ESTADO DA MAGANJA DA COSTA (1862-1898)

July 22, 2017 | Autor: E. Gwembe | Categoria: History
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Introdução


O presente trabalho aborda o tema sobre "O Estado da Maganja da Costa
dos Bonifácio Alves da Silva" que constitui o objecto de estudo. Tem o
objectivo de apresentar as linhas gerais do seu desenvolvimento e declínio.
Está estruturado em pontos que ajudem a compreensão e não é vasto como
era de esperar. Nesse aspecto compreende três pontos essenciais a saber:
Introdução, Desenvolvimento e Conclusão.
Em algumas páginas poderão ser encontradas notas de rodapé para
clarificar alguns pontos. Por questões de comodidade abordou-se um pouco
das famílias com as quais este Estado desenvolveu, em número de quatro.
Consultaram-se várias obras que aparecem na parte final do mesmo pelo que
não vamos mencioná-las e, o método foi o de levantamento bibliográfico.





































ESTADO DA MAGANJA DA COSTA

UMA REPÚBLICA MILITAR (1862-1898)

1. Formação e localização espacio-temporal

"Os sipais da Maganja quando avançavam sobre Angoche levavam um
abastecimento precário, na suposição de que viveriam da
pilhagem. Quando regressaram à Maganja da Costa, os Sipais de
Bonifácio, iam "cheios de fama, de despojos – de soberba. Assim
se criou, em terras da Zambézia, um poderio militar que largo
tempo foi considerado indomável e impossível de submeter e que
havia de crescer gradualmente em força e em atrevimento"[1]

1.1. A Terra
A área territorial da República Militar da Maganja da Costa estendia-se
para o interior a partir do Oceano Índico, entre-os-rios Moniga ao Norte e
o Licungo e Lugela ao Sul. A fronteira a Oeste seria uma linha imaginária
desde a nascente do rio Moniga até a confluência do Luo com o Lugela. A sua
superfície aproximada era de 800.000 hectares. A influência dos sipais iria
muito para além dessa área mas as populações que lhes pagavam habitualmente
o tributo não extravasariam a linha imaginária apontada. Segundo o primeiro
missionário da Maganja da Costa este território estender-se-ia até a
Niassa, sendo precisos 15 dias para os atravessar nessa direcção.
As terras da Maganja da Costa são pouco acidentadas não existindo
elevações dignas de realce. A altitude média acima do nível do Mar é de
70m. Em 1897, o caminho desde o rio Mabala até a aringa era guarnecido por
árvores com algumas clareiras. É cortada por inúmeros cursos de água e tem
duas lagoas. Os principais rios são o Lucungo, o Mabala, Raraga e o Moniga.
O clima é quente e oceânico com uma temperatura anual do valor médio de 20º
e a amplitude de variação anual inferior a 10º. O valor médio anual da
humidade relativa do ar é de 67%. A precipitação média anual é de 1000mm.


1.2. A População
A população da Maganja da Costa, é o resultado de uma mistura de povos
cuja identificação precisa não foi feita. As múltiplas invasões, as
deslocações voluntárias e provocadas provocaram uma miscigenação que
desafia os recursos disponíveis para a destrinça das origens étnicas. Na
Maganja da Costa há que distinguir entre o seu fundo populacional e a casta
militar, esta formada por largos milhares de homens de guerra, se não na
totalidade, pelo menos em grande parte vindos de fora. A população da
Maganja da Costa faz parte do grupo vulgarmente designado Macua-lomué que
povoa a actual província e parte das províncias de Cabo Delgado, Niassa e
Zambézia. Este fundo Macua-lomué, na área da Maganja da Costa dilui-se em
fracções sub-étnicas com denominações regionais como é o caso dos "Monigas"
no Bajone, na margem directa do rio Moniga. Se tivermos em conta a raiz
comum a Maganja e Nianja, somos levados a crer tratar-se de um etnónimo que
se estende desde as margens do Lago Niassa até o Índico. O que vai a favor
da tese dos que defendem tratar-se da população resultante das invasões
provenientes das regiões dos Grandes Lagos e que em vagas sucessivas,
desceram até ao Litoral e refluíram para o Norte sobrepondo-se entre os
povos preexistentes.


1.3. Formação
As famílias dos prazos do século XVII e XVIII eram provavelmente de
origem europeia embora suas relações fossem mais com Goa do que com
Portugal. Na segunda metade do século XVIII o número de indianos a entrar
para Moçambique aumentava e perto do século XIX quase todas as importantes
famílias do Zambeze tinham algo de origem indiana. Uma descendência de afro-
asiáticos emergia devido aos casamentos entre estes últimos com as mulheres
africanas o que em pouco tempo fez com que não fosse possível distinguir as
populações africanas das asiáticas. Tinha surgido dos escombros dos prazos
numa altura em que o tráfico de escravos era abolido, muito embora o seu
desaparecimento total não tenha tido lugar, tomando aspectos multiformes
até aos nossos dias, portanto em pleno século XXI. Segundo Newitt[2] quatro
famílias dos muzungos estavam envolvidas em guerras nas zonas junto do rio
Zambeze.
1. Os Caetano Pereira ao Norte cuja expansão fez-lhes chegar nas terras
Undi entre Aruangua e Shire. Destacaram-se Manuel Caetano Pereira e Pedro
Caetano Pereira. Este último era considerado de "analfabeto" pelos
portugueses por viver como cafre e chefe em todos os seus costumes.
2. Os Vaz dos Anjos de origem indiana no Mururo perto de Quelimane que
arrendaram o fértil prazo de Luabo mais tarde transformado em local de
refúgio. A aliança matrimonial com o goense Galdino Faustino de Sousa
trouxe interesses comerciais no Shire enquanto outro casamento unia-lhes
a António da Cruz Coimbra, um financiador de escravos no baixo do Rio.
Com a morte daquele, os interesses da sua aringa passaram para o seu
genro, Paul Mariano Vas dos Anjos.
3. Os Alves da Silva de António Alves da Silva vindo da Beira Portuguesa
que estabelecera o tráfico de escravos e de marfim. Casado com uma
detentora do prazo de Quelimane com quem teve uma filha e dois filhos,
João Bonifácio e Victorino Romão cuja força fizera do seu estado (Maganja
da Costa) o mais organizado na história dos estados daquele tipo na
África portuguesa senão colonial. Com um negócio de escravos, como meio
de subsistência após a sua abolição procuraram exportá-los através de um
porto privado de Bajone em Moniga. Aqui se encontrava o exército dos
chikundas com 250 homens cada grupo abaixo de um capitão (ensaca). As
ensacas estavam relacionadas no interior do estado. A aringa da Maganja
da Costa, chamada M'passué depois de um título africano ter sido assumido
pela família em chefe, era a mais larga uma vez construída em Moçambique
e pouco depois tornou-se uma República Militar dos Chikunda[3]. Pelos
casamentos, os Alves estavam unidos as mais variadas e principais
famílias dos muzungos de Quelimane. Esta família é a que nos ocupa neste
tema.
4. Finalmente estava a família dos Da Cruz, uma dinastia famosa em
Quelimane do século XIX. Nicolau da Cruz, originalmente vindo do Siam e
incorporado nos portugueses como soldado chegou nos Rios em 1767.
Diferentemente das outras famílias que falamos, os da Cruz fizeram a sua
vida pela aquisição de prazos e não pela captura de escravos e do marfim,
e pelos casamentos. Um dos seus filhos casou-se com a filha do
Mwenemutapa. Era António José.
Ainda sobre a formação, José Capela diz-nos que, na Maganja da Costa
ninguém foi militarizado por Bonifácio da Silva. Como qualquer outro senhor
dos prazos o Bonifácio já dispunha de um exército profissionalizado quando
chegou na Maganja da Costa e ali construiu as suas aringas. Tê-lo-á
aumentado em número mas não a custa dos colonos, como era de hábito e de
proveito. Bonifácio recrutou os sipais nos prazos a volta de Sena. O Mateus
que foi o comandante principal na conquista de Angoche e o primeiro capitão
da aringa era filho de um mulato e de uma canarina. Era proveniente do
prazo Maral onde imperava Romão de Jesus Maria.
Foi um corpo de escravos, um verdadeiro exército militarmente preparado
ao longo de anos, que veio a realizar a República Militar da Maganja da
Costa. Em nenhum outro caso esta instituição zambeziana dos achicunda se
afirmou de maneira tão duradoira e organizada. A coesão, a consciência
colectiva, a disciplina e a democracia internas, abundantemente
manifestadas, terão sido fruto de uma verdadeira profissionalização. Quem
profissionalizou os sipais que fizeram a República foi um senhor zambeziano
típico: João Bonifácio Alves da Silva, filho de Romão José da Silva,
português emigrado na Zambézia, e de D. Teodora Temporário de Matos. João
Bonifácio e o seu irmão Victorino seguiram a tradição dos senhores do Vale
do Zambeze de que seu pai era representante. João Bonifácio construiu a
maior aringa jamais vista em toda a Zambézia, próximo de Erive. Construiu
outra no Nipiode e uma terceira no Bajone sobranceira ao rio Moniga para a
observação sobre as terras de Angoche. Nessa altura em Angoche, o
verdadeiro detentor do poder era aquele que ficou conhecido por Mussa
Quanto, irmão de Hassane-Issufo. No regresso de uma expedição frustrada às
terras da margem esquerda do Chire, as gentes de Mussa Quanto, passaram
pelos prazos de Boror e Tirre, na Nameduro, Macusse e Licungo, que
saquearam. As aringas de João Bonifácio, no Erive, no Nipiode e no Bajone,
foram destruídas e igualmente saqueadas. Há quem defenda com toda a lógica
que Mussa Quanto destruiu as aringas de João Bonifácio para impedir a
concorrência do novo senhor do Licungo que se preparava para fazer ao
sultanato de Angoche no tráfico da escravatura.
Era o maior conflito de interesses entre Angoche e a Família dos Alves
da Silva que compraram o prazo de Licungo entre a Costa de Quelimane. Em
1850 estava encabeçado pelos dois irmãos João Bonifácio e Victorino Romão
que após terem sofrido derrota em Angoche começaram a construir o seu
próprio exército. A sociedade militarista criada pelos Alves da Silva
sobreviveu as vicissitudes afro-portuguesas e tornou-se numa República
Militar como já fizemos referência, emprestando a designação de Coutinho.
Em resposta às provocações de Mussa Quanto, uma expedição militar fora
organizada para atacar o celeiro de escravos de Angoche mas não tirou a
régia do controlo firme dos portugueses. Era o projecto de João Bonifácio
Alves da Silva e provou o quanto era difícil de executar. João Bonifácio
foi morto e o seu principal oponente, Mussa Quanto, entrou para o interior.
Angoche ficou sob o controlo do Governo Português. O Estado da Maganja da
Costa ficou encabeçado por Victorino Romão cujos sucessores continuaram com
as suas políticas tradicionalmente herdadas.



Estrutura política, social e económica






"...Quando a comitiva se aproximava da Aringa as ensacas de sipais
estavam formadas ao longo do caminho sob comando dos cazembes
respectivos. Seguiram-se cumprimentos e ovações, uma recepção
entusiástica, e o jantar. Durante o jantar ao qual nos acompanharam,
sentados no chão, o capitão geral dos sipais, cazembes, furriéis e
cabos; comendo, bebendo e fumando, para nos serem agradáveis[4]"





2.1. Política

Maganja da Costa era um santuário da independência que projectava a sua
sombra sobre as terras colonizadas onde a população respingava. O poder foi
divido entre diversos sucessores de Victorino Romão da Silva e entre um
aparelho militar singular na história de Moçambique e até africana. O
verdadeiro Estado fora fundado por João Bonifácio Alves da Silva e 40 anos
depois os 12 regimentos (ensacas) ainda se mantinham, dessa vez com 1000 a
1200 homens e compondo-se, segundo Pélissier, não só dos Maganjas como
também de macua lomués. Sobre o mesmo assunto, José Capela diz o seguinte:
"As ensacas mantiveram-se até ao fim em número de dose, mas dos 250
homens de que se compunha cada uma inicialmente passaram, gradualmente,
a 1000 e 1200 com os homens que os maganjeiros foram submetendo ao
longo dos anos no Robé, Lomué e Namacuana"[5].


A frente de cada ensaca estava o Kazembe eleito dentre os sargentos. Os
doze kazembes formavam o conselho de guerra da República presidido pelo
capitão da enorme aringa situada em M'passué, depois Vila Coutinho e mais
tarde Vila da Maganja da Costa. Este era, na visão de hoje, o chefe do
Estado, pelo menos quanto ao poder temporal. Cada kazembe tinha a sua
jurisdição territorial e fiscal cobrando o imposto aos chefes locais e às
populações submetidas. Estava formada a República Militar da Maganja da
Costa, conforme a designou João de Azevedo Coutinho. Essa realidade ficou
conhecida até aos dias de hoje por A Aringa. Outra designação vulgar era a
M'passué[6].
De facto quem detinha o poder na aringa era Mateus, o capitão Geral.
Depois sucedeu-lhe o filho do mesmo nome após a deposição deste, no período
final da República foi capitão geral um terceiro de nome Alexandre, chefe
de Estado, eleito pelos Kazembes. Os sachicundas[7] e mucatas (cabos)
elegiam comandante da ensaca, o kazembe, eleição a validar pelo Conselho
dos Kazembes presidido pelo capitão da aringa. O segundo personagem na
estrutura do poder da República era o Bazo[8]. A terceira personalidade era
o Kanhongo. Apresentado por Coutinho de forma diversa, em lugares
diferentes, de facto, tratava-se do advinho. Também era encarregado de
tarefas que provavelmente não eram habituais aos advinhos[9]. Havia sipais
cujo conjunto constituía o Condo[10]. A hierarquia militar era eleita a
partir dos subordinados, mas as grandes decisões, principalmente s
relativas às guerras, eram tomadas em assembleias alargadas.


2.2. Social e Económica
Só relações de harmonia patriarcal explicam a estabilidade das relações
senhores-escravos. Maganja da Costa era (como também o eram os outros
Estados Militares) uma República de escravos (cativos) armados com
mosquetes e espingardas de carregar pela boca. Milhares deles foram
agrupados a troco de tecidos, de bebidas e de armas de fogo. Com o tempo
foram perdendo a sua condição de cativos e formaram uma espécie, segundo
Carlos Serra, de Média Aristocracia, com amplos privilégios.[11] Corpos de
escravos armados com atribuições próprias de exercício de poder dentro da
sociedade mais alargada em que se inseriam, aí habitando povoações
separadas das da população, criaram identidade própria. O seu poder
facilmente se sobrepôs ao dos chefes linhageiros. Alguns deles, por
exemplo, receberam terras dos Jesuítas após a sua expulsão destes.
Os descendentes afastados da família Alves da Silva tinham influência
secundária com a excepção de dois que em 1898 ligavam esta curiosa
República ao mundo dos senhores dos prazos. Tratava-se de Mariano Henrique
de Nazareth, titular bastante fictício do prazo e o muzungo Aurélio, filho
de um goês e de uma africana e mais ou menos herdeiro espiritual do grande
João Bonifácio Alves da Silva. O primeiro era um negociante de escravos,
proprietário de um porto fluvial de Bajone por onde exportava
clandestinamente os infelizes arrebanhados nas paragens do Niassa ou
comprados aos macuas e aos ajauas, após sua abolição. Como era o primeiro a
fornecer sipaios para as expedições ou para as chacinas Mariano era
intocável para as autoridades de Quelimane. Também tinha relações com os
kazembes que lhe forneciam tropas. Em M'passué o seu representante era o
muzungo Aurélio que tendia cada vez mais a uma franca hostilidade contra os
portugueses.
Maganja da Costa limitava-se a saquear, a comerciar e a recusar o
pagamento de imposto sem hostilidade sistemática para com Quelimane. Na
Maganja da Costa os comerciantes indianos tinham sido proibidos de exercer
actividades o que supõe que o sistema comercial fosse basicamente de
monopólio das trocas com a costa: o marfim e amendoim[12].



4. Relações com outros Estados no Governo Colonial Português



"No início do ano em que se deu a invasão, era clara a
aliança dos maganjeiros com os povos, mas sobretudo a caução
moral daqueles quando estes resistiam ao pagamento do mussoco
e às extorsões dos arrendatários dos prazos[13]".

O facto de Cambwemba ter construído uma aringa em Moçambique entre
Gorongosa e prazo de Santa e ainda por receber ajuda dos camponeses que
recusaram o Mussoco e os agentes da companhia de Moçambique tinha
influenciado na antiga e insatisfação dos residentes do prazo do Boror
registada desde 1893. Quatro anos mais tarde, Namissela, tido como um chefe
local obscuro tentava expulsar os europeus, organizando alguns assaltos mas
foi vencido. Refugiou-se na Maganja da Costa o que veio a fazer com o
projector dos portugueses para com aquele super prazo. A gente de
Mocubamuno agredirá o arrendatário José L. Stucky e os seus sócios
comentarão: "como sempre são os muenes situados na fronteira da Maganja da
Costa que se revoltam e que não só pagam muito imperfeitamente o mussoco
mas também se recusam a reconhecer a autoridade dos arrendatários e a cada
momento vem roubar e afugentar os colonos das povoações dos muenes fiéis e
bons pagadores". Ultimamente a situação piorara porque estes muenes se
valiam do auxílio dos maganjeiros e da cumplicidade da gente do Mocubamuno.
Em 1897 Mocuba estava ainda sob autoridade[14] de chikundas da Maganja
da Costa que receberam mal o conde de Quelimane, Stucky Joseph. Nesta
altura a companhia de Boror transformava-se numa verdadeira potência
económica no distrito de Quelimane. Quanto as relações entre Quelimane e
Maganja da Costa, foram boas enquanto os portugueses não tentaram
intrometer-se nas prerrogativas do aparelho militar, aliás, em 1884 a
Maganja da Costa forneceu um contingente para reprimir a revolta do
Massingir. Entre 1886/88 chegavam a linha de Moçambique insistentes boatos
sobre a existência de pirataria e tráfico de escravo na foz do Moniga (Rio
Quelimane) também Qua Qua ou Rio dos Bons Sinais em tempos idos.
O tenente de marinha Simão de Oliveira que era capitão dos portos da
colónia fretou um pangaio e conseguiu arranjar uma escolta de 15 ou 16
soldados angolanos que disfarçados de marinheiros e o oficial de negociante
indiano ou suahili chegaram a foz onde desapareceram para sempre porque o
oficial espião foi morto juntamente com 5 soldados enquanto outros cinco
foram vendidos com o barco e exportados para Madagáscar, uma tragédia que
embora conhecida em Quelimane nunca foi vingada. Não se sabe se Maganja da
Costa terá sido implicada nesta tragédia pelo que este triste caso não
impediu de maneira nenhuma a participação de um regimento da Maganja da
Costa na expedição de António Maria Cardoso ao Niassa em 1888/89 e na de
Serpa Pinto em 1889, revezado pelo Azevedo Coutinho na Niassalândia em
1889.


5. Declínio
" Quando, em 1892, os maganjeiros, já em fase de declínio,
atacaram os prazos à volta de Quelimane, numa guerra que se disse
ter como alvo destruição da capital da Zambézia, havia instruções
para não matarem ninguém. A invasão tinha o carácter de uma
conflagração de todos os prazos contra os europeus e negociantes,
porque longe de os maganjeiros encontrarem resistência, encontraram
por toda a parte a gente disposta para os servir e auxiliar!"[15].


Os conflitos entre os beneficiários dos prazos e os maganjeiros iam-se
agudizando. Porque os da Maganja cedo perceberam que o pagamento do Mussoco
significava a submissão definitiva. E porque tanto os arrendatários antigos
como os novos exploradores dos prazos se prevaleciam dessa mesma cobrança
para a acumulação de capital e afirmação de domínio. Em 1885, os grandes da
Maganja, Mateus, Mujojo, Congono, e outros invadiram o prazo Boror,
distrito de Nhamacurra incluído, onde fizeram as razias habituais.
O arrendatário, Baltazar Farinha, conhecido personagem da Zambézia
queixava-se de nada se fazer para obstar a esta desordem. Há a notar um
pouco mais tarde, um caso de ataque à Maganja por vizinhos. Provocado por
extorsões (gentes lomués atacaram uma povoação limítrofe e prenderam o
kazembe). Da aringa saiu uma força de cerca de 1000 homens sob o comando do
capitão Geral Mateus que abateu atacante. Em 1890 dizia-se que o prazo
Tirre "está encravado ao sul com o prazo Boror e ao Norte com as terras
independentes pertencentes ao Muenemocuba e segundo dizem, aos pretos sob a
dominação dos sipais da aringa da Maganja da Costa, naquelas terras, pois,
não se paga mussoco". Coutinho, no mesmo ano, preparava em Quelimane a
expedição ao Alto Zambeze.
Foi João de Azevedo Coutinho que em 1891 abortou a grande campanha
contra Macanga com apoio dos chikundas da Maganja da Costa. Depois da
batalha de Mafunda (19.11.1891) no Massangano, os chikundas que João de
Azevedo Coutinho fizera retirar e aos quais não pagou o soldo começaram no
caminho de regresso a saquear os prazos do Baixo Zambeze (Borror, Tirre,
Mecusse, Licungo). A 20 de Fevereiro de 1892 ocuparam durante seis dias a
vila Formosa que era sede do Prazo do Boror destruindo-a por completo.
Duas semanas depois aproximaram-se de Quelimane para tentar engolir a
capital do distrito mas foram impedidos por Mariano Henrique de Nazareth e
outros senhores dos prazos. Invadiram Namacurra, carregaram na direcção de
Maquieval e foram impedidos de atravessar o rio Mecusse pelas tropas
europeias enviadas de emergência a Quelimane pelo emissário Régio António
Enes. Muito embora, um ano depois as autoridades de Quelimane tencionavam
ainda recorrer aos kazembes para pedir-lhes regimentos.
Este super prazo tinha dado aos portugueses o mínimo de preocupações,
porque[16] a linha directa dos fundadores da dinastia dos Alves da Silva se
extinguira por morte (cerca de 1874) de Vitoriano Romão Alves da Silva,
irmão herdeiro de João Bonifácio, o memorável vencedor de Mussa Quanto na
Ilha de Angoche em 1861.
Para José Luís Pereira "a conquista militar portuguesa à Maganja da
Costa foi promovida conjuntamente pelo Estado colonial e pelas Companhias
de Moçambique e da Zambézia. Portugal efectuou alianças tácticas com alguns
chefes para poder empreender a conquista de outros estados"[17]. Elevado
grau de militarização das formações políticas da região (Oceano Índico até
Zumbo) herdado do período de caça e do tráfico de escravos exigia de
Portugal a mobilização de grandes recursos e de apoio externo. O Estado da
Maganja da Costa foi ocupado militarmente em 1898. A vitória portuguesa
deveu-se aos seguintes factores:
- alguns erros e deserções
- utilização de inovações tecnológicas no armamento.
Depois das variadas incursões Maganja da Costa ficou depilada com um
balanço de 600 prisioneiros e cerca de 600 mortos prováveis, instalações de
quatro postos com fisco de 14 canhões (antigos e inutilizados). Contudo,
deu-se a derradeira queda desse Estado quando Aurélio tentava regressar a
Maganja da Costa e viria ser abatido.
A independência da Maganja da Costa desmoronou-se, portanto
miseravelmente em 1898 sob os golpes combinados do exército regular e dos
chikundas dos prazos do baixo Zambeze. Segundo Pélissier nunca a
inexistência de consciência pan-zambeziana ao nível dos Estados Secundários
se mostrara tão abertamente. Maganja da Costa, uma República Militar,
acéfala e envelhecida somente conservara dos Alves da Silva, uma aringa
desmedida e inútil.






















































CONCLUSÃO


Depois da abordagem feita em relação a questão que havia sido proposta
na parte introdutória, concluímos que O Estado Militar da Maganja da Costa
esteve localizado junto do Vale do Zambeze, onde se desenvolveram outros
estados, também militares, que iam do Índico ao Zumbo. Tinha uma
organização política mais organizada, segundo muitos autores, única na
história colonial.
Sobreviva, como os outros, do comércio de escravos e do marfim com a
costa, além de trocas comerciais entre as populações locais, porque os
árabes tinham sido impedidos de exercer as suas actividades





















































Bibliografia



AAVV, Estudos Moçambicanos 1, Centro de estudos africanos, UEM, Maputo,
1980.

CAPELA, José, A República Militar da Maganja da Costa, 1862-1898, Edições
Afrontamento, Porto, 1992.

EDUCAÇÃO, Ministério da, História – Manual da 11ª Classe, UEM, Maputo,
1981.

NEWITT, Malyn, A History of Mozambique, Hurst & Company, London, 1995

PÉLISSIER, Réné, História de Moçambique, Formação e Oposição, 1854-1918,
vol. II Editorial Estampa Lda, Lisboa, 1994.

PEREIRA, José Luís, Colégio Kitabu, s/e, Maputo, 2000

SERRA, Carlos, Como a Penetração Estrangeira transformou o Modo de Produção
dos Camponeses moçambicanos, Vol. 1, INLD, Maputo, 1986

SERRA, Carlos, Para a História da Arte Militar Moçambique -(1505-1920).
Cadernos Tempo, Maputo, 1983.

-----------------------
[1] Coutinho, Memórias, cit. por Capela, op. cit. p. 32-33.
[2] Newitt, Malyn, A History of Mozmbique,Hurst & Company, London, 1995, p.
305. " Four muzungo families were particurarly involved in the early stages
of the Zambesi wars.
[3] Para Isaacman, o poder real deste Estado encontrava-se no exército de
achikundas porque era neles que se baseava a ordem militar e sendo também
os maiores produtores de riquezas.
[4] Lapa, Joaquim, Governador Interino de Quelimane, Relatório de visita a
Aringa
[5] Capela, José, op. Cit. p. 35.
[6] Também grito de guerra, provavelmente corruptela de Bonifácio, segundo
Coputinho.
[7] Sargentos ou furriéis, in Capela, p. 35.
[8] Bazo era uma espécie de director supremo dos serviços administrativos
da República, também eleito pelos Kazembes de entre os quais geralmente
saía, com o placet do capitão.
[9] Também era encarregado de vigiar de noite todas as sentinelas e de
transmitir todas as ordens. Tem para isso uma companhia, uma trompa de
chifre ou outro qualquer objecto em que faça barulho, para trair as
atenções de todos os sipais, a quem transmite, em gritos cadenciados as
ordens recebidas. Em combate animava os sipais pelos seus esgares e gritos
e castigava os que mostrassem medo. Tinha a liberdade de lhes dizer tudo
quanto lhe vinha à cabeça como de ouvir tudo quanto lhe queriam dizer.
[10] Guerra
[11] De uma forma geral, as principais funções dos achicundas eram:
proteger as fronteiras dos Estados contra ameaças externas; sufocar as
revoltas internas e em capturar escravos para a venda.
[12] Pélissier, op. Cit. p. 110.
[13] Capela, José, op. Cit. p. 45.
[14] O Estado da Maganja da Costa e os outros tinham capacidade militar
para limitar a penetração do Estado Português pois em conjunto controlavam
a maioria da área do vale do Zambeze: dominavam os cursos de água
estratégicos e rodeavam todas as bases militares e administrativas
portuguesas.
[15] Capela, José, op. Cit. 1992:43.
[16] Pélissier, René, op. cit. p. 109.
[17] Pereira, José Luís, op. Cit. 2000:96.
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