ESTELAS MEDIEVAIS DO CASTRO DO JARMELO (GUARDA)

Share Embed


Descrição do Produto

Arqueologia de Transição: O Mundo Funerário Actas do II Congresso Internacional Sobre Arqueologia de Transição (29 de Abril a 1 de Maio 2013)

Editores

Gertrudes Branco Leonor Rocha Cidália Duarte Jorge de Oliveira Primitiva Bueno Ramírez

CHAIA 2015

 

II

Coordenação Editorial: Gertrudes Branco Leonor Rocha Cidália Duarte Jorge de Oliveira Primitiva Bueno Ramírez Design: Ivo Santos Gertrudes Branco Leonor Rocha Comissão Organizadora: Leonor Rocha (CHAIA/ Universidade de Évora) Cidália Duarte (DRCN) Gertrudes Branco (CHAIA) Ivo Santos (CHAIA/ Universidade de Évora) Cláudia Teixeira (Universidade de Évora) Jorge de Oliveira (CHAIA/ Universidade de Évora) André Carneiro (CHAIA/ Universidade de Évora) Rosário Fernandes (CHAIA/ Universidade de Évora) Paula Morgado (CHAIA/ C. M. Monforte) Sérgio Batista (C.M. Monforte) Comissão Cientifica: Ana Maria Bettencourt (Universidade do Minho) Ana Maria Silva (Universidade de Coimbra) André Carneiro (Universidade de Évora) Chris Scarre (Durham University) Cidália Duarte (DRCN) Cláudia Teixeira (Universidade de Évora) Filomena Barros (Universidade de Évora) Helena Catarino (Universidade de Coimbra) Jorge de Oliveira (Universidade de Évora) Leonardo García Sanjuán (Universidad de Sevilha) Leonor Rocha (Universidade de Évora) Luc Laporte (Université de Rennes) Primitiva Bueno Ramírez (Universidad de Alcalá de Henares) Rodrigo de Balbin Behrmann (Universidad de Alcalá de Henares) Serge Cassen (Université de Nantes) Teresa Matos Fernandes (Universidade de Évora) Apoio Técnico: Ana Leonor Cavaco Maria Manuela Mexia Patrícia Flores Pedro Soares Rita Moura Torres Sérgio Batista

 

III

Edição: CHAIA Centro de História de Arte e Investigação Artística Universidade de Évora Palácio do Vimioso Largo Marquês de Marialva, 8 7000-809 Évora http://www.chaia.uevora.pt/ CHAIA/UÉ - Referência: UID/EAT/00112/2013 Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT/Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do Projeto - Refª UID/EAT/00112/2013 [CHAIA/UÉ 2014]

ISBN: 978-989-99083-6-9

O conteúdo dos artigos é da inteira responsabilidade dos autores. Sendo assim a organização declina qualquer responsabilidade por eventuais equívocos ou questões de ordem ética e legal.

Patrocinadores/Apoio institucional:

Governo da República Portuguesa

 

IV

ÍNDICE PREFÁCIO

VII

DE NASCENTE PARA POENTE: REFLEXÕES SOBRE A SINTAXE DA ARQUITECTURA MEGALÍTICA NO ALENTEJO……………………………………………………………………………………………………………………. Pedro Alvim

1

O “ETERNO DESCANSO” NO NEOLÍTICO DO ALENTEJO NORTE……………………………………………………. Jorge de Oliveira

7

NOVOS DADOS SOBRE O MEGALITISMO FUNERÁRIO DO CONCELHO DE AVIS.................................................... Ana Ribeiro

17

CONTRIBUTO PARA O CONHECIMENTO DA ANTA GRANDE DO ZAMBUJEIRO (ÉVORA, PORTUGAL): AS PONTAS DE SETA…………………………………………………………………………………………………………… Ivo Santos; Leonor Rocha

34

ANTA GRANDE DO ZAMBUJEIRO (ÉVORA, PORTUGAL): CONTRIBUTO PARA O CONHECIMENTO DAS CERÂMICAS………………………………………………………………………………………………………………….. Leonor Rocha

42

ANÁLISIS DEL MODELO DE ORGANIZACIÓN ESPACIAL DE LA NECRÓPOLIS DE VALENCINA. LA COMPLEJIDAD SOCIAL A DEBATE……………………………………………………………………………………….. Juan Carlos Mejías García; Mª Rosario Cruz-Auñón Briones; Ana Pajuelo Pando; Pedro Manuel López Aldana

52

A ANTA DO MONTE VELHO (MONFORTE, PORTUGAL)………………………………………………………………. Leonor Rocha; Paula Morgado

71

APRECIACIONES EN RITUALES FUNERARIOS DE CUEVAS ARTIFICIALES, GILENA UN EJEMPLO………… Mª Rosario Cruz-Auñón Briones; Juan Carlos Mejías-García; Ana Pajuelo Pando; Pedro Manuel López Aldana

78

OS HIPOGEUS 3 E 4 DA QUINTA DO ANJO (PALMELA) – UMA ABORDAGEM GEOARQUEOLÓGICA………… Pedro Mendes

90

LAS ESTRUCTURAS FUNERARIAS DE CERRO VASCONCILLAS (ROTA, CÁDIZ)…………………………………. Yolanda Costela Muñoz; Helena Courtot

106

ENTERRAMENTO DE CÃES NA QUINTA DO ALMARAZ (ALMADA, PORTUGAL)………………………………… Francisco Correia

113

MORRE-SE HÁ MUITO TEMPO SOBRE A TERRA. TOPOGRAFIA FUNERÁRIA E SOCIEDADE NO ALTO ALENTEJO EM ÉPOCA ROMANA......................................................................................................................................... André Carneiro

125

DA NECRÓPOLE AO POVOADO DE SÃO FARAÚSTO II (ORIOLA, PORTEL): NOVAS PERSPECTIVAS ATRAVÉS DE UMA ABORDAGEM PLURIDISCIPLINAR……………………………………………………………….. Carlos Ferreira; Catarina Mendes; Maria Teresa Ferreira; Hélder Santos; Nuno Barraca

140

A NECRÓPOLE ROMANA DA ROUCA (ALANDROAL, ÉVORA)………………………………………………………. Mónica S. Rolo

146

A NECRÓPOLE DO POÇO DO CORTIÇO (ALANDROAL, PORTUGAL)………...……………………………………... André Carneiro; Leonor Rocha

154

A PREFERÊNCIA PELA INUMAÇÃO NAS NECRÓPOLES ROMANAS DOS SÉCS. III - IV D.C. DO MUNICÍPIO DE PENAFIEL (NORTE DE PORTUGAL)………………………………………………………………………………….. Teresa Soeiro COLEÇÃO ANTÓNIO/DELMIRA MAÇÃS. O CASO DAS NECRÓPOLES DE SÃO SALVADOR DE ARAMENHA: CERÂMICA COMUM. DADOS PRELIMINARES………………………………………………………………………….. Vítor Dias MUDANÇAS NOS SÍMBOLOS MATERIAIS DE IDENTIDADE NO PERÍODO VISIGODO A PROPÓSITO DAS FIVELAS DE CINTURÃO LIRIFORMES…………………………………………………………………………………… Sofia Lovegrove HALLAZGO DE UN SARCÓFAGO TARDORROMANO EN SANTA MARÍA DE BENQUERENCIA, TOLEDO…….. Elena Rosado Tejerizo; Antonio Rodríguez Fernández; Elena Justel Gómez LA CATACOMBE DES SAINTS PIERRE-ET-MARCELLIN A ROME (IER-IIIE S.) : DISCUSSION SUR L’ORIGINE DES DEFUNTS ET LEUR DECES…………………………………………………………………………………………… Philippe Blanchard; Hélène Reveillas; Sacha Kacki; Dominique Castex

 

V

159

175

187 195

197

UNA NUEVA NECRÓPOLIS DE ÉPOCA VISIGODA EN CUBILLEJO DE LA SIERRA (GUADALAJARA, SPAÑA).. Mª Luisa Cerdeño; Emilio Gamo; Marta Chordá

217

EXCAVACIÓN ARQUEOLÓGICA EN LA NECRÓPOLIS MEDIEVAL DE SAN LÁZARO, TOLEDO………………... Antonio Rodríguez Fernández; Elena Rosado Tejerizo

224

ALCÁÇOVA DO CASTELO DE MÉRTOLA NECRÓPOLE MEDIEVAL E MODERNA………………………………... Maria de Fátima Palma; Clara Rodrigues; Teresa Carmo

234

LA NECRÓPOLIS MUDÉJAR-MORISCA DE MUEL (ZARAGOZA): EL REFLEJO DE DOS RITOS FUNERARIOS EN LA ESPAÑA MODERNA………………………………………………………………………………………………… Ieva Reklaityte; Enrique García Francés

246

OS ELEMENTOS DE ADORNO NA NECRÓPOLE MEDIEVAL E MODERNA DA ALCÁÇOVA DO CASTELO DE MÉRTOLA……………………………………………………………………………………………………………………... Lígia Rafael; Maria de Fátima Palma; Rute Fortuna; Clara Rodrigues

258

SEPULTURAS ESCAVADAS NA ROCHA DA FREGUESIA DE ROSMANINHAL (IDANHA-A-NOVA)…………… Mário Chambino; Francisco Henriques; João Carlos Caninas

272

ESTELAS MEDIEVAIS DO CASTRO DO JARMELO (GUARDA)……………………………………………………….. Tiago Pinheiro Ramos

289

O ESPAÇO FUNERÁRIO ALTO-MEDIEVAL DA TORRE VELHA (CASTRO DE AVELÃS, BRAGANÇA)………….. Sofia Tereso; André Brito; Cláudia Umbelino; Miguel Cipriano; Clara André; Pedro C. Carvalho

297

ARQUEOLOGÍA FUNERARIA EN LA ALTA MONTAÑA DE TENERIFE (ISLAS CANARIAS)……………………… Sergio Pou Hernández; Matilde Arnay de la Rosa; Carlos García Ávila; Efraín Marrero Salas; Emilio González Reimers

307

FORGET ME NOT… EXPOSURE OF CASE STUDIES DETECTED IN FUNERARY CONTEXTS, WHICH DEPOSITION IS UNUSUAL (PORTUGAL)………………………………………………………………………………… Sónia Ferro; Daniela Anselmo; Teresa Matos Fernandes

318

ESTUDO ANTROPOLÓGICO DO CONVENTO DE NOSSA SENHORA DO CARMO, TAVIRA………………… Sandra Cavaco; Jaquelina Covaneiro; Teresa Carmo

325

ESTUDO ANTROPOLÓGICO DO CONVENTO DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA, TAVIRA (PORTUGAL)……… Jaquelina Covaneiro; Sandra Cavaco; Teresa Carmo

332

MOITA DA LADRA, O DEPÓSITO VOTIVO DO BRONZE FINAL. RESULTADOS PRELIMINARES………………... Mário Monteiro; André Pereira

341

 

VI

PREFÁCIO

Mais do que grandes templos ou majestosos palácios os testemunhos materiais da morte foram desde sempre objeto de atenção e estudo por parte dos que sobre as memórias do passado se interessam. Muito antes da fase científica da história da arqueologia, ou mesmo antes da fase dos “antiquários”, encontramos referências, ainda que duma forma algo fantasiosa ou lendária, a estruturas tumulares e a obscuros ritos com elas relacionadas. A forte carga mágica e religiosa em que todos os povos e culturas envolveram a morte contribui para que ela fosse ritualizada de diferentes formas, mas sempre mantendo uma gramática praticamente comum, a de perpetuar a memória dos que morriam. Assim, mais discretos, ou mais monumentais os espaços da morte foram e continuam a ser procurados com diversos interesses, sejam eles científicos, religiosos ou, simplesmente, por aqueles a que vulgarmente chamamos de “caça tesouros”. Mas as memórias materiais da morte não se esgotam nos espaços sepulcrais. Em paralelo existe um vasto conjunto de artefactos específicos, diretamente associados com os contextos funerários, que de uma forma direta ou indireta preencheram ao longo dos tempos os vastos complexos rituais da morte nos diferentes ambientes que os produziram. Indissociável das estruturas e dos artefactos funerários o grande universo da antropologia biológica, nas suas mais diversas vertentes e durante tanto tempo negligenciada, evidencia a enorme importância destes saberes para a construção da memória histórica e arqueológica. O Laboratório de Arqueologia da Universidade de Évora em parceria com o CHAIA ao organizarem a segunda edição do CIAT – 2º Congresso Internacional sobre Arqueologia de Transição entenderam dedicá-lo, exatamente, aos diferentes contextos funerários, dando especial preferência aos estudos realizados sobre os distintos períodos de transição cultural. Neste evento participaram um alargado conjunto de investigadores que apresentaram e discutiram os resultados dos seus estudos abarcando um amplo espectro cronológico. Os três dias do congresso, que decorreu na Universidade de Évora, de 29 Abril a 1 de Maio de 2013, evidenciou quão justo foi o tempo porque muitos foram os comunicantes e assistentes que quiseram partilhar e discutir os últimos resultados das mais recentes investigações sobre o mundo funerário, evidenciando quanto oportuna foi a realização desta reunião científica e cujas actas agora se publicam. A todos os comunicantes e participantes e sobretudo a todos os que se disponibilizaram para que este congresso se realizasse e a publicação das actas se concretizasse manifestamos o nosso agradecimento esperando que em breve consigamos organizar o 3º Congresso de Arqueologia de Transição. 1 de Maio de 2015 Jorge de Oliveira

 

VII

ESTELAS MEDIEVAIS DO CASTRO DO JARMELO (GUARDA) Tiago Pinheiro RAMOS1

ABSTRACT This paper brings to knowledge a set of twelve discoid stelae, cut in local granite, from the three medieval churches of the archaeological site of Jarmelo (Guarda). Rising up 942 meters, this site is what is called in Geology an Ilseberg, For this reason, it have a large visual field that reach Guarda, Pinhel, Figueira de Castelo Rodrigo, Almeida, Castelo Bom, Castelo Mendo, Sabugal, and Spanish borders territories. Jarmelo was a medieval town, and a medieval county, that over the centuries came suffering of a progressive depopulation phenomenon. Nowadays, it does not have any habitant and the county was divided between the county of Guarda and the county of Pinhel, in the end of 19º century. Although this situation, two (São Pedro and São Miguel), of the three, churches with medieval pass still remain erected. However, both churches were targeted for refurbishments over the centuries and nowadays they do not show medieval traces. They continue to be the center of Christian cult for the population who live on the surrounding villages, and still use the two cemeteries for burials. The third church isn’t possible to recognize nowadays, only remains the place name. As previously has been said, there are three churches whit a medieval past. São Pedro church, São Miguel church and Santa Maria church appear in medieval documents since the first half of the thirteenth century. In what concern of the discoid stelae, to study this group it is necessary understand that this set is subdivided in to three, belongs each one to a different church. In this case the group that belongs to the São Pedro Church is located at the cemetery of this church. It is composing by ten discoid stelae, unfortunately anyone is in situ. Near the São Miguel church, on a contemporary platform, is located a discoid stele. The last one, that belonging to Santa Maria church, was collected in 1951 from a modern wall and currently it is located on the Museum of Guarda. The iconography present in the stelae is majority compose by the Greek Cross, with some variations, and in minority by geometric and astral motives. The stele that belongs to the Santa Maria Church shows a curious iconography on the reverse face. It was composing by a half moon/ crescent in low relief. During this investigation it was not founded any stele with the same iconography. This funerary ritual of Late Medieval Age is very well known in Guarda county. The total numbers of those manifestations exceeds a hundred, and exist in towns and

villages like Guarda, Pinhel, Mêda, Sabugal or Foz Côa. However, the fact of majority of them, like the case of Jarmelo, haven’t archaeological context, it decrease the changes of a better knowledge. Nevertheless, in the case of medieval village of Jarmelo those manifestation increase the knowledge of the past on this site, his funerary rituals and mostly it testify a permanent medieval occupation, which is the propose of the master investigation of the author. Keywords: Jamelo, discoid stelae, medieval

1. Enquadramento do sítio O castro do Jarmelo situa-se a 15 km a Este da cidade da Guarda, na freguesia de S. Pedro do Jarmelo, concelho e distrito da Guarda (Fig.1). Apresenta as coordenadas UTM 29TPE 581 952¹, erguendo-se a 942m de altitude, concretamente, enquadra-se numa formação geológica do tipo Ilseberg, fenómeno típico da Meseta Ibérica onde a altimetria ronda os 800m. Deste modo, demarca-se, assim, da restante paisagem, o que lhe permite um vasto domínio visual do planalto beirão, avistando localidades como a Guarda, Pinhel, Figueira de Castelo Rodrigo, Almeida, Castelo Bom, Castelo Mendo, Sabugal, e territórios da raia espanhola. Este sítio constituiu uma das vilas medievais beirãs que se foi despovoando ao longo dos séculos, encontrando-se hoje completamente desprovida de população. Apresenta uma cerca de muralhas de forma ovalada, aproveitando as linhas de relevo, rasgadas por três portas. As três igrejas, de origem medieval, situam-se fora do recinto amuralhado, embora em conexão com as vias de acesso a essas entradas. Embora despovoada, tem contudo o particularismo de ainda se conservarem duas (das três) igrejas de origem medieval, e seus cemitérios, onde as populações, das aldeias em redor da antiga vila, continuam a praticar o seu culto e a sepultarem os seus defuntos. Associadas a estas Igrejas foi possível inventariar um conjunto de 12 estelas discóides, de época medieval, sendo que onze delas já se encontram anteriormente mencionadas (PEREIRA, 2003) e (MOREIRA, 2009). Porém, não tendo sido alvos de um estudo mais aprofundado anteriormente, foram agora alvo de exame como parte da investigação para a realização de tese de mestrado subordinada ao tema “O Castro do Jarmelo em época medieval: contributo da arqueologia para o seu estudo”.

2. As Igrejas do Castro do Jarmelo – São Pedro, São Miguel, Santa Maria

                                                             1

Actualmente, das três igrejas já reconhecidas em fontes de época medieval, somente duas se encontram edificadas, São Pedro e São Miguel (Fig.2). Uma terceira, a de Santa Maria, foi já alvo, segundo a tradição local, de

 Instituto de Estudos Medievais – F.C.S.H. - U.N.L. [email protected]

 

289

ARQUEOLOGIA DE TRANSIÇÃO: O MUN DO FUNERÁRIO

  Assim, no cemitério da Igreja de S. Pedro foi possível identificar 10 estelas discóides, semi-enterradas que, não se encontrando in situ, perfilam-se ao longo do corredor central o qual rasga o cemitério no sentido Este-Oeste, dividindo-o em dois. Esta disposição foi resultante do arranjo, e alargamento deste recinto ocorrido na década de 50 do século XX. Testemunhos orais recolhidos (PEREIRA, 2003) relatam que o conjunto seria numericamente mais elevado, tendo sido levadas para Trancoso e Castelo Branco um número indeterminado de estelas. Igualmente à época foram achados sarcófagos, os quais se desconhece a sua actual localização.

desmantelamento para aproveitamento dos seus silhares numa nova igreja erigida na aldeia da Castanheira, outrora pertencente ao termo da vila do Jarmelo. Consequência desta premissa, não se reconhecem no terreno vestígios desta, apenas se conserva o topónimo da zona onde se situaria. As actuais Igrejas de São Pedro e São Miguel, as quais continuam presentemente a ser sede das paróquias com os mesmos nomes, sofreram ao longo dos séculos algumas remodelações que lhes transformaram o seu traçado medieval original. Derivado deste facto, não demostram possuir características arquitectónicas medievais visíveis.

Nas imediações da igreja de S. Miguel, numa plataforma de betão, de cronologia recente, destinada ao suporte logístico das festividades em honra do orago São Miguel, descobre-se uma estela discóide. Segundo relatos de populações locais, terá sido recolhida do cemitério da Igreja de S. Miguel. Desconhece-se, no estado actual da investigação, se foram recolhidas mais representações funerárias idênticas. Apenas se constata a não ocorrência de nenhum destes achados no interior do cemitério, ou nas suas redondezas.

Porém, as fontes históricas permitem atestar o passado medieval destas três igrejas, concretamente a partir da primeira metade do século XIII. No caso da Igreja de São Pedro, é conhecido o seu fundador, um cónego do Cabido da Sé do Porto, Pedro Fernandes. Clérigo que afirma ter construído esta igreja às suas expensas, doando-a posteriormente ao Bispo do Porto, em Julho de 1239. (SILVA, 2006). Aparece igualmente referida, no século seguinte, no rol das igrejas de 1320, como pertencendo ao Bispado da Guarda, pagando 80 libras de dízima. Valor que ascende a 150 libras no ano de 1336, montante igualmente destinado ao patronato régio (BOISSELLIER, 2012).

Quanto à estela pertencente à Igreja de Santa Maria encontra-se, presentemente, à guarda do Museu da Guarda. Segundo um relato da década de 50 (FONSECA, 1951), esta estela encontrava-se inserida num muro moderno, juntamente com mais duas, as quais não foi à época possível a recolha. A localização deste muro encontra-se descrita como adjacente à suposta localização da Igreja de Santa Maria, da qual apenas sobrevive o topónimo.

Quanto à Igreja de S. Miguel, aparece documentada, identicamente na primeira metade do século XIII (GOMES, 1981). Encontrava-se, à época, na posse do Bispo de Viseu, mas reclamada pelo Bispo da Guarda, D. Martinho Pais. Passaria para o prelado do bispado egitaniense por decreto papal de Inocêncio IV em 1249 (Idem). Similarmente figura no rol das igrejas de 1320, pagando a quantia de 100 libras de dízima, valor que aumenta para 150 libras no ano de 1336, reservado ao patronato régio (BOISSELLIER, 2012).

Para uma melhor compreensão do enquadramento das estelas é necessário compreender o local onde se inseriam. Os cemitérios cristãos de Baixa Idade Média situavam-se exteriormente à Igreja, mais concretamente nos seus adros. No que concerne à tipologia das sepulturas, estas eram construídas, em geral, com orientação no sentido nascente-poente, cobertas por pequenos tumulus, de pedra e terra, ou apenas demarcadas as suas cabeceiras por estelas discóides.

Respeitante à desaparecida Igreja de Santa Maria, esta identicamente, figura na querela, anteriormente referida, entre os Bispos de Viseu e da Guarda. Do mesmo modo sobrevém no rol das igrejas de 1320, tributando 100 libras de dízima, valor que duplica em 1336.

“A iconografia nas cabeceiras de sepultura é, sem dúvida, o aspecto mais relevante no estudo destes documentos.” (MOREIRA, 1979, pág. 167). Analisandose esta temática, denota-se uma clara preponderância de representações cruciformes, nomeadamente a cruz grega nas suas variadas ascensões, sendo que existem em menor número outros motivos iconográficos como geométricos, e astrais.

3. Enquadramento espacial, iconográfico e simbólico das estelas discóides Como anteriormente referido, o conjunto de estelas discóides alvo de estudo cifra-se num total de 12. Porém, este grupo subdivide-se em três, correspondendo aos núcleos pertencentes a cada igreja. De ressalvar que em nenhum dos casos estas arquitecturas funerárias foram detectadas in situ, impossibilitando assim um maior rigor científico. Fenómeno bastante recorrente, “Apesar que en la actualidad disponermos de um ámplio elenco de estelas funerarias medievales y modernas en la Península Ibérica, las piezas que procedem de contextos arqueológicos son muy pocas cuantitativa e percentualmente...” (MENCHÓN, 2002, pág. 654).

Segundo RIBEIRO (2006) o significado dos motivos presentes nas estelas funerárias, ou seja, a efectiva origem e intrínseco significado dos símbolos utilizados tem de ser procurado no imaginário paleocristão tanto a Ocidente como a Oriente. A cruz grega é uma constante na iconografia paleocristã, mesmo quando inscrita numa moldura circular, motivo este frequente na arquitectura desta época e que se transmite à Idade Média. A presença de outros motivos e de outras cruzes, surgem também nos

290  

 

Tiago Pinheiro Ramos: ESTELAS MEDIEVAIS DO CASTRO DO JARMELO

  espessura. Anverso possui cruz grega de braços rectos em relevo. Anverso aparenta não possuir decoração. Encontra-se danificada no disco.

mesmos locais e em suportes paleocristãos e medievais já referidos, sobre monumentos epigráficos, elementos escultórios-arquitectónicos, sobre objectos e livros litúrgicos. Por vezes motivos aparecem por si combinados. Como anteriormente referido, as necrópoles onde se inserem rodeiam igrejas onde proliferam os mesmos motivos idênticos. Deste modo “Cremos que a estela funerária medieval cristã tem exactamente a sua origem directa neste contexto...” (RIBEIRO, 2006, pág. 602). Igualmente é necessário compreender que “Na Idade Média, dos eruditos aos vulgares religiosos vai um abismo, e um outro – porventura mais profundo – se cava entre estes últimos e o comum da população. Quando o símbolo se massifica, normalmente perde em significado aquilo que ganha em popularidade.” (ob. Cit., pág. 606).

Estela nº6 (Fig.8) – Cabeceira de sepultura discóide, visível somente o disco. Possui as proporções de 39 cm de diâmetro do disco e 14 cm de espessura. A decoração do anverso é composta por cruz grega de braços curvos em relevo, sem linha de cercadura. Reverso ostenta pequena cruz grega de braços rectos incisa a traço fino, não aparenta linha de cercadura. Possui linha incisa na parte superior do disco. Estela nº7 (Fig.9) – Cabeceira de sepultura discóide, sendo apenas visível o disco. Exibe como dimensões 38 cm de diâmetro do disco e 11 cm espessura. Anverso decorado com quadrifólio rebaixado, sendo visível a linha de cercadura. Reverso exibe cruz grega de braços rectilíneos, não aparentando linha de cercadura.

4. Catálogo das estelas O conjunto de estelas analisado têm em comum o granito, de origem local, como material base para o seu fabrico. De dimensões não uniformes, apresentam motivos decorativos similares, apenas com algumas variantes quanto à decoração no reverso.

Estela nº8 (Fig.10) – Cabeceira de sepultura discóide, somente se vislumbra o disco. Ostenta como dimensões 41 cm de diâmetro do disco e 15 cm de espessura. A decoração do anverso é constituída por cruz grega de braços curvilíneos em relvo, decoração que se repete no reverso. Em nenhuma das faces se vislumbra linha de cercadura.

4.1 Estelas do cemitério da Igreja de São Pedro Estela nº1 (Fig.3) – Cabeceira de sepultura discóide, sendo apenas visível o disco. Apresenta como dimensões 34 cm de diâmetro do disco e 14 cm de espessura. Possui como motivos decorativos do anverso cruz grega de braços rebaixados curvilíneos, apresentando linha de cercadura. Reverso possui cruz grega de braços curvilíneos em relevo circunscrita por linha de cercadura.

Estela nº9 (Fig.11) – Cabeceira de sepultura discóide, visível unicamente o disco. Possui como dimensões de 35 cm de diâmetro do disco e 13 cm de espessura. Anverso ostenta cruz grega incisa a traço fino e linha de cercadura. Reverso aparenta não ostentar decoração. Estela nº10 (Fig.12) – Cabeceira de sepultura discóide. Devido ao facto de se encontrar muito enterrada, e demasiado perto de uma campa, não foi possível averiguar as dimensões do disco ou a existência de decoração.

Estela nº2 (Fig.4) – Cabeceira de sepultura discóide, sendo visível somente o disco. Possui as dimensões de 43 cm de diâmetro do disco e 11 cm de espessura. Ostenta quadrifólio rebaixado e linha de cercadura como motivos decorativos do anverso. No reverso decoração surge sobre a forma de cruz grega, de baixos rebaixados, circundada por linha de cercadura.

4.2 Estela da Igreja de São Miguel Estela nº11 (Fig.13) – cabeceira de sepultura, possuindo como dimensões 58 cm de altura, 28 cm de diâmetro do disso e 14 cm de espessura. Decoração do anverso constituída por quadrifólio rebaixado, possuindo linha de cercadura. Reverso exibe cruz grega de braços curvilíneos em relevo e linha cercadura.

Estela nº3 (Fig.5) – Cabeceira de sepultura discóide, vislumbrando-se unicamente o disco. Ostenta de dimensões 34 cm de diâmetro do disco e 12 cm de espessura. Anverso decorado por cruz grega rebaixada, possuindo 4 calotes esféricas rebaixadas entre os braços, e linha de cercadura. Reverso detém cruz grega rebaixada com 4 calotes esféricas rebaixadas entre os braços e linha de cercadura.

4.3 Estela da Igreja de Santa Maria Estela nº 12 (Fig.14) – Cabeceira de sepultura, ostenta como proporções 54 cm de altura, 36 cm de diâmetro do disco e 13 cm de espessura. Anverso decorado por cruz grega de braços curvilíneos em relevo. Reverso ostenta um meia lua/crescente rebaixada, sem linha de cercadura.

Estela nº4 (Fig.6) – Cabeceira de sepultura discóide, apenas observável o disco. Detém as proporções de 35 cm de diâmetro do disco e 17 cm de espessura. Decoração anverso constituída por cruz rega em relevo, sem cercadura. Reverso pequena cruz grega incisa a traço fino, sem linha de cercadura.

5. Considerações finais Estela nº5 (Fig.7) – Cabeceira de sepultura discóide, perceptível meramente o disco. Apresenta como dimensões 33 cm de diâmetro do disco e 12 cm de

 

O fenómeno das estelas discóides encontra-se bastante presente na região beirã. José Beleza Moreira (2009)

291

ARQUEOLOGIA DE TRANSIÇÃO: O MUN DO FUNERÁRIO

  inventaria já 137 cabeceiras de sepultura, em sítios como a Guarda, Sabugal , Mêda, Pinhel ou Foz Côa, embora quase sempre sem contextos arqueológicos associados, como ocorre no caso do Jarmelo.

Talhadas sobre blocos de granito, de proveniência local, apresentam como principais motivos decorativos cruzes gregas e cruzes de braços curvilíneos. Porém, a estela pertencente à Igreja de Santa Maria, apresenta distinta e enigmática decoração (meia-lua/ crescente) não tendo sido reconhecido, no decurso desta investigação, paralelos decorativos.

O conjunto estudado retrata apenas uma fracção do total que outrora existiram, tendo sido possível recolher testemunhos que afirmam a existência de mais estelas provenientes do cemitério de S. Pedro, e do mesmo local de onde foi recolhida a estela da Igreja de Santa Maria.

Por fim, estas manifestações funerárias vêem por si demonstrar, e reforçar, a ocupação do Castro do Jarmelo em período medieval, e a presença de rituais religiosos cristãos.

Anexos

Figura 1 – Localização e enquadramento do Jarmelo ( Monteiro 2012 alterada)

292  

 

  ARQUEOLOGIA DE TRANSIÇÃO: O MUN DO FUNERÁRIO Tiago Pinheiro Ramos: ESTELAS MEDIEVAIS DO CASTRO DO JARMELO  

Figura 2 – Planta do Castro do Jarmelo (Pereira, 2008)

 

313 293

 

ARQUEOLOGIA DE TRANSIÇÃO: O MUNDO FUNERÁRIO Tiago Pinheiro Ramos: ESTELAS MEDIEVAIS DO CASTRO DO JARMELO

 

Figura 3 – Estela nº1

Figura 4 – Estela nº2

Figura 5 – Estela nº3

Figura 6 – Estela nº4

 

314 294

ARQUEOLOGIA Tiago Pinheiro Ramos: ESTELAS MEDIEVAIS DO CASTRO DO JARMELO  ARQUEOLOGIA DE DE TRANSIÇÃO: TRANSIÇÃO: O O MUNDO MUN DOFUNERÁRIO FUNERÁRIO

 

Figura 7 – Estela nº5

Figura 8 - Estela nº6

Figura 9 – Estela nº 7

Figura 10 – Estela nº 8

295  

 

Tiago Pinheiro Ramos: ESTELAS MEDIEVAIS DO CASTRO DO JARMELO

 

Figura 11 – Estela nº 9

Figura 12 – Estela nº 10

6. Bibliografia Cirlot, J. E. (2000) – Dicionário de símbolos, ed. Dom Quixote, Lisboa; Delgado, A. (2006) – Estela, escultura e memória, in Actas do VIII Congresso Internacional de estelas funerárias. MNA, Lisboa, p.567-600; Ferreira, J. (1965) – Cabeceiras de Sepultura do Concelho de Vila Nova de Foz Côa, in CôaVisão, nº1, Guarda. P. 690-692; Fonseca, A. D. da (1951) - Projecto de relatório apresentado à 2ª sub-secção da 6ª secção da JNE sobre recentes descobertas do Jarmelo e outras antiguidades do concelho da Guarda. Policopiado; Gomes, J. P. (1981) – História da diocese da Guarda, ed. de autor, Braga; Gomes, M. V., e Gomes, R. V. (2006) - Estelas discóides da necrópole da Sé de Silves (Algarve, Portugal): contexto e cronologia, in Actas do VIII Congresso Internacional de estelas funerárias. MNA, Lisboa, p.309-330; Gomes, M. V (1995) - Estelas discóides do Museu de Loulé, in Al-Ulyã, Loulé, p. 31-43; Menchón, J. J. (2002) – Estelas medievales, contextos arqueológicos y documentáles, in Actas do VII Congresso Internacional de Estelas Funerárias. Sória, 650-660; Monteiro, H. (2012) – A Estrada da Beira: reconstituição de um traçado medieval, Tese de Mestrado apresentada à F.C.S.H. – U.N.L, policopiada; Moreira, J. B. (1979) – Cabeceiras de sepultura medievais, in Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, Coimbra, p. 163-169;

 

316 296

Moreira, J. B. (1995) – Tipologia das estelas rectangulares portuguesas, in Actas do VI Congresso Internacional de Estelas Funerárias. Navarra, p. 265303; Moreira, J. B. (2009) – Cabeceiras de sepultura do concelho da Mêda, in Civitas Patrimonio e Cultura nº1, ed. Câmara Municipal da Mêda, Mêda, p.64-70; Pereira, V. (2003) – Contributo para o estudo do Castro do Jarmelo (Guarda), in Praça Velha nº13, ed. Câmara Municipal da Guarda, Guarda, p. 7-19; Pereira, V. (2008) – Intervenção arqueológica no Castro do Jarmelo. Relatório da 1ª campanha. Policopiado; Ribeiro, J. C. (2006) – A Estela medieval: questões de origem e terminologia, rotas de difusão, enquadramento histórico e função social, in Actas do VIII Congresso Internacional de estelas funerárias. MNA, Lisboa, p.599611; Silva, M. J. O e (2006) - SCRIPTORES ET NOTATORES:A Produção Documental da Sé do Porto (1113-1247), ed. Faculdade de Letras Universidade do Porto, Porto.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.