Estado-Nação e Cidadania

September 12, 2017 | Autor: Mafalda Lourenço | Categoria: Sociology
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ESTADO-NAÇÃO E CIDADANIA Mafalda Lourenço

Ao longo deste ensaio far-se-á um esforço para compreender o processo da criação do estado-nação, quais as suas consequências e, ainda, de que forma lidam com a multiculturalidade característica das sociedades actuais. O ponto de partida para este ensaio utilizar-se-á a afirmação de Vale Almeida “A criação do Estado-Nação foi feita na base de violências reais e simbólicas, de exclusão do Outro e invenção do Mesmo.” (2004:81) A afirmação do autor demonstra que a constituição do estado-nação não é pacífica, não se trata de algo natural, pois o modelo de identidade adoptado depende de uma homogeneidade que não é real. Deste modo exclui a existência de diversidade cultural dentro do seu território. Trata-se, assim, de um modelo criado na base de uma artificialidade, onde a identidade comum é algo inventado e imaginado. Para melhor compreender pode-se recorrer o conceito de comunidades imaginadas de Benedict Anderson (1993) no qual considera as comunidades nacionais como produto de um processo de construção política, social e cultural que tem como resultado a criação de um vínculo imaginário dos cidadãos com os seus semelhantes nos contornos dos estado-nação. Poderse-á também invocar o conceito de significações imaginárias sociais de Castoriadis Cornelious (1981) que remete para a dimensão criativa que constitui uma cultura. Significações porque constroem o sentido; imaginárias porque não correspondem a elementos racionais e reais, senão que estão dadas por criação; sociais, pois só existem estando instituídas e sendo objecto de participação dum ente colectivo. O modelo de identidade do estado-nação pressupõe uma estreita ligação entre ambos os seus elementos: Estado e Nação. Ou seja, a organização política de um determinado

território delimitado por uma fronteira implica, simultaneamente, a existência de uma nação – um grupo coeso e homogéneo que partilha de valores, práticas e com objectivos comuns. Este modelo parte, muitas vezes, do pressuposto que a um grupo étnico corresponde a um grupo cultural e que a uma comunidade cultural corresponde uma comunidade política. Os novos nacionalismo recorrem também deste modelo moderno de identificação para reivindicarem a sua autodeterminação e assim “Os projectos étnicos actuais definem-se cada vez mais pelas características do Estado-Nação moderno […] os estados perdem o seu monopólio sobre a ideia de nação e é compreensível que toda a espécie de grupos tendam a usar a lógica de nação para captar algum ou todo o Estado, algumas ou todas as garantias que o Estado dá” (Appadurai, 1996:209) À hora da constituição do estado-nação, e para sua manutenção, verifica-se uma manipulação da história e a uma deturpação do conceito de cultura. No que diz respeito à história, ela torna-se alvo de uma instrumentalização para a constituição do estado-nação, e inclusivamente para a criação dos nacionalismos emergentes na Europa actual. A história tal como ela é, é distinta da história contada e imaginada, por isso, estamos perante um material maleável e flexível. Assim, servindo-se dela e manuseando o passado histórico pretende-se a formação de um sentido comum de pertença. Relativamente ao conceito de cultura, segundo Vale Almeida “conceito de cultura que é utilizado nestes sistemas, e que é o conceito ainda hoje vigente no senso comum e o mesmo que esteve na base da criação dos projectos coloniais e de estado-nação: a cultura como conjunto de atributos essencializados (como se fossem naturais, sem consideração do processo histórico, da interculturalidade e das diversidades internas de qualquer grupo) de uma população específica, com uma geografia delimitável” (2004:89). Ou seja, na lógica do estado-nação, a cultura é vista como um produto acabado: algo estático, fixo e internamente homogéneo. Uma concepção essencialista em que a cultura corresponde à visão do mundo, tradição, práticas e valores de um determinado grupo.

Contudo, ela não é homogénea nem uniforme, apresenta-se, pelo contrário, como uma dinâmica multifacetada e um processo fluído. Ainda mais numa sociedade marcada pela pluralidade de culturas e identidades culturais múltiplas e híbridas. A concepção estática da cultura, acima referida, dificulta a compreensão de fenómenos de interacção cultural e dos complexos processos de hibridação inerentes à multiculturalidade, algo inevitável e inegável. Assim sendo: Como conceber a multiculturalidade dentro dos estado-nação criados na base de uma cultura como e com uma ideologia homogeneizante? Desde o ponto de vista de Smith “[…] os estado-nação contemporâneos estão a sofrer uma erosão, senão desintegração por causa do seu carácter plural, ou poliétnico, esta a ser minado pelos processos de expansão e modernização do Estado e pelos problemas que eles engendraram.” (1995:73) Se os estado-nação dependem de uma cultura comum e homogénea, estrutura política baseada numa unidade territorial, cultural e linguística, definitivamente se denota a sua perda de importância e força. Actualmente, passam por uma crise que os enfraquece num cenário de aumento da multiculturalidade à escala universal decorrente do fenómeno de globalização e fim dos impérios coloniais. Autores como Appadurai giram em torno de uma época pós-nacional, considerando a incapacidade do Estado para lidar com a multiculturalidade. Esta choca com a ideia de estado-nação e exige a sua redefinição. O multiculturalismo trata-se de uma forma de resposta a esta realidade multicultural: uma maneira de entender e digerir a multiculturalidade e uma estratégia para lidar com as diferenças. Este tem como objectivo de dar resposta às diferenças, à existência de minorias étnicas dentro de uma sociedade dominante e englobante. É “um conceito complicado pela sua ambiguidade política e à manipulação retórica a que se presta.” (Vale de Almeida, 2004:89) Apesar da tentativa do multiculturalismo de gerir a realidade multicultural, ele peca pela sua incapacidade de dissociação da ideia de estado-nação desajustes às exigências de uma sociedade multicultural.

Ao estado-nação compete garantir que cada cidadão individual duma nação em específico seja tratado de igual forma perante a lei. A cidadania como um contrato entre o EstadoNação e os indivíduos membros depende do triângulo: Indivíduo, Estado e Nação. Se a cidadania é um privilégio dos membros de uma nação quem a pode garantir num mundo aberto? Sendo consensual a existência de novas realidades sociais com um denominador comum que decorrem do fenómeno da globalização e que os laços identitários se afastam do âmbito nacional, estas realidades transnacionais terão consequências importantes na ordem social contemporânea. A cidadania moderna vincula-se intimamente à ideia de direitos individuais e de pertença a uma comunidade particular, colocando-se, portanto, no centro de debate contemporâneo. Assim, no contexto actual, assiste-se a uma dessacralização da relação entre cidadania e nacionalidade. A noção de cidadania moderna deixa de fazer sentido e torna-se indispensável abrir novas possibilidades e lealdades no contexto de globalização. Uma das alternativas seria a cidadania cosmopolita, tal como sugere e sobre o qual reflecte Vale de Almeida. Segundo o autor é essencial ser crítico em relação às verdades feitas, como “a noção de cultura e essência herdada do estado-nação e do colonialismo e “a ideia de unicidade cultural ou da cultura como descritor autónomo” e, simultaneamente, prosseguir as velhas lutas. (2004:90) Para a concretização do projecto de cidadania cosmopolita ajustado à multiculturalidade, todos os indivíduos que participam na sociedade de um determinado território devem possuir iguais direitos e deveres independentemente da sua nacionalidade, identidade cultural e étnica.

Bibliografia: ANDERSON, Benedict (1983) “Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread

of

Nationalism”,

London,

Verso.

Disponível

em:

http://books.google.pt/books?id=4mmoZFtCpuoC&printsec=frontcover&source=gbs_v 2_summary_r&cad=0#v=onepage&q=&f=false [Acedido em Janeiro de 2010] APPADURAI, Arjun (2004) [1996] “ A vida depois do primordialismo”, in Dimensões da Globalização, Lisboa, Teorema: 185-209 CASTORIADIS, Cornelious (1998) [1981] “Lo imaginário: la creación en el domínio histórico-social”, in Los domínios del hombre. Las encrucijadas del laberinto, Barcelona, Gedisa: 64-77 SMITH, Anthony (1999) [1995], “A crise do Estado Nacional, in Nações e Nacionalismo numa era Global, Lisboa, Celta: 73-97

VALE ALMEIDA, Miguel (2004), “Outros destinos. Ensaios de Antropologia e Cidadania” Porto, Campo de Letras: 45-60/81-90

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