Estadão Noite_O Estado de São Paulo #49 - Os grandes passos do jovem Trudeau

June 22, 2017 | Autor: F. Chagas-Bastos | Categoria: Canadian Politics, Canada
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sexta-feira, 06.11.2015

Fabrício H. CHAGAS BASTOS e Sean W. BURGES* Grandes passos do jovem Trudeau

E

m uma já clássica charge política, Dorothy pergunta ao Leão, ao Homem-de-Lata e ao Espantalho o que fazem fora da política, já que lhes falta coragem, coração e cérebro. Mordaz. Não é difícil encontrar exemplos ao redor do globo para cada um dos perfis, em casos separados ou combinando aquelas qualidades. Justin Trudeau, novo primeiro-ministro do Canadá, subverte a lógica da personagem de O Mágico de Oz ao nomear, na última quarta-feira, 4, seu novo gabinete. Trudeau privilegiou competência e expertise às tradicionais divisões e cessões de espaço para atender às alianças feitas durante sua campanha. O cenário é de um Canadá onde o modelo econômico está em crise há algum tempo, os Conservadores alienaram boa parte de um eleitorado já descontente e Trudeau com sua abordagem e liderança jovem se mostraram como a saída para recolocar o país nos trilhos. Enquanto serviu como primeiro-ministro, Harper transformou o ambiente de políticas públicas no país:

uma lenta e inexorável constrição. A expertise do governo do Canadá foi desdenhada por ministros que entendiam os funcionários públicos como atores passíveis de serem capturados pela política partidária - após uma década de governo Liberal. Em parte, para lidar com a questionável competência de alguns ministros, e também para manter rígida a mensagem política de seu governo, Harper impôs um controle de comunicações altamente centralizado, demandando que a maioria dos discursos ou declarações fosse aprovada previamente por seu gabinete. Técnicos e especialistas em diversos campos, como alimentação, segurança, direitos infantis, administração, fisco e meio ambiente, foram sumariamente ignorados por ministros comprometidos em seguir fielmente as diretrizes da agenda do ex-primeiro-ministro. Nos lugares onde essas vozes se mostraram difíceis de serem ignoradas, foram silenciadas com cortes massivos nos orçamentos e mudanças nos esquemas regulatórios - abrindo avenidas de insatisfação junto à opinião pública. Por último, com a expertise do governo intimidada e silenciada, a equipe de Harper efetivamente decretou uma lei da mordaça ao serviço público, proibindo servidores de falarem com membros da sociedade civil de maneira oficial ou não-oficial. Capacidades foram suprimidas e a transparência, deliberadamente, posta de lado. Quando Trudeau foi eleito, Ottawa - e boa parte do país - respirou aliviada. Em seu primeiro discurso, o novo

sexta-feira, 06.11.2015

primeiro-ministro prometeu elevar os níveis de transparência de seu governo e torná-lo mais acessível. A escolha de seu novo gabinete fala por si só: um médico como ministro da Saúde, um empresário cuidando das Finanças, um militar como ministro da Defesa, e um advogado especializado em direito indígena como ministro da Justiça. Mais, metade do gabinete composto por mulheres (#AgoraÉQueSãoElas) e etnicamente diverso - refletindo as culturas que compõem a sociedade canadense. Há alguns anos o Canadá era um líder global, provendo inovação social e soluções criativas quando o mundo precisava. Um dos poucos países capazes de dizer um sincero (e sonoro) ‘não’ aos Estados Unidos. Pouco a pouco, como uma fotografia que perde cor, sob Harper, o país perdeu sua voz, teve seu status diminuído, passando de uma potência média a uma ‘pequena média potência’, chegando a beirar a irrelevância. O mundo parou de perguntar ‘onde está o Canadá?’ quando os problemas aparecem. O momento crítico passou. São dias de uma mudança radical na postura antigoverno dos anos Harper, um re-

torno à inovação e criatividade na política, revalorizando o multiculturalismo, a saúde universal e a educação de alta qualidade. Um discurso que atingiu o coração da identidade canadense. Uma lufada de ar fresco ante as nuvens cinzas de antes. Trudeau se vendeu como alguém que tem coração, coragem e cérebro. Depois de dez anos de uma direita dura, os canadenses esperam que essas qualidades sejam suficientes para quando a realidade e as críticas baterem à porta.

Fabrício H. CHAGAS BASTOS é endeavour Research Fellow do Australian National Centre for Latin American Studies da Australian National University. Doutor pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

Sean W. BURGES é vice-Diretor do Australian National Centre for Latin American Studies da Australian National University e autor do livro ‘Brazilian Foreign Policy After the Cold War’. E-mail: sean.burges@anu. edu.au

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