ESTADO, ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS NO INÍCIO DO ESTADO NOVO (1927-1939

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Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Departamento de História

ESTADO, ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS NO INÍCIO DO ESTADO NOVO (1927-1939)

Susana Chalante

Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História Moderna e Contemporânea Especialidade em Cidades e Património

Orientador: Professor Doutor António Costa Pinto, Investigador Coordenador – ICS/UL

Setembro, 2008 1

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Los hombres vivimos juntos, pero cada uno se muere solo y la muerte es la suprema soledad. Miguel de Unamuno

Ao meu irmão, João Carlos Chalante

À minha prima, Patricia Carla Chalante

e ao meu avô, Alberto Nunes Pinto

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Agradecimentos

As primeiras palavras de gratidão vão para o meu orientador, Professor Doutor António Costa Pinto. De registar as sugestões, os incentivos e os conselhos que recebi durante a fase da redacção da dissertação. Agradeço a todos aqueles que me acompanharam neste momento e que me perdoaram as inúmeras ausências, especialmente à minha avó (que foi aquela que mais sofreu com as minhas “faltas de tempo”) e aos meus pais. Obrigada pela paciência. Não posso deixar de mencionar o Victor Pereira e a Inês Versos. O seu contributo foi fundamental para a elaboração deste trabalho. Quero também deixar o meu reconhecimento a todos aqueles que facilitaram a minha tarefa, no cumprimento da sua profissão: a Drª Isabel Fevereiro, directora do AHD do MNE, a todos os funcionários da Torre do Tombo e um grande obrigado ao Dr. José Alberto Marques, do mesmo Arquivo, que me aconselhou a analisar o Fundo do Governo Civil. Por fim, não posso esquecer o Paulo que esteve sempre comigo e que me tem “aturado” ao longo dos últimos anos. Foi ele quem me impediu de desistir. O seu amor, incomensurável, tem-me estimulado a ser uma pessoa melhor.

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Índice Índice

I

Índice de Quadros, Gráficos e Anexos

II

Sumário

III

Abstract

IV

Introdução

1

CAPÍTULO 1. A NACIONALIDADE E OS CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO 1.1. A concepção jurídica de nacionalidade em Portugal e Espanha (1822-1939)

8

1.2. O caso dos judeus de Salónica

18

1.3. O discurso do Estado perante o “indesejável” (1933-1935)

24

1.4. Judeus, apátridas e russos vistos como “invasores” (1935-1939)

35

CAPÍTULO 2. A LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO EM PORTUGAL (1927-1939) 2.1. As normas sobre a entrada de estrangeiros em Portugal (1916-1939)

47

2.2. O Bilhete de Identidade, as Autorizações de Residência e o Passaporte

54

2.3. O controlo e a fiscalização dos estrangeiros

70

Conclusão

84

Bibliografia

89

Anexos

97

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Índice de Quadros Quadro 1. População e total de estrangeiros residentes em Portugal Continental e Ilhas (1900-1940)

81 Índice de Gráficos

Gráfico 1. Desempregados em Portugal Continental e Ilhas, por sectores (1930)

28

Gráfico 2. Estrangeiros que legalizaram a sua situação de acordo com o decreto n.º 13.919, de 7 de Julho de 1927 (1927-1939)

82

Índice dos Anexos Quadro 1. Legislação em vigor em 1940 sobre nacionalidade e naturalização

97

Quadro 2. Legislação portuguesa sobre estrangeiros (1927-1939)

100

Quadro 3. Estrangeiros Legalizados em Portugal Continental, por nacionalidades (1900-1937)

108

Foto 1. Passaporte português de uma judia de Salónica e de seus filhos

110

Documento 1. Modelo do BI, a partir de 1919

111

Documento 2. Modelo do BI, a partir de 1932

112

Documento 3. Autorização de residência de Martha Becher

113

Documento 4. Projecto do decreto-lei que regula as condições de entrada, residência ou fixação de estrangeiros, 28.01.1933

5

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Sumário

Este estudo pretende analisar e compreender a reacção do governo português, face à presença de estrangeiros em território nacional, num contexto de transformação política doméstica e internacional, que marca o período compreendido entre o final da década de 1920 e as vésperas da II Guerra Mundial. Partindo do desenvolvimento do conceito jurídico da atribuição da nacionalidade, procura-se examinar a evolução do discurso do Estado perante o “outro”, definido como o “indesejável”, terminologia gerada na emergência do regime autoritário e corporativo. A prática seguida durante a Primeira República é aqui confrontada com a reacção normativa levantada pela Ditadura Militar e pelo Estado Novo na sua fase inicial. A partir de 1933, gradualmente, os judeus, os russos (associados à difusão do comunismo) e os apátridas passam a ser identificados como “invasores”, ditando a efectivação de normas internas restritivas à sua entrada no país. Estudam-se, seguidamente, os limites da liberdade de circulação em Portugal, a partir da legislação criada sobre o acesso dos estrangeiros às fronteiras então oficialmente delimitadas e a forma como as diferentes autoridades administrativas e governamentais se articulavam entre si para conter as eventuais ameaças à segurança interna. Analisa-se, igualmente, a produção e o aperfeiçoamento dos mecanismos de controlo dos “imigrantes”, aqui considerados de acordo com um conceito alargado, passando em revista a criação do Bilhete de Identidade, das Autorizações de Residência e a introdução do Passaporte, nas suas feições modernas. Por fim, examinam-se os processos de fiscalização das fronteiras e o papel desempenhado pelas polícias em tal tarefa.

Palavras-chave: imigração, bilhete de identidade, passaporte, fronteira, cidadania, direitos civis.

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Abstract

This study seeks to analyze and understand the reaction of the Portuguese government, given the presence of foreigners in Portugal, against a background of domestic and international political transformation, which marks the period between the end of the 1920s and the eve of the World War II. Beginning on the development of the nationality legal concept and it’s acquisition, we seek to examine the evolution of the State speech before the "other", defined as "undesirable", terminology generated in the emergence of corporate and authoritarian regime. The practice followed during the First Republic is faced here with the normative reaction raised by the military dictatorship and the New State in its initial phase. As from 1933, gradually, Jews, Russians (associated with the spread of communism) and stateless persons start to be identified as "invaders", dictating the implementation of internal rules restricting their entry into the country. We study the limits of freedom of circulation in Portugal, from the legislation created on the access of foreigners to the borders that were at the time officially demarcated and how the various governmental and administrative authorities were articulated among themselves to contain any threats to internal security. We analyze, furthermore, the production and improvement of mechanisms used to control "immigrants", considered here under an expanded concept, by reviewing the establishment of the ID card, the residence permits and the introduction of the Passport, in its modern features. Finally, we examine the process of monitoring the borders and the role played by police in this task.

Key-Words: immigration, ID card, passport, borders, citizenship, civil wrights

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Introdução O estudo da cidadania e a análise dos direitos civis, políticos e sociais dos estrangeiros como elementos constituintes da sua instituição legal, permite-nos entender as dinâmicas subjacentes à construção dos Estados modernos1. Dessa concepção fazem parte questões políticas, sociais e culturais de entre as quais, se destacam as ideias de nação, nacionalismo e nacionalidade. A apreciação da evolução do conceito de cidadania e dos seus referidos direitos ajuda-nos “a iluminar a política doméstica e as estruturas sociais dos Estados”2. Neste trabalho centramo-nos na observação de alguns dos direitos civis mais básicos, como a aquisição da nacionalidade e a liberdade de circulação dos estrangeiros em Portugal, de 1927 a 1939, elementos cuja análise nos permite compreender o grau de inclusão/exclusão atribuído pelos vários regimes aos que vinham de fora. Neste sentido pretende-se analisar e compreender a reacção do governo português, face à presença de estrangeiros em território nacional, num contexto de transformação política doméstica e internacional, que marca o período compreendido entre o final da década de 1920 e as vésperas da II Guerra Mundial. Até muito recentemente Portugal não constituiu um pólo de atracção para a fixação de estrangeiros. Ao longo do Estado Novo, o número de estrangeiros, em Portugal, não terá ultrapassado os 0,45 % da população total, o que se deveu, segundo Maria do Céu Esteves, “aos efeitos das concepções autárcicas que marcaram a política económica e social portuguesa durante, nomeadamente, a vigência dos governos salazaristas”3. Em algumas épocas da sua história durante o século XX, contudo, o afluxo de não nacionais foi mais intenso, por diversos motivos, chamando a atenção do poder político para o seu enquadramento legal. Os anos 30 foram um período de charneira, uma vez que, se até então, a chegada de forasteiros constituiu um fenómeno residual e com pouco impacto na sociedade portuguesa, a partir desta altura, ainda antes da eclosão da II Guerra Mundial e da consequente onda de refugiados que o conflito originou, o país começou a receber membros de diferentes comunidades. Este facto 1

MARSHALL, T. H., Citizenship and Social Class, London, Pluto Press, 1992.

2

GOSEWINKEL, Dieter, “Reflections. The Dominance of Nationality? Nation and Citizenship from the Late Nineteenth Century Onwards: A Comparative European Perspective”, German History, January 2008, vol. 26, n.º 1, Oxford, University Press, p. 95. 3

ESTEVES, Maria do Céu (org.), Portugal, País de Imigração, Lisboa, Instituto de Estudos para o desenvolvimento, 1991, p. 20.

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obrigou os vários organismos do poder a responderem à alteração da situação existente até então. Apesar de em Portugal não se ter verificado o afluxo experimentado em outras regiões da Europa, as sucessivas reacções do governo nacional, ao longo destes anos, permitem avaliar de que maneira o Estado se encontrava ou não preparado para enfrentar uma nova realidade no que dizia respeito à imigração, a qual atingiria o seu apogeu entre 1939-1945. Actualmente, o tema da imigração ilegal tem vindo a ocupar um lugar de destaque na agenda política internacional. Na União Europeia (UE), o assunto é de tal forma central para as autoridades que vem sendo objecto regular de reflexão das últimas Cimeiras. O fenómeno associado ao tráfico de seres humanos – que afecta não só os países do Sul da Europa como também todos os continentes – constitui uma questão humanitária e social a que se presta hoje a maior atenção4. Este conjunto de problemas tornaram o tema da imigração no tópico de um debate, também aberto ao meio académico. A Bibliografia sobre a Imigração em Portugal, organizada por Maria Baganha, Pedro Góis e José Carlos Marques, em 2006, assim como a Bibliografia sobre Imigração e Minorias Étnicas em Portugal, 20002006, da autoria dos sociólogos Fernando Luís Machado e Ana Raquel Matias, publicada pelo Fórum Gulbenkian Imigração, 2006-2007, revelam-nos a profusão de edições dedicadas a esta temática, quer sob a forma de artigos saídos em revistas várias, quer na apresentação de inúmeras dissertações de mestrado e doutoramento5. Todavia, estas duas importantes e actuais resenhas, que contêm várias centenas de referências, contabilizadas desde a década de 1990, não incluem algumas contribuições relevantes no campo da História da Imigração, centrando o seu enfoque, preferencialmente, nos trabalhos produzidos pelas áreas da Sociologia e Antropologia. A presente dissertação visa contribuir para a realização de um maior número de estudos de História relativos ao tema da imigração, nomeadamente durante o Estado Novo. A abordagem seguida nesta análise permitirá perceber de forma mais nítida as 4

Ver PARREIRA, Nilda, Margarida Oliveira Saldanha, Os Fluxos Migratórios: da União Europeia a Portugal, Dissertação de Mestrado em História, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa, 2006, policopiado. 5

BAGANHA, Maria, GÓIS, Pedro e MARQUES, José Carlos, A Bibliografia sobre a Imigração em Portugal [online]. Coimbra, Núcleo de Estudos das Migrações do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Outubro de 2006 [visto a 20 de Agosto de 2008]. Disponível na Internet em http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/259/259.pdf. MACHADO, Fernando Luís e MATIAS, Ana Raquel, Bibliografia sobre Imigração e Minorias Étnicas em Portugal, 2000-2006 [online]. Lisboa, Forúm Gulbenkian Imigração, Julho de 2006 [visto a 20 de Agosto de 2008]. Disponível na Internet em http://blogsocinova.fcsh.unl.pt/mjvrosa/files/BIBLIOGRAFIA_sobre_Imigrantes.pdf.

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razões que transformaram Portugal num “porto de abrigo”, durante a II Guerra Mundial. Parece, desta forma, legítimo centrar a baliza cronológica desta investigação nos anos que antecederam imediatamente a eclosão da contenda. Em 1927, pela primeira vez, o governo congregou num mesmo diploma as normas que irão regulamentar a entrada e a permanência de estrangeiros em Portugal. A partir desta data, até às vésperas do conflito mundial, foram sendo aprovadas sucessivas alterações legislativas, reforçadas pela emissão de circulares internas, que passarão a reger o quotidiano dos imigrantes no nosso país. Esta insistência ficou de perto associada à transformação da paisagem política europeia, marcada pela ascensão de regimes totalitários e autoritários e pela queda da experiência republicana em Espanha e com a subsequente guerra civil, que afectaram profundamente a evolução das políticas migratórias nacionais. Trabalhos recentes, como adiante veremos, trataram já de analisar o impacto da chegada dos chamados “indesejáveis” a partir de 1939, pelo que nos pareceu coerente encerrar o arco cronológico da nossa investigação, justamente nesta altura. Uma abordagem estritamente centrada sobre a comunidade alemã foi também já ensaiada por alguns autores, que iniciaram a sua aproximação ao objecto de estudo no ano de 1933, sugerindo desta forma que a política governamental perante a imigração terá sido iniciada com a institucionalização do Estado Novo. Ora, é precisamente este enfoque que pretendemos ultrapassar, recuando a nossa atenção ao início da Ditadura Militar e ao momento, em que, de facto, se passou a verificar uma maior atenção por parte dos organismos oficiais perante a chegada de estrangeiros às fronteiras. Paralelamente ao início do estudo sobre a nova situação de Portugal como país de imigração foram produzidos alguns trabalhos académicos sobre a presença dos estrangeiros no nosso país nos anos 30 e 40 do século XX. A primeira obra a considerar é a tese de Jorge Pessoa dos Santos Carvalho, elaborada na Universidade de Belgrado sobre a comunidade jugoslava, em Lisboa, durante a II Guerra Mundial. Em 1992, Patrick von zur Mühlen editou na Alemanha, Fluchtweg Spanien-Portugal. Die deutsche Emigration und der Exodus aus Europa. 1933-1945, que regista a actividade da colónia alemã em Portugal e que até hoje não foi traduzida em português. Seguiu-se, no mesmo ano, um artigo pioneiro de Ansgar Schäfer sobre a relação do Estado com os refugiados durante a guerra. Este e outros textos do mesmo autor resultaram numa tese de mestrado defendida em 2001 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa também ela centrada na presença germânica em Portugal 10

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e na atitude oficial do Estado perante os “invasores” estrangeiros. Também Irene Pimentel se tem dedicado ao estudo da apresentação do tema dos refugiados, especialmente dos judeus, na mesma época, desde a altura em que foi aluna de mestrado. Os seus artigos publicados nas revistas História e Vértice e a recolha de testemunhos daqueles que viveram em Portugal desaguaram no livro de divulgação sobre a presença dos judeus em Portugal durante o período de 1939-1945. Igualmente, orientada para o estudo da comunidade judaica no período em análise é de mencionar a tese de mestrado de Maria da Conceição Assis Lourenço defendida em 2001 e os trabalhos de Ester Mucznik, vice-presidente da Comunidade Israelita em Portugal. Mais recentemente foi elaborada uma tese de mestrado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa que foca o mesmo período do conflito mundial, mas apresenta uma nova abordagem sob a perspectiva comparada. Tiago Maranhão confronta as políticas de imigração portuguesas com aquelas emanadas pelo governo brasileiro de Getúlio Vargas6. Da breve resenha bibliográfica apresentada destaque-se, assim, a insuficiente produção académica dedicada a esta temática e, sobretudo, o facto dos estudos existentes se centrarem quase exclusivamente no período da Segunda Guerra Mundial e na comunidade alemã e judaica. A estas abordagens falta um estudo sobre a recepção e a integração dos grupos de indivíduos oriundos dos países aliados, bem como uma análise completa sobre a evolução dos direitos civis, políticos e sociais dos estrangeiros que chegavam a Portugal. Seria ainda útil que os trabalhos de incidência histórica

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CARVALHO, Jorge Pessoa dos Santos, Lisboa como centro de emigração jugoslava (1941-1945), Dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Filosofia -Universidade de Belgrado, 1985, policopiado; MÜLHEN, Patrick von zur, Fluchtweg Spanien-Portugal. Die deutsche Emigration und der Exodus aus Europa. 1933-1945 (Caminho de fuga Espanha-Portugal. A emigração alemã e o êxodo da Europa, 1933-1945), Bonn, Dietz, 1992; SHÄFER, Ansgar, “Obstáculos no caminho para a liberdade. O governo português e os refugiados durante a segunda guerra mundial, Aspectos e Tendências de Estudos Germanísticos em Portugal, Lisboa, Instituto Alemão, Dezembro de 1992, pp. 85-94; SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2002, policopiado; PIMENTEL, Irene Flunser, Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006; MACIEIRA, Maria da Conceição Assis Lourenço, A Questão Judaica no Portugal salazarista: Portugal no horizonte dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial: contributo para uma avaliação, Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2001, policopiado; MUCZNIK, Esther “Comunidade Israelita em Portugal, Presença e Memória”, História, Junho de 1999, n.º 15, Publicultura, S.A., pp. 32-41; MARANHÃO, Tiago, Os Indesejáveis. Políticas de migração no contexto da Segunda Guerra Mundial: uma análise comparativa entre Portugal e Brasil, Dissertação de Mestrado em Política Comparada: Cidadania e Instituições Políticas, Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa, 2006, policopiado.

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acentuassem uma maior interdisciplinaridade no âmbito das perspectivas comparadas, da História do Direito, da Antropologia e da Sociologia7. Em futuras pesquisas, seria importante englobar o estudo de todo o período de 1933 a 1974, com o propósito de se perceber de forma mais correcta a evolução da atitude dos organismos oficiais perante o “outro”. Uma análise estrutural deste tipo, permitiria compreender melhor o papel desempenhado pelas diferentes conjunturas nas respostas do Estado à chegada de forasteiros às fronteiras, ultrapassando uma perspectiva de análise limitada ao curto prazo. Por outro lado, também se entenderia, com maior nitidez, se as atitudes adoptadas pelas autoridades corresponderam ou não a algum traço matricial intrínseco à própria natureza do regime autoritário de Oliveira Salazar/Marcelo Caetano. Por oposição ao verificado no meio académico português, a produção bibliográfica internacional sobre este tema é vasta e diversa, especialmente, a que se centra na observação dos países que apresentam uma forte tradição imigratória, como é o caso dos Estado Unidos da América, da Inglaterra e da França. Dada a extensão do número de trabalhos produzidos neste âmbito, seria impossível recensear aqui as principais obras desenvolvidas quanto a este assunto em tais países nos últimos anos. Podemos, no entanto, referir que já em 1977, só em França, decorriam 310 pesquisas académicas e de outro tipo sobre o fenómeno da imigração8. Do ponto de vista da sua apresentação, este trabalho encontra-se dividido em dois capítulos fundamentais. O primeiro é dedicado à análise dos critérios jurídicos e constitucionais de atribuição da nacionalidade e a forma como se excluía ou não quem não era abrangido pelo conceito, entretanto, definido. Neste ponto, examina-se o exemplo concreto do caso dos chamados “judeus de Salónica”, demonstrando-se que as concepções normativas não eram completamente rígidas, havendo alguma margem de manobra para a sua interpretação por parte das autoridades responsáveis. Por fim, partindo do desenvolvimento do conceito jurídico da atribuição da nacionalidade, procura-se examinar a evolução do discurso do Estado perante o “outro”, definido como o “indesejável”, terminologia gerada na emergência do regime corporativo e autoritário, 7

Neste mesmo sentido ver BRETTELL, Caroline e HOLLIFIELD, James F. (eds.), Migration Theory. Talking across Disciplines, New York and London, Routledge, 2000. 8

A título de exemplo cf. uma resenha da produção bibliográfica francesa em NOIRIEL, Gérard, Le Creuset français. Histoire de l’immigration XIXe-XXe siècle, Paris, Éditions du Seuil, deuxiéme edition 2006, pp. 15-26. Sobre os Estados Unidos da América cf. BRYE, David L (eds.), “European immigration and ethnicity in the United States and Canada: a historical bibliography”, Clio, bibliography séries, 1983, n.º 7, Santa Barbara – Califórnia, ABC Clio Information Services Ltd.

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durante a década de 1930 até à eclosão da II Guerra Mundial. A prática seguida anteriormente, durante a Primeira República é aqui confrontada com a reacção normativa levantada pela Ditadura Militar e pelo Estado Novo na sua fase inicial. A partir de 1933, gradualmente, os judeus, os russos (associados à difusão do comunismo) e os apátridas passam a ser identificados como “invasores”, ditando a efectivação de normas internas restritivas à sua entrada no país. No segundo capítulo, aborda-se os limites da liberdade de circulação em Portugal, a partir da legislação criada sobre o acesso dos estrangeiros às fronteiras então oficialmente delimitadas e a forma como as diferentes autoridades administrativas e governamentais se articulavam entre si para conter as eventuais ameaças à segurança interna. Neste ponto, destaca-se toda a legislação produzida para regular a entrada e a presença de estrangeiros no país, desde 1927 até 1939, de acordo com os critérios atrás definidos. Analisa-se, igualmente, a produção e o aperfeiçoamento dos mecanismos de controlo dos “imigrantes”, aqui considerados de acordo com um conceito alargado, passando em revista a criação do Bilhete de Identidade, das Autorizações de Residência e a introdução do Passaporte, nas suas feições modernas. Por esta altura e à semelhança do que ocorria em outras regiões da Europa, também em Portugal seriam introduzidos ou actualizados modernos mecanismos de controlo dos imigrantes, cujo impacto não deixou de se fazer sentir sobre todos os que procuravam refúgio no país9. Por fim, afigura-se-nos, importante examinar de que forma os estrangeiros eram fiscalizados por diferentes organismos, registados nas estatísticas oficiais e por fim qual o papel desempenhado pelas várias polícias, antes e depois da criação da PVDE, em tal processo. Sempre que se justificou, utilizou-se a abordagem comparativa com o caso espanhol, não apenas por ser o único país com o qual Portugal tem fronteiras terrestres, mas também porque registou uma evolução política onde se podem encontrar alguns pontos de semelhança com a verificada no nosso território. A Espanha, tal como Portugal, também não era tradicionalmente uma nação de imigração e na década de 1930, passou de uma República democratizante para um regime autoritário. O contexto da Guerra Civil de 1936-1939 também influenciou decisivamente o movimento registado nas fronteiras entre os dois estados. Quanto a este aspecto, porém, a 9

Sobre o passaporte enquanto mecanismo de vigilância cf. TORPEY, John, A Invenção do Passaporte. Vigilância, Cidadania e o Estado, Lisboa, Temas e Debates – Actividades Editoriais, Ldª, 2003.

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comparação foi limitada pela diminuta produção bibliográfica sobre a questão da imigração em Espanha neste período10. Importa ainda referir que este estudo tem essencialmente por base fontes documentais, muitas delas inéditas e a legislação produzida pelo governo republicano, pela Ditadura Militar e pelo Estado Novo na sua fase inicial. Destaque-se a importância para esta investigação do fundo do Governo Civil de Lisboa, à guarda do Arquivo Distrital de Lisboa na Torre do Tombo, e a respectiva correspondência recebida e expedida sobre o tema dos estrangeiros, que veio completar e esclarecer muitas das informações que se encontram no acervo da PIDE-DGS e do fundo do Ministério do Interior. Privilegiou-se, igualmente, a consulta do Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que possui um enorme manancial de documentação relativa ao tema da aquisição de nacionalidade, passaportes, naturalização, presença de judeus e a correspondência dos funcionários diplomáticos com a tutela e outros organismos governamentais. No final do trabalho, procurou-se obter um retrato sobre a evolução dos direitos civis dos estrangeiros em Portugal, entre 1927 e 1939, e a sua relação com o Estado num momento de alteração dos paradigmas vigentes perante a previsão de chegada de forasteiros pertencentes a comunidades nacionais e étnicas consideradas indesejáveis.

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Para uma primeira abordagem, ainda que insuficiente, ao tópico cf. AVNI, Haim, Spain, The Jews, and Franco, Philadelphia, The Jewish Publication Society of America, 1982.

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CAPÍTULO 1 A NACIONALIDADE E OS CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO A nacionalidade transformou-se num dos direitos civis fundamentais das sociedades contemporâneas. Este conceito, associado à noção de cidadania, veio introduzir uma das linhas de fronteira mais discutidas e disputadas no processo de construção dos Estados dos séculos XIX e XX. As nações modernas não resultam apenas de uma organização territorial, mas também, de uma associação de cidadãos. A noção de cidadania exclui legal e legitimamente os estrangeiros, revelando-se fundamental para determinar quem é o “outro”. A definição da diferença entre o cidadão e o estrangeiro, converteu-se, assim, numa das prerrogativas mais importantes atribuídas aos governos. Desta forma, uma abordagem histórica comparativa da questão, no caso entre Portugal e Espanha, permite perceber quais as razões que conduzem a este duplo processo de inclusão/exclusão, em contextos políticos distintos. Interessa perceber se as definições de cidadania em vigor nestes países reflectem ou não concepções específicas de nação, principal teoria de autores como Rogers Brubaker11. Importa, pois, determinar se as divergências nas leis de nacionalidade são explicadas por determinadas circunstâncias de natureza política e social ou pela persistência da tradição legal. Desta forma, para melhor se entender as disparidades e semelhanças legislativas neste quadro tem de se ter em conta factores como a memória, o hábito legal e a desproporção entre o território e o fenómeno migratório12.

1.1. A concepção jurídica de nacionalidade em Portugal e Espanha (1822-1939). A nacionalidade primária implica um vínculo jurídico estabelecido entre o Estado e os seus cidadãos. Este conceito está implicitamente associado à eclosão das revoluções liberais por toda a Europa, a partir da experiência francesa de 1789. Neste sentido, os Estados usaram os seus principais textos políticos – Constituições, Códigos 11

BRUBAKER, Rogers, Citizenship and Nationhood in France and Germany, Cambridge, Mass., Harvard University Press, 2001. 12

WEIL, Patrick, “Access to citizenship: a comparison of twenty-five nationality laws”, in T. Alexander Aleinikoff e Douglas Klusmeyer (orgs.), Citizenship Today. Global Perspectives and Practices, Washington, D.C., Carnegie Endowment for International Peace, 2001, p. 19.

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Civis, leis eleitorais, etc. – para incorporar e tornar mais claro quem podia ser incluído e excluído desta categoria de cidadão. No caso português, os legisladores nacionais ao enumerarem as condições de admissão à qualidade de cidadão português, não estabeleceram uma fronteira clara entre o nacional e o cidadão. Ambas as categorias eram sinónimas, uma vez que neste caso existia uma total correspondência entre Estado e Nação. A dicotomia, a existir, era entre nacionais/cidadãos e estrangeiros. O artigo 21º da Constituição de 1822 afirmava “todos os portugueses são cidadãos e gozam desta qualidade…”, excluindo do conceito de cidadania todos os indivíduos que não estivessem unidos pelo vínculo da nacionalidade: os estrangeiros. Os políticos vintistas rompem com a concepção feudal de nacionalidade ao incorporarem as doutrinas da Revolução francesa. O centro do poder transfere-se do rei para a Nação. Em consequência desta alteração compreende-se que o “vínculo de nacionalidade não seja mais já a forma de determinar os limites da jurisdição pessoal do monarca (como sucedia nas Ordenações), mas o instrumento que delimita o círculo daqueles que se encontram habilitados a participar (…)” na vida política13. O critério da nacionalidade segue os pressupostos do ius sanguinis em 1822, ao serem decretados como cidadãos os “filhos de pai Português nascidos no Reino Unido” e os filhos de pai português nascidos no estrangeiro desde que estabeleçam a sua residência em Portugal (Artigo 21º, Iº)14. Em 1826, a Carta Constitucional, adoptou outro critério, privilegiando o princípio territorial – ius soli - ao afirmar que seriam cidadãos portugueses todos aqueles que tivessem nascido no nosso país sem promulgar categorias adicionais (Artigo 7º, &1). A este enfoque não era alheio o contexto especial em que a nova Constituição surgiu. O texto tinha sido outorgado por D. Pedro IV, no Brasil, antes deste abdicar da coroa portuguesa e foi fortemente influenciado pela constituição brasileira de 1824. No entanto, a clausula &1, do artigo 7º estabelece, complementarmente, o ius sanguinis ao afirmar que os filhos de pai português nascidos 13

RAMOS, Raul Manuel Gens de Moura, “A Evolução do Direito da Nacionalidade em Portugal (das Ordenações Filipinas à Lei n.º 2098), Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, número especial “Estudos em Homenagem aos Profs. Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz”, Coimbra, Faculdade de Direito, 1983, p. 14. As Constituições portuguesas de 1822, 1838 e 1911 e a Carta Constitucional 1826, podem ser lidas na íntegra em MIRANDA, Jorge, O Constitucionalismo liberal luso-brasileiro, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. 14

Constatava-se que nas Ordenações Filipinas havia dois princípios associados: o ius sanguinis e ius soli apesar do primeiro critério se subjugar ao segundo. Cfr. RAMOS, Raul Manuel Gens de Moura, “A Evolução do Direito da Nacionalidade em Portugal (das Ordenações Filipinas à Lei n.º 2098), Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, numero especial “Estudos em Homenagem aos Profs. Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz”, Coimbra, Faculdade de Direito, 1983, pp. 7 – 10.

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no estrangeiro serão portugueses desde que fixem o seu domicílio em território nacional. Mais tarde, também o Código Civil (C.c.) do Visconde de Seabra, promulgado em 1867, contrariou as disposições napoleónicas e grande parte das legislações nacionais da época, estabelecendo como definitivo o critério territorial15. A predominância deste preceito explicava-se pelo facto de na altura continuar em vigor a Carta Constitucional de 1826, que em tal matéria se mantinha inalterada. De qualquer maneira, o C.c. previa as relações de consanguinidade já que eram considerados nacionais os filhos de pai português e os filhos ilegítimos de mãe portuguesa, que tendo nascido no estrangeiro, estabeleceram a sua morada no reino e declararam que querem ser portugueses (Artigo 18º, 3º). Apesar dos legisladores terem privilegiado a ascendência paterna, a Constituição de 1822 expressava claramente que os “filhos ilegítimos de mãe Portuguesa nascidos no Reino Unido” também eram considerados portugueses (Art. 21º, & II), em seguimento do ius sanguinis a matre consignado nas Ordenações Filipinas. A mesma norma foi seguida na Carta Constitucional de 1826 (Art. 7º) e na Constituição de 1838 (Art. 6º). Segundo o Código Napoleónico de 1804 e de acordo com uma visão patriarcal de família, a mulher casada seguia a nacionalidade do marido. Em Portugal, tal como em grande parte da Europa, as mulheres estavam subordinadas juridicamente à origem do seu consorte. O C.c. estipula que a mulher estrangeira casada com um cidadão português adquire a sua nacionalidade (Art. 18º, 6º). Apesar desta organização hierarquizada, e que vai atingir o seu expoente máximo durante o Estado Novo16, o mesmo parágrafo prevê a indispensabilidade do tempo de residência aos estrangeiros casados com mulheres portuguesas que pretendessem alcançar a cidadania nacional numa clara preocupação com a unidade matrimonial (Art. 18º, 5º, ba&2). Até ao final do período que nos interessa investigar, o C.c. é o único documento legislativo que abrange a nacionalidade da mulher. 15

SERRA, Adriano Paes da Silva Serra (anotações), Código Civil, Coimbra, Atlântida –Livraria Editora, 1946. 16

Apesar da Constituição de 1933 promover a igualdade de todos os seus cidadãos e a “negação de qualquer privilégio” (Art 5º) também afirma “salvas quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família…” (Art. 5º, & único). O teor deste artigo, assim como aquele que institui a constituição da família “como fundamento de toda a ordem política” (Art. 11º), chefiada pelo pater (Art. 166º), remete para uma hierarquização da família. Cfr. BAPTISTA, Luís A. Vicente, “Valores e Imagens da Família em Portugal nos anos 30 – O Quadro Normativo”, in A Mulher na Sociedade Portuguesa. Visão histórica e perspectivas actuais, Actas do Colóquio, Coimbra, Instituto de História Económica e Social, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1986, p. 195. Sobre estudos de género e sobre o papel da mulher durante o Estado Novo ver PIMENTEL, Irene Flunser, História das Organizações femininas no Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001.

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As leis fundamentais do século XX, nomeadamente a de 1911 e a de 1933, remeteram-se ao silêncio em matéria de nacionalidade. Neste período estiveram em vigor as noções promulgadas no C.c., somente revogado em 1966, cerca de cem anos depois do seu aparecimento. O capítulo “Como se adquire a qualidade de cidadão português” tinha sido alterado em 1930, mas no fundamental reproduzia o artigo 7º da Carta Constitucional (Art. 18º)17. Neste caso, privilegiou-se a tradição. Respeitaram-se normas em vigor desde o século XIX, fenómeno experimentado por outros países que também não sentiram necessidade de proceder a qualquer alteração jurídica no critério formal de atribuição da nacionalidade. O Estado tinha faculdades para fornecer a nacionalidade, mas também podia privar os seus nacionais da mesma, independentemente da vontade destes. Os liberais no século XIX tinham estabelecido que o nacional perdia a qualidade de cidadão português ao se naturalizar em país estrangeiro ou se aceitasse emprego, pensão ou condecoração estrangeira sem a anuência do governo português. Também a podia perder por sentença judicial18. Com a promulgação do C.c., o legislador optou por convergir as mesmas causas de perda de nacionalidade com as da legislação anterior e por acrescentar mais uma: o casamento de mulher portuguesa com um estrangeiro (Art. 22º). Em 1916, e como consequência directa da Grande Guerra, o decreto nº. 2.355, de 24 de Abril, promulgou a perda de nacionalidade portuguesa de todos os indivíduos nascidos em Portugal, de pai alemão, após a data da declaração de guerra. O governo de António José de Almeida revoga as naturalizações concedidas a súbditos alemães ou de países aliados da Alemanha. A situação só foi normalizada em 20 de Janeiro de 192219. Na época em análise, a questão da nacionalidade era tratada de uma forma muitas vezes ambígua pelos funcionários administrativos, da Polícia de Vigilância e 17

Decreto-Lei n.º 19.126, de 16.12.1930. Cfr. Código Civil, Adriano Paes da Silva Serra (anotações), Coimbra: Atlântida – Livraria Editora, 1946. Em 1930, foram acrescentadas duas cláusulas ao Código de 1867: a cidadania podia ser atribuída aos “que nascem em território estrangeiro de pai português, que ali resida ao serviço da nação portuguesa” (Artº 18, 5º) e “o cidadão português, que porventura seja havido também como nacional de outro país, enquanto viver nesse país, não poderá invocar a qualidade de cidadão português” (Artigo 18º, 7º, &3). 18

Constituição de 1822, Artigo 23º. Carta Constitucional de 1826, Artigo 8º; Constituição de 1838, artigo 7º. 19

RAMOS, Raul Manuel Gens de Moura, “A Evolução do Direito da Nacionalidade em Portugal (das Ordenações Filipinas à Lei n.º 2098), Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, numero especial “Estudos em Homenagem aos Profs. Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz”, Coimbra, Faculdade de Direito, 1983, p. 40.

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Defesa do Estado (PVDE), dos quadros do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), do Governo Civil (GVC) ou do Arquivo de Identificação de Lisboa. A dificuldade da interpretação destes diplomas, pensamos, vem ilustrar, por um lado, a ignorância daqueles actores e, por outro, a dificuldade em aplicar a legislação no quotidiano. Outro factor a ter em conta na aparente obscuridade das práticas administrativas prende-se com a forma como os funcionários interpretam as leis. Estes, muitas vezes, aplicam-nas em função das suas conveniências e dos seus serviços, não se limitando, a executar as regras20. Os protagonistas administrativos vão-se adaptando às diferentes conjunturas históricas, assim como os legisladores, e distintas soluções vão ser encontradas. Referimo-nos, por exemplo, ao desfecho do decreto nº. 2.355, de 24 de Abril de 1916 e a exclusão dos alemães da cidadania nacional, por motivos de segurança e ao caso dos judeus de Salónica, a ser analisado no capítulo 1.2. Encontrámos também diversos exemplos da ignorância dos funcionários e da sua dificuldade em aplicar a legislação respeitante à nacionalidade. Em 1936, o Arquivo de Identificação de Lisboa, por razões que desconhecemos, criou alguns embaraços a cidadãos estrangeiros, filhos de pais portugueses. Aparentemente, funcionários deste arquivo, desconhecendo, talvez, na sua totalidade o artigo 18º e 19º do C.c, decidem seguir o critério do direito de sangue apesar do Código de Seabra privilegiar o ius soli. O que se passou foi que alguns indivíduos, filhos de imigrantes portugueses e nascidos no Brasil, a trabalharem em Portugal, dirigiram-se ao Arquivo de Identificação de Lisboa para tratarem do seu Bilhete de Identidade (BI)21. Por terem ascendência portuguesa as autoridades recusavam passar a estes indivíduos um BI como cidadãos brasileiros constando neste documento a nacionalidade portuguesa. O C.c. consignava que os filhos de pai português, nascidos em país estrangeiro, seriam cidadãos portugueses se estabelecessem domicílio no território português “ou se declarassem por si, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legítimos representantes, sendo menores, que querem ser portugueses” (Art. 18º, 3º). Mais, quem tivesse cumprido o serviço militar noutra nação nunca poderia ser considerado português (Art. 19º, 5º). Foi 20

Sobre o trabalho administrativo dos funcionários que tratam da imigração ver o trabalho de SPIRE, Alexis, “Histoire et ethnographie d’un sens pratique: le travail bureaucratique des agents du contrôle de l’immigration”, in Pierre Fournier, Nicolas Hatzfeld, Cédric Lomba e Séverin Muller (eds.), Observer le travail, Paris, La Découverte, 2008. 21

Desde 1929 que os estrangeiros eram obrigados a proverem-se de um BI, ao fim de 6 meses de permanência em Portugal, válido por 5 anos.

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o que aconteceu, por exemplo, ao brasileiro Alberto Correia da S., que apesar de ter cumprido o serviço militar no Brasil e não ter residência definitiva em Portugal viu ser mencionado no seu BI a cidadania portuguesa22. A PVDE vai chamando a atenção do MNE, para dezenas de casos semelhantes, de forma a resolver estas situações bastante sensíveis. Outro caso paradigmático foi o de dois menores, filhos de pais portugueses, e que nasceram no Brasil. A polícia referia, confusamente, que, segundo a lei brasileira, seriam brasileiros e, que de acordo com a lei portuguesa, eram portugueses. Esta família pretendia sair de Portugal, mas no seu passaporte constava que eram nacionais, pelo que o Governo Civil se recusou a visar o passaporte brasileiro passado a portugueses.23 A institucionalização da nacionalidade secundária, aquela adquirida por um acto voluntário, estava prevista em todas as leis constitucionais, mas só a Constituição de 1822 previa os requisitos da naturalização (Art. 22º). O Estrangeiro podia obter a carta de naturalização desde que fosse maior de idade, que vivesse no reino, que estivesse casado com mulher portuguesa; que tivesse adquirido bens ou efectuado algo útil ao país. A 22 de Outubro de 1836, um decreto conferindo a naturalização veio confirmar o requisito da maioridade e a necessidade de residir por dois anos em Portugal e competência para obter meios de subsistência24. Mais tarde, também o Código Civil de 1867, veio institucionalizar as condições para a obtenção da nacionalidade portuguesa. Os estrangeiros podiam adquirir a Carta de Naturalização ao requere-la na Câmara Municipal da sua residência (Art. 19º). No entanto, eram feitas algumas exigências aos proponentes, à semelhança da legislação anterior: a emancipação, a apresentação de meios de subsistência, residência superior a um ano em Portugal (Art. 19º, 1º a 5º). De referir, que este normativo representava um avanço, do ponto de vista dos interessados, uma vez que até então era exigida a necessidade de residência por dois anos em Portugal. 22

Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros (AHDMNE), Oficio da PVDE, José Catela para Director do Serviço de Identificação de Lisboa, de 1.02.1936; Ofício da PVDE para Direcção dos serviços políticos…do MNE, de 24.02.1936; Oficio do MNE para o Director Geral da Justiça, de Março de 1936, 2º P, M. 43, A. 43, proc.º 23/37 e proc.º 130/36. 23

AHDMNE, Oficio da PVDE para o Secretário-Geral do MNE, de 11.02.1936, 2º P, M. 43, A. 43, proc.º 130/36. 24

RAMOS, Raul Manuel Gens de Moura, “A Evolução do Direito da Nacionalidade em Portugal (das Ordenações Filipinas à Lei n.º 2098), Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, numero especial “Estudos em Homenagem aos Profs. Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz”, Coimbra, Faculdade de Direito, 1983, p. 24.

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Estas normas são reforçadas por lei durante o governo provisório da República, aumentando-se as condições de aquisição de naturalidade25. Exige-se que o requerente tenha cumprido as leis de recrutamento militar do seu país e que apresente um cadastro criminal limpo. Os republicanos impõem, ainda, que o tempo legal de residência aumente de 1 para 3 anos. O diploma veio, igualmente, alargar as restrições à capacidade jurídica dos naturalizados. Os novos cidadãos ficavam excluídos do exercício de funções públicas ou dos quadros directivos de todas as entidades dependentes do Estado por um período de 5 anos26. Em 1930, ao ser ligeiramente modificado o Código de Seabra, os legisladores alteram o tempo de afastamento da função pública e da direcção e fiscalização das sociedades, a cargo do Estado, de 5 para 10 anos (Art. 20º). Decide-se incluir no C.c. as alterações efectuadas já no século XX sobre a aquisição da naturalidade, nomeadamente, a legislação consignada no decreto de 1910. O estudo da evolução da concepção de cidadania e as condições de atribuição da nacionalidade em Espanha, entre os finais da década de 1920 e o início da II Guerra Mundial, revelam-se fundamentais para se perceber de que forma é que países vizinhos, que viveram evoluções governativas distintas e não se assumiram durante este tempo como países de imigração, respondem a esta questão comum. Portugal passou de uma República altamente volúvel do ponto de vista político para uma ditadura militar, antes de ser implantada uma concepção corporativa e anti-liberal de Estado, com o objectivo de ultrapassar a instabilidade herdada da fase republicana. A Espanha, pelo seu lado, percorreu o caminho inverso, assistindo-se à transição entre a ditadura militar de Primo de Rivera e a República radical, que culminou numa guerra civil, cujo resultado final seria a implantação também de um regime autoritário com o Generalíssimo Franco. À semelhança do que aconteceu em Portugal, a regulamentação da nacionalidade espanhola surge em todas as Constituições desde 1812, no Código do Registro Civil de 1870 e no Código Civil de 188927. O critério utilizado pelos liberais desde Cádis, foi o

25

Lei de 2.12.1910, Diário de Governo, nº 50, de 3.10.1910, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 629-630.

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RAMOS, Raul Manuel Gens de Moura, “A Evolução do Direito da Nacionalidade em Portugal (das Ordenações Filipinas à Lei n.º 2098), Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, numero especial “Estudos em Homenagem aos Profs. Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz”, Coimbra, Faculdade de Direito, 1983, p. 38-39. 27

“Nacionalidad”, in Carlos-E. Mascareñas (dir.), Nueva Enciclopedia Jurídica, Tomo XVI, Barcelona, Editorial Francisco Seix, S.A., 1982, p. 809.

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ius soli, embora acumulando o direito de consanguinidade28. Também o artigo 23º da Constituição de 1931 estabelecia o mesmo princípio. Ao contrário de grande parte dos países europeus, a Espanha adoptava o critério da territorialidade29. No entanto, a norma da consanguinidade era baseada na igualdade de sexos, o que contrariava a solução mais generalizada das legislações que seguiam o ius sanguinis. É esta disposição que nos remete para a ideologia de socialismo humanista patente na constituição republicana de 1931. Relembre-se que esta lei fundamental, instituiu os direitos dos cidadãos da Segunda República (1931-1936), definindo quem vai fazer parte de uma Espanha constituída como “ República democrática de trabajadores de toda clase, que se organiza en régimen de Libertad y de Justicia” (Art. 1º)30. Também a nacionalidade secundária estava instituída constitucionalmente desde 1837. O estrangeiro que pretendesse naturalizar-se espanhol tinha que recorrer à carta de nacionalidade (carta de naturaleza) ou ter obtido vizinhança (vecindad) em alguma povoação de Espanha31. Desde a época moderna, o conceito de vizinhança permitia distinguir os espanhóis dos estrangeiros, num período em que ainda não havia uma diferenciação entre nacionais e cidadãos. As pessoas podiam adquirir a vizinhança quando “actuaban como si se sintiesen vinculadas a la comunidad” ou se exercessem os deveres militares, mas este vínculo não tinha um estatuto legal claro32. 28

Os critérios de ius sanguinis e ius soli foram consignados no artigo 1º da Constituição de 1837, assim como as leis fundamentais de 1845, 1869 e 1876. BABIANO, José, “La Construcción de una exclusión: extranjería, emigración y ciudadanía”, in Manuel Pérez Ledesma (dir.), De Súbditos a Ciudadanos. Una Historia de la ciudadanía en España, Madrid, Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 696. 29

Este critério encontrava-se consignado no artigo 17º do Código Civil espanhol, datado de 1889 e em vigor durante a ditadura de Franco. Ver 0’ CALLAGHAN, Xavier, Leyes Civiles de España, Madrid, Editorial Centro de Estúdios Rámon Areces, 1º volume., 1999, 3ª edição, pp. 30-198 30

TÈMINE, Émile, BRODER, Albert, CHASTAGNARET, Gerard, Historia de la España contemporânea desde 1808 hasta nuestros dias, Barcelona, Editorial Ariel, S.A., 8ª edição, 2001, p. 238.

31

Com a Constituição de 1837, o estrangeiro que adquirisse vizinhança podia exigir, sem que lhe fosse negado, a nacionalidade espanhola. Com o advento das duas guerras mundiais no século XX, o governo espanhol vê-se obrigado a limitar este sistema, através da publicação das leis de 6 de Novembro de 1916, de 29 de Abril de 1931 e de 9 de Março de 1939. “Nacionalidad”, in Carlos-E. Mascareñas (dir.), Nueva Enciclopédia Jurídica, Tomo XVI, Barcelona, Editorial Francisco Seix, S.A., 1982, pp. 813 - 814. 32

O termo vecindad cuja origem remonta aos séculos XI e XII, em Castela, sofreu uma evolução semântica e na Idade Moderna significava o direito a exercer certas prerrogativas: como “un amplio conjunto de benefícios fiscales, económicos, políticos, sociales y simbólicos a cambio del cumplimentos de ciertos deberes” e obrigações como a de obedecer às autoridades de uma comunidade, pagar impostos e participar nas milícias. Na Idade Moderna a vizinhança tornou-se um instrumento de naturalização, significando que os estrangeiros podiam tornar-se naturais através daquele mecanismo. Cfr. HERZOG, Tamar, Vecinos y Extranjeros. Hacerse español en la edad moderna, Madrid, Alianza Editorial, p. 2006, p. 27-28, 33-38.

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As medidas promulgadas pelo governo provisório republicano vinham no seguimento da memória liberal ao declarar como espanhóis “los extranjeros que obtengan carta de naturaleza y los que sin ella hayan ganado vecindad en cualquier pueblo de la República” (Art. 23º, & 4)33. Somente em 1954 é que o governo extingue o conceito de vizinhança e passa a conceder a nacionalidade espanhola através do tempo de residência e define claramente os requisitos para essa concessão34. Quanto à condição da mulher, a legislação espanhola tomou como modelo o exemplo francês no artigo 22º do Código Civil de 1889. Já a constituição de 1931 permitia à mulher estrangeira adquirir a nacionalidade espanhola ou conservar a sua, de acordo com o estipulado em tratados internacionais (Art. 23º), mas os legisladores parecem ter-se esquecido da mulher espanhola já que não é referido nada a este respeito. As dúvidas que esta cláusula suscitou, devido, em parte, ao facto de nunca terem sido realizados acordos com outros países, levaram à promulgação de diversas leis de 1932 a 1935, muitas vezes contraditórias35. No início da Segunda Guerra Mundial e de forma a acabar com eventuais dúvidas suscitadas pelo referido artigo 23º, uma lei produzida pelo ministro da Justiça, Esteban Bilbao Eguía, refere que: “(…) el nuevo Estado español no podía mantener aquélla ni confirmar éstos, porque el principio jurídico republicano rompe la unidad del matrimonio al autorizar una posible disparidad de patria para los cónyuges y la unidad de la familia al permitir que los hijos del mismo puedan gozar de nacionalidad diversa, posiciones jurídicas ambas que pugnan con la unidad e indisolubidad del matrimonio y contra la cohesión familiar que constituye base y postulado de la España actual, reflejados también en el artículo 22 del Código Civil”36. Privilegiando a unidade da família, o regime autoritário de Franco retoma o artigo 22º do Código Civil de 1889, ainda em vigor: a imposição da nacionalidade do

33

O decreto de 29 de Abril de 1931 veio estabelecer as normas que era necessário cumprir para que os indivíduos que tivessem obtido a vizinhança pudessem pedir a nacionalidade espanhola. Apenas a 9 de Março de 1939 foi estipulada a documentação necessária para que o estrangeiro se pudesse naturalizar. 34

“Nacionalidad”, in Carlos-E. Mascareñas (dir.), Nueva Enciclopédia Jurídica, Tomo XVI, Barcelona, Editorial Francisco Seix, S.A., 1982, p. 814. 35

“Nacionalidad”, in Carlos-E. Mascareñas (dir.), Nueva Enciclopédia Jurídica, Tomo XVI, Barcelona, Editorial Francisco Seix, S.A., 1982, p. 818. 36

Lei de 9.11.1939, Repertorio cronológico de legislación, Pamplona, Aranzadi, 1939, p. 1123.

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marido, o que colocava a mulher numa situação de incapacidade jurídica através do matrimónio37. Durante o século XIX os sucessivos governos de Espanha tinham mantido uma postura aparentemente uniforme em relação à desnacionalização dos cidadãos estrangeiros. Estes perdiam o seu estatuto pela obtenção de nacionalidade de país estrangeiro, pelo casamento, pelo cumprimento de funções públicas e serviço militar no estrangeiro e, em alguns casos, através da emigração38. Já no século XX se manifestam preocupações com a segurança do Estado espanhol. O artigo 24º da constituição republicana vem ao encontro da codificação do governo de Práxedes Mateo Sagasta, de 1889, ao radicar a desnacionalização do espanhol na entrada “al servicio de las armas de una potencia extranjera sin licencia del Estado español, o por aceptar empleo de otro Gobierno que lleve anejo ejercicio de autoridad o jurisdicción” ou por “adquirir voluntariamente naturaleza en país extranjero”. Em 1944, o novo Código Penal estabelecia penas mais severas e de maior protecção do Estado em relação ao estrangeiro. Assim, se compreende que o artigo 34º imponha a impossibilidade dos espanhóis perderem a sua nacionalidade: somente os estrangeiros podiam ser desnacionalizados por delitos relativos à segurança exterior do Estado (Art. 120º a 125º)39. Apesar do conteúdo do artigo 24º, de 1931, a mesma clausula previa a dupla nacionalidade, em casos de reciprocidade, a ser concedida a imigrantes portugueses, de países hispânicos da América (inclusive Brasil), no caso de o solicitarem (Art. 24º, &2)40. Não obstante as recomendações da Conferência de Haia de 1930, para que a dupla nacionalidade fosse suprimida, os republicanos e socialistas espanhóis pugnaram

37

Uma das “Leis Fundamentais” do governo do general Franco foi o “Foro dos Espanhóis”, de 1945, que instituía no artigo 22º a família como “institución natural y fundamento de la sociedad con derechos y deberes anteriores y superiores a toda Ley humana positiva” e o casamento como “uno e indisoluble”. Cfr. Lei de 17.07.1945, Repertorio Cronológico de Legislación, ano de 1945, pp. 1132-1134. A igualdade jurídica dos conjugues só vai ser conseguida em 1975. 38

“Nacionalidad”, in Carlos-E. Mascareñas (dir.), Nueva Enciclopedia Jurídica, Tomo XVI, Barcelona, Editorial Francisco Seix, S.A., 1982, p. 820. 39

Lei de 23.12.1944, Repertorio cronológico de legislación, Pamplona , Aranzadi, 1945, pp. 1031-1120.

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Ver de que forma é que os artigos 23º e 24º, respeitantes à aquisição da nacionalidade espanhola, afectaram os judeus de descendência espanhola em AVNI, Haim, Spain, The Jews, and Franco, Philadelphia, The Jewish Publication Society of America, 1982, p. 35.

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por um reforço dos vínculos históricos entre Espanha, os países latino-americanos e Portugal41. Em ambos os países ibéricos, o peso da tradição legal, embora obedecendo a estatutos distintos, na instituição dos critérios fundamentais da atribuição da nacionalidade primária revelou-se preponderante. Mais importante do que as alterações de regime político, a persistência das antigas concepções jurídicas no período em estudo foi um traço comum entre os dois Estados. Em Portugal, a instituição do princípio territorial remontou a 1826, enquanto em Espanha, o mesmo critério encontrava-se sem alterações desde 1812. Neste domínio, Portugal e Espanha revelaram-se uma excepção. Curiosamente, foram os países de imigração que privilegiaram a regra do ius soli como a França, desde 1889, a Argentina, o Canadá ou os Estados Unidos da América (ver Anexos- Quadro 1). Em boa parte da Europa, como vimos, prevaleceu a norma do ius sanguinis. O Código Civil do visconde de Seabra, datado de 1867, elaborado num contexto político completamente distinto, veio reproduzir fielmente as disposições anteriormente adoptadas pela Carta Constitucional de 1826, ou seja, impôs-se o peso da tradição, não obstante o país nunca ter passado para a categoria dos países de recepção de imigração. Durante a vigência do Estado Novo, os direitos fundamentais não vão ser alterados. Mesmo a lei n.º 2.098, de 27 de Julho de 1959, ao estabelecer o novo regime da nacionalidade portuguesa optou por seguir um critério misto, destacando, no entanto, o ius soli42.

1.2. O caso dos judeus de Salónica. Em 1913, a república facilitou a concessão da cidadania portuguesa, por via da inscrição provisória, a cerca de 500 famílias de antigos súbditos do império Otomano, os chamados judeus de Salónica, de origem portuguesa.

41

“Nacionalidad”, Carlos-E. Mascareñas (dir.), Nueva Enciclopedia Jurídica, Tomo XVI, Barcelona, Editorial Francisco Seix, S.A., 1982, p. 824. 42

RAMOS, Raul Manuel Gens de Moura, “A Evolução do Direito da Nacionalidade em Portugal (das Ordenações Filipinas à Lei n.º 2098), Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, numero especial “Estudos em Homenagem aos Profs. Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz”, Coimbra, Faculdade de Direito, 1983, p. 47.

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Desígnios nacionalistas levam, a partir de 1912, ao primeiro conflito balcânico que opôs a Sérvia, a Grécia, a Bulgária e o Montenegro à Turquia. Como consequência desta contenda, o Império Otomano foi derrotado, iniciando-se o colapso deste poder. A partir de Maio de 1913, a Turquia abandona quase todos os seus territórios europeus. Uma segunda disputa, em 1913, coloca a Sérvia e a Grécia em campos opostos aos da Bulgária e obriga, mais uma vez, milhares de pessoas na Península Balcânica a deslocarem-se de suas casas43. A Bulgária foi a grande derrotada e como consequência teve de aceitar em Junho desse mesmo ano a partilha da Macedónia juntamente com a Sérvia e a Grécia. Salónica era uma pequena cidade portuária, na Grécia. De 1430 a 1912 esteve sob o domínio do Império Otomano e devido às guerras balcânicas passa a estar sob a tutela dos gregos. Os turcos tinham acolhido nesta cidade os milhares de judeus, portugueses e espanhóis que tinham sido expulsos da Península Ibérica no século XV e XVI, assim como grupos de outras zonas da Europa44. No início do século XX, o grupo apresentava uma enorme prosperidade resultante “das condições políticas de segurança da comunidade, por seu turno dependentes da verificação de outras condições, como a continuidade das ligações com os mercados ultramarinos e a manutenção de uma relação especial com o interior macedónico do porto, na prática equivalente a um monopólio económico”45. Para quem vivia na cidade portuária perder a soberania turca significava ficar sem a autonomia que resultava de uma “sociedade estruturada sobre a diferença”, onde as práticas culturais judaicas eram bem aceites46. Para evitar serem assimilados pela Grécia, e para fugirem dos massacres perpetrados pelos soldados gregos, muitos dos judeus de Salónica dirigem-se, em 1913, aos consulados estrangeiros a solicitar a protecção de outros países. O Cônsul Geral português em Constantinopla, Alfredo Mesquita, tendo conhecimento do que se passava na Turquia, através do cônsul de 43

MARRUS, Michael R., The Unwanted. European Refugees from the First World War Through the Cold War, Philadelphia, Temple University Press, 2002, pp. 45-46 e 49. 44

Ver sobre a história dos judeus em Salónica, MAZOWER, Mark, Salónica, Cidade de Fantasmas. Cristãos, Muçulmanos e Judeus, de 1430 a 1950, Colares, Pedra da Lua, 2008; NEHAMA, Joseph, Histoire des Israelites de Salonique, Salonique, 7 vols, Librairie Molho, 1936 e VEINSTEIN, Gilles (dir.), Salonique 1850-1918. La «ville des juifs» et le réveil des Balkans, Paris, Ed. Autrement, 1992. 45

FRANCO, Manuela, “Diversão balcânica: os israelitas portugueses de Salónica”, Análise Social, Primavera 2004, vol. XXXIX, n.º 170, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, p. 126.

46

FRANCO, Manuela, “Diversão balcânica: os israelitas portugueses de Salónica”, Análise Social, Primavera 2004, vol. XXXIX, n.º 170, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, p. 127.

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Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Portugal em Salónica, decide intervir e escreve ao Ministério dos Negócios Estrangeiros informando sobre a situação desta comunidade: “com respeito ao massacre e pilhagem sobre a população israelita de Salónica pelos soldados gregos não sofre dúvida a sua averiguação…recebo comunicação de que a segurança naquela cidade, desde a sua ocupação pelas forças gregas é extremamente precária: os soldados entregam-se aos piores excessos sobre as pessoas e sobre os bens dos otomanos”47. Através de uma profusa correspondência com o MNE percebemos que este fervoroso republicano se torna um dos mensageiros da comunidade sefardita. Este vai apelando à ideia de liberdade religiosa republicana constitucionalizada em 1911, nos artigos 6º, 7º e 8º, propondo a naturalização destes descendentes de portugueses, mesmo sabendo que o artigo 19º, do C.c., impedia a aquisição da nacionalidade originária48. No entanto, “sendo a mudança de nacionalidade um acto essencialmente voluntário, e considerando o governo cidadãos portugueses os que não renunciaram livremente à sua nacionalidade”, era possível inscrever estas pessoas como portugueses. As vantagens da naturalização eram muitas: se por um lado se impedia o aumento do prestígio de Espanha nesta região do Oriente, por outro lado, podíamos beneficiar da prosperidade comercial deste local e dos seus habitantes e da sua generosidade49. O ministro dos Negócios Estrangeiros, António Macieira, seguindo o exemplo espanhol e austríaco permite aos judeus, descendentes de portugueses, a inscrição provisória no consulado em Constantinopla como cidadãos nacionais50. O registo era feito mediante a apresentação de um passaporte ou outro documento que permitisse a identificação do peticionário e o testemunho de duas pessoas fidedignas. No entanto, o funcionário consular podia proceder à matrícula provisória do requerente, só se tornando definitiva depois da apresentação dos documentos exigidos pelo artigo 27º do Regulamento Consular. Era-lhe passado um passaporte português, válido por um ano e renovável na 47

AHDMNE, Ofício n.º 26-A, de 5.12.1912, 3P, A.8, M. 38, citado in FRANCO, Manuela, “Diversão balcânica: os israelitas portugueses de Salónica”, Análise Social, Primavera 2004, vol. XXXIX, n.º 170, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, p. 123. 48

Não esquecer que o artigo 19º obrigava os candidatos a cidadãos nacionais a residirem em Portugal.

49

AHDMNE, Ofício n.º 31-A da Legação de Portugal em Constantinopla, de 6.02.1913, 3P, A.12, M. 100, citado in FRANCO, Manuela, “Diversão balcânica: os israelitas portugueses de Salónica”, Análise Social, Primavera 2004, vol. XXXIX, n.º 170, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, p. 132. Sobre o desinteresse dos espanhóis pelos judeus de Salónica ver AVNI, Haim, Spain, The Jews, and Franco, Philadelphia, The Jewish Publication Society of America, 1982, p. 28-29. 50

AHDMNE, Ofício n.º 37-A do cônsul geral em Constantinopla, 3P, A.12, M. 100, citado in FRANCO, Manuela, “Diversão balcânica: os israelitas portugueses de Salónica”, Análise Social, Primavera 2004, vol. XXXIX, n.º 170, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, p. 136.

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área da residência do requerente. Em altura mais adequada seria atribuído o título de matrícula definitivo. O estatuto transitório destas “naturalizações” deve ser compreendido como uma atitude de prudência que o governo republicano adoptou de forma a não criar nenhum conflito diplomático com a Grécia51. Para além disso, a questão judaica começava a ganhar contornos ainda não atingidos no Portugal contemporâneo. É de referir que a 15 de Junho de 1912, já havia sido aprovado no parlamento um projecto-lei, que autorizava a colonização judaica no planalto de Benguela, em Angola. Todavia, o caso não era pacífico, contando com alguns opositores. Estes exigiram alterações ao “Projecto-Bravo” entretanto aprovado em S. Bento segundo as quais o colono teria de adquirir a cidadania nacional de forma a receber territórios52. O processo de obtenção da nacionalidade era bastante simples “bastando, para validar a naturalização uma declaração perante duas testemunhas, feita no Ministério das Colónias ou na administração do concelho do porto de desembarque, ficando

assim

dispensadas

as

disposições

reguladoras

da

naturalização

de

estrangeiros”53. No entanto, e apesar do projecto ter sido aprovado no Senado, a 29 de Julho de 1913, a província de Benguela não foi transformada numa colónia judaica. Segundo o investigador Ansgar Schäfer, o plano falhou porque “em Portugal, dominava cada vez mais a oposição a um estado judaico independente em território português” e porque a instituição que procurava uma solução para este caso, a Jewish Territorial Organization (JTO), não conseguiu financiamento54. Apesar do falhanço desta colonização a sua discussão fazia eco das novas circunstâncias políticas. Neste sentido, 51

AHDMNE, Despacho n.º 5 do MNE, de 4.07.1913, e despacho n.º 6 do MNE, de 30.07.1913, 3P, A.12, M.100, citado in FRANCO, Manuela, “Diversão balcânica: os israelitas portugueses de Salónica”, Análise Social, Primavera 2004, vol. XXXIX, n.º 170, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, pp. 140 e 142. 52

SCHÄFER, Ansgar, “Terra prometida ‘no Império’? Os projectos para uma colonização israelita de Angola”, História, Junho 1995, ano XVII, nº 9, Lisboa, Dijornal – Distribuidora de Livros e Periódicos, p. 34. 53

AHDMNE, Despacho n.º 11 do MNE para os consulados de Portugal, de 20.06.1913, bobina 17, citado in FRANCO, Manuela, “Diversão balcânica: os israelitas portugueses de Salónica”, Análise Social, Primavera 2004, vol. XXXIX, n.º 170, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, p. 137. 54

SCHÄFER, Ansgar, “Terra prometida ‘no Império’? Os projectos para uma colonização israelita de Angola”, História, Junho 1995, ano XVII, nº 9, Lisboa, Dijornal – Distribuidora de Livros e Periódicos, p. 34. Sobre os projectos de colonização em Angola e a Conferência de Evian, 1938, ver este artigo e a sua continuação no n.º 14, História, Novembro de 1995, ano XVII, n.º 14, pp. 52-64. Sobre o mesmo assunto ver MEDINA, João e BARROMI, Joel, “O projecto de Colonização judaica em Angola”, Clio – Revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, 1987-1988, vol. 6, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pp. 79-139.

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no ano seguinte, o governo legitimou a comunidade israelita em Portugal, autorizando a sua legalização55. Já a oposição grega não aceitou a subordinação austríaca, espanhola ou portuguesa dos judeus de Salónica o que veio dificultar a inscrição destes no consulado português, especialmente depois da assinatura do Tratado de Bucareste, em Agosto de 1913. O acordo instituía que os indivíduos que residissem nos territórios otomanos sintomaticamente se convertessem em cidadãos gregos. Poderiam optar pela nacionalidade turca, contudo, teriam que deixar os territórios gregos56. De qualquer maneira, e apesar destas dificuldades, cerca de 500 famílias de Salónica puderam beneficiar da cidadania portuguesa. No entanto, a longo prazo, as inscrições provisórias deram lugar a matriculas definitivas, pois a menção temporária, que devia constar nas cédulas, deixou de ser lançada, o que levou muitos destes judeus do Levante a serem considerados portugueses e a poderem beneficiar legalmente da protecção do estado português57. Mais tarde, em 1935, a descoberta de irregularidades cometidas pelo cônsul honorário em Atenas, Lencastre e Menezes e pelos funcionários diplomáticos de Zurique e Viena, e a denúncia de uma rede de passaportes falsos, fizeram ressurgir a questão da concessão indevida da nacionalidade portuguesa e o caso dos judeus de Salónica58. O facto de Lencastre e Menezes ter justificado a concessão de alguns passaportes através da autorização dada pelo MNE, em 1913, para a matrícula provisória dos judeus do Levante leva a que Marcelo Matias, cônsul-adjunto em Paris, conceba um parecer sobre estas naturalizações. Em 1934, o diplomata tinha recebido um pedido do inspector cônsul José Soares para que fosse com ele a Atenas com o intuito de o ajudar a deslindar as irregularidades que estavam a ser cometidas naquele local. A solicitação 55

Sobre este assunto ver MUCZNICK, Esther, “Comunidade Israelita em Portugal, Presença e Memória”, História, Junho de 1999, ano XXI, nº 15, Lisboa, Dijornal – Distribuidora de Livros e Periódicos, pp. 3241 56

FRANCO, Manuela, “Diversão balcânica: os israelitas portugueses de Salónica”, Análise Social, Primavera 2004, vol. XXXIX, n.º 170, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, p. 143.

57

AHDMNE, Parecer do MNE sobre os Judeus de Salónica, de 3.11.1935, 2º P, M. 121, A. 49, n.º 32, 6.

58

Sobre a rede de passaportes falsos ver MATHIAS, Marcello, Correspondência de Marcello Mathias para Salazar (1947-1968), Lisboa, Difel, Difusão Editorial, Ldª. , 1984, pp. 37-39; PIMENTEL, Irene Flunser, Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006, p. 46-54 e SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2002, pp. 53-56, policopiado.

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Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

dos seus serviços era explicada pela necessidade daquele inspector apoiar a sua decisão em alguém que detivesse grandes conhecimentos jurídicos. É no seguimento desta ida à Grécia que Matias elabora um relatório sobre os judeus de Salónica onde conclui que os indivíduos teriam que “solicitar individualmente a sua naturalização como portugueses com dispensa das cláusulas domiciliárias e outras do artigo 19 do Código Civil, que eles por definição não podem cumprir (…) propondo que ela seja estabelecida por decreto para salvaguarda de interesses particulares (…)”. Outro funcionário do MNE, Ayala Monteiro, concorda com ele e afirma, “por este processo, regulando-se separadamente cada caso, era possível fazer-se uma selecção dos indivíduos aos quais conviesse conceder a naturalização portuguesa. Esta solução, quando adoptada, permitiria ao nosso país organizar um poderoso núcleo de influências nos Balcãs, e principalmente na Grécia, que serviria de base à definição da nossa política de expansão comercial nos países balcânicos e que justificaria, amplamente, o estabelecimento de um Consulado de carreira em Atenas”59. A justificação essencialmente económica não estava muito longe daquela de Alfredo Mesquita, em 1912. Perante estes relatórios e um outro de Fevereiro de 1936, da autoria, mais uma vez de Marcelo Matias, Salazar edita a circular n.º 29, em Agosto de 1936, ordenando a anulação das inscrições consulares daqueles que não tivessem nascido em território português a não ser que possuíssem um documento “expedido pelas autoridades competentes da metrópole e das colónias”60. Este episódio é demonstrativo de como a questão da nacionalidade, em termos práticos, não se resolvera de forma pacífica e sem turbulência em Portugal. Apesar de não ter havido grandes modificações legislativas, que enquadrassem alterações ao regime jurídico da atribuição/perda da nacionalidade, as soluções para os casos concretos que foram surgindo, de que o exemplo mais significativo é o dos judeus de Salónica, foram ditadas mais em função dos interesses específicos verificados no momento, do que na aplicação de uma política concertada para lidar com este problema. Assim se explica que, Oliveira Salazar e o MNE tenham reagido de forma diferente à

59

AHDMNE, Relatório de Marcelo Matias sobre a Nacionalidade dos Judeus de Salónica, 1935 e Relatório de C. Ayala Monteiro, MNE, sobre os Judeus de Salónica, de 17.07.1935, 2º P, M. 121, A. 49, n.º 32, 6. Sobre Marcelo Matias ver a sua autobiografia in MATHIAS, Marcello, Correspondência de Marcello Mathias para Salazar (1947-1968), Lisboa, Difel, Difusão Editorial, Ldª. , 1984, pp. 19-98 e sobre a sua viagem a Atenas ver pp. 37-40. 60

AHDMNE, Informação de Marcelo Matias, de 08.02.36, 2º P, M. 121, A. 49, n.º 32, 6. Circular n.º 29, de 17.08.1936, citada in NAIR, Alexandra, “Judeus ibéricos no Levante: Salónica”, Jean Pierre Guéno e Jérôme Pecnard (dir.), Estrelas da Memória: crianças do silêncio. Memória de crianças escondidas 1939-1945, Lisboa, Reborn, 2005, p. 222.

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situação dos judeus de Salónica, daquela verificada no início do regime republicano, apesar dos critérios de aquisição da nacionalidade não serem radicalmente diferentes.

1.3. O discurso do Estado perante o “indesejável” (1933-1935). Independentemente dos aspectos legais a considerar na atribuição da nacionalidade, quer na primária como na adquirida, o governo português não foi imune às diversas convulsões políticas internacionais verificadas nas primeiras décadas do século XX. As respostas dos Estados ao fenómeno crescente dos apátridas, foram um reflexo das pressões e soluções promulgadas no direito privado internacional As questões técnicas desenvolvidas em torno da nacionalidade adquiriram, então, uma nova complexidade. O conceito de refugiado ganhou, outra dimensão “tornando-se um importante problema na política internacional, afectando seriamente as relações entre estados”. No período entre as duas guerras mundiais o número de refugiados cresceu vertiginosamente, devido ao aumento das “vítimas do novo estilo dos Estados-Nação” e da Rússia bolchevique, continuando a aumentar até meados da década de 192061. Surgem fileiras de refugiados e exilados, que atingem dimensões nunca vistas, e que vagueiam num constante limbo de fome e doença. Destaca-se o problema dos refugiados apátridas, os heimatlosen (desalojados) ou staatenlos (apátridas), que devido à mobilidade das fronteiras, ao desaparecimento dos Impérios e a alguns confrontos (entre a Turquia e a Grécia, por exemplo), vão encontrar-se sem qualquer enquadramento legal, situação muitas vezes de longa durabilidade. As grandes potências vão procurar resolver o assunto através dos tratados de paz de 1919-1920 e com a criação da Sociedade das Nações (SDN). O Tratado de Paris, de 1919, admitia a regulamentação do princípio da nacionalidade, ou seja, os indivíduos tinham o poder de “definir a sua própria fidelidade nacional e escolher o local onde pretendiam viver”62. No entanto, a aplicação do princípio da nacionalidade não decorreu de uma forma pacífica, pois os aliados beneficiaram muitos dos países que combateram a seu lado

61

MARRUS, Michael R., The Unwanted. European Refugees from the First World War Through the Cold War, Philadelphia, Temple University Press, 2002, pp. 8-9; 51 e 61. Tradução da autora. 62

MARRUS, Michael R., The Unwanted. European Refugees from the First World War Through the Cold War, Philadelphia, Temple University Press, 2002, p. 69. Tradução da autora.

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Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

como a Sérvia, a Roménia, a Grécia e a Checoslováquia63. Os acordos de SaintGermain, o de Versalhes e outros ofereceram estabilidade política às minorias que viviam na Roménia (húngaros, judeus, alemães, ucranianos, búlgaros, russos e sérvios), na Polónia, na Checoslováquia, na Grécia e na Jugoslávia. No entanto, e apesar destes tratados, foram muitas as pessoas que se viram sem casa e sem pátria porque não se adaptavam às categorias legais e políticas negociadas nos acordos do pós-guerra.64 O problema mais premente era o dos 800.000 refugiados russos, cuja situação aflitiva obriga a SDN a agir através da criação de uma Comissão a favor daqueles indivíduos na Europa, presidida pelo norueguês Fridtjof Nansen. Este alto funcionário vai dar voz aos apelos dos heimtlosen, muitos deles russos e arménios, através da produção do chamado “passaporte Nansen”. O certificado fornecia ao heimatlosen russos, arménios (1924) e aos oriundos da Ásia Menor e da Transcaucásia (1928) um papel de identidade válido que lhes permitia transpor as fronteiras dos países que tinham assinado o acordo. Dos oito pactos e convenções elaboradas ao longo das décadas de 1920 e 1930, Portugal apenas rubricou as convenções sobre a “Concessão de bilhetes de Identidade aos refugiados russos” e sobre a “Concessão de bilhetes de identidade aos refugiados arménios”, tendo ainda aderido às recomendações votadas na 3ª conferência Geral de Comunicações e Trânsito reunida em Genebra relativas aos Títulos de Identidade e de Viagem65. Este encontro na Suíça, que decorreu de 23 de Agosto a 2 de Setembro 1927, recomendava algumas medidas a serem aplicadas a todos aqueles que não tivessem nacionalidade, ou que tivessem nacionalidade duvidosa. A solução passava pela uniformização do documento com a denominação de “Título de Identidade e de Viagem”. Os países podiam conceder estes documentos aos refugiados com a nota de que “o detentor do presente título não tem qualidade para obter um passaporte nacional…” mas dava direito aos interessados de reclamar a protecção consular e administrativa às nações que os tinham facilitado66. 63

DUROSELLE, Jean-Baptiste, Histoire Diplomatique de 1919 à nos jours, Paris, Éditions Dalloz, 11e édition, 1993, p. 24. 64

MARRUS, Michael R., The Unwanted. European Refugees from the First World War Through the Cold War, Philadelphia, Temple University Press, 2002, p. 71. 65

SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 30, policopiado. 66

REPÚBLICA PORTUGUESA. MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, Recomendações votadas na Terceira Conferência Geral de Comunicações e Trânsito reunido em Genebra em Agosto-

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Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Apesar do governo português ter concordado com estes pactos, em 1931, o Ministro do Interior, Mário Pais de Sousa, e o detentor da pasta do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Luís António de Magalhães Correia, partilhavam da mesma opinião quanto à limitação de entrada em Portugal de pessoas sem nacionalidade. Para estes dois políticos, “todos os indivíduos que sejam providos de passaportes naquelas condições serão detidos para averiguações e restituídos à liberdade somente depois de esclarecida a sua identidade”67. No ano seguinte, o MNE informa os seus consulados através da Circular n.º 2, de 29 de Fevereiro de 1932, de que devem ser negados os vistos em passaportes de staatenlose68. Com a ascensão de Hitler ao poder como chanceler, em Janeiro de 1933, iniciam-se as primeiras perseguições. Em Fevereiro, o incêndio do edifício do Reichstag, em Berlim, serve como pretexto para o Führer suspender as liberdades individuais e permitir a repressão dos inimigos do nazismo, nomeadamente dos comunistas e dos judeus. Estes vêm-se afastados do mercado laboral nacional, das escolas e da vida cultural alemã e são obrigados a deixar o país. Durante o primeiro ano de Nacional-Socialismo cerca de 65.000 pessoas abandonam o território69. Logo em Maio de 1933, o então embaixador em Amesterdão, Júlio Augusto Borges dos Santos, informa o MNE deste êxodo alemão e avisa sobre as características daqueles que pretendem entrar em Portugal. Os israelitas provenientes da Alemanha, “na sua maioria sem nacionalidade estabelecida, mas de origem polaca, letona ou russa… “ são indivíduos que advogam “ideias demasiado avançadas” e procuram entrar “na Europa Ocidental no intuito de ali exercerem a sua propaganda entre as classes operárias”. Dizia, ainda, que a entrada destes homens em Portugal era perniciosa porque eram “veículos de ideais que não têm ambiente natural entre as camadas populares portuguesas, mas ainda assim, poderiam contribuir para um mal-estar geral”. Ao associar os judeus à ideologia comunista e socialista, o diplomata propunha a limitação

Setembro de 1927, relativos a títulos de identidade de viagem para pessoas sem nacionalidade. Anexo à Circular n.º 2, de 29 de Fevereiro de 1932, Lisboa, Imprensa Nacional, 1932, pp. 2-3. 67

AHDMNE, Ofício do MNE para Carlos de Barros, Cônsul adjunto de Portugal em Hamburgo, de 14.12.31, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaportes de indivíduos sem nacionalidade”. 68

AHDMNE, Ofício do Ministro de Hamburgo para César de Sousa Mendes, de 13.04.33, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade. Títulos de Identidade e de Viagem…”. 69

MARRUS, Michael R., The Unwanted. European Refugees from the First World War Through the Cold War, Philadelphia, Temple University Press, 2002, p. 128.

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do ingresso destes indivíduos em território nacional através da exigência aos requerentes de documentos que comprovassem a sua profissão, as suas capacidades morais e económicas e um cheque de valor elevado que servisse como garantia para a sua entrada em Portugal70. Poucos dias depois desta carta, o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Caeiro da Mata, envia um circular-telegrama à embaixada de Londres, e às Legações em Berlim, Paris, Roma, Bruxelas, Haia, Varsóvia, Bucareste e Praga para que os funcionários diplomáticos ajustassem a doutrina da circular de 31 de Março de 1933 “a judeus expulsos da Alemanha evitando que pessoas de idade, agitadores, extremistas, comunistas e indigentes possam vir para Portugal”71. Para além de pretender afastar das fronteiras portuguesas os indocumentados, os indigentes, os vagabundos e todos aqueles que fossem “reputados perigosos para a ordem e segurança interna ou externa do Estado Português”72, a referida circular vinha alargar as categorias dos que não deviam ser recebidos em território nacional e tornava inconveniente a imigração de trabalho A medida estava de acordo com a protecção que o governo português vinha atribuindo ao trabalhador nacional desde 1930 em detrimento do empregado estrangeiro. Um decreto datado desse mesmo ano proibia as empresas industriais ou comerciais, que exercessem a sua acção no continente, de aceitar empregados que não fossem portugueses73. Só o Ministro do Interior poderia conceder a devida autorização de trabalho aos estrangeiros. A excepção a esta lei era o caso dos brasileiros, cujo país tinha um acordo com o governo, ou situações de reciprocidade. A lei tornava-se imediatamente efectiva, mas só estaria em vigência até 31 de Dezembro de 1933. Apesar destas disposições, o imigrante podia trabalhar por conta própria ou exercer qualquer profissão liberal. 70

AHDMNE, Carta do Embaixador português em Amesterdão para o ministro do MNE, José Caeiro da Mata, de 12.05.1933, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 71

AHDMNE, Telegrama do Ministro do MNE José Caeiro da Mata, de 23.05.1933, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. Esta circular n.º 2, de 31 de Março de 1933, limitava a entrada de trabalhadores polacos, romenos e búlgaros que não apresentassem um contrato de trabalho emitido por uma firma comercial ou industrial estabelecida em Portugal ou que não justificassem a sua vinda para o nosso país. Ver AHDMNE, Circular n.º 2, de 31.03.1933, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 72

IANTT, Projecto-Lei enviado pelo Secretário-geral do M.I., José Martinho Simões para o MNE, Fundo do Ministério do Interior, Secretaria-geral, Mç. 355, L. 17, Nº 22, doc. 48 a 68. 73

Decreto-Lei n.º 18.415, de 16.05.30, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1930, 1º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 775.

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A medida surge como solução para o problema do desemprego, segundo o preâmbulo da lei. De facto, são muitos os países que com a crise da década de 1930 se vêm obrigados a restringir a entrada de mão-de-obra nos seus territórios74. Gráfico 1 – Desempregados em Portugal Continental e Ilhas por sectores (1930)

Outras actividades 4%

Actividades não designadas 5% Primário agrícultura 39%

Terciário comércio e serviços 14%

Secundário indústria 38%

Fonte: PORTUGAL. Direcção Geral de Estatística, O desemprego em Portugal. Resultados do Inquérito realizado em Agosto de 1931, Imprensa Nacional, Lisboa, 1931.

Os dados apresentados pelo governo sobre o desemprego não reflectiam o verdadeiro estado do mercado de trabalho já que não havia estatísticas confiáveis para a agricultura não latifundiária75. No entanto podemos perceber que o desemprego

74

Em França, por exemplo, restringe-se, ao longo da década de 1930, o exercício de diversas profissões liberais como a dos médicos, advogados, engenheiros, professores, artistas, arquitectos e jornalistas. Em 1932, o governo francês cria cotas para as empresas com contratos com o Estado, que pretendam empregar estrangeiros; em 1934 limitam a concessão de cartas de trabalho, seguindo-se outras medidas semelhantes em 1935. Cfr. CERC-Association, «Immigration, emploi et chômage. Un êtat des lieux empirique et theoriques,» in Les Dossiers de CERC-Association, n,º 3, Paris, CERC- Association, 1999, pp. 66-71. 75

Sobre a insuficiência de dados estatísticos relativos ao mercado de trabalho nacional ver PEREIRA, Victor, “Entre modernisateurs et conservateurs: les débats au Portugal sur l'émigration portugaise en France, 1958-1974”, Actes de l’histoire de l’immigration- Revue Electrónique, [online], 2003, vol.3, [visto a 23.07.2008], disponível na Internet em: http://barthes.ens.fr/clio/revues/AHI/articles/volumes/per.html.

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nacional, sentido principalmente nos sectores agrícola e industriais, com índices muito semelhantes, atingiu valores, em 1930, perto dos 38.225 indivíduos, sendo que a população activa representava um universo de 3.915.489 pessoas76. Desta forma, a taxa de desemprego, em 1930, segundo dados oficiais, correspondia a 1%. Assim, não se pode afirmar que o número de desempregados em Portugal fosse trágico mas, segundo Fátima Patriarca, pode dizer-se que a elaboração desta legislação aprazia, “de algum modo, as reclamações apresentadas por algumas associações de classe, designadamente, as ligadas ao sector hoteleiro, cujos trabalhadores se queixavam de serem impedidos de trabalhar em Espanha, enquanto os galegos tinham livre acesso ao mercado de trabalho nacional”77. A medida destinava-se, principalmente, a proteger a mão-de-obra nacional perante os “invasores” estrangeiros e seguia as regras adoptadas por grande parte dos países europeus tais como a Alemanha, a Dinamarca, a Finlândia, a França, a GrãBretanha, a Grécia, a Hungria, a Irlanda, a Itália, o Luxemburgo, a Holanda, a Polónia e a Suécia78 Dois anos depois, o regime salazarista volta a fechar as portas aos estrangeiros ao limitar mais uma vez o mercado de trabalho. Desta feita, a proibição estende-se ao mundo do espectáculo, sob a forma de portaria. Todos aqueles que não fossem portugueses não podiam ser admitidos como artistas ou mesmo empregados das casas de espectáculos do continente. Em 1937, um despacho veio afirmar que os músicos e artistas teatrais estrangeiros (incluindo artistas de circo) estavam sujeitos ao regime jurídico do decreto n.º 22.827, de 1933, quando trabalhassem por conta de empresas comerciais ou industriais. Ou seja, as empresas só podiam admitir estes artistas mediante autorização do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.

76

Sobre os dados oficiais ver PORTUGAL. Direcção Geral de Estatística, O desemprego em Portugal. Resultados do Inquérito realizado em Agosto de 1931, Imprensa Nacional, Lisboa, 1931 e PORTUGAL. Direcção Geral de Estatística, Censo da População de Portugal, vol. III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1934, pp. 5 –7.

77

PATRIARCA, Fátima, Questão social no Salazarismo (1930-1947), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995, pp. 155 e 163-164.

78

BABIANO, José, “La Construcción de una exclusión: extranjería, emigración y ciudadanía”, in Manuel Pérez Ledesma (dir.), De Súbditos a Ciudadanos. Una Historia de la ciudadanía en España, Madrid, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 708. Sobre a Hungria ver KOVÁCS, M. Maria, Liberal Professions and Illiberal Politics: Hungary from the Habsburgs to the Holocaust, London, Oxford University Press, 1994.

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Em 1939, obrigam os artistas que trabalhem à percentagem sobre a receita bruta em qualquer teatro ou casa de espectáculo a munirem-se da necessária licença de trabalho79. Antes do final da vigência da lei de 1930, o governo viu-se obrigado a assegurar medidas mais severas, novamente com o argumento de proteger o mercado de trabalho porque “a dolorosa situação verificada com os desempregados da classe comercial cujo número só muito lentamente tem diminuído e a certeza de que apenas em casos excepcionais não será possível encontrar entre os cidadãos portugueses o pessoal competente de que necessitam as diversas empresas de carácter comercial ou industrial, nacionais ou estrangeiras”80. Desta forma, a medida de 1930 é revogada e substituída por uma bastante mais repressora, ao punir os transgressores e ao estender a proibição às empresas estrangeiras. A lei admitia excepções, mas era necessário o beneplácito do mesmo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social. Qualquer contratação mesmo temporária, ou não remunerada, de estrangeiros, tinha de ser precedida de uma autorização, sob pena de aos transgressores ser aplicada uma multa. A permissão era concedida pelo prazo de trinta dias, podendo ser prorrogada por mais trinta, desde que existisse justificação. Já em Espanha a primeira norma a regular e a proteger o mercado laboral nacional surgiu a 16 de Janeiro de 1931, de efémera duração, sob o governo de Damáso Berenguer. O ministro do Trabalho, Pedro Sangro y Rós de Olano instituía que todas as explorações comerciais, industriais e agrícolas substituíssem os trabalhadores estrangeiros por nacionais. Rós de Olano criou ainda a tarjeta de identidad, obrigatória para todos os estrangeiros que exercessem uma actividade por conta própria ou por sua iniciativa, e tinha a função, ainda, de servir como título de residência. A norma nivelava também os salários dos nacionais e estrangeiros impedindo que os últimos auferissem um ordenado inferior ao dos primeiros. No ano seguinte, mesmo depois de instituída a II República, o ministro Largo Caballero, conservava as principais directrizes da lei de 1931. Sob a presidência de Alexandro Lerroux Garcia, em Agosto de 1935, voltava-se a

79

Portaria n.º 7840, de 6.12.1932, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1932, 2º semestre, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 817; Legislação em vigor em Portugal sobre estrangeiros, Lisboa, Universidade Editora, 1939, pp. 69-70. 80

Decreto-Lei n.º 22.827, de 14.07.1933, Diário de Governo, I série, número 157, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 1383-1384.

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produzir as normas que regulavam o trabalho dos estrangeiros, semelhantes às do Primeiro Biénio e que vão estar em vigor até 196881. Em vésperas da II Guerra Mundial, as disposições da lei portuguesa de Julho de 1933, são aplicadas aos professores estrangeiros. Os colégios e escolas particulares, cujos fins fossem industriais ou lucrativos, necessitavam de uma autorização prévia para poderem contratar não nacionais. Na mesma altura, o governo aplica a referida lei alusiva ao condicionamento do trabalho de estrangeiros no território continental aos arquipélagos da Madeira e Açores82. Em Abril de 1939, a limitação estende-se à profissão médica, que só podia ser exercida pelos cidadãos nacionais83. Os médicos naturalizados portugueses só podiam desempenhar a profissão decorridos 10 anos sobre a naturalização. No entanto, havia diversas excepções para que os estrangeiros fossem admitidos a prestar serviços da sua profissão: superiores exigências de saúde pública, necessidade de investigação científica, conveniências de ensino, solicitação do doente ou do seu representante, mas só a título acidental. A medida tinha surgido no seguimento das pressões efectuadas pela recém-criada Ordem dos Médicos e correspondia a interesses corporativos, mas a sua norma já datava pelo menos desde o início do Estado Novo84. Em Novembro de 1933, o Subsecretário de Estado das Corporações e da Previdência Social, Pedro Teotónio Pereira, em ofício dirigido a José Caeiro da Mata, informa que a Associação dos Médicos Portugueses aconselhava que “…atendendo ao grande número de médicos especializados e não especializados que há no país e à legião de diplomados que todos as anos sai das respectivas faculdades acha inconveniente que se dê autorização a

81

BABIANO, José, “La Construcción de una exclusión: extranjería, emigración y ciudadanía”, in Manuel Pérez Ledesma (dir.), De Súbditos a Ciudadanos. Una Historia de la ciudadanía en España, Madrid, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, pp. 708-710. 82

Legislação em vigor em Portugal sobre estrangeiros, Lisboa, Universidade Editora, 1939, p. 70 e Decreto-Lei n.º 29.762, de 19.07.39, Diário de Governo, n.º 167, Lisboa, Imprensa Nacional, p. 735. 83

Ver Decreto-Lei n.º 1.976, de 10.04.39, Diário de Governo, I série, número 82, Lisboa, Imprensa Nacional, p. 251. O projecto de lei foi longamente debatido na Assembleia Nacional no início do ano de 1939. 84

A Ordem dos Médicos, criada em 1938, revelava alguma xenofobia em relação aos profissionais estrangeiros nos seus estatutos. Estes estavam impossibilitados de pertencer aos órgãos directivos da Ordem, mesmo aqueles que se tinham naturalizado portugueses. Ver Decreto-Lei n.º 29.171, de 24.11.38, Diário de Governo, n.º 273, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 1529-1534.

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médicos que não sejam portugueses, para se estabelecerem em Portugal”85. O activo doutrinador do corporativismo acrescentava “que em virtude não somente das respostas acima transcritas, como sobretudo da forma como os alemães, israelitas ou não, procuram invadir a actividade económica das outras nações, entendo que haverá toda a vantagem em dificultar a entrada em Portugal de imigrantes alemães, quer voluntários, quer involuntários”86. Os principais actores na tomada de decisão do destino dos imigrantes, a saber os Ministros do Interior e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e o director da PVDE vão estar de acordo, nos subsequentes anos, em limitar a entrada de indivíduos indigentes, tais como judeus polacos, alemães e mais tarde austríacos. Procuram obstar o ingresso de todos aqueles que não tenham meios para subsistir em Portugal e que pretendessem trabalhar no nosso país. Em 1934, a recentemente criada PVDE chama a atenção do gabinete do Ministério do Interior (MI) para a irrupção de polacos suspeitos, que sem dinheiro, conseguem uma autorização para exercer o oficio de vendedores ambulantes. Para além de negócios lícitos, estes polacos dedicam-se, ainda, ao comércio ilegítimo e por isso a polícia solicita ao MI que impeça os funcionários administrativos de conceder licenças de vendedores a estrangeiros87. A direcção da PVDE pretende ainda que o MNE envie uma circular aos cônsules portugueses “determinando que dificultem os vistos nos passaportes, recusando-os até aqueles (polacos e judeus alemães, principalmente) que não provem cabalmente possuir os meios de fortuna bastantes para se estabelecerem em Portugal (…)”88. Dois dias depois o MI, aceitando o conselho da PVDE, informa o Governador Civil de Lisboa (GVC) que têm nos “últimos 85

Sobre Pedro Teotónio Pereira ver MARTINS, Fernando Manuel Santos, Pedro Theotónio Pereira: Uma Biografia (1902-1972), Dissertação de Doutoramento em História, Universidade de Évora, Évora, 2004, policopiado.

86

AHDMNE, Oficio de Pedro Teotónio Pereira para José Caeiro Mata, de 17.11.1933, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. Em 1933, segundo os dados oficiais, residiam em Portugal 1.121 alemães, o que significava que 5,1% dos estrangeiros no nosso país eram desta nacionalidade. Ver PORTUGAL. Instituto Nacional de Estatística, Anuário Estatístico. Ano de 1932, Lisboa, Imprensa Nacional, 1933, pp. 38-39. Segundo Adolfo Benarus, um dos mais importantes dirigentes da comunidade judaica em Portugal, nesse mesmo ano existiam cerca de 100 judeus alemães no nosso território. Ver PIMENTEL, Irene Flunser, Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006, p. 27. 87

Um ofício de 1935 proveniente do MI associa os polacos ao tráfico de mulheres e de drogas. Ver AHDMNE, Ofício do MI para o MNE, de 05.01.1935, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 88

Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo (IANTT), Ofício confidencial nº 16/A/934, do Secretário-Geral PVDE para o Gabinete do M.I., de 11.01.1934, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Secretaria-geral, Mç. 469, Pt. 1/3.

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meses dado entrada em Portugal grande número de polacos e judeus alemães, que, na maioria, são muito suspeitos, dando à Polícia um trabalho excessivo de vigilância”. Oficia, então, o GVC para que dificulte a permissão de autorizações de vendedores ambulantes a não nacionais89. Em Abril, surge ainda um acordo entre o MNE e o MI para que a concessão de vistos a «judeus polacos» ficasse dependente da consulta prévia à PVDE90. No mesmo sentido, César de Sousa Mendes, então embaixador de Portugal em Varsóvia, vai pedindo ao governo português que tenha atenção a este êxodo de forma a evitar a imigração de judeus polacos que procuram fixar-se em Portugal91. Também este diplomata é da opinião que os israelitas polacos podem causar alguma perturbação em Portugal numa altura em que o nosso país está a passar por uma crise de desemprego92. O elemento económico não é a única preocupação do embaixador. A própria constituição dos judeus enquanto minoria e grupo heterogéneo poderia fazer perigar sentimentos nacionalistas preconizados pelo Estado Novo. Outro periclito residia na “intenção definida de procurar colocar em Portugal aquele excedente de judeus polacos que outros países absorviam anualmente e à qual têm sido fechadas inúmeras fronteiras”, referindo-se a um grupo existente na Polónia com o objectivo de infiltrar judeus em Portugal93. A opinião de César Mendes, assim como de outros diplomatas como Júlio Augusto Borges dos Santos tinham levado o MNE a produzir a circular n.º 2, de 31 de Março de 1933 que determinava que a legação de Varsóvia só devia autorizar a entrada de turistas polacos ou daqueles que estivessem munidos de uma licença para trabalhar no nosso país. Aparentemente, Sousa Mendes achava aquela

89

IANTT, Circular confidencial nº 72, do MI para o GVC de Lisboa, de 15.01.1934, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Secretaria-geral, Mç. 469, pt. 1/3. Em 1934 habitavam no nosso país 477 polacos. Esta comunidade não era muito grande principalmente se a compararmos com o grupo de espanhóis e brasileiros. De facto, não ultrapassava mais do que 2,2%. Ver PORTUGAL. Instituto Nacional de Estatística, Anuário Estatístico. Ano de 1934, Lisboa, Imprensa Nacional, 1935, pp. 38-39. 90

SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 57, policopiado. 91

AHDMNE, Carta de César de Sousa Mendes para o Ministro do MNE, de 17.05.34, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 92

AHDMNE, Carta confidencial de César de Sousa Mendes para o Ministro do MNE, de 01.06.1934, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 93

AHDMNE, Carta reservada do embaixador em Varsóvia, César de Sousa Mendes para Ministro do MNE, de 20.01.1935, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”.

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medida insuficiente. Mais uma vez, a 31 de Julho de 1934, o MNE emite o despacho n.º 11, semelhante à circular n.º 2, de forma a evitar a propaganda bolchevista assim como a concorrência aos trabalhadores nacionais94. Mais tarde, o MI informa o MNE de que era conveniente restringir a concessão de vistos nos passaportes de judeus polacos que pretendiam imigrar para Portugal95. Neste sentido, e para controlar o mercado nacional e afastar polacos e alemães, Pedro Teotónio Pereira, Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, relembra o MNE que os cônsules no estrangeiro só deverão visar os vistos daqueles que se dirigirem a eles depois do requerente apresentar um documento comprovativo de que foi autorizado a trabalhar em Portugal96. A medida proteccionista vinha completar o que ficara instituído no artigo 3º do decreto-lei n.º 22.82797. Em 1934, as autoridades eram unânimes em afirmar que não era vantajoso “o estabelecimento no nosso país de judeus alemães os quais, na maioria dos casos, desprovidos de recursos poderão contribuir para o problema do agravamento do desemprego”98. José Catela, um dos principais funcionários da PVDE, categorizava os judeus polacos como “uma desagradável corrente de indesejáveis, que tanto se tem feito notar” que se dedicavam, ao tráfico de mulheres, drogas e até espionagem99. Numa linguagem xenófoba a polícia de vigilância associava judeus, comércio ilícito, espionagem e comunismo, o que era muito comum nos discursos da Direita europeia, especialmente na ideologia da extrema-direita francesa, por exemplo. O teor do discurso comprometia-se com a própria formação dos principais funcionários da PVDE. O capitão Paulo Cumano, chefe dos Serviços de Fiscalização e Fronteiras da secção 94

AHDMNE, Carta reservada do embaixador em Varsóvia, César de Sousa Mendes para Ministro do MNE, de 20.01.1935, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 95

AHDMNE, Carta do MNE, Luís de Sampaio para o Secretário-geral do MI, de 11.02.35, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 96

AHDMNE, Ofício do Sub-secretário de Estado das Corporações e Previdência Social, Pedro Teotónio Pereira para o Ministro do MNE, de 12.07.1934 e de 13.07.1934, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 97

O artigo 3º obrigava as empresas nacionais e estrangeiras a só contratarem forasteiros depois de receberem a respectiva autorização do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social. 98

AHDMNE, Ofício de José Caeiro Mata, Ministro do MNE, para José de Lima Santos, cônsul de Portugal em Paris, de 26.07.1934, 2º P, A. 43, M. 38 B, pasta Passaporte de indivíduos sem nacionalidade. 99

SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 57, policopiado.

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internacional da polícia, durante a década de 1930, tinha recebido treino em Berlim, no âmbito de um acordo que a PVDE tinha efectuado com os serviços de informações alemães (Sicherheitsdienst - SD). Do compromisso com os serviços alemães, a polícia portuguesa tinha acordado em manter sob vigilância os judeus oriundos daquele país residentes em Portugal100.

1.4. Judeus, apátridas e russos vistos como “invasores” (1935-1939). No ano da promulgação das Leis de Nuremberga os órgãos governativos portugueses endurecem a sua política migratória em relação aos polacos. Logo no início, do ano o MI solicita ao MNE que restrinja a concessão de vistos a pessoas daquela nacionalidade101. A fórmula encontrada pelo poder político para exercer a sua autoridade foi colocar em prática as normas instituídas no acordo de Abril de 1934, entre o MNE e o MI. Pretendia-se impedir a concessão de vistos consulares a polacos sem o prévio requerimento ao MI e com a informação da PVDE de que o caso era “recomendável”102. O director da PVDE, Agostinho Lourenço, constatando um aumento do número de estrangeiros indesejáveis em Portugal, ou seja de polacos, russos103, portadores de passaportes Nansen, apátridas, e o insucesso das anteriores medidas migratórias restritivas sugere ao Ministro Henrique Linhares de Lima algumas novas normas. Sobre os russos recaíam suspeitas de serem agitadores e comunistas. Já os indivíduos detentores de passaportes de países diferentes da sua origem tornavam-se 100

MACIEIRA, Maria da Conceição Assis Lourenço, A Questão Judaica no Portugal salazarista: Portugal no horizonte dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial: contributo para uma avaliação, Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2001, p. 87, policopiado. MILGRAM, Avraham, “Portugal, the Consuls, and the Jewish Refugees, 1938-1941, Yad Yashem Studies, 1999, vol. XXVII, Israel, Shoah Resource Center, p. 8. 101

AHDMNE, Carta do MI para o MNE, de 05.01.1935, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 102

AHDMNE, Ofício de Mário Caes Esteves, MI para o MNE, de 04.03.35, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 103

Em Março de 1935, o Tenente Catela, da PVDE, informava o MNE de que não deviam ser opostos vistos bons no passaporte de qualquer russo sem que antes fosse requerida a sua vinda e nos passaportes de apátridas, de indivíduos com passaportes de países que não o seu, seria aposto uma clausula daqueles a quem não havia motivo para recusar o visto. AHDMNE, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”.

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problemáticos, pois era praticamente impossível proceder à sua identificação, apresentando-se, muitas vezes, às autoridades portuguesas, com dois ou mais passaportes. Ainda no mesmo ofício o director da PVDE pretendia que os cônsules não concedessem vistos a estes indivíduos sem obterem notícias sobre a idoneidade dos seus portadores. As informações colhidas seriam remetidas em duplicado, directamente à PVDE. A todos aqueles que pretendessem fixar residência em Portugal, só seriam concedidos vistos depois de obtida a autorização do Ministério do Interior. Do requerimento dos cônsules, dirigido ao MI deveriam constar todas as informações que pudessem colher sobre a sua idoneidade, os meios de subsistência e ainda qual a actividade que aqui viriam exercer. O visto deveria ser recusado no caso dos indivíduos que declarassem não ter meios de fortuna e que pretendessem procurar trabalho no nosso território e aos russos que não estivessem munidos de certificado Nansen, fosse qual fosse o motivo alegado para o pedido. Aos indivíduos portadores de passaportes de país diferente do da sua nacionalidade, que não justificassem rigorosamente os motivos pelos quais não eram portadores do passaporte do seu país, só seriam concedidos vistos para transitar em Portugal pelo espaço de 48 horas104. A perseverança da polícia na adopção de uma política definida e rigorosa de concessão de vistos terá sido determinada, também, pela “ameaça” de uma incursão judaica que a situação na Polónia fazia prever. Depois da morte do primeiro-ministro polaco Józef Pilsudski, em 1935, irromperam diversas manifestações anti-semitas. De 1935 a 1939, tal como na Alemanha, os judeus foram afastados das universidades e do mercado laboral. À medida que iam deflagrando pogroms por todo o país, em 1935 e 1936, o governo polaco procurava remover os judeus do país105. Luís Teixeira de Sampaio, o importante secretário-geral do MNE, concordou com as principais medidas preconizadas pela PVDE, mas divergiu na proposta da polícia que pretendia confiar no arbítrio dos funcionários consulares, alguns estrangeiros, em concederem ou recusarem um visto em função das informações que sobre o requerente colhessem. Era preferível “o sistema de condicionar o deferimento dos pedidos à autorização de S. Exª. o Ministro dos Estrangeiros, que consultará antes 104

AHDMNE, Ofício do MI para o MNE, de 07.08.1935, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaportes de indivíduos sem nacionalidade”. 105

MARRUS, Michael R., The Unwanted. European Refugees from the First World War Through the Cold War, Philadelphia, Temple University Press, 2002, p. 143.

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de decidir, o Ministério do Interior, excepto no casos em que se lhe afigure justificada a imediata recusa”. Também era mais vantajoso que a recolha de informações sobre os preponentes fosse enviada a este ministério e não ao MI. Obviamente, o MNE não pretendia perder funções há muito instituídas nem desejava a usurpação dos seus poderes. Curiosamente também discordava da PVDE sobre a recusa de vistos aqueles que não tivessem meios de subsistência e que viessem procurar trabalho. Afirmava que a proposição não se coadunava com a legislação portuguesa sobre trabalho de estrangeiros106. Apesar da opinião do secretário-geral do MNE, o ministro Armindo Monteiro acaba por aceitar as sugestões da polícia política sobre a concessão de vistos o que leva à produção da circular n.º 1 de Março de 1936. Este documento interno surge como forma de “efectuar uma primeira selecção das pessoas de determinadas origens que se destinam a Portugal, em ordem a facilitar, dentro de certas regras a visita de viajantes recomendáveis e a evitar o ingresso dos indesejáveis”107. Ou seja, procuram evitar a entrada de imigrantes e promover o ingresso de turistas no nosso país. A visão dos israelitas como uma ameaça era manifestada não só pela PVDE, mas também pelos quadros do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Em 1936, Marcelo Matias ao relatar a situação dos judeus na Alemanha adverte que em “Portugal onde não existe o problema semita, não veriam certamente com satisfação a entrada na comunidade nacional desses elementos, cuja tendência nómada e diferenciação rácica e religiosa, os torna praticamente inassimiláveis”108. São estes “inassimiláveis” e eventuais espiões que o MNE pretende excluir com a circular n.º 1109.

106

AHDMNE, Ofício do MNE para o secretário-geral do MI, de Agosto e Setembro de 1935, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. Os ofícios que nunca foram expedidos devem ser da autoria de Luís Teixeira de Sampaio, apesar de não estarem assinados. Sobre este secretário-geral e a relação difícil com o responsável máximo do MNE, Armindo Monteiro, ver OLIVEIRA, Pedro Aires, Armindo Monteiro – Uma Biografia Política, Lisboa, Bertrand Editora, 2000, p. 129-130. 107

AHDMNE, Ofício n.º 9 de Luís Teixeira de Sampaio, MNE para o Secretário-geral do MI, de 27.01.1936, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaportes de indivíduos sem nacionalidade”. 108

AHDMNE, Parecer de Marcelo Matias, 2º Secretário do MNE, sobre Passaportes Falsos, de 8.02.1936, 2º P, M. 121, A. 49, n.º 32, 6. 109

A de Março de 1936, Teixeira de Sampaio informa o chefe de gabinete do Ministro do Interior, Abel de Campo Vieira Neves que “são tão vastas e ardilosas as redes de espionagem internacional; tão conhecidos o perigo e as astúcia dos espiões russos e polacos de ambos os sexos, e principalmente do sexo feminino, que o Ministério dos Negócios Estrangeiros considera necessária toda a prudência e reserva nesta matéria (…)”, IANTT, Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Mç. 480, pt. 7/21; NT – 352.

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Em conformidade com os objectivos dos dois ministérios procuram afastar determinados imigrantes (polacos e heimatlos) e, simultaneamente, fomentar o turismo em Portugal. Assim, são criados três tipos de vistos: de residência, de turista e, por fim, de trânsito, este último com a duração de 48 horas. Os vistos de residência de polacos e heimatlos só seriam concedidos depois do consentimento do MI, mas os vistos de turista seriam autorizados pelo MNE, apesar de ouvir a opinião do MI, ou seja, da PVDE, na prática. No caso de personalidades ilustres, o MNE poderia conceder uma autorização de entrada de turista sem qualquer aval do MI. As informações que os funcionários diplomáticos ou consulares remetessem ao Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a idoneidade dos requerentes seriam por estes transmitidas quando fosse caso disso ao MI. No caso de indivíduos de origem russa, que não fossem portadores de passaportes Nansen, os cônsules deveriam pura e simplesmente recusar os seus vistos consulares110. A PVDE pretendia um reforço do seu poder e um mês depois da promulgação da circular n.º 1 pede ao seu superior, o MI, para que os Governos Civis (GVC) não possam conceder autorizações de residência (AR) a russos, polacos, orientais e indivíduos sem nacionalidade, sem a prévia consulta da polícia. A justificação estava relacionada com a chamada de atenção de Teixeira de Sampaio para as redes de espionagem em Portugal. O MI concorda e assim ordena aos GVC a nova modalidade de AR111. No entanto, a PVDE continua descontente e pretende reprimir, mais eficazmente, a entrada de indesejáveis no país, “objectivo que se conseguirá desde que à polícia sejam presentes a informar todos os pedidos de “vistos” feitos por russos, polacos, heimatlos, indivíduos de nacionalidade diferente do país que os documentou, assírios e libaneses” e desde que os consulados somente autorizem os vistos daqueles que tenham “categoria recomendável”. Mais uma vez, Agostinho Lourenço manifesta sérias dúvidas quanto às intenções destes sujeitos: “raramente qualquer indivíduo destas origens ou qualidade vem a Portugal fazer turismo. Todos vêm em busca de trabalho, estabelecendo-se por conta própria com venda de quinquilharias, fábricas de malhas, ou exercem a profissão de vendedores ambulantes, ou a coberto deste rótulo exercem uma

110

AHDMNE, Circular n.º 1, do MNE, de 24.03.1936, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Instruções sobre passaportes”. 111

IANTT, Oficio do Secretário-geral da PVDE, José Catela para o Chefe de Gabinete Ministro do Interior, Abel de Campo Vieira Neves, de 7.04.1936, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Mç. 480, pt. 7/21; NT – 352 e IANTT, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do Governo Civil de Lisboa, NT – 385; NR - 2880– Registos de residências de estrangeiros (1936-1937).

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profissão mais rendosa: fazem o tráfico de brancas e vivem à custa da prostituição das amantes e das próprias esposas”112. Também os vistos de turismo são objecto de reparo por parte desta polícia. Os vistos dos portadores de passaportes Nansen, heimatlos, e “indivíduos possuidores de documentos dos quais não são nacionais” e polacos devem ser sujeitos a um pedido prévio à PVDE e só depois lhes deve ser oposto um carimbo a mencionar claramente que vêm a Portugal como turistas por um período de 30 dias. A prorrogação deste prazo por 60 dias ficaria a cargo da PVDE113. Apesar do MNE não partilhar totalmente da opinião da PVDE na forma de reprimir a entrada de indesejáveis, a 24 de Setembro é enviada a circular n.º 8 a todas as representações diplomáticas de Portugal114. Os vistos nos passaportes de indivíduos de nacionalidade russa, que pretendessem residir em Portugal, ou viajar em trânsito, seriam recusados. Também não seriam concedidos os vistos de residência solicitados a favor de heimatlos, portadores de passaportes Nansen e indivíduos documentados por países de que não fossem nacionais. Se estes desejassem vir a Portugal como turistas podiam ser autorizados desde que houvesse uma consulta prévia ao MNE, por um prazo de 30 dias, prorrogáveis até 60 dias pela polícia. Era desnecessária a consulta prévia do MNE a turistas polacos a não ser que pretendessem residir em Portugal115. Ou seja, impedem, desta maneira que Portugal se torne um país de acolhimento de imigrantes, de uma determinada categoria e de possíveis agitadores comunistas. Esta profusão de circulares e documentos internos entre o MI, o MNE e a PVDE corresponde por um lado a uma estabilização e reorganização da polícia de vigilância em 1936 e por outro a um endurecimento do policiamento, que era ainda uma consequência da descoberta, no ano anterior, da rede de passaportes falsos. De qualquer maneira, a circular n.º 8, como notado por Schäfer, não limitou a entrada de judeus alemães em Portugal que, desde que possuíssem documentação 112

IANTT, Oficio confidencial nº 135/A/936, de Director da PVDE, Agostinho Lourenço para Chefe de Gabinete Ministro do Interior, Abel de Campo Vieira Neves, de 18.04.1936, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Mç. 480, pt. 7/21; NT – 352. 113

AHDMNE, Oficio da Secretaria Geral do MI, Mário Caes Esteves para o Director Geral dos Negócios Políticos…do MNE, de 04.09.1936, 3º P, A. 13-A, M. 98. 114

Ver a opinião de Teixeira de Sampaio em AHDMNE, Ofício de Teixeira de Sampaio para o Chefe de Gabinete do M.I., de 02.06.1936, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Vistos em passaportes….”. 115

AHDMNE, Circular n.º 8 do MNE, de 24.09.1936, 3º P, A. 13-A, M. 98.

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válida, podiam ingressar e residir no país. Se já não estivessem na posse dessa documentação podiam vir como turistas116. Neste sentido, um ofício da PVDE, ordena ao GVC de Lisboa que tenha alguns cuidados com as autorizações de residência dos alemães proibindo-os de conceder as AR sem que aqueles apresentassem o devido certificado de inscrição consular117. Isto significava, tal como informava o Tenente Catela, da PVDE ao MNE, na mesma data, que “em circunstância alguma será permitida a entrada de alemães portadores de passaportes caducados e que aos restantes alemães só será permitida a permanência em Portugal como turistas, enquanto os seus passaportes tiverem validade”118. A partir de 1937, a PVDE arreiga-se como “força autónoma na admissão de estrangeiros em Portugal”. Se já desde 1935 Agostinho Lourenço tenta controlar de uma forma mais independente a entrada e permanência dos forasteiros em território nacional, o ano de 1937 vai representar o início de uma tomada de poder que vai atingir o seu apogeu em 1944 quando a PVDE passa a poder emitir passaportes119. A partir de Abril de 1937 as AR de qualquer estrangeiro não poderão ser passadas sem a prévia consulta da Polícia Internacional120. Também é neste ano que a PVDE vai proceder a um anormal número de prisões de refugiados e de expulsões de judeus alemães de Portugal. Segundo Schäfer, os judeus tornaram-se o bode expiatório do ataque contra o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar que sofre uma tentativa de assassinato no Verão de 1937. Apesar de terem sido militantes anarquistas a organizar o atentado, a polícia política culpou os comunistas. Como se sabe o discurso nazi associava os judeus aos comunistas e como já vimos, era

116

SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 64, policopiado.

117

IANTT, Oficio da PVDE para o GVC, de 6.10.1936, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do GVC – NT 313; NR 2781 – Registo da Entrada da Secção de Passaportes (1934 - 1936). 118

Ofício de José Catela, da PVDE, 6.10.1936, citado in SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 64, policopiado. 119

Decreto-Lei n.º 33.917, de 5.09.44, Diário de Governo, n.º 197, Lisboa, Imprensa Nacional, p. 873872. 120

IANTT, Circular confidencial da PVDE para o GVC de Lisboa, de 29.04.1937, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do GVC – NT 340; NR 2809 – Registo da Entrada da Secção de Passaportes (1936 1938).

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feita a mesma analogia por alguns dos membros do governo português e da PVDE. O Alto Comissário para os refugiados terá informado o governo britânico que duas semanas depois dos ataques bombistas, as autoridades portuguesas deram ordens para que num prazo de 8 dias saíssem de Portugal todos os refugiados alemães, polacos e portadores do passaporte Nansen, que tivessem entrado em território nacional depois de 1933121. Perante as pressões inglesas, Luís Teixeira de Sampaio terá respondido ao embaixador britânico em Portugal que “apenas se pretendia expulsar os refugiados e apátridas com passaportes falsificados bem como indivíduos com antecedentes dúbios”122. Em Março de 1938, a Alemanha invade a Áustria, iniciando-se, assim, o processo da sua anexação (Anschluss). Nessa altura viviam cerca de 180.000 judeus naquele país, dos quais 20.000 eram polacos e outros tantos provinham da Checoslováquia, Hungria e Roménia. Com a ocupação alemã, os judeus são excluídos da vida económica e social austríaca. Comandado por Adolf Eichmann, é organizado um Gabinete Central para a Emigração Judaica de forma a expulsar os judeus deste território. Entre Abril e Novembro 50.000 judeus abandonam a Áustria, muitos deles desprovidos de quase todos os seus bens. Na mesma altura já cerca de 30.000 tinham deixado a Alemanha. Muitos países europeus viram-se obrigados a fechar a suas fronteiras tal como a Hungria, a Jugoslávia e a Itália123. Outros, como a Holanda, a Bélgica, a França e a Suíça acolheram um pequeno número de refugiados, mas reforçaram o controlo sobre os seus limites territoriais. A Suíça, apesar da tradição em acolher refugiados emana, em Setembro de 1938, uma circular confidencial dirigida ao departamento da polícia. São tornados obrigatórios os vistos para os detentores de passaportes austríacos e alemães, medida que atentava claramente contra os judeus. 121

SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Tese de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 68, policopiado.

122

PIMENTEL, Irene Flunser, Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006, p. 59. 123

A Itália de Mussolini tinha em anos anteriores recebido cerca de 5.000 judeus, mas pressionado pela Alemanha, em Setembro de 1938, o governo publica um conjunto de legislação anti-semita: os judeus não italianos e aqueles naturalizados depois de 1919 eram obrigados a abandonar a Itália no prazo de 6 meses. Cerca de 20.000 pessoas teriam de sair do país. Ver COLOMBO, Asher e SCIORTINO, Guiseppe, “Italian immigration: the origins, nature and evolution of Italy’s migratory Systems”, Journal of Modern Italian Studies, 2004, n.º 9, London, Routledge, p. 51 e LEENDERS, Mary, “From inclusion to exclusion: refugees and immigrants in Italy between 1861 and 1943”, Immigrants & Minorities, 1995, n.º 14, London, Routledge, pp. 115-138.

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Todos os que não estivessem nessa condição seriam expulsos124. Também a Inglaterra impôs algumas medidas restritivas como um visto especial que impedia os refugiados de entrar no país125. Neste contexto, o governo português não podia ficar imune à crise internacional. Ciente da situação dos judeus e da perda de nacionalidade de muitos deles, Agostinho Lourenço afirma “que o judeu estrangeiro, é por norma, moral e politicamente indesejável”. De forma a impedir a sua fixação em Portugal admite a entrada destes judeus unicamente como turistas. Seis dias depois, Salazar, então ministro dos Negócios Estrangeiros, informa: “concordo com a orientação sugerida pela PVDE. Deverá averiguar-se se é necessário dar além disto alguma indicação aos consulados no estrangeiro”126. Mais tarde, num parecer, a PVDE afirma peremptoriamente que “devese evitar que Portugal se torne um país de refúgio”. Num momento em que a nação se “debate contra uma ofensiva de todos os extremistas127” os judeus representam um perigo para a “nacionalidade” portuguesa. Também a presença no nosso território do Alto Comissariado para os Refugiados era desaconselhável128. José Catela partilha da opinião do seu chefe, Agostinho Lourenço, e adverte o MI do perigo que representam os 40.000 judeus austríacos em fuga. Mesmo que Portugal admitisse apenas 5.000 a 10.000 desses judeus o risco seria muito grande, pois aos austríacos teria de se acrescentar os judeus polacos, alemães e outros “que procuram conquistar Portugal”. Os acontecimentos em Espanha e em Moscovo tornam periclitante “a defesa contra esta invasão de indesejáveis”129. Os embaixadores portugueses vão informando o MNE da situação dos judeus na Áustria. João Lucena, então embaixador em Viena, refere que os emigrantes judeus ao 124

Ver “Swiss Immigration Policy, September 1938. Circular of the Swiss Police Department, 7 September 1938” [on-line]. In Yad Vashem Archive M. 63/20 [visto a 10 de Outubro de 2007]. Disponível em: http://www.iconsmultimedia.com/ClientsArea/HoH/LIBARV/ARCHIVE/Chapters/Terr... 125

MARRUS, Michael R., The Unwanted. European Refugees from the First World War Through the Cold War, Philadelphia, Temple University Press, 2002, pp. 167-169. 126

IANTT, Oficio confidencial do Director da PVDE para o Chefe de Gabinete do Ministro do Interior, de 23.03.1938, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Mç. 495, Liv. 2/PV/L nº 27. 127

Referem-se de certeza aos extremistas espanhóis.

128

AHDMNE, Parecer da PVDE, de 16.07.1938, 2º P, A.47, M. 58, Pasta “Refugiados provindos do território que outrora constituiu a Áustria”. 129

IANTT, Ofício confidencial nº 68 de Secretário-geral da PVDE, José Catela para Chefe de Gab. MI, Fundo do Ministerio do Interior, Gabinete do Ministro, mç. 495, Liv. 2/PV/L-nº 55/58.

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saírem da Alemanha são obrigados a assinar uma declaração pela qual se comprometem a nunca mais regressar e adverte que “muitos emigrantes terão assim a possibilidade de conseguir chegar à fronteira portuguesa com pequenas quantias, contudo suficientes para que os deixem entrar como simples turistas. Podem depois de algumas semanas não ter meios de subsistência ou serem considerados como indesejáveis pela polícia, sem que haja a possibilidade de os fazer sair, pois as autoridades dos países por onde teriam de transitar para regressar à Alemanha, decerto se negarão a dar vistos de trânsito, sabendo que eles não podem regressar para aqui”130. Na posse de informações provenientes dos diversos consulados e da PVDE, e sempre com o intuito de afastar a imigração judaica de Portugal e a sua fixação no nosso país, o MNE envia aos seus subordinados no estrangeiro a circular número 10, de 1938. Passava a ser exigido aos «emigrantes judeus» vistos «de turismo», com a validade de trinta dias para entrar em Portugal131. A medida era semelhante à da circular número 8 de 1936, mas desta vez destinava-se unicamente a vedar a imigração dos refugiados judeus. Com a Alemanha a carimbar os passaportes de judeus com a letra “J” estes eram facilmente identificáveis. Desta forma deixa de existir o problema para o qual César de Sousa Mendes chamava a atenção em 1935, a dificuldade em reconhecer e distinguir o judeu de estrangeiros desejáveis132. Parece-nos óbvio que a medida não se pode identificar de maneira nenhuma com qualquer tipo de preconceito anti-semita, mas antes com o receio de uma irrupção maciça de refugiados por parte das autoridades administrativas133. Este receio, encontra-se bem patente nos documentos anteriormente referidos. Apesar da referida circular número 10 permitir a vinda de turistas israelitas a

130

AHDMNE, Ofício n.º 14 de João Lucena, embaixador em Viena para Ministro dos Negócios Estrangeiros, de 15.06.1938, 2º P. A 43, M. 81 a). Disponível on-line em: http://mvasm.sapo.pt/. 131

SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 121, policopiado.

132

AHDMNE, Carta reservada do embaixador em Varsóvia, César de Sousa Mendes para o MNE, de 20.01.1935, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Passaporte de indivíduos sem nacionalidade”. 133

Sobre a inexistência de anti-semitismo em Portugal nos anos 30 ver PIMENTEL, Irene Flunser, Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006, p. 34-44 e MACIEIRA, Maria da Conceição Assis Lourenço, A Questão Judaica no Portugal salazarista: Portugal no horizonte dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial: contributo para uma avaliação, Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Universidade de Lisboa, 2001, pp. 150-155, policopiado.

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partir de finais de 1938, a PVDE começa a proibir o desembarque de judeus portadores de vistos bons para Portugal134. Antes do deflagrar da Segunda Guerra Mundial era prática corrente a exigência de vistos a indivíduos sem nacionalidade, como refugiados russos, ou pertencentes a minorias, como judeus alemães, húngaros e nacionais da antiga Checoslováquia135. A PVDE autorizava vistos por tempo limitado, àqueles sujeitos, desde que as autoridades policiais onde residissem habitualmente declarassem que eles podiam regressar ao mesmo país em qualquer altura136. Já iniciada a guerra, a PVDE dá instruções ao MNE para que os funcionários consulares não visassem determinados passaportes, de forma a evitar que Portugal não se transfigurasse “em albergue de indigentes, de indesejáveis e de indivíduos sem qualquer assistência consular que nos permita repatriá-los em qualquer ocasião”. Os passaportes atingidos eram os “de estrangeiros que não expliquem razoavelmente os motivos da sua vinda a Portugal; de judeus e apátridas, antes de consulta feita à Polícia; de judeus e apátridas que tendo sido autorizados a vir a Portugal não apresentassem no passaporte um averbamento de autorização policial para regressarem ao País onde estivessem; de judeus e apátridas que alegassem possuir “afidavit” para a América, sem que tivessem assinalado no passaporte o “visto” de entrada nos países americanos; de todos os estrangeiros que não provassem possuir meios de subsistência”. Mais uma vez era pedido aos cônsules que fizessem uma triagem, rigorosa, de todos os requerentes, isto porque era “vulgar os cônsules visarem para turismo ou trânsito passaportes a indivíduos que uma vez em Portugal não tencionam sair”. Relatam os casos do judeu polaco Israel K., que declarou só abandonar o país quando os E.U.A. lhe permitissem entrar e dos judeus polacos P. que não possuíam meios de sustento e não podiam regressar a França, país onde tinham residido

134

SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 122, policopiado.

135

Em 1938, o Governo de Bela Imrédy inicia uma série de medidas anti-semitas que afastam muitos dos 445.000 judeus a viver na Hungria da vida económica e social húngara. No mesmo sentido se compreende as medidas promulgadas no ano seguinte. Ver KARSAI, Lászlo, “Anti-Jewish Laws and Decrees in Hungary, 1920-1944”, in Judit Molnár (ed.), The Holocaust in Hungary a European Perspective, Budapest, Balassi Kiadó, 2005, pp. 130- 142, pp. 142-166 e MARRUS, Michael R., The Unwanted. European Refugees from the First World War Through the Cold War, Philadelphia, Temple University Press, 2002, p. 174. 136

AHDMNE, Parecer do MNE, de 25.09.1939, 2º P, A. 43, M. 38, Pasta “Imigração de judeus de diversas nacionalidades em Portugal e Colónias portuguesas”, n.º 413 a 417.

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por último137. Mais tarde, Paulo Cumano chama a atenção para o grande número de polacos que estão a sair de França e assim se tornam apátridas. A PVDE pretende que os cônsules atentem nesta situação e não passem vistos de turistas “sem prévia consulta a esta Polícia, por intermédio desse Ministério [dos Negócios Estrangeiros], a fim de evitar que Portugal albergue para sempre muitos milhares de apátridas, que nada têm a recomendá-los”. Fica claro que alguns consulados portugueses continuavam a não honrar a regra consular de consultar previamente a PVDE e o MNE antes de autorizarem os passaportes de apátridas. Agostinho Lourenço chama a atenção para o mesmo problema apontando a mão aos cônsules de S. Sebastian e Paris. No primeiro caso, o funcionário tinha concedido um visto ao apátrida russo Paul A., apesar da PVDE ter informado o MNE que a sua entrada era inconveniente. Mas o russo não era o único indesejável a quem tinha sido concedido o visto. No segundo caso, o cônsul em Paris concedia “vistos bons para Portugal a quem quer que ali se apresente, inclusive judeus alemães com um J bem visível nos seus passaportes”138. A reforçar as opiniões da PVDE surge a famosa circular 14, de 11 de Novembro de 1939. Em primeiro lugar, este documento obrigava os cônsules a consultarem o MNE, na concessão de vistos de indivíduos de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, portadores de passaportes Nansen e russos; de judeus expulsos de países da sua nacionalidade ou de onde procedessem e daqueles que não tivessem um visto consular para um país de destino, bilhetes de passagem ou garantia de embarque. Também os passaportes daqueles que não pudessem provar que poderiam regressar ao seu país de origem ou que não apresentassem razões válidas para a sua vinda a Portugal não poderiam ser visados sem a aprovação do MNE. Em segundo lugar, o documento proibia os cônsules que não fossem de carreira de atribuir vistos. Segundo Schäfer, a medida veio comprovar “a existência de duas classes de refugiados: os que podiam

137

AHDMNE, Oficio da PVDE para o Director-Geral da Administração Consular do MNE, de 30.09.1939, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Instruções sobre passaportes”. 138

AHDMNE, Ofício confidencial e urgente de PVDE, Paulo Cumano para Secretario Geral do MNE, de 10.10.1939, 2º P, A. 43, M. 38 B, “Pasta Instruções sobre passaportes”; AHDMNE, Ofício confidencial e urgente de Agostinho Lourenço para Director Geral dos Negócios Políticos…do MNE, de 10.10.1939 e Ofício confidencial de Agostinho de Lourenço para Director Geral dos Negócios Políticos…do MNE, de 24.10.1939, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Instruções sobre passaportes”.

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entrar legalmente em Portugal e os que tinham de ficar de fora”, visando claramente “dois grupos alvos: os refugiados políticos e os judeus”139.

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SCHÄFER, Ansgar, Portugal e os refugiados judeus provenientes do território alemão (1933-1940), Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 163-164, policopiado.

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CAPÍTULO 2 A LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO EM PORTUGAL (1927-1939) A necessidade de controlar a entrada e a circulação de pessoas “contribui para formar a própria «essência dos estados»”. As razões que ajudam a explicar esta preocupação são múltiplas. O aparelho estatal impõe-se aos cidadãos em vários domínios como nos casos da prestação do serviço militar, cobrança de impostos, aproveitamento da mão-de-obra, aplicação da lei, exclusão social, vigilância e retenção de elementos indesejáveis, supervisão do crescimento demográfico, distribuição espacial e composição social das populações. Os países passaram a verificar a circulação das pessoas através de uma definição gradual dos próprios Estados enquanto entidades nacionais, apoiadas em regimes legislativos codificados e na construção de burocracias e infra-estruturas administrativas140. A arquitectura das nações contemporâneas foi fortalecida pela construção de fronteiras políticas, materializadas fisicamente, através dos postos fronteiriços, tutelados por forças policiais. As raias vão definir e separar comunidades, promovendo a distinção entre o cidadão e o estrangeiro, excluindo este último. Interessa-nos, pois, neste capítulo, analisar a legislação portuguesa, que o governo foi promulgando, de forma a perceber os mecanismos de exclusão empregues pelos diferentes regimes, tendo em vista a protecção e o controlo dos seus limites.

2.1. As normas sobre a entrada de estrangeiros em Portugal (1916-1939). No início do século XX, o controlo das fronteiras era algo de indefinido. As mudanças políticas ocorridas em 1910 não alteraram a situação. O novo regime republicano não sentiu qualquer tipo de preocupação quanto à questão da definição da raia. Sendo um dos mais antigos Estado-Nação do continente europeu, com a sua linha limítrofe perfeitamente resolvida e sem qualquer questão política séria pendente com o único vizinho terrestre, a primeira legislação tendo em vista o tema remonta apenas a 1916. A eclosão da Grande Guerra e a iminência da entrada de Portugal no conflito, ao lado da Entente franco-britânica, veio alterar este panorama, constrangendo o governo 140

TORPEY, John, A Invenção do Passaporte. Vigilância, Cidadania e o Estado, Lisboa, Temas e Debates – Actividades Editoriais, Ldª, 2003, p. 24-25.

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republicano a proibir a entrada no território aos súbditos alemães, bem como a todos aqueles que pertencessem a nações aliadas do inimigo. Formulou-se, assim, a primeira distinção moderna entre turista e imigrante141. Aos estrangeiros em trânsito era exigido que declarassem o tempo que pretendiam demorar-se em Portugal quando chegavam à fronteira. A informação ficava registada no passaporte para que as autoridades administrativas fiscalizassem a veracidade da declaração à saída do país. Os não nacionais que se alongassem mais de 48 horas em Portugal ficavam obrigados a apresentar-se logo no dia seguinte ao governador civil, nas capitais de distrito, ou ao administrador do concelho, nos restantes locais142. Desta forma, conseguiam legitimar a sua estadia e receber um título de residência, que poderia ou não ser utilizado, mas a última palavra competia sempre ao ministério, uma vez que lhe cabia decidir sobre a atribuição ou a negação desta permissão. No contexto da I Guerra Mundial, esta medida veio revelar a preocupação republicana com a segurança do Estado, derivando de um governo que podemos considerar como “omnipotente”, sob este ponto de vista, já que as autoridades políticas detinham o poder máximo de impedir a entrada de qualquer estrangeiro em território nacional, mesmo que este cumprisse todas as formalidades legais. No caso de alguém desrespeitar as preposições anunciadas seria imediatamente expulso. Ainda antes do final do conflito, em Abril de 1918, o Estado português veio reivindicar novamente o seu poder a este nível, ao anunciar por via de uma nova lei, que os funcionários administrativos poderiam recusar os vistos de saída nos passaportes de nacionais e de entrada na documentação apresentada pelos estrangeiros, se os fundamentos da viagem não fossem suficientemente justificados143. O mesmo decreto, pela primeira vez, veio definir os postos habilitados para a passagem da fronteira terrestre, nos seguintes pontos: Valença, Chaves, Vilar Formoso, Marvão, Elvas, Vila Real de Santo António e outros que, ulteriormente, fossem fixados pelo Ministério da Guerra. 141

Decreto-lei n.º 2.313, de 4.04.1916, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1916, 1º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 206-207. 142

A legislação era bastante semelhante à promulgada num decreto italiano, datado de 2 de Maio de 1915, que exigia que os estrangeiros se apresentassem às autoridades no espaço de 24 horas depois da sua entrada no país. Teriam, então, de explicar o motivo da viagem e declarar se tinham cumprido o serviço militar no país de origem. TORPEY, John, A Invenção do passaporte. Vigilância, Cidadania e o Estado, Lisboa, Temas & Debates – Actividades Editoriais, Ldª, 2003, p. 189. 143

Decreto-lei n. 4.146, de 24.04.1918, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1918, 1º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 336.

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O conflito internacional originou a falência de um certo facilitismo na transposição das fronteiras. Os Estados beligerantes passaram a ver os estrangeiros com desconfiança, identificando-os como uma potencial ameaça à segurança interna. A nível europeu, a fiscalização dos movimentos fronteiriços aumentou significativamente, mas depois dos acordos de paz não se regressou à situação vivida anteriormente. Os movimentos de refugiados e as naturais suspeitas em relação aos inimigos da véspera, reforçaram esta orientação política circunscrita. Ao contrário da tendência registada a nível europeu, logo no ano seguinte ao final da I Guerra Mundial, as medidas restritivas de 1916, em Portugal, vão dar lugar a uma maior permissividade no controlo da zona raiana. De acordo com a lei, passa a ser lícita a entrada no território de todos os cidadãos nacionais ou estrangeiros, independentemente da apresentação de passaporte. Na saída do continente português, bem como das ilhas adjacentes, tal apresentação é, igualmente, dispensada144. Posteriormente e no mesmo sentido, são regulados os Serviços de Emigração, referindo-se estes, essencialmente, à circulação dos nacionais145. De qualquer maneira, no seguimento do art.º 1º, do atrás citado decreto n.º 5624, de 10 de Maio de 1919, os estrangeiros eram considerados simples viajantes, sendo dispensados de exibir o passaporte para abandonar Portugal. No entanto, tinham de apresentar um certificado de nacionalidade. A entrada de não nacionais só volta a ser regulada sob a égide do ministro do Interior na Ditadura Militar, Adriano da Costa Macedo. O novo regime político pretendia tomar providências, “de forma a tornar possível uma vigilância eficaz sobre os estrangeiros, estabelecendo-se sistema que, com a organização de registo especial, leve a centralizar o conhecimento dos que entrem e dos que se encontram em Portugal com residência temporária ou definitiva, fiscalizando as respectivas autorizações”146. Atentava-se, assim, em duas frentes: a fiscalização/vigilância e a organização de um cadastro de estrangeiros. Com este objectivo em mente obrigava-se os forasteiros a comparecer perante o Governo Civil ou as administrações de concelho, nas primeiras 24 horas desde a entrada no país. Se a lei de 1916 não exigia a apresentação de 144

Decreto-Lei n.º 5.624, de 10.05.1919, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1919, 1º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 795-801. 145

Decreto-Lei n.º 5.886, de 19.06.1919, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1º semestre, ano de 1919, pp. 1418-1431. 146

Decreto-Lei n.º 13.919, de 7.07.1927, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, 2º semestre, ano de 1927, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 93-94.

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documentação especial, em 1927, todos tinham que se munir de duas fotografias, assim como de passaporte devidamente visado e com papéis que permitissem uma correcta identificação do indivíduo. O objectivo deste endurecimento burocrático era o de “impedir a infiltração de estrangeiros indesejáveis no continente”147. De referir que, pela primeira vez, no léxico oficial do Estado, emerge a expressão “indesejáveis” associada aos estrangeiros. Quem não respeitasse esta medida seria expulso de Portugal, como já estava previsto também em 1916. O ministro do Interior, tal como no período republicano, reservava para si o direito de impedir a entrada em território nacional de qualquer estrangeiro sob o qual recaíssem suspeitas, mesmo que indefinidas. Esta cláusula vem denunciar o teor nacionalista e autoritário do governo português que, a este nível, funciona como uma herança do período republicano. Dito de outra forma, não foi a Ditadura Militar que introduziu medidas restritivas no acesso às fronteiras. Estas tinham já sido ensaiadas pelo regime anterior, se bem que num contexto explicativo diferente, uma vez que em 1916 a Europa se encontrava envolvida na guerra, enquanto Portugal discutia a sua participação no conflito. No final da década de 1920, apenas o pretenso desenvolvimento do turismo funcionava como um travão a estas medidas restritivas. Tendo em vista o incentivo das actividades de lazer nos Açores e Madeira, o executivo veio isentar os estrangeiros em trânsito das prerrogativas do referido decreto 13.919, de 7 de Julho de 1927148. A legislação só seria aplicada àqueles que pretendessem fixar residência. Nos inícios de 1929, o governo de José Vicente de Freitas voltaria a chamar a atenção para a presença dos estrangeiros em Portugal149. Mário Figueiredo, amigo de infância de Salazar e ministro da Justiça e dos Cultos, através do decreto n.º 16.386 não permite aos forasteiros permanecerem no território mais de 8 dias sem o comunicar aos órgãos administrativos. Nessa participação deveria constar o nome, a filiação, a profissão, a naturalização, o número de passaporte e a data de entrada no país. Depois de cumpridas estas formalidades, o estrangeiro poderia demorar-se durante 30 dias, sem precisar de requerer qualquer outra autorização. No caso de se dirigir às estâncias 147

Decreto-Lei n.º 14.275, de 14.09.1927, Legislação em vigor em Portugal sobre estrangeiros, Lisboa, Universidade Editora, 1939, p. 25. 148

Decreto-Lei n.º 14.275, de 14.09.1927, Legislação em vigor em Portugal sobre estrangeiros, Lisboa, Universidade Editora, 1939, p. 25. 149

Decreto-Lei n. 16.386, de 18.01.1929, Diário de Governo, n.º 15, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 131132.

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balneares ou termais, o prazo era alargado para 60 dias, no que pode ser entendido como mais uma protecção ao turismo. O Ministro do Interior e, simultaneamente, presidente do ministério, José Vicente de Freitas, dispensava destas regras os excursionistas, membros de congressos científicos e as “pessoas que pela sua situação social sejam dignas desta isenção”. Parece-nos que as novas normas representavam um passo ainda ténue no sentido de desburocratizar o processo de entrada em Portugal dos não nacionais, uma vez que o prazo de legalização passava das 48 horas, previstas em 1927, para os 8 dias. Tratou-se de um marco legislativo decisivo neste domínio, uma vez que, posteriormente, o regime de Oliveira Salazar não mais voltará a produzir legislação autónoma relativa à entrada e saída de estrangeiros do território nacional. Doravante, serão as circulares internas que passarão a regular este processo, como já foi referido no capítulo I. De referir ainda a extrema longevidade desta peça legislativa. Será o mesmo decreto 16.386, de Janeiro de 1929, que continuará a regular a presença dos estrangeiros em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial. Todavia, a lei nem sempre era cumprida formalmente. Em algumas ocasiões os estrangeiros pura e simplesmente ignoravam a prazo de 8 dias de que dispunham para comunicar a sua presença em território nacional. A própria Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) e as autoridades administrativas, por vezes, não seguiam à risca as directrizes que deveriam fiscalizar. Para ilustrar esta situação podemos destacar o caso de um casal inglês, Lancelot Dwarris Louis G. e Isolda G., que ao chegarem a Portugal, em 31 de Dezembro de 1937, não legalizaram a sua situação150. Em Março do ano seguinte ainda permaneciam indocumentados no país. As autoridades locais sabiam que o casal se tinha movimentado na zona Cascais/Sintra. O administrador do concelho de Cascais chegou mesmo a interrogar os serviços da PVDE para tentar apurar se devia ou não aplicar uma multa aos faltosos, mas a polícia classificou Lancelot e Isolda como turistas. Em resultado desta decisão, foi aconselhado ao responsável administrativo de Cascais que visasse os passaportes sem mais complicações. O número de indocumentados é praticamente impossível de apurar, mas a história repete-se ao longo da década de 1930. Apesar do Estado Novo não ter disciplinado futuramente a situação de permanência dos não nacionais, em Janeiro de 1933, registou-se uma experiência 150

IANTT, Relatório da PVDE para o GVC de Lisboa, de 16.03.1938, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do GVC, NT - 413, NR - 479.

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normativa, que seria materializada num projecto-lei, que, contudo nunca seria aprovado (ver anexo – documento 4)151. Aparentemente, o referido projecto, emanado do Ministério do Interior, não terá recolhido o consenso do Ministro dos Negócios Estrangeiros, César de Sousa Mendes. O legislador começou por explicar que antes da eclosão da Grande Guerra, de forma geral, os países eram tolerantes em relação ao estrangeiro. Com o decorrer do conflito os beligerantes, bem como os Estados neutrais começaram a delimitar os direitos daqueles, situação que se agravou depois de 1918, devido, provavelmente, ao “exagero de concepções nacionalistas e proteccionistas que então dominavam”. Com a crise económica e social de final da década de 1920, as nações viram-se obrigadas a restringir ainda mais as entradas dos não nacionais. Tendo em conta estes factores, sem nunca esquecer “as generosas e sempre benévolas tradições de hospitalidade do povo português”, os legisladores pretendiam com este projecto-lei afiançar aos estrangeiros uma vasta liberdade de circulação protegendo, no entanto, “os primordiais direitos do Estado no que respeita à ordem pública e à sua segurança interna e externa, não esquecendo os seus interesses morais e económicos”. O projecto permitia, de uma forma geral, a entrada dos estrangeiros, “desde que se conformem com as leis e regulamentos nacionais”, exceptuando-se, entrementes, desta norma os indocumentados, os indigentes e vagabundos, assim como os indesejáveis, que fossem considerados perigosos para a tranquilidade do Estado. Mais uma vez, pretendia-se exigir uma participação da entrada dos estrangeiros às autoridades administrativas, mas a legalidade da sua presença em Portugal sem comunicação às instâncias oficiais era aumentada para um período de 10 dias, em relação aos 8 dias previstos pela lei em vigor de 1929. No mesmo sentido, eram, igualmente, criadas as Autorizações de Tolerância (AT). As AT só seriam válidas para o distrito onde fossem cedidas. O proponente também deveria depositar uma quantia nunca inferior a 500$00, “como garantia do cumprimento de todas as obrigações a que deve sujeitar-se”. Os governadores civis poderiam isentar os turistas que frequentassem as praias, termas ou outras estâncias balneares, do pagamento desta condição pecuniária. Desta forma, com a introdução da entrega de uma espécie de “caução”, o projecto distinguia claramente entre o turista desejado e o imigrante indigente. 151

IANTT, Projecto do decreto que regula as condições de entrada, residência ou fixação de estrangeiros no continente enviado pelo Secretário-Geral do Ministério do Interior, José Martinho Simões para o Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 28.01.1933, Fundo do Ministério do Interior, Secretaria - Geral, Mç. 355, L. 17, Nº 22, docs. 48 a 68.

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Enquanto na lei em vigor se estipulava um prazo de 30 dias (para as situações normais) ou 60 dias (para os que se dirigissem a zonas de banhos) de permanência no país sem autorização, este esboço não fazia qualquer menção a esta situação. Algumas organizações pretendiam a uniformização deste prazo para os 60 dias, aplicados a todos os forasteiros, que de alguma forma, viessem beneficiar Portugal do ponto de vista económico ou financeiro. Por exemplo, a Associação dos Armadores Marítimos e Agentes de Navegação do Porto e Leixões, entendia que “muitos estrangeiros que vêm passar as suas férias ao nosso país ou mesmo tratar de negócios, desejam ou precisam, conforme as circunstâncias, demorar-se alguns dias além dos trinta que o decreto lhes concede mas, não o podendo fazer sem cumprir as formalidades estabelecidas, encurtam a sua estadia entre nós”152. Esta pretensão nunca seria atendida. Para além da legislação analisada, denunciadora das intenções oficiais, existia a tradição, com o beneplácito do Ministério do Interior, de desobstruir a passagem das raias entre Portugal e Espanha em situações especiais. As próprias autoridades nacionais consideravam estas “facilidades na passagem de fronteira”, aplicadas apenas a portugueses e espanhóis, essenciais para dinamizar certas zonas nas épocas de festejos religiosos. O mesmo acontecia na altura balnear153. As forças policiais aduaneiras e a PVDE solicitavam autorização à tutela em Lisboa e em caso afirmativo as duas comunidades eram dispensadas de apresentar qualquer tipo de documentação quando pretendiam cruzar as fronteiras. No entanto, o início da Guerra Civil espanhola veio condicionar a entrada e a permanência dos estrangeiros em Portugal, inclusivamente, no caso de cidadãos do país vizinho. A partir desta altura, o policiamento das fronteiras seria reforçado. Tratava-se de uma forma preventiva para manter fora de Portugal os milhares de estrangeiros que participaram no conflito quer do lado dos republicanos quer dos nacionalistas. Neste novo contexto, a partir de Agosto de 1937, a PVDE passou a obrigar os não nacionais que pretendessem transpor as fronteiras, a proceder a um pedido prévio nesse sentido, bem como a exigir a apresentação de pessoas idóneas que os abonassem154. 152

IANTT, Carta da Associação dos Armadores Marítimos e Agentes de Navegação do Porto e Leixões para o Ministro do Interior, de 2.03.1933, Fundo do Ministério do Interior, Secretaria-Geral, Mç. 355, L. 17, Nº 22, doc. 37-38. 153

IANTT, Oficio do Subdirector da Polícia Internacional para o Gabinete do M.I., de 7.06.33, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, mç. 458, pt 3/79; NT – 330. 154

De acordo com os dados conhecidos, cerca de 10.000 franceses, 5.000 alemães e austríacos, 5.000 polacos e ucranianos, 3.350 italianos, 2.800 norte-americanos, 2.000 ingleses, 1.500 jugoslavos, 1.500

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A polícia de vigilância verifica, na mesma altura, que existem em Portugal, nomeadamente, nas montanhas próximas de Castro Laboreiro, diversos desertores espanhóis ilegais. Alguns destes foragidos tinham conseguido obter falsas certidões de nascimento oriundas da Argentina com as quais conseguiam documentar-se para entrar e permanecer no nosso país155. Por esta razão, a PVDE solicitou ao MI para que esta entidade aconselhasse os Governadores Civis e os Administradores de Concelho a prender todos os forasteiros que não preenchessem certas condições. Os que exibissem passaportes tirados em Portugal sem ter anexado o visto da polícia, os que não possuíssem documentação a provar a sua entrada em Portugal e os que não fossem detentores de uma licença de residência, eram considerados ilegais. O Ministro do Interior, concordando com a sugestão emanada da PVDE, acabou por autorizar o envio de uma circular com estas disposições às autoridades administrativas.

2.2 O Bilhete de Identidade, as Autorizações de Residência e o Passaporte. O advento da Primeira República arrastou consigo a introdução de novos e modernos mecanismos de controlo dos cidadãos. Pela primeira vez é concebido um conceito de Bilhete de Identidade por questões de segurança interna, noção que será alargada aos estrangeiros durante a Ditadura Militar e que o Estado Novo irá transformar num sistema de fiscalização generalizado a todos os quadrantes da sociedade. A Carteira de Identidade foi criada em 1912. Com ela, “a identificação sai do foro estritamente criminal para o foro político, tornando-se um assunto de segurança colectiva”156. O documento passou a ser exigido a todos os funcionários públicos, nele checos, 1.000 húngaros e 1.000 escandinavos, ajudaram os republicanos. HOBSBAWM, Eric, Age of Extremes. The Short Twentieth century, 1914-1991, London, Michael Joseph, New York, Penguin Books, 1994, p. 160 e AHDMNE, Informação de F. Calheiro de Meneses, MNE, de 28.08.1937, 2º P, A. 43, M. 38 B, Pasta “Instruções sobre passaportes”. Ver sobre as fronteiras MADROÑERO, Manuel Burgos, “A Fiscalização das Fronteiras Portuguesas durante a Guerra Civil de Espanha”, in António Costa Pinto e outros (orgs.), O Estado Novo. Das Origens ao fim da autarcia, 1926-1959, Lisboa, Editorial Fragmentos, Ldª., 1987, pp. 367-369. 155

IANTT, Oficio confidencial nº 694/37 do director da PVDE para o gabinete do Ministério do Interior, de 4.10.1937, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Mç. 496; L.1-PV/L-. 88; NT – 3591. 156 MADUREIRA, Nuno Luís, “A Estatística do Corpo: Antropologia Física e Antropometria na Alvorada do Século XX”, Etnográfica, Novembro de 2003, vol. 2, n.º 7, Lisboa, Centro de Estudos de Antropologia Social do ISCTE, p. 297.

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constando as impressões digitais, a fotografia e alguns sinais particulares do indivíduo. A medida não teve sucesso, uma vez que as instâncias oficiais não reconheceram imediatamente a sua validade oficial, enquanto elemento de identificação. Este fracasso obrigou o governo, em Setembro de 1918, a repensar o documento, que passou a denominar-se Bilhete de Identidade, e, simultaneamente, reorganizar os serviços que o emitiam. A decisão, segundo Nuno Luís Madureira, estabelecia-se “em duas linhas de força: em primeiro lugar, aproximar os critérios de duas jurisdições, a identificação civil e a criminal; em segundo, credibilizar o uso de um meio de prova civil para todos os cidadãos”157. O executivo de Sidónio Pais procurou, assim, registar mais eficientemente os criminosos existentes em todo o país. Procurava-se promover a ordem pública através da identificação dactiloscópica e da sinalética antropométrica158. Com este objectivo em mente é extinto o Arquivo Central de Identificação e Estatística Criminal, que dá lugar ao Arquivo de Identificação, organismo subordinado à Secretaria de Estado da Justiça e dos Cultos. Em 1918, “o B.I. surge como um documento público de identificação, não obrigatório, dependendo, portanto, a sua emissão do interesse e iniciativa dos cidadãos”159. No ano seguinte estende-se a obrigatoriedade da sua utilização, mais uma vez, a todos (as) aqueles que fossem nomeados (as) para qualquer cargo público e apresenta-se o modelo a ser empregue (Ver Anexos – Documento 1)160. Afirmava-se então, que o BI “é documento bastante para prova da identidade do seu possuidor perante quaisquer autoridades, cartórios notariais ou repartições públicas”. Proibia-se quaisquer repartições públicas de Lisboa, excepto o Arquivo de Identificação, de passarem aquele.

157

MADUREIRA, Nuno Luís, “A Estatística do Corpo: Antropologia Física e Antropometria na Alvorada do Século XX”, Etnográfica, Novembro de 2003, vol. 2, n.º 7, Lisboa, Centro de Estudos de Antropologia Social do ISCTE, p. 297 e Decreto-Lei nº 4.837, de 20.09.1918, Diário de Governo, I Série, n.º 209, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 1728-1730. 158

Do BI constava informações pessoais como o nome, a filiação, a naturalidade, a data de nascimento, a profissão, em português, inglês e francês. 159

PINHEIRO, Alexandre Sousa e OLIVEIRA, Jorge Menezes de, “O Bilhete de Identidade e os controlos de identidade”, Revista do Ministério Público, Outubro - Dezembro 1994, Lisboa, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, p. 13. 160

Decreto-Lei n.º 5.266, de 16.03.1919, Diário de Governo, n.º 56, I Série, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 426-427.

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Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

No início da Ditadura Militar o governo voltou a organizar o Arquivo de Identificação e a regular, mais uma vez, a emissão do Bilhete de Identidade161. A reestruturação foi elaborada no seguimento da indisciplina verificada nos serviços do citado Arquivo e na resistência manifestada por parte de algumas autoridades, que teimavam em não aceitar o BI como prova de identificação exclusiva162. No preâmbulo da lei de Agosto de 1926, o Ministério da Justiça e dos Cultos veio constatar a importância de todo o cidadão adquirir um único documento que provasse a sua identidade, em território nacional e no estrangeiro, e a falência do decreto-lei de 16 de Março de 1919, que estendia a sua obrigatoriedade aos funcionários públicos. O Bilhete de Identidade, com um prazo de validade de 5 anos, passou a ser exigido a todos os funcionários públicos, a quem pretendesse adquirir uma licença de caça e um passaporte, aos indivíduos que estivessem em idade militar e aos nubentes. Em 1927, o governo verificou que tinha todas as vantagens em identificar outras categorias profissionais, promulgando, então, várias disposições respeitantes à utilização do BI163. Depois da descentralização dos serviços de identificação, passando o documento a ser emitido também pelo Instituto de Criminologia de Coimbra e pela Repartição de Antropologia Criminal do Porto e pelos oficiais dos registos civis, generalizou-se a sua circulação164. A “democratização” da instituição do Bilhete de Identidade, foi um processo longo e minado de insucessos, como vimos. O seu uso foi sendo alargado a diferentes categorias profissionais até se tornar obrigatório para todos os cidadãos. O documento era constituído por diversas provas físicas (elementos de identificação como as impressões digitais e as fotografias), sem descriminação de indivíduos. Esta abertura conduziu Nuno Luís Madureira a afirmar que o BI, “anunciando um sistema onde todos 161

Decreto-Lei n.º 12.202, de 26.08.1926, Diário de Governo, nº 188, I Série, Lisboa, Imprensa Nacional pp. 1142-1145.

162

Cfr. PINHEIRO, Alexandre Sousa e OLIVEIRA, Jorge Menezes de, “O Bilhete de Identidade e os controlos de identidade”, Revista do Ministério Público, Outubro - Dezembro 1994, Lisboa, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, p. 14. 163

Decreto-Lei n.º 14.747, de 19.12.27, Diário de Governo, n.º 280, I Série, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 2377-2380.

164

O documento vinha criar o Instituto de Criminologia de Coimbra e alargava as funções da Repartição de Antropologia Criminal do Porto, existente desde Novembro de 1918, numa tentativa de aumentar a eficácia do Arquivo de Identificação de Lisboa através da divisão de funções de identificação civil e criminal. Decreto-Lei n.º 13.254, de 9.03.1927, Diário de Governo, n.º 48, I Série, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 324-331.

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são iguais face à administração e onde o ónus da prova se torna uma obrigação individual: o miserável e o descendente da nobreza titular, o camponês analfabeto e o académico, passam a ser oficialmente reconhecidos pelo mesmo tipo de documento”165. O requisito da aplicação do BI passa a abranger advogados, engenheiros, profissionais ligados à área da saúde, empregados de comércio, de restauração, bancários, serviçais e, pela primeira vez, é exigido aos estrangeiros. A atrás citada legislação de 1927 era muito vaga quanto às condições em que o estrangeiro se deveria munir de um BI. Somente a lei nº 16.386, promulgada em Janeiro de 1929 veio estipular em que circunstâncias o BI poderia ser adquirido pelos não nacionais. Em França, por exemplo, a obrigatoriedade dos estrangeiros obterem um Bilhete de Identidade remontava a 1915, onde constava o estado civil, a profissão, uma fotografia e a assinatura A partir de 1917, todos os indivíduos maiores de 15 anos e que pretendessem permanecer naquele país mais do que 15 dias tinham que obter este documento166. Em Portugal, numa altura em que o governo da Ditadura Militar procurava desburocratizar a vida dos nacionais através da apresentação de um único documento como prova de identidade (o BI), os estrangeiros que pretendessem permanecer no território eram obrigados a munir-se, em simultâneo, do mesmo BI e de um título de residência. A conjugação destas exigências para se fazer prova de identidade veio reforçar o processo de construção de um Estado centralizado, aumentando os seus mecanismos de vigilância sobre os cidadãos. Por outro lado, alargava-se o fosso entre nacionais e não nacionais, diferenciando claramente o estrangeiro. A permanência destes em Portugal era, assim, condicionada pela obtenção de um BI, mas ficava, igualmente, dependente da aquisição de uma autorização de residência (AR). Já vimos que desde 1916 o não nacional que pretendesse demorar-se mais do que 2 dias em Portugal tinha de se dirigir às respectivas autoridades locais onde lhe seria concedida a dita AR. Esse título não deveria ultrapassar o prazo de 30 dias, podendo ser sucessivamente prolongado. A licença era passível de ser cancelada em qualquer altura. 165

MADUREIRA, Nuno Luís, “A Estatística do Corpo: Antropologia Física e Antropometria na Alvorada do Século XX”, Etnográfica, Novembro de 2003, vol. 2, n.º 7, Lisboa, Centro de Estudos de Antropologia Social do ISCTE, p. 298. 166

CAPLAN, Jane e TORPEY, John (eds.), Documenting Individual Identity. The Development of State Practices in the Modern World, Princeton, University Press, 2001, p. 258 e CERC-Association, «Immigration, emploi et chômage. Un êtat des lieux empirique et theoriques» in Les Dossiers de CERCAssociation, n,º 3, Paris, CERC- Association, 1999, p. 63.

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Contudo, todos aqueles que já tivessem fixado domicílio em território português, antes da publicação do decreto, tinham que solicitar, no prazo de 8 dias, a AR, que era concedida por tempo não superior a 6 meses167. A legislação promovida pela Direcção Geral de Segurança Pública (decreto n.º 13.919, de 1927) não alterou de forma substancial as normas relativas às AR que tinham sido produzidas durante a Primeira Guerra168. A única diferença em relação à legislação anterior, de 1916, manifestou-se no silêncio que o governo votou aos 30 dias como prazo de concessão para aquele título. A inexistência de uma limitação temporal representa, a nosso ver, uma maior liberalidade de processos. No entanto, os espanhóis eram excluídos destas normas, pois segundo a convenção consular assinada entre Portugal a Espanha, a 21 de Fevereiro de 1870, os candidatos à residência somente eram obrigados a prover-se de um certificado de matrícula, passado pelos agentes diplomáticos ou consulares do seu país. O facto foi mais uma vez relembrado juridicamente em 1927169. A lei de 18 de Janeiro de 1929, expedida pelo titular da pasta da Justiça e dos Cultos, já anteriormente referida, veio dar seguimento à legislação de 1916 e 1927170. O executivo promulgou várias disposições acerca da obrigatoriedade de utilização do Bilhete de Identidade, por parte dos estrangeiros. Constatando a dispensabilidade de se munir destes dois documentos, o título de residência e o bilhete de identidade, em simultâneo, obriga-se agora os não nacionais a proverem-se de um BI ao fim de 6 meses de permanência no país, válido por 5 anos, em substituição do titulo de residência. No entanto, se o indivíduo pretendesse contrair matrimónio em Portugal ou se viesse trabalhar como advogado, engenheiro, profissional ligado à área da saúde, empregado de comércio, de restauração, bancário e serviçal tinha que se dirigir ao Arquivo de Identificação de Lisboa, com testemunhas que abonassem a sua idoneidade, ou a outro local que emitisse aquele documento, dispensando a autorização de residência. Antes da emissão do BI tornava-se necessário adquirir o título de residência, depois de uma 167

Decreto-lei n.º 2.313, de 4.04.1916, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1916, 1º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 206-207. 168

Decreto-Lei n.º 13.919, de 7.07.1927, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2º semestre, ano de 1927, pp. 93-94. 169

Decreto-Lei n.º 14.274, de 14.09.1927, Legislação em vigor sobre estrangeiros em Portugal, Lisboa, Universidade Editora, 1939, pp. 23-24. 170

Decreto-Lei n. 16.386, de 18.01.1929, Diário de Governo, n.º 15, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 131132.

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permanência de mais de 8 dias no país, fornecido pelo Governador Civil ou pelos administradores de concelho, durante um período máximo de 6 meses. Antes da promulgação do novo Código do Registo Civil, em 1932, o governo uniformizou os BI passados pelos Arquivos de Identificação de Lisboa, Porto e Coimbra já que devia haver irregularidades na sua emissão pelas três repartições171. Do BI constava, pela primeira vez, o local da residência do portador, o respectivo estado civil e o nome do conjugue, em inglês e francês (ver Anexos – Documento 2). Já o novo Código clarificou de uma forma bastante objectiva que o BI era por si só suficiente para comprovar a identidade dos indivíduos “perante quaisquer autoridades, cartórios notariais ou repartições públicas e estabelecimentos bancários”172. Novamente, foram alargadas as categorias profissionais obrigadas a solicitar o documento, assim como foram estendidas a todos aqueles que se matriculassem numa escola de ensino secundário, especial, técnico ou superior e aos condutores de automóveis. Os legisladores relembraram que também os estrangeiros tinham que adquirir um BI segundo os termos do decreto nº 16.386, de 1929173. O executivo poderia “proibir a residência em território nacional a todos aqueles cuja presença julgue inconveniente à segurança das instituições e ordem pública” se a decisão fosse tomada nesse sentido pelo Conselho de Ministros174. Esta lei, assim como o artigo 7º do decreto n.º 16.387, de 1927, que vinha afirmar que o Governo tinha o direito de expulsar e impedir a entrada dos não nacionais, significava que a “residência ou a simples permanência dos estrangeiros em território português, é uma mera faculdade do Governo, não representa uma obrigação para o Estado e um direito para o Estrangeiro”. Ou seja, previa-se “que, entre o estrangeiro e a ordem jurídica nacional, se estabelecesse um vínculo de ordem precária”, por questões de segurança geral175.

171

Portaria n.º 7.146, de 11.07.1931, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2º semestre, ano de 1931, p. 100. 172

Decreto-Lei nº 22.018, de 22.12.1932, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2º semestre, ano de 1932, pp. 979 – 1020. 173

Sobre este Código do Registo Civil ver PINHEIRO, Alexandre Sousa e OLIVEIRA, Jorge Menezes de Oliveira, “O Bilhete de Identidade e os controlos de identidade”, Revista do Ministério Público, Lisboa, Sindicato do Magistério do Ministério Público, Outubro -Dezembro 1994, pp. 17-20. 174

Decreto-Lei n. 23.203, de 9.11.1933, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2º semestre, ano de 1933, p. 300. 175

FERREIRA, Vasco João Scazola Taborda, Sobre o problema do domicílio dos estrangeiros em Portugal, Lisboa, Tipografia da E.N.P., 1958, p. 18.

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O Estado Novo não veio editar mais nenhuma norma sobre a residência de não nacionais até ao final da Segunda Guerra Mundial, a não ser as estipuladas em circulares internas emitidas pelos ministérios do Interior e dos Negócios Estrangeiros. No entanto, é de referir novamente as propostas do MI relativas às AR, que nunca foram legisladas (Anexos – Documento 4)176. Pretendia-se que o forasteiro ao fim de 20 dias de permanência no país se dotasse de um título de residência, exceptuando-se da atribuição deste documento os membros do corpo diplomático e consular, o pessoal das embaixadas e indivíduos das respectivas famílias; aqueles que fizessem parte de governos estrangeiros, de missões oficiais e organismos internacionais, de congressos e assembleias científicas, literárias, artísticas e outras de interesse público. A AR, a ser concedida pelos GVC, seria válida por seis meses e prorrogável até um ano e meio. Também este prazo poderia ser alterado se o não nacional residisse sucessivamente por um ano, em Portugal. Neste caso, o Governador Civil podia conceder uma autorização válida por 5 anos, o que representa uma maior abertura e tolerância em relação àqueles que se pretendiam fixar no país. O legislador afirmava ainda, que nas permissões de qualquer autorização “deverão ter-se em conta os interesses morais e económicos do País, bem como o índice da população estrangeira”. Pela primeira vez é destacada a importância destes três factores (morais, económicos e demográficos) como exclusores da imigração. Esta linha ideológica irá influenciar o destino dos que procuravam Portugal como local de residência. As autorizações de residência a partir da data da criação da PVDE, apesar da legislação em vigor, vão sendo concedidas consoante as características e as histórias de vida de cada preponente. Entre os muitos exemplos que abundam nos arquivos do AHMNE e no IANTT (Fundos do GVC de Lisboa, da PIDE/DGS e Ministério do Interior), podemos ilustrar esta situação com vários casos. Interessante é a biografia do húngaro Kaposztás G., que de acordo com o testemunho do próprio, em 1935, residia há 14 anos em Portugal, era casado com uma portuguesa e tinha 2 filhos177. Este queixavase de que apesar de habitar há tanto tempo em território nacional a polícia continuava a obrigá-lo a pedir uma AR de 6 em 6 meses. Segundo o parecer da PVDE este tinha sido 176

IANTT, Projecto do decreto que regula as condições de entrada, residência ou fixação de estrangeiros no continente enviado pelo Secretário-Geral do Ministério do Interior, José Martinho Simões para o Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 28.01.1933, Fundo do Ministério do Interior, Secretaria - Geral, Mç. 355, L. 17, Nº 22, docs. 48 a 68. 177

IANTT, Carta de Félix Correia, redactor do Diário de Lisboa para o Ministro do Interior, de 2.03.1935, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Mç. 477, pt. 12/5; NT – 352/1.

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proscrito de Portugal, em 1927, por efectuar “propaganda libertária”. No mesmo ano tinham-lhe indeferido o pedido para regressar. Apesar da expulsão, em 1932, encontrase novamente entre nós, sendo-lhe concedida uma AR por um ano, não obstante a polícia ter informado o MI de que a sua presença em Portugal era nefasta. Seguiu-se um novo parecer negativo da polícia de vigilância, mas ser-lhe-ia autorizada a permanência em 1933. No ano seguinte, o mesmo indivíduo apresentou certificados de boa conduta, sendo abonado por pessoas idóneas. Como consequência, concederam-lhe novamente uma AR por um ano sendo, no entanto, forçado a ir à polícia “de vez em quando”. Já em 1935, voltou a requerer a prorrogação, que viria a ser concedida por mais 12 meses. Se no decorrer de 1935 nada mais constasse negativamente acerca de Kaposztás, “esta polícia não vê inconveniente em o desligar da obrigação de requerer temporariamente a residência em Portugal”. As escolhas eram quase sempre arbitrárias e ditadas por razões morais de quem as decidia. Outro exemplo pode ser observado pelo caso da russa Mary S., a quem não seria concedida uma AR apenas pelo facto da candidata ser bailarina e viver amancebada com um espanhol de “má fama”178. Estes dois casos ilustram, por um lado, a forma como o MI e a PVDE comunicavam e decidiam entre si quem podia ficar e quem seria expulso do território nacional, enquanto por outro atestavam o carácter absolutamente discricionário do processo. Até aqui nota-se o ascendente do MI sobre a polícia, mas a situação iria inverter-se dentro de pouco tempo, especialmente depois da reorganização da PVDE, em 1936. A eclosão da Guerra Civil aqui ao lado veio despoletar uma reacção governamental no sentido de apertar o controlo da concessão das AR. Pretendia-se evitar que o território nacional servisse de porto de abrigo de republicanos espanhóis em fuga do conflito. Em Janeiro de 1938, a PVDE chegou a um entendimento com o MNE e estipulou que seriam recusadas as AR a todos os cidadãos do país vizinho que tivessem transposto a fronteira portuguesa depois de Julho de 1936 e a quem o consulado ou vice-consulado tivesse recusado conceder a documentação necessária, por estarem abrangidos pela lei militar espanhola ou por se declararem refugiados políticos. Por outras palavras, o governo português fechava assim as portas aos exilados179. A 178

IANTT, Oficio do agente da PVDE para a PVDE, de 28.03.1935, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, mç. 475, pt. 2/29; NT – 347/1. 179

IANTT, Circular do secretário do GVC de Lisboa para os administradores de concelho, de 4.01.1938, Arquivo Distrital de Lisboa, fundo GVC, NT - 413, NR – 479. Sobre a comunidade espanhola em

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passagem destes indivíduos deveria ser imediatamente comunicada à polícia de vigilância. Apensa a esta informação era obrigatório constar a identidade, a residência, a data e o local de entrada no país. Clarificava-se, ainda, que os BI fornecidos pelos Arquivos de Identificação de Lisboa, Porto ou Coimbra, não permitiam a concessão de uma AR aos espanhóis. Essa AR somente poderia ser obtida através da apresentação de um certificado de nacionalidade passado pelos consulados e vice-consulados espanhóis. Para além do Bilhete de Identidade e das Autorizações de Residência, o Passaporte também passou a integrar o aparelho de vigilância dos Estados sobre os cidadãos. Este documento veio assumir um papel preponderante enquanto linha divisória entre nacionais e não nacionais ao fornecer uma prova adicional sobre a naturalidade daqueles que o detinham. O passaporte, assim como a outra documentação já referida, exigida pelas nações, tornou-se um mecanismo de exclusão, mas também de reforço estatal. O fenómeno, que assumiu uma escala internacional, não era novo, mas adquiriu contornos até então nunca registados com o desenvolvimento da Grande Guerra, ao chamar a atenção para as questões da segurança interna. A abolição da exigência da apresentação de passaportes aos estrangeiros que entrassem e saíssem do território nacional, remontava a 1896180. No entanto, o governo podia “restabelece-los temporariamente, quando circunstâncias graves de ordem pública o justifiquem”. Com o aproximar do início da Primeira Guerra Mundial, em Janeiro de 1914, o ministério do Interior informou o Governo Civil de Lisboa de que tinha resolvido ampliar a exigência de passaporte a todos os estrangeiros que pretendessem sair do país181. Os alemães, assim como todos os estrangeiros, não seriam impedidos de abandonar o território nacional quando apresentassem o passaporte, devidamente visado pelo GVC. De referir que, em Abril de 1916, proíbe-se mesmo a entrada de alemães. Ainda em Janeiro de 1914, procedeu-se à definição dos tipos de passaporte existentes. Distinguiam-se entre os consulares e diplomáticos e aqueles que eram solicitados nos governos civis. Em 1916, o documento passava a incluir o retrato do viajante, com a assinatura deste, e o selo da autoridade que o referendasse, “num indício de confiança crescente na Portugal ver MADROÑERO, Manuel Burgos, “La colonia española en Portugal y la Guerra Civil (19361939), Historia 16, 1990, n.º 172, Madrid, Historia Viva, pp. 12-22. 180

IANTT, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do GVC, NT-1015, NR-1628. Ver também Diário do Governo, n.º 92, de 25.04.1896. 181

IANTT, Circular do Ministério do Interior para o Governo Civil de Lisboa, de 11.01.1914, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do GVC, NT - 1015, NR - 1628 - Instruções sobre passaportes (1887—1926).

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tecnologia moderna para controlar a circulação”, tal como acontecia em Itália e na Alemanha, por exemplo182. O governo republicano referia pela primeira vez que os passaportes de não nacionais deviam ser visados por agentes diplomáticos ou consulares portugueses, no caso de os haver no local de onde aqueles precediam, de forma a entrar em território nacional. A medida inseria-se numa corrente de legislação produzida em diversos países desde o início do conflito. A partir de 1914, o Império Alemão obriga todos os estrangeiros a aporem um visto consular nos seus passaportes, de forma a entrarem no país. Em Itália, para citar mais um caso, os vistos diplomáticos passaram a ser exigidos desde 1915183. Por acordo entre os governos português e espanhol, os nacionais deste país ficavam isentos da apresentação de um passaporte nas fronteiras portuguesas184. Somente lhes era exigido uma cédula pessoal, com dispensa do visto dos consulados portugueses. O documento teria que ser apresentado às autoridades fronteiriças e aos órgãos administrativos do local onde fosse residir. A legislação promulgada em 1916 definia que os estrangeiros tinham de apresentar o seu passaporte na fronteira aos agentes da polícia de emigração ou, na sua ausência, às autoridades administrativas ou da guarda-fiscal e seus delegados. Os funcionários para além de aporem o visto eram obrigados a registar o lugar em que o imigrante tencionava parar. Se o detentor do documento fosse um turista, o seu passaporte teria que conter a informação do tempo que o proprietário iria demorar em território nacional. O averbamento destas informações constituía uma forma de controlo destes. Como já foi referido, depois do final da Grande Guerra foi normalizada juridicamente a entrada e saída dos estrangeiros do nosso país. Estes ficavam isentos da apresentação de um passaporte, a não ser que houvesse um acordo internacional que contrariasse a medida185.

182

Decreto-lei n.º 2.313, de 4.04.1916, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1916, 1º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, pp. 206-207 e TORPEY, John, A Invenção do Passaporte. Vigilância, Cidadania e o Estado, Lisboa, Temas e Debates – Actividades Editoriais, Ldª, 2003, p. 189. 183

CAPLAN, Jane e TORPEY, John (eds.), Documenting Individual Identity. The Development of State Practices in the Modern World, Princeton, University Press, 2001, p. 259 e p. 261. 184

IANTT, Circular do Ministério do Interior para o Governo Civil de Lisboa, de 12.07.1916, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do GVC, NT - 1015, NR - 1628 - Instruções sobre passaportes (1887—1926).

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A legislação relativa aos cidadãos alemães só seria derrogada com o Tratado de Paz entre a Alemanha e Portugal, em 1920. Na mesma altura foram alteradas as normas relativas à emigração e imigração, contidas nos decretos nº. 2.313, de 4 de Abril de 1916 e n.º 2.146, de 24 de Abril de 1918, já referidos. Esta lei de 1920, apenas revogada em 1949, à semelhança do que tinha sido promulgado por muitos dos países que participaram no conflito de 1914-1918, exigia, por motivos internos, a exibição do passaporte a todos aqueles que pretendiam circular no país, sem excepções186. No caso do estrangeiro se apresentar sem o devido passaporte, ou se este documento não contivesse o visto de um consulado do seu país, o Comissariado dos Serviços de Emigração poderia autorizar o viajante a “legitimar a sua identidade pelo agente diplomático ou consular do país da sua nacionalidade, acreditado em Portugal”. A saída do nosso país seria efectuada com o passaporte visado pelos funcionários diplomáticos do Estado de origem dos indivíduos e também pelo Governo Civil do local onde tivessem permanecido187. Este quadro significava que a fiscalização dos estrangeiros passava a ficar a cargo de duas entidades administrativas, o Governo Civil e os Serviços de Emigração, ao contrário do que se verificava em 1916. Assim, e segundo uma tendência geral europeia, “o passaporte passou a ser a coluna vertebral do sistema de comprovação documental da identidade utilizado para registar e vigiar os movimentos de estrangeiros no país”188. Aconteceu o mesmo em Portugal. Já no início da vigência da Ditadura Militar, talvez numa tentativa de reconhecimento internacional do regime, o governo procedeu a uma série de acordos com diversos países, suprimindo-se os vistos consulares e administrativos dos cidadãos da Alemanha, Espanha, Bélgica, Cuba, Dinamarca, Islândia, Inglaterra, Noruega, Países Baixos e Suíça. No ano seguinte, em 1927, as convenções estenderam-se à Irlanda,

185

Decreto-Lei n.º 5.624, de 10.05.1919, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1919, 1º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, pp. 795-801. 186

Decreto-Lei n.º 6.912, de 9.09.1920, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1920, 2º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p. 160. 187

Em 1921 o ministro António Granjo, em portaria n.º 2.921, de 7 de Julho, veio afirmar que o Governo Civil tinha autorização para conceder passaportes no caso dos indivíduos sem representação consular. Ver Legislação em vigor sobre estrangeiros em Portugal, Lisboa, Universidade Editora, 1939, p. 20. 188

TORPEY, John, A Invenção do Passaporte. Vigilância, Cidadania e o Estado, Lisboa: Temas e Debates – Actividades Editoriais, Ldª, 2003, p. 192.

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Nova Zelândia, Terra Nova, Áustria, Checoslováquia, Suécia e Uruguai189. Em 1928, extinguem-se os vistos com a Itália, França e Luxemburgo. Estes acordos vão manter-se como válidos até 1939. Com o início da Guerra, os países foram obrigados a denunciar os pactos, uma vez que estes facilitavam a entrada dos chamados “indesejáveis”. O decreto n.º 13.919, de 1927, já em parte analisado, veio repetir as normas legisladas em 1916 e materializadas no artigo 5º190. Os passaportes deviam ser apresentados em todos os pontos da fronteira aos agentes da polícia de emigração, às potências administrativas aduaneiras ou à Guarda-Fiscal. Estas autoridades registavam o visto, a data e o local para onde o estrangeiro se dirigia e o tempo que o viajante se pretendia demorar, no documento. Em 1931, torna-se público o acordo estabelecido entre os governos português e espanhol para que os cidadãos de ambos os países possam atravessar as respectivas fronteiras mediante a apresentação do BI, por parte dos portugueses, e da cédula pessoal, por parte dos espanhóis191. No ano seguinte, o convénio seria cancelado, passando a ser exigido aos súbditos do país vizinho um passaporte. No entanto, dispensava-se o visto administrativo e consular. Aos espanhóis que viessem a Portugal, para fazer uso das praias ou termas, era imposta apenas a apresentação de uma cédula pessoal192, dentro da política de favorecimento da actividade turística. Em 1933, o regime entre os dois países é alterado pela terceira vez num curto espaço de tempo, sendo restabelecidas as normas aprovadas dois anos antes, deixando-se de exigir a utilização de passaporte nas fronteiras193. Com a Guerra Civil, a partir de 1936, o convénio foi denunciado, deixando de ter efeito. A situação em Espanha era diferente da vivida em Portugal. A obrigação de utilizar um passaporte para se passar as fronteiras do país vizinho remonta a 1818. Durante o século XIX, esta exigência será regulamentada de uma forma contraditória: 189

MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, Lista dos Actos Internacionais assinados por Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional, 2 vols., 1946. 190

Decreto-Lei n.º 13.919, de 7.07.1927, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2º semestre, ano de 1927, pp. 93-94. 191

Aviso de 5.02.1931, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1931, 1º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p. 189.

192

Aviso de 4.08.32, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1932, 2º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p. 256. 193

Acordo de 24.02.33, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1933, 1º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p. 194.

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ora se impõe a utilização de passaportes por parte dos estrangeiros (1870 e 1875), ora se libertam os não nacionais desta documentação (1862 e 1878)194. Ao chegar-se à Grande Guerra e por motivos de segurança pública, o governo promulgou o Real Decreto de 12 de Março de 1917, pelo qual todos os estrangeiros que pretendessem entrar ou sair do país teriam de se munir de um passaporte, devidamente visado pelos representantes consulares do seu Estado e por um funcionário diplomático espanhol. O documento possuía algumas particularidades, devendo indicar o nome, a fotografia, o local de nascimento, a nacionalidade e sinais particulares do proprietário. Obrigavam-se os estrangeiros a apresentar o seu passaporte nas fronteiras ou na Direcção de Segurança, ao governo ou alcaides, dentro das 48 horas após a sua chegada. Quem tentasse entrar em Espanha indocumentado era preso, pagaria uma multa e depois seria expulso do reino. A legislação promulgada pelo governo liberal do Conde de Romanones, continha a obrigatoriedade da Direcção de Segurança, dos governos Civis e das alcaidorias registarem os estrangeiros residentes e os turistas, para além de servirem de primeiro acolhimento a quem entrasse no país. De igual modo, também os donos de hotéis ou pensões tinham de informar as autoridades acerca dos forasteiros que se hospedavam nos seus estabelecimentos195. Em 1935, o executivo de Joaquin de Pablo Blanco y Torres regulamentou a entrada e saída dos não nacionais de território espanhol, distinguindo claramente entre os estrangeiros residentes e os turistas (singulares e colectivos)196. No seguimento da legislação de 1917, obrigava-se todos os não nacionais a munir-se de um passaporte, sem o qual não podiam usufruir dos direitos concedidos pelos tratados em vigor e pela legislação espanhola. O documento seria fiscalizado nas fronteiras pelos funcionários de Investigação e Vigilância da Polícia Governativa, secção que tinha como função o controlo dos passaportes e a inspecção das entradas e saídas de Espanha197. Nestes 194

BABIANO, José, “La Construcción de una exclusión: extranjería, emigración y ciudadanía”, in Manuel Pérez Ledesma (dir.), De Súbditos a Ciudadanos. Una Historia de la ciudadanía en España, Madrid, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 698-699.

195

“Extranjero”, in Carlos-E. Mascareñas (dir.), Nueva Enciclopedia Jurídica, Tomo IX, Barcelona, Editorial Francisco Seix, S.A., 1982, p. 414-415.

196

Lei de 4.10.1935, Repertorio cronológico de legislación, Pamplona, Aranzadi, 1935, pp. 1329-1336.

197

Ver sobre a policia governativa RUEDA, José Maria Miguélez, “Transformaciones y cambios en la policía española durante la II República”, Espacio, Tiempo y Forma, 1997, serie V, tomo 10, Madrid, UNED – Facultad de Geografia e Historia, pp. 205-222.

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locais era-lhes fornecido um impresso em várias línguas comunicando as obrigações que os estrangeiros tinham que respeitar em Espanha. Esta informação decerto facilitaria as funções da Direcção Geral de Segurança e dos seus funcionários administrativos. Dentro do país, os indivíduos eram obrigados a apresentar-se 3 dias após a sua entrada, na Direcção Geral de Segurança, em Madrid, no chefe de polícia, em Barcelona, ou nos postos de Investigação e Vigilância nos restantes locais. Para que houvesse um maior controlo destes indivíduos os hotéis ou estabelecimentos similares, eram obrigados a preencher um formulário identificado como “Entrada de Estrangeiros” e do qual fazia parte um questionário específico. Era inquirido qual o estado civil, a profissão, a nacionalidade actual e a originária, o tempo de permanência em Espanha, o objectivo da viagem, o número do passaporte, a autoridade que o expediu e a data, o consulado espanhol que visou o documento e a dia da chegada. Se mudassem de província teriam de proceder da mesma forma e apresentar-se às respectivas autoridades. No caso de o pretenderem, os indivíduos poderiam fixar residência em Espanha, por um período de 3 meses, depois de se apresentarem aos funcionários administrativos. A lei previa ainda a possibilidade de prorrogação das autorizações por mais 3 meses, desde que fundamentassem o motivo da permanência. Passados estes 6 meses, os candidatos poderiam solicitar uma AR desde que apresentassem o testemunho de dois cidadãos espanhóis, explicassem o motivo da sua estadia e justificassem a inscrição no consulado do seu país. Era ainda exigido ao peticionário que apresentasse garantias e antecedentes. O prazo das AR seria, então, de 2 anos, podendo ser renovado pelo mesmo período de tempo. Para além deste título, o estrangeiro que trabalhasse em território nacional, por conta própria ou que fosse contratado por uma empresa espanhola, seria obrigado a prover-se de uma carta de identidad professional, considerada como título de residência legítimo198. Estas cartas tinham a validade de um ano e eram concedidas pelo Ministério do Trabalho. Exceptuavam-se aqueles que vinham trabalhar ao abrigo de qualquer tratado internacional, os que residissem em Espanha há mais de 5 anos, os casados com espanholas, ou os que tivessem filhos espanhóis.

198

Vimos no Capitulo 1, ponto 1.3., que a carta de identidade profissional foi criada em 1931, voltando a ser referida na lei de 29.08.1935. Repertorio cronológico de legislación, Pamplona, Aranzadi, 1935, pp. 1514-1515.

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A lei de Outubro de 1935 correspondia ainda à necessidade de registar todos aqueles que entravam em Espanha. A informação estatística seria tutelada pela Oficina de Información y Enlace e reunia o conhecimento enviado pelos proprietários de casas de vizinhança e arrendadas a não nacionais; pelos hotéis e outros estabelecimentos de hospedagem, empresários de espectáculos e estabelecimentos públicos, mercantis, fabris ou industriais, assim como pelos funcionários administrativos. Com o decorrer da Guerra Civil de Espanha, à semelhança do que aconteceu com Portugal, procurou-se fechar as fronteiras e criar mecanismos de protecção à segurança interna do Estado. No seguimento desta preocupação foi criada a Jefatura de Segurid Interior, Orden Publico e Inspeccion de Fronteras, em Outubro de 1937199. Pretendia-se com esta organização centralizar a vigilância das fronteiras numa só instituição, sob o comando do Generalíssimo dos Exércitos Nacionais, Francisco Franco. Deste modo, a Guarda Civil, a Chefia Superior da Polícia, assim como os Corpos de Segurança, Assalto, Investigação e Vigilância e Pessoal e as tropas do Serviço de Fronteiras seriam chefiadas por esta estrutura de cariz militar. Logo no início de 1938, o presidente da Junta Técnica do Estado promulgou o cancelamento das cartas de identidade de trabalho, legisladas em 29 de Agosto de 1935200. As empresas que tivessem estrangeiros ao seu serviço tinham agora de formalizar a sua situação num período improrrogável de 30 dias. Todos aqueles que estivessem impedidos de laborar em território nacional eram obrigados a possuir a informação nos seus passaportes de que “não está autorizado a trabalhar em Espanha”. Esta notícia era registada pelos cônsules espanhóis no estrangeiro ou pelas autoridades administrativas nas fronteiras terrestres ou marítimas. A medida vinha mais uma vez proteger o trabalhador nacional, no seguimento dos decretos de 16 de Janeiro de 1931, de 8 de Setembro de 1932 e de 29 de Agosto de 1935, como já foi referido no capítulo 1 deste trabalho. Pouco depois, o ministro nacionalista Pedro González Bueno, responsável pela recém-criada pasta do Ministério de Organização e Acção Sindical, instituiu o Serviço Nacional da Emigração201. Este dividia-se em três ramos – Colocação, Migração e Assuntos Gerais. Da primeira, fazia parte a secção de Distribuição de Trabalho e o 199

Decreto de 31.10.1937, Repertorio cronológico de legislación, Pamplona, Aranzadi, 1935, p. 816.

200

Decreto de 5.01.1938, Repertorio cronológico de legislación, Pamplona, Aranzadi, 1938, pp. 19-21.

201

Decreto de 18.06.1938, Repertorio cronológico de legislación, Pamplona, Aranzadi, 1938, pp. 572574.

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Serviço de Reincorporação dos Combatentes. A Oficina Central de Colocação tinha como principal missão concentrar as estatísticas relativas ao trabalho e organizar os concursos necessários para que uma empresa contratasse estrangeiros. Já a secção de Migração subdividia-se em Imigração e Emigração. A de Imigração, a que nos interessa para o âmbito deste estudo, era composta por duas repartições: a do Trabalho de Estrangeiros e a de Inspecção. Se a primeira era quem autorizava os contratos de trabalho de estrangeiros, a segunda estudava e propunha as medidas necessárias para evitar a concorrência do trabalhador não nacional em relação ao nacional. Tinha ainda como função a inspecção de todas as fronteiras através das fiscalizações da imigração. No seguimento da estruturação do Ministério da Organização e Acção Sindical e de forma a centralizar toda a informação relativa aos movimentos migratórios nas fronteiras, o governo de Franco exigiu a todos os estrangeiros que entregassem nas raias uma declaração, facultada pelos cônsules espanhóis, à Inspecção de Migração202. No modelo constariam os dados pessoais, a finalidade da viagem, o tempo de duração e os lugares a visitar, ou o local onde se pretendia residir. As companhias de transporte (marítimas, aéreas ou terrestres) ficavam obrigadas a declarar o número de estrangeiros que entrassem e saíssem de Espanha. Nesses formulários deveria constar para além dos dados comuns a religião dos imigrantes, alínea até então inédita na legislação ibérica sobre o assunto. Com a promulgação desta nova lei espanhola, as funções que, dois meses antes, faziam parte do pelouro da Oficina Central de Colocação transitaram para a responsabilidade da secção de Migração do agora criado Ministério da Organização e Acção Sindical. A transferência destas tarefas para novos organismos ficou a dever-se, provavelmente, à criação de um Serviço Nacional de Estatística, em Julho de 1938, sob a tutela daquele mesmo ministério. A legislação espanhola vinha ainda alargar a proibição da concessão de uma carta de identidade profissional aos estrangeiros que pretendessem fazer parte dos quadros directivos de empresas mineiras ou aos engenheiros encarregados das obras. Também se estendia a interdição aos comerciantes e aos vendedores ambulantes. Em 1939, o Conselho Nacional de Defesa reforçou as fronteiras dos Pirinéus Orientais, e mais tarde dos Centrais e Ocidentais, através da organização de chefes de

202

Decreto de 7.09.1938, Repertorio cronológico de legislación, Pamplona, Aranzadi, 1938, pp. 773-775.

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fronteira nestas zonas, colocados sob a dependência do Ministério da Governação203. A estes competia a inspecção e fiscalização destas raias.

2.3. O controlo e a fiscalização dos estrangeiros. Em 1916, a fiscalização dos estrangeiros nas fronteiras era uma competência dos agentes da Polícia de Emigração204. Na ausência destes efectivos, a responsabilidade era transferida para as autoridades administrativas, aduaneiras ou da Guarda-Fiscal, que para além de controlar os passaportes também avisava os órgãos políticos dos locais de permanência daqueles. Um conjunto de normas obrigava estes funcionários a registar no passaporte a indicação do tempo de permanência no país e o local para onde os viajantes se dirigiam. Os governadores civis e os administradores de concelho também faziam parte de uma ainda tímida máquina burocrática de fiscalização dos estrangeiros. No seguimento do decreto de 1916, será fixado, pela primeira vez, o conjunto de fronteiras terrestres com o objectivo de facilitar a tarefa das entidades policiais no controlo da emigração e imigração clandestinas205. Os indivíduos nacionais ou estrangeiros, só poderiam entrar ou sair de Portugal por Valença, Chaves, Vilar Formoso, Marvão, Elvas e Vila Real de Santo António, como vimos anteriormente. Era neste locais que se concentravam as autoridades fronteiriças. Em 1920, foram acrescentadas mais algumas raias a este mapa: Caminha, Monção, Bragança e Barca da Alva206. Na continuação das medidas de 1918, em Maio do ano seguinte, o Ministério do Interior e a Direcção Geral de Segurança vão promulgar várias disposições de carácter tutelar, ao reprimir a emigração clandestina e ilegal e ao regulamentar as agências de emigração de passagens e passaportes. Cerca de um mês depois é criado o Serviço de Emigração207. 203

Decreto de 16.03.1939 e de 18.08.1939, Repertorio cronológico de legislación, Pamplona, Aranzadi, 1939, pp. 206 e 613. 204

Decreto-lei n.º 2.313, de 4.04.1916, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1916, 1º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, pp. 206-207. 205

Decreto-Lei n.º 4.146 e 4.147 de 24.04.1918, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1918, 1º semestre, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, pp. 336-337. 206

Decreto-Lei n.º 6.912, de 9.09.1920, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1920, 2º semestre, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, p. 160.

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Como já foi referido no início deste capítulo, durante cerca de uma década não foram tomadas novas medidas tendo em vista o controlo e a fiscalização das fronteiras portuguesas. Apenas em 1927, voltaram a ser tomadas providências, pela mão do ministro do Interior, Adriano da Costa Macedo, por forma a criar uma vigilância mais eficaz sobre os estrangeiros. Pretendia-se elaborar um cadastro que registasse todos os forasteiros que se encontrassem em Portugal com residência temporária ou definitiva208. Esta lei, apesar das semelhanças com o decreto n.º 2.313, de 1916, já referido, proibia os estrangeiros de permanecerem mais de 48 horas no país, sem se munirem do devido título de residência. Continuavam a ter de se apresentar junto das instâncias habituais, nas primeiras vinte e quatro horas, após a sua chegada, mas agora deveriam vir munidos de 2 fotografias e documentos que permitissem a sua completa identificação, com o respectivo passaporte, devidamente autenticado através de um visto fornecido pelo cônsul da sua nacionalidade. Os estrangeiros que não cumprissem esta disposição arriscavam-se a ser presos e expulsos do país e mais, todos aqueles que enganassem as respectivas autoridades em relação ao local para onde se dirigiam incorriam na mesma pena. As permissões de residência não podiam exceder o prazo de 180 dias, prorrogáveis, podendo ser retiradas em qualquer altura. Os governadores civis eram obrigados a organizar em livro especial um registo numerado de todos os títulos de residência concedidos nos respectivos distritos e suas prorrogações, elaborado por nacionalidades, com fotografias, indicação dos nomes, filiação, naturalidade, estado civil, profissão, procedência e local de residência. A cópia dos registos era enviada à Direcção Geral de Segurança Publica (DGSP), acompanhada das fotografias respectivas, a fim de ser organizado um registo geral de todos os estrangeiros. Também as autoridades encarregadas de visar os passaportes, aquando da entrada dos estrangeiros no país, ficavam obrigadas a enviar directa e diariamente à mesma DGSP uma relação dos vistos registados, da qual constava os mesmos dados pessoais acima referidos. A lei n.º 13.919 considerava, ainda, que os proprietários de casas ou hotéis e entidades empregadoras faziam parte do aparelho burocrático destinado a vigiar os

207

Decreto-Lei n.º 5.624, de 10.05.1919 e 5.886, de 19.06.1919, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1919, 1º semestre, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, pp. 795-801 e 14181431.

208

Decreto-lei n.º 13.919, de 7.06.1927, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1927, 2º semestre, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, pp. 93-94.

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estrangeiros. Todos aqueles que acolhessem ou que dessem emprego aos não nacionais ficavam obrigados a exigir a apresentação do título de residência. Com o decreto n.º 16.386, de 1929, aumentaram os encargos e o controlo sobre aqueles que permaneciam no nosso país. Estes passaram a ser obrigados a apresentar-se no início de cada ano às autoridades competentes e a pagar um emolumento no valor de 1$00 Escudo209. No caso de terem mudado de residência era-lhes exigido ainda que informassem as mesmas autoridades de tal facto. Apesar do governo não modificar o que se encontrava estabelecido na lei quanto à vigilância e fiscalização dos estrangeiros, estipulava-se agora que as repartições que emitiam os bilhetes de identidade a estrangeiros – os Arquivos de Identificação – enviassem, semanalmente, uma relação destes à Polícia Internacional. Na prática, o que se constatou através da análise dos livros expedidos e recebidos pelo Governo Civil de Lisboa, que se encontram à consulta no Arquivo Distrital foi que, em 1929, a obrigação de remeter o registo dos estrangeiros à DGSP, ou à Polícia Internacional, depois da sua criação, em 1928, foi cumprido de forma bastante irregular. Apesar do governo de José Vicente de Freitas ter centralizado num único organismo, a aludida Polícia Internacional, toda a fiscalização e registo dos estrangeiros, em Portugal qualquer coisa falhou. Não se cumpria, sobretudo, a obrigatoriedade dos administradores de concelho enviarem qualquer informação aos seus superiores. Do mesmo modo, os proprietários de estabelecimentos hoteleiros raramente mencionavam a presença nas suas casas dos não nacionais, apesar da aplicação de multas210. Daqui se deduz, face ao laxismo praticado, que as coimas não eram efectivamente cobradas porque não havia fiscalização sobre os funcionários oficiais e os referidos proprietários. Também se depreende que nem todos os não nacionais participavam a sua presença em Portugal, circunstância a que estavam obrigados por lei. Relembre-se aqui o exemplo do casal inglês Lancelot e Isolda G. Em 1927, o decreto n.º 13.919 estipulava ainda que todos aqueles que não informassem as autoridades da sua entrada em Portugal seriam presos e depois expulsos. No ano seguinte, o governo parece achar a medida excessiva e, assim, promulga que todo o cidadão estrangeiro que não cumprir o 209

Decreto-Lei n. 16.386, de 18.01.1929, Diário de Governo, n.º 15, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 131132.

210

Em 1927, foram estipuladas multas a todas as entidades que não enviassem os registos dos estrangeiros à DGSP, medidas continuadas em 1928 e 1929. Sobre a criação da Polícia Internacional ver Decreto-Lei n.º 15.884, de 24.08.1928, Legislação em vigor em Portugal sobre estrangeiros, Lisboa, Universidade Editora, 1939, p. 26.

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preceituado no art.º 6.º, ou seja, a obrigatoriedade de apresentar os seus documentos nas fronteiras ou às entidades administrativas, deixe de ser expulso passando a pagar uma multa entre os 100 e os 500 Escudos211. Só em caso de uma terceira reincidência é que o viajante era expulso do território nacional. Para o legislador era considerado recidivo todo aquele que, passados 8 dias da aplicação da primeira multa, não tivesse legalizado a situação. A mesma legislação também punia os capitães de barcos estrangeiros aportados no continente, que autorizassem a saída dos seus tripulantes sem a necessária documentação. Todavia, o governo ao canalizar a fiscalização e o assentamento dos não nacionais para a alçada da Polícia Internacional não proveu este organismo dos meios logísticos e humanos necessários para uma maior eficácia dos seus serviços, razão pela qual se continuou a assistir a uma falha da vigilância a este nível212. Em 1931, a Polícia Internacional deixou de ser tutelada pelo Ministério da Justiça e dos Cultos passando para a responsabilidade do Ministério do Interior. A transferência veio regular, novamente, a sua jurisdição e competência213. Os GVC teriam de remeter para a Polícia Internacional uma cópia de todos os averbamentos de títulos de residência de estrangeiros, suas revalidações e competentes fotos. Por outro lado, a Intendência Geral de Segurança Pública encaminharia para a mesma entidade a relação dos estrangeiros que embarcassem ou desembarcassem nos portos. Desta forma, pretendia-se organizar um registo central de estrangeiros. A reorganização da polícia acontecia como consequência da “implantação da República em Espanha, em Abril, e o auxílio que o novo regime reconhecidamente proporciona aos exilados políticos portugueses. Tornava-se assim, urgente uma vigilância eficaz das fronteiras bem como uma clara definição e, mesmo, um reforço das competências do organismo encarregado dessa tarefa”214. 211

Decreto-Lei n.º 16.122, de 7.11.1928, Legislação em vigor em Portugal sobre estrangeiros, Lisboa, Universidade Editora, 1939, p. 30.

212

RIBEIRO, Maria da Conceição Nunes de Oliveira, A Polícia Política No Estado Novo (1926-1945). Génese, funções e actuações da P.V.D.E., Dissertação de Mestrado em História, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1992, p. 50, policopiado. 213

Decreto-Lei n.º 20.125, de 28.07.1931, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1927, 2º semestre, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, pp. 337 -338. 214

RIBEIRO, Maria da Conceição Nunes de Oliveira, A Polícia Política No Estado Novo (1926-1945). Génese, funções e actuações da P.V.D.E., Dissertação de Mestrado em História, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1992, p. 53, policopiado. Ver sobre o papel que a policia francesa assumiu no controlo da imigração neste país o recente estudo de ROSENBERG,

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A medida teve efeitos práticos positivos, uma vez que, logo a partir do ano seguinte, se percebe uma maior organização das estatísticas do movimento dos estrangeiros no fundo do GVC de Lisboa. É por esta altura que a Polícia Internacional, que já era comandada por Agostinho Lourenço, futuro director da PVDE (e da PIDE), depois de receber a informação das entidades, passa a enviar, mensalmente um mapa estatístico ao Governador Civil de Lisboa com estas informações215. Com a criação da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, em Agosto de 1933, resultante da fusão e reestruturação da Polícia Internacional (surgida em 1928) e da Polícia de Defesa Política e Social (criada efemeramente em 1933), saiu, novamente, reforçado o controlo das fronteiras. O preâmbulo da lei fundadora justificava a subordinação da PVDE ao Ministro do Interior, assim como a necessidade do nascimento de um novo corpo policial e a fusão das anteriores forças de segurança, pois “ambas exercem a mesma função de vigilância político-social, a simples razão de a polícia de defesa política e social a exercer dentro do país e mais especialmente sobre nacionais, enquanto que a polícia internacional a exerce de preferência nas fronteiras e sobre estrangeiros residentes em Portugal, não justifica a autonomia, a separação dos respectivos serviços. Também não se compreende que a vigilância de estrangeiros na fronteira marítima seja feita por entidade diferente da que tem a seu cargo a mesma vigilância na fronteira terrestre. Por outro lado, as funções das actuais polícias de defesa política e social e internacional são tão estreitamente ligadas à segurança do Estado e da sociedade que não se justifica que a polícia internacional não esteja, como a da defesa política e social, directamente subordinada ao Ministro do Interior” 216. A secção internacional da PVDE tinha como funções a verificação da legalidade dos passaportes dos nacionais e estrangeiros que pretendessem entrar ou sair do país nos postos da fronteira terrestre e marítima visando-os, com a indicação da data e local do ingresso ou partida e com a menção do ponto a que os portadores se dirigiam. Competia-lhe ainda prender os nacionais e estrangeiros detentores de documentos ilegais; impedir a entrada no território de estrangeiros indocumentados ou indesejáveis; organizar o registo geral e cadastro de estrangeiros com residência permanente ou em Clifford, The Origins of modern immigration control between the wars. Policing Paris, Ithaca and London, Cornell University Press, 2006. 215

IANTT, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do GVC, NT - 308, NR 2776 - Registo de entrada de Correspondência – Secção de Passaportes (29.05.1932-8.09.1933). 216

Decreto-Lei n.º 22.992, de 29.08.33, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, 2º semestre, ano de 1933, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, p. 180-181.

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trânsito; exercer a acção policial necessária sobre os estrangeiros que residissem ou circulassem pelo país; combater a acção de indivíduos que exercessem espionagem contra Portugal; efectuar a repressão do comunismo, designadamente no que toca às ligações entre elementos portugueses e agitadores estrangeiros; elaborar os processos e efectuar as diligências necessárias respeitantes a estrangeiros cuja permanência fosse considerada inconveniente, propondo ao Ministro do Interior as sanções aplicáveis de harmonia com a legislação em vigor. Os Governadores Civis passavam a estar subordinados, neste aspecto, à PVDE, devendo a ser obrigados a enviar, directa e diariamente, uma cópia de todos os registos de títulos de residência de estrangeiros concedidos nos respectivos distritos e suas revalidações. A PVDE emerge, assim, como sucessora da Polícia Internacional, herdando o seu director e grande parte dos funcionários superiores. As suas funções são, no entanto, alargadas competindo pela primeira vez a uma força policial a tarefa de fiscalizar as fronteiras marítimas, incumbência que até então se encontrava a cargo dos Serviços de Emigração. Após a sua criação, a PVDE tem de lidar com dois tipos de problemas. Por um lado, verifica-se o embaraço em organizar um registo eficiente dos imigrantes e dos turistas, enquanto por outro, devido à escassez de recursos humanos e logísticos, se constatam enormes dificuldades na fiscalização das fronteiras marítimas. Emílio Ferreira, chefe dos serviços da PVDE naquele local, em 1933, foi a primeira pessoa a alvitrar sobre as deficiências da vigilância nas raias217. O funcionário referiu que o serviço era efectuado com relativa regularidade apesar do diminuído número de homens, que chegavam a trabalhar 36 horas seguidas. A PVDE aparentemente encontrava-se mais bem preparada para a “verificação de passaportes de estrangeiros, têm apreendido alguns e feito legalizar a situação dos seus portadores, o que não sucedia quando a Polícia de Emigração se ocupava de tais serviços, porquanto se limitava a carimbar aqueles documentos sem verificar previamente se estavam na devida ordem”218.

217

IANTT, Relatório de Emílio Ferreira para a PVDE, de 30.9.33, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, mç. 458, pt 3/184; NT – 330. 218

IANTT, Relatório de Emílio Ferreira para a PVDE, de 30.9.33, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, mç. 458, pt 3/184; NT – 330.

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Outra das dificuldades relatadas prendia-se com a deficiente fiscalização dos tripulantes estrangeiros exercida por parte dos proprietários dos navios. Estes “entregam na Secretaria desta Polícia, os passaportes e a respectiva lista, depois dos passageiros haverem desembarcado. Acresce ainda a circunstância de algumas vezes esses passageiros figurarem como tripulantes no rol da equipagem, sendo-lhes dado baixa à chegada do vapor a um porto português, desembarcando sem estarem munidos de passaportes e sem conhecimento desta polícia”. O relatório de Emílio Ferreira produziu os seus efeitos porque um mês depois da sua elaboração, o Ministério do Interior veio autorizar a transferência dos funcionários que a PVDE julgasse necessários, provenientes dos serviços de emigração219. A partir do momento em que a PVDE foi criada constata-se um aumento da correspondência entre as forças policiais e o Governo Civil de Lisboa. Este organismo passou a remeter diariamente o registo das AR concedidas. Já o corpo de segurança vai esclarecendo sobre qualquer alteração feita à regularização dos estrangeiros ou sobre acordos feitos com outros países, o que nos elucida sobre os poderes e a importância atribuídos à PVDE desde o momento inicial. No entanto, os problemas persistem. Coube a Agostinho Lourenço relatar as dificuldades sentidas na vigilância dos estrangeiros, em 1938220. Primeiro justifica a sua acção anteriormente, em 1932, quando exercia o cargo de director da Polícia Internacional, referindo que nesta altura “Portugal se havia tornado coito de indesejáveis de todos os países”. Este alegado refúgio era facilitado pela incompetência dos funcionários aduaneiros que, para além de serem poucos, desconheciam totalmente as línguas estrangeiras. Nem sequer havia um serviço de vigilância organizado dos não nacionais residentes. De acordo com Lourenço, “alguns destes, estabelecidos no pais há mais de 20 anos, nunca tinham sido referenciados pelas autoridades portuguesas. Não se sabia, porque era impossível dada a péssima organização dos ficheiros existentes, quantos estrangeiros residiam em Portugal, nem a sua discriminação por nacionalidades; tão pouco era conhecido da polícia o emprego da sua actividade”. A partir de 1933 tinha-se disciplinado o serviço de estrangeiros, com pessoal “especialmente instruído e habilitado com elementos que lhe permitam abrir ou vedar a passagem, apoiando-se em 219

Decreto-Lei n.º 23.163, de 24.10.33, Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, ano de 1933, 2º. Semestre, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, p. 318. 220

MINISTÉRIO DO INTERIOR – POLICIA DE VIGILÂNCIA E DEFESA DO ESTADO, Relatório (1932 a 1938), Tip. Bertrand, Irmãos, Ldª, Lisboa, s.d., p. 7.

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conhecimentos exactos sobre quem obteve o direito de transitar”. Dizia ainda Lourenço, que “evidentemente, tal serviço, de uma complexidade grande, não pode limitar-se à verificação dos preceitos regulamentares sobre passaportes nacionais e estrangeiros; tem naturalmente de estar ligado a todas as modalidades e tendências em matéria política, social e criminal e ainda a actividades de carácter internacional sob numerosos aspectos. O serviço na fronteira é, portanto, o reflexo de outros serviços de maior envergadura, centralizados em Lisboa e constituindo um dos ramos importantes da PVDE”221. Agostinho Lourenço referia ainda que a Guerra Civil de Espanha impôs outros métodos de controlo sobre as fronteiras porque entre aqueles que ele considerava como “indesejáveis”, se encontravam “revolucionários portugueses, de diversas ideologias políticas”, “extremistas espanhóis” e “elementos simpatizantes com os vulgarmente chamados «Vermelhos espanhóis»”. Em 1938, a PVDE tinha em estudo duas soluções para combater esta situação, “uma que visa a compilação do que se acha legislado sobre estrangeiros, sua entrada e fixação no País, prevendo casos omissos e modificando ou estabelecendo determinações que o momento internacional e a defesa legítima dos interesses económicos e políticos do país, julgo tornarem aconselháveis. Outra refere-se à legislação sobre passaportes, definindo os princípios para a sua concessão e criando o modelo de «tipo internacional» que se impõe, não só por Portugal ter aderido à convenção que o aprovou, como pelo que de inestético e pouco prático tem o actualmente usado”222. Dentro desta filosofia de actuação, o organismo dirigido por Agostinho Lourenço passou a cooperar com outras polícias estrangeiras, especialmente com a Comissão Internacional da Polícia Criminal, sedeada em Viena da Áustria. Esta cooperação facilitava a triagem daqueles que transpunham as nossas fronteiras, “numa época em que uma onda de propagandistas de teorias dissolventes e revolucionárias se espalha por toda a parte – em que numerosos «indesejáveis» sob vários aspectos procuram um país em que recomecem a vida irregular que autoridades policiais de outros países já fizeram interromper. Numa época em que enormes massas expulsas por outros Estados pretendem refugiar-se ou infiltrar-se em Portugal, excedendo a nossa capacidade de recepção e com manifesto prejuízo da economia nacional em diversos 221

MINISTÉRIO DO INTERIOR – POLICIA DE VIGILÂNCIA E DEFESA DO ESTADO, Relatório (1932 a 1938), Tip. Bertrand, Irmãos, Ldª, Lisboa, s.d., pp. 23-24. 222

MINISTÉRIO DO INTERIOR – POLICIA DE VIGILÂNCIA E DEFESA DO ESTADO, Relatório (1932 a 1938), Tip. Bertrand, Irmãos, Ldª, Lisboa, s.d., pp. 8 a 11.

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ramos”223. Numa atitude xenófoba, o estrangeiro era acima de tudo apresentado como um criminoso que prejudicava a economia nacional. O relatório de Leone Santoro, chefe da OVRA (Organizzazione per la Vigilanza e la Repressione dell'Antifascismo, cujas origens remontavam aos finais de 1926), a policia italiana homóloga, produzido em 1938 aquando da sua vinda a Portugal, advertia sobre a importância de uma eficaz vigilância das fronteiras nacionais uma vez que “ a luta da polícia contra o comunismo deve ser, também neste sector, não apenas constante, mas também completa e rígida, para não se sujeitar a desagradáveis surpresas”224. Com este objectivo em mente “seria necessário também um serviço de polícia muito mais rigoroso nas imediatas retaguardas, assim como acontece em guerra, ou seja, nas zonas mais próximas das fronteiras, onde costumam encontrar-se pessoas indesejadas de todas as espécies, que favorecem, pelo conhecimento dos lugares e dos hábitos, a emigração e a imigração clandestina, e a introdução de material subversivo. Portanto seria de grande ajuda à polícia política uma maior vigilância sobre as ruas de acesso às fronteiras, através do apoio de outras polícias (…)”. Depois de observar a realidade portuguesa, Santoro concluiu que a PVDE apresentava deficiências várias, de que as mais graves seriam a escassez de meios humanos colocados nos postos fronteiriços e a falta de meios de transporte para cumprir eficazmente as suas funções. Apesar da insuficiência de recursos, a partir de 1937, as competências da PVDE em matéria de controlo e vigilância dos estrangeiros foram reforçados, como foi salientado no Capítulo I. Logo em Abril deste ano, o ministro do Interior veio relembrar o Governo Civil de Lisboa que as AR apenas podiam ser concedidas depois de consultada a PVDE225. Pouco depois, os responsáveis da polícia lembravam o mesmo GVC da vantagem de chamar a atenção dos administradores de concelho para ampliar a vigilância sobre os estrangeiros residentes226. A advertência devia-se à situação que 223

MINISTÉRIO DO INTERIOR – POLICIA DE VIGILÂNCIA E DEFESA DO ESTADO, Relatório (1932 a 1938), Tip. Bertrand, Irmãos, Ldª, Lisboa, s.d., p. 23. 224

AHDMNE, Relatório de Leone Santoro, de 5.06.1938, 2º P, A. 49, M. 59, Pasta “Documentos confidenciais provindo da legação de Itália em Lisboa…”, processo n.º 30. Tradução de Guya Accornero, a quem se agradece. 225

IANTT, Circular confidencial da Secretaria-Geral do Ministério do Interior para o GVC, de 29.04.1937, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do GVC, NT - 340; NR - 2809 – Registo da Entrada da Secção de Passaportes (1936 - 1938). 226

IANTT, Circular n.º 1815-153 da PVDE para o Governador Civil de Lisboa, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do GVC, NT - 340; NR - 2809 – Registo da Entrada da Secção de Passaportes (1936 1938).

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Agostinho Lourenço constataria no já referido relatório, pois segundo o próprio, “as maiores deficiências encontradas para levarmos a cabo o recenseamento, provêm mais frequentemente de incompletos trabalhos das autoridades administrativas (que têm a seu cargo tais serviços fora de Lisboa, Porto e Coimbra) do que da parte dos estrangeiros”227. A observação provocaria algum resultado. Meses depois, o GVC de Lisboa avisaria os administradores de concelho que deveriam ter as AR concedidas aos estrangeiros em dia, assim como o registo da fiscalização exercida sobre aqueles228. O objectivo era auxiliar a actuação das Brigadas Móveis da PVDE que iam transitar por todos os concelhos de Lisboa de forma a verificar a situação dos estrangeiros. Logo no início da Segunda Guerra Mundial, a PVDE, em circular sigilosa informou o GVC de Lisboa, que perante o novo contexto internacional, os órgãos administrativos deveriam coadjuvar a polícia na vigilância dos não nacionais que residiam em Portugal, especialmente no caso dos moradores mais recentes. Tratava-se de uma tarefa especialmente importante para o corpo policial, pois, segundo eles, havia o risco, muito concreto, do não nacional “desenvolver a sua acção perturbadora com vista a favorecer qualquer e cada um dos beligerantes, até mesmo com fins revolucionários-sociais. Ora, é proverbial a confiança com que, por toda a parte do país se recebem e acolhem os estrangeiros, com eles se transacciona e se lhes prestam todos os esclarecimentos e informações possíveis e imagináveis, sem se pensar que isso pode ser prejudicial à nossa pátria, o que deve merecer a maior atenção das autoridades administrativas”229. Ainda segundo a PVDE, a inspecção destes indivíduos era determinada pelo seu registo eficaz, tarefa que estava a ser deficientemente elaborada em alguns dos concelhos do distrito de Lisboa. Neste sentido e tendo em mente um aumento do número de refugiados provocados pela guerra, o MI ordenou o recenseamento extraordinário dos estrangeiros existentes no país, rol que deveria ser enviado à directoria da PVDE até ao final do mês de Outubro. O ministro lembrava ainda que os proprietários de hotéis, hospedarias, casas de hóspedes e congéneres, bem como todo 227

MINISTÉRIO DO INTERIOR – POLICIA DE VIGILÂNCIA E DEFESA DO ESTADO, Relatório (1932 a 1938), Tip. Bertrand, Irmãos, Ldª, Lisboa, s.d., pp. 183-184. 228

IANTT, Circular do secretário do GVC de Lisboa para os administradores do concelho de Lisboa, de 18.12.1937, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo GVC, NT - 412; NR – 478. 229

IANTT, Circular do GVC a todos os 13 Presidentes das Câmaras do Distrito de Lisboa, de 26.09.1939, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo GVC, NT - 414; NR – 480.

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aquele que alugasse mesmo por sublocação, ou cedesse a qualquer título, habitação para residência ou comércio a estrangeiros, deveria comunicar o facto à Polícia230. Esta recomendação, seguindo o que tinha ficado determinado no artigo 6º do Decreto 15.884, de 24 de Agosto de 1928, comprovava que a medida não era seguida por todos aqueles estabelecimentos. No mês seguinte, o capitão António Matias, oficial da PVDE, numa acção de fiscalização efectuada por vários distritos do país, com o intuito de verificar como decorria o censo extraordinário, ordenado pelo MI, verificou um cenário preocupante. Não obstante todas as normas publicadas, o controlo dos estrangeiros continuava a ser elaborado de forma deficiente. Os funcionários administrativos persistiam em manifestar muitas dificuldades na interpretação das leis que lhes chegavam de Lisboa. A produção legislativa, em vez de facilitar a vida a quem deveria fiscalizar e organizar as estatísticas referentes aos não nacionais, tinha-se tornado um obstáculo prático, pela sua complexidade e abundância, aliadas à fraca preparação de quem a aplicava no terreno. António Matias, depois de esclarecer as diferentes autoridades sobre as normas internas a seguir, veio constatar que “pelos concelhos que percorri verifiquei não terem sido cumpridas até agora com igual rigor em todos eles as disposições a que têm de satisfazer os estrangeiros e os nacionais que lhes fornecem habitação, tanto quando eles se alojam em casas particulares, como quando se instalam em hotéis ou pensões. Nalguns, embora raros, a doutrina do Decreto 15.884 tem sido até hoje letra morta. Noutros, a pouca ou nenhuma fiscalização existente faz com que essas disposições só sejam cumpridas muito irregularmente”. O capitão Matias, em conclusão, recomendava que se procedesse a uma articulação entre as diversas polícias existentes e a PVDE. Pretendia que se enviasse “em circular ou folheto, indicações claras e precisas que interpretem os textos legais e outras disposições em vigor, referentes à estadia ou passagem de estrangeiros em Portugal, e instruções para a sua execução, na parte que interesse à fiscalização que possa ser feita por praças da G.N.R. [Guarda Nacional Republicana], G.F [Guarda-Fiscal] e outros agentes de autoridade” 231. Do que foi dito, depreende-se que as estatísticas oficiais sobre a presença de estrangeiros em Portugal apresentem dados incompletos. A história destes inventários 230

IANTT, Circular do GVC a todos os 13 Presidentes das Câmaras do Distrito de Lisboa, de 26.09.1939, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo GVC, NT - 414; NR – 480. 231

IANTT, Oficio do capitão António Matias para o Director [da PVDE?], de 8.10.1939, Fundo do Ministério do Interior, Gabinete do Ministro – Mç. 507.

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era ainda recente. A primeira Direcção-Geral de Estatística remontava a 1911. Já em Abril de 1926, seria aprovado um plano para a remodelação dos seus serviços. Aparentemente, a reforma não chegou a avançar. Entre 1926 e 1929, foram mesmo interrompidas algumas das publicações estatísticas. O primeiro cadastro de estrangeiros, que, relembre-se, remontou a 1927, seria elaborado numa época de confusão organizativa dos serviços, o que diminuiu a eficácia e a fiabilidade dos resultados apurados. Feitas estas ressalvas, os números apresentados pelo Anuário Estatístico, servem como aproximação à realidade. Ainda assim, a sua análise permite algumas conclusões. Do ponto de vista quantitativo e comparativo, o peso da comunidade estrangeira residente tem de ser considerado fraco em relação à população total do país, incluindo as ilhas dos Açores e da Madeira. Daqui percebe-se como Portugal não foi um dos pólos privilegiados de atracção da geografia dos exílios da primeira metade do século XX na Europa, ao contrário do que ocorreu em países como a Inglaterra, a França ou a Suíça. Como se pode constatar pelo Quadro 1, se em 1900, os estrangeiros representavam apenas 0,78% do total dos habitantes do território, em 1930, esse valor tinha caído para 0,45%, voltando a descer, 10 anos mais tarde, para os 0,42%. Estamos, pois, perante uma comunidade altamente minoritária em relação ao todo nacional. De ressaltar ainda, a diminuição visível dos registos de 1911 para 1920 (de 41.197 indivíduos para 29.070), efeito da eclosão da Grande Guerra e das respectivas barreiras legislativas levantadas a partir de então. Para além desta situação, o Estado passou a impor a utilização do passaporte na sua feição moderna, prática que associada ao aumento de medidas restritivas, encontra paralelo em toda a Europa. Estas disposições relacionam-se com o recrudescimento das ideologias nacionalistas, com o alargamento das viagens em massa e com o aumento do controlo dos Estado-Nação sobre as suas populações e territórios. Quadro 1 – População e total de estrangeiros residentes em Portugal Continental e Ilhas (1900-1940). Anos 1900 1911 1920 1930 1940

População total 5.381.404 5.918.859 6.803.921 6.795.440 7.722.152

Total de estrangeiros 41.728 41.197 29.070 30.443 32.127

% 0,78 0,70 0,43 0,45 0,42

Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Anuário Estatístico, Lisboa, Imprensa Nacional, 1930-1938 e Instituto Nacional de Estatística, VIII Recenseamento Geral da População no Continente e Ilhas Adjacentes, em 12 de Dezembro de 1940, vol. I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1945.

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De acordo com a informação disponível, os anos finais da década de 1920, conforme se pode comprovar pela análise do Gráfico 2, são marcados por uma notável estabilização do número de não nacionais que, no continente e ilhas, legalizaram a sua situação perante as autoridades portuguesas. Estes passaram de 15.851 (1927) para 15.857 (1929), o que equivale a uma variação mínima de 0,04%. Em 1930, o valor subiu para os 19.515, traduzindo um acréscimo na procura da regularização da situação dos forasteiros que procuravam Portugal na ordem dos 18,7%. A estimativa voltou a decrescer em 1931-1932, para se registar novo aumento, em 1933. Neste ano, pretenderam legalizar-se 21.944 indivíduos. Já em 1936, o número de legalizações foi de 26.742, decrescendo a partir de então, como se constata, até às vésperas da II Guerra Mundial, alteração que se relaciona, possivelmente, com a eclosão da Guerra Civil espanhola e consequente degradação da situação internacional. De alguma forma, para além dos acontecimentos, as barreiras normativas impostas pelo Estado contribuíram para a definição deste panorama. Gráfico 2 – Estrangeiros que legalizaram a sua situação de acordo com o decreto n.º 13.919, de 7 de Julho de 1927 (1927-1939). 30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0

1927

Legalizados 15.851

1928

1929

1930

1931

1932

1933

1934

1935

1936

1937

1938

1939

15.510

15.857

19.515

15.414

15.074

21.944

21.436

18.329

26.742

22.904

21.572

20.856

Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Anuário Estatístico, Lisboa, Imprensa Nacional, 1927-1939.

O fluxo da geografia da imigração é explicado pelos contextos políticos, sociais e económicos verificados nos países de origem e de recepção. A leitura adequada das naturalidades daqueles que procuraram Portugal como refúgio relaciona-se com os acontecimentos internacionais da época em análise. O período de 1933 a 1939 constitui

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a baliza cronológica daquilo que foi considerado uma primeira leva de imigrantes232. Grande parte dos indivíduos que chegaram a Portugal eram exilados políticos forçados a fugir do seu país devido ao desenvolvimento dos novos regimes totalitários e autoritários, como no caso da Alemanha, Itália e Espanha. Nos dois primeiros países foi mesmo promulgada legislação que iria restringir a circulação de determinados grupos de população, como no caso das comunidades de origem judaica. Em Portugal, apesar do peso diminuto dos imigrantes no conjunto da população, estes podem ser caracterizados pela sua diversidade de origem. Em termos de grupos nacionais, temos de destacar, ao longo da primeira metade do século XX, em primeiro lugar, a importância dos espanhóis e dos brasileiros (Ver Anexos – Quadro 3). A primazia dada na entrada das pessoas oriundas destes países pode ser mais facilmente entendida por via dos acordos diplomáticos assinados entre Portugal, Espanha e Brasil, ao longo do período e pelas facilidades específicas concedidas nas fronteiras como passamos em revista ao longo do Capítulo 2, para além da contiguidade geográfica (caso de Espanha) e o peso das relações históricas (caso do Brasil). Por outro lado, os cidadãos destas nacionalidades vinham preencher lugares profissionais, considerados “menos dignos”, sendo, sobretudo, empregados como criados de servir ou colocados ao balcão do pequeno comércio. Apesar da dominância dos não nacionais chegados destes dois países, as respectivas taxas de imigração não são constantes ou uniformes. No caso dos brasileiros, por exemplo, percebeu-se uma diminuição das suas entradas logo após a Grande Guerra. A partir da década de 1920, a par da diminuição contínua do fenómeno, motivada pelo progressivo encerramento das fronteiras e do já referido movimento em favor da adopção do passaporte, registou-se um curioso aumento do número de belgas e ingleses que procuram fixar-se no país, motivados por razões de ordem comercial. Da mesma forma, no período entre guerras, as comunidades alemã e norte-americana (ver anexos – Quadro 3) cresceram substancialmente em virtude da fixação de empresas desses países em Portugal e, após 1933, e da ascensão do Partido Nazi ao poder.

232

PIMENTEL, Irene Flunser, Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006, p. 28.

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CONCLUSÃO O estudo das condições de atribuição da nacionalidade, enquanto vínculo jurídico entre o indivíduo (o nacional, o cidadão) e o Estado, constitui um instrumento analítico útil para entender melhor de que forma são absorvidos e integrados aqueles que não fazem parte daquela ligação (o outro, o estrangeiro). Da análise jurídica dos critérios de concessão da nacionalidade primária e secundária, percebe-se que os diferentes regimes instituídos em Portugal (Primeira República, Ditadura Militar e Estado Novo) e Espanha (Ditadura de Primo de Rivera, República e início do Franquismo) privilegiaram os direitos consignados ainda pelos governos liberais, no século XIX. As normas edificadas pelos dois países não divergiram muito daquelas adoptadas por Estados portadores de uma forte tradição emigratória, com excepção da aceitação do critério territorial enquanto condição para a aquisição da nacionalidade primária, o que nos parece estar relacionado com o passado histórico colonial de ambas as pátrias ibéricas. Apesar de se verificar uma forte tradição e uniformização legal, na realidade a lei era aplicada de uma forma desigual pelos diferentes organismos administrativos. Na sua utilização quotidiana, verificava-se a existência de uma distância entre a norma e a prática, uma vez que os funcionários responsáveis pelos mecanismos burocráticos e que tinham como função zelar pelo seu emprego, não detinham conhecimentos suficientes para executar as suas tarefas com precisão. Algumas vezes, chegavam mesmo a subverter o estipulado nas regras que deveriam fiscalizar, em nome de interesses pessoais. No início dos anos 40, foram muitos os funcionários da PVDE, por exemplo, acusados de se envolver romanticamente com refugiadas, pondo, por isso, em causa o cumprimento da legislação em vigor. O resultado foi a instauração de alguns processos disciplinares aos quadros da polícia política. O caso dos judeus de Salónica, por exemplo, ilustra bem a forma como os poderes governativos lidavam com situações excepcionais consoante os interesses políticos e económicos que podiam estar em jogo. Como vimos, a eclosão da Segunda Guerra Mundial apenas representou um reforço da vigilância na aplicação dos critérios de entrada no território por parte das autoridades nacionais, não se materializando na assunção de medidas exclusivas radicalmente novas. Durante a década de 1930, o governo português optou por uma “política conjuntural” perante a ameaça do crescimento do número de estrangeiros que

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procurou entrar em Portugal233. Os diferentes organismos do Estado – MNE, MI, PVDE – definiram as normas a seguir de uma forma explícita, com uma orientação exclusora, através de regulamentação interna, as circulares234. Apesar da rejeição de grupos nacionais e étnicos bem definidos, verificada desde 1931, seria errado caracterizar as “políticas migratórias” nacionais como anti-semitas, apesar dos principais alvos da perseguição serem os judeus. Como foi já sugerido, “falar de anti-semitismo no Estado Novo é abordar uma questão que não teve amplitude nacional, não foi secundada pelas chefias e nas antipatias ou entraves colocados aos judeus estrangeiros, deve interpretarse uma tendência política mais que ideológica, excesso de zelo de cariz pessoal, residual e nunca estrutural”235. Com a consolidação do Estado Novo e do seu ideário nacionalista, verificou-se, por outro lado, uma consciencialização do perigo que o “outro” representava para os valores que o regime de Oliveira Salazar pretendia instituir. O discurso oficial dominante veio reputar os estrangeiros de agitadores, identificando o “outro” como o “potencial portador dos germes da revolução, sobretudo da revolução comunista, esse sim o grande tabu do salazarismo”236. Para o Presidente do Conselho de Ministros, aliás, o comunismo era entendido como “uma filosofia inconciliável com a dignidade da pessoa humana e inadaptável às exigências da civilização ocidental”237. Encontrava-se, assim, o pretexto perfeito para afastar os não nacionais da nova ordem. Estes constituíam uma ameaça sobre a nacionalidade, sendo logo conotados e rotulados como 233

Lélio Mármora distingue entre políticas programáticas e conjunturais. As primeiras soluções incluem um conjunto de respostas institucionais num contexto político, económico ou social e dizem respeito a propostas políticas de médio e longo prazo. O segundo tipo de respostas dá-se em reacção à pressão migratória do momento e corresponde muitas vezes a quadros populacionais de curto prazo. Ver MÁRMORA, Lélio, “La definición de las políticas de migraciones internacionales”, in Las Politicas de Migraciones Internacionales, Buenos Aires, Paidós, p. 84-87. 234

Ver a distinção entre “políticas explicitas e implícitas” in MÁRMORA, Lélio, “La definición de las políticas de migraciones internacionales”, Las Politicas de Migraciones Internacionales, Buenos Aires, Paidós, p. 84-87. 235

MACIEIRA, Maria da Conceição Assis Lourenço, A Questão Judaica no Portugal salazarista: Portugal no horizonte dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial: contributo para uma avaliação, Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2001, p. 154-155, policopiado. 236

MACIEIRA, Maria da Conceição Assis Lourenço, A Questão Judaica no Portugal salazarista: Portugal no horizonte dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial: contributo para uma avaliação, Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2001, p. 150, policopiado. 237

SALAZAR; Oliveira, Discursos. Volume Primeiro, 1928-1934, 4ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1948, p. XXXIV.

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“indesejáveis” ou “invasores”. Nesta linha de pensamento, segundo o investigador Avraham Milgram, “Portugal não estava em posição de absorver massas de imigrantes, nem o regime de Salazar queria estrangeiros. Estes eram vistos como fontes de infiltração de ideias incompatíveis com o “espírito nacional” e possíveis fontes de tenção social”238. Atente-se que a exclusão dos imigrantes de certos sectores do mercado de trabalho não foi uma invenção da Ditadura Militar ou do Estado Novo, uma vez que algumas proibições tinham sido promulgadas anteriormente, encontrando-se ainda em vigor durante o período em análise. Os governos da Monarquia Constitucional tinham já determinado, por exemplo, através do Acto de Navegação, de 8 de Julho de 1863, e do Regulamento Geral das Capitanias, de 1 de Dezembro de 1892, que os estrangeiros não podiam exercer os cargos de capitão ou mestre, sobrecarga, piloto, contra-mestre e praticante de máquinas em navios portugueses239. Ainda durante a vigência do regime monárquico seria proibida a nomeação de correctores estrangeiros. Mais tarde, durante a Primeira República, no contexto específico da I Guerra Mundial, os cidadãos de origem alemã foram expulsos e os seus bens confiscados. Alguns membros mais proeminentes da comunidade germânica em Portugal eram financeiros estabelecidos no país havia décadas ou administradores das maiores empresas nacionais, mas nem por isso escaparam ao exílio forçado ou os seus interesses foram salvos da cobiça das forças aliadas. Destacadas figuras como Edouard John, o cérebro da firma Burnay & C.ª, ou Martin Weinstein, presidente do Conselho de Administração da importante Companhia União Fabril (em 1914-1915), eram alemães e foram obrigados a sair do país deixando os seus bens para trás. A mesma Burnay & C.ª, assim como a CUF, empregavam vários quadros superiores e mantinham estreitas relações comerciais com o país agora considerado inimigo, o que levou a que, devido a estes motivos, esses indivíduos e empresas acabassem por ir parar à Black List, elaborada pelo Foreign Office e pelo War Trade Department britânicos. O próprio industrial Alfredo da Silva, que então tomou a posição de Weinstein e dos Burnays na CUF e que veio a ser eleito como senador

238

MILGRAM, Avraham, “Portugal, the Consuls, and the Jewish Refugees, 1938-1941, Yad Yashem Studies, 1999,vol. XXVII, Israel, Shoah Resource Center, p. 4. 239

Em 1931, o decreto-lei n.º 20.468, de 20.10.1931, segue o directrizes do Acto de Navegação, de 8 de Julho de 1863 e do Regulamento Geral das Capitanias, de 1 de Dezembro de 1892, ao legislar que os estrangeiros e os portugueses naturalizados há menos de 5 anos não podiam ser armadores ou proprietários de navios ou embarcações portuguesas, nem fazer parte das empresas de navegação, Legislação em vigor sobre estrangeiros em Portugal, Lisboa, Universidade Editora, 1939, p. 55.

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durante o sidonismo, não escapou às acusações de germanofilia quando ocupou o seu lugar no parlamento240. É de notar, todavia, que a “perseguição” sistemática ao estrangeiro tem origem no período da Ditadura Militar, quando são promulgadas as primeiras medidas repressivas com o argumento de defesa do mercado laboral nacional, ameaçado pelas vagas de refugiados e pela crise social e económica mundial, que começam a fazer sentir os seus efeitos na Europa. Do conjunto de medidas levantadas durante a década de 1930, por via da emissão de circulares internas, que nunca seriam transformadas em lei e que aqui passámos em revista, resultou uma espécie de “xenofobia de Estado”. Esta dirigia-se a adversários e possuía objectivos bem concretos, uma vez que se pretendeu limitar primeiro e impedir depois, a entrada de judeus, russos “vermelhos” e comunistas. Da aplicação deste quadro de regulação também parece claro que a atenção das principais instituições defensoras do Estado Novo resultou mais de uma resposta a acontecimentos políticos extraordinários, do que à interiorização de uma ideologia racista por parte dos seus dirigentes. Podemos concluir que o regime de Oliveira Salazar, nos seus anos iniciais, não alterou a herança normativa relativa à entrada e presença de estrangeiros, em Portugal, legada pela República e pela Ditadura Militar. Não obstante, o conceito de fronteira e de estrangeiro, associado à ideia de “indesejável, vai assumir proporções políticas novas, face à implantação de um regime autoritário e à evolução da conjuntura internacional, nomeadamente com a proclamação da República em Espanha e a chegada ao poder de forças esquerdistas, a consequente eclosão da Guerra Civil e o ambiente externo que antecedeu a deflagração da II Guerra Mundial. Neste âmbito, o estrangeiro transformou-se num potencial inimigo da ordem estabelecida, associando-se aos adversários internos do regime. Apesar do Estado Novo não ter promulgado legislação nesta matéria, a “polícia de vigilância”, fundada em 1933, com um carácter assumidamente político, veio reforçar o controlo das fronteiras e a vigilância exercida sobre os não nacionais no país, que representavam uma eventual ameaça a um governo anti-comunista, anti-liberal e autoritário. A imposição de mecanismos de vigilância, como o aparecimento do Bilhete de Identidade, a concessão de Autorizações de Residência e a verificação de Passaportes, é, igualmente, anterior à fundação do Estado Novo. O regime de Oliveira Salazar não

240

FARIA, Miguel Figueira de, Alfredo da Silva, Biografia, Lisboa, Bertrand Editora, 2004, pp. 145-171.

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sentiu a necessidade de alterar as normas preventivas que excluíam os “indesejáveis”, apostando, sim, no reforço da sua inspecção. O próprio dirigente máximo da PVDE, o capitão Agostinho Lourenço, “atribuía enorme importância a uma boa fiscalização das fronteiras e ao controlo dos estrangeiros, como meios fundamentais à defesa da “ordem”241. No entanto, verificamos que existia uma divergência entre a letra da lei e a realidade, uma vez que muitos estrangeiros, por desconhecimento ou por ausência de meios de fiscalização por parte das autoridades, escapavam a este controlo.

241

RIBEIRO, Maria da Conceição Nunes de Oliveira, A Polícia Política No Estado Novo (1926-1945). Génese, funções e actuações da P.V.D.E., Dissertação de Mestrado na Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Departamento de História, Lisboa, 1992, p. 89, policopiado.

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103

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Quadro 1 Legislação em vigor em 1940 sobre nacionalidade e naturalização, por países242 País Argentina

Data da Lei 1869

Obtenção da nacionalidade243 - Ius Soli

Condições da Naturalização - Maioridade (18 anos)

Perda da nacionalidade

- Naturalização

- Residência de 2 anos

- Casamento

- Ter cumprido serviços úteis à Nação

Chile

18.09.1925

- Ius Soli

- Maioridade (21 anos)

e

- Filiação

-

15.12.1925;

- Naturalização

nacionalidade

- Prestação de serviços a

27.09.1927;

- Residência de 5 anos

um inimigo

19.01.1934

- Não ter sido condenado

Renunciar

a

outra

Obtenção

de

uma

nacionalidade estrangeira

criminalmente - Não possuir uma doença contagiosa e incurável - Ter meios de subsistência - Não cometer actos contra a integridade nacional do Chile França

10.08.1927,

- Ius Soli (para a

modificada

terceira geração)

nacionalidade

em 1938

-

estrangeira, sem

Ius

- Maioridade (18 anos)

Sanguinis

- Obtenção de uma

(desde 1803)

autorização

- Filiação

- Cometer actos contra a

- Casamento

ordem

pública

segurança do Estado - Não cumprir as leis de recrutamento - Condenação por um crime 242

Este quadro foi elaborado segundo a informação que o MNE recebeu em 1940 das várias embaixadas e legações portuguesas sobre a legislação que regulava os critérios de aquisição e perda de nacionalidade nos espaços territoriais onde exerciam funções. Ver AHDMNE, 2º P; A. 49, M. 121 e ainda WEIL, Patrick, “Access to citizenship: a comparison of twenty-five nationality laws”, in T. Alexander Aleinikoff e Douglas Klusmeyer (orgs.), Citizenship Today. Global Perspectives and Practices, Washington, D.C., Carnegie Endowment for International Peace, 2001, pp. 17-35. 243

Optou-se por incluir neste campo os critérios predominantes. Compreenda-se que muitos dos países que seguiram o princípio da descendência também incluíram nas suas cláusulas o princípio territorial, apesar deste não ser o preponderante. O mesmo se pode dizer em relação às nações que seguiram o critério do ius soli.

104

e

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Holanda

12.12.1892,

- Ius sanguinis

- Maioridade

-

Obtenção

de

uma

modificada

- Naturalização

- Residência de 5 anos

nacionalidade estrangeira

em 1936 e

- Casamento

- Entrada ao serviço de

1938

- Reconhecimento

outro Estado, sem autorização - Viver noutro território por mais de 10 anos, sem autorização do Governo

Hungria

1879;

- Ius sanguinis

- Capacidade jurídica

-

Obtenção

de

uma

29.08.1939

- Casamento

- Boa conduta moral

nacionalidade estrangeira

- Naturalização

- Ter meios de subsistência

- Viver noutro território

- Reconhecimento

por mais de 10 anos, sem

por mérito

autorização do Governo - Condenação por um crime - Prestação de serviços a um inimigo -

Aceitar

uma

condecoração ou cargo político de outro país, sem

autorização

do

Governo -

Sair

do

respeitar

país

as

sem

leis

de

emigração Itália244

13.06.1912,

-

modificada

Ius

Sanguinis

- Prestação de serviços ao

-

(1865)

Estado Italiano durante 3

nacionalidade estrangeira

a

- Casamento

anos

- Aceitar um emprego ou

31.01.1926

- Naturalização

- Residência de 5 anos

um cargo militar de outro

- Não ter cadastro criminal

país -

Obtenção

Perturbar

de

a

uma

ordem

pública Japão

1.04.1899.

- Ius sanguinis

- Maioridade (21 anos)

-

Revista em

- Casamento

- Residência de 5 anos

nacionalidade estrangeira

1916

- Naturalização

- Boa conduta moral

1924

e

- Fruir de meios de subsistência - Renunciar a outra

244

Nicolo (org.), Codice Civil, s.n., s.d., pp. 487- 495.

105

Obtenção

de

uma

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

nacionalidade Roménia

Suécia

?

23.05.1924

- Ius sanguinis

- Maioridade (21 anos)

-

- Casamento

- Não ter cadastro criminal

nacionalidade estrangeira

- Naturalização

- Renúncia a outra

- Por punição (os que

- Reconhecimento

nacionalidade

sem autorização

- Residência de 10 anos

entrarem ao serviço ou

- Não possuir uma doença

no exército de outro

incurável

Estado)

- Fruir de meios de

- Viver noutro território

subsistência

por mais de 10 anos.

- Maioridade (21 anos)

-

(1894)

- Residência de 5 anos

nacionalidade estrangeira

- Casamento

- Boa moral

- Viver noutro território

- Naturalização

- Fruir de meios de

por mais de 10 anos.

-

Ius

Sanguinis

subsistência

106

Obtenção

Obtenção

de

de

uma

uma

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Quadro 2 – Legislação portuguesa sobre estrangeiros (1927-1939)

Data

Fonte

Assunto 1927

28.03.27

Diário de Governo (D.G.), nº 70, 1ª série

Acordo entre Portugal e a Áustria relativo à abolição de vistos em passaportes (são excluídos deste acordo os passaportes para as colónias portuguesas)

27.04.27

D.G., nº 85

Decreto-Lei (DL) n.º 13.537 – “Só podem matricular-se em Portugal as aeronaves pertencentes exclusivamente a cidadãos portugueses e a sociedades ou empresas consideradas legalmente e para todos os efeitos como portuguesas”

7.07.27

Colecção de Legislação (CL), pp. 93-94

DL n.º 13.919 - Providência de forma a tornar uma vigilância eficaz sobre os estrangeiros e a haver conhecimento dos que entram e dos que se encontram em Portugal com residência temporária ou definitiva.

14.09.27

Legislação em vigor sobre estrangeiros em Portugal (LVP), pp. 23-24245

DL. n.º 14.274. Esclarecimento sobre a forma como os súbditos espanhóis devem legalizar a sua residência em Portugal.

14.09.27

LVP: 25

DL. 14.275. As disposições do Decreto n.º 13.919, de 7 de Junho de 1927, deixam de ter aplicação nas ilhas adjacentes, salvo quando se trate de estrangeiros que fixem residência.

19.12.27

CL: 874-877

DL 14.747. Promulga várias disposições acerca da obrigatoriedade da obtenção do Bilhete de Identidade, inclusive de estrangeiros.

1927

DG, N.º 33

Acordo entre Portugal e a Checoslováquia relativo à abolição de vistos em passaportes (são excluídos deste Acordo os passaportes para as colónias portuguesas

1927

DG, N.º 281

Acordo entre Portugal e a Suécia relativo à abolição de vistos em passaportes (são excluídos deste Acordo os passaportes para as colónias portuguesas)

1927

DG, N.º 103

Acordo entre Portugal e o Uruguai relativo à abolição de vistos em passaportes (são excluídos deste Acordo os passaportes para as colónias portuguesas) 1928

245

Legislação em vigor sobre estrangeiros em Portugal, Lisboa, Universidade Editora, 1939.

107

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

23.05.28

LVP: 45

DL. n.º 15.496. Sobre a expulsão dos estrangeiros naturais de países não representados m Portugal ou de indivíduos de nacionalidade que não seja possível verificar.

2.06.28

DG, N.º 178

Acordo entre Portugal e Itália relativo à abolição de vistos consulares e administrativos em passaportes (são excluídos deste Acordo os passaportes para as colónias portuguesas).

24.08.28

LVP: 26

DL. 15.884. Criação da Polícia Internacional.

7.11.28

LVP: 30

D. 16.122. Multas a serem aplicadas a todos os estrangeiros que não apresentarem os seus documentos nas fronteiras aos polícias ou às entidades administrativas. Expulsão dos estrangeiros. 1929

18.01.29

D.G, N.º 15

DL. n.º 16.386. Regulariza a presença dos estrangeiros em Portugal.

6.04.29

D.G., N.º 77

Convenção relativa à igualdade dos trabalhadores estrangeiros e nacionais em matéria de reparação de desastres no trabalho.

24 e 30.04.29

D.G., Nº 102

Acordo, por troca de notas entre Portugal e Espanha, referente à concessão de facilidades para as viagens dos cidadãos portugueses e súbditos espanhóis que respectivamente, desejem visitar o país vizinho.

1929

D.G., N.º 241

Acordo entre Portugal e a França relativo à abolição dos vistos consulares e administrativos nos passaportes (São excluídos deste Acordo os passaportes para as Colónias Portuguesas).

1929

DG, N.º 136

Acordo entre Portugal e Luxemburgo relativo à abolição dos vistos consulares e administrativos nos passaportes (São excluídos deste Acordo os passaportes para as Colónias Portuguesas). 1930

16.05.30

CL: 775

DL. n.º 18.415. Proíbe até 31.12.1933 que as empresas industriais ou comerciais que exerçam a sua actividade no continente admitam ao serviço empregados que não sejam portugueses.

27.07.30

LVP: 54

DL. n.º 18.717. Os estrangeiros podem ser contratados como professores oficiais das Faculdades e Escolas Portuguesas.

108

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

1931 5.02.31

CL: 189

Aviso. Torna público o acordo estabelecido entre os governos português e espanhol para os cidadãos portugueses e espanhóis poderem atravessar as respectivas fronteiras mediante a apresentação do BI, por parte dos portugueses e da cédula pessoal, por parte dos espanhóis, a partir de 1 de Fevereiro de 1931.

30.06.31

CL: 18 e 100

Aviso. Torna público terem os governos Português e Húngaro, concordado em suprimir, a partir de 5 de Julho de 1831, os vistos consulares e administrativos nos passaportes dos nacionais dos 2 países.

28.07.31

CL: 337 -38

D.L. n.º 20.125. Transfere para o Ministério do Interior a Polícia Internacional Portuguesa e regula a sua jurisdição e competências, que tinha sido transferida por decreto n.º 18.849, de 13.09.1930 para o Ministério da Justiça e dos Cultos

10.08.31

CL: 380

DL n.º 20.192. Determina que os operários ou empregados estrangeiros vítimas de desastre de trabalho ocorrido em Portugal tenham direito às pensões estabelecidas por lei, mesmo quando residam fora do território português, se igual tratamento for concedido aos operários portugueses pela legislação dos países de naturalização dos sinistrados.

20.10.31

LVP: 55

DL. n.º 20.468. Segue o Acto de Navegação de 8 de Julho de 1863 e o Regulamento Geral das Capitanias de 1 de Dezembro de 1892. – Os estrangeiros e os portugueses naturalizados há menos de 5 anos não podem ser armadores ou proprietários de navios ou embarcações portuguesas, nem fazer parte das empresas de navegação. 1932

11.03.32

CL: 370

Portaria n.º 7.303 Determina que os proprietários de prédios urbanos arrendados a estrangeiros anteriormente à data da publicação do decreto n.º 15.884, de 24.08.28 participem o facto à polícia internacional portuguesa até ao dia 25.03.1932.

4.08.32

CL: 256

Aviso. A partir de 15.08 a passagem dos súbditos espanhóis só pode ser feita mediante a apresentação de passaporte ficando sem efeito o aviso publicado no D.G., n.º 30, 5.02.1931,

109

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

referente ao acordo entre o governo português e o espanhol. Para os espanhóis que venham a Portugal fazer uso das praias ou termas é exigida apenas a cédula pessoal. Nos passaportes não são exigidos os vistos administrativos e consulares. 19.09.32

LVP: 56-58

DL. n.º 21.699. Colocação de empregados em obras e trabalhos subvencionados pelo Fundo do Desemprego. Sobre a situação dos empregados estrangeiros.

1.10.32

CL: 506

Aviso. Torna público terem os governos português e espanhol resolvido prorrogar até ao dia 25.10.32 as facilidades que existem para a passagem da fronteira.

6.12.32

CL: 817

Portaria n.º 7.840. Determina que para admissão de artistas ou empregados nas casas de espectáculos se observem as disposições do decreto n.º 18.415 que proíbe às empresas industriais ou comerciais que exerçam a sua actividade no continente admitirem ao serviço empregados que não sejam portugueses.

7.12.32

CL: 793

DL. n.º 21.951. Permite a todo o indivíduo de nacionalidade estrangeira que por virtude de contrato, se encontre exercendo a sua actividade em alguma colónia portuguesa poder continuar nesse exercício e ser recontratado, se a lei do seu país fizer igual concessão aos nacionais portugueses.

8.12.32

LVP: 55

DL. n.º 21.925. Os estrangeiros não podem exercer o comando de embarcações portuguesas designadas por navios mercantes. 1933

23.01.33

CL: 69-70

DL. n.º 22.151. Extingue a secção de vigilância política e social da Polícia Internacional Portuguesa e cria a Polícia de Defesa Política e Social, subordinada ao Ministério do Interior.

24.02.33

CL: 194

Acordo. Torna público terem os governos Português e Espanhol, por notas trocadas em 24.02.1933 entre a Embaixada de Portugal em Madrid e o Ministério do Estado da Espanha, concordado em substituir o passaporte para a entrada nos 2 países pelo BI por parte dos cidadãos portugueses e pela cédula pessoal munida de um retrato do portador por parte dos cidadãos espanhóis.

23.02.33

CL: 164-174

DL. n.º 22.241. Promulga o projecto da Constituição política da República Portuguesa. 110

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

2.03.33

CL: 206

DL n.º 22.269. Fixa as taxas de emolumentos pelos títulos de residência de estrangeiros em Portugal e respectivos vistos.

14.07.33

CL: 35

DL. n.º 22.827. Determina que as empresas sociedades ou firmas, comerciais ou industriais, singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras, que exerçam a sua actividade em qualquer parte do território continental só possam ter ao seu serviço empregados de nacionalidade portuguesa, sem prejuízo dos empregados estrangeiros legalmente existentes na presente data nem das cláusulas de reciprocidade ajustadas entre Portugal e outros países.

29.08.33

CL: 180-181.

DL. n.º 22.992. Cria a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE). Refere as suas funções.

23.09.33

LVP: 54-55

DL. n.º 23.048. Os estrangeiros domiciliados em Portugal podem fazer parte dos organismos corporativos. É lhes porém vedado intervir no exercício dos direitos políticos e ocupar lugares de direcção, salvo caso expressamente previsto na lei.

23.09.33

CL: 228-30

DL. n.º 23.050. Constituição dos Sindicatos. Podem ser seus sócios os estrangeiros, maiores de 18 anos mas nunca podem fazer parte da direcção ou da mesa de assembleia-geral.

23.09.33

CL: 231-32

DL. 23.051. Constituição das Casas do Povo. Não podiam ser sócios efectivos os indivíduos de nacionalidade estrangeira nem aqueles que sendo de nacionalidade portuguesa, residam fora do termo da freguesia;

9.11.33

D.G., N.º 253

DL. n.º 23.203. O Governo por deliberação tomada em Conselho de Ministros poderá proibir a residência em território nacional a todos aqueles cuja presença julgue inconveniente à segurança das instituições e ordem pública.

30.12.33

CL: 685

DL. 23.428. Torna obrigatório que as empresas nacionais de navegação remetam à Direcção da Marinha Mercante e ao Instituto Nacional de Estatística mapas discriminatórios da carga e dos passageiros transportados. 1934

3.12.1934

LVP: 55

D.L. n.º 24.722. As embarcações transmitidas total ou parcialmente a estrangeiros não podem exercer a pesca em Portugal. 111

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

1936 1.02.36

LVP: 35

DL. 26.327. Informa das participações a que são obrigadas as pessoas a que se referem os Art. 1º do DL n.º 16.386, de 18.01.1929246 e 6º do Decreto n.º 15.884, de 24.08.1928247. Serão feitas num só impresso.

22.05.36

LVP: 68

Despacho. Os organismos corporativos, tais como as federações e grémios estão sujeitos à aplicação do DL. 22.827 sobre a admissão de empregados estrangeiros ao seu serviço.

18.12.36

DG, N.º 302

Aviso acerca da interpretação a dar ao acordo de 1926 entre Portugal e a Grã-Bretanha sobre a abolição de vistos em passaportes. 1937

2.08.37

LVP: 69

Despacho. Os músicos e artistas teatrais estrangeiros estão sujeitos ao regime jurídico do DL n.º 22.827 quando trabalhem por conta de empresas comerciais ou industriais. 1938

24.11.38

DG, N.º 273 e LVP: 81-82

D.L. n.º 29.171. Constituição da Ordem dos Médicos. 1939

21.01.39

LVP: 70

Despacho. Os músicos e artistas teatrais que trabalhem à percentagem sobre a receita bruta em qualquer teatro ou casa de espectáculo estão sujeitos ao regime jurídico do D.L. n.º 22.827.

27.03.39

DG, N.º 71

DL. n.º 29.502. Determina que os consulados de 4ª classe e os vice-consulados fiquem directamente subordinados, em tudo o que respeite às suas funções consulares, aos consulados de carreira que forem atribuídos por despacho do ministro do MNE.

10.04.39

D.G., N.º 82

DL. n.º 1.976. Regula o exercício da profissão médica por estrangeiros.

10.07.39

LVP: 70

Despacho. As disposições do DL. N.º 22.827 são aplicáveis aos colégios e escolas particulares, cujos fins sejam industriais ou lucrativos e tenham ao seu serviço súbdito estrangeiros

246

Nenhum estrangeiro pode permanecer no País por mais de 8 dias sem o participar ao G.V.C.

247

Os proprietários de hotéis e estabelecimentos afins.

112

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

exercendo as professores.

funções

remuneradas

de

19.07.39

DG, N.º 167

DL. 29.762. Torna aplicável aos Arquipélagos da Madeira e Açores o DL n.º 22.827, de 14.07.1933, que estabelece o condicionamento do trabalho de estrangeiros no território continental

9.09.39,

DG, N.º 212

Avisos. Tornam público terem os Governos de sua Majestade Britânica e Noruega denunciado a partir de 4 do corrente, o acordo com o Governo português para a supressão dos vistos consulares e administrativos nos passaportes dos nacionais dos respectivos países.

13.09.39

DG, n.º 215

Avisos. Torna público ter o Governo Sueco denunciado, a partir de 5 do corrente mês, o Acordo com Portugal para a supressão dos vistos consulares e administrativos nos passaportes dos nacionais de ambos os países.

19.09.39,

DG, n.º 220

Avisos. Torna público ter o Governo Real da Hungria denunciado, a partir de 15 do corrente mês, o Acordo com Portugal para a supressão dos vistos consulares e administrativos nos passaportes dos nacionais de ambos os países.

20.09.39,

DG, n.º 221

Avisos. Torna público ter o Governo Belga denunciado, o Acordo com Portugal para a supressão dos vistos consulares e administrativos nos passaportes dos nacionais de ambos os países.

21.09.39,

DG, n.º 222

Avisos. Torna público ter o Governo Suíço denunciado, a partir de 6 do corrente mês, o Acordo com Portugal para a supressão dos vistos consulares e administrativos nos passaportes dos nacionais de ambos os países.

23.09.39,

DG, n.º 224

Avisos. Torna público ter o Governo Alemão denunciado, a partir de 12 do corrente mês, o Acordo com Portugal para a supressão dos vistos consulares e administrativos nos passaportes dos nacionais de ambos os países.

11.10.39

DG, n. º 238

Avisos. Torna público ter o governo português denunciado a partir de 6 do 10 corrente, os acordos para a supressão dos vistos consulares e administrativos em passaportes com os Governos de Cuba, Dinamarca, França, Estado Livre da Irlanda, Islândia, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo, Países Baixos e Uruguai.

21.10.39,

DG, n.º 247

Avisos. Torna público ter o governo português denunciado a partir de 6 do 10 corrente, os 113

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

acordos para a supressão dos vistos consulares e administrativos em passaportes com os Governo de Sua Majestade na Terra Nova. 4.11.39

DG, n.º 258

DL. n.º 30.022. Determina que a fiscalização do cumprimento das disposições legais reguladoras da disciplina do trabalho e das cláusulas dos contratos e acordos colectivos de trabalho fique competindo ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência. Exceptua a fiscalização do cumprimento das leis sobre trabalho de estrangeiros que continua a cargo da PVDE.

10.11.39

DG, n.º 263

DL n.º 30.045. Autoriza o Ministro a conceder gratuidade de vistos consulares nos passaportes de estrangeiros nacionais de países que concedam igualmente vistos gratuitos em passaportes portugueses.

114

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Quadro 3 – Estrangeiros Legalizados em Portugal Continental, por nacionalidades (1900-1940)

Nacionalidades

1900

1911

1920

1930

Alemã

853

826

413

863

Argentina

?

?

?

?

96

116

Austríaca

?

?

?

?

124

?

Belga

182

164

246

?

278

1.042

Brasileira

6.666

10.732

4.673

3.817

1.792

4.825

Checoslovaca

?

?

?

?

70

?

Chinesa

?

?

?

?

115

127

26.903 20.298

17.692

10.120

12.445

12.043

Francesa

1.771

1.806

1.643

1.209

1.355

1.703

Holandesa

?

?

?

?

90

417

Húngara

?

?

?

?

73

175

Inglesa

1.752

1.891

1.979

1.191

2.236

3.908

Italiana

540

530

511

?

702

765

Norte Americana

66

114

115

187

245

1.320

Polaca

?

?

?

?

401

1.120

Russa

?

?

?

?

59

70

Suíça

?

?

?

?

366

418

Outra

615

775

727

1.481

552

1.072

Sem nacionalidade

?

?

?

?

23

?

Espanhola

115

1937 1.882

1940 2.009

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

TOTAL

39.348 37.136

27.999

18.868

22.904

32.127

Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Anuário Estatístico, Lisboa, Imprensa Nacional, 1930-1938 e Instituto Nacional de Estatística, VIII Recenseamento Geral da População no Continente e Ilhas Adjacentes, em 12 de Dezembro de 1940, vol. I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1945.

116

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Foto 1 – Passaporte português de uma judia de Salónica e de seus filhos

Fonte: AHDMNE, 2ª P. M. 513, A. 1

117

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Documento 1 – Modelo do BI, a partir de 1919

Fonte: Diário de Governo, 19.03.1919, p. 427

118

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Documento 2 – Modelo do BI a partir de 1932

Fonte: Diário de Governo, 22.12.1932, p. 1020.

119

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Documento 3 – Autorização de residência de Martha Becher

Fonte: IANTT, Arquivo Distrital de Lisboa, Fundo do Governo Civil, NT 1010, NR 1622

120

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

Documento 4 – Projecto do decreto-lei que regula as condições de entrada, residência ou fixação de estrangeiros, 28.01.1933 RELATÓRIO “O problema da condição jurídica dos estrangeiros em Portugal é hoje – pode dizer-se que por toda a parte – uma questão delicada, “onde as dificuldades de ordem jurídica se somam às de ordem social e política” (1). Anteriormente à grande conflagração europeia de 1914 eram, em regra, tolerantes as legislações concernentes aos direitos concedidos a estrangeiros. Mas a guerra forçou – primeiros os países beligerantes e depois os próprios neutros – a restringir, ou tão somente a regulamentar o exercício de tais direitos. Manifestou-se esta tendência com certa acuidade nos anos que se seguiram à guerra, porventura no exagero de concepções nacionalistas e proteccionistas que então dominavam. Sucedem-se depois as grandes oscilações económicas e sociais, cujos efeitos perturbadores Portugal, como o resto do mundo, está sofrendo. E, talvez mais por uma pressão de ordem económica ou social que política, vãose modificando gradualmente as interdições parciais, os sistemas de autorizações necessárias e de encargos fiscais. Tenta-se hoje, sobretudo, por iniciativa da Sociedade das Nações, regular, por maneira o mais universal possível, o tratamento a aplicar, em cada país, aos estrangeiros. Um dos aspectos do complexo problema, que neste momento interessam ao Governo é o de regular, em bases justas, a entrada, residência e fixação de estrangeiros em Portugal. Não se trata de resolver aqui todas as questões que possam surgir nas relações com estrangeiros em Portugal ou com portugueses fora do país. É, por agora, mais modesta a ambição do Governo – dar a certos aspectos da questão – os mais urgentes – a solução conveniente e oportuna. E isto sem desmentir as generosas e sempre benévolas tradições de hospitalidade do povo português com inúteis restrições ou injustificáveis violências.

(1) – Revue de Droit International prive et de droit international, 1928, pags. 218. 121

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

A simples leitura dos preceitos que neste decreto-lei se inscrevem facilmente demonstrará que assim é, que se garante aos estrangeiros a mais ampla liberdade para entrar, residir ou se fixarem em Portugal, salvaguardados apenas os primordiais direitos do Estado no que respeita à ordem pública e à sua segurança interna e externa, não esquecendo os seus interesses morais e económicos. Concedem-se, como inovação, três graus de autorização, quasi sem exigências burocráticas e com o mínimo dos encargos. Isentam-se até de qualquer autorização certas pessoas, já pela sua categoria, já pelo interesse público que represente a actividade que aqui venham exercer. E, para já, fixam-se novas taxas e emolumentos a cobrar pelos documentos que, ainda nos termos da lei vigente, legitimam a estada de estrangeiros em Portugal sem agravamento, mas, pelo contrário, com sensível diminuição em algumas. O imposto de selo que, por força do disposto no artigo 15º do decreto-lei n.º 20.125, de 28 de Julho de 1932, era de 50$00, passa a ser de 30$00 e 15$00, respectivamente, conforme se se trata da concessão ou simples revalidação de documentos. E não poderá dizer-se, em relação quer à moeda estrangeira, quer à moeda portuguesa, quer ainda às taxas fixadas em outros países, que o custo total, ou – melhor – os encargos anuais para cada estrangeiro sejam sequer exagerados e, muito menos, incomportáveis. Mantendo, aliás, o propósito, inspirado no interesse nacional, que forçará o Governo a publicar o decreto-lei n.º 18.415, de 16 de Maio de 1930, proíbe-se, a partir de 1 de Janeiro de 1933, a estrangeiros, o exercício de qualquer actividade profissional sem prévia e expressa autorização do Governo. Mas exceptuam-se os que já exerçam aquela actividade à data da publicação deste diploma, aos quais se permite continuem a exerce-la sujeitos, evidentemente, às leis portuguesas. Ainda aqui, animam o Governo português sentimentos de carinhosa simpatia e franca hospitalidade para com os estranhos, sobretudo para com aqueles que já se encontram em terra portuguesa empregando a sua actividade e o seu esforço, acolhidos à protecção das suas leis. Ficam os governadores civis, por este decreto-lei, com certos poderes e atribuições que não se encontravam em leis anteriores, como, por exemplo, a de decidirem sumariamente, embora com imediato conhecimento do Governo, a recusa de 122

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

entrada, de estrangeiros, e isto além da faculdade de conceder as autorizações necessárias para residência ou fixação. São estes magistrados, nos seus distritos, os imediatos representantes e delegados do Governo, que lhes confia a execução do seu pensamento político e administrativo. Lógico é que, por isso mesmo, se lhes ampliem, com ponderada largueza, as suas faculdades, dando-lhes para isso, os meios necessários e, assim contribuindo para que, erradamente, se não pense que uma concentração exagerada de atribuições será útil à própria administração central. À Direcção Geral de Segurança Pública, por si e pelos organismos que lhe estão ou venham a estar subordinados, fica incumbindo toda a polícia sobre estrangeiros, sob a orientação e superior direcção do Ministro do Interior. É a entidade própria para realizar, com vantagem, a difícil tarefa pela natureza especial das suas funções, pela organização de que dispõe. Assim, terão estes serviços uma orientação certa, que evitará hesitações e divergências, tratamentos diversos de casos análogos, o que além de inconveniente, seria a negação do princípio clássico da igualdade perante a lei. Tal é, nas suas linhas gerais, o pensamento que o Governo deseja executar com a publicação deste diploma, integrando-se nas correntes de ideias que dominam, lá fora, a matéria que nele se contém, mas, conscientemente, fazendo a sua adaptação, apenas no que seja possível, às realidades da vida portuguesa. E, por isso, Usando as faculdades que me confere o n.º 2º do artigo 2º do decreto n.º 12.740, de 26 de Novembro de 1926, por força do disposto no artigo 1º do decreto n.º 15.331, de 9 de Abril de 1928, sob proposta dos ministros de todas as Repartições: Hei por bem decretar, para valer como lei, o seguinte: DA ENTRADA, RESIDÊNCIA E FIXAÇÃO DE ESTRANGEIROS EM PORTUGAL I Das autorizações e seu regime ARTIGO 1º - Na falta de tratado, convenção e acordo internacional ou na omissão das suas clausulas, as condições reguladoras da entrada, residência ou fixação de 123

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

estrangeiros no continente da República Portuguesa, serão as que o presente decreto-lei estabelece. Artigo 2º - São considerados estrangeiros, para o efeito de aplicação deste diploma, todos os indivíduos que a lei portuguesa não considere ou não venha a considerar como nacionais. Artigo 3º - É, em regra, livre a entrada de estrangeiros, desde que se conformem com as leis e regulamentos nacionais. & 1º - Exceptuam-se, porém, de tais direitos: 1º - Os indocumentados, como tais se considerando, em regra, os que não sejam portadores de passaporte visado por funcionário diplomático ou consular português no país onde hajam tido a sua última residência, salvo os nacionais de Estados, que, em reciprocidade, dispensem de tal formalidade os cidadãos portugueses; 2º - os indigentes e vagabundos; 3ª – Os indesejáveis, como tais considerados os que forem reputados perigosos para a ordem e segurança interna ou externa do Estado Português. ARTIGO 4º - Verificado pelas autoridades competentes de qualquer fronteira algum dos motivos de excepção enumerados no artigo anterior, estas o comunicarão sem demora, e pela via mais rápida, ao Governo Civil respectivo, que decidirá sumariamente, mas sempre por escrito, em face das razões e provas que lhe forem presentes e logo o comunicará ao Governo, por intermédio da Direcção Geral de Segurança Pública. No caso de recusa, será a decisão comunicada ao representante do respectivo país com jurisdição na área a que pertença a sede do distrito. ARTIGO 5º - À Direcção Geral de Segurança Pública, directamente subordinada e orientada pelo Ministro do Interior, ficará incumbido, por si e pelos organismos, autoridades e agentes de autoridade que lhe estão ou venham a estar subordinadas, toda a polícia dos estrangeiros, designadamente: 1º - Organizar o registo, o mais completo possível, dos estrangeiros que entrem, permaneçam ou se fixem em Portugal; 2º - Verificar, nos postos da fronteira terrestre, a documentação dos estrangeiros que pretendam entrar ou sair do País; 124

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

3º - Exercer, no que respeita a polícia de estrangeiros, todas as atribuições que não sejam especialmente conferidas, por lei ou regulamento, a outra autoridade; 4º - Exercer, em colaboração com os organismos similares estrangeiros, a acção indispensável para que se harmonizem, quanto possível, as regras jurídicas a aplicar aos estrangeiros em Portugal e aos portugueses em países estrangeiros. ARTIGO 6º - Todos os estrangeiros têm o direito de permanecer em território português mediante autorização especial. & 1º - Não carecem de qualquer autorização: 1º - Os membros do corpo diplomático e consular acreditados junto do Governo português, o pessoal das embaixadas, legações, consulados e pessoas de família que com os mesmos vivam habitualmente; 2º - Os membros de governos estrangeiros, de missões oficiais e organismos internacionais, como tais reconhecidos pelo Governo português; 3º - Os membros de congressos e assembleias cientificas, literárias, artísticas ou outras de manifesto interesse público, que venham a reunir em Portugal com o apoio do Governo. ARTIGO 7º - A autorização referida no artigo antecedente pode ser, nos termos deste decreto-lei, de: a) tolerância b) residência c) fixação ou permanência. ARTIGO 8º - Dentro dos dez dias contados da sua entrada em Portugal, todo o estrangeiro não compreendido nas excepções dos números 1º a 3º do artigo 6º, deve declarar, perante o administrador do concelho a que pertença a localidade que haja escolhido para residência ou, sendo este sede de distrito, no respectivo governo civil, a sua chegada, exibindo, ao mesmo tempo, a sua documentação. & 1º - São obrigados a fazer idêntica declaração no prazo de dez dias contados do último dos vinte dias após a sua chegada, todos os que, seja a que título for e com remuneração ou sem ela, hospedem estrangeiros. & 2º - Na hipótese de mudança de hospedagem, deverá ser feita igual comunicação no prazo de oito dias desde que a nova começou. 125

Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

ARTIGO 9º - Aos estrangeiros que não possuam autorização de residência ou para se fixarem no continente, poderá, pelos governadores civis ser concedida tolerância para nele residirem com as seguintes restrições: 1º - Esta autorização será sempre de duração limitada e, em caso algum, além dos designados neste artigo, poderá exceder noventa dias contados da entrada. Exceptuam-se: a) Os alunos de escolas portuguesas até ao fim dos seus cursos; b) Os doentes internados em hospitais, sanatórios, clínicas, casa de saúde e estabelecimentos semelhantes até que deles tenham alta; c) Os criados dum ou doutro sexo, a cujos patrões seja concedida ou prorrogada a respectiva autorização; 2º - Esta autorização apenas valerá para o distrito onde houver sido concedida e será livremente revogável pela autoridade que a concedeu. & 1º - Para a concessão do regime de tolerância estabelecida neste artigo, deverá o estrangeiro que dela queira beneficiar depositar, como garantia de cumprimento de todas as obrigações a que deve sujeitar-se, uma questão arbitrada conforme as circunstâncias, mas nunca inferior a 500$00. Em casos excepcionais, e sempre fundamentados, podem os governadores civis dispensar este depósito, sobretudo quando se trata de estrangeiros que venham frequentar cursos de férias, praias, termas e estâncias de turismo durante os meses de Julho a Outubro, inclusive, pode, neste caso, as respectivas autorizações valer para todo o continente. ARTIGO 10º - Decorridos que sejam vinte dias após a sua entrada em Portugal e salvo os casos previstos no & único do artigo 6º e artigo 9º deste diploma, todos os estrangeiros deverão possuir uma autorização de residência, válida por seis meses prorrogáveis até uma ano por meio de visto nele aposto até o último daquele prazo, pela autoridade que o concedeu. & 1º - Estes títulos serão concedidos pelos governos civis em face do passaporte ou outro documento julgado bastante, expedido por qualquer dos representantes diplomáticos ou consulares do respectivo país em Portugal, ou, na sua falta, de despacho do Director Geral de Segurança Pública.

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Estado, Estrangeiros e Fronteiras em Portugal nos inícios do Estado Novo (1927-1939)

ARTIGO 11º - Se a permanência no país houver sido, ininterruptamente, superior a um ano, poderão os governadores civis conceder em face do título de residência e do bilhete de identidade, uma autorização válida por cinco anos, mas visada no mês de Julho de cada ano, pela repartição que o houver concedido. & ÚNICO – Se a permanência em Portugal não houver sido ininterrupta, voltará o estrangeiro ao regime de autorização de residência pelo tempo necessário para que complete um ano em tais condições. ARTIGO 12º - As autorizações quer de residência quer de permanência, são, em regra, válidas para o distrito em que foram concedidas. Entretanto, poderão os estrangeiros a quem hajam sido concedidas, residir temporariamente noutro distrito, contanto que aí que não exerçam actividade profissional. Se a residência não for temporária, ou se ali desejarem exercer aquela actividade, será indispensável prévia e expressa autorização do Governo, nos termos do disposto no artº 18º. ARTIGO 13º - Todas as mudanças de residência ou domicilio superiores a um mês, serão comunicadas à autoridade administrativa do respectivo concelho que, por seu turno, as comunicará aos competentes governadores civis. ARTIGO 14º - A autorização para residência considera-se terminada quando: a) Tiver expirado o prazo pelo qual houver sido concedida sem ser prorrogada; b) O estrangeiro deixe de possuir a documentação do país de origem, reconhecida como bastante e válida pela lei portuguesa; c) Pelo que respeita a cada distrito, o estrangeiro obtenha autorização para residir noutro; d) O estrangeiro obtenha passaporte ou visto em passaporte para sair de Portugal;~ e) Seja expulso, extraditado, ou repatriado. A mesma autorização pode ser revogada quando o estrangeiro: a) A obtiver por falsas declarações ou documentação, ou ainda dissimulando factos essenciais; b) Não observe as condições legais, tácitas ou expressas, da sua concessão; c) Dê lugar, pela sua conduta, a queixas graves e fundamentadas. 127

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II Disposições gerais ARTIGO 15º - Este decreto-lei entrará em vigor no dia 1 de Janeiro de 1933. ARTIGO 16º - Todas as decisões proferidas em matéria que este diploma abranja, admitirão, sempre que outro especial não seja estabelecido, os recursos normais que a lei portuguesa admita dos actos praticados pelas autoridades que as profiram. & ÚNICO – Exceptuam-se, porém, todas as decisões proferidas pelo Governo, mesmo em recurso hierárquico ou gracioso. ARTIGO 17º - Na concessão de quaisquer autorizações, deverão ter-se em conta os interesses morais e económicos do País, bem como o índice da população estrangeira. ARTIGO 18º - A partir da vigência deste decreto-lei, nenhum estrangeiro, poderá exercer em Portugal qualquer actividade profissional sem prévia e expressa autorização do Governo. & 1º - Entende-se por actividade profissional, para o efeito do disposto neste diploma, o exercício, no país, de qualquer ofício ou emprego, manual, técnico, artístico ou pedagógico, de funções de direcção ou de patrão, qualquer que seja a forma e quantia com se remunerem os respectivos serviços e ainda o emprego, por conta própria, de instrumentos de trabalho, de rendimento ou utilidade económica ou, finalmente, o exercício também por conta própria, do comércio ambulante ou quaisquer outras ocupações, mesmo que não requeiram mais do que a aptidão física. & 2º - Exceptuam-se, porém, todos os estrangeiros que, à data da publicação deste decreto-lei, já exerçam em Portugal a sua actividade profissional, tal como este artigo a define, os quais poderão continuar a exerce-la desde que se subordinem aos preceitos legais que lhe sejam aplicáveis. ARTIGO 20º - O Governo, pelo Ministério do Interior, expedirá os regulamentos e instruções necessárias à execução deste decreto-lei. Fica o respectivo Ministro especialmente autorizado a: 128

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1º - Fixar os modelos das várias autorizações e o processo a seguir para a sua concessão, prorrogações e revogações; 2º Fixar as taxas e emolumentos a cobrar, quer pelo Estado, quer pelas repartições e autoridades públicas; 3º - Fixar as regras de processo a adoptar em tudo quanto seja necessário à execução dos preceitos deste decreto-lei. ARTIGO 21º - Na Direcção Geral de Segurança Pública e nos governos civis haverá registo de todos os estrangeiros autorizados a residir, respectivamente, no continente e em cada um dos distritos, conforme o modelo que, em regulamento, for determinado. ARTIGO 22º - O Ministro do Interior resolverá dúvidas que surjam na execução deste diploma. IIII Disposições penais ARTIGO 23º - A pena de expulsão aplicar-se-á a estrangeiros quando se verifiquem as seguintes condições: a) Terem sido condenados, pelos competentes tribunais, por crime ou delito ou terem abusado da hospitalidade portuguesa por contravenções graves e reiteradas; b) Se, por doença mental, comprometerem a ordem pública; c) Se, por eles ou por qualquer das pessoas que tenham a seu cargo decaírem de fortuna por forma a necessitarem de assistência pública ou privada; d) Quando o Governo assim o julgue indispensável para a ordem e segurança, interna ou externa, do Estado português. ARTIGO 24º - A pena de expulsão será sempre da competência do Ministro do Interior sob parecer do Director Geral de Segurança Pública. ARTIGO 25º - Poderá a pena referida nos artigos anteriores ser, conforme os casos: a) Excepcionalmente, limitada a uma parte do território nacional;

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b) De duração determinada, não inferior, contudo, a três anos, findos os quais apenas por novo despacho ministerial exarado no processo de expulsão, poderá reingressar em Portugal. & ÚNICO – Continua a ser aplicável a estrangeiros o disposto nos artigos 25º e 26º da lei de 20 de Julho de 1912. ARTIGO 26º - As infracções do disposto neste decreto-lei não punidas, especialmente, doutra forma, serão aplicáveis, conforme os casos, as seguintes penalidades: 1º Prisão até dois anos; 2º Multa de 500$ a 10.000$. ARTIGO 27º - A pena de multa até 1.000$ poderá ser aplicada pelos governadores civis e, daí por diante, bem como a prisão, pelo Director Geral de Segurança Pública. & ÚNICO – Quando uma infracção houver sido cometida em diversos distritos, será competente para aplicação da multa o governador civil daquele que primeiro houver instaurado processo competente. Disposições transitórias ARTIGO 28º - Os títulos de residência concedidos e os vistos apostos em cédulas de nacionalidade de cidadãos espanhóis ou em bilhetes de identidade anteriores à data da publicação deste decreto-lei, vigorarão até ao fim do prazo da sua validade conforme a lei então vigente. ARTIGO 29º - As disposições penais deste decreto-lei são aplicáveis às infracções cometidas da sua vigência quando sejam mais favoráveis aos seus autores. ARTIGO 30º - As normas de processo que este decreto-lei prescreve ou qualquer diploma que o regulamento venha a fixar, aplicar-se-ão, quanto possível, aos processos pendentes, os quais poderão, contudo seguir seus termos, mantida a competência fixada por lei anterior, ainda que, por esta lei, ela se modifique.

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ARTIGO 31º - Desde já e até à vigência deste decreto-lei e respectivos regulamentos, passarão a cobrar-se, pelos documentos que, nos termos da lei vigente, legitimam a estada de estrangeiros em Portugal, os seguintes emolumentos e taxas: TÍTULOS DE RESIDÊNCIA

10$00

Cédulas ou certificados

1º visto

10$00

de nacionalidade de espanhóis

2º visto

5$00

BILHETES DE IDENTIDADE

1º visto

12$50

Outros vistos

6$00

& 1º - Pela concessão de cada um dos documentos mencionados neste artigo, será devido, pago por meio de estampilha, o imposto do selo de 30$00. Por cada revalidação, ou visto, será, da mesma forma, devido o imposto de 15$00. & 2º - Sobre estes emolumentos recairá apenas o adicional de 3 % a que se refere o artº 11º do decreto-lei n.º 14.027, de 2 de Agosto de 1927, sendo ainda aplicável à sua cobrança e distribuição o disposto no seu artigo 2º. ARTIGO 32º- Fica revogada a legislação em contrário, especialmente os decretos-leis n.ºs 13.919, 16.122 e 16.386, respectivamente, de 7 de Junho de 1927, 7 de Novembro de 1928 e 18 de Janeiro de 1929, 18.415, de 16 de Maio de 1930, e artºs 14º e 15º do decreto-lei n.º 20.125, de 28 de Julho de 1931, publicados no Diário do Governo, n.º 178, 1ª série, de 3 de Agosto do mesmo ano. Determina-se portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução do presente decreto com força de lei pertencer ou cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nele se contém. Os Ministros de todas as Repartições o façam imprimir, publicar e correr. Dados nos Paços do Governo da República, em”.

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