Estabilidade e difusão de arranjos verticais de produção: uma contribuição teórica

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ESTABILIDADE E DIFUSÃO DE ARRANJOS VERTICAIS DE PRODUÇÃO: UMA CONTRIBUIÇÃO TEÓRICA1 Décio Zylbersztajn Antonio Carlos Lima Nogueira

Palavras chave : estabilidade e difusão de sistemas verticais, coordenação vertical. Preparado para o II Simpósio Brasileiro sobre a Nova Economia Institucional. UNICAMP, Março de 2001. Versão preliminar. Não pode ser citado sem a autorização do autor.

1. INTRODUÇÃO Os estudos de coordenação vertical representam um dos paradigmas da nova economia institucional na tradição de Ronald Coase, em especial a partir do conhecido artigo “ The Nature of the Firm”, de 1937. Desta vertente seguiu-se o desenvolvimento de relevante corpo teórico que busca explicar o padrão de governança das transações, com especial ênfase à integração vertical. Nesta linha destaca-se o trabalho de Williamson (1985)2, cuja proposição fundamental está centrada na existência de um padrão de eficiência minimizador dos custos transacionais induzindo os tomadores de decisão a arquitetar mecanismos de governança que alinhem as características das transações ao desenho dos contratos. A partir desta vertente a literatura vem apresentando um desenvolvimento útil tanto para os tomadores de decisão nas organizações, como para os agentes reguladores públicos, cuja preocupação está centrada na defesa da concorrência. Um dos temas que ganham importância é o da coordenação vertical contratual, e suas implicações para a gestão de sistemas de produção (chain management). Diversos autores em todo o mundo têm seguido

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Zylbersztajn,Decio. Professor titular do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo e Coordenador do Programa de AgronegóciosPENSA. Nogueira,A C.L. Aluno do curso de pós graduação em Administração da FEA-USP. 2 Williamson, O.E.1985. The Economic Institutions of Capitalism: Firms, Markets and Relational Contracts. New York. Free Press.

esta vertente, como se pode verificar no trabalho de Sauvée (1998)3, Cook e Chaddad(2000) , Zylbersztajn e Farina (1999)4 entre outros. A temática da coordenação vertical e do surgimento de relações contratuais específicas tem tido especial impacto nos estudos de cadeias de produção de alimentos. O sucesso na utilização desta teoria pode ser explicado pelo fato de que estas cadeias têm sofrido grandes transformações, seja no âmbito das tecnologias, seja no plano das mudanças institucionais que afetam o desenho das formas de governança. Ocorrem ainda mudanças do grau de especificidade dos ativos que caracterizam as transações nas cadeias verticais de produção em decorrência de mudanças tecnológicas e de alterações no padrão de especificidade temporal e de ativos relacionados ao desenvolvimento e manutenção de atributos de qualidade dos alimentos.

O objetivo do presente trabalho é contribuir para o desenvolvimento teórico em apoio à análise de sistemas verticais de produção e distribuição, introduzindo o conceito e desenvolvendo uma aplicação empírica do conceito de estabilidade e difusão do sistema produtivo. O artigo desenvolve um exemplo de sub-sistema vertical estável e plenamente difundido (avicultura) mas que apresenta intrigante coexistência de padrões de governança distintos. Outros exemplos podem ser trabalhados, representando sistemas verticais de produção instável, que vem encontrando severos problemas para se estabelecer, como é o caso da aliança mercadológica, na carne bovina no Brasil. O texto está estruturado em cinco partes, incluindo esta introdução. Na segunda são apresentados conceitos relevantes com base na economia dos custos de transação. Na terceira são discutidos os temas de estabilidade contratual, estabilidade de arranjos verticais cooperativos e é apresentado o conceito de difusão de sistemas verticais, representando o foco do estudo. Na parte quatro é discutido um exemplo de aplicação dos conceitos de estabilidade e difusão, o da avicultura industrial no Brasil.

As conclusões seguem na parte cinco. Os resultados indicam a

utilidade do conceito teórico, para o estudo de estratégias cooperativas em cadeias

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Sauvée,L.1998. Toward an Institutional Analysis of Vertical Coordination in Agribusiness. In The Industrialization of Agriculture. Royer,J.S. and Rogers,R.T.,eds 4 Zylbersztajn,D. e Farina,M.M.Q.1999. Strictly Coordinated Food Systems:Exploring the Limits of the Coasian Firm.International Food and Agribusiness Management review.vol2, n.2.

produtivas, bem como indica caminhos para a mensuração das variáveis, visando futuros testes empíricos.

2. REVISÃO DOS CONCEITOS CHAVE Governança das Relações Contratuais: Um aspecto central da teoria das organizações é o da coordenação das relações contratuais. Williamson define governança como a matriz onde a relação contratual se desenvolve na sua totalidade e sustenta o conceito de que as formas de governança observadas devem ser alinhadas com características das transações seguindo uma lógica economizadora de custos de transação. Esta lógica preconiza que, na presença de ativos específicos e sob condições de comportamento potencialmente oportunista dos agentes, estruturas de governança devem ser arquitetadas de modo a economizar em custos de transação, sempre com vistas ao manejo de ações oportunistas pós contratuais. A teoria dos contratos e incentivos refina e se soma à proposição de Williamson, buscando tratar o contrato como um instrumento que permite às partes o engajamento em esforço conjunto de produção, reduzindo os riscos de ruptura oportunística pós contratual. Esta é a contribuição proposta por Klein (1992)5. A teoria propõe que o desenho ou a escolha da forma eficiente de governança busca reduzir ou mitigar os riscos pós contratuais. Klein define a existência de limites de auto restrição à quebra contratual dentro dos quais os agentes são induzidos a manter os contratos. Entretanto, uma vez atingidos os limites, passa a ser possível a quebra contratual oportunística. Williamson (1985)6 elabora o conceito de governança das relações contratuais considerando a transação como unidade de análise que diferem nas suas características, demandando formas deferentes de governança dentro de uma perspectiva minimizadora de custos de transação. Ainda Williamson (1991)7 centra a sua atenção na questão da coordenação, analisando os impactos dos choques não antecipados sobre a capacidade de adaptação dos contratos. Classificou os choques como sendo não conseqüentes, conseqüentes e fortemente conseqüentes, alinhando-os à estrutura de especificidade dos 5

Klein,B.1992. Contracts and Incentives:the role of contracts terms in assuring performance. In Werin,L e Wijkander,H. Contracts Economics.Blackwell, 359pp. 6 Williamson,O.E.1985. The Economic Institutions of Capitalism.The Free Press, N.Y.

ativos presentes na transação particular. Transações sujeitas a choques conseqüentes ou fortemente conseqüentes, demandam formas de governança que privilegiam a capacidade de adaptação, de modo a permitir a absorção dos impactos de eventos não antecipáveis. Assim sendo a adaptação autônoma associa-se ao mecanismo indutor de preços, a adaptação cooperativa demanda instrumentos de governança que podem estar associados à integração vertical ou a contratos de longo prazo.

A Firma como Estrutura de Governança : A principal dimensão do trabalho de Williamson está centrada na proposição de que a teoria neo-clássica falha ao conceptualizar a firma como uma função de produção perdendo a oportunidade de explicar uma série de fenômenos organizacionais, que podem ser abordados sob a ótica da firma como uma estrutura de governança. Tal conceito representa uma crítica ao conceito da firma vista apenas como o resultado da maximização do lucro, permitindo incluir outros elementos comportamentais e, especialmente, a não neutralidade das instituições. Esta vertente representa, a micro-economia neo-institucionalista, que objetiva estudar as organizações sob o escopo dos limitantes impostos pelas instituições. Esta dicotomia, das organizações representando a visão micro e as instituições – sua gênese evolução e funcionamento - como a vertente macro-institucional, pode ser vista como a base da nova economia institucional.

Análise Institucional Comparada : A análise da firma como estrutura de governança levou à chamada análise institucional comparativa, que se distingue da análise marginalista, indicando a possibilidade da comparação de formas alternativas de governança com base na matriz institucional onde estas estão inseridas e na característica das transações. Segundo Williamson (2000) a importância da análise institucional comparada reside na proposição de que o movimento de uma forma organizacional para outra experimenta descontinuidades. A questão se volta ao exame dos fatores responsáveis por tais descontinuidades. Esta é uma proposição importante para o presente estudo.

7

Williamson,O.E.1991. Comparative Economic Organization.the Analysis of Discrete Structural Alternatives. Administrative Science Quarterly. 36:269-96.

Críticas e Alinhamentos Múltiplos : A análise de Williamson proporcionou uma ampliação do conhecimento da economia das organizações e permitiu o desenvolvimento de farta literatura que testa hipóteses com base nos pressupostos da economia dos custos de transação. A hipótese do alinhamento das estruturas de governança com as características das transações, em especial as medidas da especificidade dos ativos tem sido testada amplamente em estudos empíricos quantitativos. Testes com base em análise variáveis dependentes limitadas permitiram verificar empiricamente as relações entre as variáveis propostas. Estudos de duração de contratos permitiram testar hipóteses acerca do papel indutor da especificidade dos ativos e a redução de riscos de renegociação de contratos, apenas para citar duas das vertentes mais exploradas. As críticas à teoria também surgiram, em especial centradas no caráter estático da proposta da economia dos custos de transação. Assim Loasby (1998)8 explora o conceito de competências dinâmicas específicas como sendo geradoras de processos de dependência de rota 9 provenientes da soma de rotinas não replicáveis geradas dentro das organizações, que é um conceito nascido da teoria evolucionista da firma de Penrose (1959)10 . Também Langlois (1998)11 e (1997)12 apresenta críticas à abordagem de Williamson, em especial os aspectos de separação entre os custos de produção e de transação e a focalização do racional Kleiniano do efeito do risco da quebra contratual oportunística como fator indutor da integração vertical. Langlois cita Richardson, que considera que diferentemente do receio de quebra contratual como indutor da integração vertical, a inflexibilidade de ativos altamente específicos é que induz a escolha de formas organizacionais, mas por outros motivos, em especial a possibilidade de distribuir quase rendas ex-post. Assim, na tradição evolucionista da firma, o conhecimento e competências intrínsecas às estruturas de governança podem torná-las inflexíveis em face de mudanças

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Loasby,B.1998. The Concept of Capabilities. In Foss e Loasby (1998) Economic Organization, Capabilities and Co-Ordination. Routledge Studies in Business Organization and Networks. 9 Tradução livre do conceito de “path depandence”. 10 Penrose,E.1959. The Theory of the Growth of the Firm. Oxford. Basil Blackwell. Oxford University Press, ed. 1995. 11 Langlois,R.N. Capabilities and the Theory of the Firm.in Foss e Loasby,1998. Economic Organization, Capabilities and Coordination. Routledge Studies in Business Organization. 12 Langlois,R.N.1997 Transaction Cost Economics in Real Time. In Resources Firms and Strategies. Oxford Management Readers.

Schumpeterianas. Nestas circunstâncias novas estruturas de governança podem emergir e prosperar (Langlois, 1998, p. 197). O autor destaca a crítica da falha na operacionalização da economia dos custos de transação (1998, p. 189.), o que coincidentemente é o mesmo tipo de crítica que Williamson(2000)13 faz à teoria com base nas competências, esta crítica centrada na falta de uma unidade de análise definida, em contraste com a economia dos custos de transação que define a transação como unidade analítica. Também o autor menciona a diferença imposta pelo pressuposto de racionalidade orgânica intrínseca à teoria evolucionista, em contraste à racionalidade limitada originada por Simon, adotada pela economia dos custos de transação, como sendo um caráter diferencial entre os dois enfoques.

De interesse para o presente estudo está o tema do alinhamento entre estrutura de governança e característica dos contratos, dado determinado ambiente institucional, segundo o qual espera-se a convergência das formas de governança. Assim sendo faz-se necessário explicar a pluralidade de estruturas de governança observadas mas que dividem características similares nas transações. O que pode explicar a pluralidade de formas observadas? A economia dos custos de transação não negligencia aspectos de dependência de rota, mas privilegia o efeito do ambiente institucional como gerador de diferentes resultados de alinhamento mesmo quando as características das transações são as mesmas. Já a teoria das competências dinâmicas privilegia a existência de rotinas específicas e não transferíveis, para explicar a co-existência de padrões distintos de governança. Para o presente estudo considera-se que são plausíveis as seguintes explicações : -

existência de padrões de governança diferentes explicados por

dependência de rota. -

existência

de

padrões

explicados

por

diferentes

ambientes

institucionais.

13

Williamson,O.E.2000. Why Law, Economics, and Organization? UC Berkeley Public Law and Legal Theory Working Paper Series. Social Science Research Network Paper Collection , http://papers.ssrn.com/paper.taf?abstract_id=255624.

-

existência de padrões de desequilíbrio, representando ajustes entre

formas de governança atuais e futuras, movidas por modificações nas características das transações. -

existência

de

padrões

distintos

impostos

por

competências

diferenciais, desenvolvidas a partir de rotinas específicas intransferíveis.

Cadeia Produtiva e Redes : Um desenvolvimento derivado desta base teórica aplicase à organização de contratos entre diferentes agentes ao longo de uma cadeia produtiva, garantindo que um determinado produto, ou conjunto (bundle) de serviço e produto, cheguem ao consumidor. Esta análise foi definida na literatura como um “sub-sistema estritamente coordenado”, referindo-se à definição de estratégias complementares e dependentes, de forma cooperativa. Assim os diferentes arranjos contratuais entre, por exemplo, agricultores, indústria processadora e supermercado, amparados por um intermediário financeiro, pode configurar um conjunto magnificado de transações coordenadas de modo quase hierárquico. Em tais casos, os contratos de longo prazo substituem a hierarquia e os agentes comportam-se como uma firma Coasiana expandida (Zylbersztajn e Farina, 1999)14. Certamente os arranjos contratuais assim estabelecidos podem apresentar vantagens em face da concorrência, oferecendo atributos especiais do produto para o consumidor, sendo bastante comuns nas cadeias de alimentos. A estruturação de contratos verticais de longo prazo podem, entretanto, estar sujeitos a impactos externos, tais como descritos por Williamson (op. cit). Assim não apenas diferentes sub sistemas coordenados irão competir entre si, como serão provados pelo ambiente, em termos da estabilidade do arranjo contratual de longo prazo, em substituição à integração vertical plena. O presente artigo define a estabilidade do sub sistema estritamente coordenado e destaca três dimensões dele derivadas:

-

14

capacidade de absorver impactos

Zylbersztajn,D e Farina,E.M.M.Q.1999. Strictly Coordinated Food-Systems:Exploring the limits of the Coasian firm. International Food and Agribusiness Review, 2(2):249-265.

-

capacidade para resolver disputas (impactos distributivos), e

-

difusão de sub sistemas estáveis.

A primeira dimensão destaca os mecanismos organizacionais construídos cooperativamente pelos agentes da cadeia, de modo a antecipar ou identificar os choques externos, avaliando os impactos em cada agente presente no sub sistema. A segunda dimensão destaca o desenho de mecanismos que visem a solução dos problemas distributivos resultantes das necessárias adaptações aos choques externos. Finalmente, a terceira dimensão discute o padrão de difusão de sistemas estáveis, que devem deslocar a concorrência, calcada em formas menos eficientes de organização. Quando as duas primeiras dimensões são tratadas de modo eficiente (estruturas de governança alinhadas às características dos contratos), a organização tende a sobreviver aos impactos externos. Caso contrário o arranjo pode ter vida curta, ou nem mesmo chegar a se estabelecer.

3. ESTABILIDADE E DIFUSÃO O tema da estabilidade das relações contratuais tem sido intensamente estudado na literatura de economia dos custos de transação, predominando a análise de um único contrato entre duas partes. Assim, Masten(1998)15 discute o tema , revisando as teorias formais de contratos e distingue os contratos implícitos, dos acordos auto garantidos e os contratos verdadeiros, que para o autor são aqueles passíveis de garantia legal. O autor destaca o papel das cortes no asseguramento do cumprimento contratual. Há que se destacar o surgimento de farta literatura centrada no tema da duração dos contratos como em Joskow (1988)16 e renegociação de contratos, como em Hart e Moore (1988)17. Literatura relacionada é a de sobrevivência de contratos como utilizado por Haris e Holstrom (1987)18 e Zylbersztajn e Lazzarinni (1997)19 aplicado ao tema da sobrevivência de contratos na indústria de sementes no Brasil.

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Masten,S.E.1998. Contractual Choice. In Encyclopedia of Law & Economics. B. Boukaert a D de Geest editors. Edward Elgar Publishing and the University of Ghent. 16 Joskow,P.L.1985. Vertical integration and long term contracts. The case of coal burning electric generation plants, Journal of Law Economics, and Organization 1, 33-79. 17 Hart,O.D e Moore,J.1988. Incomplete contracts and renegotiation. Econometrica 56, 755-85. 18 Harris,M e Holmstrom,B.1987. On the duration of agreements. International Economic Review. V.28, 2:389-406.

Esta literatura está basicamente centrada em uma relação contratual única entre dois agentes. Entretanto a maioria das arquiteturas organizacionais observadas, relaciona em uma única estrutura um conjunto de firmas que se coordenam visando atingir o mercado. Nos estudos de cadeias produtivas de alimentos, são muitos os autores que adotam tal enfoque. Esta análise assume que um conjunto de agentes adotará estratégias comuns de forma espontânea. Ou seja, os estudos de coordenação vertical preconizam o funcionamento de uma série de contratos entre agentes independentes, coordenados por diferentes mecanismos de governança. Em um caso extremo, todos os contratos estariam sob a coordenação hierárquica de uma única firma, ocorrendo a integração vertical plena. No outro extremo, o sistema de preços faria o papel de coordenador da produção e distribuição, à moda de Hayek. A maioria das formas de governança complexas observadas apresentam soluções afastadas dos extremos, baseando-se em sistemas de contratos de longo prazo, em geral uma mescla de contratos formais, verdadeiros nos dizeres de Masten, e informais, assegurados por compromissos de confiança calculativa ou de reputação.

3.1. Estabilidade de Arranjos Verticais de Produção O tema da estabilidade de múltiplos contratos simultâneos foi pouco discutido na literatura. De certa forma a literatura de alianças estratégicas pode lançar alguma luz sobre o tema, tal como tratado por Kay(1998)20 . Entretanto, visto como uma firma Coasiana ampliada, um sistema vertical produtivo representa um desafio de coordenação muito mais complexo do que o de uma firma individual. O tema foi abordado por Zylbersztajn e Farina(2000) tratando a governança como um sub sistema estritamente coordenado, distinto de um grupo estratégico por lidar com relações intersetoriais e por lidar com estratégias coletivas voluntárias. Visto sob a ótica da coordenação um sistema organizado verticalmente reúne agentes especializados em etapas distintas da produção e que portanto podem ter ativos especializados, ou co-especializados

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Zylbersztajn,D e Lazzarini,S.G.1997. On the survival of contracts:A study of contract stability in the Brazilian seed industry. Artigo apresentado na Conferência da International Society for the New Institutional Economics, St. Louis, USA. 20 Kay,N.M.1998. Clusters of Collaboration:The firms, joint ventures, alliances and clubs. In Foss,J.N. e Loasby,B.J. Economic Organization, Capabilities and Co-ordnation.

sob a ótica de Teece e Pisano(1994)21. O valor dos investimentos específicos é maior no uso dentro do sistema vertical do que no seu melhor uso alternativo. Isto mantém a decisão de permanecer no sistema. Entretanto isto não resolve o problema da estabilidade. Um agente pode deixar o sistema, sem que exista uma ruptura no mesmo. Ou, alternativamente, pode haver agentes cujo aporte seja a chave para o funcionamento, sem o qual o arranjo vertical deixa de funcionar. A estabilidade passa, mas não se limita, pela existência de um agente coordenador, que terá a possibilidade de agir de forma quase-hierárquica. O rearranjo dos contratos em face de eventuais choques externos,

pode demandar ações estritamente

coordenadas, tal como posto por Williamson, o que desabilita os arranjos coordenados pelo sistema de preços, a operar. A estabilidade do sistema demanda a existência de um agente com a capacidade de resolver conflitos distributivos que ocorrerão sempre que houver choques externos impactando o grupo. Em especial a motivação para atuar no grupo, dependerá da possível perda de valor do ativo co-especializado, o que indica um racional possível para explicar a coesão de grupos heterogêneos e que estarão sempre competindo por margens. Se é difícil permanecer no grupo, é impossível sobreviver fora dele.

3.2. Difusão de formas de Governança Organizações podem operar em sistemas verticais de produção se ordenando de modo a adotar estratégias conjuntas sob a coordenação de algum agente especializado. A finalidade é atingir o mercado de modo a utilizar com vantagens os ativos especializados. Tais arranjos têm identidade, tanto entre si, como podem gerar um reconhecimento diferenciado pelo seu público alvo, portanto não se tratam de ações anônimas. Os arranjos verticais estratégicos operam como firmas Coasianas, estando sujeitos às mesmas pressões de uma firma tradicional. Sejam pressões competitivas, sejam conflitos contratuais de agência, risco de transferência de valor de ativos específicos e também competem com outros arranjos verticais de produção que atuam no mesmo setor. As franquias, certas alianças estratégicas verticais são exemplos representativos, nos quais a

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Teece,D.J. e Pisano,G. 1994. The Dynamic Capabilities of Firms: Na introduction. Industrial and Corporate Change, 3:537-556.

fronteira de eficiência da firma deixa de ser importante, cedendo lugar a uma rede de relações entre organizações. Dentro de uma perspectiva comparativa, se uma forma de governança superior se apresenta, logrando alinhar as características das transações ao padrão de coordenação vertical e ainda o faz de modo coordenado adotando estratégias conjuntas, poderá passar a ser a forma de governança dominante. Se assim for, pode haver um processo de difusão da arquitetura adotada pelos participantes do sistema. Se for uma governança minimizadora de custos de transação, poderá dominar e vir a ser o padrão exclusivo de arquitetura contratual, eliminando outros arranjos existentes. O padrão de difusão será afetado por três fatores fundamentais; primeiro pela existências de fatores não copiáveis do tipo de competências dinâmicas, gerados entre os agentes especializados que fazem parte do sub sistema coordenado, segundo pelo ambiente institucional onde se desenvolve o arranjo coordenado e terceiro, por barreiras à entrada do tipo tecnológica, sob controle do grupo. Na ausência destas barreiras pode se esperar que o padrão difunda-se, tornando-se dominante ou homogêneo, eliminando as alternativas menos eficientes sob a ótica dos custos de transação. Se considerarmos duas formas alternativas de arquitetura de coordenação vertical, representadas por Fa e Fb cuja diferença não tenha conotação tecnológica mas apenas de arquitetura contratual interna entre os agentes que atuam na cadeia vertical de produção, na ausência de obstáculos institucionais, de barreiras à entrada e sem o desenvolvimento de competências dinâmicas distintivas, espera-se um padrão de difusão do padrão superior. Se espera-se que ao longo do tempo um determinado padrão passe a ser adotado por mais sistemas verticais de produção, tal processo pode ser representado por uma curva logística, que apresenta características conhecidas e que foi utilizada na literatura para representar processos contínuos de difusão. Por exemplo, Griliches(1957)22 adota uma representação logística para modelar o processo de difusão da tecnologia de milho híbrido na agricultura norte americana. O modelo permite definir os parâmetros do limite da

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Griliches,Z.1957. Hybrid Corn: An exploration in the economics of technological change. Econometrica, vol 25-n.4:501-522.

proporção de adotantes, a taxa da difusão da tecnologia e o posicionamento da curva na escala de tempo.

A figura 1 apresenta o modelo mencionado, indicando os parâmetros de interesse.

Figura 1. Modelo logístico adotado para representar fenômenos de crescimento.

Y (t)

(t)

Y (X) = I

+e

K - (a+bt)

-

onde a é a constante que posiciona a curva

-

b é a taxa de crescimento

Fonte : Griliches(1957)

Tal modelo pode representar o fenômeno de difusão de formas de governança, e pode ser útil para se focalizar dois dos seus parâmetros, o nível máximo de adoção de um padrão de coordenação e a taxa de difusão ou de crescimento da adoção de um padrão contratual. O modelo parte do pressuposto de que formas alternativas de governança podem coexistir, mas que em termos de análise comparativa , haverá um padrão superior. O problema pode ser trabalhado na literatura para explorar as explicações para diferentes níveis de k e de diferentes taxas de crescimento, contribuindo para a explicação da coexistência de Fa e Fb. O primeiro tratamento para o problema pode ser a análise do ambiente institucional, onde aspectos existentes no início do processo podem levar à indução de uma única forma de governança entre os atores de um sistema produtivo vertical, ou impedir a implantação de um memso padrão, em regiões que não repliquem os mesmos incentivos institucionais. O segundo , ou seja a taxa de adoção de um padrão de governança, pode ser explicado pelas competências específicas entre os participantes do sistema vertical, onde se estabelecem processos de dependência de rota, que podem funcionar como aceleradores do processo de difusão. Visto sob outro ângulo, as competências específicas e diferenciais, caso se estabeleçam entre agentes independentes em determinado sistema vertical coordenado, funcionam como um impedimento à copiabilidade do modelo de arquitetura, protegendo as vantagens obtidas pelos participantes do sistema. Certamente a literatura de competências dinâmicas ainda pode se desenvolver para explicar o surgimento de rotinas entre organizações. Neste capítulo o estudo introduziu alguns elementos explicativos do caráter da estabilidade de arranjos produtivos verticais, bem como explorou elementos explicativos da difusão de mecanismos de governança.

4. EXEMPLO : INDÚSTRIA AVÍCOLA NO BRASIL A co-existência de diferentes modelos de governança em sistemas produtivos de alimentos sempre foi tema de investigação e análise. Se a teoria sugere que, em dadas circunstâncias deve haver uma forma de governança eficiente comparada a uma segunda, como explicar a persistência de formas distintas.

O caso da avicultura industrial no sul do Brasil parece ser de interesse para exemplificar o modelo de difusão de uma forma contratual de governança bem como explorar elementos de estabilidade contratual. Em especial questões de descontinuidade sugeridas por Williamson (op. cit) serão tratadas. Com a entrada da soja no Brasil, no início dos anos 70, iniciou-se a avicultura industrial, que acompanhou a evolução da oferta do grão. A tecnologia genética e de produção vinham se desenvolvendo em outros países e podia ser importada sem problemas. Em poucos anos, desenvolveu-se um sistema coordenado de produção com base em contratos entre um grande número de produtores de aves e as indústrias de processamento. Tal sistema evoluiu para uma rede de relações que envolvem também a indústria de genética, de medicamentos veterinários, rações e um complexo sistema de distribuição. No estado de Santa Catarina o modelo levou rapidamente à adoção desta forma de organização contratual fortemente coordenada pela indústria, que define a tecnologia de produção, oferece os animais e os recebe para o abate e processamento. Não sendo uma integração vertical plena, dado que é mantida a unidade das firmas, o conjunto da operação pode ser visto como um sistema quase hierárquico, característico dos países com avicultura industrial desenvolvida. Se o modelo mostrou-se altamente eficiente sob a ótica da coordenação fina da produção, permitindo adaptações rápidas coordenadas pela indústria, por outro lado, o modelo não se replicou no Estado de São Paulo, onde o nível de difusão estabilizou-se em patamar menor do que o observado em Santa Catarina. Como explicar que um modelo superior de coordenação não tenha tido o mesmo padrão de difusão em regiões diferentes, dada a mesma tecnologia disponível? A figura 2 ilustra duas situações, com base no modelo logístico de difusão do padrão de governança. Em Santa Catarina a adoção foi rápida e o nível de adoção chegou a quase cem por cento. Por outro lado, no Estado de São Paulo, a taxa foi menor bem como o patamar. Quais as possíveis explicações para estas diferenças observadas?

Figura 2: Difusão do padrão de governança na indústria de aves em Santa Catarina e em São Paulo.

%

Ko (Santa Catarina)

ki (São Paulo)

(t)

Fonte : Entrevistas com produtores/o autor23

No sul do Brasil, em especial em Santa Catarina, algumas lideranças empresariais tiveram êxito em introduzir o sistema contratual, que envolve mais do que apenas os produtores e a indústria, mas também empresas de genética e de fármacos veterinários, configurando pois um sistema complexo. No início das atividades, estas lideranças

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Os dados quantitativos estão sendo coletados, de modo a permitir maior precisão na informação. A representação é apenas qualitativa, com base em dados levantados com agentes do sistema.

conseguiram obter apoio institucional que incluiu empréstimos a taxas preferenciais, para os investimentos em ativos altamente específicos que os avicultores deveriam fazer. Tal arranjo institucional permitiu que o modelo já se implantasse sob a forma coordenada que o caracterizou nas últimas três décadas. Ainda que o modelo permitisse a existência de risco de ruptura contratual oportunística, o efeito presente deste fator foi minimizado pela ação de políticas públicas de investimentos. Ao longo do tempo houve situações onde a organização coordenadora atuou de modo a lidar com impactos de choques externos, como por exemplo lidando com o controle de doenças do rebanho e com apoio de assistência técnica. Os problemas de disputas dentro do sistema eram minimizados, seja pela característica de especificidade locacional da transação entre os produtores e a indústria, que confere poder para a segunda, como também pela inexistência de alternativa para o produtor e o acoplamento desta atividade dentro de um conjunto de atividades produtivas que os produtores locais desenvolvem. No Estado de São Paulo, desenvolvia-se uma produção independente, que ganhava escala, mas que não estava atrelada à indústria, nos mesmos moldes observados em Santa Catarina. Produtores adotavam a mesma tecnologia das outras regiões, entretanto agentews intermediários especializados surgiram estruturando a relação entre os produtores dispersos e as indústrias de abate ou processamento. Muitos destes intermediários passaram a produzir, tornando-se grandes produtores. Quando o desenho de coordenação contratual adotado em Santa Catarina tornou-se conhecido, e sendo perfeitamente replicável, passou a ser adotado, entretanto não chegou a atingir o mesmo patamar observado no sul do país. Ambos casos diferem tanto no nível de k, como na taxa de mudança de um padrão coordenado pelo mercado, para um padrão de coordenação contratual. No caso do sul formou-se um conjunto de produtores integrados por contrato, muitos dos quais atuam dentro do sistema por décadas, e que desenvolveram rotinas conjuntas com a empresa coordenadora do sistema. Há que se considerar o fato de que a alternativa para o produtor é inexistente, o que leva a uma relação de dependência, configurando um sistema quase hierárquico. No caso do Estado de São Paulo, a existência das duas formas de governança limitam as ações da indústria, posto que existe alternativa para o produtor, em caso de ruptura contratual.

Assim, refletindo sobre os quatro elementos explicativos para a co-existência de padrões distintos de governança, podemos considerar que: -

O ambiente institucional distinto permitiu a rápida adoção de um padrão de governança no Estado de Santa Catarina. De modo específico, o governo atuou facilitando a inserção do pequeno produtor, na forma de um programa com impacto social, que reduziu os custos associados a quebra contratual.

-

Dependência de rota se estabeleceu, a partir da iniciativa facilitadora, muitos outros produtores se interessaram em participar do sistema coordenado.

-

Competências dinâmicas entre os participantes do modelo podem ter emergido, embora seja mais difícil de identificar. Mecanismos informais de solução de disputas, associações entre os produtores e programas de treinamento coletivos são visíveis evoluções desta forma de organização.

-

As características das transações não explicam as diferenças entre a organização das duas regiões.

O tema do desequilíbrio e dos fatores de descontiniudade mencionados por Williamson representa um aspecto ainda motivador no presente estudo. Se formas de governança alternativas podem co-existir como pontos de desequilíbrio em um processo de ajuste, isto ainda é um tema aberto à análise empírica. Estas descontinuidades também podem ter caráter permanente, caso se consiga dar suporte às hipóteses baseadas em competências dinâmicas, rotinas específicas desenvolvidas entre firmas. Esta hipótese, se tem um apelo conceitual, é de difícil operacionalização. As outras explicações, são mais condizentes com o estado dos estudos empíricos atual, que encontram evidências que suportam o papel das diferenças institucionais e diferenças na especificidade dos ativos. Promissora análise empírica pode ser desenvolvida caso se consiga identificar processos de ajuste de formas de governança permitindo primeiro identificar diferenças e processor de desequilíbrio e segundo, testar hipóteses para distinguir os fatores indicados no presente artigo.

5. CONCLUSÕES: O presente estudo procurou estruturar elementos teóricos para analisar desequilíbrios entre formas de governança. A possibilidade de que existam formas observáveis, mas que sejam transitórias pode reforçar as explicações com base na economia dos custos de transação, baseadas nas vantagens de eficiência do alinhamento entre características das transações e formas de governança. A análise de arranjos de governança envolvendo sistemas produtivos verticais com muitos atores representa um desafio de generalização dos modelos até hoje desenvolvidos, centrados nas relações entre dois agentes. Tal consideração nos leva a buscar caminhos de interação com teorias de decisão coletiva, como a proposta por Olson(1965)24. Também merece aprofundamento a interface entre as teorias com base em recursos (resource based theory) e de competências dinâmicas e a economia dos custos de transação. Ainda que pairem

distinções

conceituais

(pressuposto

de

racionalidade)

e

também

da

operacionalização das variáveis (competências e rotinas), certamente também existe espaço para a exploração dos conceitos comuns como a dependência de rota e ativos co especializados.

24

Olson,M.1965. The logic of collective action: Public Goods and the Theory of Groups.Harvard University Press.

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