Estereotipia e Currículo – Entre a inclusão e a integração dos alunos do ensino profissional nível III

September 13, 2017 | Autor: A. Revista Interd... | Categoria: Educación, Sociologia, Sociologia da Educação, Sociología, Educação, Sociologia De La Educación
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Estereotipia e Currículo – Entre a inclusão e a integração dos alunos do ensino profissional nível III Liliana Rodrigues Universidade da Madeira (Portugal)

Falarmos de teorias implícitas não significa falsidade, ou erro. Há uma função social destas teorias mas é preciso estar atento ao fenómeno da etiquetagem. Existem teorias implícitas correctas ou pelo menos socialmente úteis. É demasiado pobre aceitar posições liberais baseadas no desenvolvimento da boa vontade para com a diversidade e que é possível corrigir sentimentos de discriminação. O Outro não é um Outro distante de mim. É ele que me permite ser quem sou. A relação entre o Eu e o Outro é uma relação dialéctica. Entre dois. A não assunção desta visão implica um exame e um questionamento das relações de poder dentro das instituições de ensino. Speak of implicit theories does not mean falsehood or error. There is a social function of these theories, but we must be alert to the phenomenon of labeling. There are implicit theories correct or at least socially useful. It is too poor to take liberal positions based on the development of good will toward diversity and it is possible to correct feelings of discrimination. The Other is not another one away from me. It is what allows me to be who I am. The relationship between the Self and the Other is a dialectical relationship. Between the two. Not assuming this view implies an examination and an examination of the relationships of power within educational institutions. Palavras-chave: currículo, estereotipia, inclusão, integração e ensino profissional. Keywords: curriculum, stereotyping, inclusion, integration and vocational education.

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Na estereotipia fica claro que as razões são as nossas. As causas são os outros. Não exigimos indicações. Intimamos elementos determinados que prognostiquem e predigam comportamentos, tanto os nossos como os dos outros. Recorremos a sistemas de classificações estáveis e significantes e a teorias implícitas (inclusive de personalidade). Recorrer a elas não significa forçosamente erro, apesar de serem passíveis de potenciais abusos. A fé em tais teorias pode encegueirar de tal modo que vemos a realidade consoante os nossos desejos. É a negação, infundamentada, do engano. As teorias implícitas podem pertencer a um sujeito, ou a grupos que estando numa relação de interacção contínua implicam valorizações, quer dizer avaliações, ou significações. O interaccionismo Simbólico baseia-se nas seguintes três premissas (Blumer, 1982): 1.

O ser humano orienta os seus actos em relação às coisas em função do que elas

significam para ele. Estão aqui em causa objectos físicos, outras pessoas, categorias sociais, instituições, ideias, actividades e situações diversas da vida quotidiana. Se, tradicionalmente, a psicologia e a sociologia consideram o comportamento um produto de determinados factores (estímulos, motivações, percepções, etc. num caso, e normas, papéis e estatutos noutro), sendo o significado subdentendido ou um vínculo neutro entre esses factores e comportamentos, no interaccionismo o significado das coisas é em si mesmo um elemento central. 2.

O significado das coisas surge como consequência da interacção social que

cada um mantém com o outro ou outros. Os actos dos outros têm por efeito definir uma coisa ou pessoa para outra pessoa: “o significado do que uma coisa tem para uma pessoa é o resultado de distintas formas em que outras pessoas actuam para ela em relação a essa coisa (Blumer, 1984:4.). 3.

os significados manipulam-se e modificam-se mediante um processo

interpretativo desenvolvido pela pessoa ao confrontar-se com as coisas que vai encontrando. Deduzido pela própria pessoa através da interacção, o uso de um significado pela pessoa não é a sua simples aplicação. A utilização do significado no AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 2, ago 2013

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acto implica um processo interpretativo. (...) Assim a interpretação é um processo de formação de significado por auto-interacção pelo qual os significados desempenharão um papel no acto1. O problema que se põe nas teorias implícitas é que há uma deformação na interpretação (se é que ela chega a existir). No que se refere aos grupos parece existir consenso entre indivíduos em relação a determinadas teorias implícitas de personalidade (Leyens parece crer que os portugueses têm dificuldade de fazer uso da pontualidade britânica2). Estas teorias servem não só para avaliar o Outro como ao próprio sujeito. Ora o que se entende por teorias implícitas da personalidade? (...) do que se entende por “teorias implícitas de personalidade”: estas correspondem a crenças gerais que alimentamos a propósito da espécie humana, nomeadamente no que concerne à frequência e à variabilidade de um traço de carácter na população. (...) Determinado traço chama outro, os dois primeiros um terceiro, traços. Estas matrizes de correlação ou de co-ocorrência, por assim dizer retratos “robots”, constituem um segundo aspecto do que devemos entender por teorias implícitas de personalidade. Enfim, estas teorias dizem-se “implícitas” ou ainda “ingénuas”, porque aqueles que as defendem não têm, necessariamente, consciência delas e não sabem, provavelmente, exprimi-las de modo formal. São teorias sem fundamentação científica, a que cada um de nós recorre para se julgar a si mesmo e aos outros, para explicar e prever o próprio comportamento dos outros. (...) as teorias implícitas de personalidade não são mais do que um exemplo do processo geral de categorização3. De facto nós funcionamos com tais teorias e o mais curioso é que muitas vezes as sabemos como pouco dignas de fé ou até falsas. A necessidade de coerência e ordem leva-nos, muitas vezes, a fazer um mau uso daquilo que numa conceptualização cartesiana podemos chamar de bom senso. Quem estabelece tal conformidade e

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LOPES, A., Libertar o Desejo, Resgatar a Inovação – A Construção de Identidades Profissionais Docentes, pp. 94 e 95 2 Este parêntesis é falso porque o próprio Leyens nos diz que o exemplo foi aleatório - LEYENS, J.P., Teorias da Personalidade na Dinâmica Social, p. 65 - nota 10 3 Idem, op. cit., pp. 31e 32 AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 2, ago 2013

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harmonia social são as ditas teorias implícitas de personalidade provindas de esse saber comum enraizado mas que nem por isso impossível de ser transformado. As pessoas são muito reticentes em modificar as suas teorias implícitas de personalidade. Trata-se de uma reacção normal, tendo em vista as funções que estas desempenham. De facto, elas servem para nos movermos com economia no mundo a que conferem estabilidade, estrutura e significado, seria aberrante mudá-las constantemente. No entanto, assim como a tenacidade é uma virtude e a teimosia um defeito, a persistência de certas teorias implícitas pode ultrapassar os limites do razoável. Há muitas pessoas que preferem assimilar os factos às suas teorias favoritas em vez de as adaptar aos factos. Psicólogos ou não, todos nós dispomos de um arsenal de estratégias para manter intacta a existência das nossas teorias implícitas de personalidade (cf. Por exemplo: Kassin, 1979; Nisbett e Ross, 1980): negar a existência de factos contraditórios, esquecê-los, qualificá-los de não válidos, etc. (...). Resistentes à mudança, verifica-se, contudo, que as nossas teorias implícitas mudam; (...) que as nossas teorias implícitas de personalidade tenham um papel mais diminuto e sejam mais respeitadoras das explicações situacionais4. Assim, o que se pretende operar é a uma mudança de ponto de vista. A uma tentativa de inversão do ponto de vista natural. A uma, enfim, negação do Senso Comum. É da condição humana esta resistência, mas como nos diz Lars Gustafsson: Recomeçamos. Não nos renderemos! 5 É urgente um outro olhar sobre a realidade. Insistimos (...) no carácter inelutável da existência de teorias implícitas de personalidade: queiramos ou não, delas não podemos prescindir. Aliás, Bude (1976) escreve que: “O homem é necessariamente um agregado de preconceitos” (...). Os

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Idem, op. cit., pp. 105-106 GUSTAFSSON, L., A Morte de Um Apicultor, p.133

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preconceitos não são patológicos mas normais (...) porque inevitáveis, constitutivos de todo o ser humano6. Que as nossas crenças vão ao tal Tribunal da Razão Indagadora, esse tribunal outra coisa não é que a própria Crítica da Razão Pura7, para que tanto na vida mundana, no mundo, como no andamento da ciência não se caia num dogmatismo surdo nem num cepticismo mudo. Pior do que cair no erro é insistir nesse mesmo erro. Já alguma vez perguntaste a ti próprio se pensas correctamente, quer do ponto de vista da trajectória social onde estás inserido, quer da natureza, quer até de acordo com os actos humanos de uma figura como, por exemplo, a do Cristo? Não, Zé Ninguém, nunca te inquietaste com a possibilidade do que pensas estar errado, mas sim com o que iria pensar o teu vizinho ou com o preço possível da tua honestidade. Foram estas as únicas questões que puseste a ti próprio8. A importância está em não fomentarmos estas inexplicitações que se tomam por verídicas, em não permitir que sejam somente as estatísticas a assumir o rosto da Verdade e que por outro lado, não seja um caso particular a servir de prova daquilo que não passa de uma mero conhecimento doxal. As generalizações podem produzir limitações e, em geral, provocam miopia intelectual. Isto não significa negar as experiências dos outros mas sensatamente analisar as divergências que existem entre a informação proveniente dos outros e as nossas próprias expectativas a maior parte das vezes estereotipadas e normativas. A norma nega o valor, tal como a moral não é gémea da ética. Não são os factos que engendram ou destroem as nossas crenças. São as nossas crenças que geram os factos. Sem dúvida, consideramos muitas vezes a experiência acumulada por outrem, mas só na medida em que esta nos parece pertinente, ou seja, na grande maioria dos casos, quando esta é concreta, específica e de acordo com as nossas convicções prévias. Nada disto constituirá novidade para o observador perspicaz da realidade quotidiana. “É sendo o mais singular que melhor se serve o interesse geral”, dizia Gide, e era

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LEYENS, J.P., Teorias da Personalidade na Dinâmica Social, p. 151 KANT, Crítica da Razão Pura, p. 5- AXII 8 REICH, W., Escuta, Zé Ninguém!, p. 34 7

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Proust quem escrevia: “ Os factos não entram no mundo das crenças. Eles não as fizeram nascer e não as destruirão”9. Os homens continuamente recorrem a teorias implícitas. É o único modo de controlarem e predizerem o meio social. A sobrestima da personalidade (estável e predizível) em prejuízo da situação (variável e impredizível) constitui um erro10. Este erro assenta numa visão mais pessimista e num antevisão mais severa. Por isso mesmo não é de estranhar o conformismo de alguns alunos no que concerne às determinações pessoais induzidas por alguns dos seus professores11. A consequência das teorias implícitas, após a sua aceitação, é que elas muito dificilmente são modificadas e a confirmação das suas ideias iniciais não é conseguida por um revés entre confirmação e infirmação. A escolha de uma teoria tem por base a defesa da ordem, da disciplina e do status quo e, grande parte das vezes, alguns dos professores que se pretendem agentes de mudança social contribuem aflitivamente para a ordem celebrada. A educação deve assumir-se como artesã da mudança social. Ou pelo menos acreditar que o é. Falarmos de teorias implícitas não significa falsidade, ou erro. No filme de Edgar Pêra12 são referidos os túneis de realidade, ou seja modos de compreender, de perceber e de significar o mundo. Mas também é certo que a herança cultural implica correcção de

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LEYENS, J.P., Teorias da Personalidade na Dinâmica Social, pp. 172-173 “Nos anos 70, o psicólogo americano Davis Rosenhan apresentou-se em vários hospitais psiquiátricos e pediu para ser admitido porque, dizia, há várias semanas que ouvia vozes que lhe falavam de “vazio”, de “oco”. Alguns dos seus amigos fizeram o mesmo. No total, forma pedidas doze admissões em doze hospitais diferentes. Todos foram aceites, onze com o diagnóstico de esquizofrenia e uma com o de psicose-depressiva. Convém notar que Rosenhan tinha escolhido intencionalmente aquilo que as vozes diziam pois, na literatura especializada, não há referência a psicose existencial como se podia pensar pelo conteúdo das alucinações auditivas. Depois de serem admitidos no hospital, os pseudo doentes comportavam-se normalmente, diziam que já não ouviam vozes e pediam que os deixassem sair. O tempo de internamento variou entre 7 a 52 dias, com uma média de 19 dias, e todos saíram com um diagnóstico de esquizofrenia ou de psicose maníaco-depressiva “em remissão”. Durante a sua estada no hospital os pseudo doentes passavam o tempo a anotar o que observavam: o temo (infinito) que duravam os encontros com o médico, o número (astronómico) de medicamentos que recebiam, etc. estas anotações reforçavam, para o pessoal do hospital, a ideia de anormalidade. Uma única categoria de pessoas não se deixou enganar: os verdadeiros doentes que diziam: “Vocês não são doentes a sério; São jornalistas ou professores”. – LEYENS, J.P., e YZERBYT, V., Psicologia Social, p. 35 11 Foi o caso do Pedro do ensino profissional: “Sou um burro. Com esta idade (19) e ainda no 10º ano”. Ao ser interpelado justificou: “Porque é o que os professores me dizem”. Dias depois abandonou a escola. 12 Filme de PÊRA, E., (1996). Os Túneis da Realidade 10

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juízo ou pelo menos verosimilhança. Não é por menos que a dívida para com Jerome Bruner é grande: O objectivo de uma psicologia cultural não é negar a biologia ou a economia, mas mostrar como é que as mentes e as vidas humanas são reflexos da cultura e da história bem como dos recursos biológicos e físicos. Utiliza, forçosamente, as ferramentas da interpretação que sempre serviram o estudioso da cultura e da história. Não há uma “explicação” do homem, biológica ou qualquer outra. Ao fim e ao cabo, até as mais fortes explicações causais da condição humana não podem ter um sentido plausível sem serem interpretadas à luz do mundo simbólico que constitui a cultura humana13. Há uma função social destas teorias mas é preciso estar atento ao fenómeno da etiquetagem. Existem teorias implícitas correctas ou pelo menos socialmente úteis. Outras são cobertas de erro mas nem por isso trazem graves consequências. Outras são de tal modo devastadoras que vergonhosamente derramam sangue. A perda de fundamento permite a ultrapassagem de limites. Ora, uma modificação de determinadas teorias implícitas implica uma mudança de contexto histórico (processo moroso mas nem por isso impossível), uma tomada de consciência (semelhante a ouvir o Grilo Falante do Pinóquio – consciência moral) e num domínio mais amplo que ocorra uma verdadeira revolução científica, onde o objectivo não será afirmar, mas infirmar aquilo que é dado como certo e irrefutável. É preciso duvidar pelo menos uma vez daquilo que é dado como adquirido. Fazer uso do princípio da falsificabilidade de Popper. Seguir o exemplo de Thomas Kuhn na magia do enigma e da conjectura. Atacar o núcleo central da teoria implícita de personalidade será uma forma de modificar aquilo que de mais permanente e estabilizador temos. A ruptura que se prende essencialmente com factores ideológicos14 não se pode dar unicamente na periferia da teoria implícita da personalidade; a sua modificação não conseguirá derrubar a 13

BRUNER, J., Actos de Significado, p. 133 Ideologia – faz parte da produção social (produção de ideias), não se confunde com cultura, mas integra-a. A ideologia, ao orientar o grupo ou classe social no sentido dos seus objectivos, pressupõe a acção (reprodutora ou revolucionária). Será portanto, uma doutrina que se inspira em valores e propõe orientações e será também um projecto de futuro social para uma colectividade, em geral proposto e propagandeado por líderes e intelectuais. 14

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própria teoria. Se este raciocínio é lógico, a sua conclusão deveria ser evidente: para mudar uma teoria implícita, mudemos os seus elementos centrais, apesar da dificuldade que essa aposta representa15. Na noção de aposta há a consciência do risco e da incerteza. O ensino profissional é testemunha disso, precisamente por ser uma aposta em que quase ninguém lhe dá crédito. O crédito assenta na crença. E são as crenças que são objecto de aposta. As apostas filosóficas e/ou políticas implicam acção. Mas a acção exige uma decisão. A mudança de cenários é uma luta contra e com o acaso e é, também, a procura de informação para a compreensão. As bifurcações das situações impõem reflexão sobre o seu próprio desvio. Se por um lado há conhecimento e elucidação da sobrespecialização, por outro encontramos ignorância e cegueira. A eliminação da desordem e da contradição (inclusive na sala de aula) não transportou a inserção dos conhecimentos nas condutas vitais. Separou o homem dos outros e de si. Falar de inclusão é recusar a rotulação que limita o homem e o mundo. De diversos modos se pode entender o conceito de inclusão. De um ponto de vista situacional a inclusão refere-se à partilha do espaço, neste caso pelo ensino secundário regular e pelo ensino secundário profissional na mesma extensão física. A inclusão entendida numa perspectiva social corresponderá a todas as interacções repartidas entre grupos diferentes (por exemplo, o convívio dos alunos e dos professores durante as pausas lectivas) e de uma perspectiva funcional poderemos entender a componente sociocultural e científica comungada tanto pelos alunos do ensino regular como do ensino profissional. A interacção escolar dos alunos do ensino profissional nível III não se resume a uma dimensão etária (“interacção contínua e planificada com pessoas da mesma idade”16) já que as idades destes alunos, no caso da E2, vão desde os 16 aos 28 anos. Se assim for, corremos o risco de nos desviarmos de outros fins educativos que não podem ser reduzidos à interacção social. Isto significa que integrar não pode ser apenas a entrada dos grupos, outrora apartados, num espaço dito regular, portanto, “normal”. Adequar a 15 16

LEYENS, J.P., Teorias da Personalidade na Dinâmica Social, p. 211 BEVERIDGE, S., Promover a Educação Inclusiva, p. 16

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escola às necessidades do diferente é insuficiente para que integração signifique inclusão. A integração apela à complacência e à consideração para com o outro, o diferente, o diverso. Isto é, reconhece a diversidade e a mesmeidade como essências naturalizadas e cristalizadas. Daqui decorre uma pedagogia centrada na identidade e não na diferença. Por consequência, ocorre a exclusão e não a inclusão. Limitarmo-nos a celebrar a identidade e a diferença é como celebrar a vida e a morte, quer dizer, é não perceber que a morte não faz parte da vida (é contraditório) e que a diferença não cabe na identidade (porque esta tem a si mesma como referência, tal como a vida refere-se a si mesma). A morte não é um acontecimento da vida. Não há uma vivência da morte17. A identidade transporta o traço da alteridade. É aqui, na sua instabilidade, que a indeterminação conceptual, ou seja, que a definição de identidade e diferença não são, nunca inocentes18. A diferenciação corresponde a inclusão/exclusão. Aquilo que somos traz a ideia daquilo que não somos. E se a identidade for compreendida como a norma então as outras identidades são avaliadas hierarquicamente. A força homogeneizadora da identidade normal é directamente proporcional à sua invisibilidade19. No entanto, a identidade hegemónica é permanentemente assombrada pelo Outro, sem cuja existência ela não faria sentido20. Uma educação inclusiva terá forçosamente que passar pela construção de um currículo e de estratégias que atendam à diversidade enquanto parte activa na formação da identidade. Assim, a participação do indivíduo é fundamental para que os contextos de mudança encontrem novas formas de colaboração. A possibilidade (real e legal) de introdução dos cursos técnico-profissionais nível III nas escolas regulares torna-se um problema social porque num mundo heterogéneo, o encontro com o outro, com o estranho, com o diferente, é inevitável. É um problema pedagógico e curricular não apenas porque (…) interagem com o outro no próprio

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WITTGENSTEIN, Tractatus, p. 139 - *6.4311 SILVA, T.T., “A Produção Social da Identidade e da Diferença” in Identidade e Diferença – A perspectiva dos Estudos Culturais, p. 81 19 Idem, op. cit., p. 83 20 Idem, op. cit., p. 84 18

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espaço da escola, mas também porque (…) mesmo quando explicitamente ignorado e reprimido, a volta do outro, do diferente, é inevitável, explodindo em conflitos, confrontos, hostilidades e até mesmo violência. O reprimido tende a voltar – reforçado e multiplicado21. Entendido como uma modalidade especial de ensino, o ensino técnico-profissional nível III prescreve professores com conhecimentos suficientemente fortes sobre alunos com dificuldades de aprendizagem (curiosamente a compreensão destas dificuldades tem, em geral, por referência dificuldades de aprendizagem no ensino regular). Até 2004 o ensino secundário profissional estava excluído das escolas secundárias públicas. Teremos de admitir que a RAM tomou uma boa opção ao contornar esse impedimento nos anos anteriores celebrando protocolos com escolas privadas. No entanto, a pergunta é simples: foi dada formação aos professores e formadores que leccionavam no ensino secundário profissional?22. Esta questão serve tanto ao ensino técnico-profissional nível III público como privado. O direito dos alunos do ensino técnico-profissional nível III à educação não deve aparecer apenas sob o estandarte de oportunidades educativas disponíveis. Esse direito não pode ser entendido como uma inclusão integrativa de indivíduos com incapacidades que lhes são intrínsecas. Se assim fosse, educação nada mais seria do que assistência social. Este tipo de educação deverá ser entendido como uma via de estudos tão nobre e válida como o ensino geral. É o reconhecimento de que aprender implica heterogeneizar o currículo, isto é, oferecer vias suficientemente interessantes para aqueles que não se encaixam na normalidade. É também recusar a ideia de que estes alunos são uma expressão mínima no universo escolar23. A inclusão total de todos os alunos (…) implica modificações no currículo e no modo como este é leccionado. (…) A inclusão total só será conseguida quando as políticas de

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Idem, op. cit., p. 97 Das formações contínuas analisadas desde 1997 a 2004 no ensino público na RAM, tanto sindicatos como SREC e comissões de formações da E2 reconhecem que não houve este tipo de formação (ver Anexo 8). 23 Os dados europeus mostram o oposto. Há um equilíbrio de quase 50% na procura. 22

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reforma educativa deixarem de tratar crianças seleccionadas como membros de um qualquer grupo minoritário24. O sentido estrito do conceito de integração, tal como tem sido entendido tradicionalmente, nada mais é do que partilha de espaço e num outro sentido, também ele estreito, seria o de normalização. Deixando de fora a qualidade do ensino estas perspectivas estão convictas de que a integração mais não faz do que incluir para a normatividade identitária, isto é, tornar os alunos diferentes como os outros. Neste sentido, aqueles que não cabem nos modos de vida normais, por serem disjuntos, são excluídos. Integrar será então admitir a exclusão. A negação da diferença é uma consequência de uma história social coberta de preconceitos, de crenças distorcidas e de desvio de conduta. Como vimos, tanto a norma como o desvio são socialmente e institucionalmente produzidos. Os estudantes deveriam ser estimulados (…) a explorar as possibilidades de perturbação, transgressão e subversão das identidades existentes. (…) Estimular, em termos de identidade, o impensado e o arriscado, o inexplorado e o ambíguo, em vez do consensual e do assegurado, do conhecido e do assentado25. A ideia de uma educação inclusiva implica a compreensão do contexto. O acolhimento do diferente exige adaptações curriculares, modos específicos de trabalho por parte daqueles que irão operacionalizar o currículo26 e daqueles que ensinam sem saber que ensinam (referimo-nos por exemplo aos auxiliares de acção educativa). O currículo oculto tem um poder imenso perante a inclusão e a própria preocupação dos professores com os resultados académicos dos seus alunos são pontos fundamentais para a inclusão escolar. A educação inclusiva tem características comuns independentemente do seu contexto: • trabalho de equipa em colaboração; • um contexto comum; 24

FLORIAN, L., ROSE, R. e TILSTONE, C. “Pragmatismo sim, Dogmatismo não: a promoção de uma prática mais inclusiva” in TILSTONE, C. et al. (org.), Promover a Educação Inclusiva, p. 22 25 SILVA, T.T., “A Produção Social da Identidade e da Diferença” in Identidade e Diferença – A perspectiva dos Estudos Culturais, p. 100 26 Cremos que esta perspectiva não se dirige apenas ao diferente AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 2, ago 2013

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• participação da família; • papéis claramente definidos entre os diferentes profissionais; • utilização eficaz de pessoal auxiliar; • planos educativos individuais adequados; • processos para a avaliação da eficácia27. A cooperação e a construção de uma equipa que adapte o currículo à prática pedagógica permitirá que a ideia de inclusão não seja uma mera disposição do aluno, mas sim a sua participação na vida escolar. Claro que terá de haver uma reconceptualização de papéis e de responsabilidades por parte da classe docente, das direcções executivas e do próprio Ministério da Educação. Nada pior existe num professor do que um espírito que se habituou ao mundo e que passivamente aceita o isolamento e o abandono da escola por parte dos alunos. Aí não é apenas o aluno que abandonou a escola. A escola abandonou o aluno com a conivência de todos os agentes educativos. A escola deve incluir de modo a que a reciprocidade seja real e não meramente ideal. É possível que exista um conjunto de condições que formam a base da educação inclusiva (…): • uma oportunidade para a participação dos alunos no processo de tomada de decisões; • uma atitude positiva quanto à capacidade de aprendizagem dos alunos; • um conhecimento por parte dos professores das dificuldades de aprendizagem; • uma aplicação competente de métodos de instrução específicos; • apoio de pais e professores28. Acrescentamos que é demasiado pobre aceitar posições liberais baseadas no desenvolvimento da boa vontade para com a diversidade e que é possível corrigir sentimentos de discriminação. O Outro não é um Outro distante de mim. É ele que me permite ser quem sou. A relação entre o Eu e o Outro é uma relação dialéctica. Entre dois. A não assunção desta visão implica um exame e um questionamento das relações 27

FLORIAN, L., ROSE, R. e TILSTONE, C. “Pragmatismo sim, Dogmatismo não: a promoção de uma prática mais inclusiva” in TILSTONE, C. et al. (org.), Promover a Educação Inclusiva, p. 39 28 Idem, op. cit., p. 45 AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 2, ago 2013

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de poder, portanto, uma (des)construção social e política que nos permita compreender a multiplicidade que acciona a diferença. Devir e produzir opõem-se às visões essencialistas da diversidade que se limita a existir. O mundo é o lugar da constante mudança e disseminação. Afirmar a diversidade é reafirmar o idêntico. Educar significa introduzir o cunho da diferença num mundo que sem ela se limitaria a reproduzir o mesmo e o idêntico, um mundo parado, um mundo morto. É nessa possibilidade de abertura para um outro mundo que podemos pensar na pedagogia como diferença29. Muitas escolas são incapazes de oferecer um currículo que promova a inclusão, até porque muitas delas não estão preparadas para tal. A maior mudança reside na atitude e, portanto, nas representações sociais e individuais sobre a ideia de inclusão. A maior resistência está na acção, isto é, alguns agentes educativos são incapazes de aceitar novos desafios curriculares e pedagógicos. A clarificação de objectivos curriculares no ensino técnico-profissional nível III dentro de um currículo nacional implicaria a diminuição das dificuldades na transmissão de conteúdos (bastante ambíguos do ponto de vista dos diversos programas). O currículo não é um fim em si mesmo. Ele é um meio para a aprendizagem. Neste sentido, seria fundamental a reflexão sobre as metas educacionais do currículo do ensino profissional, de modo a que fossem reconhecidas as diferenças e, em simultâneo, a própria realização desses fins educativos através de uma aprendizagem cooperativa. A inclusão depende mais dos professores do que qualquer outro agente, isto é, o ensino na sala de aula é o cerne da prática inclusiva, pois tem um efeito directo sobre todos os alunos”30. E só pela inclusão será reconhecido a todos os alunos o direito à igualdade de oportunidades.

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SILVA, T.T., “A Produção Social da Identidade e da Diferença” in Identidade e Diferença – A perspectiva dos Estudos Culturais, p. 101 30 SEBBA E SACHDEV citados por FLORIAN, L., ROSE, R. e TILSTONE, C. “Pragmatismo sim, Dogmatismo não: a promoção de uma prática mais inclusiva” in TILSTONE, C. et al. (org.), Promover a Educação Inclusiva, p. 45 AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 2, ago 2013

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