Estado prestador versus Estado regulador - um diagnóstico do direito social à saúde no Brasil

May 30, 2017 | Autor: Aline Vitalis | Categoria: Human Rights, Brazil, Regulation, The Right to Health
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Estado prestador versus Estado regulador Um diagnóstico do direito social à saúde no Brasil ALINE VITALIS

Resumo: É universal o desafio de promover o direito à proteção à saúde, e ela tem sido um dos principais problemas da socialidade. O objetivo do presente estudo é demonstrar e retratar as novas funções do Estado regulador também na promoção do direito fundamental à saúde, utilizando-se como referência o contexto brasileiro. É analisada, com base em exemplos concretos, a atuação reguladora, garantidora e incentivadora do Estado na promoção da saúde. Palavras-chave: Direito à saúde. Modelo de Estado. Regulação. Realidade brasileira.

1. Introdução

Recebido em 18/7/15 Aprovado em 3/8/15

Analisar o direito à saúde é por si só um desafio. O envolvimento direto e a repercussão na esfera do direito à vida tornam a matéria revestida de uma complexidade intrínseca, especialmente quando é abordada a questão da sustentabilidade, cuja análise é imprescindível no momento presente. A dualidade da preservação da saúde como um direito básico do indivíduo e os custos inerentes à sua efetivação – principalmente quando se consideram a escassez e a limitação dos recursos e as inúmeras políticas públicas a serem atendidas e realizadas pelo Estado – tornam a discussão sobre o direito à saúde, sua configuração e limites algo inevitável em qualquer comunidade política organizada. Nesse contexto, e diante dos novos desafios que emergem para a concretização dos direitos sociais, mais especificamente, do direito à saúde, vislumbra-se a remodelação do Estado Social, que de Estado tradicionalmente “prestador” passa a deter funções regulatórias, garantidoras,

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incentivadoras e até de “ativação” dos próprios agentes sociais, para que eles participem com maior intensidade da resolução de questões e problemas da própria sociedade, deixando ao Estado uma função de natureza subsidiária. Alguns exemplos dessa “nova” atuação do Estado serão abordados no presente trabalho, utilizando-se como referência o modelo de prestação do direito à saúde no Brasil, explicitando-se o contexto regulatório em que está inserido.

2. O direito social à saúde no contexto histórico e econômico atual O direito à saúde1 caracteriza-se como direito de “segunda geração”2 por excelência, 1 Deve-se destacar, de início, que o próprio conceito de “saúde” enseja questionamentos. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde é o “estado de mais completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de enfermidades”. Em razão da generalidade da definição, não são poucas as críticas ao seu conteúdo, que se revela muito amplo e de difícil materialização. Para João Carlos Loureiro, “no domínio do direito internacional, assistimos à emergência de um paradigma pós-westfaliano, configurando-se a saúde como um verdadeiro bem público global.” Contudo, apesar de fazer referência ao fenômeno da internormatividade e ao constitucionalismo multinível, o próprio autor reconhece que os Estados continuam a desempenhar um papel essencial na proteção e promoção da saúde, citando como exemplos o Serviço Nacional de Saúde em Portugal e o Sistema Único de Saúde no Brasil, financiados por impostos (LOUREIRO, 2008, p. 36-37). O autor também menciona a existência de questionamentos quanto à denominação “direito à saúde”, como direito a ser saudável, dado o caráter imprevisível de contingências e enfermidades. Em verdade, ter-se-ia um direito à proteção da saúde, materializado no aspecto de o Estado impedir condutas de terceiros que prejudiquem a saúde do indivíduo, bem como em prestações positivas referentes a cuidados com a saúde propriamente ditos (LOUREIRO, 2008, p. 55-56). 2 Há autores que substituem o vocábulo “geração” por “dimensão”; todavia, as expressões são aqui utilizadas como sinônimas. Os direitos de primeira dimensão são os direitos civis e políticos do homem em sua individualidade, vinculados à ideia de segurança, liberdade, igualdade e propriedade. Os direitos de segunda geração, por sua vez, abrangem os direitos sociais, econômicos e culturais, implicando a prestação ou garantia de concessão a todos os indivíduos por parte do poder público; entre esses direi-

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comumente associado à necessidade de prestação ou de garantia do Estado para a sua realização. Conforme ressalta José Carlos Vieira de Andrade (2012, p. 58), os direitos sociais diferem das liberdades e dos direitos de participação democrática, denominados direitos de “primeira geração”, porque implicam a “exigência de comportamentos estaduais positivos”, configurando “direitos através do Estado”3 e não propriamente “direitos contra o Estado”. O direito à saúde corresponde, pois, a um direito fundamental social, que, por depender de uma prestação estatal e por implicar custos, geralmente bastante elevados, é diretamente afetado em períodos de crise econômico-financeira4. tos, citam-se alguns direitos dos trabalhadores, os direitos à habitação, à saúde, à segurança social, ao ensino, à cultura etc. A terceira geração abrange os direitos metaindividuais, coletivos e difusos, que transcendem a esfera individual; como exemplo, citam-se o direito do consumidor e a proteção ao meio ambiente. Na atualidade, há autores que propugnam, ainda, a existência de direitos de quarta e quinta dimensão, consubstanciados, respectivamente, nos “novos direitos” referentes à biotecnologia, à bioética e à regulação da engenharia genética, bem como nos direitos advindos da sociedade e das tecnologias da informação (internet) (WOLKMER, 2012). 3 Para José Carlos Vieira de Andrade, os direitos sociais são realizados por meio da organização de um sistema estadual, que, “especialmente através de leis e de atos da Administração, deve definir e executar, conforme as circunstâncias, políticas (de trabalho, habitação, saúde e assistência, ambiente, ensino etc.) que facultem e garantam o gozo efetivo dos bens constitucionalmente protegidos”. O mesmo autor destaca que, a partir da configuração dos direitos sociais, o homem, de sujeito individual de direitos (na perspectiva dos direitos de primeira geração), passa a estar “socialmente situado e inserido”, ensejando uma “posição social da pessoa”. (VIEIRA DE ANDRADE, 2012, p. 59-61). As normas jurídicas que preveem direitos sociais concedem aos indivíduos “posições jurídicas subjetivas” ou pretensões perante o Estado, conforme Vieira de Andrade (VIEIRA DE ANDRADE, 2012, p. 363). 4 Para a melhor compreensão da crise econômico-financeira desencadeada em 2008 e que permanece gerando efeitos no capitalismo global, merece leitura Nunes (2011, p. 1-48). Quanto à vinculação direta entre o Estado Social e a crise econômico-financeira, reconhece Suzana Tavares da Silva que o “Estado Social não é apenas um produto financeiro do Estado fiscal, ele está também intimamente associado à forma de intervenção do poder público na economia” (TAVARES, 2014, p. 188). Também merece referência José Carlos Vieira de Andrade, para

Ao tratar o desenvolvimento como liberdade – mais especificamente, ao se referir aos meios de expandir as “liberdades” usufruídas pelos membros da sociedade –, Amartya Sen (2010b, p. 16) destaca que a expansão das liberdades depende essencialmente de elementos determinantes distintos do simples crescimento do PIB econômico ou das rendas individuais, destacando a relevância de direitos sociais como a educação e saúde, que propiciam o desenvolvimento social. Para o autor, é inegável o fato de que “as oportunidades sociais (na forma de serviços de educação e saúde) facilitam a participação econômica” (SEN, 2010b, p. 26). A esse respeito, não se pode olvidar que, entre as funções essenciais dos denominados Estados Sociais, está a tentativa de igualar minimamente os “pontos de partida”, objetivando alcançar uma igualdade de oportunidades entre os integrantes da sociedade, que propiciem efetivamente o livre desenvolvimento do indivíduo5. E, nesse aspecto, a promoção dos direitos à saúde e à educação é primordial e tem um papel estratégico na conformação do desenvolvimento social da população, com repercussões também no desenvolvimento econômico como um todo. É inegável a importância da previsão constitucional dos direitos econômicos e sociais, também denominados de “direitos do bem-estar” (SEN, 2010a, p. 503), ainda que não faltem críticas quanto à viabilidade da realização de tais direitos, especialmente em períodos de crises econômicas. Por um lado, consoante ressalta Amartya Sen (2010a, p. 503), “o significado ético destes direitos oferece um bom fundamento para se vir apostar nas realizações por eles provocadas, nomeadamente, na medida em que criam pressão, ou contribuem, para o surgimento de alterações, não só nas atitudes sociais, mas também nas próprias instituições.” Ainda, é válido destacar que a previsão de direitos fundamentais passa a condicionar e estabelecer diretrizes para o legislador ordinário e para o próprio administrador público na elaboração, respectivamente, de legislação que estabeleça conteúdos mínimos dos direitos sociais, bem como de políticas públicas que visem à realização efetiva dos mencionados direitos6. quem o conteúdo concreto dos direitos sociais “depende dos recursos sociais existentes e é determinado por opções políticas, por vezes conjunturais, na sua afetação” (VIEIRA DE ANDRADE, 2012, p. 61). 5 A esse respeito, como bem destaca Amartya Sen: “A ligação entre liberdade individual e realização de desenvolvimento social vai muito além da relação constitutiva – por mais importante que ela seja. O que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras como boa saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas” (SEN, 2010b, p. 18). 6 Para José Carlos Vieira de Andrade, “as políticas de habitação, saúde, segurança social, educação, cultura etc., dadas as suas complexidade e contingência, não podem estar determinadas nos textos constitucionais e a sua realização implica opções autônomas e específicas de órgãos que disponham simultaneamente de capacidade técnica e de legitimidade democrática para se responsabilizarem por essas opções” (VIEIRA DE ANDRADE, 2012, p. 181). Visivelmente, afasta o autor a legitimidade do Poder Judiciário para preencher ou

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O grande desafio, pois, é buscar os meios e instrumentos para a implementação efetiva desses direitos7, ainda que tal desiderato implique a reformulação dos modelos tradicionais de prestação de serviços de cunho social, de modo a aumentar a participação da própria sociedade, mediante o reforço do vínculo de solidariedade social8, bem como uma remodelação da atuação estatal. estabelecer o conteúdo dos mencionados direitos, o que vai de encontro ao ativismo judicial reinante no Brasil neste domínio. Sobre o ativismo judicial no Brasil na área da saúde, recomenda-se a leitura de Coutinho (2007, p. 179-186). 7 A propósito, é importante considerar que a natureza jurídica dos direitos sociais varia conforme cada ordenamento jurídico, podendo ser: princípios políticos, normas programáticas, finalidades do Estado, princípios jurídicos, normas de organização, garantias institucionais ou direitos subjetivos públicos (VIEIRA DE ANDRADE, 2012, p. 358-359). 8 Ressalte-se que o exercício da cidadania também pressupõe solidariedade social, um sentimento de pertencer a um grupo, a uma coletividade, e de se importar com o outro, uma vez que o outro também integra o grupo social, fazendo parte do todo coletivo. Antonio Madrid apregoa que o princípio da solidariedade apresenta-se na contemporaneidade como um princípio que permite a configuração de uma sociedade mais justa, a partir de uma atuação conjunta entre Estado e sociedade (MADRID, 1998). Ressalta-se que a crise e a necessidade de reformulação do Estado emergem como uma oportunidade de resgate da própria solidariedade e cidadania (ativa e participativa), aqui entendida como a integração ao coletivo, fazendo surgir um novo modelo de Estado, agora com maior participação da própria sociedade civil. Paradoxalmente, em meio à crise, desponta um modelo de coesão social mais voltado à cidadania e à solidariedade ativa dos próprios cidadãos. Volta-se a refletir sob a ótica da existência também de deveres e não apenas de direitos, advindos da integração em uma coletividade. Passa-se a questionar a extensão, o conteúdo e os limites dos deveres e da responsabilidade do cidadão perante o Estado, especialmente no que se refere à corresponsabilidade em relação às necessidades sociais dos demais membros da sociedade. Durante muito tempo, e ainda há fortes resquícios na sociedade atual, utilizou-se o argumento de que ao Estado cabia suprir todas as necessidades de cunho assistencial e social dos cidadãos (concepção paternalista), entendendo-se o Estado como um ente abstrato, à parte da coletividade e da própria sociedade. Para Gabriel Real Ferrer: “En definitiva, la solidaridad está siempre presente en las relaciones de la Administración, en cuanto conjunto orgánico al servicio del grupo político, con los ciudadanos, bien porque aquélla exige determinadas conductas al particular en aras, precisamente, a la materialización de la solidaridad colectiva, bien porque éste recibirá determinadas prestaciones fruto de la acción solidaria del grupo. Dicho de otro modo, sea en la dimensión pasiva de per-

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Não há debate sobre a crise do Estado do Bem-Estar Social e sobre as possíveis novas configurações do Estado Social que não abarque, com destaque, as questões relativas à realização do direito social à saúde. O direito à saúde, tradicionalmente concebido (no modelo europeu) sob o enfoque da universalidade e igualdade de acesso9, é tratado por muitos como uma das grandes conquistas do Estado Social. Todavia, justamente com o intuito de se identificarem meios de manutenção da universalidade desse direito – com níveis mínimos de qualidade, sem olvidar princípios como a sustentabilidade financeira dos Estados10 e a justiça intergeracional –, surgem discussões e, ceptor, sea en la activa de prestador – o contribuyente, es decir, el que contribuye, no necesariamente en términos económicos, al funcionamiento colectivo –, lo que late tras toda relación del ciudadano con la Administración es la manifestación de los vínculos solidarios que le unen al grupo político que es el Estado” (FERRER, 2003, p.145). 9 Deve-se ressaltar que a realização do direito à saúde não é universal ou equânime em todos os países. Logicamente, os modelos possíveis e adequados variam conforme a capacidade financeira e organizativa de cada Estado. Assim, não há como se exigir, por exemplo, que um país como Uganda propicie as mesmas condições de acesso à saúde (tecnologia, medicamentos etc.) que a Inglaterra. Essa questão, especialmente a dos limites e distinções das prestações relativas ao direito à saúde conforme as condições financeiras dos Estados, foi tangencialmente abordada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso N. versus Reino Unido, julgado em 2008, em que uma cidadã de Uganda, estando ilegal no Reino Unido, pretendia continuar residindo em Londres para ter acesso a um tratamento de SIDA melhor do que o ofertado em seu país de origem, alegando, para tanto, a violação ao artigo 3o, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). A pretensão da requerente não foi acolhida e um dos fundamentos foi o de que o artigo 3o da CEDH não impõe aos Estados-parte a obrigação de aliviar as disparidades de prestações relativas ao direito à saúde, decorrentes de diferenças econômicas e sociais entre os países, mediante a “provisão de cuidados médicos livres e ilimitados a todos os estrangeiros que não tenham o direito de permanecer dentro de sua jurisdição, o que implicaria uma carga demasiado grande para os Estados-parte” (ZHOURI, 2011, p. 133). 10 No tocante à sustentabilidade financeira do Estado e ao custo dos direitos fundamentais, afirma José Casalta Nabais que: “os direitos, todos os direitos, porque não são dádiva divina nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade individual. Daí decorre

consequentemente, ideias para a reformulação e a construção de novos modelos de Estado Social11, com enfoque na regulação e na maior eficiência e efetividade na garantia de direitos. Saliente-se que o problema de gestão da saúde pública e a viabilização do direito à saúde é universal; todavia, não há um modelo único ou exclusivo a ser universalmente adotado, pois a realidade de cada Estado é diversa, inclusive em termos econômicos12. Indiscutivelmente, o nível de implementação do direito à saúde dependerá das condições existentes em cada Estado, inclusive dos recursos financeiros disponíveis e da respectiva afetação. Portanto, as medidas adequadas e aptas à promoção e realização do direito à saúde são variáveis, não se podendo olvidar a margem de apreciação de cada Estado para considerar e optar pelos mecanismos que entenda mais apropriados, conforme as circunstâncias e os condicionamentos específicos de sua própria realidade (VENTURA, 2005, p. 62). 2.1. A sustentabilidade do Estado e os desafios para a realização dos direitos sociais Como já se mencionou, os direitos fundamentais sociais, por dependerem de uma atuação estatal, não prescindem de certas condições de fato e de direito para a sua efetiva implementação. A esse respeito, afirma José Carlos Vieira de Andrade (2012, p. 179) que, para a satisfaque a melhor abordagem para os direitos seja vê-los como liberdades privadas com custos públicos” (NABAIS, 2007, p. 749). 11 A questão da reconfiguração da “socialidade” em um contexto global é destacada por Suzana Tavares da Silva, para quem “a arena global não é apenas a arena da internormatividade, é também a arena da economia de mercado e da globalização econômica, fenômenos que influenciaram de forma determinante uma nova arrumação da ‘questão social’” (SILVA, 2014, p. 179). Entre as possibilidades aventadas, tem-se a necessidade de uma maior participação da sociedade no que se refere à socialidade, mediante instrumentos complementares aos sistemas públicos, que passam a não ser exclusivos, podendo, em alguns casos, ser subsidiários. Para Antônio Carlos dos Santos, “a preservação e consolidação do Estado Social (sob a forma de Estado Neo-Social) é um objetivo político de natureza civilizacional e ético”, que implica a definição do modelo de Estado Social pretendido, bem como a melhoria da sua organização, funcionamento e financiamento (SANTOS, 2013, p. 51-52). Também José Carlos Vieira de Andrade propugna um modelo de “governança colaborativa” entre Estado e sociedade civil, de tal modo que coexistam prestações sociais públicas e privadas, objetivando a “melhor e mais eficiente realização dos direitos sociais, no contexto de um duplo equilíbrio: entre o Estado e a Sociedade, entre a justiça social e a eficiência do mercado” (VIEIRA DE ANDRADE, 2015, p. 36-37). 12 Nota-se que não há uniformidade na prestação de serviços de saúde. A propósito, conforme ressalta João Carlos Loureiro, “ao contrário do que se possa pensar, o direito internacional não garante, em termos genéricos, o acesso gratuito aos cuidados de saúde” (2008, p. 61). Há países que adotam modelos de sistema nacional de saúde, financiado essencialmente pelos impostos, como Portugal, bem como países em que o acesso aos cuidados de saúde depende de seguros de saúde. No último caso, enquadram-se os Estados Unidos. Em Portugal, exemplificativamente, a Constituição reconhece a todos o direito à proteção da saúde, cuja realização se funda em um Serviço Nacional de Saúde (SNS), de caráter universal, geral e tendencialmente gratuito (artigo 64o, n. 1 e 2, alínea a).

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ção das prestações “a que os cidadãos têm direito, é preciso que existam recursos materiais suficientes e é preciso ainda que o Estado possa juridicamente dispor desses recursos”. Nas palavras de Ana Paula Barcellos (2008, p. 133), “em um contexto de recursos públicos escassos, aumento de expectativa de vida, expansão de recursos terapêuticos e multiplicação das doenças, as discussões envolvendo o direito à saúde – ou, mais precisamente, o direito a prestações de saúde – formam, provavelmente, um dos temas mais complexos no debate acerca da eficácia jurídica dos direitos fundamentais”. Verdadeiramente, a escassez e a limitação de recursos à disposição do Estado para a satisfação das necessidades de cunho social, econômico e cultural são uma constatação objetiva ou um “dado da experiência nas sociedades livres” (VIEIRA DE ANDRADE, 2012, p. 179), assim como a necessidade de realização de escolhas mediante a implementação de políticas públicas. É sabido que os recursos são limitados; porém, são muitas as atribuições e os objetivos que o Estado busca e deve realizar. Nota-se, pois, que a sustentabilidade tornou-se um princípio presente na configuração do Estado Constitucional. Em seu sentido estrito, a sustentabilidade implica a preocupação com a manutenção de recursos em longo prazo, mediante a realização de ações de planejamento, estratégias econômicas e imposição de obrigações de conduta e resultados (CANOTILHO, 2012, p. 6)13. Para João Loureiro14, o princípio da sustentabilidade mostra-se constitucionalmente estruturante também no que se refere ao sistema de saúde, exigindo-se o cumprimento de requisitos de justiça no processo de distribuição e afetação dos recursos da saúde, bem como a consideração da justiça intergeracional, de modo a acarretar uma repartição temporalmente adequada dos recursos públicos. Nessa realidade, o modo de provisão de serviços públicos tem sido objeto de intensas discussões. Uma das questões levantadas diz respeito à possibilidade de cobrança pelos serviços públicos conforme o potencial de se pagar por eles; ou seja, aqueles relativamente mais abastados pagariam pelos benefícios recebidos ou dariam uma contribuição considerável para cobrir os custos, possibilitando ao Estado reduzir o ônus 13 Destaca-se, ainda, que o autor identifica três pilares essenciais da sustentabilidade, em seu sentido amplo: a) a sustentabilidade ecológica; (b) a sustentabilidade econômica e (c) a sustentabilidade social. Elementos como eficiência e maior participação da sociedade, associada a uma “auto-responsabilidade e auto-organização da própria sociedade”, passam a ser relevantes em um quadro político voltado à sustentabilidade (CANOTILHO, 2012, p. 6-8). 14 Referindo-se à racionalidade no gasto com a saúde e ao racionamento de recursos, visando à sustentabilidade do sistema, o autor cita a expressão utilizada no direito anglo-saxônico: some healthcare for all versus all healthcare for some, destacando, ainda, a falácia da expressão “a saúde não tem preço” (LOUREIRO, 2008, p. 71-72).

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fiscal e destinar os recursos públicos aos economicamente mais necessitados. Num contexto em que se constatou a necessidade de preservação da sustentabilidade do Estado, algumas questões devem ser abordadas no tocante à promoção de serviços tidos como essenciais, abrangendo, inclusive a assistência médica e os serviços públicos gratuitos de saúde e educação. A esse respeito, segundo Amartya Sen (2010b, p. 174), deve-se perquirir o grau em que os beneficiários necessitam dos mencionados serviços e quanto a pessoa poderia pagar pelo gozo dos serviços (e efetivamente pagaria se não houvesse provisão pública e gratuita). Reconhece o autor que tais questionamentos soariam absurdos para aqueles que consideram que os serviços públicos e gratuitos de saúde e educação correspondem a direitos inalienáveis dos cidadãos, cujo afastamento comprometeria a própria sociedade contemporânea. Todavia, refere-se à inviabilidade de tal concepção ser aceita em termos absolutos, uma vez que a escassez e a limitação dos recursos econômicos, bem como as “escolhas fundamentais” – que devem ser operacionalizadas em políticas públicas para sociedades cada vez mais complexas – tornam premente a discussão sobre custeio e novas formas de promoção do bem-estar social que não dependam exclusivamente do Estado. Corroborando tal perspectiva, defende Suzana Tavares da Silva (2014, p. 189-190) que a socialidade constitui uma tarefa constitucional fundamental; todavia, o contexto de realização não necessariamente implica a prestação de serviços públicos e gratuitos, podendo a atuação estatal, embasada numa opção política, corresponder à garantia de que os serviços serão efetiva e adequadamente prestados pelo mercado, devidamente regulado. A esse respeito, ao analisar o contexto atual, também

José Carlos Vieira de Andrade (2012, p. 66) apregoa que “o paradigma do Estado Social prestador é substituído pelo Estado Social regulador, garantidor e incentivador”, que passa a promover e incentivar a colaboração dos agentes sociais e econômicos na realização do interesse público. A partir da priorização de um modelo voltado à maior eficiência e eficácia, o grande desafio passa a ser o incremento da gestão dos recursos públicos, de modo a potencializar a obtenção de resultados. Nesse contexto, o surgimento de um mercado regulado, no qual os agentes privados produzam bens e serviços, inclusive de natureza social, sob a regulação estatal, em esferas outrora de atribuição exclusiva do Estado, torna-se uma das opções propugnadas (SILVA, 2014, p. 179)15. Segundo J. J. Gomes Canotilho (2002, p. 350), é possível afirmar que “o Estado Social assume hoje a forma moderna de Estado Regulador de serviços públicos essenciais.” Também no âmbito do direito à saúde, tal possibilidade se concretiza, ainda que de modo complementar ou suplementar ao serviço público propriamente dito16, o que será analisado no presente trabalho a partir do estudo da realidade brasileira.

15 Para João Carlos Loureiro, ao tratar do direito à proteção da saúde, “tem-se assistido a um processo de empresarialização do sistema, de parcerias com os sectores privado e social, de introdução da nova Gestão Pública (New Public Management). A tradicional regulação em termos de direito público vê-se confrontada com o desenvolvimento de uma crescente utilização do direito privado” (LOUREIRO, 2008, p. 62-63). 16 Nota-se que também a Constituição Portuguesa, no artigo 64o, n. 3, alíneas d e e, prevê a função reguladora do Estado, nos termos seguintes: “3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado: (...) d) disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e qualidade; e) disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;” (PORTUGAL, 2005).

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3. O direito à saúde na Constituição brasileira A Constituição brasileira, no artigo 6o, ao dispor sobre os direitos sociais, inclui expressamente o direito à saúde no rol ali estabelecido17. O artigo 196 do texto constitucional, por sua vez, apregoa que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Importa destacar que a possibilidade de execução de ações e serviços de saúde por entes privados, bem como a atividade reguladora do Estado nesse âmbito encontram-se expressamente previstos nos artigos 197 e 199, da Constituição18. Vê-se, pois, que a própria Constituição de 1988, na sua redação originária19, ao mesmo tempo em que estabeleceu a saúde como um direito social universal e dever do Estado, também reconheceu a possibilidade de a atuação estatal realizar-se por meio da atividade reguladora e fiscalizadora do mercado. Observa-se, assim, que a Constituição em nenhum momento estatuiu a exclusividade da prestação de serviços públicos e estatais de 17 “Art. 6o. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988). 18 “Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. [...] Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada (BRASIL, 1988). 19 Tal observação decorre do grande número de Emendas Constitucionais à Constituição de 1988. Todavia, em relação ao artigo 197, cumpre observar que até a presente data não houve qualquer alteração na sua redação original. Portanto, em 1988, a Constituição já previa a regulação na área da saúde e a possibilidade de prestação de serviços privados nesse domínio.

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saúde; diversamente, mencionou também a possibilidade de atuação privada para o atendimento e assistência da população em matéria de saúde. Logicamente, dada a relevância do direito à saúde e o caráter estratégico de tal atividade para o desenvolvimento social e econômico do próprio País20, também foi definida a atividade de fiscalização e regulação do Estado na esfera da prestação de serviços de saúde. Evidencia-se, pois, que a garantia do direito à saúde não necessariamente implica a prestação de serviços públicos e gratuitos de saúde. E tal constatação no sistema brasileiro decorre da própria leitura sistemática da Constituição Federal, consoante o que já se mencionou. Conclui-se que o dever do Estado no que se refere ao direito à prestação de saúde também estará devidamente cumprido mediante uma atividade garantidora, fundada na regulação adequada dos serviços prestados no âmbito privado. O sistema brasileiro funda-se no Sistema Único de Saúde (SUS)21, de caráter público, 20 Nas palavras de Amartya Sen, em sua obra Desenvolvimento como Liberdade: “há evidências até de que, mesmo com renda relativamente baixa, um país que garante serviços de saúde e educação a todos pode efetivamente obter resultados notáveis da duração e qualidade de vida de toda a população” (SEN, 2010b, p. 191). 21 O Sistema Único de Saúde é considerado o maior sistema público, universal e gratuito de prestação de serviços de saúde do mundo, abrangendo todos os brasileiros (mais de 200 milhões de pessoas, incluindo-se aqui os cerca de 150 milhões de cidadãos que não têm planos de saúde suplementar). Deve-se ressaltar que todo e qualquer cidadão tem direito à prestação de serviço de saúde pelo SUS, independentemente de relação formal de trabalho ou contribuição à seguridade social. O sistema exclusivamente privado, por sua vez, corresponde a um sistema suplementar, que já abarca aproximadamente 50 milhões de usuários, ou seja, 25% da população brasileira, conforme dados extraídos do sítio do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – e . Acesso em: 10 jun. 2015. Segundo Sidney Feitosa Farias, o SUS representa o “maior projeto público de inclusão social do Brasil” e apresenta números imponentes: são realizados anualmente, em média, 1,4 bilhão de procedimentos ambulatoriais, 44 milhões de consultas especializadas e 250 milhões de consultas básicas por uma rede composta de

universal e gratuito, bem como num sistema privado, objeto de medidas de caráter regulatório. Entre os princípios que regem o SUS, destacam-se a universalidade de acesso, a integralidade no atendimento, a equidade, a descentralização e a participação social. Os princípios estruturais são extraídos diretamente da Constituição Federal, mais especificamente do artigo 198: “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo22; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade.” Para Geisa Vilarins, Helena Shimizu e Maria Gutierrez (2012, p. 641), a descentralização das ações de saúde para estados e municípios, implementada pela Constituição Federal, ensejou a divisão de responsabilidades e atribuições entre as esferas de governo federal, estadual e municipal, o mesmo ocorrendo entre os

cidadãos, o setor público e o setor privado. A esse respeito, merece referência o artigo 2o, da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, e estabelece que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, ressaltando o parágrafo 2o do mencionado artigo que o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Destaca-se, ainda, que o artigo 199, § 1o, da Constituição, expressamente estabelece a possibilidade de as instituições privadas participarem de forma complementar do Sistema Único de Saúde (SUS)23, segundo as diretrizes deste, mediante o estabelecimento de contrato de direito público ou convênio, dando-se preferência às entidades filantrópicas e às sem fins lucrativos. Portanto, as instituições privadas também podem integrar o próprio Sistema Único de Saúde, ao realizarem convênios e celebrarem contratos públicos com os entes federados24. Vê-se, pois, que a estrutura das en-

mais de 5,8 mil hospitais, sessenta mil unidades ambulatoriais e quinhentos mil leitos. Apesar da expressividade dos números mencionados, o SUS apresenta também enormes dificuldades, tais como problemas de financiamento, incipiente regulação, precariedade das relações de trabalho e falhas no modelo de gestão descentralizada, o que implica a existência de hospitais mal distribuídos pelo território, além da falta de leitos, de qualidade e de eficiência (FARIAS, 2011, p. 1.045). 22 Há uma conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população. Busca-se a descentralização dos serviços de saúde para os Municípios, por ser a unidade política “mais próxima” dos cidadãos. Nos termos do artigo 8o, da Lei no 8.080/1990, “as ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente.” O objetivo da regionalização é a agregação de Municípios em regiões para que seja dado o atendimento integral à população, no que se refere à saúde, já que não é economicamente viável a manutenção de centros de excelência ou de unidades de atendimento complexo e de internação em todos os municípios do País.

23 O Sistema Único de Saúde (SUS) é assim definido pelo artigo 4o, da Lei no 8.080/1990: “Art. 4o. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). § 1o. Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.” E o parágrafo 2o, do artigo 4o, por sua vez, expressamente estabelece que “a iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.” 24 Conforme estatísticas na área de saúde, relativas ao ano de 2009, obtidas através dos resultados da pesquisa de Assistência Médico-Sanitária (AMS) e divulgadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no sítio . Acesso em: 10 jun. 2015 –, o número de leitos existentes no Brasil era de 431.996, sendo 152.892 (35,4%) públicos e 279.104 (64,6%) privados. O número de internações no ano de 2008, conforme a mesma pesquisa, foi de 23.198.745, sendo 8.141.517 em estabelecimento públicos e 15.057.228 em estabelecimentos privados. Os estabelecimentos priva-

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tidades privadas, inclusive a relativa aos recursos humanos, leitos e equipamentos médicos, pode ser utilizada, ainda que parcialmente, para a garantia de um acesso universal ao direito à saúde, mediante o respectivo repasse de recursos públicos. Há, portanto, cooperação e colaboração entre os setores público e privado, não se exigindo que a prestação do serviço de saúde, mesmo a realizada no âmbito do Sistema Único de Saúde, seja efetivada unicamente em centros de atendimento ou hospitais públicos. Nota-se, pois, a necessidade de instrumentos regulatórios tanto em relação à prestação dos serviços privados financiados por planos de saúde ou recursos particulares, quanto à prestação privada de assistência médico-hospitalar conveniada ao Sistema Único de Saúde – além, é claro, do controle das próprias entidades públicas que prestam diretamente serviços de saúde. Uma das grandes dificuldades para a efetivação do direito à saúde para todos está em aspectos relacionados à gestão em geral, abrangendo elementos de administração, logística, recursos humanos e financeiros, estrutura física e operacional, especialmente em se considerando a dimensão geográfica do País, o contingente populacional, bem como as imensas desigualdades regionais existentes25. Em tal contexto, “a utilização do processo regulatório como instrumento de gestão” (VILARINS, 2012) pode ser essencial para se equalizar e reduzir as distorções relacionadas à necessidade, à demanda e à oferta, tanto em relação a agentes públicos quanto a privados. Para Magalhães Júnior (2002), a regulação não é um sinônimo de gestão, mas sim um de seus elementos constituintes e uma importante ferramenta para sua operacionalização. Constata-se, assim, no quadro da prestação de serviços de saúde no Brasil, abarcando os setores público e privado, que a melhoria dos instrumentos regulatórios (marco legal regulatório) – ou melhor, da aplicação prática desses instrumentos – é imprescindível para se alcançar maior eficiência na utilização dos recursos e eficácia no atingimento de resultados em prol da saúde da população. É flagrante, pois, que os provedores de serviços na área da saúde devem estar sempre sob regulação, independentemente de serem entes públicos ou privados, pois “a

dos que informam prestar atendimento ao SUS foram responsáveis por 72,4% das internações no setor. É evidente, pois, a relevância dos serviços de saúde prestados por privados, no Brasil, e consequentemente, a necessidade de regulação do setor. 25 O Brasil é o quinto país do mundo em extensão territorial (área de 8.515.767 km2), equivalendo aproximadamente a 96 vezes a extensão territorial de Portugal. Com mais de 202 milhões de habitantes, ocupa também a posição de quinto país mais populoso do planeta. O multiculturalismo e a diversidade étnica também são características do País, bem como as desigualdades regionais. Todos esses fatores influenciam e acarretam desafios para a administração de questões relevantes para os cidadãos, especialmente relacionadas à gestão, abrangendo aqui a viabilização do acesso efetivamente universal ao direito à saúde.

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ação regulatória otimiza os recursos disponíveis e favorece o devido acesso dos usuários” (VILARINS, 2012, p. 641). Daí a relevância da função reguladora do Estado, que se evidencia de forma incontestável em áreas essenciais para o próprio desenvolvimento do País, como é o caso da saúde.

4. Os múltiplos papéis do Estado regulador na área da saúde A regulação pública da economia, em sentido amplo, consiste num conjunto de medidas convencionadas de natureza legislativa e administrativa, por meio das quais os poderes públicos, diretamente ou mediante delegação, determinam, controlam ou influenciam o comportamento dos agentes econômicos, com o objetivo de evitar que tais comportamentos gerem efeitos danosos aos interesses socialmente legítimos, bem como de orientá-los no sentido de serem socialmente desejáveis (MARQUES; SANTOS; GONÇALVES, 2014, p. 207). Para Vital Moreira (1997, p. 34), a regulação implica o “estabelecimento e a implementação de regras para a actividade económica destinadas a garantir o seu funcionamento equilibrado, de acordo com determinados objectivos públicos”. Considerando que a área da saúde é estratégica e traz em seu bojo uma finalidade pública essencial, também relacionada à garantia de uma adequada prestação dos serviços e atendimento aos usuários, é imprescindível a existência de instrumentos regulatórios26. 26 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (2014, p. 831) afirmam que “o direito à protecção da saúde analisa-se numa série de direitos dos utentes dos serviços e direitos dos doentes, entre os quais se contam o direito de acesso, liberdade de escolha, direito à autonomia e informação, direito à privacidade, direito ao acompanhamento, direito

Geralmente, a regulação é realizada com a intervenção estatal, por meio de regras, leis e normas, no mercado de prestação de serviços ou no sistema de saúde. Uma grande variedade de instrumentos, incluindo incentivos positivos ou negativos, integra a atividade de regulação. Há também diversas formas de exercício da função regulatória, abrangendo a definição do arcabouço legal, a regulação da competitividade, o estabelecimento de parâmetros mínimos de excelência e, ainda, as várias formas de incentivos financeiros27 (PIETROBON; PRADO; CAETANO, 2008, p. 770). O papel do Estado regulador28 consubstancia-se precipuamente na definição de critérios de organização e prestação dos serviços de saúde, a partir do estabelecimento de prioridades. Também não se pode desconsiderar a relevância da elaboração de regras para a atuação dos agentes econômicos no âmbito do mercado e da concorrência, além, é claro, do estabelecimento de mecanismos de controle e avaliação de resultados, em um modelo que prima pela eficiência. Para Vilarins, Shimizu e

a tratamento em prazo clinicamente razoável com gestão racional e eficiente ajuste de lista de espera, direito à participação democrática dos doentes ou associações de doentes na definição de escalas de prioridades e na definição de períodos de espera clinicamente aceitáveis, direito a procedimentos de queixa e de apreciação das mesmas, etc. Por outro lado, a prestação de cuidados de saúde caracteriza-se por uma fundamental ‘assimetria de informação’ entre os prestadores e beneficiários deles, que torna impossível o controlo destes sobre os cuidados prestados. Tudo isso, bem como a necessidade de supervisão da regularidade e da eficiência dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, pode justificar a criação de uma entidade reguladora e supervisora para a saúde [...], com jurisdição tanto para o sector público quanto para o sector privado [...]”. 27 Entre as formas de incentivos financeiros, estão as isenções, as imunidades e as renúncias fiscais. 28 Para Marisa Apolinário, não se trata propriamente de destacar a regulação como uma nova função do Estado, uma vez que a regulação dos mercados já existia em outros modelos estatais. Trata-se, diversamente, de enfatizar o caráter preponderante da mencionada função no atual contexto econômico-social, o que possibilita a utilização da denominação de Estado regulador para o “novo” modelo de Estado (APOLINÁRIO, 2015, p. 81-82).

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Gutierrez (2012, p. 643), a garantia do acesso da população a serviços adequados e assistência qualificada em matéria de saúde, mediante uma rede organizada de serviços, pressupõe a “atuação direta do Estado na busca do estabelecimento de regras definidas para atuação dos mercados, o que configura a passagem de um Estado prestador para um Estado regulador, de fato.” Na área de saúde, analisando-se a realidade brasileira, a regulação estatal é realizada normalmente em três níveis de atuação: (a) regulação de sistemas de saúde; (b) regulação da atenção à saúde; e (c) regulação do acesso à assistência ou regulação assistencial (SCHILLING; REIS; MORAIS, 2006; VILARINS; SHIMIZU; GUTIERREZ, 2012, p. 641). A regulação de sistemas de saúde objetiva essencialmente a definição de normas, o monitoramento, a fiscalização, o controle e a avaliação dos serviços de saúde e é geralmente exercida por órgãos reguladores, de âmbito nacional ou regional, abrangendo as agências reguladoras e o próprio Ministério da Saúde. A regulação da atenção à saúde, por sua vez, tem por finalidade a produção de ações diretas de atenção à saúde, direcionando-se aos prestadores de serviços de saúde públicos e privados, e abrangendo as ações de contratação, de controle, de regulação do acesso à assistência, de avaliação da atenção à saúde e de auditoria. Por fim, a regulação assistencial promove a equidade do acesso aos serviços de saúde, assegurando a integralidade da assistência e propiciando o ajuste entre a oferta e a demanda, ou seja, às reais necessidades do cidadão (VILARINS; SHIMIZU; GUTIERREZ, 2012, p. 641). A esse respeito, apregoa-se que uma maior efetividade e eficiência na prestação de serviços na área de saúde podem ser obtidas por intermédio da regulação29, que deve ser vista como uma ação estratégica do Estado sobre prestadores e provedores dos serviços de saúde. Nesse aspecto, um dos mecanismos de regulação internacionalmente utilizados é a “contenção da liberdade de prática dos profissionais, com o fim de estabelecer um padrão de contratualização e racionalidade no uso dos meios de diagnóstico e tratamento” (FARIAS, 2011, p. 1047). Também merece nota o posicionamento de Sidney Feitoza Farias (2011, p. 1.044-1.045), ao defender que, sob a ótica da equidade na assistência à saúde, a regulação é imprescindível, e sua finalidade é garantir que sejam atingidos os objetivos sociais do sistema de saúde, com base no equilíbrio das inúmeras falhas de mercado e/ou falhas do governo

29 Segundo Ana Sofia Ferreira, “o objetivo primordial do desenvolvimento de estratégias e mecanismos de regulação terá, portanto, de ser o de compatibilizar a (desejável) introdução de inovações e empreendedorismo no funcionamento dos sistemas de saúde com a responsabilidade social que cabe ao Estado de garantir melhores resultados em saúde, num contexto de maior efetividade e equidade” (FERREIRA, 2004, p. 318).

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que caracterizam o setor. O autor afirma ser a regulação uma das funções essenciais do Estado em qualquer estágio de desenvolvimento, uma vez que enseja o estabelecimento de regras e padrões de contratos e de níveis mínimos de qualidade, necessários à prestação de serviços de alta relevância para a sociedade. Em síntese, o exercício do poder coercitivo e regulador do Estado funda-se na “necessidade de garantia de padrões aceitáveis e previsíveis para a prestação de serviços à sociedade, que livremente o mercado per si não é capaz de garantir.” (FARIAS, 2011, p. 1.046). A seguir, a título exemplificativo, serão expostas sucintamente algumas atividades de cunho regulatório, garantidor e incentivador do Estado brasileiro, no âmbito da realização do direito à saúde. 4.1. A regulação no Sistema Único de Saúde (SUS) Entre suas atribuições, o Sistema Único de Saúde tem funções de natureza regulatória, nos termos do artigo 200 da Constituição Federal, abrangendo as seguintes atividades: a) controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; b) ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; c) executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; d) participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; e) fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; f) participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos.

Merece referência, ainda, a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pela Lei no 9.782/1999, que atua em todos os setores da economia relacionados a produtos e serviços passíveis de afetar a saúde da população brasileira. A agência detém competência tanto para a definição de preços e monitoramento do mercado (regulação econômica) quanto para a regulação sanitária, abarcando o registro de medicamentos. Para Sandra Mara Campos Alves, a criação da Anvisa está diretamente relacionada à ideia de substituição do Estado executor pelo Estado regulador, com o objetivo de se alcançar maior eficiência estatal mediante a descentralização das ações regulatórias (ALVES, 2012, p. 34). No processo de institucionalização do SUS, diversas ações regulatórias foram introduzidas juridicamente pelas Leis nos 8.080 e 8.142, ambas de 199030. Um dos maiores desafios é efetivamente implementar as políticas regulatórias, que ainda se revelam insuficientes na prática, especialmente no tocante à seleção de prioridades e adequação entre demanda e oferta de assistência à saúde, considerando-se os limites financeiros dos sistemas de saúde, em geral (FARIAS, 2011, p. 1.045, 1.047)31. Verifica-se que a atividade regulatória no âmbito do Sistema Único de Saúde caracteriza-se, essencialmente, pela fiscalização e controle da produção de equipamentos, substâncias, medicamentos e produtos diversos que afetam 30 Entre os objetivos do Sistema Único de Saúde, estabelecidos na Lei no 8.080/1990, destacam-se: (a) a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; (b) a formulação de política de saúde destinada a promover, nas esferas econômica e social, a redução dos riscos de doenças; (c) a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, mediante a realização integrada de ações assistenciais e de atividades preventivas. 31 Segundo o autor, a falta de uma política de regulação efetiva do SUS relacionada à adequação entre a oferta e demanda acarreta problemas relativos à insuficiência de leitos e à falta de vagas para diversas modalidades de tratamento.

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diretamente a saúde ou que lhe são imprescindíveis32, tais como hemoderivados, vacinas, substâncias tóxicas, psicoativas e radioativas. Outra atividade é a participação na política pública de formação de recursos humanos na área da saúde no País. Logicamente, tais atividades denotam a relevância da saúde para o desenvolvimento social e econômico, o que implica a realização pelo Estado de atividades de planejamento, fiscalização e controle, de conotação eminentemente regulatória. 4.2. O Estado garantidor: a regulação no âmbito da saúde suplementar A atividade reguladora do Estado em relação aos serviços privados de saúde mostra-se essencial. A esse respeito, destacam Vital Moreira e J. J. Gomes Canotilho (2014, p. 829) que “o direito à saúde é também um direito à segurança dos tratamentos médicos que o Estado deve assegurar. Mesmo quando objeto de atividade empresarial submetida ao princípio do lucro, a saúde e a medicina devem relevar de uma função pública e social.” No Brasil, a prestação privada de serviço de saúde divide-se em dois subsetores: o de saúde suplementar e o liberal clássico. O subsetor liberal clássico é composto por serviços particulares autônomos, em que os profissionais estabelecem as condições de tratamento e sua própria remuneração, alcançando clientela própria e específica, ao passo que a saúde suplementar é financiada pelos planos e seguros de saúde, sujeitando-se à regulação exercida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), instituída pela Lei no 9.961/200033.

32 Um exemplo concreto de atuação regulatória do Estado brasileiro, que se tornou referência mundial, foi a “quebra” de patente de medicamentos para tratamento da SIDA. 33 No âmbito da saúde suplementar, os prestadores de assistência médica são privados, credenciados pelos planos ou seguros de saúde ou pelas cooperativas médicas, serviços próprios dos planos e seguros de saúde, serviços conveniados ou contratados pelo subsistema público, que são contratados pelas empresas de planos e seguros de saúde que integram a rede credenciada. Em síntese, a denominação de saúde suplementar advém da opção do beneficiário de pagar um seguro ou plano privado para ter acesso à assistência médica, sem prejuízo do direito de acesso ao sistema público, que é universal. Por vezes, o sistema privado revela-se complementar e não meramente suplementar, nos casos de existência de limitação do sistema de saúde público, o que enseja a complementação da cobertura de determinados serviços pelo sistema privado (PIETROBON; PRADO; CAETANO, 2008, p. 768-769). A saúde suplementar é composta pelos segmentos de autogestão, medicina de grupo, seguradoras e cooperativas. O segmento de autogestão corresponde aos planos próprios patrocinados ou não pelas empresas empregadoras, apresentando natureza não comercial. Os demais segmentos (medicina de grupo, seguradoras e cooperativas de trabalho médico) têm natureza comercial ou mercantil. As seguradoras, vinculadas ou não a entidades bancárias, representam a modalidade empresarial mais recente no mercado de assistência médica suplementar e abarcam 16% dos usuários. As cooperativas de trabalho médico, também denominadas Unimeds, abrangem 25% dos usuários. Por fim, o segmento da medicina de grupo, caracterizado pela associação de grupos de médicos com o empresariado, alcança 40% dos beneficiários da assistência médica suplementar (MALTA, 2004, p. 434).

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A Lei no 9.656/1998 introduziu alguns elementos de regulação pública na assistência médica suplementar: ampliação da cobertura assistencial obrigatória, ressarcimento ao SUS de atendimentos e procedimentos realizados pelo setor público34, necessidade de registro das operadoras de seguros e planos de saúde, acompanhamento de preços e obrigatoriedade de comprovação de solvência e da existência de reservas técnicas para atuação no mercado. Quanto à saúde suplementar, ou seja, aquela prestada no âmbito privado por meio de planos e seguros de saúde, merece referência a atividade reguladora da ANS35, uma autar34 Apesar da previsão legal, até hoje é grande a dificuldade de se implementar o dever de as operadoras de seguro ou planos de saúde procederem ao reembolso aos cofres públicos dos gastos com os serviços de saúde prestados por entidades públicas e pelo SUS aos beneficiários de planos de saúde. Uma das grandes dificuldades é o cadastro e o cruzamento de dados dos atendimentos realizados pelo SUS em relação aos usuários de planos de saúde. 35 A atividade reguladora da Agência Nacional de Saúde Suplementar está definida no artigo 4o da Lei no 9.961/2000, destacando-se os itens a seguir transcritos: “Art. 4o. Compete à ANS: I – propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar – Consu para a regulação do setor de saúde suplementar; II – estabelecer as características gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras; III – elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades; IV – fixar critérios para os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de prestadores de serviço às operadoras; V – estabelecer parâmetros e indicadores de qualidade e de cobertura em assistência à saúde para os serviços próprios e de terceiros oferecidos pelas operadoras; VI – estabelecer normas para o ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS; VII – estabelecer normas relativas à adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde; [...] XIV – estabelecer critérios gerais para o exercício de cargos diretivos das operadoras de planos privados de assistência à saúde; XV – estabelecer critérios de aferição e controle da qualidade dos serviços oferecidos pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, sejam eles próprios, referenciados, contratados ou conveniados; XVI – estabelecer normas, rotinas e procedimentos para concessão, manutenção e cancelamento de registro dos produtos das operadoras de planos privados de assistência à saúde; XVII – autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, ouvido o Ministério da Fazenda; XVIII – expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômico-financeira pelas operadoras, com vistas à homologa-

quia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, e responsável pela regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades relacionadas à assistência suplementar de saúde, com vistas à promoção do interesse público (PIETROBON; PRADO; CAETANO, 2008, p. 775). Nos termos do artigo 3o da Lei no 9.961, de 28 de janeiro de 2000, a ANS tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplemenção de reajustes e revisões; XIX – proceder à integração de informações com os bancos de dados do Sistema Único de Saúde; XX – autorizar o registro dos planos privados de assistência à saúde; XXI – monitorar a evolução dos preços de planos de assistência à saúde, seus prestadores de serviços, e respectivos componentes e insumos; XXII – autorizar o registro e o funcionamento das operadoras de planos privados de assistência à saúde, bem assim sua cisão, fusão, incorporação, alteração ou transferência do controle societário, sem prejuízo do disposto na Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994; XXIII – fiscalizar as atividades das operadoras de planos privados de assistência à saúde e zelar pelo cumprimento das normas atinentes ao seu funcionamento; XXIV – exercer o controle e a avaliação dos aspectos concernentes à garantia de acesso, manutenção e qualidade dos serviços prestados, direta ou indiretamente, pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde; XXV – avaliar a capacidade técnico-operacional das operadoras de planos privados de assistência à saúde para garantir a compatibilidade da cobertura oferecida com os recursos disponíveis na área geográfica de abrangência; XXVI – fiscalizar a atuação das operadoras e prestadores de serviços de saúde com relação à abrangência das coberturas de patologias e procedimentos; XXVII – fiscalizar aspectos concernentes às coberturas e o cumprimento da legislação referente aos aspectos sanitários e epidemiológicos, relativos à prestação de serviços médicos e hospitalares no âmbito da saúde suplementar; XXVIII – avaliar os mecanismos de regulação utilizados pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde; XXIX – fiscalizar o cumprimento da disposições da Lei no 9.656, de 1998, e de sua regulamentação; XXX – aplicar as penalidades pelo descumprimento da Lei no 9.656, de 1998, e de sua regulamentação; XXXI – requisitar o fornecimento de informações às operadoras de planos privados de assistência à saúde, bem como da rede prestadora de serviços a elas credenciadas; XXXII – adotar as medidas necessárias para estimular a competição no setor de planos privados de assistência à saúde; [...] XXXVI – articular-se com os órgãos de defesa do consumidor visando a eficácia da proteção e defesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde, observado o disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990; XXXVII – zelar pela qualidade dos serviços de assistência à saúde no âmbito da assistência à saúde suplementar; XXXVIII – administrar e arrecadar as taxas instituídas por esta lei; XXXIX – celebrar, nas condições que estabelecer, termo de compromisso de ajuste de conduta e termo de compromisso e fiscalizar os seus cumprimentos; [...]” (BRASIL, 2000).

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tar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores36, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País. Entre os objetivos estratégicos da regulamentação e regulação de setor de saúde suplementar, destacam-se: 1) assegurar aos consumidores de planos privados de assistência à saúde cobertura assistencial integral e regular as condições de acesso; 2) definir e controlar as condições de ingresso, operação e saída das empresas e entidades que operam no setor; 3) definir e implantar mecanismos de garantias assistenciais e financeiras que assegurem a continuidade da prestação de serviços de assistência à saúde contratados pelos consumidores; 4) dar transparência e garantir a integração do setor de saúde suplementar ao SUS e o ressarcimento dos gastos gerados por usuários de planos privados de assistência à saúde no sistema público; 5) estabelecer mecanismos de controle da abusividade de preços; 6) definir o sistema de regulamentação, normatização e fiscalização do setor de saúde suplementar (PIETROBON; PRADO; CAETANO, 2008 p. 776-777). A instituição da ANS também possibilitou um maior conhecimento do setor de saúde suplementar, com base na coleta de dados e informações, e o estabelecimento de critérios para a entrada de operadoras de planos e seguros de saúde no mercado, com o consequente acompanhamento da respectiva situação econômico-financeira, de modo a impedir que os consumidores (as pessoas físicas beneficiárias dos planos e seguros de saúde) venham a ser lesados pela má gestão financeira das empresas (PIETROBON; PRADO; CAETANO, 2008, p. 777). É evidente que o “consumo de ações de saúde difere do consumo de serviços em geral, pois não se operam escolhas livres no ato da decisão de consumo” (MALTA, 2004, p. 439). Isso porque o usuário é desprovido de conhecimento técnico, não dispondo das informações necessárias para decidir o que consumirá. Como destaca Deborah Carvalho Malta (2004, p. 439), não se aplicam as premissas comuns do livre mercado, pois, em se tratando de saúde, em muitas ocasiões o “consumo” é imposto por situações de emergência. Portanto, a atividade regulatória do Estado é essencial como instrumento de normatização, controle e fiscalização dos serviços de saúde, dado o inegável interesse público subjacente à realização adequada do direito à prestação do serviço de saúde. Nota-se, pois, que o Estado aqui

36 Antes da criação da ANS, a proteção dos beneficiários de seguros ou planos de saúde era realizada essencialmente por meio do Código de Defesa do Consumidor (Lei o n 8.078/1990), com a propositura de ações judiciais fundadas na alegação de violação ao direito do consumidor.

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detém essencialmente a função garantidora37 dos serviços de saúde prestados por privados, de modo a assegurar que os serviços e o atendimento sejam adequadamente realizados38. 4.3. O Estado incentivador na área da saúde: exemplos de políticas públicas bem sucedidas Alguns modelos de regulação foram desenvolvidos enfatizando-se a natureza punitiva; outros, por sua vez, apresentam um processo de regulação compreensiva fundado em ações educativas; e existem, ainda, os que unem essas duas formas de abordagem, classificadas como de regulação responsiva. O modelo regulatório adotado normalmente depende da situação a ser regulada, da concepção do agente regulador, bem como do ambiente organizacional dos prestadores de serviço (FARIAS, 2011, p. 1046). São diversos os papéis desempenhados pelo Estado no setor de saúde, muito embora esteja sempre presente a “centralidade” estatal na configuração de um efetivo sistema de cuidados de saúde, seja mediante a prestação direta, seja mediante as diversas modalidades de regulação, garantia e incentivo. Em síntese, o Estado permanece como sujeito central e essencial na criação e administração de sistemas 37 Para Pedro Costa Gonçalves, “a responsabilidade de regular, de definir regras de conduta e de impor a respectiva aplicação aos operadores económicos que oferecem bens no mercado e prestam serviços, designadamente serviços de interesse geral, eleva a regulação pública à condição de principal instrumento de ação do Estado Administrativo de Garantia” (GONÇALVES, 2013, p. 12). 38 Nessa perspectiva, um exemplo recente da atuação regulatória da ANS em defesa dos consumidores e beneficiários foi a suspensão temporária da comercialização de novos contratos de determinados planos de saúde, em razão do não cumprimento dos prazos máximos de atendimento ou por negativa de cobertura de procedimentos obrigatórios, ensejando, ainda, a aplicação de multa às operadoras. A decisão da ANS fundamentou-se no número de reclamações dos beneficiários de planos de saúde formalizadas junto à agência, inclusive por meio eletrônico.

de saúde, muito embora a forma de sua atuação seja variável. A partir desse pressuposto, conforme destaca Richard Saltman (2012, p. 1.677), a análise do comportamento estatal no âmbito da saúde é aspecto-chave, abrangendo os tipos de decisões tomadas, o grau de efetividade das mencionadas decisões, bem como o catálogo de alternativas políticas passíveis de substituir as decisões anteriores, logicamente tendo também por consideração a interface do Estado com os demais agentes envolvidos no âmbito da saúde (pacientes, médicos, prestadores de serviço, fornecedores, seguradoras, entre outros). Nesse contexto, a atuação do Estado como agente indutor ou incentivador de comportamentos dos privados mostra-se relevante em face dos resultados alcançados, sem olvidar o considerável volume de instrumentos legislativos e regulatórios utilizados para essa finalidade. Em síntese, o Estado busca a realização dos objetivos mediante um complexo conjunto de determinações ou obrigações impostas aos destinatários das normas (sticks), ou mediante induções de comportamentos com incentivos ou recompensas (carrots). Esse conjunto de obrigações e incentivos pode ser direto ou indireto, intencional ou não intencional, e é o equilíbrio de tais medidas que constitui o grande desafio da atuação do Estado incentivador no âmbito da saúde39. A propósito dos incentivos (carrots) concedidos pelo Estado como mecanismos indu-

39 Segundo o autor, “ultimately, it is this mix of sticks and carrots – and the specific balance within this mix – that defines how state-oriented or market-oriented policy in a particular health sub-sector in a specific State actually is. It is, therefore, State decisions about the composition of this mix, and in response to efforts to change that composition, which typically are a central focus of health reform efforts […]. This search for a better balance between State and market sets a useful conceptual stage for a discussion of the roles of regulation and incentives in European health systems” (SALTMAN, 2012, p. 1.678).

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tores de comportamento, e a título exemplificativo, merece referência o disposto no artigo 195, parágrafo 7o, da Constituição: “são isentas de contribuições para a Seguridade Social as entidades beneficentes de assistência social que atendam aos requisitos da lei”. A Lei no 12.101/200940, que dispõe sobre a certificação de entidades beneficentes de assistência social e regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social, estabelece em seu artigo 4o, I e II, que, para ser considerada beneficente e fazer jus à certificação, a entidade de saúde deve celebrar contrato, convênio ou instrumento congênere com o gestor do SUS, bem como ofertar a prestação de seus serviços ao SUS no percentual mínimo de 60%. Nota-se, pois, que a concessão do incentivo fiscal, consubstanciado na isenção 40 Lei no 12.101/2009. “Art. 1o. A certificação das entidades beneficentes de assistência social e a isenção de contribuições para a seguridade social serão concedidas às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação, e que atendam ao disposto nesta Lei. [...] Art. 4o. Para ser considerada beneficente e fazer jus à certificação, a entidade de saúde deverá, nos termos do regulamento: I – celebrar contrato, convênio ou instrumento congênere com o gestor do SUS (inciso com redação dada pela Lei no 12.868, de 15/10/2013); II – ofertar a prestação de seus serviços ao SUS no percentual mínimo de 60% (sessenta por cento); III – comprovar, anualmente, da forma regulamentada pelo Ministério da Saúde, a prestação dos serviços de que trata o inciso II, com base nas internações e nos atendimentos ambulatoriais realizados (inciso com redação dada pela Lei no 12.453, de 21/7/2011). § 1o. O atendimento do percentual mínimo de que trata o caput pode ser individualizado por estabelecimento ou pelo conjunto de estabelecimentos de saúde da pessoa jurídica, desde que não abranja outra entidade com personalidade jurídica própria que seja por ela mantida. § 2o. Para fins do disposto no § 1o, no conjunto de estabelecimentos de saúde da pessoa jurídica, poderá ser incorporado aquele vinculado por força de contrato de gestão, na forma do regulamento. § 3o. Para fins do disposto no inciso III do caput, a entidade de saúde que aderir a programas e estratégias prioritárias definidas pelo Ministério da Saúde fará jus a índice percentual que será adicionado ao total de prestação de seus serviços ofertados ao SUS, observado o limite máximo de 10% (dez por cento), conforme estabelecido em ato do Ministro de Estado da Saúde (parágrafo acrescido pela Lei no 12.868, de 15/10/2013)” (BRASIL, 2009).

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das contribuições para a seguridade social, está condicionada à prestação de serviços pela entidade de saúde ao SUS, donde se infere a atuação estatal indutora de comportamentos, na perspectiva de Estado incentivador. Como visto, o Estado por vezes atua como agente incentivador ou mesmo ativador dos próprios integrantes da sociedade, estimulando-os a determinado comportamento em prol da coletividade e do bem comum. No âmbito da saúde, há casos em que o incentivo do Estado para a realização de um comportamento benéfico ou a cessação de um comportamento maléfico traz consequências relevantes para o indivíduo e para a própria sociedade. A atuação do Estado regulador, no âmbito da promoção da saúde, também pode apresentar-se sob a forma de incentivo a determinados comportamentos dos cidadãos e dos agentes privados, que tenham por escopo a melhora da saúde e do bem-estar em geral. Assim, não há dúvidas de que o desincentivo a comportamentos indesejados, por um lado, e a promoção dos mais adequados à saúde é uma função importante de políticas públicas estatais, que gera consequências em relação à redução futura de dispêndio de recursos públicos com a tentativa de reparação e restauração da saúde, uma vez que as medidas de natureza preventiva sabidamente são muito mais eficazes e menos custosas. Como exemplos, podem ser mencionadas duas políticas públicas, uma de incentivo e outra de desincentivo, adotadas pelo Estado brasileiro, que se revelaram bem sucedidas no âmbito da saúde. A primeira é campanha antitabagismo, que demonstra a preocupação do Estado em influenciar os comportamentos dos cidadãos, a fim de reduzir o hábito de fumar e, consequentemente, os malefícios à saúde decorrentes de tal comportamento. O outro exemplo é a campanha conjunta do Ministério

da Saúde e de agentes de comunicação em prol do estímulo à doação de órgãos. Conforme estudo realizado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), em parceria com a Universidade de Georgetown, em Washington, o número de fumantes no Brasil foi reduzido à metade em 20 (vinte) anos, como resultado de um conjunto de medidas e ações idealizadas pelo Ministério da Saúde, em conjunto com o INCA, a partir do ano de 1989 – medidas que compõem o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT)41. Estima-se que, no período compreendido entre 1989 e 2010, foram evitadas 420.000 mortes decorrentes do tabagismo42 a partir da adoção de medidas como: (a) o aumento dos tributos sobre os produtos derivados do tabaco; (b) a promulgação de leis de restrição de cigarro em ambientes fechados; (c) a restrição da publicidade desse tipo de produto; (d) a existência de programas de tratamento contra o tabagismo no Sistema Único de Saúde; (e) as advertências dos problemas de saúde nas embalagens; (f) as campanhas na mídia contra o cigarro. Trata-se, pois, de um exemplo bem sucedido de implementação de políticas públicas e regulatórias com o intuito de desincentivar um comportamento danoso dos indivíduos à própria saúde e à saúde de terceiros, demonstrando o papel do Estado como ente (des)incentivador. Outro exemplo recente, que também merece destaque pelos resultados já alcançados, é a campanha idealizada pelo Ministério da Saúde e veiculada pela mídia, com o intuito de estimular a doação de órgãos, desde que com o consentimento da família de pessoas falecidas43. No período compreendido entre 2008 a 2014, o Brasil registrou uma redução de 41,7% no número de pessoas que aguardam na fila de espera por transplantes de órgãos, o que está diretamente associado ao aumento do número de doadores efetivos no Brasil. Deve-se ressaltar que o País se

41 Tal programa tem o objetivo de reduzir o número de fumantes e a mortalidade relacionada ao consumo de derivados do tabaco, a partir de um modelo fundado em ações educativas, de comunicação, de atenção à saúde, bem como em medidas legislativas e econômicas. Busca-se, em síntese, uma atuação coordenada do Estado e da sociedade para a prevenção da iniciação do tabagismo, o incentivo à cessação de fumar e a proteção da população no que se refere à exposição à fumaça ambiental do tabaco. (Informações extraídas do sítio . Acesso em: 10 jun. 2015). 42 O mesmo estudo aponta que se as medidas já adotadas permanecerem em vigor, até 2050 terão sido evitadas no país 7 milhões de mortes devido ao uso do tabaco. (Informação extraída do sítio . Acesso em: 10 jun. 2015). 43 No Brasil, a Lei no 9.434/1997 estabelece, em seu artigo 4o, que “a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte” (BRASIL, 1997).

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tornou referência mundial em transplantes e que mais de 95% dos procedimentos são financiados pelo Sistema Único de Saúde44. Tais ações demonstram um relevante papel do Estado incentivador de comportamentos, no âmbito da promoção e proteção do direito à saúde, também sob a ótica preventiva, no caso do desestímulo ao hábito de fumar. Por conseguinte, tem sido ampla a atuação estatal, no que se refere ao direito à saúde, ao abranger aspectos regulatórios, garantidores e de incentivo de comportamentos, o que transcende em muito a concepção unívoca de Estado prestador.

5. Conclusão Direito fundamental social ou de segunda geração, o direito à proteção da saúde é um dos mais afetados em tempos de crise econômico-financeira, razão pela qual é evidente a atualidade da discussão de “novos” modelos e limites da atuação estatal para a sua concretização. Neste trabalho, procurou-se demonstrar o caráter multifacetário da atuação do Estado no âmbito do direito à saúde, utilizando-se como exemplo concreto a realidade brasileira. Demonstrou-se que a concepção de Estado essencialmente prestador de serviços públicos se mostra insuficiente para a análise das múltiplas dimensões e funções do “novo” Estado regulador, ao abranger os papéis de garantidor, incentivador e ativador de comportamentos dos próprios agentes privados. Nesse aspecto, o grande desafio na atualidade é justamente encontrar meios de se atingir um maior grau de eficiência e eficácia, inclusive por meio do recrudescimento da participação da sociedade na realização do interesse público, mediante o fortalecimento do vínculo de solidariedade social. Não se pode desconsiderar que os desafios são inúmeros para a realização do direito fundamental à saúde. E, para além da tradicional limitação dos recursos orçamentários, talvez o maior deles esteja relacionado à dificuldade de gestão e a uma maior eficiência administrativa, organizacional e regulatória, o que é evidente no caso brasileiro. É importante mencionar, ainda, que o efetivo acesso ao direito à saúde é um problema universal, mas não existe uma “fórmula mágica” ou um modelo único passível de ser indiscriminadamente adotado pela generalidade dos países, dadas as especificidades econômicas, sociais e culturais inerentes a cada um. Considerando-se as “novas” atuações do 44 Informações extraídas do sítio . Acesso em: 7 jun. 2015.

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Estado regulador no âmbito do direito à saúde, verifica-se que também não há um padrão absoluto, exclusivo e universal de socialidade. Diversamente, a realidade, a escassez e o próprio contexto histórico têm-se encarregado, como sempre, de despertar o ser humano para a contínua necessidade de reflexão e de mudanças.

Sobre a autora Aline Vitalis é mestranda em Ciências Jurídico-Políticas, com menção em Direito Constitucional, pela Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal; e procuradora da Fazenda Nacional. E-mail: [email protected]

Título, resumo e palavras-chave em inglês45 STATE PROVIDER VERSUS REGULATORY STATE: A DIAGNOSIS OF THE SOCIAL RIGHT TO HEALTH IN BRAZIL ABSTRACT: The challenge of promoting the right to health protection is universal and features one of the main problems of sociality in today’s context. The aim of this study is to demonstrate and portray the new regulatory state functions regarding to the promotion of the fundamental right to health, using as reference the Brazilian context. The regulatory role of the state in health care systems, in its many aspects, is also studied. KEYWORDS: RIGHT TO HEALTH. STATE MODEL. REGULATION. BRAZILIAN REALITY.

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