ESTABILIDADE INSTITUCIONAL, LEGITIMIDADE E CRISE: ASPECTOS DE UMA DOUTRINA LIBERAL DO DIREITO
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LIBERALISMO JURÍDICO & DEMOCRACIA A Interface entre Liberdade e Igualdade
ESTABILIDADE INSTITUCIONAL, LEGITIMIDADE E CRISE: ASPECTOS DE UMA DOUTRINA LIBERAL DO DIREITO Prof. Dr. Fabricio Pontin1 Ms. Carlos Roberto Bueno Ferreira 2 Ms. Camila Barbosa3 Resumo O liberalismo político parece sempre se debater em torno de duas questões fundamentais, a da estabilidade institucional e da legitimidade do poder constituído. Essas são questões que se expressam, de forma geral, na modificação de dois ideais tipicamente modernos, de um lado, o problema da liberdade individual e, de outro, o da igualdade política. Nesse artigo gostaríamos de, inicialmente, fazer uma recapitulação dos principais pontos relacionados com a questão da liberdade individual e da igualdade política John Locke. Ao abordar liberdade e igualdade em Locke podemos indicar melhor como o liberalismo político pressupõe o direito como mecanismo de reconhecimento de um espaço negativo para a liberdade individual, e positivo para a igualdade político. Em um segundo momento, indicamos como a tensão entre liberdade individual e igualdade política estabelece um paradoxo interessante – talvez já antecipado pelo próprio Locke – para o direito contemporâneo, e sobretudo para perspectivas liberais que pretendem dar uma resposta em momentos de crise institucional e democrática. Palavras Chave: Liberalismo, Contrato Social, Democracia 1
PhD em Filosofia (Southern Illinois University, Carbondale), PNPD-CAPES, Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PUCRS. 2 Doutorando em Filosofia pela PUC-RS (Capes). 3 Mestranda em Filosofia pela PUC-RS (Capes). 19
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Contrato, Sociedade e Liberdade: participa do consenso liberal?
Quem
O contrato social de Locke é, sem sombra de dúvida, um contrato social de homens livres. Mas quem são esses homens livres, para Locke? Homens livres em Locke são aqueles que realizam um
processo
de
apropriação.
A
realização
intelectual e individual do homem através do trabalho
lhe
intencionalmente
permite com
um
relacionar-se
maior
número
de
objetos, essa relação entre conhecimento e poder é
central
para
individualidade
a em
realização Locke,
do e
espaço
permite
de que
indivíduos que realizam melhor suas capacidades inatas possam se apropriar de um maior número de bens. A realização de uma potencialidade intelectual e manual, em Locke, reflete-se na extensão de
bens
externos
obtidos por um
indivíduo. Se o Estado não reflete o mérito desse indivíduo na sua acumulação de bens, então o indivíduo não verá qualquer vantagem em aderir ao Estado e ao Governo Civil - ou irá se juntar com outros indivíduos com inclinações similares e 20
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procurar constituir um Estado que atenda ao seu próprio interesse de forma mais efetiva. Assim, o Estado de Locke é um Estado de “kindred spirits”, é uma comunidade de pares voltada para a manutenção dos termos da própria comunidade. Se, em Hobbes, o Estado nasce em defesa de uma ideia de sociedade de iguais, de uma linguagem comum para todos os membros da sociedade civil, em Locke o Estado reafirma um compromisso com os interesses de quem trabalhou mais pelo Estado. Gostariamos de destacar aqui um trabalho pouco explorado em Locke, mas que parece-nos seminal para o entendimento das consequências político-normativas do liberalismo de Locke: a Constituição primeira
Fundamental
constituição
das
das
Carolinas,
então
a
Colônias
Subordinadas à coroa Inglesa, redigida por Locke e Lord Ashley em 1669. Locke caiu nas graças de Lord Ashley, curiosamente, em decorrência do seu trabalho como médico. Lord Ashley r estava muito doente quando Locke foi chamado para tentar salvar o já desenganado nobre. Provavelmente por sorte, 21
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considerando o estado da arte da medicina da época,
Locke
salvou
Lord
Ashley,
e
Ashley
agradece Locke, oferecendo-lhe a oportunidade de ser seu consultor e confidente (ARNEIL,1996, p.118). Lord
Ashley
detinha
uma
parcela
considerável do domínio das terras da coroa inglesa nas Carolinas, mas, assim como outros membros do establishment da coroa inglesa, havia
subestimado
a
medida
na
qual
as
populações nativas tinham domínio do espaço das Carolíneas, o que estava criando uma série de crises entre a população nativa e a população inglesa tentando exercer domínio sobre a região (ARNEIL, 1996, pp. 124-5). Locke viu nessa situação algo interessante. A população nativa, de fato, exercia domínio e trabalho sobre a região. A população nativa demandava direitos, e os colonizadores ingleses não tinham meios para impor um novo status quo. A solução de Locke, então, é afirmar, no artigo noventa e sete da convenção que: [s]ince the natives of that place, who will be concerned in our plantation, are utterly 22
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strangers to Christianity, whose idolatry, ignorance, or mistake gives us no right to expel or use them ill; and those who remove from other parts to plant there will unavoidably be of different opinions concerning matters of religion, the liberty whereof they will expect to have allowed them, and it will not be reasonable for us, on this account, to keep them out, that civil peace may be maintained amidst diversity of opinions, and our agreement and compact with all men may be duly and faithfully observed; the violation whereof, upon what presence soever, cannot be without great offence to Almighty God, and great scandal to the true religion which we profess; and also that Jews, heathens, and other dissenters from the purity of Christian religion may not be scared and kept at a distance from it, but, by having an opportunity of acquainting themselves with the truth and reasonableness of its doctrines, and the peaceableness and inoffensiveness of its professors, may, by good usage and persuasion, and all those convincing methods of gentleness and meekness, suitable to the rules and design of the gospel, be won ever to embrace and unfeignedly receive the truth; therefore, any seven or more persons agreeing in any religion, shall constitute a church or profession, to which they shall give some name, to distinguish it from others. (LOCKE, 1997, p.178)
É interessante perceber que em momento algum Locke tenta relativizar a superioridade da crença que, para ele, é o status quo. A religião 23
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cristã é superior, e mais pura, mas a população nativa exerce domínio e apropria as próprias crenças. Ela faz isso de forma livre e organizada. Há um status quo local, no qual Locke reconhece uma liberdade. Na medida que esses indivíduos são capazes de demandar e defender a propria forma de vida, então eles são “proprietários” e capazes de demandar direito. Na linguagem de Locke isso quer dizer que eles conquistaram o direito de exercer a própria religião e de não serem perturbados em seus domínios. Assim, Locke, em 1669, ganha elogios até de Voltaire pelo seu comprometimento com a tolerância religiosa. Mas seria profundamente anacrônico dizer que existe um direito à tolerância religiosa em Locke da mesma forma que compreendemos tolerância religiosa hoje. Por um lado, Locke expressa todo o potencial da doutrina liberal enquanto
mecanismo
de
reconhecimento
de
direitos. Mas ele faz isso a partir de uma compreensão de direitos incompatível com a nossa leitura contemporânea de direitos enquanto incondicionados à competência do agente. Na 24
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realidade, nós até construímos mecanismos de compensação por injustiças históricas ou para agentes que consideramos incapazes. Em Locke, tal tipo de compensação não é auto evidente. O
grande
defensor
da
liberdade,
ao
defender a correlação entre exercício de liberdade e poder de manutenção daquilo que temos posse, acaba por defender a possibilidade de que um homem seja completamente submisso a outro, tal qual um pedaço de terra. No segundo tratado sobre o direito civil, Locke escreve: 85. Senhor e servo são nomes tão antigos quanto a história, mas dados a indivíduos de condições bem diferentes; um homem livre torna-se servidor de outro quando lhe vende um certo tempo de serviço que realiza em troca de um salário que deve receber; e embora isso em geral o coloque dentro da família de seu senhor e recaia sob o jugo da disciplina geral que a comanda, isso proporciona ao senhor um poder temporário sobre ele, mas não maior que aquele contido no contrato entre eles. Mas há uma outra categoria de servidores, a que damos o nome particular de escravos, que, sendo cativos aprisionados em uma guerra justa, estão pelo direito de natureza sujeitos à dominação absoluta e ao poder absoluto de seus senhores. Como eu disse, estes homens tiveram suas vidas capturadas, e com elas suas liberdades, perderam seus bens – e estão, no estado 25
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de escravidão, privados de qualquer propriedade – e não podem nesse estado não poder ser considerados parte da sociedade civil, cujo principal fim é a preservação da propriedade. (LOCKE, 2000, p. 57)
Locke, aqui, faz a defesa de duas formas de servidão. A primeira seria a chamada servidão voluntária, onde um indivíduo cede parte de sua força para realizar a vontade de outrem em troca de alguma compensação financeira ou pessoal. Nesse caso, o indivíduo mantém alguma medida de auto respeito e integralidade pessoal. No entanto,
o
modo
de
servidão
involuntária,
chamado escravidão, é tal que um indivíduo, através do próprio trabalho e força, pode tomar posse
da
integralidade
da
pessoa
de
outro
indivíduo, que esvazia-se de toda personalidade no
serviço
àquele
que
agora
detém
sua
propriedade. A
escravidão
em
Locke,
então,
é
o
resultado de uma falha individual no exercício da própria potencia individual de um povo ou de um indivíduo. Ao esvaziar o poder de demanda, o
26
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indivíduo
agora
ainda
pode
demandar
reconhecimento, demandar tolerância? Cremos que Locke perguntaria: pois bem, com qual poder? O indivíduo certamente ainda tem alguma medida de livre-arbítrio, mas é um livre-arbítrio
literalmente
acorrentado.
Locke
talvez achasse a escravidão repugnante (embora isso não tenha o impedido de ser dono de escravos),
mas
ele
também
achava
que
a
principal pessoa culpada pela escravidão era o escravo. Isso é resultado, fundamentalmente, da compreensão de pessoa que encontramos em Locke. A noção de pessoa está ligada à ideia de liberdade, e liberdade é resultado de um processo de apropriação, resultante do trabalho. Locke talvez tenha sido o primeiro a compreender o ethos da sociedade capitalista que ele, na origem, tentava compreender: propriedade e trabalho levam à realização da liberdade. Essa, se vocês nos perdoam o trocadilho, ética protestante que reconhece em si o espírito do capitalismo enquanto a realização de uma comunidade de “kindred men” estabelece os termos da tolerância em Locke. Nessa sociedade, 27
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a servidão voluntária é o reconhecimento que entre pares podem existir homens com diferentes tipos de interesse, com diferentes objetos que pretendem trocar, e com diferentes dimensões de valor para aquilo que lhes é próprio. Entre esses homens, as demandas de
reconhecimento e
tolerância recíprocas são tão proporcionais quanto as suas relações mercantis. Eu reconheço no meu par alguém que pode eventualmente me opor um domínio, e que, portanto, eu devo respeitar se não como igual, como alguém capaz de responder meus avanços. O reconhecimento, na constituição das Carolíneas, dos direitos de propriedade e de liberdade religiosa da população nativa é um resultado dessa dimensão de respeito. Há uma relação de servidão mútua entre os colonizadores e a população nativa, onde a co-dependência cria um status quo interessante para as duas partes. O contrato social expressa bem essa situação. Mas a mesma constituição das Carolíneas que diz que nenhuma legislação será feita sobre a religião no artigo 109 (“No person whatsover shall disturb, molest, or persecute another for his 28
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speculative opinions in religion, or his way of worship”),
que
inspirou
Thomas
Jefferson
a
escrever, em 1791, 130 anos depois, na primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos da América
que
respecting
an
“Congress
shall
establishment
make of
no
law
religion,
or
prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition
the
Government
for
a
redress
of
grievances”(ARNEIL, 1996, p.196), diz no artigo 110 que “Every freeman of Carolina shall have absolute power and authority over his negro slaves,
of
what
opinion
or
religion
soever”
(LOCKE, 1997, p.180). Vejam, a sociedade é tolerante entre coproprietários.
Escravos
negros
podem
ter
a
opinião ou religião que bem entenderem e ainda assim estão subjugados ao poder absoluto de seus proprietários - eles não têm livre arbítrio para exercer a própria liberdade e, portanto, não podem demandar qualquer tolerância. Ou seja, ainda que sejam livres para pensar uma religião, eles não têm poder suficiente para demandar 29
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tolerância. E se eles não têm esse poder para demandar, por que qualquer indivíduo deveria abrir mão de exercer poder sobre eles? Locke
tem
muito
pouca
simpatia
por
pessoas em posição de opressão material. Na sua dimensão de sujeito, esses indivíduos têm todas as condições para sair dessa situação. Veja, ele acha
que
revoltarem
os
escravos
e
demandar
têm a
poder
para
se
própria liberdade.
Parece-nos que Locke espera que os escravos se revoltem e exijam respeito e reconhecimento. Ao contrário de Hobbes, que abominava o dissenso e a revolução, Locke parece pensar que revoluções são excelentes formas de evitar tiranias. Diante de justificativas históricas para a situação atual de impotência, Locke provavelmente responderia “e eu, o que tenho com isso? Se você não está satisfeito, faça algo sobre isso”. Ao mesmo tempo que o comprometimento de Locke com uma ideia de indivíduo capaz e auto determinado é admirável, ele também é um tanto cínica.
Locke
parece
dizer:
o lugar
de
um
indivíduo em uma sociedade é resultado do trabalho desse indivíduo na sociedade. 30
Esse
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mesmo indivíduo tem todas capacidades para mudar tal posição. Até ele tomar as rédeas do próprio
destino,
nós
não
temos
quaisquer
obrigações com esse indivíduo. Por outro lado, esse cinismo reflete uma dificuldade que temos hoje, por um lado, com demandas que consideramos inaceitáveis, mas são defendidas publicamente, ou demandas que consideramos
aceitáveis,
mas
sem
reconhecimento público. A dificuldade principal aqui é que a não ser que a gente subscreva a algum modelo metafísico que oriente o conteúdo de demandas aceitáveis ou inaceitáveis, a única forma de mediação dessas questões permanece institucional - e para Locke, o conteúdo das demandas
que
são
consideradas
aceitáveis
publicamente é o resultado de um jogo de poder que estabelece, nos termos do contrato social, o discurso corrente
dominante
(até
a próxima
rodada do jogo de poder estabelecer uma nova forma de legislação). O problema aqui é que Locke reduz o contrato social a um processo permanente de luta de classes de indivíduos para a manutenção de 31
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uma nova ordem social, mas não estabelece mecanismos para uma estabilidade política mais duradoura - talvez por identificar na estabilidade duradora uma espécie de tirania política, onde novas formas de constituição social não são respeitadas. Talvez a noção de contrato social de Locke nos ajude a entender, então, por que a história do
início
também
das
democracias
a história de
constitucionais
-
crises
constitucional
é
uma série de
crises
constitucionais
pelas
quais, diga-se de passagem, quase todas jovens democracias
parecem
passar
em
algum
momento. Hamilton, em 1787, quando escreve o Federalista, está diante de uma crise institucional e constitucional quando escreve que: Among the most formidable of the obstacles which the new Constitution will have to encounter may readily be distinguished the obvious interest of a certain class of men in every State to resist all changes which may hazard a diminution of the power, emolument, and consequence of the offices they hold under the State establishments; and the perverted ambition of another class of men, who will either hope to aggrandize 32
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themselves by the confusions of their country, or will flatter themselves with fairer prospects of elevation from the subdivision of the empire into several partial confederacies than from its union under one government. (HAMILTON et al.: , último acesso: 02/10/2016)
Mas o que Hamilton é capaz de reconhecer aqui é algo que Locke não admitia, que é a possibilidade da constituição de um pacto social necessariamente estabelecer perda de poder de certos setores da sociedade. Hamilton defende a federação mesmo que o modelo confederado seja mais interessante para o status quo, na medida que
essa
interessante
federação para
a
de
Estados
estabilidade
é da
mais nação
entendida como um pacto amplo e com interesse próprio, coletivo. Sem o reconhecimento dessa ideia de um pacto amplo e do reconhecimento de tratamento igual como um direito universal, Lyndon Johnson não teria conseguido, em 1968, passar o Civil Rights Act, que, de fato, forçava a mão dos detentores de maior poder no sul dos Estados 33
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Unidos - e a passagem dessa lei, como sabemos, “custou o sul” para Lyndon Johnson. Nosso ponto aqui é que a conexão entre tolerância e trabalho, colocada por Locke, não é apenas cínica. Ela é perigosa. Se acreditamos na tolerância religiosa, sexual ou política, então a nossa crença precisa ser politicamente ampla. A frase de Thomas Jefferson, “it does me no injury for my neighbor to say there are twenty gods, or no
god”,
politicamente,
só
é
defensável
se
também não nos importamos quem é o vizinho, seu
status
social,
gênero
e
orientação
política/sexual quando ele fala sobre Deus. Essa ampliação também demonstra a insuficiência da ideia de tolerância, apenas, como mecanismo de inclusão
e
respeito.
Ela
também
indica
a
insuficiência de modelos teóricos, no Direito, que focam
apenas
na
estabilidade
política
e
institucional como marcadores de justiça social. Para além de o domínio irrestrito: Liberais e Crises Institucionais O trabalho seminal de Kenneth Arrow, Individual Choice and Social Values (1951), onde 34
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Arrow demonstra a impossibilidade de garantir a condição
básica
de
Lockeano
e,
mesmo
pressuposições
ao
um
de
uma
liberalismo
do
tipo
tempo,
garantir
as
ordem
democrática
mínima. Para Arrow, dada condições básicas de não-imposição, reconhecimento, não-ditadura e representatividade,
sets
amplos
de
escolha
individual (como os exigidos por Locke) não produzem resultados Paretianamente equilibrados em termos sociais – o que Arrow quer dizer com isso é que é impossível garantir, ao mesmo tempo, a autonomia das partes de escolher qualquer
preferência
possível
e
produzir
a
igualdade das partes para o ato de escolha. O autor parte de uma explicação formal para
chegar
ao
seu
teorema
geral
da
possibilidade. Sua premissa é a possibilidade de se chegar a uma função social de bem-estar social à partir do mesmo modelo matemático usado para descrever as escolhas individuais. Isso significa a passagem da escolha individual para escolha social que, caso seja possível, depende de uma criteriosa série de condições razoáveis.
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Para
que
verdadeiras
possamos
consequências
entender dessa
as
premissa
devemos começar por definir “escolhas”: como elas podem
ser ranqueadas e
racionalidade individuais,
informa dado
um
que
nossas conjunto
tipo de
preferências particular
de
alternativas. Arrow tem plena consciência de que há mais de um contexto e inúmeras formas em que podem
ser
feitas
escolhas.
Nas
sociedades
capitalistas democráticas, por exemplo, escolhas políticas enquanto
são
normalmente
que
as
resolvidas
pelos
Contudo,
não
democracias,
feitas
questões
econômicas
mecanismos é
incomum,
depararmo-nos
por
de
são
mercado.
mesmo com
voto,
nas
decisões
baseadas em simples juízos individuais, decisões oligárquicas ou mesmo opiniões tomadas por influências de doutrinas abrangentes informadas por
regras
tradicionais,
tais
como
códigos
religiosos. Se as decisões sociais são feitas por um único indivíduo que estamos lidando com uma ditadura. Por sua vez, as decisões que se seguem 36
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doutrinas tradicionais abrangentes indicam algum nível
de
convenção.
Em
ambos
os
casos,
entretanto, parece estar presente uma definição que
não encontramos em
métodos como o
mecanismo de mercado e a votação. Uma ditadura ideal pressupõe uma só vontade envolvida no processo de escolha. Em uma sociedade governada por uma convenção, existe uma vontade comum. De qualquer forma, não há conflito de interesses. Estes métodos podem ser considerados racionais, no sentido de que cada indivíduo pode ser racional sobre as suas próprias opções. Na linguagem da economia, existe consistência. O voto e os mecanismos de mercado, por outro lado, são maneiras de fundir diversas preferências individuais no processo de fazer uma escolha social. Essa é a pergunta que Arrow traz: É possível atribuir essa consistência (e, portanto, esta mesma racionalidade presente na escolha individual) para modos coletivos de escolha, onde as
vontades
de
muitos
envolvidas?
37
indivíduos
estão
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Para responder a esta pergunta Arrow tem que se comprometer com uma estratégia que cobra um preço alto. Ele decide concentrar-se no aspecto formal do problema, proporcionando, assim,
uma
solução
lógico-matemática.
Isso
significa que ele está interessado em saber se é formalmente possível construir um procedimento que
permite
a
passagem
de
um
conjunto
conhecido de gostos individuais a um padrão de tomada social de escolhas (ARROW, 1951. p.2). A passagem de preferências individuais à escolha social é algo que já se mostrou um processo complicado. A consistência que ocorre tão naturalmente na escolha racional individual muitas vezes não consegue satisfazer a condição de racionalidade ao considerar processos coletivos de escolha. Mesmo no mais simples dos cenários, que consiste em três alternativas e três pessoas, não pode ser notado inconsistências. Aqui está o paradoxo da votação apontado pelo Marquês de Condrocet já no século XVIII: Sejam A, B, e C as três alternativas, e 1, 2 e 3 os três indivíduos. Suponhamos que o indivíduo 1 prefere A a B e B a C (e, por conseguinte, de A a C), indivíduo 2 prefere 38
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B a C e C a A (e, por conseguinte, de B a A), e 3 prefere C a A e A a B (e Por conseguinte, C a B). Então, pode-se dizer que a maioria prefere A a B, e uma maioria prefere B para C. Se a comunidade quiser ser considerada agindo de forma racional, deve concluir que A é o preferido em relação a C. Contudo, se analisarmos o resultado a maioria da comunidade prefere C a A. Assim, o método descrito para a passagem de escolha individual para escolha social não preenche a condição de racionalidade, como nós originalmente háviamos previsto (ARROW, 1951, p.3).
Portanto, a questão permanece: Existem outros métodos de agregação de preferências individuais
que
racionalidade
da
nos
permitem
escolha
manter
individual,
a
mesmo
quando tomando em conta decisões sociais? Arrow
escolheu
provar
seu
ponto
assumindo a racionalidade como uma espécie de maximização, definindo as funções de utilidade em termos de utilidades individuais (contentandose com um tipo de ordenação não cardinal), visando, dessa forma, uma solução puramente formal. Arrow deixa claro ao leitor que pretende limitar a investigação aos aspectos formais do processo
de
tomada
de 39
escolha.
Escolhas
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individuais
seriam
reduzidas
a
dados
quantificáveis, desconsiderando o valor atribuído individualmente decisão.
A
utilidade
seria
para
o
próprio
comparabilidade considerada
processo
de
interpessoal
de
sem
sentido
e
irrelevante. Fatores como emoções, ética ou quaisquer
outras
percebidas
como
coisas não
que
poderiam
racionais
em
ser
termos
econômicos, também seriam deixadas de fora da equação. O método assumido é um que se inspira na Teoria dos Jogos econômicos e que considera apenas agentes racionais. Se essas cinco condições forem atendidas existe a possibilidade de um a fórmula geral na qual os cidadãos, autorizados a ter uma ampla gama de preferências, possam determinar uma função de bem-estar social. Atender todas essas exigências deve tornar possível a construção de um ordenamento social resultante de todos os estados sociais alternativos possíveis, partindo-se de um determinado conjunto de ranqueamentos individuais
desses
estados
sociais,
tudo
em
conformidade com a soberania dos cidadãos e da racionalidade econômica (ARROW, 1951, p. 31) . 40
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Contudo,
seria
realmente
comprovar a existência de
um
possível
método que
satisfaça todas essas condições? Arrow parece ter deixado este problema em aberto. Arrow descobriu que dado um universo de apenas duas alternativas, há a possibilidade de aplicar
a
mesma
racionalidade
presente
no
cenário de escolha individual e estendê-lo a um paradigma econômicos,
de isso
escolha
social.
significa
que,
Em se
termos lidarmos
apenas com duas alternativas por vez, então nós podemos manter a consistência. Quando esta mesma lógica é estendida para um cenário em que há mais do que três alternativas as consequências são ainda piores. O paradoxo de Condorcet com três pessoas e três alternativas (que citamos no início deste trabalho) já mostra que o método de decisão da maioria não satisfaz condição do domínio irrestrito. Depois de um conjunto mais abrangente de prova matemática e assertivas lógicas, Arrow chega à conclusão de que, se não considerarmos suposições prévias sobre a natureza da ordenação individual, não existe um método de votação que 41
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possa solucionar o paradoxo, seja por votação ou qualquer regime de representação proporcional, não importa o quão complicado. Pelos mesmos motivos, o mecanismo de mercado não é capaz de gerar uma escolha social racional (ARROW, 1951, p 59). Nesse sentido, o modelo de uma ordem social baseada em um set livre de escolhas não pode produzir uma ordem social democrática, na medida que
as deliberações feitas em
uma
posição inicial de escolha de preferências são feitas ou sob ameaça, ou em condições de barganha – e favorecem grupos estabelecidos de forma desproporcional e pouco representativa. Qual é a alternativa? Tanto
Locke
alternativas
quanto
insatisfatórias
Hobbes para
oferecem crises
institucionais. Do ponto de vista Hobbesiano, qualquer crise institucional ou de paz social obtém como resposta um autoritarismo estatal estratégico como remédio imediato: diante e crises representacionais, o papel do Estado é assegurar mais uma vez a ordem social, e estabelecer
os
parâmetros 42
da
estabilidade
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institucional, a qualquer custo. Locke, por sua vez, vê crises institucionais como oportunidades de transformação da ordem política estabelecida, e de atualização das dinâmicas de trocas livres entre indivíduos -mas essa transformação não é orientada para um modelo de sociedade política livre e justa, para Locke o modelo de sociedade que resulta das dinâmicas das trocas livres entre indivíduos é tão democrático quanto os indivíduos capazes
de
decidir
e
deliberar
publicamente
definirem que ela deve ser, para garantir seus respectivos interesses. Mas existe uma forma de mediar essa relação entre interesse individual, estabilidade institucional
e
justiça social
dentro de
uma
doutrina liberal? Essa pergunta marca toda a literatura em teoria política na segunda metade do século XX, e também caracteriza o atual momento político Brasileiro. Afinal, interesses individuais, ou de grupos difusos, podem justificar reformas políticas amplas? Crises econômicas podem, sozinhas, legitimar uma demanda por mudanças institucionais?
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Parece que precisamos, enquanto liberais, reconhecer que princípios mínimos de liberalismo político, como os expressos por John Rawls em A Theory of Justice (1996), são incompatíveis com uma
economia
manutenção
de
política
baseada
interesses
apenas
individuais
e
na de
prioridades individuais acerca do bem. Amartya Sen sustenta, resgatando uma perspectiva Milliana, que a melhor alternativa é deixar de lado a premissa Lockeana, adotada por Pareto, de que o domínio irrestrito de alternativas na escolha individual e a manutenção de estados de
coisas
estabelecidos
individualmente
é
necessária para a estabilidade social democrática, adotando, ao invés disso, uma relação direta entre objetividades sociais e um domínio restrito de possibilidades de escolhas de bens, orientada a partir da promoção pública de capacidades sociais capazes de maximizar o bem-estar social. If someone takes the Pareto principle seriously, as economists seem to do, then he has to face problems of consistency in cherishing liberal values, even very mild ones. Or, to look at it in another way, if someone does have certain liberal values, then he may have to eschew his adherence 44
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to Pareto otpitimality. While the Pareto criterion has been thought to be an expression of individual liberty, it appears that in choices involving more than two alternatives it can have conequences that are, in fact, deeply illiberal. (SEN, 1970, p. 157)
Aqui, Sen inverte o paradigma de Locke, colocando
a
vontade
individual
como
condicionada, já no momento de escolha, a certas prioridades e valores sociais. Ao fazê-lo, ele também questiona o individualismo mecânico de Hobbes, na medida que sustenta que indivíduos escolhem em favor de bens sociais, restringindo prioridades
individuais,
sempre
que
têm
oportunidade para fazê-lo, a questão, para Sen é: se somos capazes de sacrificar nosso autointeresse em nome de prioridades familiares ou sociais, porque não fazemos isso com mais frequência? Ou, colocado de forma diferente, se somos capazes de fazer sacrifícios individuais em nível
difuso, de
acordo com
nossa
afiliação
comunitária, partidária ou familiar, porque esses mesmos sacrifícios não são reproduzidos em um nível social? 45
LIBERALISMO JURÍDICO & DEMOCRACIA A Interface entre Liberdade e Igualdade
Sen aqui usa o proviso de Adam Smith sobre escolha individual e benefício social, para apontar
que,
buscando
a
via
de
regra,
realização
de
qualquer
uma
ação
preferência
transitiva individual acaba, no final das contas, realizando algum bem social. Esse mesmo proviso é
adotado por John
Stuart-Mill, quando ele
sustenta que qualquer expressão de utilidade individual busca algum tipo de utilidade social. Mas ainda permanece em aberto como essa utilidade social é realizada. Todo o ponto da sustentação de um modelo baseado em um domínio restrito de alternativas individuais é, como já insistimos, que domínios irrestritos produzem utilidades sociais que podem ter equilíbrio Pareteano, mas que certamente não obedecem a critérios mínimos de justiça social. A alternativa, então, parece ser restringir minimamente o aspecto de escolhas individuais concepções
e
orientar
de
bens
indivíduos primários
para que
certas possam
produzir melhores resultados sociais. Aqui, precisamos reconhecer que
uma
função de utilidade social democrática reproduz 46
LIBERALISMO JURÍDICO & DEMOCRACIA A Interface entre Liberdade e Igualdade
certas objetividades sociais (por exemplo “é melhor morar em um lugar com água tratada do que em um lugar sem água tratada”) e certas objetividades psicológicas (por exemplo “estar alimentado é melhor do que estar com fome”), e que esses dois níveis de objetividades produzem, por sua vez, funções de utilidade pessoal e social – e também restringem como temos sequer a possibilidade de pensar utilidades pessoais e sociais. Permitam-nos
esclarecer
esse
último
ponto: Não podemos esperar que indivíduos com fome,
morando
em
locais
sem
o
menor
saneamento básico, tenham o mesmo tipo de concepção de utilidade individual e social que indivíduos condições
bem
alimentados
afluentes.
Também
morando não
em
podemos
esperar que esses indivíduos magicamente e orientem para as mesmas concepções de bem e para as mesmas prioridades sociais. O ponto, em uma análise Milliana, é que se somos capazes de dizer que pessoas em condições de vida mais decente
conseguem ter melhores concepções 47
LIBERALISMO JURÍDICO & DEMOCRACIA A Interface entre Liberdade e Igualdade
sobre o bem, então também devemos ser capazes de
concluir que
é impossível
defender uma
política pública que permita que que escolhas individuais,
em
uma
ordem
democrática,
produzam e reproduzam as condições que levam indivíduos a viverem em condições de pobreza extrema. Aqui,
voltamos
para
onde
começamos
nossa reflexão: sustentar uma perspectiva liberal não significa apontar para uma noção pura e irrestrita de liberdade individual, nem para um institucionalismo
autoritário
e
irreflexivo.
Se
compreendemos que existe uma condição básica de
vida
que
permite
a
realização
de
uma
qualidade de vida melhor, então precisamos estabelecer essa mesma condição básica de vida como exigência básica para qualquer deliberação democrática – e como pano de fundo de qualquer decisão judicial que vise a manutenção de uma ordem liberal decente.
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