.  O  navegador  se  guia  pelas  estrelas;  o  missionário  as  toma  como  chão  do  discurso,  quando não são as estrelas as potências figurativas dos homens da Missão:  Missionários e navegantes esperam delas a medida do onde se vai chegar, organizando‐as por relevo ornado através  da linha mestra que ressalta o desenho do sentido em semear. A Missão amplia o acontecimento‐fantasma Descobrimentos  através  do  seu  rastro,  a  Colônia,  deixando  os  missionários  perante  a  sua  ética:  um  extenso  germinar  das  origens  que  desemboca como um rio num mar “culto” que exige a permanência da espera.  Essa é a constância da relação entre o realismo e o naturalismo de que dão tamanhas provas os portugueses no curso  da  história. Dessa forma, experiências  e livros se multiplicam e abarcam o  que se pode  esperar ver, porque  semeiam.  Não  há,  em  Vieira,  nem  artifício,  nem  imaginação  pura  e  sem  proveito,  e,  nem  mesmo,  dados  de  conhecimento  estranhos  ao  reino  do  sensível.  O  crédito  da  aventura  vem  na  mão  da  Natureza,  embora  a  despreze  em  seus  pormenores;  exercida  no  bom‐senso  das  experiências  amadurecidas  pela  prática  de  costear  livros  até,  “geograficamente”,  localizar,  supra‐ sensivelmente, a Graça.   O  realismo  das  menores  distâncias  entre  o  céu  e  a  terra,  e  o  correlato  natural  de  espelhamento  de  livros  e      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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experiências  missionárias,  compõe  o  não  navegado  e  navegável  de  Antônio  Vieira.  Lugar  de  um  viver  mareante  que  ata  o  jesuíta a cuidados da semeadura e modera a sua fantasia; e, ainda, fornece base para a esperança, cujo sossego conta com a  sublimação irônica que o futuro assinala.    sulco 

O  caráter  do  destino  nos  Descobrimentos,  para  Vieira,  não  pode  ser  uma  cadeia  inelutável  da  causalidade.  Em  sua  concepção,  o  essencial  é  a  busca  da  dimensão  eterna  do  acontecimento,  seu  sentido  hiper‐histórico.  Tal  óptica  do  espelhamento  entre  leituras  e  experiências  missionárias  não  deseja  se  submeter  às  leis  da  natureza;  ou  seja,  tudo  que  é  deve deixar de ser.  Contra  o  sentido  inerente  ao  processamento  ininterrupto  da  própria  vida,  um  outro  pode  testemunhar  o  milagre,  a  anti‐história  ―  a  História  do  Futuro:  Que  dissera  (Cúrsio,  o  historiador  de  Alexandre  Magno),  se  vira  as  navegações  dos  Portugueses no mesmo Oceano...? Obrigação tinha, em boa conseqüência de lhes chamar imortais. Dessa maneira, a sensível leitura  de  Vieira  corrobora  a  inevitabilidade  da  fortuna,  os  Descobrimentos.  Com  eles,  promete  a  complementaridade  de  sua  efetuação através da Promessa de Deus na fundação do reino, evidenciando‐a ao ler a Profecia de Daniel, o Quinto Império.  Isso me permite pensar sobre o desencadeamento do processo dos Descobrimentos como causalidade instrumental de  uma  fatalidade  inexorável.  O  acontecimento‐fantasma  Descobrimentos,  na  escrita  de  Vieira,  consubstancia  historicamente  a  enteléquia do próprio fato na esfera da culpa inerente às criaturas. O ato de isolar os Descobrimentos como campo de força  onde  se  manifesta  a  Graça,  faz  a  culpa  exercer  poder  e  ao  mesmo  tempo  se  distinguir  do  próprio  destino  traçado  para      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Portugal por Deus.  A  postura  da  cultura  dos  Descobrimentos  ainda  está  regida  pela  noção  do  “quase”;  ou  seja,  as  coisas  só  existem  verdadeiramente  a  partir  das  experiências  recorrentes  que  apontam  para  o  desenlace  futuro  através  da  histórica  naturalidade da intervenção divina. O “ter sido” manifesto que Portugal experimenta após os Descobrimentos é recuperado  e  requer  o  há‐de  ser  presente  na  escrita  de  Vieira.  E  com  este  há‐de  ser  presente,  promete  um  futuro  mais  glorioso  do  que  a  glória da expansão portuguesa, o Quinto Império. Aqui, não se trata de ter as mesmas experiências desprovidas da correlata  manifestação  na  leitura,  significa,  antes  de  tudo,  a  confirmação.  A  madre  das  coisas,  as  experiências,  desengana  e  retira  a  dúvida de tudo.     desvio 

Os Descobrimentos não representam em Vieira uma ação ou uma paixão. Devem ser compreendidos como o resultado  da ação e da paixão, um puro acontecimento em sua incompletude. Ele não pode ser inteiramente real, já que seria somente  pretérito. Tampouco pode apenas ser o que foi imaginado, pois seria mera lembrança. Como compreendê‐lo?  É  indispensável  tomá‐lo  entre  o  acontecido  e  o  estado  de  coisas  que  o  provoca  e  no  qual  ele  se  efetua.  É  preciso  aceitá‐lo  como  “efeito  natural”  da  promessa,  ligado  à  causalidade  fora  de  si.  Nesta  falta  de  tempo  e  de  espaço,  enquanto  eixo de circunscrição, redescobre‐se estados de espírito efetivos, ações realmente empreendidas e contemplações com força  de efetuação.  Porque não houve obra de Deus, depois do princípio e criação do Mundo, que mais assombrasse e fizesse pasmar aos homens que      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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o descobrimento do mesmo Mundo, que tantos mil anos tinha estado incógnito e ignorado. Nem que maior nem mais justo temor deva  causar  aos  que  bem  ponderarem  esta  obra,  que  a  consideração  dos  ocultos  juízos  de  Deus,  com  que  tantos  séculos  permitiu  que  tão  grande parte do Mundo, tantas gentes e tantas almas vivessem nas trevas da infidelidade, sem amanhecerem as luzes da Fé; tão breve  noite para os corpos e tão comprida noite para as almas.  Dessa  forma,  o  acontecimento‐fantasma  é  uma  representação  dos  Descobrimentos.  Representação  em  desvio,  pois  se  distingue  dos  estados  do  acontecido  e  das  qualidades  pretéritas,  dos  vívidos  sentimentos  da  lembrança  e  dos  conceitos  logísticos  de  eterna  presença.  Participa  da  superfície  ideal,  formada  por  espelhos  e  livros;  e,  portanto,  é  implicação  de  leitura  que  transcende  o  interior  de  sua  época  e  o  exterior  de  qualquer  uma  subseqüente.  Como  superfície,  tem  a  propriedade  topológica  colocada  frente  a  frente  à  profundidade  refletida  do  passado  e  o  motivo  de  olhar  o  fundo  de  sua  leitura.  O  acontecimento‐fantasma,  como  espelho  ou  livro,  em  que  não  se  sabe  quem,  ou  o  que,  se  encontra  fora  ou  dentro,  submete‐se  à  dupla  causalidade  fantasmática.  De  um  lado,  reverte  às  causas  aparentes  de  tempo  e  lugar,  sua  profundidade;  de  outro,  opera  na  superfície  autônoma,  sua  quase‐causa,  através  da  qual  se  comunica  com  tantos  outros  acontecimentos‐fantasmas ― o milagre de Ourique, por exemplo.  Há, então, efeitos que diferem  de sua natureza:  aquilo que aconteceu.  Um que é manifesto  como posição depressiva  natural  aos  Descobrimentos,  quando  a  causa  pretérita  se  retira  em  altura,  deixando  campo  livre  à  superfície  do  há‐de  vir  novamente: verão muitos lugares de vários Profetas,  explicados  por autores que escreveram de cem anos a esta parte, depois que por  meio da navegação do mar Oceano se quebrou o fabuloso encantamento dos negados Antípodas e se descobriram tantas terras e gentes      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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não só incógnitas aos Antigos, mas nem ainda presumidas ou imaginadas dele.  Outra,  efetuada  por  edipianização  histórica,  quando  a  intenção  pretérita,  enquanto  repetição,  deixa  espaço  para  o  realismo do sonho, a natural realidade do desempenho da quase‐causa, os Descobrimentos, a natureza‐história da História do  Futuro.  Ainda  Portugal  não  era  de  todo  cristão  e  já  os  Apóstolos  (São  Tiago,  São  Tomé)  plantavam  as  balizas  da  Fé  em  seu  nome  e  conheciam e pregavam que ele era o que havia de fazer cristão o Mundo. Lembre‐se outra vez Portugal destas obrigações, e de quanto  lhe merece Cristo.  Nem ativos, nem passivos, os Descobrimentos só podem ser apreendidos por Antônio Vieira como tensa serenidade e  idealidade  do  acontecido.  Por  um  lado,  inspiram  a  espera  desesperada;  tudo  se  acha  em  vias  de  resultar  e  nada  disto  resulta  efetivo.  É  ferimento  primário,  seu  sentido  desvelador  de  eternos  reis  encobertos  e  desejados.  Por  outro,  revela  e  estende a superfície do acontecido, prendendo‐se a quase‐causa como gênese dinâmica da compulsão em repetir. Um crime  perfeito  contra  o  tempo  e  contra  a  verdade  eterna  do  que  já  passou.  Nesta  precária  violação  da  seqüência  natural  da  temporalidade, apresenta‐se o esplendor real do acontecimento em sua incompletude.  Assim, Vieira constrói o efeito inacabado dos Descobrimentos e pede, a si mesmo, as efetuações, como se sobrevoasse  o  próprio  campo  da  história  do  que  aconteceu,  fazendo  de  todos  os  portugueses  filhos  da  ventura  e  da  ousadia.  Se  a  efetuação não pode completamente se cumprir, nem mais causar produção, por ser e estar no pretérito, torna‐se necessário  contra‐efetuá‐lo  para  devolver  a  Portugal  o  seu  “único  acontecimento”.  Dar  a  ele  um  termo,  transmutá‐lo  e,  com  isso,  tornar  os  portugueses  senhores  de  suas  efetuações  e  causas.  Se  os  Descobrimentos  podem  ser  chamados  do  futuro  da  História,  pois  silenciam  todas  as  outras  histórias,  como  não  aceitar  o  fim  para  o  novo  início,  a  História  do  Futuro,  sua      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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redescoberta, que por superação se iguala em esplendor e Glória.    siga 

Ouvirá  o  Mundo  o  que  nunca  viu,  lerá  o  que  nunca  ouviu,  admirará  o  que  nunca  leu,  e  pasmará  assombrado  do  que  nunca  imaginou.  Belo  exemplo  das  circunstâncias  exacerbadas  da  narrativa  das  viagens  do  acontecimento‐fantasma.  Não  há  intimidade  de  leitura  enquanto  clara  e  luzente  comodidade.  Nem  existe  costume  corporificado  no  traço  dos  sentidos  que  caminham para o assombro do que nunca se imagina.   As  sucessões  das  orações  assumem  as  palavras,  silenciando‐as  no  comentário.  Um  favor  misterioso  da  Promessa  acontece  como  olhar  do  sonho  implicado  na  vigília  dos  estridentes  futuros  do  presente.  Há  milagre  virgem  na  virtude  absoluta da Promessa.  Antônio  Vieira  produz  a  quietude  pela  ressonância  estridente  do  futuro  do  presente  nos  verbos  em  pretérito  perfeito,  como  se  os  elegesse  por  extração  da  memória.  A  quietude  é  arrojada.  Ela  advém  do  antever  a  margem  última  e,  portanto, primeira, de como Deus há de ver os homens. Vieira se livra da ficção do tempo, pois pretérito perfeito e futuro  do presente se anulam no instante presente do advérbio nunca.   Se  as  histórias  dos  antigos  escritores,  como  nos  diz  Vieira,  que  são  menores  e  antigas,  sempre  se  lêem  com  gosto,  como  não  ter  confiança  de  que  não  será  ingrato  aos  leitores  este  nosso  trabalho,  e  que  será  tão  deleitoso  ao  gosto  e  ao  juízo  a  História do Futuro, quanto é estranho ao papel o assunto e o nome dela? O nome por Vieira dado a tal escritura se justifica, pois  sendo  novo  e  inaudito  o  argumento  dela,  também  lhe  era  devido  nome  novo  e  não  ouvido.   E  pergunta:  Se  já  no  Mundo  houve  um      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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profeta do passado, porque não haverá um historiador do futuro?  Os  profetas  nunca  deram  nome  de  história  a  suas  profecias,  porque  não  guardam  estilos,  nem  leis,  não  assinalam  lugares  e  pessoas,  nem  seguem  ordem  dos  casos  e  dos  sucessos,  por  terem  tudo  visto  e  dito.  Se  as  suas  falas  estão  envolvidas  por metáforas e figuras na escuridão dos enigmas, é porque seu contar são frases próprias do espírito e estilo profético. Tudo se  acomoda na majestade dos mistérios, que é a notícia e inteligência dos profetas.  Contudo,  é  de  Isaías  que  provém  a  idéia  de  Vieira,  pois,  dele,  São  Jerônimo  e  Santo  Agostinho  disseram  que  mais  escreveu história que profecia. Sendo, então, sua profecia o Evangelho fechado e o Evangelho é a sua profecia aberta.  O  jesuíta  pretende  se  consagrar  à  determinação  de  observar  e  pontuar  todas  as  leis  da  história;  ou  seja,  estilo  claro,  de  fácil  percepção,  na  ordem  das  coisas  vestidas  de  suas  circunstâncias,  ao  distinguir  tempo,  lugar,  assinalar  províncias  e  cidades,  nomear  nações  e  pessoas.  Logo,  Vieira  pode  concluir  que:  sem  ambição  nem  injúria  de  ambos  os  nomes  chamamos  a  esta narração história de História do Futuro.  Em virtude do acento provocativamente mundano de Vieira, Isaías assume o contorno de uma moeda. O Profeta é o  cronista  das  excelências  de  Portugal.  É  seu  precursor,  apresentado  para  ser  esquecido  e  recordado  amplificadamente.  O  jesuíta o toma para superá‐lo.  Nessa  obsessão  literal  e  histórica,  Antônio  Vieira  faz  progredir  no  território  da  escrita  a  amarração  onírica:  de  trás  para  diante.  A  perversidade  mínima  da  conexão  onírica,  na  certeza  interpretativa  de  Vieira,  enriquece‐se  quando  toma  o  fosse  poético  para  fazer  acontecer  o  duplo  acordo  vivente  na  poética  dos  sonhos:  a  inteira  centralidade  na  deformação  do  passado e a valiosa sobrevivência da incompletude histórica do acontecimento‐fantasma. As duas faces são formas de lidar      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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com o pretérito e o futuro, assumindo a dimensão reduzida dos instantes presentes da tarefa.    barquinha 

Sós  e  solitariamente  entramos  nela  [na  História  do  Futuro]  (mais  ainda  que  Noé  no  meio  do  dilúvio),  sem  companheiro nem guia, sem estrela nem farol, sem exemplar nem exemplo. O mar é imenso, as ondas confusas, as nuvens  espessas, a noite escuríssima; mas esperamos no Pai dos lumes (a cuja glória e de seu Filho servimos), tirará a salvamento a  frágil barquinha: ela com maior ventura que Argos, e nós com maior ousadia que Tífis.  A  metáfora  náutica  deixa  de  ser  apenas  a  referência  para  ganhar  o  estatuto  de  cerne  da  construção  textual.  O  ritmo  seqüenciado  é  uma  tônica:  na  insistente  imagem  sós  e  solitariamente  do  início,  no  compasso  ondeado  de  sem/nem,  na  ressonância  de  radical  exemplar/exemplo,  na  sonoridade  anasalada  de  imenso,  ondas  confusas,  nuvens,  noite,  no  uso  recorrente da preposição e artigo idênticos a, e ainda na repetição de maior/maior, da última sentença.  Após  esses  recursos  de  estilo  naturalista,  a  sensação  real  que  predomina  é  a  do  movimento  do  mar.  A  relação  proposicional se manifesta ao estabelecer proximidade entre os movimentos do mar, da vida, do sonho e da profecia.  Significativamente,  a  sensação  de  movimento  não  foi  estabelecida  a  partir  dos  verbos.  Ao  contrário,  as  ações  são  frágeis como os homens: entramos, esperamos, servimos, ecos prudentes do ritmo ondulante, apenas cortados pela certeza  aguda do mar é, e a força da ação divina, tirará; elementos da Criação e do Criador.  Antônio  Vieira  mostra  um  tipo  de  representação  que  não  pode  se  ancorar  nem  na  intelectualidade,  nem  na  história.  Aguda, aceita as faces de uma emblemática moeda, cuja cara é a profecia e a coroa, emblema histórico.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Intrincadas  faces  que  se  permutam,  aquelas  da  Bíblia,  aquelas  das  navegações  portuguesas,  as  do  autor  e  as  do  desejo  da  escrita.  A  representação  que  faz  não  é  simples  idéia,  conceito,  nem  tampouco  dados  e  fatos.  Tais  artefatos  não  acontecem separadamente. Formam uma unidade artificialmente edificada, onde a parte pessoal da composição interioriza  o conteúdo.  Dessa  forma,  a  apresentação  escrita  torna  o  histórico  um  mito  épico,  gerando  a  exterioridade  mais  pessoal:  um  racionalismo  simples  do  drama  de  Portugal  na  comédia  de  Deus.  Na  luta  entre  a  interiorização  representativa  e  a  exterioridade  pessoal,  manifesta‐se  o  lugar  propriamente  principal,  Deus.  O  Quinto  Império  anuncia  aquilo  que  Ele  revelou e prometeu ao Profeta Isaías, que ainda havia de criar um novo céu, e uma nova terra.  Antônio Vieira, portanto, diz que esta nova terra e estes novos céus, são a terra e o céu do Mundo Novo descoberto  pelos  Portugueses.   O  autor  pode,  então,  na  medida  em  que  cada  uma  dessas  faces  ultrapassa  o  estritamente  necessário,  manter a indivisibilidade de ambas.  Assim,  posso  compreender  os  efeitos  das  construções  parentéticas.  Em  cada  uma  delas  ―  (mais  ainda  que  Noé  no  meio  do  Dilúvio),  (a  cuja  glória  e  de  seu  Filho  servimos)  ―  os  parênteses  assumem  papel  de  espelhos  poéticos,  ao  gosto  interno dos palácios mnemônicos. De natureza deformante, refletem a memória histórica da Cristandade.  Vieira  expõe  o  limite  reflexivo  dos  homens.  Eles  aparecem  comparados  a  Noé  ou  servindo  a  Cristo.  A  imagem,  porém, deforma‐se nos movimentos de aproximação e afastamento produzidos pelo recurso às expressões mais ainda que e  a cuja glória de.  A primeira dá ao texto o tom humano da solidão profética, da vida e do mar, aproximando‐os do espelho sonhado e      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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suprimindo‐os da necessária arrogância da ação cristã. A segunda afasta os homens da sua imagem particular e os submete  à servidão divina. Tudo funciona poeticamente, como se Vieira, por meio desse artifício, fosse capaz de oferecer ao leitor a  textura vítrea sobre a qual interagem a profundidade mnemônica da história cristã e a superfície da atualidade profética.    menor 

Antônio  Vieira  participa,  no  mais  alto  grau  de  elegância  artística,  do  simples  e  informe  realismo  que  busca  as  menores distâncias entre o firmamento e os fazeres humanos. Dessa maneira, a Promessa se torna uma categoria histórico‐ natural da Providência. Vieira exige o reconhecimento de que nada há além da intervenção do Senhor dos tempos na história  humana.  O  tempo  é  o  intérprete  único  e  necessário  das  profecias;  o  tempo  que  passa  é  a  grande  divindade  do  século  XVII.  Essa categoria, porém, não é abstrata. Delimita‐se através da ação cotidiana e materializa a sensação do passar, que dispõe  do “onde” e do “quando”.  A luz que sai do sol, quanto mais distante, mais se vai enfraquecendo e diminuindo; mas o rio que nasce na fonte, quanto mais  caminha e mais se aparta de seu princípio, tanto mais se engrossa, porque vai recebendo novas correntes e novas águas, com que se faz  mais largo, mais profundo, mais caudaloso.  Tal  é  a  sabedoria  da  Igreja,  entrando  sempre  nela  as  puríssimas  correntes  da  doutrina  de  tantos  Doutores  católicos  e  sapientíssimos, que cada dia a aumentam  com novos e excelentes escritos em uma e outra teologia, de que  nosso século tem sido mais  fecundo e abundante que todos até hoje.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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A  sabedoria  da  Igreja,  no  alumiar  é  luz  e  no  crescer  é  rio;  rio  daquela  mesma  Fonte  e  Luz  daquele  mesmo  Sol  que  é  Cristo,  conservando  juntamente  as  luzes  as  claridades  das  águas,  e  as  águas  o  resplendor  das  luzes  naquela  milagrosa  metarmofosis  que  se  conta no capítulo X de Ester: Pequena fonte que cresceu em rio e em luz e se converteu em sol e redundou em plúrimas águas (Ester,  X.  6).  Cristo,  Sol  com  propriedade  de  Fonte,  a  Igreja,  luz  com  propriedade  de  Rio,  e  por  isso  sempre  mais  alumiada,  sempre  mais  vestida de resplendores.   A natureza da fé se assemelha à excelência da Missão jesuítica no discurso de Vieira. O poder da Verdade desvela‐se  no  firmamento,  cujo  momento  do  poente  refletido  no  Rio  permite  a  Fonte.  A  sabedoria  da  Igreja  é  imagem  que,  diante  dos  olhos,  exerce  ação  viva.  A  presença  energética  da  metamorfosis  entre  o  Sol  e  o  Rio  torna  o  envio  enigmático  do  missionário  um  intervalo  de  luz  na  escuridão  da  terra.  O  Sol,  Cristo,  aparece  para  desaparecer;  ele  está  na  passagem  de  Vieira  como  Fonte invisível de Luz, numa espécie de eclipse que insiste em ser visto através do reflexo do Sol poente no Rio.  Os  missionários  e  toda  teologia  que  resulta  do  impacto  dos  Descobrimentos  mantém‐se  sob  Ele,  vendo‐o  no  reflexo  permitido. O contorno do Bem é delimitado. A relação que Vieira prepara está sob a guarda do verbo semear. Tanto o Sol,  quanto  o  Rio  e  a  Missão,  semeiam.  As  palavras  assinaladas  pelo  jesuíta,  Sol,  Rio,  Fonte  e  sabedoria  da  Igreja  não  são,  em  si,  meras figuras de linguagem; antes, são potências figurativas do respectivo emblema verbal da religião para Vieira, semear.  E  suas  potencialidades  são  tantas,  que  a  emblemática  natureza  de  Cristo  consente  a  eles  uma  originalidade  única,  pois  o  Sol não sensível é insubstituível na arte do semear.  A  Missão  revela  o  “novo”  no  teológico,  contesta  saberes,  impondo‐lhes  limites  do  tempo,  agarrando‐os  em  seus  equívocos a partir da razão missionária. Espelhado no Rio, o Sol da sabedoria da Igreja, deixa‐se ver no volume das águas. A      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Fonte  e  a  Luz  se  tornam  pontos  de  partida  do  seu  reflexo  sobre  a  claridade  das  águas.  O  Rio  se  faz  mais  largo,  mais  profundo,  mais caudaloso até potencializar figurativamente o mar português.  Há  gesto  amoroso  em  contemplar  a  metamorfose  da  imagem  do  Sol  poente  no  Rio,  que  rememora  a  antropomórfica  manifestação  na  segunda  Companhia  de  Cristo;  os  jesuítas.  As  luzes  perpendiculares  do  Sol,  que  se  afastam  em  direção  à  morte  cotidiana,  refletidas  na  mesma  posição  no  Rio,  ao  chegarem  a  ponto  de  máximo  ocaso,  vão  levantando  os  raios  em  sentido vertical na formação da coroa. E o Rio, nesse agora, tem as águas douradas na cor do altar barroco, cujos pilares do  templo da Criação, em amarras trincadas, são tão mais alto que as colunas das Igrejas.  Nos últimos vestígios da Luz na horizontal, as sombras difusas da luminosidade prolongam‐se e a coroa proveniente  do  último  vestígio  do  Sol  se  verticaliza  e  retrai  os  raios,  alcançando  a  forma  mais  precisa  e  instantânea  do  Olhar.  Isso  se  repete todos os dias. A Criação parece fazer repercutir os dias de Cristo entre os homens. E no rito da Igreja, o movimento  solar da Criação, aparece em cada cerimônia do Mistério Eucarístico.  Na noite que se segue, o espelho natural desse Rio, que refletiu o ocaso do Sol, é o lugar de maior luminosidade, pois  as  sombras  noturnas  circunscrevem  a  Fonte  –  ausentando‐se  de  nós  como  sol,  se  deixou  multiplicado  no  mesmo  Sacramento  como  nas estrelas. As estrelas refletem e retêm para si os radiosos dias, na espera que o Sol não sensível retorne como prometeu.  Vieira  acaba  demonstrando  que  o  Criador  só  pode  ser  emblematizado  pelas  energias  manifestadas  no  seio  da  Criação; muito embora se despreze a natureza no seu pormenor. Nesse sentido, a única figura da Criação que estabelece a  conjunção  entre  o  espelho  da  natureza  e  o  Criador  é  o  missionário  para  Vieira.  Seu  há‐de  ser,  porém,  não  tem  como  ponto  de chegada a vida missionária de Cristo, e sim, como ponto de partida, a Fonte de que fala o jesuíta.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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  lá e cá 

O tempo, como o mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que  é o futuro. No meio de um e outro hemisfério ficam os horizontes do tempo, que são estes instantes do presente que imos  vivendo,  onde  o  passado  termina  e  o  futuro  começa.  Desde  este  ponto  toma  seu  princípio  a  nossa  História,  a  qual  nos  irá  descobrindo as novas regiões e os novos habitadores deste segundo hemisfério do tempo, que são os antípodas do passado.  Oh que coisas grandes e raras haverá que ver neste novo descobrimento!  Somente  o  passado  e  o  futuro  subsistem  no  tempo  enquanto  espacialidade  do  movimento  do  sol.  No  lugar  do  presente,  uma  vela  ao  mar  em  direção  ao  horizonte.  Nesse  imos  vivendo,  Antônio  Vieira  conquista  a  superfície  dos  instantes presentes, nos quais o pretérito e o devir são insistentes términos e começos. A potência das superfícies não se faz  sem a conversão do inferior invisível em superior visível. Sempre, já passado elevado e um há‐de ser presente.  Eis  o  tempo  que  se  faz  somente  na  superfície  do  mundo.  Navega  Vieira  na  escrita  como  um  Vasco  da  Gama,  com  uma  boa  dose  de  bom  senso  cosmográfico  e  de  razão  cautelosa  e  pedestre.  Assim,  no  quadro  mental  de  Antônio  Vieira,  o  conhecimento  secundariza‐se  frente  ao  acontecimento.  O  primeiro  funciona  como  espelho  e  moldura  para  maior  rentabilidade do segundo.  A  relação  entre  mundo  e  tempo  obstrui  o  simples  estado  das  ações  e  paixões.  O  acontecimento‐fantasma  Descobrimentos funda a linguagem contida, e por demais lógica, a partir do arbítrio da frase inicial da citação ― o tempo,  como o mundo, tem dois hemisférios. O acontecimento não tem existência pura no pretérito, em função de ser o exprimível      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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do acontecido. Há independência na sua expressão, uma propriedade metafísica nesse juízo discreto do entendimento.  Ele,  os  Descobrimentos,  é  adquirido  pelo  estado  mnemônico  da  leitura.  Enquanto  sentido,  significa,  manifesta  e  designa Portugal, sem ser qualidade física do pretérito. É a própria existência de Portugal, sintetizando o que é exprimível  de sua  alma: (...) para que os Portugueses conheçam quanto devem a Deus, pelos escolher para  instrumentos  de obras  tão  admiráveis, e para que se não admirem quando lhes dissermos que os têm escolhido para outras maiores.  Antônio Vieira escreve: desde este ponto toma seu princípio a nossa História. Sua escrita é um meio para garantir os  efeitos dessa superfície que paira sobre as águas sem mais descobrir. O todo do acontecimento é percorrido pelo incessante  ato de escrever, que se desloca sobre o presente enfado do sofrido ― imos vivendo. É esse conjunto de instantes que extrai  do  presente  as  singularidades,  formando  o  acontecimento  puro  em  sua  incompletude,  à  maneira  da  locução  verbal  que  expressa  a  ação  durativa  do  espírito  português,  realizado  na  progressiva  inspiração  prosaicamente  utilitária  ―  irá  descobrindo.  Antônio  Vieira  fala  como  se  estivesse  fora  do  espaço  tão  precioso  à  historiografia:...  habitadores  deste  segundo  hemisfério  do  tempo,  que  são  os  antípodas  do  passado.  Oh  que  coisas  grandes  e  raras  haverá  que  ver  neste  novo  descobrimento! Ele nos doa com facilidade o onde da voz escritural. Antípodas são os índios do Brasil, como o mesmo dirá  no Livro Anteprimeiro, interpretando a passagem escuríssima da Profecia de Isaías.    antípodas 

Diz o Profeta Maior: ai da terra címbalo de asas que está além dos rios da Etiópia, que manda embaixadores por mar      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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em  vasos  de  junco  sobre  as  águas!  Ide,  anjos  velozes,  a  uma  gente  revolvida  e  dilacerada;  a  um  povo  terrível  depois  do  qual não há outro; a uma gente que está esperando e é pisada e a quem os rios arrebataram a terra.   Erraram todos os sábios na interpretação dessa profecia, porque não tiveram notícia nem da terra, nem das gentes de  que  falava  o  Profeta.  Os  modernos  comentadores,  diz  o  jesuíta,  entenderam  a  profecia  na  nova  conversão  à  Fé  daquelas  terras  e  gentes  também  novas.  Vieira  aceita  essa  compreensão;  porém,  pelos  sinais  particulares  da  profecia,  afirma  ser  o  Brasil o seu onde, pois a Colônia é a  terra que diretamente  está além  e da outra banda da Etiópia. É nessas  terras  onde  se  encontra a gente mais terrível entre todas as que têm figura humana.   As razões para qualificar os brasis são as mesmas cunhadas ao longo das descrições jesuíticas da Colônia. Contudo, a  generalidade  dos  brasis  não  basta  a  Vieira.  Esta  gente  e  esta  província  mostraremos  agora  que  é  a  que  com  toda  a  propriedade  chamamos  de  Maranhão,  pois  são  as  mais  desconhecidas  e  pouco  nomeadas  pelos  escritores.  Sendo,  então,  a  confirmação e honra deste famoso oráculo do mais ilustre profeta. São esses brasis que têm as terras roubadas pelas águas.  Nessas  terras  de  rios  infinitos  e  mais  caudalosos  do  Mundo,  poucos  lugares  se  tornam  porto.  Sempre  se  navega  entre  árvores espessíssimas de uma a outra parte, por ruas, travessas e praças de água.  Aí vivem os Maranhões que andam mais com as mãos que com os pés, porque apenas dão passos que não seja com o  remo  na  mão.  Nessas  terras  roubadas  pelos  rios,  os  mesmos  lhes  restituem  com  abundância  a  terra  que  lhes  rouba  cuja  colheita  é  muito  limpa,  porque  caem  todos  na  água.  As  tartarugas  e  os  peixes‐boi  pastam  naqueles  campos.  São  estas  gentes que disse Isaías serem as arrancadas e despedaçadas: o Espírito Santo poderá recopilar em duas palavras a história  e última fortuna daquela gente.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Quando os portugueses conquistaram as terras de Pernambuco, desenganados os Índios, após resistirem por muitos  anos,  alguns  se  sujeitando  e  outros  com  mais  generosa  resolução  e  determinados  a  não  servir,  partiram  e  vieram  a  sair  às  terras do Maranhão. E como soldados de longo exercício com inimigos mais poderosos, os portugueses, fizeram facilmente  a  seus  habitadores  o  que  nós  lhe  tínhamos  feito  a  eles.  Dessa  peregrinação  e  da  guerra  que  se  seguiram,  os  efeitos  que  assinala Isaías ficaram: uma e outra gente arrancada e despedaçada.  Os  Maranhões  enquanto  inventores  de  sua  náutica,  principalmente  os  Igaruanas,  os  senhores  das  naus,  permitem  a  Vieira  interpretar  literal  e  historicamente  o  restante  da  sonora  profecia  de  Isaías.  São  eles  que  mandam  seus  negociantes  em  vasos  de  cascos  de  árvores  sobre  as  águas;  são  eles  que  permitem  ao  jesuíta  entender  a  passagem  enigmática  do  Profeta: Vae terrae cymbalo alarum.  Os Setenta Intérpretes, fala Vieira, leram a passagem como: ai da terra que tem sinos com asas. De qualquer forma e  sem  qualquer  questão,  o  jesuíta  toma  os  sinos  por  maracás,  que  são  sinos  entre  os  índios,  derivando  a  palavra  até  maracatim,  que  nomeia  as  embarcações  maiores  desses  Maranhões.  Quanto  às  asas  nenhum  problema  há,  pois  como  os  gentios não tecem, nem têm panos, é grande entre eles o uso de penas pela formosura das cores. E com elas vão às guerras  e  as  amarram  nas  canoas  com  asas  vermelhas  dos  guarás  e  as  mesmas  levavam  penduradas  dos  gurupés  e  maracás  das  proas.  São os Maranhões que ficam pontualmente além da Etiópia e perpendiculares à Linha Equinocial, fazendo repercutir,  como  está  lido  na  Vulgata,  gente  esperando,  esperando,  que  na  letra  hebréia,  como  dizem  os  especialistas,  significa  gente  da  linha  de  linha.  E  como  a  palavra  linha  se  repete,  como  se  repete  esperando,  Vieira  pode  concluir  que  o  Profeta  está      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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exortando  os  pregadores  evangélicos  a  que  vão  como  ser  anjos  da  guarda  daquela  triste  gente.  Isso  porque  entre  todos  os  brasis  os  Maranhões  foram  os  últimos  a  quem  chegaram  as  novas  do  Evangelho.  Mas  hoje  estão  ainda  em  pior  fortuna,  padecendo  aquele  vae  do  Profeta:  Vae  terrae  cymbalo  alarum;  porque  o  estado  da  esperança  se  lhes  tem  trocado  no  de  desesperação.    quase‐morte 

O  luto  é  a  maneira  de  Vieira  em  tentar  ontologizar  os  restos  da  história  dos  Descobrimentos,  tornando‐os  presentes  nas  profecias,  identificando  os  despojos  para  silenciá‐los  e  localizando  os  mortos  para  que  falem.  Precisa,  portanto,  assegurar‐se. Necessita encontrar onde está enterrado o signo que lhe permite a interpretação literal e última do sonho de  intérprete; testemunha das profecias.  O  signo  que  diz  ter  achado  exala  o  drama  missionário,  a  ruína  da  épica  dos  Descobrimentos.  Os  Antípodas  do  Maranhão,  enquanto  signo  enterrado  no  extremo  da  Colônia,  sugerem  pela  aparência  da  escrita  querer  ser  visto.  Nesse  querer da aparência, o desejo literal e histórico da interpretação do signo submerge na alegoria.  Antônio  Vieira  assume  a  fantasmagoria  dos  livros  e  das  experiências  missionárias.  Entrega‐se  inteiramente  aos  recursos  de  leitura.  Encontra‐se  debaixo  do  Céu  em  aproximação  radiosa,  movido  por  trechos  bíblicos,  comentários  teológicos  e  histórias,  sustentados  pelas  neblinas  da  leitura:  os  pregadores  do  Evangelho,  levados  do  vento  como  nuvens;  e  chamam‐se  também  pombos...,  que  são  os  dois  termos  que  desde  o  princípio  do  Mundo  andaram  sempre  juntos  na  significação  do  batismo.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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O  jesuíta  acaba  revelando  a  perda  de  segurança  no  rejeitado  Portugal  pela  história,  e,  por  isso,  preenche  e  nega  o  nada  no  qual  a  pátria  se  representa.  É,  portanto,  bastante  convincente  a  obsessão  em  se  refugiar  na  metamorfose,  que  da  decadência  de  Portugal  setecentista  retira  radiosos  dias  do  há‐de  ser  presente;  numa  apropriação  profética  da  história  do  acontecimento‐fantasma, navegando nos rios do Maranhão como os antigos portugueses tragaram o mar.  Essa  apropriação  obsessiva  se  declara  como  interlúdio  alegórico  na  recorrência  constante  à  apóstrofe  retórica:  vede  como...  eu  (Vieira)  interpreto  as  minhas  experiências  e  leituras,  transformando‐as  em  cenas  semelhantes  aos  discursos  proféticos,  para  o  futuro  de  nossa  História.  Os  autores  a  que  se  refere,  e  são  muitos,  tornam‐se  o  coro  a  recitar  o  valor  do  sonho  da  justiça  e  das  significações  dos  Descobrimentos.  Como  não  é  desprezível  ao  melancólico,  a  unidade  entre  sonhos  e  significações, os espectros profundamente significativos aparecem por sinais pretéritos e sobre o futuro.  As  experiências  de  quase‐morte  (os  sonhos,  as  profecias,  as  leituras,  a  Missão  jesuítica,  a  travessia  dos  mares,  a  escrita)  encontram  a  máxima  significação  alegórica  quando  a  religiosidade  de  Vieira  requer  a  companhia  da  profecia.  E  essa, ao falhar, pois ainda não é o tempo e por isso se distancia, requer para si a idéia apocalíptica. Como o fim tarda e não  chega,  embora  diga  estar  próximo,  a  razão  do  fim  faz  Vieira  exaltar  o  mundo  como  um  todo  em  seu  há‐de  ser  presente,  ao  mesmo tempo em que faz valer outra ação profética em literalidade e historicidade; Antípodas.    dobra 

No  capítulo  passado  falamos  com  todo  o  mundo;  neste  só  com  Portugal.  Naquele  prometemos  grandes  futuros  ao  desejo; neste asseguramos breves desejos ao futuro. Nem todos os futuros são para desejar, porque há muitos futuros para      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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temer.  Amanhã  serás  comigo,  disse  Samuel  a  Saul,  o  profeta  ao  rei,  o  morto  ao  vivo.  Oh  que  temeroso  futuro!  Caiu  Saul  desmaiado  e  fora  melhor  cair  em  si  que  aos  pés  do  Profeta.  Mas  era  já  a  véspera  do  dia  da  morte,  e  quem  busca  o  desengano tarde, não se desengana. Outros reis houve, que por não temer os futuros, quiseram antes ignorá‐los. (...)   O  maior serviço que pode fazer um vassalo ao rei, é revelar‐lhe os futuros; e se não há entre os vivos quem faça estas  revelações,  busque‐se  entre  os  sepultados,  e  achar‐se‐á.  Saul  achou  a  Samuel  morto  e  Baltazar  a  Daniel  vivo,  porque  um  matava os profetas, outro premiava as profecias. (...)   E u,  Portugal  (com  quem  só  falo  agora),  nem  espero  o  teu  agradecimento,  nem  temo  sua  ingratidão.  Porque,  se  não  conta  com  Daniel  entre  os  vivos,  eu  me  conto  com  Samuel  entre  os  mortos;  se  nas  letras  que  interpreto  achara  desgraças  (bem poderá ser que as tenha, eu te dissera a má fortuna sem receio, como te digo a boa sem lisonja. Mas é tal a tua estrela  (benignidade de Deus contigo, devera dizer), que tudo o que leio de ti são grandezas, tudo o que descubro melhoras, tudo  que  alcanço  felicidades.  Isto  é  o  que  deves  esperar  e  isto  o  que  te  espera;  por  isso,  em  nome  segundo  e  mais  declarado,  chamo a esta mesma escritura Esperança de Portugal, e este é o comento breve de toda a História do Futuro.  Antônio  Vieira  procede  por  dobras.  Dobra  em  breves  desejos  o  futuro  para  Portugal,  assim  como  havia  desdobrado  grandes futuros no início do Anteprimeiro para todo o Mundo. Envolve‐se e desenvolve um canto vivo, perpendicular, no  encontro entre o futuro e o seu desejo de escritor. O ponto vivo é o eu do diálogo cristão, a esperança. Se ao se desdobrar  aumenta e cresce, ao dobrar para si aquilo que foi desdobrado, diminui e entra no afundamento do mundo. Todo o amanhã  tem em si todos os dias, todo o eu está repleto de terceiras pessoas.  Desenvolve Vieira princípios da razão como se fossem gritos: Mas era já a véspera do dia da morte, e quem busca o      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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desengano  tarde,  não  se  desengana.  A  lógica  não  decorre  do  grande  para  o  pequeno,  ocorre  do  geral  em  direção  ao  especial: o maior serviço que pode fazer um vassalo ao rei, é revelar‐lhe os futuros.   Vários  fatos  constatáveis  se  manifestam  no  Livro  Anteprimeiro.  Da  História  clássica,  provém  o  dizer  do  satírico  Juvenal  Lucano,  que  conflui  com  o  cessar  dos  oráculos  da  Gênese:  Cessam  os  oráculos  em  Delfos,  mas  fez‐se  silêncio,  depois que os reis temeram os futuros e proibiram que os deuses falassem. Vieira se faz de elemento genético que idealiza  curvaturas  variáveis  num  ponto  inelástico:  Eu,  Portugal  (com  quem  só  falo  agora),  nem  espero  o  teu  agradecimento,  nem  temo sua ingratidão.  O acontecimento da escrita espera o acontecimento da História do Futuro: porque, se não conta com Daniel entre os  vivos,  eu  me  conto  com  Samuel  entre  os  mortos...  Logo,  o  acontecimento  do  profeta,  ou  do  historiador,  não  é  chamar  o  indefinido e nem conduzir ao demonstrativo, mas pessoalizar. Nesse ato, configura‐se a ação afetiva de assegurar.  O eu de Vieira se assegura dos antecedentes, que são os concomitantes e, num jogo do próximo, lança âncora segura  no  futuro  para  Portugal.  Seu  olhar  se  afiança  desta  própria  luz:  mas  é  tal  a  tua  estrela  (benignidade  de  Deus  contigo,  devera dizer), que tudo o que leio de ti são grandezas, tudo o que descubro melhoras, tudo que alcanço felicidades.  Nesse  assegurar‐se  instantâneo  da  escrita,  dobra  o  mundo  no  canto  do  sujeito.  Os  dados  da  leitura,  em  Vieira,  são  elementos  públicos  privatizados.  Passam  rápidos  no  singular  e  saem  como  imediata  novidade:  nem  espero  o  teu  agradecimento, nem temo sua ingratidão.  Mas  a  certa  fala  de  Vieira  provém  do  preexistente,  dado  que  todo  assegurar  advém  da  garantia  da  Promessa:  benignidade  de  Deus  contigo,  devera  dizer.  Tal  acontecimento  sobre‐histórico,  que  se  refere  a  outros  acontecimentos      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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enquanto  atos  sem  história,  é  âncora  pública  que  potencializa,  atua  e  entra  no  porvir  de  um  outro  acontecimento  numa  História em um só ato missionário e sem histórias, o Quinto Império.  Isto é o que deves esperar e isto o que te espera; por isso, em nome segundo e mais declarado, chamo a esta mesma  escritura Esperança de Portugal, e este é o comento breve de toda a História do Futuro. O futuro e o passado são acordados  nesse  instante  presente  da  esperança.  As  expectativas  futuras  do  pretérito,  não  realizadas,  e  as  expectativas  do  devir,  aguardadas com temor e fé, silenciam na palavra esperança.  Eis,  então,  a  direta  comunicação  da  experiência  da  escrita.  As  expectativas  pretéritas  e  futuras  se  condensam  nela,  profetizando as esperanças que estão emudecidas, dando a elas o corpo da virtude e fazendo a dissolução das mesmas para  cortejar o fim das aflições de esperar.    desfazer 

É  das  ações  a  capacidade  de  se  romperem  em  processos  irreversíveis  e  imprevisíveis.  Como  problema,  a  irreversibilidade, desfazer o que se fez, aceita apenas como solução a faculdade de perdoar. Quanto à imprevisibilidade, a  caótica incerteza do futuro, a solução se encontra na faculdade de prometer e cumprir as promessas.  Essas duas faculdades “são aparentadas, pois a primeira delas ― perdoar ― serve para desfazer os atos do passado,  cujos  pecados  pendem  como  espada  de  Democles  sobre  cada  geração;  a  segunda  ―  obrigar‐se  através  de  promessas  ―  serve  para  criar,  no  futuro,  que  é  por  definição  um  oceano  de  incertezas,  certas  ilhas  de  segurança,  sem  as  quais  não 

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haveria continuidade, e mesmo durabilidade de qualquer espécie, nas relações entre os homens”. 5 Antônio Vieira havia se obrigado a escrever a Clavis Prophetarum, livro sempre desejado. Assinalemos uma data para  seu início, 1649. Embora haja muitas controvérsias sobre essa data, ela me permite aceitar a tarefa imposta por Vieira a si,  perdoar e prometer.  Perdoar  a  quem  ou  o  quê?  E  prometer  a  quem  ou  o  quê?  Promete  por  que  há  uma  Promessa:  quero  fundar  em  ti  e  no  teu  sangue  um  império  para  mim,  disse  Cristo  a  D.  Afonso  Henriques.  E  perdoa  por  ter  dito  São  João  sobre  a  Promessa  no  Apocalipse: e fez um só rebanho e um só pastor.  O  próprio  evento  do  perdão  inverte  as  Esperanças  de  Portugal,  condicionando  o  medo  à  companhia  da  absurdidade  entretecida pela vida. Quando reis, profetas, historiadores, teólogos e filósofos, tornam‐se contradições animadas enquanto  absurdos narrativos postos em ação na escrita do Anteprimeiro.  Se  Vieira  fosse  incapaz  de  conservar  a  Promessa,  sequer  teria  identidade  religiosa  e  estaria  condenado  a  errar  no  valor  de  sua  fé.  Ficaria  acorrentado  ao  desamparo,  desnorteado  nas  trevas  do  coração,  enredado  em  suas  contradições  e  equívocos.  Há,  então,  no  poder  de  prometer,  aquilo  que  advém  da  Promessa,  a  luz  do  perdão  que  dissipa  as  trevas  do  desamparo  e  do  desnorteamento  humano.  Mas  isso  é  feito  sobre  a  esfera  pública  de  Portugal,  exigindo  a  presença  de  outros, para onde a escrita de Vieira endereça as preocupações, confirmando a igualdade entre o que se promete e o que se  cumpre a partir da capacidade de perdoar.   Hannah ARENDT.  A condição humana. Rio de Janeiro: Editora Forense‐Universitária, 1983. 

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Se  há  queda  no  quase  desastre  da  nação  ―  já  que  Vieira  não  teria  elementos  para  fugir  da  importância  consagrada  narrativamente a Portugal ―, não haveria nisso um fato de consumação desejável? Isso não tornaria possível a ascensão de  um estado sucessor e esplêndido que faria cessar a fragilidade de Portugal perante as exigências de Vieira, tornando todos  os corpos políticos autônomos e hierarquizados segundo o que se espera de cada um deles?  Mas vejo que o mesmo nome de Esperança de Portugal lhe poderá com razão suspender o gosto, assustar o desejo e embaraçar os  mesmo  alvoroços  em  que  tenho  metido  com  estas  esperanças:  Spes  quae  differtur,  affligit  animam  (A  esperança  que  se  dilata  aflige  a  alma,  Provérbios,  XIII,  12),  disse  a  Verdade  divina  e  o  sabe  e  sente  bem  a  experiência  e  paciência  humana.  Ainda  que  seja  muito  segura, muito firme e muito bem fundada a esperança, é um tormento desesperado o esperar.  Mesmo  as  promessas  dos  antigos  profetas,  que  falavam  a  partir  das  muito  seguras  palavras  de  Deus  (que  não  pode  mentir nem faltar), geravam nos judeus a situação de esperar, reesperar e, portanto, desesperar ― porque em muitas coisas das  que lhes prometiam as profecias, primeiro se acabava a vida do que chegasse a esperança. Vieira promete esperanças para Portugal,  mas  só  as  garante  por  serem  breves.  Um  futuro  que  não  é  aquele  que  há‐de  vir  e  sim  aquele  futuro  que  já  vem;  este  que  brevemente há‐de ser presente, o neque instantia de São Paulo.  Existe, então, um código moral último nas promessas e nos perdões de Vieira. Baseia‐se em experiências e leituras e  é  alimentado  por  esta  antecâmara  do  agora  de  São  Paulo.   No  agora,  as  experiências  e  as  leituras  não  são  momentos  individuais;  dependem  inteiramente  da  presença  de  outros,  sem  os  quais  não  vivem.  São  essas  as  configurações  de  autodomínio  que  justificam  e  determinam  o  comando  que  Vieira  deseja  exercer  sobre  o  realismo  natural  de  um  desejo  sonhado,  no  fato  de  um  escape.  O  perdão  e  as  promessas  concedem  a  Vieira  a  condição  de  pluralidade  exigida  para  fazer      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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acontecer.  Vieira  quer  circunscrever  o  direito  de  falar.  Promete  a  partir  da  Promessa,  já  que  o  faz  por  dever.  E  caso  alguém  queira contrariar o seu desejo, ficará à mercê de colocar em dúvida a própria fé. Vieira é vítima do arquétipo do Prometer e  Perdoar;  presa  de  sua  própria  armadilha  e  submerso  no  tempo;  livre.  O  jesuíta  indica  a  improbabilidade  do  evento,  construindo  a  disparidade  entre  o  que  se  pode  esperar  e  aquilo  que  acontece  ―  ainda  que  seja  muito  segura,  muito  firme  e  muito bem fundada a esperança, é um tormento desesperado o esperar.  A concessão ao futuro surge de maneira emocional no verbo ser no presente do subjuntivo ― seja. Na última oração  ― é um tormento desesperado o esperar ―, os termos se arruínam mutuamente, criando um vínculo estreito entre a destruição  e  a  geração  de  toda  esperança.  Onde  o  todo  da  frase  termina  é  ali  que  existe  início.  Querer  esse  acontecimento  é  se  fazer  digno daquilo que acontece, ser filho do acontecido, e, por aí, redescobrir.  Essa experiência, contudo, não basta. É necessário redescobrir por onde fazer acontecer. Vieira impulsiona o afeto e o  faz deter‐se na substância verbal do esperar. Esse  artifício estilístico se apresenta como limite do tormento e  do desespero,  na  medida  em  que  lhes  concede  novo  sentido:  a  coragem  de  experimentar  o  tormento  da  fé.  Enquanto  a  esperança  ainda  pode  ser  vivenciada  como  algo  razoavelmente  sólido,  embora  um  tanto  fugidia,  o  esperar  é  uma  ação  aterradoramente  abstrata. E, para tal, é preciso desenvolver uma dupla qualidade: a paciência corajosa.  A  esperança  como  segunda  utilidade  da  História  do  Futuro  se  torna  a  necessária  condição  dos  tempos  próximos  e  presentes  da  escrita  de  Vieira.  Ela  é  a  constância  e  consolação  nos  trabalhos,  perigos  e  calamidades  com  que  há‐de  ser  afligido  e  purificado  o  mundo,  antes  que  chegue  a  esperada  felicidade:  o  Quinto  Império.  E  não  há  dúvida  que  se  possa  persistir,  pois  é      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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natural  o  costume  da  Providência  Divina  começar  suas  maravilhas  por  efeitos  contrários,  ou  para  a  nossa  fé,  ou  para  mais  exaltar  sua onipotência. Ele pode mais que todos os poderes humanos, e só uma coisa não pode, que é faltar com o prometido.   Essa  matriz  da  paciência  corajosa  é  talhada  por  Vieira  através  da  conjugação  entre  os  sentidos  da  esperança  provenientes do Velho e do Novo Testamento. Na tradição velho‐testamentária seu sentido relaciona certeza e incerteza. A  segurança do esperar independe de qualquer força humana. A esperança é busca de refúgio; um lugar para se pôr a salvo  dos homens e do próprio mundo.  Dessa maneira, a coragem é o seu contraponto, que do refúgio se lança ao mundo para aguardar o momento de agir.  A atitude justa, na medida da coragem, pretende atingir o estado supra‐humano do permanecer. Mas o que permanece não  é  uma  causa,  mas  o  efeito  invencível  dessa  fortaleza  da  espera,  cujos  pilares  são  a  confiança  e  a  fidelidade  em  crer.  Esses  suportes, entretanto, estão apoiados em um terreno essencialmente débil, pois são enraizados no chão da incerteza.  Se  Vieira  pode  aceitar  essa  associação  de  esperança  e  coragem,  não  admite  a  existência  da  incerteza.  Caso  assim  o  fizesse,  estaria  pronto  a  confessar  que  aquilo  que  o  sustenta,  a  fé,  é  insustentável  no  mundo.  Busca,  então,  o  sentido  no  Novo  Testamento,  no  qual  a  esperança  se  articula,  num  primeiro  momento,  com  os  atos  de  prever,  temer  e  presumir.  Assume máxima significância em São Paulo, a partir da expressão fé, esperança e amor (Coríntios, 13, 13).  Na realidade, a esperança, colocada entre fé e amor, é escada entre a terra e o céu. Diante do pecado, essência humana,  a  fé  absoluta  cede  lugar  a  seu  correlato  mundano:  a  esperança.  Antídoto  à  vergonha  que  se  sente  após  pecar,  a  esperança  recoloca o homem em direção à fé, além de capacitá‐lo à ação no mundo, o amor.  Vieira  não  assume  o  sentido  passivamente.  Amor,  temor,  glorificação,  como  atitudes  da  alma  cristã,  tradicionalmente      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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aparecem  relacionados  à  escatologia.  O  século  XVII,  entretanto,  não  pode  mais  alimentar  o  anseio  escatológico.  Seu  símbolo  passeia  como  forma‐limite  do  drama  comum  de  todos  os  homens.  A  questão  da  vida  não  se  apóia  mais  no  transitório contraposto ao eterno; a transitoriedade da vida é o assim deve ser.  Na  potencialização  figurativa  da  escatologia,  resta  ao  homem  a  naturalidade  histórica,  esse  trágico  que  recita  sua  face  oculta,  a  comédia.  Nos  instantes  mais  trágicos,  é  possível  ter  a  apóstrofe  de  um  sorriso  mórbido.  Esse  sorriso  é  motivado pela certeza do riso final da morte.   A  paciência  corajosa  confina,  de  um  lado,  com  a  morte  sorridente  e,  de  outro,  com  a  vida  em  lágrimas.  Fronteiras  tênues  e  admissíveis  na  força  de  um  discurso.  Para  Vieira,  a  esperança  não  é  mais  uma  confiança  transcendental,  pois  o  acesso ao céu está interrompido pela culpa histórica dos homens.  Também  inadmissível  é  a  passividade  no  esperar,  em  função  do  tormento  que  o  cobre.  A  matriz  expressa  de  toda  esperança  é  paradoxal.  Paciência  e  coragem  servem  para  limitar  a  esperança,  para  lhe  dar  forma  simultaneamente  divina  e  mundana.  No  entanto,  esse  mundanismo  precisa  reconhecer  a  superioridade  no  domínio  do  transcendente,  o  que  impõe  aos cristãos uma vivência quase periférica do próprio mundo. O amor ao mundo só pode se confessar de maneira parcial.    voz e dedo 

Se  houve  um  profeta  que  foi  mais  que  profeta,  porque  não  haverá  também  algumas  profecias  que  sejam  mais  que  profecia?  Assim  espero  eu  que  sejam  aquelas  em  que  se  fundam  as  minhas  esperanças  e  que,  se  nos  prometem  as  felicidades futuras, também as hão‐de mostrar presentes. Agora as prometem com a voz, depois as mostrarão com o dedo.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Perdoa‐se,  então,  a  decadência  de  Portugal?  Força‐se  uma  correspondência  para  impedir  um  tormento;  seja  aquele  dos  portugueses  ou  do  próprio  Vieira?  A  retórica  do  jesuíta  é  tremendamente  eficaz,  aprisiona  com  facilidade.  Vieira  exercita‐se  no  domínio  de  cativar  o  leitor.  Ele  pretende  vencer,  mais  do  que  convencer  ou  comover.  Mas  exagera  na  confiança,  como  se  desejasse  prover  a  circunspeção  com  a  certeza  cega  da  Promessa.  Persevera  na  demonstração  para  tentar  evitar  o  inevitável  das  coisas  no  mundo,  perecer.  Para  que  isso  aconteça,  Vieira  precisa  fazer  da  circunspeção  um  ponto cego.  O  ponto  cego  é  correlativo  urgente  aos  danos  causados  pela  ação  de  partida  dos  portugueses  na  descoberta  do  mundo ao mundo. Encontra‐se na artisticidade da escrita de Vieira a relação entre imagem mnemônica do ato sem história  e a imagem fantasmática de uma ação, em voz e dedo que apontam sem ver, cuja ambição é toda a História em um só ato.  A  passagem,  portanto,  acontece  como  princípio  dos  vencidos  perdoando  a  si  mesmo.  Um  direito  de  comutar  a  pena  de  morte em algo que a tem como mortificação: a alegoria máxima da natureza desses Descobrimentos.  A atitude de Vieira é de um homem confiante na realidade e na significação de suas preocupações, ao mesmo tempo  em  que  se  torna  vítima  do  absurdo  da  situação.  Vieira  se  encontra  submerso  no  tempo  e  na  matéria  que  proverá  sua  escrita.  Aceita  o  antever,  uma  maneira  por  demais  aceitável  da  cegueira  nas  linhas,  pois  o  sentido  corporal  da  visão  é  substituído pela capacidade da voz em fazer ver aquilo que não é visto; porém apontado.  A  nossa  insistência  na  faculdade  de  perdoar  como  correlato  da  situação  vivida  por  Vieira,  e  pelo  Portugal  de  suas  expectativas, corresponde às próprias condições morais da religião cristã. O dever de perdoar é óbvia moral, pois “eles não  sabem o que fazem”.       Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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Se  o  pecado,  ao  contrário,  é  evento  comum,  pois  brota  da  natureza  factual  da  ação  em  criar  constantemente  novas  correlações, o perdão é a necessidade que faz a vida prosseguir, liberando, firmemente, os homens daquilo que cometeram.  Somente  através  dessa  recíproca  e  permanente  desobrigação  do  que  fazem,  os  homens  facultam  ser  agentes  livres;  apenas  com a constante disposição de mudar de idéia e reiniciar é que podem iniciar algo novo.  Antônio  Vieira  perdoa. Mas  o  faz  na forma de um riso  irônico:  Deus  não quebra as suas  Promessas. Desse ponto  de  vista, o perdão é o oposto perfeito da vingança.  Embora o perdão seja uma reação, assim como a vingança, sua capacidade é de conservar algo do caráter original da  ação.  Em  outras  palavras,  o  perdão  é  a  excepcional  reação  que  não  re‐age  apenas,  mas  atua  de  novo  e  subitamente,  sem  depender  do  ato  que  a  provocou  e  de  cujas  decorrências  alforria  tanto  o  que  se  perdoa  quanto  o  que  é  perdoado;  reiterando‐se numa promessa.    desengano 

Mas  perguntar‐me‐á  porventura  alguma  emulação  estrangeira  (que  as  naturais  não  respondo):  se  o  Império  esperado,  como  diz  no  mesmo  título,  é  do  mundo,  as  esperanças  por  que  não  serão  também  do  mundo,  senão  só  de  Portugal? A razão (perdoe o mesmo mundo) é esta: porque a melhor parte dos venturosos futuros que se esperam e a mais  gloriosa deles será não somente própria da Nação portuguesa, senão singularmente sua. Portugal será o assunto, Portugal  o  centro,  Portugal  o  teatro,  Portugal  o  princípio  e  fim  destas  maravilhas;  e  os  instrumentos  prodigiosos  delas  os  Portugueses.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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O  parágrafo  é  feito  na  medida  do  teatral,  cujo  drama  absorve  a  leitura  e  indica  o  enredo  da  Comédia  de  Deus.  Há  espaço  cênico  de  palco;  lugar  onde  alguma  coisa  está  para  acontecer  ou  ser  revelada.  Um  interlocutor  é  posto.  Enquanto  responde ao êmulo, Vieira se nega a falar aos naturais de sua pátria.  O  drama  é  potencializado  basicamente  por  uma  ironia  velada.  A  platéia  é  o  mundo  que  interage  como  êmulo  da  pergunta. Mas, a máscara dramática cabe à personalidade dos Portugueses. O que está para acontecer é algo que vai se dar  ao suspeito portador do disfarce.  A  cegueira  dos  Portugueses  tem  referência  tanto  no  presente,  quanto  no  futuro,  demarcado  na  exclusividade  estilística  dos  futuros  do  presente.  Assim,  há  tanto  intimidade  física  com  os  Portugueses,  quanto  distância  psicológica  no  prazer  de  Vieira  em  se  colocar  no  lugar  representativo  de  Deus.  Se  for  teatral,  na  maneira  da  máscara  dramática,  a  faculdade de perdoar e prometer aceita a arena de uma crueldade mínima.  A  caracterização  crônica  que  Vieira  concede  a  Portugal  revela,  na  vítima,  seja  ele,  seja  a  sua  Pátria,  o  envolvimento  com certos medos, esperanças e expectativas. Enquanto agir discursivo, toma medidas que conjugam a preocupação com o  mal  e  o  bem  previsto.  O  mal  acontecerá  caso  não  haja  envolvimento  com  o  bem  previsto,  mas  a  ação  discursiva  acaba  declarando inevitavelmente a ruína.  A  exaltação  de  Portugal  é  clara  em  demasia.  Isso  nos  permite  estabelecer  a  idéia  de  que  o  que  está  sendo  representado  como  prestes  a  acontecer  remete  ao  comportamento  inconscientemente  confiante  do  verdadeiro  estado  das  coisas  de  Portugal  e  do  próprio  Vieira.  Portentosas  foram  antigamente  aquelas  façanhas,  ó  portugueses,  com  que  descobristes  novos  mares  e  novas  terras,  e  destes  a  conhecer  o  mundo  ao  mesmo  mundo.  Assim  como  líeis  então  aquelas      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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vossas  histórias,  lede  agora  esta  minha,  que  também  é  toda  vossa.  Vós  descobristes  ao  mundo  o  que  ele  era,  e  eu  vos  descubro  a  vós  o  que  haveis  de  ser.  Em  nada  é  segundo  e  menor  este  meu  descobrimento,  senão  maior  em  tudo.  Maior  Gama, maior Cabo, maior Esperança, maior Império.  Naqueles ditosos tempos (mas menos ditosos que os futuros) nenhuma coisa se lia no mundo senão as navegações e  conquistas de Portugueses. Esta História será o silêncio de todas as histórias. Os inimigos lerão nela suas ruínas, os êmulos  suas invejas e só Portugal suas glórias. Tal é a História, Portugueses, que vos apresento, e por isso na língua vossa.  Os elogios são assombrosas manifestações do perdoar e do prometer. Não há nenhuma pergunta no fim do Segundo  Capítulo.  Vieira  o  fecha  com  certezas  taxativas.  Portugal  foi  declarado  como  um  amanhã.  Sem  perguntas  ou  dúvidas,  o  questionamento sobre o que virá inexiste como sentido.  Vieira  obriga  o  leitor,  até  a  si  mesmo,  a  relancear  o  olhar  para  o  passado  do  ato  sem  história,  pois  daí  vem  o  há‐de  ser presente ― todo invejoso é inimigo dos presentes, e amigo dos passados. Deve, portanto, fazer exceder a presença dos  Descobrimentos,  de  forma  a  gerar  a  pergunta  não  expressa:  para  onde  irá  Portugal  amanhã  sem  a  façanha  que  no  mar  se  fez?  Mesmo  sendo  do  futuro,  o  porvir  dessa  única  procedência  histórica  é  absoluto  e  irreversivelmente  pretérito.  Experiência irremediável do passado como do há‐de ser presente, ambos absolutos. O instante presente da escrita não pode  muito com eles e, por isso, só promete.  Se puder  levar a sério esse instante presente  da escrita de Vieira, a possibilidade daquela pergunta ― para onde irá  Portugal  amanhã  sem  o  seu  acontecimento‐fantasma?  ―  devo  admitir  um  tipo  de  justiça  que  deve  conduzir  para  além  da      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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vida presente. Dessa forma, o Livro Anteprimeiro é um processamento imanente e ininterrupto da própria vida que precisa  ser superada.  Se se há‐de restituir o mundo à sua inteireza e natural formosura, não se poderá consertar um corpo tão grande, sem  dor  e  sentimento  dos  membros,  que  estão  fora  de  seu  lugar.  Alguns  gemidos  se  hão‐de  ouvir  entre  vossos  aplausos,  mas  também estes fazem harmonia, se são dos inimigos. Para os inimigos será a dor, para os êmulos a inveja, para os amigos e  companheiros o prazer e para vós, então, a glória, e entretanto as Esperanças  Vieira  parece  requisitar  aos  portugueses  que  sejam  justos  com  aquilo  que  aconteceu.  Ser  justo,  momento  espectral,  momento  que  não  pertence  mais  ao  tempo,  caso  se  compreenda  debaixo  desse  nome  o  encadeamento  das  modalidades  do  presente  (presente  passado,  presente  atual:  agora,  presente  futuro).   Contudo,  é  irrefutável,  em  Vieira,  a  justiça  que  deseja  para si e para os Portugueses, advinda das mãos de Deus.  Ligados  discursivamente  de  forma  íntima  ―  o  quanto  é  possível  a  ligação  entre  o  destruir  e  o  fazer  ―,  o  perdão  dado a Portugal, de não ser mais o que foi, revela o caráter do próprio feito, os Descobrimentos. As condições pessoais de  Antônio  Vieira  levantam  o  que  foi  feito  da  poeira  da  história  e  perdoa  em  consideração  ao  que  deixou  de  ser.  Nesse  sentido, a razão do perdoar desabrocha no labirinto do ato de amar.    distinção 

Vieira empenha o quem e o que ao acontecimento‐fantasma. Ele não enaltece o amor a Portugal sem a tutela familiar,  os Portugueses. Se assim o faz, é para impedir a imperfeição do amor, que é uma forma de ódio quando se universaliza.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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A  natureza  do  amor  é  extramundana.  Ele  é  antipolítico  por  absoluto  excesso  de  “política”.  E  dessa  forma,  um  alçapão  de  toda  e  qualquer  política.  Daí  se  desprender  a  evidência  de  que  o  Quinto  Império  é  ultra‐ortodoxo,  radical,  inteligente e incompleto conjuntamente.  Uma  sublimidade  em  queda,  que  por  ser  histórico  e  profético  por  excelência,  alimenta‐se  da  beleza  do  estado  de  espírito do amor extramundano. Por certo, uma maneira de odiar perfeitamente o estado do mundo. A partir dele, Portugal  deixa  de  ser  o  que  não  é  e  aquilo  que  diz  discursivamente  ter  sido,  para  ser  um  há‐de  ser  do  acontecimento‐fantasma,  o  Quinto Império.  Entre a aparência da religião e a realidade da política, o amor de Vieira pelos Portugueses, converte‐se no respeito aos  sofrimentos  dos  negócios  humanos.  Posso,  então,  considerar  a  idéia  da  pergunta  ―  para  onde  irá  Portugal  amanhã  sem  o  seu acontecimento‐fantasma? ― como um radical desejo platônico pela philia politike aristotélica; o respeito como forma de  amizade  que  impede  a  intimidade  e  a  proximidade  exigidas  pelo  amor.  Não  obstante,  o  quem  e  o  que  do  drama  histórico  de Portugal revelam o sujeito da ação discursiva de perdoar, os Portugueses. Para eles Vieira promete.  Ao contrário do perdão, que sempre foi considerado irrealista e inadmissível na esfera pública, a força estabilizadora  essencial à faculdade de prometer sempre foi conhecida na tradição ocidental. Bem, isto é um fato, seja na inviolabilidade  de  acordos  e  tratados  do  sistema  legal  romano,  seja  na  Bíblia,  na  descoberta  de  Abraão  da  Aliança  com  Deus.  O  medo  da  imprevisibilidade é arrebatado pelo ato de prometer.  Vieira  promete  aos  Portugueses,  e  a  sensação  proveniente  da  promessa  para  os  inimigos  será  a  dor,  para  os  êmulos  a  inveja,  para  os  amigos  e  companheiros  o  prazer  e  p  ara  vós,  então,  a  glória,  e entretanto  as  Esperanças.  Ela  é  maior  agora  e  menor      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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antes.  Roma  e  Abraão,  império  e  religião  são  agora  menos.  O  mundo  é  o  mundo  das  descobertas.  Maior  do  que  já  fora.  E,  por isso, impregna os homens de se fazerem maiores do que aquilo que o Mundo se tornou.  Se  a  função  da  faculdade  de  prometer  é  aclarar  o  duplo  obscuro  dos  homens,  se  o  mundo  é  maior  do  que  se  imaginava  como  mundo,  a  promessa  deve  se  ancorar  na  supremacia  baseada  no  domínio  de  si  como  um  ressuscitado  perfeito  e  no  governo  de  todos  por  uma  força  extramundana.  Tal  simultaneidade  é  uma  obrigação  decorrente  da  necessidade de manter a inteireza do mundo do mundo.  Nesse devir, a propriedade temporal é furtada do presente. O devir, esse há‐de ser presente, não é capaz de suportar a  distinção do pretérito e do futuro. Eis, então, o milagre que salva o mundo de sua ruína normal e natural, O Quinto Império.  Em  última  análise,  o  milagre  só  pode  ser  o  nascimento  de  um  novo  mundo:  aquele  mundo  que  foi  descoberto  ao  próprio  mundo, aquilo que ele era e não sabia.  É nos Portugueses que se encontra a marca do redescobrir o ato sem história, que flui para a morte, mas que, por ação  dos  Descobrimentos,  demonstra  que  embora  os  homens  nasçam  para  morrer,  eles  só  o  são  por  dar  começo  ao  tempo.  E  dar  começo à boa nova é admitir que os atos dos portugueses permitiram o fim no início, sendo então necessário dizer que está  para nascer um filho do acontecimento‐fantasma, o último e novo império num ato sem histórias redescoberto.    mundo 

O  Mundo  do  nosso  prometido  Império  não  é  mundo  neste  sentido;  não  prometo  mundos,  nem  impérios  titulares,  nomes  tão  alheios  da  modéstia  como  da  verdade.  Bem  sei  que  o  Império  da  Alemanha  (envelhecidas  relíquias  e  quase      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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acabada  dos  Romanos)  em  muitos  textos  de  um  e  outro  direito  se  chama  Império  do  Mundo;  mas  também  se  sabe  que  os  textos  podem  dar  títulos,  mas  não  impérios.  (...)  impérios  e  reinos  não  os  dá  nem  os  defende  a  espada  da  justiça,  senão  a  justiça da espada.  A  Abraão  prometeu  Deus  as  terras  da  Palestina,  mas  conquistou‐as  a  espada  de  Josué  e  defendeu‐as  a  dos  seus  sucessores.  Estes  são  os  instrumentos  humanos  de  que  se  serve  (ainda  quando  obra  divinamente)  a  Providência  daquele  supremo  que  é  o  do  Mundo  e  dos  Exércitos.  Os  que  querem  o  ruído  e  encher  de  algum  modo  o  vazio  destes  grandes  títulos,  dizem  que  se  estende  por  hipérboles  ou  exageração,  e  por  aquela  figura  que  os  retóricos  chamam  sinédoque,  em  que  se  toma  a  parte  pelo  todo.  O  título  desta  História  não  fala  por  hipérboles  nem  sinédoques,  não  chama  a  um  pigmeu  gigante,  nem  a  um  braço  homem.  O  mundo  de  que  falo  é  o  mundo,  aquele  mundo,  e  naquele  sentido  em  que  disse  São  João:  ʺO  Mundo  que  Deus  criou,  o  Mundo  que  não  o  conheceuʺ,  e  o  Mundo  que  o  há‐de  conhecer.  Quando  o  não  o  conheceu, negou‐lhe o domínio: quando o conhecer, dar‐lhe há a posse... ʺ  Este  foi  o  mundo  passado,  e  este  é  o  mundo  presente,  e  este  será  o  mundo  futuro;  e  destes  três  mundos  unidos  se  formará  (que  assim  formou  Deus)  um  mundo  inteiro.  Este  é  o  sujeito  de  nossa  História,  e  este  o  Império  que  prometemos  do  Mundo.  Tudo  que  abraça  o  mar,  tudo  que  alumia  o  sol,  tudo  o  que  cobre  e  rodeia  o  céu,  será  sujeito  a  este  Quinto  Império,  não  por  nome  ou  título  fantástico,  como  todos  os  que  até  agora  se  chamaram  Impérios  do  Mundo,  senão  por  domínio e sujeição verdadeira. Todos os reinos se unirão em um cetro, todas as cabeças obedecerão a uma suprema cabeça,  todas as coroas se rematarão em um só diadema, e esta será a peanha da Cruz de Cristo.  A  escrita  de  Vieira  é  inimiga  do  particular  e,  ao  mesmo  instante,  sua  salvação.  Tende  a  mediar  o  particular  dos      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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portugueses  pela  constelação  da  universalidade  do  Quinto  Império,  que  rende  justiça  ao  mundo  como  Criação  de  Deus.  Nesse  feitio,  a  sua  aparência  se  concentra  em  grandeza,  paz  e  união  no  extremo  do  que  especificamente  exprime.  Os  universais  da  passagem  recebem,  como  numa  caixa  de  ressonância,  a  diferença.  O  império  de  Vieira  se  distingue  dos  títulos inscritos nas lápides da história, ou daqueles prestes a acabar.  O efeito da escrita de Vieira é um desejo de saudar e de dar saúde ao mundo do mundo em freqüente declínio. Mas  só pode ser se for devastador e, daí, contar com o seu segredo, a palavra fim. A forma desse término no Terceiro Capítulo  do  Anteprimeiro  Livro,  no  qual  se  mostra  a  divisão  em  sete  livros,  revela‐se  eficaz  pelo  desvelamento  mais  puro  do  ato  digno da essência da palavra cristã: prometer e perdoar.   A  eliminação  do  indizível  coincide  com  o  estilo  neutro  que  Vieira  quer  fundar.  Essa  idéia  me  permite  pensar  na  armadilha de toda política, o Quinto Império. Vieira não se encontra tão distante do divino, nem do que se pode chamar de  real, pois é capaz de conduzir a Promessa por si mesma na pureza quase irônica do perdoar.   Antônio  Vieira  renuncia,  portanto,  a  pôr  os  universais  como  verdade  metafísica,  escolhendo  a  antecâmara  do  agora  de  São  Paulo.  Agora  nos  preparamos  para  isto;  é  o  que  eu  aceito  como  contrição  ―  sentimento  de  dor  profunda  pelas  ofensas feitas a Deus, procedendo mais do amor e da gratidão para com o Criador do que do temor de castigo.    antecipação 

Antônio  Vieira  deseja  fazer  tudo  concordar.  Bem,  sua  obsessão  pela  realidade,  nas  leituras  e  experiências  missionárias  nessa  História  do  Futuro,  encontra  o  princípio  do  assemelhar‐se.  Esse  princípio,  porém,  reside      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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confortavelmente na natureza do sonho.  A obsessão, que aqui nada  guarda  de freudiano  a não ser  os exageros, admite a obstinação do jesuíta em fazer tudo  concordar. Intempestiva, porém, a obsessão histórica caracteriza a existência do acontecimento‐fantasma enquanto sombra  da  memória  filial  de  Vieira.  Não  há  coisa  alguma,  portanto,  de  melhor  expressividade  das  semelhanças  que  o  sonho.  Sonhar  é  uma  forma  de  cegueira  submissa  à  essencialidade  do  segredo  histórico  originário  ―  constituída  no  estado  de  espírito do herói lutuoso.  Ao se sonhar, o que se manifesta anti‐representa as potências figurativas dos materiais empíricos apresentados como  se não houvesse tal coisa, como se não nos pertencesse. E mesmo assim se vive o sonho como se fosse haver, como se fosse  nosso  e  como  nos  pertencesse.  A  vivência  onírica  demonstra  que  a  repetição  jamais  acontece.  A  sua  existência  rompe  lançando  o  sonhador  Vieira  para  frente,  numa  relembrança  por  antecipação.  O  como  se  não  introduz  as  concordâncias  hipotéticas, contrárias à realidade evidente.  Na  obsessão  real  do  sonho,  que  sempre  é  um  como  se  não  que  se  faz  do  fosse  perpétuo  e  vívido,  repetido  intensamente para evitar o esquecimento da Promessa numa dupla neblina que espelha as relíquias dos cuidados no qual se  vive e se sonha. Antônio Vieira converte a decadência da Portugal num como se não houvera tal coisa.  Isso  é  feito,  todavia,  sob  a  atmosfera  da  neblina  densa,  como  se  fosse  a  evaporação  visível  das  regiões  amazônicas,  algo que se assemelha à imagem comum do ar condensado em pequenas gotículas no fim do dia. As visões táteis da leitura  e  as  memórias  das  experiências  de  Antônio  Vieira,  transpostas  na  escrita,  tendem  a  se  precipitar  em  tudo  que  se  revela  condensado  entre  nuvens  baixas,  na  aparência  do  lugar‐comum  das  descrições  dos  sonhos,  postas  no  solar  singelo  da      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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realidade de uma narrativa possível.  A solidez dessa narrativa condensada, que se evapora por desejos naturais da intervenção de Deus nos negócios dos  homens,  evidencia  uma  repetição  recordativa  de  uma  palavra  que  dobra  tudo:  a  Missão;  que  não  admite  descontínuos  absolutos. A continuidade, porém, é o axioma da aurora. Sua formação germina nas entranhas do escuro e nesse espaço se  sonha.  E  quem  sonha  com  a  completude  da  poética  da  esperança,  no  caso  Vieira  com  a  realidade  do  seu  testemunho  e  interpretação literal e histórica, tende a evitar a quebra absoluta entre o mundo noturno e diurno.  Nessa disposição do jesuíta, a narrativa do sonho ao amanhecer que há‐de ser presente é fatal, pois precisa contar com  a  vingança  do  real  para  se  desprender.  Sendo  assim,  só  na  outra  margem  da  vida,  sob  a  luz  do  dia  do  amanhecer  prometido, pode o sonho ser interpretado como recordação sobranceira.  O além do sonho, portanto, é alcançável num anseio da ablução, o batismo das águas, contando com o diferente que  reside  no  mesmo  da  religião.  Logo,  quem  está  num  jejum  de  expectativas  fala  do  sonho  como  se  fosse  a  concretude  da  esperança, e fala na realidade do dia claro de dentro da natureza do sono, após noite que se professa.    em que lugar? 

Vieira  chama  para  si  a  responsabilidade  de  recordar  o  futuro,  invocando  a  assistência  grave  do  acontecimento‐ fantasma.  E  como  interpretar  é  profetizar  testemunhando  o  que  é  visto,  como  se  sente  e  o  que  acontece,  a  influência  profética é a moeda que permuta a decadência em há‐de ser presente.  Ou  seja:  a  metamorfose  obsessiva  de  redescobrir  aonde  se  vai  chegar,  navegando  sob  neblinas  na  confiança  do  que      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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foi  mapeado  pelas  leituras,  requer  dos  instantes  presentes  da  escrita  a  consciência  da  negação.  Pois,  sem  esta,  inexiste  o  convívio com o princípio de realidade da religião: deixar de ser o que é para poder ser o que nunca foi e por fim gerar um  há‐de ser natural à esperança de que Deus não abandona os filhos escolhidos.  Existe  uma  obrigação  discursiva  em  Antônio  Vieira  de  se  identificar  consigo  mesmo.  Sem  essa  obrigação  imanente,  sem  a  tensão  antimimética  do  discurso,  sua  escrita  não  se  objetivaria.  Ao  tentar  se  assemelhar  a  si  próprio,  o  que  é  constantemente confundido pela historiografia com a idéia de uma vida una e coesa, a obra de Vieira aponta para o fato de  tudo parecer apenas como se houvesse de ser assim e não pudesse ser de outro modo.  Nessa  tensão,  a  obsessão  da  inteligência  e  a  vontade  de  tudo  unir  e  fazer  concordar  revela  a  impropriedade  de  conferir  a  todos  os  acontecimentos  margem  de  segurança.  A  relação  que  Vieira  mantém  entre  o  seu  Quinto  Império  e  a  necessidade  de  ser  novo  é  uma  fundamental  melancolia  nostálgica  do  novo:...  é  uma  História  nova  sem  nenhuma  novidade,  e  uma  perpétua  novidade  sem  nenhuma  coisa  de  novo.  O  que  é  experimentado  como  utopia  pela  historiografia  revela  o  patrimônio condicional que ajuda a não percepção do negativo contra o qual existe o discurso do jesuíta.  Nessa negatividade absoluta, a escrita do autor exprime o inexprimível, o não. Este, tão próprio à voz imperativa de  Vieira,  recondiciona  a  natureza  de  qualquer  história  encontrar  o  seu  telos.  O  seu  não  ao  mundo  legitima  aquilo  que  ele  chama de Quinto Império, o mundo assistindo ao seu aparecimento enquanto fim em si.  Há,  então,  uma  relação  de  efeitos  recíprocos  entre  pátria,  natureza  e  o  eu  literário  de  Vieira,  que  se  encontra  no  declínio de um tipo de mundo tornado ideal na medida de uma Filosofia da Restauração, o Quinto Império. Vieira deseja o  mundo de todos os mundos. A coincidência com a Criação é do reino da evidência: Este foi o mundo passado, e este é o mundo      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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presente,  e  este  será  o  mundo  futuro;  e  destes  três  mundos  unidos  se  formará  (que  assim  formou  Deus)  um  mundo  inteiro.  Este  é  o  sujeito de nossa História, e este o Império que prometemos do Mundo.   O  todo  de  tudo  é  o  que  sempre  é.  Tempo  e  mundo  não  se  distinguem.  E,  dessa  forma,  apresentam‐se  no  não  do  tempo.  No  declínio  do  dia  para  a  noite,  momento  e  começo  de  um  outro  tempo  e  mundo,  situa‐se  a  História  do  Futuro,  o  Quinto  Império,  a  Clavis  Prophetarum.  Título  por  muitas  vezes  metamorfoseado,  cuja  origem  está  nas  Esperanças  de  Portugal  nos olhos de uma Colônia. 

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III ‐ o que se finda no Anteprimeiro  O último  ato é de Deus. Na clausura  do sentido  que todo acontecimento  da  história  humana contém, manifesta‐se  a  chave  do  entendimento.  Sua  plenitude  é  precisamente  o  espelho  da  alma.  A  cada  experiência  e  a  cada  leitura,  o  reflexo  invisível  de  Deus  simula  preencher  o  sentido  e  o  esvazia.  Ele  não  cessa  de  aparecer,  nem  diminui  a  sua  ausência.  A  incompletude  poética  dos  homens  aviva  a  esperança  no  sentido  de  que  Ele  está  por  perto.  O  enredo  da  Comédia  de  Deus  tece o fio que liga os fatos da história à Verdade de que o tempo é um versículo que recita a Sua demora.  A  eternidade  é  seu  atributo;  ilimitado  em  Sua  mente.  Nenhum  estímulo  é  mais  precioso  do  que  este.  É  dessa  primacial certeza religiosa que a Providência se manifesta como tecido semeado por atos humanos. O mundo requer a Sua  eternidade; e a escrita dessa necessidade faz dos momentos o diálogo entre o tempo e a ultravida. A escrita não está vazia  de  culpa;  é  sempre  responsável  por  certa  dose  de  desfiguração  de  sentido,  motivada  pela  clausura  deste,  que  só  se  abre  com a chave de Cristo quando retornar ― escrever prescreve essa deformação da espera.  Vieira escreve apoiado sobre o instante presente e autêntico, sua autoria. Nessa autenticidade, prolonga‐se o mundo  incerto.  O  choque  entre  o  que  foi  Portugal  e  as  expectativas  de  futuro  promissor  são  evidências  do  desespero  que  o      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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envolve. Silenciá‐lo é sua tarefa de testemunho das profecias. Nesse arranjo do silêncio, o otimismo se agarra às franjas das  frases.  Em  cada  instante  deve  parar  e  recomeçar,  pois  a  Verdade  foge  constantemente  das  intenções  dos  sentidos  dados  a  ler.    futuro 

As  frases  de  Vieira  convertem,  portanto,  os  acontecimentos  do  recente  passado  de  Portugal,  os  Descobrimentos,  no  pretérito perfeito da fundação do Reino, e todos movidos por instantes presentes da escrita expectante, pós‐Restauração ―  numa esperança restauradora que não se pode manter indeclarável.  A  orientação  para  o  futuro  especifica  e  destrói  o  campo  experimental  da  velha  Europa.  No  lugar  deste,  a  ênfase  no  mundo do mundo, que por sua novidade constitui o imprevisível início, retomado por vias de desapego ao próprio. Esse é  mais do que era e se sonhou e, portanto, os homens deverão ser mais do que são; serão, por Providência divina, menor em  sua condição humana e maior em espiritualidade. Assim também essa irmã menor, a América e seus odores.  O  amor  extramundano  ao  mundo  esclarece  a  naturalidade  da  sua  fé,  o  realismo  de  escutar  a  si  mesmo.  Nesse  sentimento,  porém,  nenhum  nascer  do  sol,  mesmo  em  rios  do  Maranhão,  é  de  fato  senhorial.  Pelo  contrário,  cada  aurora  aparece  de  maneira  tímida  como  esperança  de  que  as  coisas  podem  melhorar.  No  pouco  lustre  da  mais  possante  luz,  iluminando mais uma vez os muitos pecados do mundo, reside a majestade comovente da escrita de Vieira.  Escreve  como  interpreta  o  que  leu.  Lê  como  vive,  jesuiticamente.  Vive  como  escreve  e  como  lê.  O  entendimento  literal  e  histórico  que  o  jesuíta  busca  fazer  valer  na  escrita  evidencia  a  conquista  das  superfícies  espelhadas.  E,  como  tal,      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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reconhece já na primeira vez a citação familiar do jamais visto, o Quinto Império.    noite 

Deus  criou,  porém,  a  noite  para  o  descanso  e  a  tentação.  O  jesuíta  a  tem  por  relíquias  dos  cuidados,  pois  nela  se  armazenam  os  sonhos  e  se  formam  os  espelhos  da  aurora.  E  é  nesse  ambiente  da  noite  que  o  espelho  da  alma  reflete  o  sentimento de que o homem é reflexo e vaidade, e, por isso, a superfície vítrea e a noite alarmam Vieira. Toda a noite tem o  seu lugar. Para Vieira é Portugal, que deu à Europa uma nova manhã e um novo entardecer. Mas, para Portugal, a noite é a  Colônia.  Nela,  recita‐se  a  voz  de  sua  semelhante  diferença.  Ela  guarda  a  precária  referência  do  signo  da  derradeira  promessa, os Antípodas, o que permite ao jesuíta tomá‐la como ponto‐Pai.     manhã  

Lá  em  Lisboa,  numa  certa  manhã,  as  Esperanças  de  Portugal  evaporam  as  nuvens  da  desesperança,  termina  o  “ter  sido”.  Um  Rei  superungido  de  História  e  Profecia,  mortificado,  abre  a  porta  e  constrói  os  muros  para  a  Conversão  Universal. O Vice‐Cristo assume o seu Reino e a sua Monarquia Universal abraçará o que está debaixo do Céu. O realismo das  menores  distâncias  entre  o  Céu  e  a  Terra  encontra  o  seu  momento  de  completude,  que  espelha  experiências  e  leituras  vividas.  Nesse  dia,  qualificado  por  São  Paulo  como  “um  dos  maiores,  e  mais  notáveis  dias  que  nunca  teve  o  mundo”,  acabam‐se  os  trabalhos  cotidianos  e  regulares  da  vida  humana  e  começam  as  felicidades.  E  o  dia  não  mais  passará;  e  o      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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espírito das águas sob a Lei da Graça fará terminar os profetas.  Nesse agora, Deus aprisiona o Diabo e faz abundar a Graça. Ela fará derramar e chover o espírito da profecia sobre toda  a  carne,  e  que  os  homens  e  mulheres,  velhos  e  moços,  todos  hão‐de  profetizar  e  viver  como  ressuscitados.  O  mundo  do  mundo  redescobre  que  tudo  que  no  agora  se  sucede  já  estava  dito  antes,  tudo  que  agora  se  vê,  já  estava  ouvido.  E  ao  longe,  no  horizonte, vêm ao encontro dos ressuscitados as Dez Tribos perdidas de Israel, que não foram e não puderam ser cúmplices na  morte de Cristo, porque no ano de 34 já estavam perdidas.  Assim, há‐de se levantar a terra mais que em um monte e esse tão grande como ela, porque há‐de haver uma só Monarquia que  há‐de  ser  universal  de  todo  o  mundo  que  ela  só  não  reconheça  superior  e  todos  os  reconheçam  ela.  Os  outros  reinos,  monarquias  e  impérios  não  perderão  suas  jurisdições,  mas  estarão  submetidos  à  superioridade  dessa  Monarquia  Universal,  pois  é  nova  sujeição que dantes não tinha.  No agora da duração, o temporal e o espiritual se encontram, e se dará a verdadeira felicidade, a Paz Universal. Com  o tempo plenificado na superfície que espelha o céu e a terra, sem a medida natural de sua duração, dar‐se‐á o derradeiro  combate.  Vencido  por  Cristo,  suas  tropas  serão  guiadas  a  outro  estado  mais  perfeito,  completo  e  consumado.  Logo,  se  se  admite consolação no acabar, nenhuma outra pode haver maior que acabar quando acaba tudo.    estrela 

O  absoluto  otimismo  de  Vieira  é  acompanhado  pelo  desespero  radical  silenciado.  Se  há  natureza  real  da  Promessa,  há  a  realidade  natural  nas  chaves  do  sentido.  Se  tudo  poderá  ser  visto  por  ser  já  ouvido,  e  tudo  que  sucede  já  foi  escrito,      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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tudo  se  dobra  na  alma  da  escrita  do  missionário.  E,  num  sentido  de  empréstimo  empírico,  podemos  admitir  que  o  sol  se  configura da mesma maneira que a Monarquia Universal, o seu Vice‐Cristo português e a escrita de Vieira.  A escrita de Vieira pede o amanhecer, e só retém as últimas luzes do entardecer para logo se deter na sua constância.  O complemento de sua incompletude acontece pelo que é visto e ouvido a cada pronúncia e recupera aquilo que sucede na  leitura  pelo  que  já  foi  de  fato  lido.  E,  como  tal,  potencializa  a  mesma  figuração  da  noite,  desejando  reter  a  luz  do  sol  pela  via indireta das palavras‐estrela para anunciar a nova manhã do Grande Dia.  É  nesse  ambiente  das  linhas  à  luz  do  dia,  ou  sob  a  luz  movente  da  candeia,  sempre  no  noturno  do  sentido,  que  o  homem  Vieira  se  confunde,  gradualmente,  com  a  forma  de  seu  destino.  O  acontecimento‐fantasma  Descobrimentos  é  sua  larga circunstância.   Mais  do  que  um  intérprete  da  literalidade  e  da  historicidade  das  leituras  e  experiências,  mais  do  que  um  “perdoador”  compulsivo  que  promete  e  se  vinga  do  estado  do  mundo  pela  Promessa,  Vieira  é  encarcerado  ao  projeto  de  redescobrir as chaves do profeta. Do seu incansável labirinto procura a fronteira da superfície espelhada para nela sonhar  e regressar à recordação por repetição antecipada do futuro.    filho 

O  complemento  não  pode  vir  dele,  e  nenhum  saber  pode  acalentar  uma  completude,  apenas  Deus  pode  fazer  o  preenchimento da falta. O livro santo, que Vieira promete, pede e exige do leitor, ventura e ousadia, na fantástica descoberta  do  mundo  ao  mundo,  jamais  poderia  ser  terminado.  Se  os  Descobrimentos  calaram  todas  as  outras  histórias  e,  se  essa      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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façanha eterniza os portugueses, sua superação só pode vir de outro acontecimento que o completa como o filho ao Pai, o  Quinto Império, pois este, ao se igualar, supera‐o.  O  Quinto  Império,  para  acontecer,  precisa  dos  homens  e,  ao  mesmo  tempo,  os  dispensa.  Deus,  onipotente,  sempre  aguarda o desenlace da Comédia, uma vez que em nada precisa dos homens. Eles valem por aceitação incondicional de Seu  enredo que, ao validar os próprios atos, devem assumir juízo de oferecer os ganhos a Ele.  Nesse  drama  natural  da  esperança,  a  coragem  aceita  a  profecia  última  e  única  do  retorno  de  Cristo  e,  no  direito  contratual que Ele prometeu, os homens aguardam as felicidades. Tudo passa a ser, nesse palco teatral do drama humano,  prefácio  à  justiça  que  nunca  deixa  de  ser  profética.  Sob  a  atenção  de  Deus,  as  múltiplas  lágrimas  dos  homens  aceitam  as  curiosidades para refrear o desespero; mas Vieira sabe que, no mundano, os portugueses deram as almas e madeiras. Logo,  há um saldo de Portugal na contabilidade de Deus. E se Ele não pode nem mentir, nem faltar, a paga há‐de ser presente e a  Justiça  jamais  faltará.  Daí,  o  alçapão  de  toda  política,  a  violência  desejante  do  missionário  que  do  não  dos  Descobrimentos  extrai o seu filho não, O Quinto Império.    voz e olhos 

As  Esperanças  de  Portugal  de  Vieira  são  os  horizontes  do  “ter  sido”  deixado  pelo  acontecimento‐fantasma  Descobrimentos, complemento ilusório da poética incompleta em História e quase‐livro. E nesse inacabado, só um lugar tem  voz. Nesse lugar a semelhança fala sua diferença, toda história tem o seu rastro e toda profecia corre para o mar tentando  atravessá‐lo;  a  Colônia.  Na  dobra  e  desdobra  do  extremo  interior  desse  espaço,  protegido  pela  autonomia  externa  da      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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relação  Metrópole‐Colônia,  as  denúncias  se  dirigem  a  um  quem,  que  se  alimenta  através  de  um  sentimento  altivo,  que  perdoa e promete ao que se filia. O olhar de Vieira se torna o espetáculo teatral da crueldade mínima, anunciando sempre  o  que  deve  Portugal  a  si  mesmo  e  apontando  para  um  futuro  que  é  outro  Portugal,  já  que  Portugal  como  Portugal  não  é  nenhum Portugal, e sim o Quinto Império.  Vieira fez a História de Portugal receber a marca de sua precária referência e futuro, os Antípodas da Colônia. A dor  do  jesuíta  pelos  Maranhões  reivindica  um  prazer  para  o  olho  que  vê  as  situações  da  pátria,  que  sem  ele  parece  inexistir,  convertendo  o  olhar  numa  operação  construtiva  sob  ruínas  entre  o  coletivo  dos  portugueses  da  ventura  e  ousadia  e  o  Eu  fundador do Reino, Cristo.  Esse  olhar  de  Vieira  está  animado  por  um  mínimo  infinitesimal  da  idéia  de  vingança  para  perdoar,  numa  aptidão  para  apreender  a  relação  sutil  entre  o  signo  gravado  no  corpo  missionário  em  áreas  coloniais  e  a  voz  que  sai  do  rosto  do  destino  histórico  na  fundação  do  reino,  a  Missão.  Dessa  relação  própria  aos  domínios  do  código  da  História,  a  dor  de  Vieira  extrai  a  mais‐valia  do  seu  olhar,  demarcando  a  representação  territorial  num  sistema  de  dívidas  solucionadas  pelo  preparo  de  que  tudo  há‐de  terminar.  Eis,  então,  o  teatro  da  crueldade  mínima  contrária  ao  estado  das  coisas:  a  voz  articulada  à  promessa,  a  mão  gráfica  das  denúncias  e  do  perdão  e  o  olhar  apreciador  da  dissolução  de  toda  esperança,  cansada de tanto esperar.  Nessa  ação  conata  feita  de  ruínas,  tudo  parece  e  deve  ser  aceito  como  ativo,  agindo  ou  reagindo,  organizado  na  superfície vítrea pela voz da Aliança entre Deus e Portugal. Apaixonada filiação ao acontecimento‐fantasma, que silencia a  reação, ao olhar a dissolução da atividade e da Aliança e, portanto, desemboca num afeto incorruptível.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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  ironia 

O afeto de Vieira é a tentativa de impedir a derrota potencial da ação, pois o risco é a introspecção e o acanhamento  histórico.  E  esse  afeto  só  encontra  campo  de  sigilo  na  ironia  sublimada.  É  ela  que  acontece  por  projeção,  que  recorda  repetindo  a  antecipação  do  futuro,  sombreando  a  possibilidade  de  mudança,  de  metamorfose,  envolvida  na  travessia  de  qualquer mar, sonho, interpretação ou desejo de totalidade: História do Futuro.   A arte de Vieira assume a negatividade através da medição jesuítica entre o abismo da práxis e o desejo de felicidade  de todos que confessam crer na promessa do retorno de Cristo e se preparam para tal, resolvendo as divergências. Assim,  no  pólo  extremo  da  Colônia,  ou  sob  o  peso  do  processo  inquisitorial,  o  missionário  Antônio  Vieira  não  deseja,  como  um  burguês,  que  a  sua  arte  seja  voluptuosa  e  a  vida  ascética.  Mas  sim  que  a  arte  seja  ascética  e  a  vida  voluptuosa  de  fé.  Eis,  então,  a  sua  tristeza  pela  irrealização  do  desejo,  expressa  como  conteúdo  metafísico  imanente  à  política  e  encanto  erótico  da crença impregnada na forma de escrever.  Sentir a aproximação do firmamento em direção a Terra, em seu silêncio, é um privilégio raro da fé. Mas esse mesmo  dado  não  pode  ser  comercializado.  O  belo  firmamento  em  aproximação  radiosa,  o  Quinto  Império,  em  nuvens  que  o  escondem,  permanece  uma  alegoria  desse  para  lá  das  evidências  mundanas,  apesar  da  mediação  social  da  política.  Essa  alegoria  considera  o  estado  de  reconciliação  que  há‐de  ser  alcançado  e  se  degrada  em  meio  à  emergência  das  expectativas  que  mascara,  e  se  justifica  no  estado  irreconciliável  entre  os  homens.  A  reserva  de  velada  ironia,  O  Quinto  Império,  que  se  eleva à própria atividade da escrita, cuja intenção é de fato pedagógica, constitui a onipotência fictícia do narrador Vieira,      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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que  se  associa  tanto  à  pretensão  do  real  metamorfoseado  em  um  como  se  não,  quanto  à  medida  sugerida  pelo  sentido  reforçado de tristeza: oh, se isso acontecesse! 

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Fontes  VIEIRA,  Antônio.  História  do  Futuro  (Livro  Anteprimeiro,  Prolegômeno  a  toda  História  do  Futuro,  em  que  se  declara  o  fim  e  se  provam  os  fundamentos dela. Matéria, Verdade e utilidade da História do Futuro). Lisboa Ocidental: na Casa De Antônio Pedrozo Galram, 1718.  _____.  História  do  Futuro  (Livro  Anteprimeiro,  Prolegômeno...,  Livro  Primeiro  e  Segundo,  e  o  Projeto  da  História  do  Futuro  ‐  História  do  Futuro, Esperanças de Portugal e Quinto Império do Mundo). Intod., atualização de textos e notas por Maria Leonor Carvalhão  Buescu. Lisboa: IN‐CM, 1982.  _____. Livro Anteprimeiro da História do Futuro (Ed. Crítica). Van Den Besselaar, José. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1983. 

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Bibliografia (Sobre Vieira)  AZEVEDO, João Lúcio de. Últimos anos da vida de Antonio Vieira. Revista Brasileira. 4 (16), out. 1898.  _____. História de Antônio Vieira. 2ª ed. Lisboa: Clássica, 1931.  _____. Notícia explicativa. In: VIEIRA, Antônio. História do Futuro. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1918.  _____. O Padre Antônio Vieira julgado em documentos franceses. In: Arquivo de História e Bibliografia. Coimbra, 1925, vol. I.  _____. Notícia Bibliográfica sobre a Clavis Prophetarum do Padre.... Coimbra, 1920.  BARROS,  André  de.  Vida  do  Apostólico  Padre  Antonio  Vieira  da  Companhia  de  Jesus,  chamado  por  Antonomasia  o  Grande.  Lisboa: Nova Officina Syviana, 1745.  BATAILLON, Marcel. Le Brésil dans une vision d’Isaïe selon te père Antonio Vieira. In: Bulletin des études portugaises, XXV, 1964.  BESSELAAR, José Van den. Antonio Vieira e Sua História do Futuro. In: Minerva. Faculdade de Filosofia de Ponta Grossa, III, 1969.  _____. Antonio Vieira e a Holanda. In: Revista da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, III (24), 1971.  _____. Antonio Vieira e Paulo Sherlogo. In: Ocidente. Lisboa, LXXXIII, 1971.  _____. Variantes da Editio Princeps da ‘História do Futuro’ de Antonio Vieira. In: Ocidente, LXXXI (400), 1971.  _____. Erudição, Espírito Crítico, Acribia na História do Futuro de Antônio Vieira. In: Alfa. Faculdade de Filosofia de Marília, XX‐XXI, 1974‐ 1975.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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_____. Introdução. In: VIEIRA, Antonio. Livro Anteprimeiro da História do Futuro. (ver FONTES).  _____. Antonio Vieira: O Homem, a Obra, as Idéias. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1981.  BOXER, Charles R. A. A Great Luso‐Brazilian: Padre Antonio Vieira, S. J., 1609‐1697. London, 1957.  CANTEL, Raymond. Ovide et les sermons du père Vieira. In: Bulletin des ètudes portugaises, XVIII, 1955.  _____. Le Sermons de Vieira ‐ Ètude du Style. Paris: Hispano‐Americanas, 1959.  _____. Vieira e a Filosofia Política do V Império. In: Tempo Presente. Lisboa, 17‐18, 1960.  _____. Prophétisme et Messianisme dans l’ouevre du pére Antonio Vieira. Paris: Hispano‐Americanas, 1960.  _____.  Les  Idées  Linguistiques  de  Vieira.  In:  Actas  do  IX  Congresso  de  Lingüística  Românica.  Lisboa:  Centro  de  Estudos  Filológicos,  1961.  _____. L’Histoire du Futur du père Antonio Vieira. In: Bulletin des ètudes portugaises, 1964, Tomo XXV, nov. série.  _____.  La  Retórica  Sagrada  ou  Arte  de  Pregar  Novamente  Descoberta  entre  outros  Fragmentos  Literários  do  Grande  Padre  Antonio  Vieira.  In:  Miscelânea de Estudos em Honra do Prof. Vitorino Nenúsio. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1971.  _____. Vieira, Sa vie et ses ouevres. Paris: Thêse ‐ Faculté des Lettres de Paris, 1879.  CIDADE, Hernâni. Estudo Biográfico e Crítico. In: Padre Antonio Vieira. Lisboa: Agência Geral das Colônias, 1940, vol. I, 4 vols.  _____. Padre Antonio Vieira e a Oratória Sagrada. In: Lições de Literatura Portuguesa. vol. I.  _____. Atividade Política do Padre Antonio Vieira. In: Independência. Lisboa, XIV‐XV, 1955.  _____. Prefácio. In: VIEIRA, Antonio. Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofício. (ver FONTES).  _____.  Portugal  Histórico‐Cultural  através  de  Alguns  dos  seus  Maiores  Escritores:  Fernão  Lopes,  Camões  e  Mendes  Pinto,  Pe.  Antonio Vieira, Antero de Quental, Teixeira de Pascoais e Fernando Pessoa. Salvador: Universidade da Bahia, 1957.  _____. O Barroco na Literatura ‐ Padre Antonio Vieira. In: Lições de Cultura Luso‐Brasileira. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1960.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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_____. Velha Querela Teológico‐Jurídica no Julgamento Inquisitorial de Vieira. In: Ibéria. Rio de Janeiro, 5, 1961.  _____. Padre Antonio Vieira. Lisboa: Presença, 1985.  _____. Padre Antonio Vieira, a Obra e o Homem. 2ª ed. Lisboa: Arcádia, 1979.  _____. Antonio Vieira et Sor Juana Inés de la Cruz. In: Ploquete. Coimbra: Editora Coimbra, 1948.  FLORES, Luiz Felipe Baêta Neves. Palavra, Mito e História no Sermão dos Sermões do Padre Antonio Vieira. In: Colóquio/UERJ ‐ Narrativa,  Ficção e História. Rio de Janeiro: Imago, 1988.   _____. Imaginação Social Jesuítica e Instituição Pedagógica‐Maranhão e Grão‐Pará Século XVII. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional, 1984,  mimiografada.  GOTTAS, Marcy C. Bossuet and Vieira ‐ A Study in National, Epochal and Individual Style. Washington: The Catholic University of  America Press, 1953.  GRAHAM,  Thomas  Richard.  The  Jesuit  Antonio  Vieira  and  his  Plans  for  the  Economic  Rehabilitation  of  Seventeenth‐Century  Portugal. São Paulo: Divisão de Arquivo do Estado, 1978.  HANSEN, João Adolfo. Vieira, Estilo do Céu, Xadrez de Palavras. In: Discurso. São Paulo: FFLCH‐USP, 9, 1978.  _____. Prefácio. In: Alcir Pécora. Teatro do Sacramento. São Paulo: EDUSP, 1994.  HOLANDA, Sérgio Buarque de. Antônio Vieira. In: Capítulos de Literatura Colonial (organização e introdução de Antonio Candido).  São Paulo:   MENDES, Margarida Vieira. Apresentação Crítica. In: Sermões do Padre Antonio Vieira. Lisboa: Seara Nova, 1982.  _____. Vieira, Velásquez: questões de Mimesis. In: Afecto às Letras, Homenagem da Literatura Portuguesa Contemporânea a Jacinto do  Prado Coelho. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1984.  _____. A Oratória Barroca de Vieira. Lisboa: Editorial Caminho, 1989.  _____. Vieira no Cabo do Não ‐ os descobrimentos no Livro Anteprimeiro da Hsitória do Futuro. Claro‐Escuro. Lisboa: 6‐7, 1991.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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_____. L’apport de Vieira au Baroque: perdre le réferent, gagner le réel. In: Le Baroque Littéraire: théorie e pratiques (Actes du Colloque de  Paris). Paris: Fondation Calouste Gulbenkian, 1990.  _____.  Comportamento  profético  e  comportamento  retórico  em  Vieira.  In:  Actas  do  Primeiro  Congresso  Internacional  do  Barroco.  Porto:  Reitoria da Universidade‐Governo Civil, 1991.  MUHANA,  Adma  Fadul.  Os  Recursos  Retóricos  na  Obra  Especulativa  de  Antonio  Vieira.  Dissertação  de  Mestrado  em  Literatura  Brasileira, USP‐Serviço de Apoio Didático, 1989.  PALACIN, Luís. Vieira e a Visão Trágica do Barroco. São Paulo: HUCITEC‐INL‐Fundação Nacional Pró‐Memória, 1986.  PÉCORA, Antonio Alcir Bernárdez. Vieira: Teologia e Retórica (Um Projeto de Estudo). In: Estudos Portugueses e Africanos. Campinas:  IEL‐UNICAMP, 5, 1985.  _____. O Mistério Eficaz (Uma Análise do Sermão do Ssmo. Sacramento, 1645, de Vieira). In: Estudos Portugueses e Africanos. Campinas:  IEL‐UNICAMP, 10, 1987.  _____. O Demônio Mudo. In: O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.  _____. O Desejado. In: O Desejo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.  _____. Vieira segundo Bernardo Soares. In: Remates de Males. Campinas: IEL‐UNICAMP, 8, 1989.  _____. & OSAKABE, Haquira. Vieira, segundo Pessoa. In: Jornal da Tarde, 30/11/1985.  _____. Vieira segundo Fernando Pessoa. In: Estudos Portugueses e Africanos. Campinas: IEL‐UNICAMP, 7, 1986.  _____.  Teatro  do  Sacramento:  a  unidade  teológico‐retórico‐política  dos  Sermões  de  Antonio  Vieira.  São  Paulo:  EDUSP‐Editora  UNICAMP, 1994.  RÉVAH, L. S. Petite Contribution à la future édition des lettres du p. Antonio Vieira. In: Bulletin des études portugaises, 11, 1947.  RICARD,  Robert.  Prophecy  and  Messianism  in  The  Works  of  Antonio  Vieira.  Washington:  Academy  of  American  Franciscan  History, 1961.      Publicações Dialogarts 2008 – ISBN 978‐85‐86837‐XX‐X 

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SARAIVA, Antonio José. Le Per  e Antonio Vieira S. J. et la liberté des indiens. In: Bulletin de la Falcuté des Lettres de Strasbourg, 41 (8),  1963.  _____. Le Pe. Antonio Vieira et la question de l’esclavage des noirs au XVII siècle. Annales, 6, 1967.  _____. Antonio Vieira, Menassech Ben Israel et le Cinquième Empire. In: Studia Rosenthliana, 1, 1972.  _____. Rusticano, uma Fonte Joaquimista de Vieira. In: Studia Iberica. Bern‐Müchen, 1973.  _____. O Discurso Engenhoso. São Paulo: Perspectiva, 1980.  

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