\"Estar perto não é físico\": a ontológica da existência (Socine 2015)

June 2, 2017 | Autor: Gregorio Albuquerque | Categoria: Cinema, Audiovisual, Educação, Cineclube
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"Estar perto não é físico": a ontológica da existência "Being close is not physical": the ontological existence

Gregorio Galvão de Albuquerque

Resumo Qual a relação da existência do real com as imagens postadas na internet? O filme "Os famosos e os duendes da morte" aborda os conflitos da juventude sofrido por um adolescente morador de uma cidade do interior do Brasil. A relação estabelecida pelo adolescente com outros espaços e outras pessoas é realizada através da internet. O seu estar perto, porém não físico e a existência do outro é mediada pelas imagens dos vídeos via internet, onde a existência só acontece através do ato de olhar. Abstract What is the relationship of the real existence of the images posted on the internet? The film “Os famosos e os duendes da morte" addresses the youth conflicts suffered by a teenager who lives in a city in the interior of Brazil. The relationship established by the teenager with other spaces and others is carried out over the internet. Your being close but not physical and the existence of the other is mediated by images of internet videos, where there just happens through the act of looking.

Hey! Mr Tambourine Man Esse ensaio relata um pouco da minha experiência iniciada após a exibição e debate do filme "Os famosos e os duendes da morte" do diretor Esmir Filho na 4ª Mostra Audiovisual Estudantil Joaquim Venâncio.1 O filme é um sublime cinematográfico, que segundo Deleuze (1998 apud Capistrano, 2005, p.6) proporciona processos de subjetivação engendrados a partir do choque-cinema. O encontro com o cinema pode acontecer de diversas maneiras, seja como espectador ou como um simples produtor de vídeos, porém ele precisa causar um incômodo, um estranhamento. O diretor Esmir teve seu encontro com o cinema aos 15 anos quando viu o filme “Noites de Cabíria”2 do diretor Fellini.

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Mais informações: www.epsjv.fiocruz.br/mostrajoaquimvenancio Noites de Cabíria é um filme de 1957 do diretor Federico Fellini. Cabíria é uma jovem romântica e ingênua que se prostitui para sobreviver. Mesmo enfrentando muitas dificuldades, ela demonstra uma confiança impressionante e sonha com o verdadeiro amor enquanto sofre constantes desilusões amorosas.

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2    A vontade de escrever sobre o filme e sobre esse encontro entre filme, espectador e diretor era latente após várias twitadas e posts de alunos sobre a experiência da exibição do filme e também de ter encontrado no livro do autor Comolli (2008) uma citação de Rosselini sobre cinema, o que transformou o latente em realidade. Esses posts dos alunos me proporcionaram refletir sobre uma das problemáticas que o filme demonstra através da vida dos jovens e sua relação com a internet. Esmir adaptou o livro homônimo do escritor brasileiro Ismael Caneppele que traz um retrato sobre a adolescência. O livro narra em primeira pessoa a cabeça de um menino, morador de uma cidade do interior, seus conflitos e sentimentos escondidos. A adaptação do livro ao cinema, segundo Esmir (2014), cria um diálogo entre as palavras do livro e as imagens do filme, tudo se dialoga e se completa para buscar no leitor/espectador sentimentos análogos. Trazer uma sensação que a história estava acontecendo em algum lugar bem longe mas ao mesmo tempo muito próximo. O casal de jovens produz vídeos sobre sua vida, ambos visualmente sensíveis, falam sobre suicídio e são essencialmente melancólicos ao mostrar o lado obscuro, confuso e angustiante da adolescência. A jovem produz sua linha do tempo da sua vida na internet através desses vídeos, contudo é uma linha do tempo editada, ou seja, ela colocou o que quis colocar, o que interessava e como ela queria que os outros a vissem. Mesmo após a sua morte essa linha permanece e você pode ainda sentir a presença dessa menina, está lá mas não fisicamente, e o jovem, de nickname Mr Tambourine Man, acessa esses vídeos e se apropria da vida deles como se ambos ainda estivessem vivos.

Estar perto não é físico. A gente está sozinho mas perto de muita gente. Tem a ver com a internet, convivência com uma pessoa. Você se vê fazendo uma coisa que remete a essa pessoa, então ela está presente mas não físico. Não tem nada mais frio que a tela do computador. Vocês já pararam para ver vocês de fora no computador? É tanta coisa na cabeça e no computador mas são poucos movimentos. (FILHO, 2014) A relação do estar físico e estar ausente é demostrada durante o filme todo. Nos primeiros momentos do filme o casal de jovens é visto através de um vídeo acessado pela internet. Nesse vídeo há um grande simbolismo do sufocamento e de tensões vividas, porém demostradas de uma forma sublime e artisticamente. Mr Tambourine Man também sofre esse

3    sufocamento e essa confusão além de ser obcecado por essa menina que tem sua vida na internet. Ela está morta, porém muito presente para ele através daqueles vídeos, como a morte pode ser tão ausente e tão presente simultaneamente?. Os vídeos são postados na internet para serem vistos e olhados? Como e por que criamos nossas cenas editadas para serem vistas por todos? Zizek (2009) demonstra, a partir da obra Post-Theory de David Bordweel e Noel Carrol, que a fantasia que atrai o nosso fascínio pela cena, nesse caso os vídeos do casal de jovens pelo Mr Tambourine, não é propriamente a cena e sim o olhar/inexistente que a observa com o olhar impossível. “A cena fantasmática mais elementar não é uma cena que existe para ser olhada, mas a ideia de que ‘alguém está olhando para nós”; não é um sonho, mas a noção que ‘somos os objetos de sonho de outro” (ZIZEK, 2009, p.86). O autor se questiona também se a tendência das webcams do acompanhamento contínuo do acontecimento que se passa em um local da vida de uma pessoa revela a mesma necessidade urgente do olhar fantasmático do outro, ou seja, “só existo na medida que sou olhado constantemente [...] O sujeito precisa da câmara como uma espécie de garantia ontológica de sua existência” (ZIZEK, 2009, p.87) "Hey! Mr Tambourine Man, play a song for me, in the jingle jangle morning I'll come followin' you..." (Bob Dylan, 1965)

Refilmagens... Um filme é sempre mais ou menos um esboço. Por que insistir nos detalhes? É inútil. Em outras palavras, seria preciso fazer o filme, olhálo, estudá-lo, criticá-lo e depois filmá-lo uma segunda vez. E uma vez refilmado, seria preciso revê-lo, reestudá-lo, recriticá-lo e refilmá-lo uma terceira vez. É impossível. O filme é sempre um esboço - e dele você deve tirar o máximo. Quando um filme acaba, uma experiência acaba, uma outra começa. (Roberto Rosselini apud Comolli, 2008, p.21)

A primeira "refilmagem" do filme foi feita no debate realizado com o diretor após a exibição. Entende-se aqui "refilmar" como um desdobramento do que foi proposto por Rosselini, no qual o filme é reconstruído diversas vezes mas não materialmente e sim uma reconstrução nas percepções do espectador. Apesar de ter visto o filme três vezes anteriormente, a potencialidade e a significação do filme foram realizadas no debate com o diretor.

4    "Tantas coisas podem ser ditas de um filme que (nos) importa, mas qual delas em primeiro lugar?" (Comolli, 2008, p. 22). Talvez o que se diga primeiro de um filme seja uma pergunta, um “não entendi”, um “não entendi mas adorei” ou um silêncio. No debate com o diretor, uma aluna, perplexa e incomodada após a exibição do filme pega o microfone e fala: “a menina estava morta? no final o menino também morria? E qual o sentido da história, porque eu não entendi”. A resposta do diretor foi: “Ótimo! Às vezes a gente não compreende muito claramente, principalmente quando estamos vivendo coisas”. O cinema segundo Comoli (2008, p.97), “não tem outro sentido senão o de virar pelo avesso as evidências do sensível – e é assim que acaba por entrar em concorrência ou em luta com os poderes que ignoram essas evidências”. O filme está fora de uma padronização e de uma banalização de percepções realizada pela indústria cinematográfica porque busca uma relação da realidade cinematográfica com as sensações, emoções e memórias de um espectador ativo. Uma obra aberta como o filme “Os famosos e os duendes da morte” permite o mergulho no não entendimento e no não lógico por parte do espectador. Segundo Esmir (2014), esse tipo de obra exige um espectador ativo, aquele não somente vê o filme passar, sendo conduzido pela linha narrativa, mas um espectador que quando o filme acaba ele não termina, fica muitas vezes por longos dias, sem a necessidade de falar se gostou ou não gostou no primeiro momento.

O estado mental do espectador ao sair do cinema mantém-se alterado por algum tempo, o que é facilmente percebido pelos que o acompanham. Se, por motivos inconscientes, ele se identificou com determinados atores ou situações, essa disposição mental permanece até que a experiência do filme retroceda perante as solicitações da realidade cotidiana, e acabe por dissipar-se. (MAUERHOFER apud XAVIER, 2008, p. 379) Então por que a imersão da lógica no não entendimento? Por que tentar ser lógico em uma obra de arte aberta? Esmir (2014) fornece uma dica na própria discussão do filme: “quando vocês começarem a ver um filme que está ficando meio confuso, esquece a lógica, para com ela, para de tentar. O que isso? Ele foi daqui para cá? Mas como é o nome disso? Assim, você vai muito além (...) Você capta coisas que não precisam explicar racionalmente”. A obra aberta do filme permite além do não entendimento, uma questão de percepção sensorial. O amor pelo fazer cinema demonstrado pelo diretor Esmir no debate permitiu conceituar o que é cinema ou talvez que o cinema comece pelo ato de amá-lo. Pode ser coincidência mas

5    não à toa que Comolli cita Rosselini no tópico "A arte de amar?". Para o autor "amar não funciona sem arte, nem arte funciona sem amar" (Comolli, 2008, p. 21). Nesse tópico Comolli localiza sua experiência com o cinema para entender como seria a melhor forma de proposição e crítica. O filme começa com Mr Tambourine Man postando em seu blog a história da “A menina sem perna e o menino sem nome”. A menina não conseguiu dar o nome para o menino e ele não trouxe as pernas para ela. Ela acabou ali enterrada, sem poder sair daquele lugar e ele sem a sua identidade através do seu nome. Eles andavam pelo mesmo trilho mais nunca seriam esmagados pelo mesmo trem. Para Esmir (2014) não é ruim ser arrebatado por um trem, você pode ser atravessado por uma boa experiência ou um encontro, o encontro com o cinema e sua dimensão de ficção e realidade. No filme Esmir recria, através da vida de um menino, toda a representação da confusão e nebulosidade da adolescência. Porém esse menino existe no real ou no fictício do filme? Aquele menino, naquela região, naquela cidade e a partir daquele universo é uma construção do cineasta para mostrar uma verdade sobre a adolescência. “É tirar uma fábula para representar o real”.

Atravessando a ponte Na cena final do filme, Mr Tambourine Man para na ponte e olha para o lugar onde as pessoas pulam e fica por um momento parado. Não sabemos o que passa na cabeça dele, só sentimos uma certa confusão que nos deixa apreensivos mas esse conflito logo passa quando ele decide atravessar a ponte, sem olhar para trás e o filme termina no seu desfoque. O importante, segundo diretor, é que no final ele olhou para frente e atravessou a ponte, tendo decidido no meio da sua confusão. A ponte é um símbolo muito forte de ligação da infância com a idade adulta. A ponte é a própria adolescência,

aquele momento que você não está tão estável, que se olhar para baixo você pode cair a qualquer momento mas se você seguir andando você atravessa. E talvez por isso que termia com ele atravessando. É um momento que ele tem que ir, passar essa ponte, olhar para trás e tentar entender. (FILHO, 2014) E o filme termina? O debate acabou? Dias depois, ao ler a citação de Rosselini, uma outra refilmagem ocorreu, dessa vez mais individual. Um filme como “Os famosos e os duendes

6    da morte” não termina em uma só filmagem, uma só exibição. Ao ler senti a necessidade de escrever esse ensaio com um pouco do resumo do que foi o debate e de certas impressões que os alunos compartilharam depois. Para Esmir (2014), o bom do filme é que ele tenha muitas opções, muitas portas e que cada um não precisa seguir a mesma porta do outro, pode até se inspirar no outro mas trazer coisas lindas do universo do outro e atravessar a outra porta. Não precisa fazer igual ao outro, não é preciso se jogar da ponte, basta atravessá-la. Por que então refilmar? Qual a necessidade? Talvez a resposta seja que o filme permite isso. O filme é criado pelo diretor e sua equipe, com suas intenções conscientes, mas a significação e como a representação daquele filme acontecerá em diálogo com o espectador e dependerá da sua relação com o filme. “Nenhum filme é mais inteligente que vocês porque o filme está na cabeça de vocês. Vocês que viram, eu só fiz. Ele é só uma porta para se abrir. Ninguém é obrigado a gostar do que não gosta. Tem coisas que a gente se conecta e desconecta.” (FILHO, 2014) A mente confusa da adolescência que está descobrindo o mundo a sua volta e assim se conhecendo é o que a segunda aluna expressou no seu texto. A confusão da adolescência é expressa em detalhes pelo filme, em um quebra cabeça de 101 minutos. O estar longe é onde se pode viver verdadeiramente e como é viver em um lugar de que não se faz parte mentalmente? São vários longes, várias confusões, várias leituras. É uma experiência que se acaba e recomeça a cada filme diferente, a cada confusão na vida real ou estranhamento em um filme. É preciso parar e refletir cada filme, pensar na história, mas não como a narrativa é contada, pense na história e conte o que viu... (Esmir 2014).

Referências CAPISTRANO, Tadeu. A tração do olhar: cinema, percepção e espetáculo. 2005. In.: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, XXVIII. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1659-1.pdf> . Acesso em: 01 dez 2014. COMOLI, Jean-Loius. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficação, documentário. Trad. Augustin de Tugny, Oswaldo Teceira, Ruben Caixeta. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

7    FILHO, Esmir. Debate do filme “Os famosos e duendes da morte”. Rio de Janeiro: EPSJV, 07 nov 2014. Palestra ministrada pelo diretor Esmir Filho na IV Mostra Audiovisual Estudantil Joaquim Venâncio. XAVIER, Ismail. Olhar e cena – melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. ZIZEK, Slavoj. Lacrimae rerum: ensaios sobre cinema moderno. Trad. Isa Tavares e Ricardo Gozzi. São Paulo: Boitempo, 2009. Filmografia FILHO, Esmir. Os famosos e duendes da morte. [Filme]. Produção de Sara Silveira e Maria Ionescu, direção de Esmir Filho. Brasil, 2009, 101 min.

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