Estado e poder local_ ensaio teórico sobre estudos no Brasil

July 7, 2017 | Autor: Marcia Silva | Categoria: Ciencia Politica, Ciências Sociais, Geografia, Administração
Share Embed


Descrição do Produto

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

Menú principal

Biblio 3W  REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES  (Serie  documental de Geo Crítica)  Universidad de Barcelona   ISSN: 1138­9796. Depósito Legal: B. 21.742­98   Vol. XIV, nº 841, 30 de septiembre de 2009

ESTADO E PODER LOCAL: ENSAIO TEÓRICO SOBRE ESTUDOS NO BRASIL   Márcia da Silva Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro­Oeste (UNICENTRO) ­ Paraná, Brasil [email protected] Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil (Resumo) O  estudo  das  teorias  e  das  formas  de  poder,  dentre  elas  as  do  Estado,  das  elites,  dos  grupos  de  interesses,  dos  micro­ poderes, do poder de influência etc, estão relacionados, neste texto, à formação do Estado patrimonialista brasileiro e as estruturas  que  comprometeram  suas  transformações  ou  possibilitaram  suas  permanências,  como  às  singularidades expressas no poder local. O poder dos grupos locais ora está em disputa e ora está em associação, sendo compreendido a partir  de  sua  história  e  memória  próprias,  por  identidades  e  práticas  políticas  determinadas.  Com  isso,  é  socialmente construído, mesmo configurando­se, no Brasil, a partir do município, ou seja, também como recorte territorial localizado e localizável. O objetivo, assim, é o de discorrer sobre a formação do Estado brasileiro e sua relação com o poder local por  meio  de  um  ensaio  que  buscou  aglutinar  estudos  que  deram  origem  e  contribuíram  para  a  fundamentação  teórico­ empírica  do  mesmo  a  partir  dos  anos  1950.  Os  aportes  metodológicos  diferenciados  e  os  critérios  específicos  das abordagens  tornaram  o  tema  poder  local  instigante  e  fizeram  com  que  o  mesmo  fosse  pesquisado  por  correntes sociológicas,  históricas,  antropológicas,  geográficas,  da  Ciência  Política,  todos  com  expressividade  analítica  que  os tornaram referência, até os dias atuais, reafirmando a pertinência das pesquisas sobre poder nessa escala de análise. Palavras­chave: poder, Teorias sobre poder local; Estado patrimonialista brasileiro Estado y poder local: ensayo teórico sobre estudios en Brasil (Resumen) Las teorías y las formas de poder (entre ellas las del Estado, de las elites, de los grupos de interés, de los micro­poderes, del  poder  de  influencia  etc.),  se  relacionan,  en  este  texto,  con  la  formación  del  Estado  patrimonialista  brasileño  y  las estructuras  que  comprometerán  sus  transformaciones  o  posibilitarán  sus  permanencias,  como  las  singularidades expresadas  en  el  poder  local.  El  poder  de  los  grupos  locales  unas  veces  está  en  disputa  y  otras  en  asociación,  siendo comprendido  a  partir  de  su  historia  y  memoria  propias,  por  identidades  y  prácticas  políticas  determinadas.  Está  pues, socialmente  construido,  configurándose,  en  Brasil,  a  partir  del  municipio,  o  sea,  también  como  territorio  localizado  y localizable. El objetivo, así, es reflexionar sobre la formación del Estado brasileño y su relación con el poder local por medio  de  un  ensayo  que  trata  de  integrar  los  estudios  que  dieron  origen  y  contribuyeron  a  la  fundamentación  teórica­ empírica del mismo a partir de los años 1950. Las aportaciones metodológicas identificadas y los criterios específicos de las  aproximaciones  han  convertido  el  tema  del  poder  local  en  un  estímulo  y  han  hecho  que  el  mismo  haya  sido investigado  por  corrientes  sociológicas,  históricas,  antropológicas,  geográficas  y  de  la  ciencia  política,  reafirmando  la pertinencia de las investigaciones sobre el poder en esa escala de análisis. Palabras­clave: poder, teorías sobre el poder local, Estado patrimonialista brasileño State and local power: theoretical essay on studies in Brazil (Abstract) The study of the theories and the forms of power, amongst them the theories of State, elites, groups of interests, micron­ powers,  the  power  of  influence  etc,  are  related  in  this  text  to  the  Brazilian  Patrimonialist  State  formation  and  the structures that compromised its transformations or enabled its permanencies, as the expressed singularities in the local power. The power of local groups is sometimes confronted and sometimes in combination, being understood from their own  history  and  memory,  for  determined  identities  and  political  practices.  Therefore,  it  is  socially  constructed,  even setting  up  in  Brazil  from  the  municipality,  that  is,  as  a  located  and  locatable  territorial  clipping.  Thus,  the  aim  of  this paper is to examine on the formation of the Brazilian State and its relations with the local power by means of an essay http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

1/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

that attempted to agglutinate the studies that originated and contributed for the theoretical empiric substantiation of the same from the 50s. The differentiated methodological contribution and the specific criteria of the explanation let the local power  theme  instigating  and  get  the  same  to  be  researched  by  some  points  of  view,  as  the  sociological,  historical, anthropological,  geographical  thoughts  and  by  the  Political  Science,  all  with  analytical  expressivity  that  made  them reference, until the current days, reaffirming the relevance of the research about power in this scale of analysis. Key words: power; Local power theories; Brazilian Patrimonialist State

As formas de poder e o Estado Ao tratamento dos temas do Estado ou a ele relacionados dá­se o nome de política. O Estado e a política têm em comum a referência ao poder. Não há teoria política que não parta, direta ou indiretamente, de uma definição de poder e de uma análise do fenômeno do poder. Assim, é no poder político, a princípio aquele que tem exclusividade do uso da força, mas não  necessariamente  a  física,  que  se  estabelece  mais  eficazmente  essa  relação.  Além  de  concebido  como  órgão  de produção  jurídica,  o  Estado  é  uma  forma  de  organização  social  e  não  se  dissocia  da  sociedade  e  das  relações  sociais subjacentes. A abordagem aqui realizada trata o Estado nesta dimensão social, como ordenamento jurídico da sociedade, residindo  aí  uma  das  justificativas  para  seu  estudo  pela  Geografia  e  pelas  demais  ciências  que  se  ocupam  não  só  das relações sociais, mas de sua organização, inclusive espacial. A teoria do Estado apóia­se, a partir dessa premissa, na teoria dos três poderes ­ o legislativo, o executivo e o judiciário – e na relação entre eles. É a inserção da teoria do Estado como uma parte da teoria política e desta, por sua vez, como parte  da  teoria  do  poder.  “Por  longa  tradição  o  Estado  é  definido  como  o  portador  da  summa  potestas:  e  a  análise  do Estado se resolve quase totalmente no estudo dos diversos poderes que competem ao soberano” (Bobbio, 1985, p. 77). Se as teorias do Estado e da política derivam da teoria (ou das teorias) do poder, é nela, a priori, que se deve pensar.  É objetivo deste texto apresentar um ensaio teórico, posto resultado da análise de pesquisas e não propriamente de uma exploração  empírica  realizada  pela  autora,  sobre  o  Estado  patrimonialista  brasileiro  e  conseqüências  ou  causas  que fizeram  com  que  o  denominado  poder  local,  conjuntamente  com  outras  matizes,  direcionasse  os  rumos  do  mesmo, impedindo, por vezes, intervenções mais democráticas tanto dos grupos que o dominam quanto daqueles que são por ele dominados, num sentido ideológico que este incorpora em suas bases de poder.    O “problema” do poder foi apresentado na filosofia política sob alguns aspectos, dando origem há três teorias, sendo elas: a substancialista (Hobbes), a subjetivista (Locke) e a relacional (a mais conhecida é a de Robert Dahl). Na primeira, “o poder é concebido como uma coisa que se possui e se usa como um outro bem qualquer (...) dotes naturais como a força e a inteligência, ou adquiridos, como a riqueza”; na segunda, o poder é compreendido não como “a coisa que serve para alcançar o objetivo mas a capacidade do sujeito de obter certos efeitos” e; na terceira, o poder se estabelece como “uma relação  entre  dois  sujeitos,  dos  quais  o  primeiro  obtém  do  segundo  um  comportamento  que,  em  caso  contrário,  não ocorreria” (Bobbio, 1985, p. 77). Nesta última teoria, as relações de poder político passam, entre outros, pela influência (para o autor um conceito mais amplo que o de poder) de um indivíduo sobre o outro e pela aceitação dessa influência, isto é, o indivíduo B, que recebe influência de A, tem confiança nas considerações desse último. Esta definição inclui a de liberdade, ou seja, “o poder de A implica a não liberdade de B” (Bobbio, 1992, p.77). Das três teorias, a última é a mais aceita no discurso político contemporâneo. Se o poder político é aquele que têm condições de recorrer, em última instância, a força, com exclusividade sobre ela, “se refere ao meio de que se serve o detentor do poder para obter os efeitos desejados” (Bobbio, 1985, p. 82). O critério do meio permite uma tipologia fundada nos poderes sociais: o econômico (da riqueza), o ideológico (saber) e o político (da força). Definido o poder político como aquele sustentado pela força, os demais se apresentam como se segue: O poder econômico é aquele que se vale da posse de certos bens, necessários ou percebidos como tais, numa situação de escassez, para induzir os que não os possuem a adotar certa conduta, consistente principalmente na execução de um trabalho útil (...).  O  poder  ideológico  é  aquele  que  se  vale  da  posse  de  certas  formas  de  saber,  doutrinas,  conhecimentos,  às  vezes apenas de informações, ou de códigos de conduta, para exercer uma influência sobre o comportamento alheio e induzir os membros do grupo a realizar ou não realizar uma ação (Bobbio, 1985, p. 82­3). As três formas de poder contribuem para manter sociedades desiguais, produzindo ricos e pobre[1],  sábios  e  ignorantes  e  fortes  e  fracos.  Ao  longo  do  tempo,  o objetivo das grandes correntes do pensamento político e da filosofia da história, com visões diferenciadas, foi o de dispor esses  poderes  mediante  hierarquias,  com  maior  ou  menor  grau  de  importância.  Em  Hobbes,  por  exemplo,  o  poder  por excelência  é  o  poder  político,  ou  seja,  o  poder  que  tem  no  primado  da  política  a  razão  de  sua  existência.  Os  estudos realizados  por  Hobbes  sobre  o  tema  lhe  concederam  o  status  de  maior  teórico  do  Estado  moderno.    As  idéias anteriormente expostas não podem ser aplicadas, diretamente, para o caso brasileiro, já que essas reflexões tiveram como pressuposto, principalmente, o modelo europeu, que contou com a existência de organizações e diversos movimentos que pressionaram  os  governos  quanto  às  reivindicações  dos  grupos  menos  favorecidos,  bem  como  do  fato  de  que  as instituições que formaram o Estado moderno assim o fizeram por meio de heranças culturais.    Isso  não  significa  ausência,  no  entanto,  de  reivindicações  ou  de  movimentos  de  resistência.  Ao  contrário,  eles  sempre existiram ao longo de nossa história. Mas o que houve também foi uma resistência das oligarquias em atender às pressões http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

2/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

realizadas por esses movimentos e instituições. Como são elas (as oligarquias) as ocupantes de grande parte dos postos nos  órgãos  decisórios  impedem  manifestações  que  possam  ameaçar  sua  hegemonia.  Nesse  caso,  podemos  citar  a persistência do poder dos latifundiários para se defender, por exemplo, da mobilização social do MST. Bem  como  a  definição,  a  legitimidade  também  é  considerada  um  problema  clássico  do  poder  político.  Os  mais importantes fatores de legitimidade, no decorrer da história, partem de três grandes princípios unificadores: a vontade, e assim  os  governantes  receberiam  seu  poder  de  Deus  ou  do  povo,  cabendo  a  eles  aplicar  as  leis  naturais  da  razão;  a natureza,  existindo  naturalmente  fracos  e  fortes,  sábios  e  ignorantes  –  o  poder  natural  de  mandar  e  obedecer, independente da vontade humana e; a história passada, a tradição (teorias tradicionalistas do poder), o uso prolongado do poder ou a manutenção do status quo. É neste último princípio que se inclui a ideologia conservadora, já que defende uma visão estática da história. Nela, é bom o que dura, como apontou Burke[2], ao se colocar favorável ao poder dos reis às pretensões dos revolucionários na Inglaterra.  Analisando  Burke,  Bobbio  (1985)  afirma  que  a  referência  à  história  passada  constitui­se  um  critério  de legitimação  do  poder  instituído.  Em  contrapartida,  o  revolucionário  tenderia  a  impor  o  deslocamento  do  antigo  e  o nascimento de novas etapas, mais avançadas que as precedentes e baseadas, nesse exemplo, nos princípios da Revolução Francesa, dos quais Burke era contra. Nesse caso o revolucionário apresenta uma concepção dinâmica da história (apesar de  nem  todo  indivíduo  ou  grupo  que  busca  transformações  o  fazer  pela  via  revolucionária),  considerando  a  mudança como fator primordial de renovação do poder. No Brasil é possível encontrar alguns dos elementos discutidos acima, em relação à ideologia conservadora, quando nos atemos  à  análise  da  formação  do  Estado  pela  corrente  de  estudos  fundada  por  Raymundo  Faoro,  que  denomina  essa formação de patrimonialista. Um dos aspectos da proposta é o de que o Estado brasileiro, mediante uma série de práticas que permite a reprodução de relações arcaicas, impede transformações de cunho mais profundas na sociedade de forma geral e, em particular, em sua própria base.

A formação do Estado patrimonialista brasileiro De acordo com Mota (1999) o Brasil, formado por três séculos de escravidão e presença marcante da igreja em relações diversas,  com  a  independência  política  foi  inserido  em  questões  que  levaram  à  construção  de  outras  idéias.  Elas definiram,  ao  longo  do  processo  de  formação  econômico­social  e  político­cultural,  os  dois  séculos  seguintes.  “No processo, pontilhado de conflitos, insurreições, golpes e acomodações, forjou­se a nacionalidade como categoria histórica e,  não  menos  importante,  como  ideologia  política  e  cultural”  (Mota,  1999,  p.  200).  O  autor  afirma,  ainda,  que  esse período de formação de uma idéia de Brasil ocorreu, primordialmente, entre 1817, quando se iniciou a ruptura a partir da Revolução Pernambucana, e 1850, quando certos comportamentos e formas de pensamento passaram a ser chamados de nacionais. Para ele, no entanto, o que se presenciou foi a formação de uma consciência nacional conservadora. Essa consciência ou a  nacionalidade,  apesar  de  assegurada  pela  consolidação  do  Estado,  foi  algumas  vezes  revista,  como  no  governo  de Getúlio  Vargas.  Mas  nem  por  isso,  por  exemplo,  isentou­se  de  um  liberalismo  consolidado  como  meio  pertinente  de encobrir a dependência (da portuguesa à inglesa) e manter relações patrimonialistas. E aí está, afirma Mota (1999), o que se chama de “nó” histórico. Muda, mas permanece.  Raimundo Faoro (1975), ao estudar a formação histórica brasileira, identificou um processo um pouco diferente. Para o autor,  as  tentativas  de  mudança  não  só  da  idéia  de  Brasil,  mas  da  política  brasileira,  como  os  movimentos revolucionários,  a  Cabanada  e  as  Revoluções  Praieira  e  Farroupilha,  por  exemplo,  foram  abafadas  pelos  mecanismos políticos do Estado patrimonialista. O patrimonialismo, na acepção de Faoro (derivada da sociologia weberiana da qual é seguidor),  é  um  subtipo  de  dominação  tradicional.  O  Brasil,  “herdeiro  do  patrimonialismo  português,  recebeu,  com  a independência, o impacto do mundo inglês, já moderno, adotando a máscara capitalista e liberal, sem negar, ou como se diria  com  mais  propriedades,  sem  superar  o  patrimonialismo”  (Faoro,  1998,  p.17)[3].  Patrimonialismo  esse  que  nem mesmo a ideologia liberal e democrática conseguiu quebrar ou desfazer. Para  o  autor,  o  patrimonialismo  só  ocorre  quando  tradicional  for  o  tipo  de  dominação.  Além  disso,  é  adepto  de  uma orientação à sociedade de cima e do alto, nunca permitindo a ordem inversa. Para que “haja patrimonialismo é necessário que os recursos econômicos e administrativos (em sentido amplo) dependam do poder soberano ou do poder público, que atua  por  meio  de  concessões,  subsídios  e  autorizações”  (Faoro,  1998,  p.17).  Numa  sociedade  patriarcal,  de  mando familiar, onde o indivíduo e o Estado pouco dominam, não se desenvolve o patrimonialismo. A busca realizada por Faoro (1975) remonta a Portugal do século XVII, portanto, à gênese da história brasileira. Para ele, o patrimonialismo é a forma como “a comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios privados, seus na origem, como negócios públicos, depois”. Para o autor, o patrimonialismo (em que pese ter assumido novos contornos) está no fato de o Estado preceder ou se colocar acima do grupo social cuja segurança, ordem pública e legitimidade deve garantir.  Ora,  afirma  Faoro  (1975),  o  predomínio  do  Estado  sempre  foi  uma  característica  marcante  da  sociedade brasileira,  constituída  justamente  no  conservadorismo[4]  e  na  tradição,  mas  não  somente  a  tradição  patriarcalista,  de http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

3/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

mando  político  familiar,  como  abordado  por  Gilberto  Freyre[5]  e  que,  de  acordo  com  Faoro  (1998),  se  consagrou impropriamente como sinônimo de direita. Prado  Júnior  (2000),  por  sua  vez,  explica  que  mesmo  com  a  constituição  de  um  Estado  brasileiro,  o  poder  continuou sendo exercido externamente, por meio das metrópoles. Esse Estado, compreendido como nacional, reproduziu quase que totalmente  as  relações  de  poder  anteriores,  isso  porque  não  surgiu  “do  íntimo  da  sociedade  brasileira”  (Prado  Júnior, 2000,  p.  357).  Com  ele  formou­se  um  conjunto  social  que  se  identificou  por  contradições  próprias  da  organização político­econômica daquele período, como as existentes na relação senhores e escravos e outras citadas pelo autor. Para Faoro (1998, p. 25), Prado Júnior também “acatou a tese da dominação patrimonial, sem lhe indicar as fontes”. Assim, as relações conservadoras de poder podem ser identificadas na própria constituição do Estado patrimonialista brasileiro e em seus pares, como o clientelismo e a troca de favores. Para Fernandes (1973), no entanto, a idéia de Estado e, por sua vez, de Estado subdesenvolvido ou subdesenvolvimento, não se configura enquanto atraso, isso porque quando discorre sobre a heteronomia ou dependência o faz por meio do seu conceito de capitalismo dependente, ou seja, uma das fases do capitalismo em sua forma específica de desenvolvimento e parte de um momento histórico do mesmo, o capitalismo monopolista. A nós importa o fato de que o autor trabalha com a teoria do desenvolvimento capitalista dirigindo sua atenção ao sistema de classes sociais e que suas relações dinamizam esse desenvolvimento, o que pode ocorrer por meio do conflito ou da parceria/associação. É  por  isso  que  o  autor  não  atribui  a  condição  de  dependência  exclusivamente  à  dominação  externa,  entendendo  que  o capitalismo  possui  lógica  própria  e  que  esta  consiste  exatamente  na  articulação  entre  os  mecanismos  “de  fora  para dentro”  (dos  centros  capitalistas  hegemônicos  para  as  economias  capitalistas  dependentes)  e  “de  dentro  para  fora”  (da periferia para os centros hegemônicos). Assim conclui que “um não se fortalece sem ou contra o outro”  (1973, p. 54). Com  esta  argumentação,  a  de  que  as  relações  de  classe  estão  no  centro  da  constituição  dos  mecanismos  próprios  do capitalismo,  tanto  no  seu  desenvolvimento  clássico,  quanto  na  sua  especificidade  dependente,  Fernandes  (1973) apresenta dois elementos, com os quais comungamos, considerados fundamentais para o processo de  funcionamento e de continuidade  da  dependência:  a  importância  da  burguesia  local  que  se  vincula  à  burguesia  externa  sendo  com  menor intensidade e subordinada a ela e; a exacerbada relação das classes internamente, caracterizada pela “sobre exploração” e pela “sobre expropriação” capitalista do trabalho (Fernandez, 1973, p. 54). Trata­se de “uma realidade sócio­econômica que não se transformou ou que só se transformou superficialmente, já que a degradação material e moral do trabalho persiste e com ela o despotismo nas relações humanas, o privilégio das classes possuidoras,  a  super  concentração  da  renda,  do  prestígio  social  e  do  poder,  a  modernização  controlada  de  fora,  o crescimento econômico dependente etc” (1973, p. 42). Com isso, para a América Latina, o que se entende é que as possibilidades de transformação deflagradas pelas burguesias locais  são  impedidas  de  se  darem  em  razão  da  subordinação  às  burguesias  externas  e  da  tímida  pressão  sobre  elas exercida pelas classes trabalhadoras. Entretanto, (...) não é que existam duas ‘burguesias’, mas uma hegemonia burguesa duplamente composta, graças à qual interesses burgueses internos e externos se fundem, funcionando estrutural e dinamicamente de forma interdependente e articulada. Esta associação cria a inviabilidade da América Latina sob o capitalismo, porque é ela que origina, preserva e legitima um  padrão  de  mudança  social  que  continuamente  reorganiza  a  dependência,  a  espoliação,  a  miséria  e  as  iniqüidades sociais, que tornam a revolução nacional uma improbabilidade histórica” (Fernandez, 1973, p. 146). Há, no entanto, segundo o autor, uma relação de “dependência interna” neste processo. Como dominantes, as burguesias dependentes são tanto mais fortes quanto mais frágeis e desorganizadas forem as demais classes sociais, mas, enquanto classe, isto é, enquanto possuidora de capacidade para conduzir transformações ou forjar permanências que organizem a sociedade de acordo com os seus moldes, a atonia das demais classes a afugenta. Assim, “por paradoxal que pareça, o que mais debilitou as burguesias latino­americanas, reduzindo sua capacidade de ação econômica e de atuação política, foi a maneira pela qual pretenderam fortalecer­se, excluindo ou enfraquecendo outros protagonistas sociais” (Fernandez, 1973, 57). Essa inquietação, aliás, retrocede à década de 1930, com a publicação de Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda[6], onde o tema da permanência de um seleto grupo dominante em determinadas relações de poder já era discutido. É  nesse  sentido  que  se  faz  marcante  a  presença  histórica  do  Estado  patrimonialista  na  sociedade  brasileira,  na  qual  a correlação  de  forças  políticas,  sociais  e  econômicas  implica  relações  ideológicas  de  poder  conservador.  Destaca­se, porém, que é preciso compreender esse Estado como uma das alternativas ou formas de poder, envolvendo­se com outras formas, como aquelas dos grupos sociais de interesses, dos micro­poderes, do poder simbólico, das elites, dos grupos de influência e outros, não apenas como única fonte ou fonte superior e conservadora de poder.

O atraso e as transformações do Estado brasileiro http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

4/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

De acordo com Marques (2003, p. 188), para “uma parte significativa das ciências sociais, assim como para praticamente todo o senso comum, o Estado brasileiro teria como uma de suas principais características sua interpenetração com atores privados”.  Levando­se  em  consideração  os  referenciais  citados  pelo  autor,  a  justificativa  estaria  nas  próprias  relações entre Estado e classes dominantes no Brasil, ou na finalidade equivocada das instituições brasileiras que incentivariam o personalismo,  o  clientelismo  e  a  corrupção  (Geddes  e  Ribeiro  Neto,  2000).  Além  disso,  num  nível  mais  micro,  pela importância  das  relações  pessoais  na  estruturação  do  poder  político  (Bezerra,  1995)  e  na  separação  entre  indivíduo  e pessoa nas relações sociais (Mata, 1978). Além de Raymundo Faoro, citado há pouco, José de Souza Martins também estuda a ordem patrimonialista no Estado brasileiro. Para este autor, o Estado brasileiro domina a sociedade e o faz a partir de relações políticas atrasadas, como o clientelismo, a dominação tradicional de base patrimonial e o oligarquismo. É o atraso que, para o autor, é instrumento de poder. Isso  acontece  porque  no  caso  da  sociedade  brasileira  as  transformações  sociais  e  políticas  são  lentas,  mesmo considerando­se a “juventude” do Estado brasileiro. As estruturas, as instituições, as concepções, os valores do passado com elas se reproduzem. A “modernização se dá no marco da tradição, o progresso ocorre no marco da ordem (...) o novo surge  sempre  como  um  desdobramento  do  velho”  (Martins,  1994,  p.  30).  O  príncipe  herdeiro  da  Coroa  portuguesa proclamou  a  independência,  os  senhores  de  escravo  aboliram  a  escravidão,  latifundiários  rurais  transformaram­se  em grandes comerciantes e industriais (a moderna elite econômica do país). É por isso que se engana quem acredita que o pensamento  conservador  “é  imobilista.  Ao  contrário,  o  pensamento  conservador  se  tornou  ativo  e  transformador[7]” (Martins, 1994, p. 15), como estratégia para se manter no poder. Para  Martins  (1994),  “o  trânsito  de  dinheiro  particular  para  os  bolsos  dos  políticos  por  meio  das  funções  públicas  que ocupam combina­se, na tradição brasileira, com o movimento inverso do dinheiro particular dos políticos em favor dos interesses particulares dos eleitores, justamente como compensação pela lealdade política destes últimos” (Martins, 1994, p. 19­20). Concorda­se com Martins (1994) que ao longo do tempo a política do favor não permitiu a distinção entre o patrimônio público  e  o  patrimônio  privado  na  formação  do  Estado  brasileiro,  até  porque  ela  nunca  chegou  a  se  constituir.  A novidade, porém, está na dominação política patrimonial revestida de moderno ou de caráter burocrático­racional­legal. Ou seja, a tradição não se opõe ao moderno, mas nutre­se dele. É neste sentido que as “oligarquias políticas no Brasil colocaram a seu serviço as instituições da moderna dominação política, submetendo a seu controle todo o aparelho de Estado” (Martins, 1994, p. 20). O autor afirma, porém, que há contradições no interior dessa legitimidade de tipo tradicional, e que são elas reveladoras das fragilidades de um Estado cuja constituição resulta da união entre o tradicional e o moderno. Para Martins (1994, p. 21) aí reside à possibilidade da mudança: “nas contradições e debilidades que a modernização introduziu na dominação oligárquica  tradicional”.  Para  os  autores  analisados,  mesmo  com  todos  os  acontecimentos  político­econômicos  pelos quais o Brasil passou, especialmente no século XX, bem como as de ordem mundial, algumas relações pouco mudaram, como  aquelas  que  se  asseguram  em  relações  de  poder  mais  específicas,  sendo  exemplos  muitas  arraigadas  numa singularidade de poder político local.

A análise do local no poder local Analisar  a  natureza  e  o  significado  do  poder  enquanto  um  campo  de  investigação  com  imensas  diversidades  teórico­ metodológicas é uma tarefa complexa, independente de sua escala, mesmo considerando “relações concretas, socialmente construídas e territorialmente localizadas ­ a chamada análise do local” (Fischer, 1992, p. 106). O que se denomina de local, remete­se, no Brasil, à esfera municipal, o lugar de exercício do poder, prefeitura e câmara municipal e as múltiplas instituições  sociais  a  esta  esfera  vinculadas  (Daniel,  1988).  Compreende­se,  também,  como  o  autor,  que  o  poder  local constitui­se  nas  relações  que  delimitam  o  poder  entre  os  diferentes  grupos  sociais,  o  que  pode  ocorrer  externamente  a essa esfera. Para  compreender  o  local  e  as  relações  de  poder  nele  existentes,  não  basta  identificá­lo  ao  poder  político.  É  preciso conceituar  esse  poder  como  o  poder  exercido  econômico,  social,  cultural  e  simbolicamente.  Nas  palavras  de  Fischer (1992, p. 106): A noção de ‘local’ contém duas idéias complementares em um sentido e antagônicos em outro. Se o ‘local’ refere­se a um  âmbito  espacial  delimitado  e  pode  ser  identificado  como  base,  território,  microrregião  e  outras  designações  que sugerem  constância  e  certa  inércia,  contém  igualmente  o  sentido  de  espaço  abstrato  de  relações  sociais  que  se  deseja privilegiar  e,  portanto,  indica  movimento  e  interação  de  grupos  sociais  que  se  articulam  e  se  opõem  em  relação  a interesses comuns. E, assim, invariavelmente a análise do ‘local’ remete ao estudo do poder enquanto relação de forças, por  meio  das  quais  se  processam  as  alianças  e  os  confrontos  entre  atores  sociais,  bem  como  ao  conceito  de  espaço delimitado e à formação de identidades e práticas políticas específicas. No entanto, se o espaço local tem um fundamento territorial inegável, não se resume a este, como, aliás, assinalam os geógrafos ao nos dizerem das muitas maneiras de se http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

5/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

construir os espaços, refutando fronteiras institucionais e reconstruindo­as em função de problemáticas adotadas. Concorda­se,  ainda,  com  a  autora  (1992,  p.  106)  que  o  poder  local  “alude­se  ao  conjunto  de  redes  sociais  que  se articulam  e  se  superpõem,  com  relações  de  cooperação  e  conflito,  em  torno  de  interesses,  recursos  e  valores,  em  um espaço cujo contorno é definido pela configuração desse conjunto”. Villasante (1988, apud Fischer, 1992) conclui, então, que o local é menos um espaço físico e mais um conjunto de redes estruturadas em torno de interesses identificáveis. Essa identificação leva a indagações sobre o espaço político local, as competições  e  os  conflitos,  sobre  a  memória  política  local  e  as  formas  de  exercício  do  poder.  O  local  é,  então,  a singularidade,  com  história  e  memória  próprias,  com  identidades  e  práticas  políticas  determinadas.  “Como  objeto  de investigação, o local não é, portanto, apenas fisicamente localizado, mas socialmente construído” (Fischer, 1992). É bem verdade que as dimensões escalares do espaço geográfico sofreram mudanças com as transformações econômicas, sociais  e  políticas  impetradas  pelo  processo  de  globalização.  Alguns  chegam  a  afirmar  que  a  falência  de  projetos  de desenvolvimento  regional  tornaram  essa  escala  obsoleta.  Outros,  que  a  redefinição  do  significado  do  Estado­Nação coloca em questão a escala nacional. Apesar de não concordar com essas abordagens, indica­se que o local assume, nesse contexto,  um  papel  importante,  pois  é  nele  que  as  diferentes  articulações,  advindas  desses  processos,  tornam­se  mais visíveis.  É  o  acontecimento  configurando  o  que  é  local.  É  a  realidade  vivida  e  vivenciada,  mas  também  a  realidade vinculada a relações maiores, de contornos nacionais e globais. Para  Davidovich  (1993),  a  viabilidade  de  uma  escala  local  de  poder,  mesmo  numa  economia  capitalista  e  ainda  que articulada  a  outros  instâncias  de  dominação,  passa  por  um  suporte  de  bases  sociais  específico,  sustentado  pelas  elites, grupos  econômicos,  políticos  e  instituições  com  influência  efetiva[8].  Como  Davidovich,  Daniel  (1988,  p.30)  também conforma que os grupos dominantes locais (...) se representam como portadores da tradição local e do esclarecimento, razão pela qual se percebem como responsáveis pela condução do município e pelo seu futuro. (...) Na medida em que sua  constituição  se  dá  no  nível  simbólico  são  formados  por  agentes  sociais  de  raízes  heterogêneas:  profissionais liberais, membros do empresariado local, das classes médias assalariadas do município, etc. Esses grupos, quase sempre em minoria, acabam por ter poder sobre a região e sua população, inclusive repassando às novas gerações sua maneira de agir e de pensar, permitindo, se não perpetuar, ao menos consolidar temporariamente a hegemonia nas decisões locais. A população é manipulada, voluntariamente ou não, pelo caráter simbólico de crenças, valores  e  outros,  bem  como  pelos  meios  de  comunicação  (que  transmitem  essas  ideologias),  legitimando  as  ações  dos grupos detentores de poder. Os  grupos,  entretanto,  tendem  a  atuar  de  maneira  relativa,  mas  não  completamente  autônoma,  já  que  se  articulam  em partidos  políticos,  entidades  de  classe  e/ou  associações  para  ganharem  maior  legitimidade.  A  existência  de  articulação não  significa  ausência  do  conflito  (lutas,  negociações,  alianças,  antagonismos).  Ele  pode  existir  com  ou  sem  a articulação,  o  que,  de  certa  forma,  garante  a  não  consolidação  do  domínio  de  forças  (tradicionais)  duradouras (Davidovich, 1993). É  neste  sentido  que  se  justifica  o  fato  de,  atualmente,  no  Brasil,  nenhum  grupo  exercer,  sozinho,  o  controle  sobre  as decisões políticas, não somente locais. Temos como exemplo, o que já dizia, em 1994, José de Souza Martins: (...) as oligarquias políticas no Brasil colocaram a seu serviço as instituições da moderna dominação política, submetendo a seu controle todo o aparelho de Estado. Em conseqüência, nenhum grupo ou partido político tem hoje condições de governar o Brasil senão através de alianças com esses grupos tradicionais (Martins, 1994, p. 20).

A análise do poder local Nas  abordagens  apresentadas  acima  pode­se  perceber  que  o  Estado  é  só  um  entre  os  vários  modelos  da  organização institucional do poder (embora o mais bem elaborado). O universo político, marcado por transformações ao longo de sua existência,  demonstra  que  algumas  das  mais  importantes  delas  são  relativamente  recentes.  Assim,  a  tradição  de pensamento científico­social tende a situar na transição para a época moderna o principal ponto de mudança na percepção que atualmente se tem do Estado. O Estado é uma das figuras que mediam o poder local, uma vez que é no cruzamento de suas várias concepções e das lutas simbólicas por elas desencadeadas que se projeta igualmente a idéia da atuação deste em nível local (Felizes, 1999), o que não implica que não se deva ultrapassar a fronteira do poder nele ou por ele estabelecido, o que conforma quando se pensa na existência de uma sociedade estratificada, com grupos de interesses, micro­poderes, relações individuais e de grupos estrategicamente formados. É o que nos lembra Felizes (1999): “o poder político não orbita unicamente em torno do Estado, pois os Estados coexistem com outras organizações, com outras estruturas igualmente relevantes do ponto de vista  da  sua  capacidade  de  determinar  as  trajetórias  globais  das  sociedades”.  São  os  chamados  ‘contra­poderes’  ou mesmo a ‘instrumentalização’ do Estado por meio de diversos agentes. No universo do poder local (mas claramente não só dele), é possível a observação de um complexo relacionamento entre http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

6/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

o  poder  político  e  uma  rede  de  poderes  difusos  que,  como  indica  o  autor  acima  (1999,  p.  125),  “posicionam­se diferentemente perante o poder político e, de acordo com os atributos que lhes são próprios, podem disputar com ele a capacidade de decisão”. Para Felizes (1999), a interpretação da forma como se configuram estes poderes vai ao sentido de distinguir entre, de um lado,  os  poderes  difusos  mais  ‘organizados’,  como  é  o  caso  das  elites  político­econômicas  locais  e,  de  outro  lado,  um poder difuso mais próximo do quotidiano social, das relações que envolvem estratégias mais ou menos conscientes de apropriação  e  utilização  desse  poder,  que  não  é  o  poder  político  ou  econômico  formalmente  reconhecido,  mas  sim  o poder de ‘classificar’, de ‘ver’ e de ‘fazer ver’ o mundo, de reconhecê­lo com outros atributos, a exemplo dos simbólicos, como afirma Bourdieu (1989). Interessa­nos  saber  como  se  articulam  estes  poderes.  Como  nos  sugere  a  argumentação  de  Russ  (1994,  apud  Felizes, 1999), podemos questionar ‘quem detém o poder’ de diferentes formas, apelando a figuras como as elites, os grupos de pressão, a rede de relacionamentos ou mesmo uma pluralidade de poderes. Tem­se, então, lançada uma das questões mais triviais dos estudos sobre o poder ou o poder local: quem governa?[9] Aqui, ousamos perguntar: quem efetivamente tem o poder de decidir? Quem manda afinal? Compreendendo a escala local e do poder local como campo prioritário da ação política, cabe lembrar o estudo de Carlos Bernardo Vainer, em especial o sugestivo “As escalas do poder e o poder das escalas: o que pode o poder local?”[10]. Com  esse  questionamento,  o  autor  relaciona  o  poder  local  a  um  sentido  de  patriotismo  de  cidade,  uma  pretensa capacidade  extraordinária  dos  governos  locais  de  cumprir,  de  maneira  mais  eficaz  e  eficiente,  as  funções  até  então tradicionais aos governos nacionais, como as de acumulação e de legitimação. Por  isso  concorda­se  com  Vainer  (2001,  p.  144)  que,  enquanto  “a  polaridade  local  x  global  domina  o  debate contemporâneo”, não se deve opor escalas, mas articulá­las e combiná­las, já que “eu vivo cotidianamente no mundo e no meu local, no meu município, na minha cidade, no meu país”. Para se entender esse processo é preciso atentar que “o local,  a  cidade  em  primeiro  lugar,  constitui  escala  e  arena  de  construção  de  estratégias  transescalares  e  de  sujeitos políticos aptos a optarem de forma articulada com coalizões e alianças em múltiplas escalas” (Vainer, 2001, p. 149). Isso porquê a "escala local não encerra em si senão parte dos desafios a serem enfrentados" (Vainer, 2002, p.29). Mas faz­se importante questionar, também como Vainer (2002, p.13), se "é possível ir além de uma ação governamental cuja virtude  máxima  seja  a  de  apaziguar  localmente  conflitos  sociais  engendrados  pela  estrutura  social  e  agravados  pela ofensiva neoliberal." O  levantamento  realizado  sobre  os  estudos  de  poder  local  no  Brasil  apresentados  abaixo  indicam,  nos  utilizando  das palavras de Vainer  (2002), que o localismo e o municipalismo quase sempre estiveram associados ao mandonismo local e  ao  coronelismo,  mas  que  no  final  dos  anos  1970  e  até  a  constituição  de  1988  serviram  como  “bandeira  da  esquerda democrática” e que nos anos 1990 apareceram tanto nas propostas da esquerda quanto na eloqüência neoliberal. Para  os  estudos  de  poder  local,  as  ciências  que  originaram  linhas  explicativas  vinculadas  às  dinâmicas  políticas  e  as políticas  locais  foram  Sociologia  e  a  Ciência  Política.  As  três  linhas  principais  são:  a  teoria  das  elites,  o  pluralismo (também  considerada  por  vários  estudiosos  como  parte  da  teoria  das  elites,  mudando  apenas  o  método  de  análise)  e  o marxismo,  que  enfocaram  fenômenos  particulares  e  atores  específicos,  por  isso  representam  visões  praticamente impossíveis  de  se  conciliarem  em  termos  teóricos.  Marques  (2003),  por  sua  vez,  afirma  que  em  nível  analítico  os mecanismos e atores destacados por elas são passíveis de articulação. De acordo com este autor, em termos cronológicos, a teoria das elites, investigada a partir do método reputacional, foi a primeira a se destacar na temática, com o estudo de Floyd Hunter (1953) sobre o governo urbano na cidade de Atlanta (EUA)[11]. Para ele, a estrutura de poder local se comporia a partir da influência de determinados grupos. No topo da pirâmide  estariam,  principalmente,  os  empresários  de  sucesso  e  as  lideranças  políticas  de  destaque  (as  econômicas,  as governamentais,  as  religiosas  e  as  culturais). A  inserção  na  estrutura  de  poder  aconteceria  pela  riqueza,  pelo  prestígio social e pela utilização da máquina política. A coesão se daria pelos interesses comuns, pelas obrigações mútuas ou pelos hábitos partilhados por essa elite. Nesta teoria, a sociedade seria frequentemente composta por uma minoria detentora de poder (“classe superior”) em contraposição a uma minoria dele privada (Marques, 2003). A principal conclusão, nesse sentido, é que a conformação do jogo do poder local, marcado pelo controle da elite, assim como a manutenção desse controle de maneira estável no tempo, levariam a que as políticas implementadas seguissem sempre os interesses dos indivíduos ali representados, tornando completamente viciados os resultados do governo sob a democracia representativa (Marques, 2003, p. 27). Assim, os grupos que dominariam as várias dinâmicas políticas e que se apropriariam do Estado seriam sempre da elite, ajudados  muitas  vezes  pelo  próprio  Estado,  que  seria  parcialmente  responsável  pela  reprodução  da  mesma. Consubstanciar­se­ia, assim, uma relação indissociável entre poder político e poder econômico (Fisher, 1992). O  poder,  nessa  perspectiva,  se  reproduziria  na  socialização,  na  educação  familiar,  na  estrutura  de  propriedades,  na http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

7/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

distribuição  da  riqueza  (acesso  a  certo  padrão  de  vida),  instituições  de  lazer  (clubes  e  outros  que  complementariam  as organizações anteriores), enfim, na composição do pertencimento a redes de relacionamentos ou de organizações as quais habitualmente  freqüentariam,  “através  das  quais  seriam  veiculados  informação,  negócios,  apoios  (...),  assim  como construídas e comungadas visões de mundo e valores” (Marques, 2003). Ainda de acordo com Marques (2003), a teoria das elites apresenta dois problemas principais de análise: dificuldade em incorporar as mudanças e as contingências ao processo político (alternância de poder) e de incorporar a importância de atores localizados no próprio Estado. Segundo Marques (2003), a política elaborada pela teoria das elites “causa sérios problemas à idéia de democracia e ao princípio democrático de controle dos eleitores sobre o governo” (Marques, 2003, p. 30). Em  busca  de  sanar  o  que  se  apresenta  como  problema  da  teoria  das  elites,  desenvolveu­se  também,  ao  final  dos  anos 1950, a perspectiva pluralista do poder. O estudo em que efetivamente abordou­se o tema foi o de Robert Dahl (1961), citado  há  pouco.  Nele,  a  principal  crítica  à  teoria  das  elites  é  a  de  que  ela  deixa  pouco  lugar  aos  políticos  ou  aos indivíduos  em  suas  análises.  Para  os  pluralistas,  então,  de  acordo  com  Marques  (2003),  quem  governa,  num  primeiro patamar,  são  os  partidos  políticos  e  as  organizações  de  interesses.  Mas,  aponta  ainda  o  autor  (2003)  que,  na  própria teoria, muitas vezes os partidos políticos são reduzidos a pouco mais que grupos de interesses ou conjuntos de indivíduos com  propósitos  comuns.  “A  unidade  básica  da  política  seria,  portanto,  os  grupos  de  interesses”  (Dahl,  1961,  apud Marques, 2003, p. 31). Defendem os pluralistas, como o próprio nome indica, que “a sociedade seria composta por uma pluralidade de grupos, cada qual com seus instrumentos de poder e seus interesses específicos e temáticos” (Marques, 2003, p. 31). Assim, em primeiro momento, nenhum grupo ficaria no poder de forma estável ao longo de muito tempo. As críticas de Marques (2003) a essa abordagem mais uma vez se fundamentam na análise equivocada do Estado, que é considerado uma página em branco a “ser preenchida” pelos grupos vitoriosos na política. Nela, ainda, valoriza­se precariamente os funcionários, as instituições, os capitais por ele (Estado) contratados, bem como os detentores de cargos eletivos. Para  as  duas  teorias,  foram  elaboradas,  ao  longo  do  tempo,  várias  análises  de  caráter  teórico­metodológico.  Felizes (1999) aponta que, na teoria das elites, Hunter desenvolveu aquilo que mais tarde passou a ser conhecido como método reputacional,  concluindo  que  quem  detinha  as  ‘rédeas  do  poder’  eram  quase  exclusivamente  os  grandes  homens  de negócios de Atlanta, embora operassem mais nos bastidores. Já o trabalho de Dahl (1961) estaria assentado numa metodologia mais plural, subsidiado no método decisional, com o objetivo  de  “examinar  decisões  para  ver  que  processos  de  influência  estão  presentes”,  bem  como  de  “identificar  os participantes  na  formulação  das  políticas  e  descrever  o  que  eles  faziam”  (Dahl,  1961,  apud  Judge,  1995,  p.  17).  Para Judge (1995), as principais conclusões de Dahl contradizem em grande parte as de Hunter. New Haven teria transitado, naqueles  últimos  dois  séculos,  de  uma  oligarquia  a  um  pluralismo  e,  ao  invés  de  uma  elite,  Dahl  teria  encontrado  um ‘estrato’  de  indivíduos  envolvidos  em  questões  políticas.  Já  os  adeptos  as  conclusões  de  Dahl  colocaram  em  causa  o pluralismo moderado de New Haven, no sentido de que, a partir dos anos 1960, a tensão social urbana e o envolvimento dos cidadãos no debate político aumentaram. Neste ponto, afirma Felizes (1999), alguns podem pensar que em vez de se perguntar: ‘quem governa?’, dever­se­ia perguntar: ‘será que alguém governa?’ A  divergência  entre  os  dois  grupos,  então,  giraria  em  torno  de  questões  fundamentais,  como  as  metodológicas  e  as teóricas.  Mesmo  com  a  polêmica  que  dividiu  os  primeiros  defensores  do  elitismo  e  do  pluralismo,  tanto  o  trabalho  de Hunter quanto o de Dahl foram inicialmente atacados justamente por suas supostas debilidades metodológicas. Em nível internacional,  de  acordo  com  Marques  (2003),  essas  duas  correntes  de  pensamento  foram  expressivas  nos  estudos  das dinâmicas políticas e do poder local. No Brasil, no entanto, a inserção de ambas as abordagens foi acanhada. A última das três linhas explicativas das dinâmicas políticas é a marxista. Ela, em função da importância da análise do marxismo estruturalista althusseriano e dos estudos de Paulantzas, nos anos 1970 e 1980, fez uma revisão do Estado e de sua  relação  com  o  poder.  Marques  (2003)  afirma  que  as  maiores  contribuições  foram  dadas  pela  literatura  francesa, fundando,  posteriormente,  os  dois  ramos  da  escola  de  sociologia  urbana  representados,  especialmente,  pelas  correntes neomarxistas criadas por Castells e Lojkine. A  crítica  marxista  à  teoria  das  elites  e  ao  pluralismo  se  constitui  a  partir  de  uma  interpretação  diversa  de  sociedade realizada  por  essa  vertente.  Nela,  a  sociedade  é  compreendida  como  o  conjunto  de  relações  entre  dominantes  e dominados, ou seja, duas classes antagônicas que conduzem, a partir de contradições, o cerne do movimento histórico, e não meramente como elites e massa, passivas entre si, com a existência de conflitos apenas no interior das elites. Além disso,  a  concepção  de  sociedade  depende  da  estrutura  ou  da  base  econômica,  e  da  superestrutura,  sendo  a  forma  de produção  determinante,  embora  nem  sempre  dominante.  Longe  de  ousar  interpretar,  neste  ensaio,  esta  análise  da sociedade, cabe afirmar que o núcleo da teoria marxista está na ruptura da ordem (diga­se do modo de produção) ou na passagem  de  uma  ordem  a  outra,  o  que  se  daria  mediante  as  contradições  internas  ao  próprio  sistema,  em  suas  forças produtivas e nas relações de produção. A mudança social, então, é considerada o grande objetivo de Marx e da maior parte dos marxistas. http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

8/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

Para  Marques  (2003),  mesmo  não  concordando  com  a  captura  estrutural  do  Estado,  um  elemento  pode  ser  destacado, qual  seja,  a  da  ação  dos  capitais  envolvidos  com  a  produção  da  política,  já  que,  para  ele,  esses  se  constituem  em importantes  atores  políticos,  pois  possuem  interesses  próprios  e  recursos  de  poder  não  só  financeiros,  mas  também simbólicos, organizacionais e discursivos, como alguns dos estudos exemplificados abaixo.

Os estudos de poder local no Brasil Os  estudos  de  poder  local  realizados  no  Brasil  a  partir  dos  anos  1950[12]  foram  sistematizados  por  alguns  autores, especialmente  como  resultados  de  pesquisas  de  mestrado  e  de  doutorado.  Dentre  as  análises,  podemos  destacar  as  de Tabak (1961), Gomes e Costa (1968), Carvalho (1969)[13] e Castro (1974)[14]. Em função dos aportes metodológicos e dos critérios específicos das abordagens, no entanto, suas observações foram diferenciadas. Pode­se  afirmar  que  esses  estudos  constituem­se  os  clássicos  sobre  o  tema,  aqueles  da  primeira  geração,  estando divididos  em  dois  grupos.  No  primeiro  deles  estão  os  estudos  publicados  pela  Revista  Brasileira  de  Estudos  Políticos, caracterizados  por  Carvalho  (1969)  como  estudos  políticos.  No  segundo  estão  os  estudos  de  comunidades  locais realizados  por  antropólogos  brasileiros  e  norte­americanos  da  USP  e  denominados,  por  Carvalho  (1969),  de  estudos antropológicos. Diante do interesse, aqui, pelos trabalhos de cunho político, optou­se pela análise de alguns desses. Dentre os citados, o de Carvalho, em 1969, alerta para alguns elementos que devem ser considerados ao se estudar a questão do poder local, elementos citados também por Castro, em 1974, e que tem sido preocupação daqueles que trabalham com o tema. Afirma ele que o conceito de poder local (como os demais) deve ser cuidadosamente definido e ter em vista a elaboração de uma discussão mais geral do poder em nível estadual ou nacional. Castro  (1974)  acrescenta  que  é  preciso  atentar  para  não  se  fazer  apenas  descrições  e  narrações,  lembrando­nos  da importância do papel da estrutura de classes e/ou dos grupos na dinâmica das relações de poder. Para a autora, deve­se buscar entender, ainda, os discursos dos grupos não detentores de poder e verificar o porquê de assim se encontrarem. Nesse  sentido,  questiona­se  de  quais  recursos  alguns  grupos  locais  são  controladores  para  que  se  sobrepunham  aos demais. E os excluídos, estão suprimidos do quê?  Outra análise, mais recente, é realizada por Kerbauy (1992) em sua tese de doutorado. A autora repensa o poder local no Brasil  a  partir  das  transformações  ocorridas  no  período  de  1964  a  1982.  Objetiva,  em  especial:  “contrapor  a  velha imagem  da  política  local,  como  esfera  privilegiada  do  coronelismo,  aos  novos  padrões  e  procedimentos  locais  que  se desenvolveram à medida que progrediu a interação nacional e se rompeu o isolamento local” (Kerbauy, 1992, p. 1). Kerbauy  (1992)  afirma  que  a  implantação  de  um  regime  autoritário,  no  Brasil,  em  1964,  deu  início  a  um  processo  de modernização conservadora, com o Estado ampliando sua intervenção sobre a sociedade e a economia, tendo em vista romper com os limites para a implantação do modo de produção capitalista. Demonstra, também, que as relações sócio­ econômicas de então apresentam algum dinamismo, com as transformações urbanas e a industrialização, o avanço nos níveis de ensino, os transportes que romperam, de certa forma, o isolamento etc., mas também demonstra que as relações políticas não passaram por essa transformação, mesmo porque não permitiram a participação da sociedade em decisões fundamentais, como a própria escolha de seus representantes. Assim, pouco foram modificadas as relações entre Estado e sociedade. Nesse sentido, segundo ela, torna­se imperativo um esforço analítico mais matizado, que leve em conta alguns processos de mudança estrutural, mas também as transformações políticas. Em sua análise, ainda, a autora afirma que há um vazio teórico, nas Ciências Sociais do país, sobre o tema poder político local. Para ela, aqui, não se consolidou uma teoria, e justamente porque existem incertezas do conceito de poder local. Assim, a busca pela articulação e interpretação teórica, para Kerbauy (1992), é o desafio a ser alcançado. Para ela, no Brasil, os estudos passam (não se aprofundam) pelos métodos de investigação reputacional e decisional. Como já citado, no primeiro, o poder está associado às pessoas com maior reputação ou prestígio em uma determinada comunidade. No segundo, o poder está associado às decisões locais tomadas por pessoas/famílias com base em seus interesses. A partir daí  seguem  as  linhas  direcionadas  aos  estudos  de  poder  político  local,  desenvolvidas  na  UFMG,  de  estudos antropológicos (abordagem americana) e de estudos históricos. Vale ressaltar, afirma Kerbauy (1992), mais recentemente, o desenvolvimento das pesquisas comparativas entre cidades. Nessas, é preciso instigar o desenvolvimento de análises, " (...) as quais pouco tem se oferecido relevância ao papel do governo municipal enquanto espaço político institucional em que se expressam à representação, a aliança, o conflito e a disputa de interesses, forças e organizações sociais que marcam e moldam o território político local dentro do contexto regional e nacional" (Kerbauy, 1992, p. 20­21). Além  dessas  pesquisas,  nos  lembra  Kerbauy  (1992),  há  uma  série  de  estudos  que  trabalha  com  análises  de  políticas públicas, de movimentos sociais e participativos e da questão fiscal (descentralização, reforma tributária, papel do poder local na construção do espaço urbano), bem como de outros. http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

9/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

Nesse contexto, é preciso observar que o local não é simplesmente um recorte de algo maior, mas resultado de relações entre o nacional e o global e vice­versa. Com isso, os estudos de poder local não necessariamente tem que se encontrar limitados pelas fronteiras político­administrativas de um município. O fundamental, para o controle político hegemônico de alguns grupos, nem sempre se encontra no interior desses limites e, muitas vezes, não tem nem existência física nos mesmos, muito embora sua influência seja decisiva.  Fischer (1992, p. 106), destaca duas vertentes principais de estudos do poder local: A primeira é a própria realidade, isto é, um cenário onde as questões de poder revelam­se concretamente no quotidiano das cidades como, por exemplo, nas cidades brasileiras, onde a discussão de planos­diretores tem como pano de fundo a progressiva degradação urbana, a carência de serviços essenciais, a relativa desilusão com o poder de transformação dos movimentos sociais, o desgaste dos prefeitos por não responderem a expectativas mínimas de qualidade da vida urbana. A segunda vertente (...) é a rica reflexão propiciada pelas abordagens teóricas do poder local, que são desenvolvidas por grupos europeus.

Na França, os estudos concentram­se na escola de sociologia marxista e no chamado funcionalismo institucional. Como exposto por Marques (2003), também para Fischer (1992), a escola francesa de sociologia urbana vem debatendo temas importantes desde os anos 1960. Destacam­se os relacionados ao Estado como instrumento de dominação, tendo o local como  produto  da  lógica  capitalista  monopolista  global  e  os  do  espaço  urbano  como  resultado  da  organização  da dominação  de  classe  (são  exemplos  os  estudos  das  primeiras  fases  de  Castells  e  Lojkine,  como  já  apontados,  e  os  de Topalov e Lipietz). Os estudos dos marxistas dos anos 1970, de acordo com Preteceille (1990, apud Fischer, 1992, p. 109) “já revelaram que o  local  não  é  decalque  do  nacional.  No  Brasil,  a  produção  acadêmica  acompanhou  essa  trajetória,  pela  inserção  de doutorandos nas linhas de pesquisa dos centros franceses”. No final dos anos 1980, de acordo com a autora, os estudos se direcionaram  para  uma  linha  mais  distinta  de  análise  de  políticas  públicas,  e  que  tem  se  fortalecido  desde  então.  Já  a escola funcionalista, para Fischer (1992), não trabalha com o poder local em suas particularidades, mas com o local e sua inserção no nacional e global. Tem como ideólogos Pierre Grenion e Michel Crozier. Nas últimas duas décadas, ressalta a autora, um fator importante é o da convergência de temas e métodos de análises entre ambas as escolas. Na  América  Latina,  também  recentemente,  a  revalorização  de  espaços  territorializados  (regiões,  áreas  metropolitanas, municípios, distritos) tem ampliado os estudos sobre poder local. Assim, experiências de gestão mais democrática (como as  observadas  em  alguns  municípios  do  Brasil)  e  a  ação  de  movimentos  sociais  passaram  a  ser  observadas  (Fischer, 1992). A transição democrática dos países da América Latina levou a um crescimento desses estudos, com intercâmbios com França e Espanha. Considerando as diversas análises, Fischer (1992) confirma que as pesquisas sobre poder local têm uma movimentação espontânea na direção de novas problemáticas. O Brasil não se exclui do processo exposto, com trabalhos em praticamente todas as linhas citadas. Mais recentemente, no entanto, os estudos do local reúne trabalhos bastante diversos, também com grande ênfase nas políticas públicas ou na relação poder público e comunidade local. Vêm sendo agrupados em três dimensões principais: como espaços político e simbólico,  como  espaço  de  gestão  e  como  espaço  de  consumo  de  serviços  de  bens  e  equipamentos  urbanos  (Fischer, 1992). Nas  Ciências  Sociais,  em  geral,  destacam­se  os  estudos  realizados  pela  Associação  Nacional  de  Planejamento  Urbano (ANPUR), pela Associação Nacional de Programas de Administração (ANPAD) e pelo Núcleo de Estudos sobre Poder e Organizações  Locais  (NEPOL),  da  Escola  de  Administração  da  UFBA,  que  trabalham  com  o  planejamento  e  a  gestão urbanas  (análise  de  políticas  públicas  e  a  participação  cidadã);  pela  Associação  Nacional  de  Pesquisas  em  Ciências Sociais  (ANPOCS),  voltada  aos  estudos  da  interação  entre  movimentos  sociais  e  políticas  públicas;  dentre  outros grupos[15];  além  de  publicações  de  periódicos  na  área.  Na  Geografia,  os  estudos  dos  cursos  de  pós­graduação  e  os DEGEOS  da  USP,  da  UNESP/PP  e  da  UFPE,  contribuem,  além  de  outros,  com  uma  análise  espacializada  dos fenômenos, fundamental nos estudos de poder local. Como se observa, tomando­se por fundamento alguns critérios, o tema tem muito a contribuir também para os estudos das formas e possibilidades da espacialização de relações de poder.

Considerações finais A abordagem realizada neste texto fundamentou­se nos estudos relativos ao poder e as suas formas e teorias, em especial as do poder local. As relações de poder se sustentam e são passíveis de existência por meio de alguns atores, dentre eles o Estado  e  os  grupos  de  interesses  (elites,  partidos  políticos,  empresas  e  outros)  vinculados  ou  não  ao  mesmo.  O  poder local, com isso, requer tratamento mais aprofundado quanto aos aspectos investigativos da realidade, posto procurar a si próprio na encruzilhada de diversas disciplinas e, na Geografia, difundir­se pelos aspectos econômicos, políticos, sociais e ideológicos, demarcando territórios. Nesta ciência, as discussões sobre poder ou poder local não se constituem como tradição, apesar de serem realizadas há http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

10/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

muito por estudiosos de outras áreas científicas. Afirma Raffestin (1993) que isso ocorre em função da Geografia ter sido quase sempre rebelde à introdução de noções que não são objeto de uma tradução espacial imediata, fato que, entende­se, tem  se  transformado  nas  últimas  décadas.  No  texto  apresentado,  a  hipótese  é  a  de  que  as  relações  que  ocorrem  na sociedade supõem um sistema no qual circula o poder, que é inerente a toda relação, e não uma categoria espacial ou uma categoria temporal.  Assim, as relações de poder perfazem diversos conflitos como os estabelecidos nos grupos político­ econômicos,  sociais  e  outros  atores,  mas  são  imanentes,  não  havendo,  diretamente,  uma  oposição  entre  dominantes  e dominados, mas sim “situações de poder” que ora favorecem a um, ora a outro sujeito/coletivo. As transformações nas formas de poder do Estado tem levado a difusão de outras posturas interpretativas (em maioria francesas,  deixando­se  em  segundo  plano  as  versões  americana  e  inglesa)  para  as  relações  entre  poder  e  espaço, especialmente  as  originárias  de  novos  conceitos  e  categorias  de  análise,  como  as  de  regionalismo,  identidade  e adjetivações  do  território,  como  os  territórios  conservadores.  O  exemplo  trabalhado  neste  texto  foi  o  da  formação  do Estado patrimonialista brasileiro e os elementos apontados por alguns autores como um impedimento a constituição de um país politicamente “moderno”. Alguns desses elementos tiveram/tem como substrato as relações políticas constituídas a partir de estruturas que se caracterizaram/caracterizam, em especial, no poder local. É por isso e por outros motivos que os estudos sobre esta forma de poder também e ainda merecem atenção.  

Notas [1]  Essas  distinções  estão  freqüentemente  presentes,  de  acordo  com  Bobbio  (1985),  nas  teorias  contemporâneas,  nas  quais  o  sistema  social articula­se em três sub­sistemas: a organização das forças produtivas, a organização do consenso e a organização do poder coativo. [2]  Edmund  Burke  (1729­1797)  é  considerado  o  maior  estudioso  do  conservadorismo  moderno  (o  conservadorismo  clássico  ou  histórico  se fundamenta numa ideologia da nobreza ou da tradição feudal) por seus ataques aos revolucionários franceses e aos seus defensores na Inglaterra (KINZO, 2003). Burke não escreveu uma teoria política, sendo sua obra formada por uma série de cartas, discursos e panfletos. [3] De acordo com Faoro (1975), a origem do patrimonialismo brasileiro é ibérica (dinastia de Avis, no século XIV), prolongando­se até os dias atuais. [4] O conservadorismo implica a existência de um conceito de difícil natureza e fim. Isso se deve a fatos como o da inexistência de uma teoria política comum, a pouca propensão dos conservadores em sistematizar suas idéias e ao simplismo com que se usa o termo, da Psicologia Social a Ciência Política. [5] FREYRE, Gilberto. Casa­grande e senzala:  formação  da  família  brasileira  sob  o  regime  de  economia  patriarcal.  Rio  de  Janeiro:  Maia  & Schmidt, 1933. [6] De acordo com Faoro (1998), Sérgio Buarque de Holanda utilizou a palavra patrimonial, pela primeira vez, no livro Raízes do Brasil (1936). O conceito de patrimonialismo, no entanto, e a análise do Estado brasileiro sob o prisma do patrimonialismo, não. O que Sérgio Buarque de Holanda apresentou, afirma ele, é a presença da família patriarcal na formação histórica brasileira. [7]  Segundo  Martins  (1994),  a  igreja  católica  é  um  exemplo  desse  processo.  De  conservadora  e  preservadora  de  interesses  das  elites,  à identificação com diversas lutas populares. [8] Os grupos dominantes não justificam seu poder exclusivamente pela possessão de fato, mas também pela base moral e legal que buscam para este poder, representando­o como conseqüência lógica e necessária de doutrinas e crenças que são geralmente reconhecidas e aceitas, como as religiosas e as científicas. [9] “Who governs?” é parte do título do estudo de Robert Dahl, desenvolvido na cidade de New Haven, e um clássico dos estudos do local, do qual se seguiram diversos outros (DAHL, Robert. Who governs? Democracy and power in American city. New Haven: Yale/University Press,  1961). [10] VAINER, Carlos Bernardo. As escalas do poder e o poder das escalas: o que pode o poder local? Cadernos IPPUR, ano XV, n.2, ago­dez 2001 ­ ano XVI, n.1, jan­jul, 2002, pp. 13­32. [11] HUNTER, F. Community power structure. Chapel Hill: University of North/Carolina Press, 1953. [12] Citamos apenas alguns desses trabalhos. Posteriormente a essa década, outros estudos sobre o tema se destacaram, sob influência de Vitor Nunes Leal, especialmente tendo como norte a obra Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil (LEAL, Vítor  N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa­Ômega, 1975). [13]  Carvalho  faz  uma  compilação  dos  trabalhos  sobre  poder  local  no  Brasil  e  nos  EUA.  Nesses  últimos,  segundo  ele,  os  estudos  possuem orientações sociológica (Floyd Hunter) e da Ciência Política (Robert Dahl). Para o autor, os estudos brasileiros, até então, definiam a política local como dominada pelo poder familiar. [14] Castro trabalha com dois grupos: os estudos de caso:, Guimarães (1956), Silva (1957 e 1960), Azevedo (1959), Nogueira (1961), Santos http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

11/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

(1961), Carvalho (1966), Michetti (1968), Silva (1972), Cruz (1973) e Soares (1974) e; os estudos de estrutura: Faoro (1958), Duarte (1966), Palmeira (1966) e Brasileiro (1973). [15] Cabe destacar, também, os estudos realizados por grupos de pesquisa ainda em consolidação, do qual fazem parte as pesquisas vinculadas a tese  de  doutorado  por  mim  defendida  em  maio  de  2005,  que  tem  como  principal  objetivo  o  estudo  do  poder  local  e  a  formação  do  que denominou­se de territórios conservadores de poder.

 

Referências bibliográficas BEZERRA, Marcos O. Corrupção: um estudo sobre poder político e relações pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará/ANPOCS, 1995. BOBBIO, Norbert. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. São Paulo: Paz e Terra, 1985. BOBBIO, Norbert. et al. Dicionário de política. Brasília: UnB/São Paulo: Imprensa Oficial, v. 1 e 2, 2000.  BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. BRASILEIRO, Antonio M. O município como sistema político. Rio de Janeiro: FGV, 1973. CARVALHO,  José  M.  Barbacena:  a  família,  a  política  e  uma  hipótese.  Revista  Brasileira  de  Estudos  Políticos.  Belo Horizonte: UFMG, n. 20, 1966, pp. 153­193. CARVALHO,  José  M.  Estudos  de  poder  local  no  Brasil.  Revista  Brasileira  de  Estudos  Políticos.  Belo  Horizonte: UFMG, n. 26, 1969, pp. 231­247. CASTRO,  Nadya  A.  Poder  local  e  política  de  classes.  Brasília:  UnB,  1974,  223p.  (Dissertação  de  Mestrado  em Sociologia). Universidade de Brasília. CRUZ,  Luiz.  Funções  do  comportamento  político  numa  comunidade  do  São  Francisco:  um  estudo  de  poder  local. Salvador, 1973, 199p. (Dissertação de Mestrado em Sociologia). Universidade Federal da Bahia. DAHL, Robert. Who governs? Democracy and power in American city. New Haven: Yale/University Press, 1961. DANIEL, Celso. Poder local no Brasil urbano. Revista Espaços & Debates. São Paulo: Cortez, n. 24, 1988, pp. 26­39. DAVIDOVICH, Fany. Poder local e município. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, 1993, n. 27, pp. 5­14. DUARTE, Nestor. A ordem privada e a organização política nacional. São Paulo: Nacional, 1966. FAORO,  Raymundo.  Os  donos  do  poder:  formação  do  patronato  político  brasileiro.  São  Paulo:  Globo,  v.  1  e  2, 1958/1975. FAORO. Raymundo. A aventura liberal numa ordem patrimonialista. Revista USP. São Paulo, n.17, 1998, pp. 14­29. FELIZES,  Joel.  Três  abordagens  do  poder  local  enquanto  formas  diferenciadas  de  construção  das  identidades  ­  uma breve exploração. Cadernos de estudos municipais. Universidade de Minho, 1999. FERNANDES, Florestan. Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. FISCHER, Tânia. Poder local: um tema em análise. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v. 4, 1992, pp. 105­113. FREYRE, Gilberto. Casa­grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. Rio de Janeiro: Maia & Schmidt, 1933.  GEDDES, Bárbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes institucionais da corrupção no Brasil. In: ROSENN, K.; DOWNES, R. (Org.). Corrupção e reforma política no Brasil. São Paulo: FGV, 2000. GUIMARÃES,  Carlos  Eloy  C.  A  vida  política  e  administrativa  de  Dores  do  Indaiá.  Revista  Brasileira  de  Estudos Políticos. Belo Horizonte: UFMG, n. 1, 1956, pp. 170­179. HUNTER, Floyd. Community power structure. Chapel Hill: University of North/Carolina Press, 1953. KERBAUY, Maria Tereza M. A morte dos coronéis: política interiorana e poder local. São Paulo: PUC, 1992. http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

12/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

KINZO, Maria D’Alva G. In: BOBBIO, N. et al. Dicionário de política. Brasília: UnB/São Paulo: Imprensa Oficial, v. 1 e 2, 2003. LEAL, Vitor N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa­Ômega, 1975. MARQUES, Eduardo C. Redes sociais, instituições e atores políticos no governo da cidade de São Paulo. São Paulo: Annablume, 2003. MARTINS, José S. O poder do atraso: ensaios de sociologia da história lenta. São Paulo: HUCITEC, 1994. MATA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. MICHETTI,  Heloísa  H;  PARAYBA,  Maria  A.  O  jogo  das  forças  políticas  na  vida  de  Araraquara.  Revista  de  Ciência Política. São Paulo, v. 2, n. 3, 1968, pp. 59­70. MILLS, C. Wright. A elite do poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1962. MOTA, Carlos G. Idéias de Brasil: Formação e produção (1817­1950). In: MOTA, C. G. (Org.). Viagem Incompleta. São Paulo: SENAC, 1999. NOGUEIRA, Oracy. Os movimentos e partidos políticos em Itapetininga. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte: UFMG, n. 11, 1961, pp. 22­47. PALMEIRA, Moacir. Nordeste: mudanças políticas do século XX. Cadernos Brasileiros, n. 37, 1966, pp. 67­78. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Globo, 2000. RUSS, Jacqueline. Les Théories du Pouvoir. Paris: Librairie Générale Française, 1994. SANTOS,  Edilson  P.  Evolução  da  vida  política  no  município  de  Picos.  Revista  Brasileira  de  Estudos  Políticos.  Belo Horizonte: UFMG, n. 10, 1961, pp. 160­183. SILVA,  Celson.  J.  Marchas e contramarchas do  mandonismo local:  Caeté,  um  estudo  de  caso.  Belo  Horizonte,  1972, 156p. (Dissertação de Mestrado em Ciência Política). Universidade Federal de Minas Gerais. SILVA,  Luiz.  Cachoeira  do  Campo:  a  vila  das  rivalidades.  Revista  Brasileira  de  Estudos  Políticos.  Belo  Horizonte: UFMG, n. 2, 1957, pp. 132­147. SILVA, Luiz. Implicações políticas do desenvolvimento industrial em Barroso. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte: UFMG, n. 9, 1960, pp. 234­251. SOARES,  Gláucio  Ary  D.  Sociedade  e  Política  no  Brasil:  Desenvolvimento,  Classe  e  Política  durante  a  Segunda República. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1974. VAINER, Carlos Bernardo. As escalas do poder e o poder das escalas: o que pode o poder local? Cadernos IPPUR, ano XV, n.2, ago­dez, 2001 ­ ano XVI, n.1, jan­jul 2002, pp. 13­32. [Edición electrónica del texto realizada por Miriam­Hermi Zaar]

© Copyright Márcia da Silva, 2009 © Copyright Biblio3W, 2009 Ficha bibliográfica

SILVA,  Márcia  da.  Estado  e  poder  local:  ensaio  teórico  sobre  estudos  no  Brasil.  Biblio  3W.  Revista  Bibliográfica  de Geografía  y  Ciencias  Sociales,  Universidad  de  Barcelona,  Vol.  XIV,  nº  841,  30  de  septiembre  de  2009. . [ISSN 1138­9796]. Volver al índice de Biblio 3W

http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

13/14

21/07/2015

Estado e poder local: ensaio teórico sobre estudos no Brasil

Volver al menú principal 

http://www.ub.edu/geocrit/b3w­841.htm

14/14

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.