Estados Falhados

June 4, 2017 | Autor: André Saramago | Categoria: International Relations, Failed States, Relações Internacionais, Enciclopedia, ESTADOS FALHADOS
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ENCICLOPÉDIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS



NUNO CANAS MENDES FRANCISCO PEREIRA COUTINHO (ORG.)

ENCICLOPÉDIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS PREFÁCIO PROF. ADRIANO MOREIRA

Título: Enciclopédia das Relações Internacionais © 2014, Nuno Canas Mendes, Francisco Pereira Coutinho (Org.) e Publicações Dom Quixote Todos os direitos reservados Capa: Joana Tordo Imagem da capa: XXXXX Revisão: Eda Lyra Paginação: Leya Impressão e acabamento: CEM 1.ª edição: junho de 2014 Depósito legal n.º: 374 852/14 ISBN: 978-972-XX-XXXX-X Reservados todos os direitos Publicações Dom Quixote Uma editora do Grupo Leya Rua Cidade de Córdova, n.º 2 2610-038 Alfragide – Portugal www.dquixote.pt www.leya.com

ESTADOS FALHADOS

ESTADOS FALHADOS André Saramago

O fenómeno dos Estados falhados tornou-se particularmente prevalencente desde o final da Guerra Fria, tratando-se de um objeto de estudo de elevada complexidade e significado para as relações internacionais que revela ser um ponto de intersecção de algumas das mais importantes relações históricas, económicas e políticas da sociedade internacional. Robert Jackson é frequentemente apontado como o precursor dos estudos sobre Estados falhados, sendo o primeiro a identificar a existência de Estados cuja soberania jurídica não corresponde à sua capacidade empírica de cumprir as competências soberanas. Segundo Jackson, com a descolonização o estatuto de Estado soberano foi atribuído a muitas das ex-colónias, independentemente da sua capacidade efetiva para dele usufruírem. O resultado foi o surgimento de um conjunto de Estados no espaço ex-colonial que, apesar de jurídicamente serem considerados soberanos, de facto, não revelam as características típicas de um Estado soberano, sendo incapazes de providenciar segurança, ordem ou bem-estar às suas populações, ou de manter a sua viabilidade interna sem o apoio da sociedade internacional. O termo propriamente dito surge em 1992, num artigo intitulado «Saving Failed States» da autoria de Gerald Helman e Steven Ratner. À semelhança de Jackson, atribuem a origem do fenómeno à proliferação de Estados saídos da descolonização que não apresentam as estruturas internas necessárias para sustentar a sua soberania jurídica. A identificação do fenómeno e a sua intensificação no decurso da década de 1990 originaram várias respostas da sociedade internacional. Nomeadamante, o desenvolvimento de missões das Nações Unidas cada vez mais complexas e envolvidas em ações com vista à reconstrução do aparato estadual nesses países. O conceito de Estado falhado ganhou inclusive popularidade na política externa de vários Estados. Por exemplo, os EUA criaram uma unidade especial de investigação chamada State Failure Task Force e justificaram a sua intervenção na Somália como uma forma de evitar que o país se tornasse num Estado falhado. Contudo, o fracasso da intervenção americana na Somália levou os EUA a reverem a sua postura face aos Estados falhados e, consequentemente, o debate sobre o fenómeno desapareceu do discurso internacional e passou a limitar-se essencialmente aos meios académicos, onde se manteve vivo nos trabalhos de autores como Jeffrey Herbst, Christopher Clapham, Robert Jackson, Andreas Osiander e Stephen Krasner. Os estudos sobre Estados falhados só voltariam a sair da sua relativa marginalidade na sequência dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, 214

ESTADOS FALHADOS

por via da relação estabelecida entre os Estados falhados e o desenvolvimento, no interior das suas fronteiras, de fenómenos que poderiam comprometer a segurança dos restantes Estados do sistema internacional. A identificação dos Estados falhados como uma fonte de risco tem levado a que a maioria dos estudos sobre o fenómeno incida principalmente na sua dimensão securitária. Como tal, a própria classificação de um Estado enquanto falhado prende-se frequentemente com a sua falta de capacidade demonstrada para assegurar o controlo da totalidade do seu território, o monopólio legítimo da força e providenciar ordem e segurança à sua população. Esta interpretação do fenómeno é particularmente dominante nos trabalhos de autores como Robert Jackson e Francis Fukuyama. Contudo, outros autores, como é o caso de Robert Rotberg, Ashraf Ghani, Roland Paris, James Dobbins, Clare Lockhart ou Richard Caplan, adotam uma noção mais abrangente do fenómeno do fracasso estatal, articulando a tradicional abordagem securitária com uma maior ênfase na democracia, nos direitos humanos, na legitimidade do governo e no desenvolvimento. É no âmbito destas análises que tem sido criado o chamado «Nexo Segurança e Desenvolvimento». Ou seja, a ideia de que, por um lado, é impossível promover o desenvolvimento dos Estados falhados sem neles assegurar as condições mínimas de segurança, e que, por outro lado, estes Estados nunca constituirão unidades funcionais do sistema internacional a menos que neles se iniciem processos consolidados e sustentados de desenvolvimento. A tendência para o renovado intervencionismo internacional no território dos Estados classificados como falhados tem suscitado alguns autores a questionar-se se não nos encontramos perante uma reconceptualização da soberania que, afastando-a dos moldes dominantes no período da descolonização, e do pluralismo internacional então estabelecido, recupere a importância dos critérios empíricos na sua determinação. Para autores como David Chandler, William Bain ou Robert Jackson, estas transformações evidenciam a consolidação de um paradigma hierárquico na sociedade internacional, à luz do qual os princípios da autodeterminação, igualdade soberana, tolerância e não intervenção tendem a ceder perante um crescente normativismo das relações internacionais e pelo regresso de uma espécie de «padrão civilizacional», de acordo com o qual se aferem quais os direitos e obrigações respetivos de cada um dos membros da sociedade internacional. Em Portugal, o estudo sobre o fenómeno dos Estados falhados tem sido abordado principalmente por investigadores do Núcleo de Estudos para a Paz da Universidade de Coimbra, do Instituto do Oriente e do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa entre os quais se contam nomes como Mónica Ferro, Nuno Canas Mendes, José Manuel Pureza ou Mónica Simões.

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ETNICIDADE

BIBLIOGRAFIA

Nuno Canas Mendes e André Saramago, Dimensions of State-Building: Timor-Leste in Focus, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2011, p. 204. Ashraf Ghani e Clare Lockhart, Fixing Failed States: a framework for rebuilding a fractured world, Oxford University Press, 2008. Robert Rotberg, When States Fail: Causes and consequences, Princeton University Press, 2004. Steven Ratner e Gerald Helman, «Saving Failed States», Foreign Policy, 89, 1992, pp. 3-20. Robert Jackson, Quasi-States: Sovereignty, International Relations and the Third World, Cambridge University Press, 1990.

ETNICIDADE Carlos Piteira

O termo etnicidade é vulgarmente utilizado para designar as características culturais que estão associadas a um grupo particular de pessoas que se reconhecem nesse padrão, com a qualidade de se perpetuar no tempo e de se alargar no espaço. Uma boa parte da especificidade do conceito de etnicidade reside na capacidade de dotar um determinado grupo pela diferenciação dos «outros», assim como de referenciação aos que dela (etnicidade) se reclamam pertencer. Contudo, este adjetivo conheceu vários significados ao longo dos tempos, etimologicamente derivou do grego ethnos, que significava «povo», utilizado para se referir a povos não gregos (conotação de «estrangeiros»). Esta ideia de etnia relacionada com o «não civilizado» é recuperada nos princípios do século xviii com o processo de colonização para caracterizar os povos colonizados, dando-lhe assim uma conotação de «inferioridade». O uso do conceito de etnicidade, no seu sentido mais moderno, começa essencialmente na segunda metade do século xx, como elemento classificador de diferenciação coletiva na década de 1970 em torno de traços identitários. O tema da etnicidade ganha relevo notório em termos de caracterização política e social quando associado à dimensão dos conflitos que a caracteriza, essencialmente na década de 1970 com a obra de Fredrik Barth, Grupos Étnicos e suas Fronteiras, embora a antropologia e a sociologia já se ocupassem do tema numa óptica mais direcionada para o prisma dos estudos das tribos e do paradigma tribal, que são no fundo também grupos étnicos. Este paradigma (o tribal) entra em declínio essencialmente com o processo de descolonização que recupera a noção de tribo/etnia para uma contextualização 216

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