Estado, nação, território e identidade

May 20, 2017 | Autor: Luis Ramalho | Categoria: Etnicidade, Nacionalismo
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Luís Pedro Ramalho, nº 53869, AC 1 | Nacionalismos e Etnicidades

Estado, nação, território e identidade Antes de mais julgo que é pertinente esclarecer a origem e objectivo deste trabalho. A minha ideia inicial era a de escrever um trabalho que reflectisse sobre a relação entre identidade e território (espaço), na linha de outros que tenho tentado fazer (e feito), como a relação entre identidade e violência, ou identidade e espaço urbano, este último sob um prisma de identidade num sentido mais “Goofmaniano”, do indivíduo ou do “self”. Na minha pesquisa bibliográfica sobre o tema, depressa me apercebi que havia muito pouco material que relacionasse a problemática da criação da identidade colectiva (plural), com o território (ou espaço) especificamente, tudo converge ou para a questão dos nacionalismos, estados (Gellner, Hobsbawm, Eriksen, etc) ou para o indivíduo (Simmel, Ulf Hannerz, Goofman, etc). Em segundo lugar, percebi que se calhar poderia ser que a formulação prévia do que estava a tentar fazer estivesse errada, e que sobretudo seria prioritário arrumar as ideias de identidade colectiva antes de a relacionar como território, ou espaço se o preferirem. Talvez as duas vertentes não se separem e uma seja intrínseca a outra. E esse tornou-se então o objectivo do trabalho que vos apresento, um arrumar de ideias face ao que os autores “clássicos” da matéria têm dito, ou escrito. Outra ressalva que devo fazer é que, o que vêm escrito, vêm na sequência de um trabalho sobre epistemologia e filosofia hermenêutica, e não pude deixar de reparar o quanto se pode relacionar a questão do ser e estar “Heideggeriano” com a identidade e espaço, no entanto essa é uma relação profunda que não cabe aqui explorar, mas mais não fosse, existe ainda a relação entre o contexto em que Heidegger viveu e os nacionalismos. Julgo que ainda há muito para fazer na questão dos nacionalismos, sobretudo com a crescente e rápida globalização que ultrapassou claramente os contextos e premissas que originaram os trabalhos mais clássicos. Os nacionalismos da globalização não são os mesmos que os nacionalismos pré-globalização, ou industriais, ou mesmo pós-coloniais. É sempre difícil traçar fronteiras no tempo, sobretudo quando os processos são contínuos, é como traçar fronteiras na cultura diria Barth. Era também suposto que este trabalho partisse de um mote contemporâneo, uma noticia, um acontecimento. A verdade é que é muito difícil escolher. O nosso tempo, por ser justamente um tempo de mudança, não só de concepções, mas também de praticas ou de umas por causa das outras (tempos houve em que as concepções estavam pelo menos ligeiramente desfasadas das praticas), é por isso um tempo prolífico em exemplos. Para destacar alguns: A reedição do Mein Kampf, proibido durante 70 anos; A tentativa de compra de terreno por parte do estado de Tuvalu no sentido de abrigar a sua existência, uma vez que a submersão do país é cada vez mais inevitável, e o quanto tem sido difícil encontrar um país que queira “albergar” outro no seu território, num processo só comparável ao tempo anterior à criação do estado de Israel, em que os sionistas ponderaram a hipótese de comprar o planalto central angolano (Huambo). O que teria sido diferente na historia se de facto isso tivesse sido concretizado? Mas poderíamos ainda usar como mote os óbvios casos do “estado islâmico”, o referendo escocês, ou o projecto independentista catalão, ou mesmo o caso ucraniano. Como último exemplo as várias eleições nos países europeus que tanto estão a resultar em aumentos de expressão para os partidos de direita conservadores, como de esquerda,

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em resposta a uma União Europeia em crise e relutante em receber os refugiados das guerras que resultaram das chamadas primaveras árabes. Este é assim um trabalho que revisita os clássicos à luz de um mundo transformado e que tenta relacionar escalas micro ou individuais, escalas medias ou familiares de grupo e comunidade, e escalas macro de região, país, nação e estado. Identidade, do indivíduo à nação O meu interesse por questões de identidade é quase um interesse epistemológico. Passo a explicar: Reside nesse “estranho” processo de equilíbrio, as vezes ténue, entre o ser diferente e no entanto ser pertença e resultado de um conjunto, isto é, simultaneamente ser igual e diferente. Poderíamos dizer que é uma questão de escala, que a “igualdade” é uma visão de conjunto, formado apenas tomando em conta as semelhanças, e que a diferença é intra conjunto. Mas há pessoas que não se inserem facilmente em “conjuntos” ou colectivos, ou seja, as “suas diferenças” são maiores que as “suas semelhanças” a algum grupo. E pelo contrario, há também “conjuntos” quase sem diferenças entre os seus membros. A importância desta observação prende-se com a capacidade de maleabilidade, ou adaptabilidade do conjunto. Se este exercer demasiada coerção sobre os seus membros para que de facto estes sejam todos iguais, anulem as suas idiossincrasias individuais ou familiares, o conjunto tenderá a tornar-se estático e incapaz de fazer alterações internas que lhe permitam adaptar-se a situações exteriores novas. Por outro lado estagnará o seu crescimento, uma vez que ao agregar e “igualizar” todos os seus membros atingirá inevitavelmente um número “óptimo”, a partir do qual não será capaz de acomodar e transformar novos membros, a sua “tolerância” irá reduzir proporcionalmente ao número de membros “assimilados”. Quero com isto dizer, que se por um lado a identidade é feita em todas as suas escalas por pertença e “assemelhação” dos indivíduos, é no entanto pela diferença entre estes que pode haver uma complementaridade ou “simbiose”. Por outro lado a “agregação” corre muitas vezes o risco de ao tornar semelhantes os seus membros e destruir as diferenças dos indivíduos estes percam as características próprias que eram precisamente o que poderiam trazer e contribuir para que o conjunto fosse “vivo” e dinâmico. Quase que se poderia fazer uma “lei”: Na construção de “colectivos” identitários estes não devem exercer mais coerção sobre os seus membros do que a necessária para manter a coesão. Esta não poderá destruir as diferenças entre os membros, de modo a que esta tolerância não anule a capacidade de assimilar mais membros e de se adaptar a alterações necessárias à sua sobrevivência. Por outro lado as diferenças não deverão ser suficientes para por em causa um sentimento de pertença que se sobrepõe ao individualismo. Talvez a melhor forma de ilustrar estas contradições sejam os slogans: “Todos diferentes, todos iguais” e o “Seja diferente, beba Coca-Cola”. Enquanto no primeiro caso se trata obviamente de direitos e justiça, que são exactamente o perímetro de uma inclusão e união de diferenças. Já o segundo é claramente uma contradição nos termos uma vez que ao apelar ao consumo massivo de um produto como sinal de diferenças apenas irá criar mais igualdade. Esse é um dos maiores problemas inerentes a construção dos estados modernos e até parte da origem das “invenções” dos seus instrumentos de agregação. Este equilíbrio, mesmo quando conseguido é dificilmente mantido de forma a incluir uma maioria de membros dentro dessa “caixa” que é a nação. Antes de continuar convêm ainda chamar a atenção que toda esta temática de estudos que é constituída pelo nacionalismo, nação, estado, etnia e identidade, raramente pondera nas suas analises algo que consi-

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dero pertinente e indissociável: o processo identitário individual e de pequena escala. Embora admita que a construção da identidade é feita simultaneamente no sentido de pertença contextual, horizontalmente, existe uma ordem vertical de escalas de pertença que se vão adquirindo ao longo da vida, é alias este o sentido do papel das escolas e do ensino na “criação” do nacionalismo. Não é no entanto desprezível a consideração que escalas familiares e de comunidade podem conflituar com as escalas maiores de região ou de país, e que a relação entre elas não é exactamente de continuidade ou encaixe, como mostram as “escolas” de antropologia mais recentes, como o interaccionismo. Assim “por baixo” das categorizações que fazemos existe uma realidade de participantes nessa construção identitária comum e esses hierarquizam e negoceiam pertenças. “Se pensarmos a identidade como processo multidimensional, mas tomarmos como ponto de partida a consciência de ser, podemos facilmente perceber que esse processo começa muito precocemente e é uma questão existencial. Começa ao nível corporal com um posicionamento face aos objectos que o rodeiam, uma relação com o espaço e com o corpo. Vai num crescendo concêntrico que evolui com o desenvolvimento (idade) do ser isolado para a família, amigos e sociedade. A densidade gregária traz uma constante solicitação das relações e interacções, vão surgindo normas, papéis e categorias que se fazem e desfazem e tudo isto complexifica a identidade. George Simmel (1903) descreve o citadino como sendo indiferente, blasé. Por comparação ao “homem da pequena cidade” este “utiliza o órgão psíquico menos sensível, que está o mais distante possível das profundezas da personalidade”, aprende a refrear e ignorar a emoção, estabelece relações com base na consciência e racionalização em vez de sentimento e sensibilidade. Esta sociabilização da indiferença dá-lhe uma liberdade pessoal que advém do anonimato, ao mesmo tempo que se torna individualista, procurando afirmar-se e ser reconhecido pela diferença. Cada vez mais estimulado a ver e consumir, mas cada vez com menos preponderância participativa, vai perdendo o conteúdo individual (personalidade) até que fica apenas a forma (representação). A essa fonte fisiológica do caráter blasé da cidade grande somam-se as outras, que desaguam na economia monetária. A essência do caráter blasé é o embotamento frente à distinção das coisas; não no sentido de que elas não sejam percebidas, como no caso dos parvos, mas sim de tal modo que o significado e o valor da distinção das coisas e com isso das próprias coisas são sentidos como nulos. (Georg Simmel, 1903) No entanto, esta especialização e generalização tende a simplificar demasiado o que a urbanização fez ao homem, e como viriam mais tarde a demonstrar os interaccionistas simbólicos, a identidade é bem mais rica. A visão de Simmel é uma visão que perde pela comparação e generalização resultante de uma grande escala que é a sociológica, para além de ser fruto de um tempo de desilusão com a modernidade. ‘…desconhece a existência de grupos, redes, sistemas de troca, pontos de encontro, instituições, arranjos, trajectos e muitas outras mediações por meio das quais aquela entidade abstracta do indivíduo participa efectivamente, em seu quotidiano, da cidade.’ (José Guilherme Cantor Magnani, 2002)” (Luis Pedro Ramalho, 2014)

O Estado e a Nação

A história e teoria do evidenciam normalmente uma construção que criam no senso comum a ideia de etnia ou nação como uma identidade essencialista, sem dar a noção de cumulação de processos e situações identitárias muitas vezes até ambíguas ou contraditórias, que passam por alianças, assimilações, subjugações.

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Por vezes certas dimensões identitárias podem ser partilhadas, a religião por exemplo, enquanto outras não, a economia ou até linguagem. Desta forma julgo que não é aconselhável determinar estes processos de construção de nação, estado, etnia como fruto apenas do momento em que se começa a usar os termos que os caracterizam. Ao contrario do que diz Gellner “...as nações só podem ser definidas em termos da idade dos nacionalismos e não ao contrario” (Ernest Gellner, What is a nation, P55, Tradução minha). A minha é uma posição mais concordante com a de John Armstrong “Uma perspectiva temporal extensa é especialmente importante para perceber o nacionalismo moderno como parte de um ciclo de consciência étnica”. Elisabeth Tonkin explica (P19) que o termo ethnos já é usado pelos Gregos para designar um “corpo” de muitos (aplicado normalmente aos insectos ou guerreiros que se movimentam de forma indiferenciada). Nação (latim, natio, natus – nascido) também é usada no sentido actual muito antes dos nacionalismos do Séc. XX. O termo é usado tanto na declaração de independência dos Estados Unidos (1776), como na declaração dos direitos do homem, na revolução francesa. Outro aspecto fundamental para o entendimento de nação é que embora ele possa ser entendido como uma formulação moderna de agregação de varias etnias, ou seja uma escala de identidade acima da etnia, fruto da inclusão moderna dos vários grupos, sob alçada de um estado e nacionalidade multiétnico, também pode ser entendida como equivalente a etnia, basta considerar um país cujo estado seja detido por apenas uma etnia, e em que os direitos de cidadania sejam exclusivos a essa etnia. Mas sobretudo é preciso relembrar que etnias e estados já existiam antes dos nacionalismos modernos (sec XX) como podemos ler nos textos de Anthony D. Smith (The origins of Nations) e de Walker Connor (When is a Nation). Eric Hobsbaw, demonstra precisamente que as “invenções das tradições”, nascem como resposta a um processo de perda de autoridade religiosa, que fundamentava no só poder das aristocracias (oligarcas) como servia de “agregador” identitário. “It is the contrast between the constant change and innovation of the modern world and the attempt to structure at least some parts of social life within it as unchanging and invariant…” (Eric Hobsbawn, 1983). A industrialização, a crescente urbanização e o laicismo trazem o medo da dissolução da identidade comum, ou pelo menos a alienação desta. Como resultado identidade fica reduzida a um individualismo blazé, como foi caracterizado por Simmel, a igrja perde o seu poder agregador e de organizador social e as elites governantes precisam de justificar a sua existência e para tal necessitam de manter um certo grau de identidade colectiva, para que o processo político e governativo do estado transversal não redunde apenas numa gestão burocracia. Torna-se necessário que aquilo que era imposto pela força seja agora aceite sem a ajuda de deus. Inventam-se as tradições como forma de atribuição de uma autoridade ou “genuinidade” através do passado. A duração e constância são usados como atestados de autenticidade. Como manter uma identidade numa sociedade em mudança? Recriando o passado de modo a que este justifique e esteja sempre em concordância com o presente. Assim temos uma “coerência histórica” em vez de ruptura. Hobsbawn mostra como “em sociedades onde o passado torna-se cada vez menos relevante como modelo ou precedente para a maioria dos comportamentos humanos ”, a necessidade e presença de símbolos aumenta. São alias as camadas burguesas e urbanas que aderem melhor as tradições “inventadas” uma vez que estas se sentem desenraizadas das origens.

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Se por um lado, Anthony Smith coloca o estado como criador da nação: “Some would say that the state actually created the nation, that royal administration, taxation and mobilization endowed the subjects within its jurisdiction with a sense of corporate loyalty and identity… the state was certainly a necessary condition for the formation of the national loyalties we recognize today”. Por outro lado Gellner diz-nos: “In fact, nations, like states, are a contingency, and not a universal necessity. Neither nations nor states exist at all times and in all circumstances. Moreover, nations and states are not the same contingency.” Creio que de facto o que se passou pode ser percebido por um leitura cruzada de ambos os autores e dos outros atrás referidos. O que se altera ao longo da historia é o papel do estado e a definição de nação. Quero com isto dizer que o estado como conjunto de instituições que serviam as elites, ou uma etnia dominante, passou a instrumento para a criação da nacionalidade através de uma transversalidade étnica, de nações, ou grupos regionais, substituindo-se a elas, e por isso usurpando a designação de identificação para um conjunto ou escala maior. As nações passam assim a ser conjuntas na nação através desse eixo de união que é o estado e que lhes possibilita um “participação igualitária”, acesso a justiça e providência educação (homogenizadora) e progressivamente saúde, esvaziando assim anseios de independência que advinham da condição subalterna em que se encontravam muitos destes grupos em relação ao próprio estado. Assim os nacionalismos são de facto projectos políticos que visam agregar, ou criar uma consciência de identidade comum, mesmo que falsa, mas no sentido de manter ou expandir o poder das elites, ou etnias governantes. Mais tarde serviu também para criar uma consciência de condição de colonizado para agregar em seu redor as etnias dos países colonizados com vista a independência.

Território

Um dos pontos a esclarecer é que não é verdade o senso comum que parte do que parece obvio porque consta numa grande generalidade de casos e que são os visíveis, de que a cada nação corresponde um território. Vários dos autores (John Armstrong, Fredrik Barth, ou Anthony D. Smith) concordam que o território não é critério fundamental para o conceito de nação, e mesmo as instituições podem ser reconhecidas em “papeis” ou funções desempenhadas por determinado grupo dentro das etnias, como educadores, juízes, etc. “Apesar de Barth apontar que as suas ‘margensʼ podem ter uma correspondência territorial, ele enfatiza que os grupos étnicos não são só ou necessariamente baseados na ocupação territorial” (John Armstrong, p141. Tradução minha). Para se perceber o papel do território na identidade seria necessário estudar os povos a que corresponde em lato senso a definição de nação (uma vez que nem esta é consensual), mas que não possuem território, ciganos, Indios (vários grupos), Berberes, Tuaregues, Palestinianos, povos aborigenes australianos, Judeus pré Israel, etc. De facto se considerarmos as observações de Barth apercebemo-nos facilmente de uma “superfície” continua de sociedades, (societas e communitas) e culturas em que estas se interligam, interpenetram e se misturam, e desta forma também é perceptível que os mecanismos de construção de identidade étnica são feitos mais pelas “fronteiras” ou concepções de alteridade do que por territórios demarcados, instituições ou por simples símbolos. Estes territórios, instituições e símbolos vêm na sequência, e não na origem. Percebemos que a etnicidade funciona por “confronto” e exclusão tanto ou mais do que por inclusão e que essas “margens” não são por isso estáticas, elas oscilam conforme as relações entre “diferentes” identidades.

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No entanto na história da humanidade , os homens sempre estiveram em contacto, logo a construção de grupos por “oposição” sempre existiu, só assim fará sentido todo um vasto espectro de estudos e literatura sobre tribos, clãs, totemismo, mitologia, etc. Inerentemente a “oposição” constrói a exclusão mas também a inclusão, isto é, regras, rituais e “sinais” ou símbolos de pertença. A Nação, Estado ou Nacionalismo são alias resultado de uma confusão etnocentrica, que mais uma vez atribui critérios europeus e ocidentais aos processos de construção identitária, generalizando-os e analisando todos os povos sob a mesma “bitola”. Como resultado atribuem critérios de inclusão ou exclusão e consequentemente direitos ou a negação deles a grupos e indivíduos ou reconhecimento de legitimidade de independência e autonomia de certas “nações” ou etnias. Ironicamente perpetuando essa visão de construção de estado que se baseia não na inclusão da diferença mas no poder de um grupo e da sua intelectualidade e racionalidade sobre o que é a identidade e legitimação para a sua afirmação independente e autónoma. “Uma etnia de classe alta…, foi capaz de desenvolver um aparato administrativo relativamente forte e estável, que podia ser usado para providenciar uma regulação cultural e assim definir uma nova e abrangente identidade cultural” (Anthony D. Smith, p 148, Tradução minha). Pelos vistos não é ainda hoje tão abrangente que possa incluir uma visão de nação a que não corresponda o cânon europeu. Outra ilustração da difícil convivência entre o que as “elites” incluem ou excluem da nação é dada por Walker Connor (p158) com a historia do voto no Reino Unido. Os conceitos de Estado com território, de nação e nacionalidade são conceitos europeus e ocidentais que deveriam abrangir formas de constituição histórico-identitárias que não são semelhantes aos moldes europeus e ocidentais que são a base de concessão para a legitimação das aspirações a independência. Podemos então concluir que à nação ou etnia não corresponde necessariamente um território próprio, embora seja obvio que cada nação ou etnia habite um território que muitas vezes determina hábitos e maneiras de fazer e com o qual se relaciona historicamente. No entanto muitas vezes este território não é de posse ou administração sua. Podemos também concluir que nação pode ser entendida de forma independente de nacionalismo, mais próximo do conceito de etnicidade, não necessariamente com um estado constituído como moderno e territorializado a semelhança da Europa, mas sim como uma consciência de partilha e pertença a uma identidade histórica única, que se manifesta de várias formas.

Conclusão

Como disse ao inicio o propósito deste texto era arrumar e esclarecer para mim próprio algumas confusões criadas em torno de definições, designações ou conceitos, como etnia, estado, nação, nacionalismo. Nesse sentido julgo que saio dele e das leituras que fiz, um pouco mais “arrumado”. Não deixa de ser curioso ver que estes conceitos continuam em transformação conforme o mundo se altera politicamente. Parece haver um processo em que os caminhos de fracturação interna ou de divisão para escalas territoriais menores, caso da Escócia, Catalunha, Pais Basco, Balcãs, etc., são acompanhados de um processo de “englobamento” em escalas maiores, União Europeia. Isto é, conforme etnias ou identidades regionais reivindicam uma autonomia maior, ou mesmo independência de uma união ou estado que já não satisfaz ou que atenta contra os seus interesses e direitos, considerados essenciais e comuns, estão outros, ou os mesmos, dispostos a abdicarem de autonomia decisória (económica, social, judicial, política) para entrar numa aliança ou grupo identitário maior.

Luís Pedro Ramalho, nº 53869, AC 1 | Nacionalismos e Etnicidades

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