Estratégia de Defesa dos EUA no Mundo

May 26, 2017 | Autor: P. Pereira de Alm... | Categoria: Security Studies
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Segurança ΘDefesa Director José Manuel Anes

Conselho Editorial Rui Pereira I Adriano Moreira I Ângelo Correia I A Oliveira Marques I A Rebelo de Sousa I A Silva Ribeiro I Alice Feiteira I Armando Marques Guedes I Arménio Marques Ferreira I Fernando Negrão I Freire Nogueira I Garcia Leandro I Helena Magalhães I Hermínio Duarte Ramos I J Telles Pereira I J Bacelar Gouveia I João Domingues I Jorge Braga de Macedo I Jorge Silva Carvalho I José Lamego I Lemos Pires I Loureiro dos Santos I Luís Tomé I Mateus Silva I Mendes Dias I Miguel Sanchez de Baena I Mónica Ferro I Oliveira Pereira I Paulo Pereira de Almeida I Pedro G. Barbosa I Pinto Ramalho I Reis Rodrigues I Rui Paulo Figueiredo I Ruth Costa Deus I Teodósio Jacinto I Teresa Botelho I Vasco Franco I Vitalino Canas I

Propriedade: Diário de Bordo, Lda. Rua Pedro Álvares Cabral, nº 24, 6º A, Infantado, 2670-391 Loures. Tel.: 21 983 30 51 Fax: 21 983 41 08. e-mail: [email protected] Redacção: Sofia de Carvalho, Adriana Silva Afonso Departamento de

Marketing e Publicidade: Ana Borges de Castro Revisão: Ana Paula Aires Design: Paulo Scavullo/Duckystar Impressão: Simões & Gaspar, Lda.Vila Franca de Xira Tiragem: 5000 exemplares Registo ICS: 125005 Depósito Legal:

Esta edição tem o patrocínio da

e do

I1I

08_

Editorial JOSÉ MANUEL ANES

10_

O Mundo arabo-islâmico ÂNGELO CORREIA

18_

A Estratégia de Defesa dos EUA no mundo PAULO PEREIRA DE ALMEIDA

24_

444: A estratégia anti-terrorista da União Europeia LUÍS TOMÉ

34_

A fronteira do inegociável A. REBELO DE SOUSA

40_

Segurança e droga no Afeganistão: Chegou a altura de novas alternativas VITALINO CANAS

46_

A estratégia do Irão A. SILVA RIBEIRO

50_

Terrorismo e a segurança dos mares TERESA BOTELHO

56_

Segurança, desenvolvimento e “o espírito de Bissau” JORGE BRAGA DE MACEDO

62_

A CPLP: um projecto dilemático JOÃO FRANCISCO DE BRITO DOS SANTOS

66_

Entrevista sobre Segurança e Defesa com Rui Pereira SOFIA DE CARVALHO E ADRIANA SILVA AFONSO

I internacional I

I nacional I 81_

A segurança e defesa: um domínio único? ALICE FEITEIRA

89_

Segurança nacional e informações JORGE SILVA CARVALHO

102_

O terrorismo e a segurança aérea JOSÉ M. L. RODRIGUES LEITE

113_

Energia: uma questão candente de segurança? ALM. REIS RODRIGUES

118_

Zona económica prisional: arquétipo ou paradoxo? HELENA MAGALHÃES

I segurança autárquica e protecção civil I 126_

Forum Europeu para a Segurança Urbana VASCO FRANCO

I tecnologias de segurança e defesa I 132_

Localiser um projecto de localização, gestão e segurança de pessoas e bens. Entrevista com Dr. Raúl Mota JORGE SILVA CARVALHO

I notícias I 135_

Seminário Internacional - “CIDADES E TERRORISMO: REDUÇÃO DE RISCOS E GESTÃO DA CRISE” Universidade Autónoma de Lisboa - “PÓS GRADUAÇÃO E MESTRADO EM ESTUDOS DA PAZ E DA GUERRA” Segurança Marítima - “AGÊNCIA EUROPEIA INAUGURADA OFICIALMENTE EM LISBOA” IPRIS - Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança - “ONGD AO SERVIÇO DE UMA ANÁLISE E VISÃO ABRANGENTES” Centro Português de Geopolítica - “O MEIO GEOGRÁFICO, OS POVOS, AS NAÇÕES E AS COMUNIDADES POLÍTICAS”

140_

Divulgação de livros e revistas.

I estante I

I declaração editoral I

143_

Princípios editoriais da Revista Segurança e Defesa

08.

I editorial I Como Director da nova revista “Segurança e Defesa” quero, em primeiro lugar, agradecer aos que me convidaram para desempenhar estas honrosas funções e também a todos os que aceitaram, com grande generosidade e amizade, fazer parte deste prestigiado conselho editorial, que – unindo nomes consagrados aos nomes de uma nova geração – vai exigir da revista a enorme responsabilidade de se situar num nível elevado de qualidade. Essa grande (e em avalanche) adesão entusiástica a este projecto constitui uma prova de confiança no núcleo inicial que desencadeou esta iniciativa – presidente coordenador do conselho editorial, comissão coordenadora e direcção -, mas ela é, sobretudo, uma prova de que ideia que preside a esta revista é uma ideia interessante e útil: uma revista trimestral (pelo menos, no seu primeiro ano) que leve este temas da Segurança e da Defesa a um público mais alargado do aquele que é constituído pelos respectivos especialistas, não para o alarmar, mas para o informar. Quero ainda agradecer a todas as empresas que apoiaram (e apoiarão), generosamente, este projecto, com natural destaque para a Caixa Geral de Depósitos e o seu Presidente, Dr. Carlos Santos Ferreira que, além do mais, disponibilizou o prestigiado e prestigiante espaço da Culturgest para o lançamento desta revista. Resta-me dizer que este é um projecto aberto onde cabem, duma maneira pluralista e não dogmática, todos os que se identificam com as grandes linhas gerais dos nossos princípios editoriais. Para além das secções “Internacional”, “Nacional” – como se fosse possível fazer hoje essa distinção, mas decidimos estabelecê-la para melhor arrumação dos artigos aos olhos do público –, da “Grande Entrevista”, ou Grande Debate”, e das secções “Segurança urbana, autárquica e protecção civil”, “Segurança privada e pessoal” e “Tecnologias de segurança e defesa” lançaremos, de futuro e de quando em vez, números (não exclusivamente) temáticos da revista. Para toda esta actividade aguardamos, caros leitores, as vossas contribuições (artigos, recensões críticas de livros, sugestões, etc.) as quais agradecemos desde já. A todos, Bem Hajam! José Manuel Anes ([email protected])

09.

I internacional I

10.

Ângelo Correia

I O MUNDO ARABO-ISLÂMICO I

O Mundo pode ainda não ter percebido a natureza das actuais formas de terrorismo, mas seguramente sentiu as suas consequências e implicações. O medo instalou-se em muitos locais e sociedades. O acesso aos transportes aéreos tornouse bem mais moroso, exasperante e difícil em muitos aeroportos. O controle dos movimentos financeiros é agora mais transparente. Dados pessoais também. Em vários países, restrições aos direitos, liberdades e garantias tornaram-se facto inelutável e podem perdurar tanto, quanto o fenómeno do terrorismo. Os orçamentos de segurança e defesa, sobretudo os primeiros cresceram substancialmente. A insegurança no abastecimento de energia, para além da provável escassez de combustíveis fósseis encareceu o seu preço levando-o a valores inimagináveis há 5 anos, podendo mesmo tornarem-se explosivos e, com isso, comprometerem o crescimento económico em todo o Mundo. Este pequeno resumo não é exaustivo, apenas tipificador do que aconteceu e poderá ainda agravar-se.

De tudo isto resulta a pergunta legítima: quanto tempo mais vamos viver assim? Como é evidente não tem fiabilidade enunciar uma resposta precisa, mas é possível perceber as razões que, por um lado, justificam aquela dificuldade, e, por outro, podem limitar e/ou minimizar as causas que permitem e legitimam o terrorismo! PERCURSOS E RESPONSABILIDADES

Razões antigas polvilham um transfundo arabo/islâmico onde se expressa o contraste entre um passado glorioso e liderante e um presente sem desígnio de poder e afirmação. Nesse mesmo plano da “memória colectiva” recordam-se as “traições ocidentais” desde o acordo Syktes/Picot à jurisdição estadual estabelecida sobre Caxemira, o apoio permanente e unilateral a Israel, os esforços ocidentais quer no estabelecimento em vários estados árabes de lideranças “não representativas” ou “fantoches”, quer ao combate que moveu a lideranças carismáticas que representavam no “imaginário” árabe o renascimento da esperança. São registos que ainda se inscrevem no quotidiano e fomentam um “mal estar” de

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suspeita e animosidade, profundamente ampliado por factores conjunturais. A visão sobre as novas formas de terrorismo coloca o Mundo Árabe / Islâmico no centro da análise e a teorização que ela produz radica-se no princípio de “culpabilização” do ocidente, escamoteando qualquer responsabilidade oriunda desse mesmo Mundo. É como se existissem dois actores em presença, mas em que só um tem responsabilidades, enquanto o outro assiste passivamente às influências que o primeiro sobre ele exerce, e não exibe qualquer hipótese de reacção. E esta análise é por isso redutora da realidade e até injusta sob o ponto de vista moral. Todas as civilizações sofreram choques e embates que alteraram o curso das suas própria história, e, em alguns casos levaram até a extinções. Partir do pressuposto de uma reactividade nula por parte do Mundo Árabo/Islâmico é por isso inadequado. Nesse espaço politico-social e religioso também se conjugam injustiças endógenas, arbi-trariedades, ausências de projecto, desígnio e contradições.

Culpar o “outro” representa um excelente, mas insustentável alibi. Não se pode negar a reponsabilidade ocidental em “afrontas” e “injustiças praticadas”, mas essa é apenas uma parte da realidade. A outra, corresponde à relativa falta de sustentabilidade dos modelos sociais, políticos e económicos, que o próprio Mundo arabo/islâmico evidencia na sua inserção na vida colectiva moderna. EXCESSOS E INJUSTIÇAS

É usual a adjectivação do moderno terrorismo como “islâmico”. Tal não me parece apropriado. É certo que a grande maioria dos elementos que levam a cabo actos de terrorismo, professam a fé islâmica. É certo que o incitamento a essa prática é moldurado por inúmeras referências corânicas e do “haddit” É certo que a auto invocada legitimidade para aquele exercício decorre da presença ocidental em terras do Islão, ou no seu apoio a Israel na “luta” contra os árabes. Mas a utilização do adjectivo “islâmico” ligado à palavra terrorismo, poderia pressupor intima correlação entre essa religião e aquele

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fenómeno, o que se afigura como argumento excessivo e injusto. A leitura dos textos sagrados e das “interpretações” dos “Ulemas” não permite essa extrapolação. Seria mais correcto afirmar-se que a nova forma dominante de terrorismo evoca uma religião, abusando dessa evocação, unidireccionando e unilateralizando a sua interpretação dum modo grosseiro e deturpado. Assim, surgiu a Al-Qaeda base e origem desse fenómeno, tornando-se progressivamente menos organização e mais ideia que se espalhou e contaminou grupos e áreas de influência islâmica em quase todo o Mundo. Aproveitou e capturou o “mal estar” que referimos, o qual ao não encontrar meios políticos para a sua própria ultrapassagem, superação, ou remoção e ao perceber que a mobilização que alguns incorporam na sua acção quotidiana não é respondível no plano das instituições vigentes, encontram uma resposta final na acção terrorista, o que representa uma deriva ideológica, que de religioso tem o ritual e a semântica mas não a espiritualidade. É a invocação religiosa sem a transcendência da religião. De islâmico tem a referência e o contexto, mas não a prática e a virtude que decorrem do livro sagrado. De acordo com essa distorsão Abdallah Azzam pretendia em finais do século XX acrescentar às cinco “práticas obrigatórias” dos crentes do Islão uma sexta : a da Jihad defensiva.

REFORÇO DO ARGUMENTÁRIO

À luz deste enquadramento, os recentes acontecimentos que ocorrem no Iraque, em Israel e a presença militar ocidental – nomeadamente dos EUA – na Arábia Saudita terra sagrada do Islão, Koweit, Bahrain e Qatar, aceleraram exponencialmente o “argumentário” da Al Qaeda através das intervenções de Ussama Bin-Laden e Ayman Al-Zawahiri, procurando demonstrar a “humilhação” que o Mundo Árabo/islâmico sofre, quer por parte do Ocidente, quer pelos seus aliados muçulmanos, nomeadamente as lideranças Saudita, Jordana, Egípcia e dos países do Magrebe que caminham para estabelecimento de sistemas democráticos. Estamos confrontados com um problema delicado, pois algumas das razões invocadas são reais, perceptíveis e razoáveis, como o contraste entre a pobreza e opulência visíveis em alguns desses países, a perca de direitos dos seus cidadãos, os erros políticos e militares que os EUA e os Europeus cometeram, a tentativa de desestruturar socialmente o às vezes precário equilíbrio social de algumas dessas sociedades. Contudo, o reconhecimento de erros não determina respostas baseadas no terror, na profunda injustiça, ou na violência indiscriminada. O terrorismo tem e deve pois ser permanentemente combatido. Não o fazer é defender a sua impunidade face ao Direito. Corrigir situações invocadas é também imperioso, sob pena de se alimentar uma chama cujo fogo é mortífero.

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DUPLO CAMINHO

Caminhamos assim por um caminho de duas vias, que nos conduz à luta permanente quer contra os grupos terroristas, quer na remoção das razões que este evoca como legitimação dos seus actos Ambas as lutas são diferentes e decisivas, mas não estão no mesmo patamar, porque se estivessem estaríamos em certa medida a expressar o nosso acordo às teses de legitimação do terrorismo. É necessário dizer claramente e sem sofismas que o terrorismo não é justificável sob qualquer ângulo. No plano da luta, e com excepção das operações militares que devem ser operacionalizadas em última instância ou quando os designados “estados-párias” albergam redes de terroristas, seus refúgios e campos de treino, é na acção de “intelligence” que se deve centrar o esforço de combate. Conhecendo-se as dificuldades de pene-tração na estrutura celular (melhor se diria “rizómica”) das redes terroristas, não só pela natureza habitual de que se revestem, mas também pela língua, cultura e quasi impraticabilidade em as localizar, só uma cooperação estreita e leal entre as “comunidades de informações” dos países ocidentais e árabo/islâmicos, pode fornece a base de sustentação desse objectivo. O conhecimento dos fluxos financeiros, das deslocações físicas, das mensagens operacionais, das áreas de protecção, das afiliações ideológicas, e religiosas, só é minimamente disponibilizável, através de uma cooperação intensa entre os serviços de

informações, desde o do Paquistão ou Jordânia até aos dos EUA ou França por exemplo. A estabilidade de alguns regimes é por isso indispensável para que os seus serviços de informações possam cooperar com os seus homólogos ocidentais numa tarefa comum. Tal postura parece colocar “entre parênteses” qualquer politica incentivadora de alterações políticas nesses estados, privilegiando-se um “status quo” que apenas celebra a convergência de determinadas políticas entre eles e os estados ocidentais. Não é essa a minha opinião. É de facto possível e desejável colocar como objectivos simultâneos manter o estreitamento dessas relações e não prescindir de uma melhor e mais extensa aplicação de uma politica defensora dos direitos humanos. Aliás, e a prazo, quanto mais respeito se manifestar na defesa da dignidade humana, seus direitos e condições, mais hipóteses teremos na luta contra o totalitarismo, o terrorismo e as circunstâncias filosóficas que as acompanham. A promoção da Pessoa Humana é sempre a arma mais eficaz para a celebração da Paz e da Justiça. De qualquer modo, e na actual fase da luta entre o terrorismo é aconselhável não provocar alterações radicais e aceleradas em alguns países arabo/islâmicos, pois o risco seria o da sua substituição por sistemas de orientação teocrática. O caso da Arábia Saudita é paradigmático. Os receios expressos vão no sentido de, apesar de riscos e problemas que decorrem do actual regime, uma mudança súbita e draconiana poderia fazer cair o poder em mãos

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dos “wahhabitas” e seus seguidores, o que significaria uma regressão politica e uma menor sustentabilidade na luta contra o terrorismo. A capacidade de se modelar uma politica que permita uma relativa estabilidade desses estados simultânea com a sua evolução progressiva no reconhecimento e dignificação de Direitos Humanos é por isso fundamental. Em alguns desses estados não existe uma sintonia clara entre governantes e governados, e, em determinadas circunstâncias a “rua“ é activada de um modo que não corresponde aos objectivos das respectivas lideranças. A recente questão do Hezbollah foi significativa no Egipto, Jordânia e Arábia Saudita. Entre outras, essa é uma das razões que na opinião de alguns analistas deve levar o “Ocidente” a não emitir declarações, expressar intenções, ou exercer comportamentos que sejam considerados excessivamente hostis ao sentimento do “homem comum“ arabo/islamico, sob pena de afrontamento directo entre ele e os seus dirigentes políticos, e eventual queda abrupta de alguns desses regimes. Dir-se-ia que estamos condicionados na formulação de alguns pontos da nossa politica e do discurso sequente. Estamos assim colocados perante uma questão essencial, que se traduz numa postura civilizacional que em nome de uma “convivência” intercultural com o Islão, nos obrigaria a silenciar o que pensamos, a abdicarmos de alguns dos nossos valores, a auto-censurarmos o nosso discurso, o revermos conteúdos da nossa civilização.

Por outras palavras descaracterizarmonos, limitando ou até promovendo uma relativa mutilação dos nossos princípios e valores, para, desse modo, deixarmos de ser o que somos, para nos aproximarmos do “outro”. Tal atitude cultural constituiria não só um erro, como não seria possível. As civilizações exprimem os seus valores e o diálogo entre elas não se faz abdicando do que são, mas antes procurando partilhar algo em comum. Neste decisivo diálogo em que nos encontramos a chave do sucesso passa sobretudo por encontrar pontos de entendimento, alicerçá-los e procurar ampliá-los, e não pela perca substantiva de identidade. Não se pode pedir a ninguém que deixe de ser o que é, mas pode-se pedir que encontremos plataformas de entendimento e valores partilhados. Se medidas cautelares se impõem ao “Ocidente” elas entroncam nesta última perspectiva. As politicas que devemos empreender não podem atraiçoar os nossos princípios, devem sim à luz da razão e do bom senso, incorporar elementos que promovam a partilha de “algo em comum” com o Islão. O combate ao terrorismo deve pois ser visto como inserido nesta linha de acção e não como acção exclusiva do Ocidente. Insistindo no tema, nem vamos impor auto-censura nem abdicamos dos nossos valores e politicas, mas o exercício dos mesmos tem de ter em linha de conta atitudes equivalentes no Mundo arabo/islâmico, sob pena de ineficácia no combate ao terrorismo e podermos até ver ampliado o seu espaço de desenvolvimento.

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A essa luz, classificações maniqaicas entre o Bem e o Mal associando-lhes alguns estados, ou a ideia do renascimento das “cruzadas” ou ainda de afirmação da superioridade de uma civilização face a outras, apenas aumenta o choque e a tensão em vez de criar condições para o diálogo. A teoria do “choque de civilizações” teria então todo o cabimento e a guerra seria inevitável. Nem o Alcorão, nem a diversidade no seio do Mundo arabo/islâmico, nem as formas diversas que traduzem o relacionamento entre ele e nós, consente essa postura. Por isso não tornemos realidade aquilo que ainda o não é, mas pode vir a ser por erros de condução politica. NÃO DESENVOLVIMENTO E ALIENAÇÃO

O pensamento marxista-leninista tem tentado estabelecer correlação intima entre o terrorismo e as condições económicas e sociais existentes em algumas sociedades arabo/islâmicas, perspectivando uma quasi luta de classes entre opressores (lideranças locais e o ocidente) e oprimidos (população em geral). Esta perspectiva não se afigura como acertada, contudo, não é possível escamotear a influência da “alienação provocada pelo não desenvolvimento” ou pela “extremação das desigualdades”nas motivações individuais. Por isso, é mister promover e executar politicas de cooperação económica, financeira e social, patrocinadas pela U.E., EUA, Banco Mundial, FMI e OMC que apoiem a modernização administrativa e produtiva dos países árabes, lhes abram oportunidades de

exportação para os países mais desenvolvidos, lhes permitam a celebração de politicas domésticas mais ousadas nas áreas da habitação, urbanismo educação e formação profissional, numa palavra, lhes permitam aceder em condições mais propicias às regras e normas de competição mundial. Temos consciência da existência de bloqueamentos domésticos a essas politicas, mas sem o nosso forte incentivo à sua prossecução e o nosso empenho no redesenho do mapa futuro, as meras acções politicas e diplomáticas não terão tido o alcance que poderiam ter. Mesmo que o Ocidente maximize o efeito das politicas anteriormente enunciadas, as consequências de recentes acontecimentos no Médio Oriente têm constituído a substância argumentativa que o terrorismo utiliza como legitimação e mobilização. É por isso inaceitável que o combate ao terrorismo esqueça esta realidade ou não a considera como muito relevante. A intervenção no Iraque e as não-razões que a fundamentaram, a presença militar norte americana na Arábia Saudita, o escasso empenho de algumas administrações norteamericanas e algumas vezes europeias na resolução do contencioso arabo-israelita têm sido argumentos utilizados para sintonizarem a “rua” arabo/islâmica com as proclamações do terrorismo. Assim como entendo que a luta contra esse flagelo e o diálogo intercultural com o Islão se devem processar sem entorses à nossa “mundividência” e às nossas práticas democráticas, também julgo inadiável reconhecer e corrigir erros que cometemos.

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O controle dos circuitos de produção comercialização de combustíveis fósseis não nos dá o direito de controlo militar das áreas geográficas que lhes respeitam. A segurança temporária a regimes injustos não determina o direito à sua permanente protecção. Intervenções armadas só devem ser realizadas sob auspício da ONU e com aceitação clara de uma maioria populacional da área onde ela seprocessar.Exportar o nosso sistema politico para sociedades que o não desejem ou ainda não estejam preparadas para tal, não deve constituir objectivo de acção. Apoiar selectivamente estados em disputa com vizinhos esquecendo-nos das razões destes últimos é erro grosseiro. Confundir o terrorismo com a resistência armada a ocupações territoriais prosseguidas por outros e também o é. Reconhecer direitos a determinados estados e negá-los a outros, só porque são de matriz civilizacional diferente não tem qualquer suporte moral. A luta contra o terrorismo tem uma vertente decisiva que se estriba como referi na acção das organizações securitárias.portância das vertentes, politica e cultural enquadradoras daquelas outras politicas, pode conduzir à ineficácia da luta contra o terrorismo.

NECESSIDADE DE CONFRONTAÇÃO

A abordagem empreendida ao longo destas breves notas centra-se em grande medida no plano cultural/religioso, fazendo intervir uma categoria de actores que interactuam em permanência.

Como já referi, essa sistémica só parcialmente é validável, pois lateraliza as tensões e contradições no interior de um desses actores: a civilização árabo/islâmica. O moderno terrorismo não é só de natureza transnacional; é também e sobretudo intracivilizacional, atravessando regimes, estados e estratos sociais no seio daquela civilização. O método “ideal” para o seu combate, e na lógica do outro presumido “actor”, ou seja a “nossa civilização democrática” seria a sua abordagem e o consequente enfrentamento naquele espaço cultural. Tal obrigaria a que, em nome do Islão, fossem islamitas a desmascarar os que invocando os seus princípios, os aplicam com o terror. Tal obrigaria a uma definição para esses crentes do que é hoje o Islamismo. Confrontar o Islão consigo próprio, em vez de se utilizar o “Ocidente” como “arma de arremesso” e “campo de batalha” para dirimir disputas internas. Julgo estarmos distantes desse tempo de responsabilização, pelo que, aquele terrorismo alimentar-se-á ainda de outras motivações, algumas míticas, outras patológicas e ainda algumas que nunca justificando actos de terror, evidenciam os nossos erros, que em alguns casos são irrepetíveis, mas em outros são corrigíveis. Olhar o terrorismo à luz da história, das religiões, da sociologia e de outras ciências sociais deve constituir o enfoque dominante. Prever o terminus previsível desse terrorismo é algo a que não sou capaz de responder.

* Gestor, Presidente da Câmara do Comércio e Indústria Árabe -Portuguesa, Consul Honorário do Reino Hachemita da Jordãnia.

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18.

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Paulo Pereira de Almeida

I “A ESTRATÉGIA DE DEFESA DOS EUA NO MUNDO” I

O DOCUMENTO ESSENCIAL

A estratégia de defesa dos Estados Unidos da América no início do século XXI está – como seria natural – indelevelmente marcada pelos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 (2973 vítimas confirmadas) e pela discussão subsequente. Aliás, a versão do principal documento de suporte a esta estratégia – Quadrennial Defense Review Report (QDR) de 2001 – foi editada a 30 de Setembro de 2001 e no seu prefácio, o principal signatário – Donald Rumsfeld – escrevia: “Em 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos vieram sob um ataque sangrento. Os americanos morreram nos seus locais de trabalho. Morreram no solo americano. Morreram não como combatentes, mas como vítimas inocentes (…) como as vítimas da guerra e do terror”. Nesse quadro, Rumsfeld já reconhecia que “nós não podemos e não saberemos precisamente onde e quando os interesses de América serão ameaçados, quando a América viverá sob outro ataque, ou quando americanos poderão morrer como o resultado de uma agressão terrorista. Nós podemos ter certezas sobre as tendências, mas só temos incertezas sobre os aconte-cimentos.” Esta era, em 2001, a

quarta grande revisão do documento desde o colapso da União Soviética, somando-se à revisão do QDR do Secretário da Defesa Dick Cheney, em 1992, da alteração protagonizada por Les Aspin, em 1993, e da revisão de William Cohen, em 1997, as duas últimas operadas durante a Administração Clinton. O QDR de 2001 reflectia, portanto, um objectivo central da Administração e da Defesa norte-americana: uma mudança de um planeamento baseado no “modelo de ameaças” – i.e. num modelo centrado na identidade do adversário e no potencial cenário de guerra – para um planeamento baseado no “modelo de potencialidades” – i.e. um modelo que se focaliza nas capacidades e formas de ataque dos adversários, considerando que estes podem iniciar uma ofensiva de surpresa, de forma inesperada e recorrendo a tácticas de contra-informação. Deste pressuposto concluía-se que o projecto de transformação da estratégia de defesa dos Estados Unidos da América implicava, entre outras, uma protecção das bases de operações militares (a começar pela segurança interna, a homeland security), um suporte às forças militares dos EUA destacadas para territórios mais inacessíveis e, last but not the least, um aumento das capacidades de vigilância e dos sistemas espaciais de controlo, em particular dos sistemas tecnológicos de informação.

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EFEITOS DAS GUERRAS RECENTES

E a verdade é que a visão da relação transatlântica – entenda-se, a relação histórica, cultural, económica e social que une os Estados Unidos da América aos outros países democráticos do Atlântico – ficou, na segunda metade da década de 2000, bastante marcada pela guerra no Iraque e pela atitude da Administração de George W. Bush nessa crise, em particular em relação à chamada comunidade internacional. Todavia, e a este propósito, vale a pena acompanhar-se o raciocínio de James Lindsay e Ivo Daalder (em América Unbound: the Bush revolution in foreign policy, obra de 2003) que evocam um facto incontroverso: a relação da América com a Europa permaneceu sempre como um dos principais tópicos das Presidências Norte-Americanas. Com a II Guerra Mundial a Europa mergulhou, de novo, num período negro da sua história, do qual saiu devastada, embora livre. Assim, e curiosamente, os EUA viram-se emergir como a única nação a dominar o mundo, mas o sentimento dos “isolacionistas” em Washington era relativamente simples: bring the boys back one and go on with a normal life (James Lindsay e Ivo Daalder, América Unbound: the Bush revolution in foreign policy, 2003). Contudo, as vozes dos internacionalistas não deixaram de se fazer ouvir, tendo então cabido ao Presidente Harry Truman a tarefa de (re)definir a doutrina de segurança dos EUA. Num célebre discurso de 1947 perante o Congresso, Truman identificou claramente a posição norte-americana, afirmando categoricamente ser um dever dos Estados Unidos apoiar os povos livres que fossem vítimas de quaisquer tentativas de pressão ou de submissão não democrática. Ora foi também – e importa recordá-lo

sem complexos – na saída de uma situação de deserto económico e de caos social no final da II Guerra Mundial que a Europa pôde contar com a “mão amiga” dos EUA. O então Presidente Franklin Roosevelt, sugeriu o nome de “Nações Unidas” para a formação de uma comunidade de povos livres, e a 25 de Abril de 1945 celebrou-se a primeira conferência em São Francisco. Depois – e como é da História Mundial –, os apoios dos EUA foram mais além e, perante a fragilidade das nações europeias depois desta guerra violenta, o então Secretário de Estado dos EUA George Marshall propôs a criação de um amplo plano económico – o famoso Plano Marshall – que possibilitou a reconstrução da Europa Ocidental e, paralelamente, afastou a ameaça comunismo. Mais tarde, quando os norte americanos e os países europeus – incluindo Portugal – fundaram a NATO não tiveram, logo à partida, uma formula mágica para conter a União Soviética. Mas tiveram o bom senso de, com base numa percepção de ameaça comum, desenvolver os mecanismos de cooperação necessários à identificação de uma resposta a essa ameaça. À distância de mais de meio século pode dizer-se que esses mecanismos foram eficazes e cumpriram plenamente a sua função. Contudo, a verdade é que as relações entre a Alemanha, a Grã-Bretanha e a França (as três principais potências europeias) se transformaram consideravelmente depois do fim da II Guerra Mundial, sendo que a queda do muro de Berlim em 1989 (também chamada o 11/9, por oposição ao 9/11) e o fim do bloco comunista tiveram repercussões relevantes na relação interna entre os países europeus e, mutatis mutandis, na geopolítica internacional. Aliás, e na sua obra de 2003 (Winning Modern Wars: Iraq, Terrorism, and the American Empire) o General Wesley

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Clark, um veterano de guerra, reconhecia a flexibilidade e capacidade de resposta dos operacionais militares norte-americanos, mas criticava de forma dura a Administração Bush pela sua recusa na procura de legitimidade internacional – concretamente das Nações Unidas e da NATO – para a intervenção no Iraque, sendo que, em seu entender, o governo republicano teria perdido a oportunidade para capitalizar a seu favor a simpatia da comunidade internacional após o 11 de Setembro (Clark é um apoiante dos democratas). Será justamente neste quadro de pressão política que, em Fevereiro de 2006, é publicado o Quadrennial Defense Review Report 2006. Para além de um adensamento das questões técnicas (o documento tem agora 113 páginas, contra 79 em 2001), há uma preocupação evidente com o reajuste da actividade do Departamento de Defesa: é destacado o esforço de planeamento de contingência e de reconhecimento estratégico, são explicitados os esforços de reconstituição de uma força militar global pós-11 de Setembro, é intensificado o esforço de recrutamento e, entre outros, é ainda destacado o processo de reorganização funcional do Departamento de Defesa que passa a incluir unidades orgânicas ligadas à intelligence e à homeland security. Deste quadro global de mudanças, a mais importante para a Europa será talvez a BRAC - Base Realignment and Closure que implicará a mudança de mais de 70000 militares das bases europeias para Fort Bliss (no Texas) e Fort Riley (no Kentucky), como parte de um processo de mudança de paradigma na estratégia de defesa dos EUA. O QDR-2006 também inova na redefinição do constructo para o planeamento da

distribuição no terreno das forças dos EUA. Apoiando-se na experiência de cinco anos (que inclui, entre outras, as guerras no Afeganistão e Iraque, a resposta aos furacões Katrina e Rita, e o apoio a diversas operações da NATO) a operacionalização da nova estratégia de defesa dos EUA assenta em quatro áreas prioritárias (ver figura 1): a derrota das redes terroristas; a defesa em profundidade do território norte-americano; a influência das escolhas nos países que se encontram numa encruzilhada democrática; e o impedimento da aquisição de armas de destruição massiva pelos países hostis e pelos actores nãogovernamentais.

O “1-4-2-1”

A figura 1 ilustra, justamente, a mudança de paradigma da estratégia de defesa dos Estados Unidos da América no Mundo; essencialmente, trata-se de uma mudança de paradigma que reflecte o portfolio de capacidades de intervenção militar dos EUA para fazer face a crises e catástrofes, para além de aumentar significativamente a capacidade de intervenção militar flexível em qualquer parte do Globo. Além disso, e como fica bem claro pela análise dos dados do quadro 1, é de notar a inigualável capacidade de mobilização das forças terrestres norte-americanas, com 62% das suas tropas mobilizáveis por mais de um ano, percentagem muito distante da holandesa (27% de um total de 4.000 militares) ou – entre outras – da chinesa (com 20.000 militares mobilizáveis, representando 1% do total da sua força militarizada terrestre).

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Força militar mobilizável em 2002 1- País 2- Total de forças militarizadas terrestres 3- Forças terrestres mobilizáveis em 1 a 3 meses com autonomia de 1 ano 4- Percentagem de forças terrestres mobilizáveis A 1- EUA 2- 649.000 3- 400.000 4- 62% B 1- Holanda 2- 15.000 3- 4.000 4- 27% C 1- Rússia 2- 329.000 3- 35.000 4- 11% D 1- Alemanha 2- 212.000 3- 10.000 4- 5% E 1- China 2- 1.610.000 3- 20.000 4- 1% Fonte: Michael O’Hanlon, Expanding Global Military Capacity for Humanitarian Intervention, Brookings, 2003, pp. 56-57 (adap.).

Apesar dos actuais esforços de guerra no Afeganistão e no Iraque, também o chamado paradigma do “1-4-2-1”, gizado depois do fim da Guerra-fria, continua a ser uma referência fundamental para entender a estratégia de defesa dos Estados Unidos. Essencialmente, este postula que as forças militares dos EUA devem ser capazes de garantir a segurança interna (“1” na equação), manter a sua presença e capacidade dissuasora em 4 teatros de guerra (“4” na equação), combater em 2 guerras em simultâneo

(“2” na equação) e ter a capacidade de ganhar uma dessas guerras depondo o Governo do país inimigo e ocupando o seu território (“1” na equação final). Não surpreende, por isso, que os gastos orçamentais dos EUA superem em mais do dobro ou sejam seis vezes superiores aos da NATO ou da Rússia, como se depreende de uma análise aos dados do quadro 2 (muito bem desenvolvidos na obra de Michael O’Hanlon, Defense Strategy for the Post-Saddam Era, de 2005).

Síntese dos gastos com a defesa em biliões de dólares (2005) 1- Pais 2- Gastos com defesa em biliões de US Dollars 3- Percentagem dos gastos mundiais totais em defesa A 1- EUA 2- 410.6 3- 40.6% B 1- NATO sem EUA 2- 227.8 C 1- Rússia 2- 66.1 3- 6.5% D 1- China 2- 56.7 3- 5.6%

3- 22.5%

Fonte: Michael O’Hanlon, Defense Strategy for the Post-Saddam Era, Brookings, 2005, p. 14 (adap.).

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Pela síntese exposta – e pela disparidade notória entre o poderio orçamental e militar dos EUA em relação ao resto do Mundo – sabemos que existem, seguramente, matérias de notável interesse para o futuro da relação transatlântica que a estratégia de defesa dos Estados Unidos não deve esquecer. Aliás, destas deram bem conta Robert Zoellick num relatório da Trilateral Commision, datado de 1999, e intitulado 21st Century Strategies of the Trilateral Countries, e a Task Force independente do Council on Foreign Relations, num relatório sugestivamente intitulado Renewing the Atlantic Partnership, datado de 2004. Não esquecendo também os contornos da participação dos EUA no quadro da NATO e da ONU, a verdade é que em todos estes documentos se pode ler uma vontade – não apenas aparente, mas seguramente real – para dar continuidade a uma relação de amizade e de partilha de valores fraternos e democráticos. Afinal, tem sido esta a suportar a liberdade durante o século XX; não há, pois, razão para que não continue no século XXI.

*Professor do ISCTE Professor Convidado da UNL-Faculdade de Direito na Cadeira de “Políticas de Segurança” Membro do Conselho Editorial da Revista Segurança e Defesa Bibliografia: Michael O’Hanlon, Defense Strategy for the Post-Saddam Era, Brookings, 2005 Michael O’Hanlon, Expanding Global Military Capacity for Humanitarian Intervention, Brookings, 2003 Rowan Scarborough, Rumsfeld’s War: The Untold Story of America’s Anti-Terrorist Commander, Regnery Publishing, 2004. Wesley K. Clark, Winning Modern Wars: Iraq, Terrorism, and the American Empire, PublicAffairs, 2003 White House – Department of Defense, Quadrennial Defense Review Reports, 2001 e 2006. Zbigniew Brzezinski, The Choice: Global Domination or Global Leadership, Basic Books, 2005.

Luís Tomé

I “4-4-4: A ESTRATÉGIA ANTI-TERRORISTA DA UNIÃO EUROPEIA” I Embora a Europa tenha uma longa e trágica história de convivência com o terrorismo, a União Europeia (UE) intensificou, nos últimos anos, a luta antiterrorista, por via da emergência do “terrorismo de novo tipo”1, a pressão dos acontecimentos e, nomeadamente, ao ritmo dos grandes atentados (11 de Setembro 2001 - EUA, 11 de Março 2004 – Madrid e 7 de Julho 2005 – Londres). Tendo reconhecido na Estratégia Europeia de Segurança que a «A Europa é simultaneamente um alvo e uma base para o terrorismo»2, o Conselho da UE

adoptou, em Novembro de 2005, sob a liderança da Presidência britânica, a “Estratégia Anti-terrorista da União Europeia” que, como aí se afirma, «requer um trabalho a nível nacional, europeu e internacional no sentido de reduzir a ameaça do terrorismo e a nossa vulnerabilidade a atentados»3. Este texto procura precisamente dissecar a Estratégia Antiterrorista da UE, estratégia essa que assenta num autêntico “4-44”, ou seja, quatro vertentes, quatro contributos quatro elementos cruciais.

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QUATRO VERTENTES

A Estratégia Antiterrorista da União Europeia começa por afirmar que «O terrorismo é uma ameaça para todos os Estados e para todos os povos»4 e que «O terrorismo é criminoso e injustificável em quaisquer circunstâncias»5. Assim se justifica a Estratégia que compreende os seguintes objectivos principais: «prevenir novos recrutamentos para o terrorismo; proteger melhor os alvos potenciais; perseguir e investigar os membros das redes existentes; melhorar a nossa capacidade para responder a atentados terroristas e gerir as consequências que deles advêm»6. A Estratégia baseia-se, pois, em quatro vertentes – Prevenir, Proteger, Perseguir e Responder - subordinados a um “Compromisso Estratégico”: «Combater o Terrorismo em todo o mundo, no pleno respeito pelos direitos humanos, e tornar a Europa mais segura, para que os seus cidadãos possam viver num espaço de liberdade, segurança e justiça»7. As quatro vertentes constituem uma resposta abrangente e proporcionada à ameaça terrorista internacional: Prevenir – evitar o recurso ao terrorismo, combatendo os factores ou causas profundas que podem conduzir à radicalização e ao recrutamento, na Europa e no resto do mundo; Proteger – proteger os cidadãos e as infra-estruturas e reduzir a vulnerabilidade a atentados, melhorando designadamente a segurança das fronteiras, dos transportes e das infra-estruturas essenciais; Perseguir – perseguir e investigar os terroristas através das fronteiras da UE e em todo o mundo; impedir o planeamento, as deslocações e as comunicações; desmantelar as redes de apoio; pôr termo ao financiamento e ao

acesso a material utilizável em atentados, e entregar os terroristas à justiça; Responder – preparar para gerir e minimizar as consequências dos atentados terroristas, tornando a União e os EstadosMembros mais capazes de fazer face à fase de rescaldo, à coordenação da resposta e às necessidades das vítimas. De acordo com o documento, as grandes prioridades da vertente “Prevenir” são: • «Definir abordagens comuns para detectar e combater os comportamentos de risco, designadamente a utilização abusiva da Internet; • Combater a instigação e o recrutamento, designadamente em meios-chave como as prisões, locais de formação ou culto religioso, inter alia mediante a implementação de legislação que criminalize esses comportamentos; • Desenvolver uma estratégia de informação sobre as políticas da UE a nível dos media e da comunicação; • Promover a boa governação, a democracia, a educação e a prosperidade económica através dos programas de assistência da Comunidade e dos EstadosMembros; • Desenvolver o diálogo intercultural no interior e no exterior da União; • Adoptar uma linguagem objectiva para debater os problemas; • Continuar a investigar e a partilhar análises e experiências, a fim de melhorar a nossa percepção dos problemas e de elaborar respostas políticas»8. Na vertente “Proteger”, são estas as grandes prioridades: • «Realizar melhorias no que diz respeito à segurança dos passaportes da UE através da introdução de dados biométricos; • Implantar o Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) e a segunda geração do

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Sistema de Informação de Schengen (SIS II); • Desenvolver, através da FRONTEX, uma análise de risco eficaz nas fronteiras externas da UE; • Implementar as normas comuns acordadas em matéria de segurança da aviação civil e de segurança portuária e marítima; • Aprovar um programa europeu para a protecção das infra-estruturas essenciais; • Utilizar da melhor forma possível a actividade de investigação a nível da UE e da Comunidade»9. As grandes prioridades da vertente “Perseguir” são: • «Reforçar as capacidades nacionais de luta antiterrorista, à luz das recomendações da avaliação, pelos pares, dos mecanismos nacionais de luta contra o terrorismo; • Tirar o máximo partido da Europol e da Eurojust e facilitar a cooperação policial e judiciária, e continuar a integrar as análises da ameaça efectuadas pelo Centro de Situação Conjunto na elaboração das políticas de luta contra o terrorismo; • Desenvolver mais o reconhecimento mútuo das decisões judiciais nomeadamente através da adopção do mandado europeu de obtenção de provas; • Assegurar a plena implementação e avaliação da legislação em vigor, bem como a ratificação dos tratados e convenções internacionais pertinentes; • Desenvolver o princípio da disponibilização da informação em matéria de aplicação da lei; • Resolver o problema do acesso dos terroristas a armas e explosivos, desde as peças para explosivos artesanais a material NBRQ; • Resolver a questão do financiamento dos terroristas, nomeadamente implementando

a legislação acordada, trabalhando no sentido de evitar a utilização abusiva do sector não lucrativo e fazendo o balanço do desempenho geral da UE neste domínio; • Prestar assistência técnica para reforçar a capacidade dos países terceiros prioritários»10. E são estas as grandes prioridades da vertente “Responder”: • Aprovar a nível da UE dispositivos de coordenação em caso de crise e respectivos procedimentos operacionais de acompanhamento; • Rever a legislação relativa ao Mecanismo Comunitário de Protecção Civil; • Desenvolver a análise de risco como base para a criação de capacidades de resposta a atentados; • Melhorar a coordenação com as organizações internacionais no que respeita à gestão da resposta a atentados terroristas e outras catástrofes; • Partilhar boas práticas e definir abordagens em matéria de prestação de assistência às vítimas do terrorismo e respectivas famílias.»11 QUATRO CONTRIBUTOS

Embora reconheça que a principal responsabilidade da luta contra o terrorismo cabe a cada um dos Estados-Membros, a Estratégia Antiterrorista também justifica que «a UE pode dar uma mais-valia traduzida em 4 grandes contributos: Reforçando as capacidades nacionais – utilizando as boas práticas e partilhando conhecimentos e experiências por forma a melhorar as capacidades nacionais mediante, designadamente, uma melhor recolha e análise de dados e informações; Facilitando a cooperação europeia –

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colaborando no sentido de trocar informações em condições de segurança entre os EstadosMembros e as Instituições europeias, estabelecendo e avaliando mecanismos que facilitem a cooperação; Desenvolvendo a capacidade colectiva – assegurando a existência de capacidade ao nível da UE para ter uma percepção da ameaça terrorista e elaborar respostas políticas colectivas, aproveitando da melhor forma a capacidade dos órgãos da UE, incluindo a Europol, a Eurojust, a Frontex, o CIV e o SITCEN; Promovendo parcerias internacionais – cooperando com parceiros exteriores à UE, em especial as Nações Unidas, outras organizações internacionais e países terceiros relevantes, a fim de aprofundar o consenso internacional, desenvolver as capacidades e reforçar a cooperação na luta antiterrorista12. E, de facto, independentemente da Estratégia Antiterrorista, a União tem feito esforços no sentido de fortalecer e desenvolver as capacidades nacionais, europeias e internacionais. São vários os domínios em que se verificam esses esforços13: No domínio da Justiça e Assuntos Internos: introduziu o Mandato de Captura Europeu para eliminar a possibilidade dos terroristas e outros criminosos se evadirem à justiça explorando as diferenças entre os sistemas legais nacionais; avançou no reconhecimento mútuo das ordens judiciais; alcançou uma definição comum de ofensas terroristas: «serão consideradas ofensas terroristas os actos intencionais (...) que, pela sua natureza ou pelo contexto em que foram cometidos, sejam susceptíveis de afectar gravemente um país ou uma organização internacional, quando o seu autor os pratique com o objectivo de: intimidar gravemente uma população; ou constranger indevidamente os

poderes públicos, ou uma organização internacional, a praticar ou a abster-se de praticar qualquer acto; ou destabilizar gravemente ou destruir as estruturas fundamentais políticas, constitucionais, económicas ou sociais de um país, ou de uma organização internacional.»14 elaborou listas comuns de indivíduos, grupos e entidades terroristas, estabeleceu sentenças mínimas para actividades terroristas e criminalizou a direcção, o apoio e o incitamento à actividade terrorista; criou o Eurojust para melhorar a coordenação entre os magistrados e procuradores da União; desenvolveu a unidade antiterrorista da Europol e o Counter-Terrorist Group (CTG); desenvolve uma espécie de serviço de intelligence conjunto (SitCen-EU Joint Situation Centre); decidiu a retenção de registos sobre o fluxo das comunicações; aprovou a partilha de dados e informações sobre explosivos desaparecidos; aprovou o princípio de mandato de provas europeu pelo qual um juiz de um Estado-Membro pode obter rapidamente as provas incriminatórias contra um suspeito em qualquer outro EstadoMembro; procura reforçar a cooperação operacional e a partilha de informações entre os serviços competentes dos Estados-Membros e entre estes e as agências, organismos e serviços da União (Europol, Eurojust, Agência Europeia para Gestão da Cooperação Operacional das Fronteiras Externas, SITCEN, Coordenador UE Antiterrorista, Comité Estratégico sobre Imigração, Fronteiras e Asilo, Policie Chiefs Task Force…). No domínio da Segurança dos Transportes e das Fronteiras: criou a Agência Europeia para Gestão da Cooperação Operacional das Fronteiras Externas; aprovou regulação que introduziu padrões mínimos de segurança e identificação biométrica nos passaportes e

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noutros documentos produzidos pelos Estados-Membros; lançou o Visa Information System (VIS) e prevê aperfeiçoar o Sistema de Informação Shengen (SISII); aprovou legislação suplementar para controlo de fronteiras e postos de alfândega; aprovou legislação referente à segurança de aeroportos e aeronaves, bem como de navios e portos. Para combater o Financiamento do Terrorismo: estipulou uma lista de entidades, grupos e indivíduos cujos fundos foram congelados por suspeita de associação ou financiamento ao terrorismo; aprovou novas directivas contra a lavagem de dinheiro e estendeu as medidas de defesa contra activos financeiros que encubram financiamento ao terrorismo; avançou com medidas destinadas a restringir o movimento de capitais com origens e destinos suspeitos; intensificou a partilha de informações sobre transacções suspeitas entre os Estados-Membros (unidades de investigação financeira); começou a desenvolver uma base de dados electrónica contendo todas as informações relevantes a respeito de indivíduos, grupos e entidades objecto das sanções financeiras da UE; acordou num código de conduta para prevenir a instrumentalização de redes de caridade pelos terroristas. No que respeita à Protecção Civil: começou a desenvolver um mecanismo aperfeiçoado de “protecção civil europeu”; iniciou um programa europeu de preparação e resposta a ataques com agentes nucleares, radiológicos, biológicos e químicos (NRBQ); estabeleceu um sistema de alerta precoce em caso de ataques com componentes NRBQ; iniciou um programa específico para partilha de dados nacionais sobre meios e vacinas disponíveis em caso de ataque bio-terrorista; aprovou ajuda específica para as vítimas de ataques terroristas; iniciou o estabelecimento

de um programa para protecção de infraestruturas críticas procura estabelecer o Health Security Committee para desenvolver e implementar uma política de segurança para a saúde; participa em programas internacionais como o Global Health Security Initiative do G7. No domínio das Relações Externas: apoia o papel-chave das Nações Unidas no combate global contra o terrorismo, promovendo a plena implementação das 13 convenções e protocolos internacionais antiterrorismo (incluindo a Convenção das Nações Unidas para a supressão dos actos de Terrorismo Nuclear) e a adopção rápida de uma Convenção Universal Contra o Terrorismo;trabalha com agências e organismos internacionais como a UN CounterTerrorism Executive Directorate, o UN Office on Drugs and Crime, a OSCE, o Conselho da Europa, o G8, a Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA), a Organização para a Interdição de Armas Químicas (OPCW), a Aliança Atlântica, etc.; intensificou o diálogo e a cooperação com organizações regionais relevantes, com os parceiros Euromed (Mediterrâneo), os EUA, o Canadá, a Noruega, a Suiça ou a Rússia. A dimensão regional na luta contra o terrorismo é tida em conta e incluída nos planos de acção aprovados pela União e seus parceiros no quadro da nova Política de Vizinhança; desenvolve a assistência técnica relacionada com contra-terrorismo para terceiros países (cerca de 80 países no total), fortalecendo os seus mecanismos e sistemas antiterroristas; passou a incluir cláusulas de efectivo antiterrorismo em todos os acordos com terceiros países; passou a usar a assistência ao desenvolvimento como forma de limitar possíveis bases de apoio e de recrutamento das redes terroristas, nomeadamente através de

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acções relacionadas com redução da pobreza, boa governação e participação democrática; financia e apoia emergentes capacidades regionais de luta antiterrorista em África e na Ásia (como o Centro Antiterrorista da União Africana e o Jakarta Centre for Law Enforcement Cooperation-JCLEC, por exemplo); aumentou significativamente a cooperação com os Estados Unidos na luta antiterrorista15. Além da intensa cooperação entre os serviços de intelligence e policiais dos dois lados do Atlântico, foram tomadas outras medidas: concluíram-se acordos sobre Extradição e Assistência Legal Mútua; concluíram-se acordos sobre a transferência de registos Personal Name Records (PNR) das companhias aéreas para as autoridades alfandegárias; intensificou-se a colaboração no estabelecimento de padrões de segurança globais; implementou-se uma nova Política de Diálogo sobre Segurança no Transporte e Fronteira (PDBTS); assinaram-se acordos para aumento da cooperação entre a Europol e as agências americanas, incluindo a partilha de informações; estabeleceram-se canais de ligação entre o Eurojust e o Departamento de Justiça dos EUA; promoveram-se encontros formais e informais entre a Troika da UE e os EUA e entre a Comissão, a Presidência e o Coordenador da Luta Antiterrorista da UE com homólogos do Departamento de Segurança Interna e do Departamento de Estado dos Estados Unidos. No domínio da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e também da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD): criou o cargo de Coordenador Antiterrorista da UE (Março 2004), tendo este por principais funções coordenar os trabalhos do Conselho da UE em matéria de combate ao

terrorismo, supervisionar todos os instrumentos de que a União dispõe, acompanhar de perto a implementação do Plano de Acção da UE de Luta Antiterrorista e assegurar a visibilidade das políticas da União na luta contra o terrorismo; -aprovou as primeiras declarações PESC sobre luta contra o terrorismo (16 entre 2001 e 2005); -aprovou um Quadro Conceptual da dimensão PESD na luta contra o terrorismo16 que, directamente ou em apoio a outros instrumentos, contempla quatro principais áreas de acção – prevenção, protecção, resposta/gestão das consequências e apoio a países terceiros na luta contra o terrorismo – e no qual são fixados seis princípios básicos: solidariedade entre EstadosMembros; natureza voluntária das contribuições nacionais; claro entendimento da ameaça terrorista e pleno uso dos procedimentos de análise de ameaça; coordenação transversal na luta antiterrorista; cooperação com parceiros relevantes; natureza complementar da contribuição PESD. Apostando na prevenção, a fim de evitar que alguns enveredem pelo terrorismo e de impedir que surja uma nova geração de terroristas, o Conselho da UE adoptou, em 24 de Novembro de 2005, uma “Estratégia de Combate à Radicalização e ao Recrutamento para o Terrorismo”. Nesta, a Europa tenciona: • «desarticular as actividades das redes e dos indivíduos que aliciam pessoas para o terrorismo; • garantir que as opiniões da maioria prevaleçam sobre o extremismo; • promover mais energicamente a

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segurança, a justiça, a democracia e as oportunidades para todos»17. Com base no princípio de “responsabilidade democrática”, a Estratégia Antiterrorista da UE está sujeita a supervisão política e acompanhamento periódico. Assim, o Conselho Europeu faz, uma vez por semestre, a avaliação dos progressos registados na execução da Estratégia18. Antes disso, realiza-se um diálogo político a alto nível sobre luta antiterrorista entre o Conselho, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, a fim de assegurar a governação interinstitucional, a transparência e o equilíbrio da abordagem da UE, também com uma reunião por Presidência19. A Estratégia é completada por um Plano de Acção pormenorizado que especifica as medidas e acções pertinentes a adoptar no âmbito das quatro vertentes20, indica o órgão competente para as implementar, fixa o deadline e faz também a avaliação da performance dos Estados-Membros acerca dos instrumentos legislativos e operacionais entretanto lançados, quer no quadro da UE quer no âmbito das Nações Unidas. Desta forma, os progressos em cada ponto específico poderão ser acompanhados periodicamente pelo Comité de Repre-sentantes Permanentes (COREPER), ca-bendo ao Coordenador da Luta Anti-terrorista e à Comissão Europeia proceder ao seguimento e actualização periódicos 21. QUATRO ELEMENTOS

Além dos quatro pilares e dos quatro contributos expressos no documento, podemos identificar mais quatro elementos cruciais em que assenta a Estratégia Antiterrorista da UE. Em primeiro lugar, «Os Estados-Membros são os principais responsáveis pela luta contra o terrorismo»22, ou seja, os organismos nacionais

continuam a ter a primazia e os governos nacionais mantêm o controlo total das suas forças policiais, da sua segurança, dos seus organismos de informação e das suas autoridades judiciais23. O modelo da UE é de baixo para cima, cabendo o papel central na luta contra o terrorismo às autoridades nacionais: quanto mais estas fizerem para melhorarem as suas capacidades e a sua coordenação interna, mais capacidades terá a UE e mais fácil será a coordenação ao nível europeu e internacional. Consequentemente, o primeiro aspecto da mais-valia que a UE pode dar na luta antiterrorista é, precisamente, o de reforçar as capacidades nacionais. O segundo elemento é a aposta na cooperação prática ao nível europeu, pois «a UE é um espaço cada vez mais aberto, com uma íntima relação entre os aspectos internos e externos da segurança (…) numa conjuntura de que os terroristas se servem de forma abusiva para atingirem os seus fins»24, contexto este que «torna indispensável uma actuação concertada e colectiva da Europa, marcada pela solidariedade, para combater o terrorismo»25. Daí o imperativo contributo da UE facilitar a cooperação europeia e desenvolver também a capacidade colectiva. A terceira linha de acção é fortalecer a cooperação entre a UE e os parceiros externos e «edificar o consenso internacional e promover normas internacionais de combate ao terrorismo»26. Conforme estabelecido na Estratégia Europeia de Segurança, a União Europeia assume, pela sua acção externa, a responsabilidade de contribuir para a segurança global e para a criação de um mundo mais seguro. Assim, a UE promove os esforços envidados no seio da ONU no sentido de definir uma estratégia antiterrorista global; confere à luta contra o terrorismo a mais elevada prioridade no diálogo com países

Segurança 31. ΘDefesa

parceiros relevantes, como os EUA; e coopera com países terceiros prioritários27 – incluindo os do Norte de África, do Médio Oriente e do Sudeste Asiático - ajudando-os a desenvolver capacidades antiterroristas, no pressuposto de que «Quanto mais eles se protegerem, melhor será para a nossa própria segurança»28. Outro aspecto da abordagem europeia na luta antiterrorista é «o esforço para solucionar os conflitos e promover a boa governação e a democracia… no quadro do diálogo e da aliança entre culturas, credos e civilizações, tendo em vista combater os factores que motivam a radicalização e os factores estruturais que estão na sua origem»29. Na realidade, o combate ao terrorismo tornou-se pedra angular da política externa da UE: a própria Estratégia Antiterrorista refere que «Há um elemento comum aos quatro pilares da Estratégia da União: o papel da UE no mundo»30. O quarto elemento crucial em que assenta a Estratégia Antiterrorista da UE é a aproximação abrangente e transversal que cobre uma multiplicidade de instrumentos e acções: da diplomacia aos serviços de intelligence, passando pela criação de novos mecanismos legislativos e financeiros, as medidas de auxílio ao desenvolvimento, a promoção da democracia e dos direitos humanos, o reforço da vigilância e do controlo das fronteiras, a resolução de crises e conflitos, as acções militares e secretas, o combate à proliferação de ADM, etc. É assim que a luta contra o terrorismo se insere em todas as vertentes das actividades conduzidas pela União. Mesmo sendo possível distinguir as acções internas das acções externas da União, ao tornar-se uma prioridade horizontal, isto é, integrada nas múltiplas políticas e actividades da União, pretende-se que a luta antiterrorista beneficie de uma visibilidade e de uma durabilidade acrescida, face a uma ameaça que

é, ela própria, global e multifacetada. CONCLUSÕES

Partindo de um vago e abstracto “compromisso estratégico”, a Estratégia Antiterrorista da UE baseia-se, expressamente, em quatro pilares (prevenir, proteger, perseguir e responder) e em quatro contributos da UE (reforçar as capacidades nacionais, facilitar a cooperação europeia, desenvolver a capacidade colectiva e promover as parcerias internacionais), tendo nós também realçado quatro elementos essenciais em que assenta a referida Estratégia (responsabilidade principal dos Estados-Membros; cooperação europeia; cooperação internacional e promoção do consenso mundial; aproximação abrangente e transversal). É esta “Estratégia 4-4-4” que corporiza a visão comum da UE e seus EstadosMembros no combate contra o terrorismo, apesar de se tratar, como habitualmente, do “mínimo denominador comum” adoptado pelos 25 Estados-Membros da União que têm experiências e visões tradicionalmente distintas sobre terrorismo e anti-terrorismo. A Estratégia Antiterrorista vem juntarse à “Estratégia Europeia de Segurança”, à “Estratégia Europeia contra a Proliferação de Armas de Destruição Massiva” e à “Estratégia de Combate à Radicalização e ao Recrutamento para o Terrorismo”, a que se soma ainda o Plano de Acção pormenorizado contra o terrorismo e um conjunto importante de instrumentos legislativos, práticas de cooperação e reforço de capacidades nacionais e colectivas, entretanto lançados. Portanto, na luta antiterrorista, à UE não faltam estratégias, instrumentos ou planos. O que é preciso é que os Estados europeus implementem, verdadeiramente, os mecanismos, as medidas e as acções que criaram e respeitem os prazos que eles próprios fixaram para os novos

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instrumentos legais. Exige-se, igualmente, o reforço da cooperação e da coordenação, ao nível europeu e internacional, no domínio da partilha das informações e das actividades operacionais antiterroristas, sendo certo que o aprofundamento da partilha de informações implica, simultaneamente, o aumento da protecção da informação. Fundamentalmente, a eficácia da Estratégia Antiterrorista depende da capacidade dos europeus se manterem coesos e firmes no combate absoluto e resoluto ao terrorismo. Isso implica que, por um lado, não se deve hesitar na condenação de qualquer forma ou manifestação de actividades terroristas e, por outro, deve privar-se o terrorismo de qualquer pretensa legitimação para as suas acções, seja ela política, religiosa, económica ou social. Como refere a própria Estratégia Antiterrorista da UE «O terrorismo é criminoso e injustificável em quaisquer circunstâncias31 (…) Nunca o terrorismo poderá encontrar justificação, nem pode haver desculpa ou impunidade para os actos terroristas.»32. Aliás, ainda antes de adoptarem esta Estratégia, os países europeus subscreveram a Declaração Final da Cimeira Mundial da ONU, em Setembro de 2005, onde, pela primeira vez, os líderes mundiais assumiram que «Condenamos energicamente o terrorismo em todas as suas formas e manifestações, independentemente de quem o cometa e onde e com que propósitos»33. Deslegitimando sempre todas as suas formas e justificações, o terrorismo perderá poder de reivindicação política ou outra, perderá sentido como meio de luta, processo de vingança, instrumento “de Deus” ou mecanismo de propaganda. Infelizmente, nem todos os europeus parecem compreender isso, governantes e ex-governantes incluídos…

* Professor Universitário (UAL, IESM e IDN), especialista em questões de segurança internacional, nomeadamente nas regiões da Europa e da Ásia. Antigo investigador da NATO, foi também assessor no Parlamento Europeu. Entre inúmeros ensaios e artigos e vários livros é autor, por exemplo, de Novo Recorte Geopolítico Mundial (2004), A Identidade e a Política Europeia de Segurança e Defesa (2001) e A Segurança e a Estabilidade no Noroeste da Bacia do Pacífico (2001).

1 Sobre esta designação e sua caracterização ver, por exemplo, Luis Tomé, “O 11 de Setembro e o «Terrorismo de Novo Tipo»” in JANUS 2003– Anuário de Relações Exteriores, co-Edição Observatório de Relações Exteriores da UAL e Jornal “Público”, Novembro 2002, pp. 116-117 (este e outros artigos também disponíveis na Internet em www.janusonline.pt) e “Novo Recorte Geopolítico Mundial – uma ordem uni-multipolar, uma grande guerra e o jogo de «contenções múltiplas»”, in Nação e Defesa, IDN, Nº 106, Outono-Inverno 2003, pp. 77-122. Isso mesmo também é feito, de forma mais detalhada, no livro Novo Recorte Geopolítico Mundial, EdiUAL e Quid Juris, Julho 2004, 284 pp. (também editado em inglês), em particular a “Parte III – A Nova Guerra Mundial Contra o Terror”, pp. 151-222. 2 União Europeia, Conselho, Estratégia de Segurança Europeia – Uma Europa Segura num Mundo Melhor, Bruxelas, 12 de Dezembro de 2003, pp. 3-4. 3 Ibid., parágrafo 3. 4 União Europeia, Conselho, Estratégia Antiterrorista da União Europeia, Bruxelas, 30 de Novembro de 2005, Introdução, parágrafo 1. 5 Ibid. 6 Ibid. 7 Ibid. pp. 2, 3 e 6. 8 Ibid., parágrafo 13. 9 Ibid., parágrafo 21. 10 Ibid., parágrafo 31. 11 Ibid., parágrafo 38. 12 Estratégia Antiterrorista da UE, p. 4.

Segurança 33. ΘDefesa

13 Segue-se uma descrição mais alargada da que fizera o autor em “A UE na luta contra o terrorismo”, in JANUS 2006– Anuário de Relações Exteriores, co-Edição Observatório de Relações Exteriores da UAL e Jornal “Público”, Lisboa, Dezembro 2005 , pp. 20-21. 14 Decisão-Quadro sobre Combate ao Terrorismo de 13 de Junho de 2002. 15 Isto não significa, naturalmente, que não persistam diferenças entre os Estados Unidos e países europeus sobre a guerra contra o terrorismo. Sobre essas divergências ver, por exemplo, Luís Tomé, “EUA e UE – estratégias diferentes na «guerra contra o terror»”, in JANUS 2005, op. cit., pp. 140-141 e Novo Recorte Geopolítico Mundial, op. cit., pp. 49-82 e 200-210. 16 Maior desenvolvimento deste ponto é feito pelo autor, por exemplo, em “PESD – progressos e dilemas”, in Mama Sume - Revista da Associação de Comandos, Nº 64, Janeiro-Julho 2006, pp. 57-65. 17 Conselho da União Europeia, Estratégia da UE de Combate à Radicalização e ao Recrutamento para o

Terrorismo, Bruxelas, 24 de Novembro de 2005, p.3. 18 Estratégia Antiterrorista da UE, parágrafo 39. 19 Ibid., parágrafo 40. 20 Ibid., parágrafo 41. 21 Ibid. 22 Estratégia Antiterrorista da UE, op. cit., p. 4. 23 É o próprio Coordenador da Luta Antiterrorista da UE, Gjis de Vries, a reconhecê-lo. Ver, por exemplo, Gjis de Vries, entrevista à NATO Review, Outono de 2005, edição electrónica disponível em www.nato.int. 24 Estratégia Antiterrorista da UE, parágrafo 2. 25 Ibid, parágrafo 2. 26 Ibid., parágrafo 4. 27 Ibid., parágrafos 4 e 5. 28 Gjis de Vries, entrevista, op. Cit. 29 Estratégia Antiterrorista da UE, parágrafo 5. 30 Ibid., parágrafo 4. 31 Ibid., parágrafo 1. 32 Ibid., parágrafo 7. 33 ONU, Declaração Final da Cimeira Mundial, Setembro de 2005 - Terrorismo, parágrafo 81.

A. Rebelo de Sousa

I “A FRONTEIRA DO INEGOCIÁVEL” I

DO HIPER-RELATIVISMO CONCEPTUOLÓGICO.

Existe, hoje em dia, uma certa tendência para o que se designa de hiperrelativismo conceptuológico, admitindo-se que tudo pode ser posto em causa, tudo se apresenta discutível, não havendo, por conseguinte, um paradigma dominante. A autoridade do Estado pode e deve ser posta em causa, bem como a autoridade dos pais em relação aos filhos, dos docentes em relação aos discentes, dos patrões em relação aos trabalhadores, não havendo uma fonte de legitimidade do exercício do poder que se apresente inquestionável. Rejeita-se a dogmática ou, melhor dizendo, a única dogmática aceitável é a ausência de Dogmas, não havendo bem e mal, legitimidade e ilegitimidade, justiça e injustiça, pelo que tudo pode ser posto em causa. Para os que assim pensam a opção pelo Estado de Direito Democrático é tão aceitável quanto a opção por uma Ditadura Comunista, pelo Nazismo, por modelos monárquicos de sabor medieval ou por Teocracias fundamentalistas islâmicas. Qualquer um destes modelos é defensável, pelo que temos que nos colocar ao mesmo nível dos que defendem os diferentes modelos políticos alternativos. A esta concepção favorável ao hiper-relativismo conceptuológico junta-se, muitas vezes, um ingrediente (contraditório, em termos epistemológicos com o referido hiper-relativismo), o qual consiste na defesa da tese de que cada Estado ou cada Comunidade Nacional tem direito a reger-se pelo seu próprio modelo organizativo (princípio da soberania ilimitada). Assim, se, num determinado país, a mulher for tratada como se de um animal doméstico se tratasse, o problema seria dos cidadãos desse país e não da comunidade internacional.

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Se, num outro país, não existisse liberdade de expressão e de reunião e a tortura fosse sistematicamente utilizada pelos representantes do poder, o problema diria, tão somente, respeito aos cidadãos desse país e não a todos nós. Mais, teríamos mesmo que respeitar a opção feita por esses países, considerando-a, para todos os efeitos, como um resultado de usos e costumes que radicariam na História Civilizacional dessas Comunidades, não nos considerando partidários de concepções e de valores qualitativamente superiores aos defendidos (e postos em prática) nessas comunidades. Quem assim pense não vai, seguramente, longe… Em boa verdade, para os defensores do “hiper-relativismo ideológico” não se apresenta seguro que a Democracia de tipo Ocidental - i.e., representativa, assente na liberdade de expressão e de reunião, no sufrágio universal, directo e secreto, no princípio da alternância e na separação de poderes – corresponda a um modelo político superior aos modelos alternativos existentes. E, por conseguinte, não se apresenta seguro que quem esteja contra a democracia, procurando sabotá-la, conspirando contra ela, não possa ter alguma razão. Logo, nesta perspectiva, a condenação frontal de todas as formas de terrorismo – nomeadamente, daquelas que atentem contra a Democracia – poderá ser posta em causa.

E, assim sendo, até faz sentido negociar com quem tenha optado pelo terrorismo, se tal se justificar a partir de uma análise objectiva da correlação de forças (pragmatismo conciliador ditado pela concepção “hiper-relativista” de sociedade presente e futura). Sou dos que discordam totalmente desta concepção “hiper-relativista” de valores, defendendo, muito pelo contrário, que o modelo Democrático de tipo Ocidental se apresenta qualitativamente superior aos outros modelos alternativos existentes. Do que resulta que considero que os princípios por que se regem as democracias representativas – desde a liberdade de expressão, à liberdade de voto, passando pela igualdade entre o homem e a mulher – são, manifestamente, superiores aos que inspiram outros modelos e outras culturas políticas. Daí que defenda a Dogmática da Democracia e da Liberdade. Daí que considere não fazer sentido negociar com quem pretenda sabotar a Democracia. Daí que não me coloque ao mesmo nível dos que defendem o exercício de um poder ditatorial, a manutenção de monarquias medievais ou a equiparação da mulher a um animal doméstico, ainda que de estimação. E não há, em meu entender, análise objectiva da correlação de forças que justifique uma negociação séria e empenhada com quem assim pense.

Segurança 37. ΘDefesa

DA AUSÊNCIA DE UM TERRORISMO NÃO TOTALITÁRIO

Manda a verdade reconhecer que se os movimentos autonómicos (designados de “movimentos de libertação”) experimentam sempre alguma dificuldade em se organizarem democraticamente (e em exercerem um poder democraticamente legitimado), as organizações terroristas assentam numa lógica comportamental que, pela sua natureza, se apresenta, forçosamente, anti-democrática. Um “movimento de libertação” tem sempre que contar com uma hierarquia rígida de comando, a qual não pode ser discutida internamente, nem submetida a voto. Mesmo quando se trate de um “movimento” que tenha algumas preocupações de sabor humanitário, não exercendo, por exemplo, a violência sobre civis, dificilmente poderá ter uma “praxis” democrática, o que, aliás, explica por que razão foi sempre difícil construir Estados Democráticos nos países em que, com a Independência, se transferiu mecanicamente o poder das autoridades coloniais para os ditos “movimentos de libertação”. Essa dificuldade radica no facto de se transferir o poder de autoridades coloniais (cuja legitimidade, também, não era democrática) para organizações cuja legitimidade de exercício do poder é revolucionária e não democrática. Mas, nas organizações terroristas a questão da ausência de democracia, ainda, se apresenta mais evidente.

Não só se pretende subverter uma Ordem vigente, como se pretende recorrer a todos os métodos que se apresentem “eficazes” para a consecução desse objectivo: se for necessário assassinar civis, então que se recorra a essa metodologia; se se tiver que raptar, rapta-se; se se tiver que chantangear, então que se chantageie; se se tiver que aniquilar pessoas, então que se aniquile. A morte de um ex-colaborador é, em regra, decidida pelo chefe inquestionável, de acordo com o seu próprio juízo pessoal, dispondo o mesmo das vidas de todos os seus colaboradores, de uma forma incondicional e incondicionável. Daí que, por definição, o terrorista seja, profundamente, anti-democrático. A NEGOCIAÇÃO IMPOSSÍVEL

Do que se disse resulta não fazer sentido, para quem defenda a Dogmática da Democracia e da Liberdade, conciliar com os que estão contra os valores em que assenta o que se convencionou designar de Civilização Ocidental. Como, também, não faz sentido negociar com os que pretendam sabotar o Estado Democrático, recorrendo às mais diversas formas de terrorismo. A fronteira do inegociável está, precisamente, no respeito pelos valores da Democracia e da Liberdade, tal como são concebidos no Ocidente, não podendo a mesma ser ultrapassada sem risco de perda de coerência e de credibilidade. Tal não significa que não se possa simular a negociação, mas sempre com o

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propósito determinado de derrotar o inimigo, em momento subsequente, nos termos e condições ajustados à análise da correlação de forças. É essa determinação que nos permite ter a convicção – e a convicção forte – de que o modelo Democrático de Sociedade (que terá, naturalmente, de continuar a ser aperfeiçoado) sairá vencedor, a longo prazo, nem que para tal tenhamos que esperar várias gerações. O tempo está do nosso lado. Mas, importa assentar a acção política em convicções fortes e no reconhecimento de que na vida é preciso ter algumas “certezas”. A “incerteza”, enquanto análise sistemática de modelos, levada às últimas consequências, é, porventura, geradora de catarses que satisfazem (temporariamente) mentes egocêntricas que têm da vida uma perspectiva azeda e doentia. Mas é, também, geradora, ao nível do exercício do poder, de anarquia e, por isso mesmo, de auto-destruição. Daí que deva partir-se da “incerteza” para algumas “certezas” e, por conseguinte, para uma Dogmática, que nos possibilite separar o bem do mal, o justo do injusto, o negociável do inegociável.

*Doutorado em economia, consultor, professor universitário no ISCSP e na Universidade Lusíada, presidente da Associação de Amizade Portugal - EUA

Vitalino Canas

I “SEGURANÇA E DROGA NO AFEGANISTÃO”: CHEGOU A ALTURA DE NOVAS ALTERNATIVAS I

Estive em Cabul no Outono de 2006, para uma conferência internacional e para visitar o contingente militar português da ISAF1. Quando regressei a Portugal tive de responder às inevitáveis perguntas de amigos, colegas e família sobre as minhas impressões. Havia muito por onde escolher. Sinais de normalidade, como as multidões circulando desordenadamente e a toda a hora em qualquer

rua, as milhares crianças que vão despreocupadamente para as escolas, algumas delas envergando impecáveis fardas escolares e o trânsito caótico, provocado por milhares de carros a cair literalmente aos bocados, mas também por carros de topo de gama que revelam que já há quem consiga dinheiro para altos luxos. Também sinais de grande anormalidade, de enorme tensão, de barril de

Segurança 41. ΘDefesa

pólvora pronto a explodir, como o facto de em qualquer trajecto que tivéssemos de fazer termos de ser acompanhados por uma equipa de segurança altamente armada, ou da existência de verdadeiros bunkers destinados ao lazer de estrangeiros ou ainda o suicida que se fez explodir na estrada de Kandahar e do Paquistão poucas horas depois de termos lá passado. Mas Cabul não pode ser tomada como exemplo do que é o Afeganistão, do Afeganistão de agora e do Afeganistão do passado. Do Afeganistão indomável, do Afeganistão pobre que oferece aos seus cidadãos pobreza e

campanha todo o império persa, com excepção de uma província, tinha sido submetido. A província chamava-se Bactria-Sogdiana. Hoje o seu nome é Afeganistão. Alexandre o Grande foi obrigado a anos de guerra de atrito provocada por membros de tribos selvagens conhecidos pela sua perícia no dorso de cavalos e a anos de acção de pacificação. Em nenhum outro lugar o Imperador foi forçado a tanto empenho, por tanto tempo e com tanto comprometimento de recursos por tão pouco. A história repetir-se-ia mais vezes. No século XIII imperador o mongol Gengis Khan e as suas forças protagonizaram uma das maiores

condições de vida de uma dureza limite. Em 334 dC Alexandre o Grande iniciou a sua marcha de mais de 30 000 quilómetros, da Macedónia ao Punjab, que perdurou por 30 anos. No decurso desta epopeia derrotou o Imperador Persa Dário em algumas das mais memoráveis batalhas na Ásia Menor de que há registo e conquistou tudo o que lhe ia aparecendo ao caminho. Depois de 4 anos de

campanhas militares da história. Em 1225 os mongóis tinham já derrotado todos os exércitos enfrentados desde a Coreia até à Ucrânia. Em 1221 Gengis Khan liderou pessoalmente a campanha através do Afeganistão e da Índia. No Afeganistão a resistência foi enorme e sangrenta. Ambas as partes sofreram baixas vultuosas, não tendo o mongol permanecido muito tempo.

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Os britânicos conheceram também bem a fibra lutadora e resistente dos afegãos, nas guerras do século XIX. É este Afeganistão milenar, resistente a qualquer mudança, conquista, presença ou influência externa, que existe e prevalece. O Afeganistão de gente pobre e isolada, entregue a si própria, habituada a lutar desesperadamente pela vida tirando da terra o parco provento que ela é capaz de fornecer. Um Afeganistão sem alternativas, auto-vinculado à sharia islâmica, organizado numa lógica familiar e tribal, com os seus instrumentos de governo tradicionais próprios. É este Afeganistão que o resto do Mundo procura trazer para a democracia e para o Estado de direito. Este é também o Afeganistão onde quase metade do PIB resulta da produção da papoila do ópio, matéria prima, designadamente, de muita da heroína que se consome nos países em seu redor e na Europa. A ONU anunciou que este ano a produção de papoila do ópio nos campos afegãos bateu todos os recordes. Isto não obstante a jihad contra a produção de ópio lançada pelo presidente Karzai no final de 2004 e de todas as campanhas de erradicação desenvolvidas ao longo de 2005 e 2006. Resulta isto de os camponeses afegãos serem endemicamente fora-da-lei, ou de estarem voluntária e empenhadamente vendidos aos traficantes, ou de pretenderem protagonizar uma rebelião surda contra as forças estrangeiras presentes no seu território, ou ainda de quererem enriquecer à custa da desgraça de cidadãos no Paquistão, no Tajiquistão, na Rússia ou em outros países europeus? Talvez haja exemplos concretos de camponeses movidos por estes pérfidos intuitos. Mas constituiria um erro de avaliação grosseiro pensar que essas são as motivações principais ou mais comuns.

Vejamos o que se passa, por exemplo, em Helmand, província do sul, com fronteira – meramente nominal, apenas no mapa – com o Paquistão. Em 2005 estima-se que o ópio tenha sido cultivado em 26 500 ha, subindo em 2006 a extensão para cerca de 40 000 ha. Helmand é nesta altura a maior produtora de ópio do Afeganistão, tendo dali saído 25% da produção global do País em 2005. Cerca de 55 000 famílias, aproximadamente 380 000 pessoas, um terço da população de Helmand, dependem da produção da papoila. Em Helmand há hoje guerra aberta, com os insurrectos (restos dos talibãs, AlQaeda e jiadistas) a reivindicarem-se como detentores do poder de facto em algumas cidades e vilas. Helmand é uma região praticamente desértica, com um clima árido. A área principal de cultivo está localizada no vale do rio Helmand, o maior do Afeganistão. Não há estradas, escolas ou hospitais. Helmand é uma das províncias mais pobres do Afeganistão, com uma economia inteiramente rural baseada no cultivo do ópio e com desemprego elevado. A resposta a esta situação do Governo e das forças internacionais tem sido, no essencial, a erradicação voluntária ou forçada das culturas de papoila de ópio2. As promessas de meios de desenvolvimento ou de sobrevivência alternativos não têm sido eficazmente concretizadas, tal como tarda o ambiente de segurança que permita aos camponeses escaparem à influência e pressão de traficantes, de warlords e de insurrectos. Este é, portanto, um contexto particularmente favorável à insurreição e aos traficantes. Sem outras alternativas que lhes permitam manter a posse das terras e sobreviver, os camponeses e a suas famílias, que em 2004 e 2005 acreditaram que as autoridades iriam proporcionar outras possibilidades, voltaram a cultivar e a colher o ópio em 2006, porque é este que melhor se adapta às condições agronómicas e é este que no contexto presente tem garantias de

Segurança 43. ΘDefesa rentabilidade económica e de escoamento. Além disso, confrontados com um Governo que aparenta conferir prioridade máxima à destruição do seu meio de vida, sem lhes proporcionar alternativas credíveis e viáveis, tornam-se receptivos à propaganda dos insurrectos, que aproveitam o crescente divórcio das comunidades locais em relação ao centro político de Cabul e às autoridades locais dele dependentes, acusadas de corruptas e ineficazes. As forças internacionais, inicialmente vistas como libertadoras, começam a ser encaradas como opressoras; os talibãs, até recentemente lembrados como opressores, talvez comecem a ser vistos como protectores e como resistentes islâmicos à conquista “cristã”. A situação é complexa e seria certamente insensato pensar que é possível desatar os nós górdios com uma qualquer solução a la minute, do género fast food político. Mas talvez seja este o momento de propor soluções alternativas que possam contribuir para quebrar o círculo vicioso (pobreza - falta de alternativas ao cultivo do ópio – ausência de autoridade de Estado influência dos insurrectos) em algum dos seus pontos. Uma das ideias que têm sido estudadas, debatidas e defendidas no último ano tem sido a da possibilidade de lançar um programa, patrocinado pela comunidade internacional nos termos das normas internacionais vigentes e desenvolvido pelo Governo, com apoio das autoridades tradicionais locais (shura e jirga3), de produção da papoila do ópio com vista à produção posterior de certos medicamentos. A papoila do ópio é a matéria prima da heroína, mas também de medicamentos legais universalmente utilizados, como a morfina e a codeína. Há algumas décadas, programas deste género foram lançados com sucesso e com o apoio da comunidade internacional, em países com

problemas de produção da papoila do ópio canalizada para a produção de heroína, como a Índia e a Turquia. Um think tank sedeado em Paris, o Senlis Council Drug Policy Advisory Forum, com escritórios em Londres e em Cabul, lançou em 2005 um estudo de viabilidade4 sobre um programa dessa natureza. Procurava-se avaliar a viabilidade económica e jurídica, mas também verificar a sustentabilidade social de um programa dessa natureza, o grau de adesão esperável por parte das comunidades locais e dos seus líderes tradicionais, a praticabilidade, tendo em conta as condições de segurança (ou de ausência dela) no País. O estudo começou por identificar uma situação de défice de produção global de morfina e codeína. A maior parte da morfina e da codeína hoje consumida ao nível mundial fica nos países mais desenvolvidos. Países menos desenvolvidos, muitos deles com carência de codeína e morfina - por exemplo devido a altas taxas de contaminação com HIV/SIDA – não têm acesso às quantidades necessárias, devido ao preço e ao défice de oferta no mercado mundial. Por outro lado, a rentabilidade para os camponeses estaria assegurada. Ainda que os resultados de exploração da papoila do ópio nessas circunstâncias nunca pudessem ser tão elevados como os resultados da produção da papoila para o mercado ilegal da heroína, ainda assim seriam economicamente viáveis e capazes de sustentar a actividade e a vida dos camponeses que integrassem o programa. Há boas razões para assumir que os camponeses se dedicam à produção ilícita por motivos meramente económicos e por ausência de alternativa. Uma alternativa legal, ainda que menos rentável, seria aproveitada pela grande maioria. Do ponto de vista jurídico, este programa teria sustento suficiente no direito internacional e no direito interno, quer no

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escrito, quer na sharia. Por exemplo, as convenções internacionais sobre a produção de substâncias psicotrópicas conferem base legal suficiente para um programa controlado e devidamente enquadrado de produção de matéria prima para medicamentos. É certo que também são identificados riscos e constrangimentos. Um programa deste género seria certamente sabotado e hostilizado violentamente por aqueles que não quereriam que tivesse sucesso, os traficantes, alguns warlords e os insurrectos islamistas. O risco de desvio da papoila do ópio produzida nos campos devidamente licenciados para outras finalidades que não a legal não seria negligenciável. O programa careceria de uma forte monitorização, que não poderia ser feita apenas pelas actuais forças policiais regulares, ainda incipientes, pouco profissionais, desorganizadas e permeáveis a fenómenos de corrupção, antes tendo de se criar uma nova estrutura de monitorização altamente disciplinada e controlada, ou adaptar uma das já existentes. Por outro lado, o seu sucesso só poderia assentar num diálogo estreito e baseado na confiança mútua entre autoridades locais tradicionais, o poder formal (central e local) e a comunidade internacional, todos eles com responsabilidades na sua execução. As autoridades tradicionais teriam de garantir um forte controlo e disciplina social. As autoridades formais teriam de garantir condições de segurança e de protecção dos camponeses contra as investidas dos agressores, bem como um sistema de forte monitorização da papoila cultivada e colhida e um sistema de escoamento eficaz. A comunidade internacional teria de garantir mercado para a morfina e a codeína produzida no Afeganistão, talvez através de acordos preferenciais. Da parte das autoridades do Afeganistão tem

havido interesse em ouvir a proposta. Da parte das forças internacionais, particularmente dos Estados Unidos e do Reino Unido, tem-se ouvido uma reacção agastada, acusando vagamente a proposta de “enviar uma mensagem errada” aos camponeses ou de ser impraticável nas actuais circunstâncias de guerra e de insegurança global no País. Num momento em que a produção de papoila do ópio no Afeganistão cresce para níveis nunca antes vistos, não obstante todas as mensagens ameaçadoras, persuasivas ou pedagógicas que têm sido endereçadas aos camponeses por vários sectores, incluindo o religioso, acusar outrem de uma mensagem errada é porventura pouco credível. Ainda para mais, o único fundamento ou justificação apresentada para a opção política de erradicação da papoila do ópio é, ironia do destino, o facto de ela já ter tido sucesso no passado. Quando? No tempo dos talibãs… Para além da ironia de se invocar o exemplo passado do inimigo de hoje, o argumento enfrenta ainda outra dificuldade: será que o Governo afegão e as forças internacionais estão disponíveis para utilizar os mesmos métodos que os talibãs, que não se cingiriam seguramente à mera erradicação das plantações e passariam pela forte repressão e agressão dos próprios camponeses? Pelo meu lado, confio demasiado nos valores do Estado de Direito que procuramos transportar para o Afeganistão para pensar que essa perversão seja possível! Por outro lado, o argumento da impraticabilidade de um programa de licenciamento da produção legal de ópio está por demonstrar. O que já não está por demonstrar, pelos vistos, é a impraticabilidade da opção de erradicação das plantações. Basta comparar os números referentes às colheitas de 2005 e de 2006. A praticabilidade ou a

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impraticabilidade de uma proposta ou de uma solução comprova-se com a experiência. Porque não lançar uma experiência delimitada, numa zona propícia em que seja possível reunir as condições necessárias? No plano das vantagens, não podemos deixar de nos sentir atraídos por alguns dos benefícios antecipáveis de um programa com estes contornos. Em contraste com alguma incompreensão mútua actualmente existente, a política de licenciamento da produção legal de ópio faria todo o sentido para os camponeses. Decerto que não deixaria de haver produção ilegal de papoila de ópio destinada à heroína. O que está em jogo em termos de negócio é excessivamente importante para se poderem alimentar expectativas de total supressão desse fenómenos num país com as características do Afeganistão. Os traficantes e os agentes do crime organizado internacional conseguiriam continuar a encontrar parceiros e meios. Mas todos aqueles camponeses –porventura a maioria esmagadora – que quisessem respeitar a lei teriam alternativas que hoje não têm. Em relação a quem quisesse permanecer à margem da lei o fundamento moral para a erradicação forçada ganharia ímpeto que hoje não possui. O Governo e as forças internacionais veriam a legitimidade da política de erradicação em relação a esses significativamente reforçada. Também nada desprezível seria a circunstância de um programa deste género ser susceptível de gerar novas condições de cumplicidade entre as autoridades e as comunidades locais, que teriam forçosamente de estar do mesmo lado para o conceber, realizar e proteger. As condições de solidariedade nacional beneficiariam com isso, a autoridade do Estado sairia reforçada pela eliminação de espaços onde ela hoje não se pode

exercer, haveria um novo sector económico fora da lógica da economia subterrânea. Parece o ovo de Colombo. Por isso tem sido recebido com crescente simpatia, até por Governos ocidentais. Então por que resistem tanto os membros da comunidade internacional envolvidos no esforço militar no Afeganistão, que muito teriam a ganhar com um novo factor de estabilização? É uma pergunta que talvez alguém queira responder num próximo número desta revista.

* Assistente na Faculdade de Direito de Lisboa, Professor no ISCAD e Presidente da Comissão dos assuntos Europeus da Assembleia da República 1 A ISAF existe na sequência do acordo de Bona de 6 de Dezembro de 2001, estando mandatada nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas e das Resoluções n.º 1386, 1413 e 1444 do Conselho de Segurança. A ISAF conta com o contributo de 33 países, entre os quais Portugal. 2 A Central Eradication Cell do Ministério Afegão contra os narcóticos, com o apoio dos EUA e do Reino Unido, tem coordenado as operações de erradicação em todo o país. As tropas da ISAF não têm mandato para operações de erradicação. 3 As jirga e shura são assembleias semi-institucionais de decisão comunitária e de resolução de conflitos. 4V. The Senlis Council, Feasability study on opium licensing in Afghanistan for the production of morphine and other essencial medicines, Cabul e Londres, 2005. Participei nesse estudo com Nuno Aureliano, estando a nossa contribuição, com o título «Contribution to a feasibility study on a Project in Afghanistan – Law enforcement» publicada na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLVI, n.º 1, (2005).

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A. Silva Ribeiro

I “A ESTRATÉGIA DO IRÃO” I No último ano houve uma alteração no comportamento estratégico do Irão, que contrasta com o adoptado entre 2001 e 2004. Neste período apoiou a acção dos EUA e da NATO no Afeganistão, e encorajou Washington a depor Sadam Hussein. É certo que houve várias tensões no relacionamento entre o Irão e os EUA, mas o nível de intensidade era bastante distinto da presente confrontação, onde o Iraque e Israel são os alvos preferenciais, e a tecnologia nuclear a divergência fundamental. Também piorou o relacionamento do Irão com os países árabes sunitas. Tudo isto, porque o Irão aspira a ser a potência regional prevalecente no Médio Oriente. Há dois factores a considerar para se perceber a mudança na estratégia nacional iraniana. Em primeiro lugar, até ao 11 de Setembro de 2001, o Irão considerava-se e era reconhecido no mundo árabe como a vanguarda da resistência islâmica radical. No passado havia desafiado os EUA, e o Hezbola, uma criação de Teerão, protagonizava atentados bombistas suicidas e aprisionava reféns. Porém, a organização terrorista sunita Al Qaeda, após os atentados realizados nos EUA, assumiu a liderança do islamismo radical, o que relegou o Irão para uma situação de aparente colaborador dos EUA. O segundo factor a ter em conta é o objectivo do Irão relativamente ao Iraque. Os iranianos, que detestavam Saddam Hussein devido aos oito anos de guerra, apoiaram a invasão do Iraque pelas forças dos EUA e do Reino Unido. Há indícios que o Irão terá fornecido informações úteis à realização da operação militar. Algumas opiniões até consideram hoje que foram exactamente essas informações, por evidenciarem a facilidade de ocupação do Iraque, caso o Partido Baath e as suas instituições fossem destruídas, que contribuíram para que este país esteja hoje tão sujeito à influência do Irão. Por isso, os shiitas iraquianos não resistiram à invasão e os iranianos apoiaram-na. Os EUA, apesar de cientes do objectivo do Irão relativamente ao Iraque, pensaram ser capazes de impor um novo regime em Bagdade, qualquer que fosse a vontade de Teerão. Nestas circunstâncias, procuraram tirar partido dos interesses iranianos e, ao mesmo tempo, criar um governo de coligação que incluísse todas as facções políticas do Iraque. Consideraram que os shiitas, por serem o grupo social mais numeroso do Iraque, até poderiam dominar o governo. Porém, não disporiam de poder absoluto e Teerão acabaria por aceitar um Iraque neutral, com um governo de coligação que garantisse os seus interesses. Porém, a nova estratégia nacional do Irão extravasa os seus interesses relativamente ao Iraque, porque tem como objectivo primacial alcançar o estatuto de potência regional prevalecente. A operacionalização desta estratégia implica uma ofensiva sectária violenta no Iraque, que visa explorar duas oportunidades conjunturais relevantes. A primeira oportunidade resulta da

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convicção de que os EUA, com falta de forças militares para conter uma guerra civil, serão forçados a retirar ou, pelo menos, a reduzir a sua presença nas zonas urbanas. Desta forma, a maioria shiita do Iraque ficará em boa posição para impor um governo pró-iraniano sob controlo de Teerão. A segunda oportunidade decorre de não se verificar a retirada americana. Nestas circunstâncias, o Irão terá vantagem na fragmentação do Iraque em várias regiões, que se envolvam em guerra civil ou permaneçam em forte tensão entre si, porque as forças militares dos EUA continuarão empenhadas e focalizadas na contenção destes problemas. Assim, o Irão poderá dominar a parte sul do Iraque e controlar a rota estratégica para o litoral ocidental do Golfo Pérsico. É neste contexto que assume relevância a pretensão iraniana de prosseguir o seu programa nuclear. Com efeito, o Irão não tem qualquer carência energética que justifique a construção de centrais nucleares, porque é rico empetróleo e gás natural. Na realidade, o programa nuclear iraniano tem como objectivo evidente o desenvolvimento de armas que, a prazo, confiram ao Irão o estatuto de força militar que credibilize as suas aspirações de se tornar a maior potência do Médio Oriente. Este sonho geo-estratégico do Irão, a concretizar-se, terá gravíssimas consequências para a estabilidade da região e para a segurança energética dos EUA e do Ocidente. Poderá ser esta ambição estratégica iraniana que explica igualmente as actuais pressões de Teerão sobre a Arábia Saudita, que se tornou novamente um aliado próximo e essencial dos EUA. Uma evidência substantiva que credibiliza esta possibilidade, é o facto de, na sequência das condenações sauditas aos ataques do Hezbolla contra Israel, terem surgido apelos de líderes shiitas iranianos para sansões políticas e económicas contra Riade. O PAPEL DO HEZBOLLA A operacionalização da nova estratégia nacional iraniana também implica o emprego do Hezbolla, uma organização terrorista shiita que

esteve muito activa, violenta e radical na década de 80 contra Israel. Assumiu o controlo político e económico do Líbano na década de 90, onde representa os interesses shiitas, que se tornaram parte do sistema governativo deste país. Nos últimos vinte anos o Hezbolla colaborou com a Síria que, embora seja um país predominantemente sunita, é governado pela minoria shiita dos Alawitas. O Irão e a Síria são países muito diferentes, com interesses distintos na região. A Síria pretende dominar e explorar economicamente o Líbano. Por isso, interessoulhe a paz neste país, o que implicou conter o Hezbolla. Todavia, após a retirada das suas forças militares no Líbano, forçada pelos EUA na sequência do assassinato do Primeiro-Ministro, Rafik al-Ariri, em Feveriero de 2005, o interesse de Damasco na contensão do Hezbolla desapareceu. Em simultâneo, e na sequência da alteração da estratégia nacional iraniana, Teerão, para confrontar Washington, passou a ter interesse em reactivar o Hezbolla, que dispõe agora de uma nova geração de militantes, ainda mais radical que a anterior, que alcançou um feito militar histórico no recente conflito contra Israel. Na realidade, o Hezbolla combateu melhor e durante mais tempo do que qualquer exército árabe regular em anteriores conflitos contra Israel. Em 1973 os egípcios e os sírios lançaram brilhantes ataques contra os israelitas, mas as suas forças foram desarticuladas antes do fim do conflito. O Hezbolla combateu e claramente manteve capacidade ofensiva até às tréguas. Por isso, seja qual for o desfecho da presente crise regional, o desempenho do Hezbolla representa um progresso significativo da capacidade dos árabes resistirem às forças de Israel numa guerra convencional, ainda que com muitas acções de carácter irregular, próximas da guerra subversiva. Se o Hezbolla permanecer intacto como força combatente, o seu prestígio futuro será enorme, até porque, com o apoio do Irão, está a garantir à população libanesa o apoio financeiro para a reconstrução do país. Nestas circunstâncias, a importância estratégica desviarse-á do Hamas (sunita) ou da Fatah (secular), para se centrar no Hezbolla (shiita). Se este

fenómeno se verificar, em simultâneo com a perda do controlo da situação no Iraque por parte dos EUA, o equilíbrio do poder regional deixará de ser percebido como estando assente no eixo Washington-Telavive, ainda que tal percepção possa ser diferente da realidade. Para além disso, a liderança dos países islâmicos do Médio Oriente transitará dos sunitas para os shiitas. No início da recente guerra no Líbano, quando os sauditas e outros países árabes condenaram o Hezbolla, e parecia que Israel lançaria mais uma das suas campanhas relâmpago no Líbano, Teerão pareceu recuar, apelando a um cessar-fogo e afirmando-se disponível para negociar questões como o enriquecimento de urânio. Todavia, logo que a opinião pública internacional passou a criticar Israel e as forças militares deste país revelaram dificuldades operacionais, a retórica iraniana mudou e Teerão adquiriu uma confiança sem precedentes. Na realidade, os resultados militares do Hezbolla incutiram nos líderes e no povo iraniano um renovado ânimo psicológico, reforçado pela postura defensiva dos EUA no Iraque e pela negociação israelita do cessar-fogo no Líbano. Para além disso, o Hezbolla saiu desta crise com parte substantiva das suas forças militares intactas, com o seu prestígio e poder no Líbano reforçado e, em consequência, o Irão foi novamente catapultado para a vanguarda da resistência islâmica radical. Falta-lhe agora a arma nuclear para dar credibilidade e sustentação ao estatuto de potência regional prevalecente no Médio Oriente. Os EUA enfrentam uma situação no Iraque que é francamente desfavorável, em resultado da permanente e crescente instabilidade política e militar. Não possuem forças suficientes para evitar a guerra civil e não podem assumir a defesa dos sunitas, para não polarizarem o conflito com os shiitas. As opções militares dos EUA no Iraque são muito limitadas e a retirada não é uma alternativa. A única possibilidade poderá passar por uma negociação, onde o aiatola Ali al Sistani, o líder clerical shiita do Iraque, terá um papel decisivo. Há indícios de tentativas para evitar a guerra civil, mas isso

requer mais do que retórica política e concessões ocasionais. As perspectivas de colapso do Estado iraquiano até parecem levar as partes em oposição a repensar as suas posições. Porém, a liderança política no Iraque dificilmente agirá com a serenidade e a determinação necessárias para evitar a violência. No período de pouco mais de um ano Teerão redefiniu a sua estratégia nacional, que é agora de clara confrontação com os EUA, tirando partido de acções do Hezbolla contra Israel, fomentando a violência sectária no Iraque e desenvolvendo a tecnologia nuclear. Por isso, os EUA encontram-se numa situação que implica decisões estratégicas difíceis. Na impossibilidade de retirarem do Iraque para não deixar a Península Arábica à mercê do Irão, manterão a sua presença neste teatro operacional. Mas, será um empenhamento simbólico, sem esperança de impor uma solução. Não é nem o momento político, nem os EUA dispõem no terreno de forças militares suficientes para forçar a resolução do conflito no Iraque. Atacar o Irão para destruir a sua capacidade nuclear também não é uma hipótese necessária no curto prazo, porque decorrerão anos antes de Teerão conseguir produzir a sua arma atómica. Para além disso, uma ofensiva militar teria custos humanos e materiais inaceitáveis para os cidadãos norte americanos. Com efeito, essa linha de acção não poderá ser concretizada por uma campanha aérea isolada, como a recente crise do Líbano evidenciou. Sem forças terrestres que ocupassem e pacificassem o terreno, os EUA não conseguiriam degradar seriamente o potencial nuclear iraniano. Por isso, em 2007 vamos continuar a assistir a intensas manobras diplomáticas, económicas e psicológicas sobre Teerão, que acabará por ceder no campo do desenvolvimento de armas nucleares.

* Oficial da Armada, Professor Auxiliar Convidado do ISCSP e Vice-Presidente do OSCOT

Teresa Botelho

I “TERRORISMO E A SEGURANÇA DOS MARES” I

Para quem, por obrigação profissional ou por curiosidade intelectual, se preocupa com cenários de actividade terrorista e com questões de defesa, as salas de espera dos grandes aeroportos internacionais ofereceram, este Verão, uma imagem irónica, carregada de contradições. Alguns dos passageiros forçados a descartar as minúsculas caixas de lentes de contacto com as igualmente minúsculas porções de líquido de limpeza liam, enquanto aguardavam o seu voo, o último best seller popular de Frederick Forsyth, O Afgão. Certos de terem passado por apertadas normas de segurança, os leitores eram alertados, nesse recente exemplo do que normalmente chamamos “leitura de aeroporto”, para a extrema vulnerabilidade dos transportes marítimos, e informados das dificuldades que envolviam a sua vigilância, bem como da sua potencial utilização para atentados de dimensões inimagináveis. Entre os cenários propostos pela ficção popular e a análise serena das probabilidades, a distância é, naturalmente, grande, mas há muito que justaposições de factos e indicadores sugerem uma crescente apetência, por parte de organizações terroristas, pela utilização do mar, essa larga fronteira de policiamento difícil, para ataques contra interesses económicos internacionais e para transporte clandestino de pessoas, de armamento e de explosivos. Uma curta colagem das muitas histórias que constituem este puzzle permitirá identificar algumas das grandes inquietações das organizações responsáveis pela segurança internacional. Em 2002, o petroleiro francês Limburg, que recolhia carga ao largo da costa do Iémen, é atacado por bombistas suicidas que se deslocam em botes de borracha carregados de explosivos e que, lançando-se contra o casco do navio, fazem explodir um dos tanques já cheios. Um comunicado posterior da Al Quaeda anuncia ter sido

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“atacada a linha de provisões e de alimentação da nação cruzada”. Em 2003, na costa de Samatra, o naviocisterna Dewi Madrim é abalroado por 35 piratas, fortemente armados, exigindo da tripulação que os ensine a navegar no estreito de Malaca. Sem demonstrarem qualquer outro interesse no navio desviado, abandonaram-no depois de receberem a instrução requerida. No mesmo ano, pelo menos um proprietário de uma escola de mergulho de Kuala Lumpur denuncia às autoridades o número inusitado de Malaios interessados em aprender a mergulhar, sem contudo mostrarem grande interesse em receber formação sobre o processo de descompressão. Ainda em 2003, as autoridades alemãs e italianas interceptam o BBC China, de propriedade alemã, depois de este passar o canal de Suez com equipamento (componentes de centrifugadores) para enriquecimento de urânio destinado à Líbia. Posterior investigação expôs o tráfico de know-how e de materiais nucleares envolvendo o cientista paquistanês Abdul Quadeer Kahn e vários clientes do Médio Oriente. Na sequência desta revelação, a Líbia anunciaria o abandono do seu projecto nuclear. Em 2004, dois bombistas suicidas fazem-se explodir em Ashodod, o maior porto comercial de Israel, matando 10 pessoas. Posterior investigação revela que tinham entrado no porto duas horas antes, num contentor de mercadorias modificado para dissimular um compartimento falso. Estas são apenas algumas das ocorrências identificadas pelas organizações de segurança internacionais que ilustram as múltiplas dimensões das ameaças à segurança vindas do mar. Enquanto o mundo se preocupa, justificadamente, com a segurança do ar e dos

transportes aéreos, a dimensão marítima da nossa segurança não parece fazer ainda parte do imaginário colectivo. E, no entanto, o mar cobre ? do planeta, e grande parte dele está fora do âmbito das jurisdições nacionais. Para se ter uma ideia mais precisa da dimensão e da complexidade da tarefa que representa inspeccionar o tráfico marítimo, basta considerar que todos os dias cerca de 50 mil navios civis de grande porte (lentos e pesados) atravessam corredores marítimos particularmente vulneráveis, transportando 80 por cento do comércio internacional. Alguns dos corredores mais movimentados implicam a travessia de estreitos pontos de estrangulamento, por onde circulam diariamente cerca 15 mil milhões de barris de crude, além de um elevado volume de cargas potencialmente perigosas, entre as quais gás natural e produtos químicos muito voláteis. É o caso do estreito de Malaca (por onde circula cerca de 1/3 do comércio mundial), do estreito de Ormuz, do canal de Suez, do Bósforo e do estreito de Gibraltar. Um ataque a um petroleiro ou outro grande navio de carga num destes estreitos bloqueá-lo-ia, com consequências desastrosas para a economia internacional e para o ambiente. Por seu lado, a maioria dos bens comerciais transportados por mar é acondicionada em contentores de 12 m3. Só nos Estados Unidos, o volume diário desse movimento ronda os seis milhões de unidades. Apenas sete por cento têm o seu manifesto examinado e só um por cento é revistado, se tiverem sido recebidas informações sobre suspeitas de actividade criminosa ou houver indícios de violação do sistema de selagem. Uma busca manual a um desses seis milhões de contentores demora, em média, cinco horas. Casos de tráfico humano usando contentores são detectados todos os anos, revelando a

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existência de redes criminosas instituídas. A subcontratação de algumas dessas redes por núcleos terroristas para o movimento de quadros e materiais letais, nomeadamente componentes químicos e biológicos de pequena dimensão, não é um cenário improvável. Tal como não o é o suborno de funcionários das cerca de 11 mil firmas que operam nos transportes de contentores, para que negligenciem a vigilância dos mesmos durante o curto período de tempo necessário para manipular a carga. Entre as agências especializadas na análise de riscos, dá-se crédito ao resultado da investigação decorrente da prisão, na sequência do atentado ao petroleiro francês Limburg, de Abd al Rahaman al Nashiri, um operacional da Al Quaeda perito em explosivos e em destruição naval. Nashiri, que usava o cognome de “Príncipe do Mar” e viria a ser abatido por forças iemenitas em Outubro de 2006, depois de fugir da prisão, tinha em seu poder documentação claramente reveladora da intenção de cometer atentados contra a actividade marítima internacional. OS MÉTODOS E OBJECTIVOS DO TERRORISMO EM ALTO MAR

Dos métodos considerados pelos terroristas, destacam-se quatro: abalroar navios vulneráveis no alto mar, atacando-os ou danificando-os (lançando contra eles pequenas embarcações carregadas de explosivos, como no «caso Limburg»); provocar explosões em embarcações de médio porte ancoradas em portos movimentados e pouco protegidos, de forma a danificar o maior número possível de navios; perpetrar ataques aéreos contra VLCC (superpetroleiros) a partir do ar, usando aviões ligeiros carregados de explosivos, ou ataques subaquáticos, usando mergulhadores e “minas lapa”.

No que respeita aos objectivos, o perigo mais evidente seria adaptar a estratégia usada a 11 de Setembro – o assalto a navios com cargas perigosas para serem usados como bombas flutuantes contra outros navios ou contra portos. Mas outros cenários alternativos acarretariam consequências igualmente avassaladoras, inclusive ataques contra plataformas marítimas de exploração de petróleo, atentados contra VLCC num dos pontos de estrangulamento vulneráveis, bloqueando-o e causando prejuízos incalculáveis ao comércio internacional. O facto de estas ameaças ainda não se terem materializado deve-se à vigilância de organismos policiais e militares, bem como à cooperação de entidades civis, de que é exemplo a denúncia da seguradora marítima Lloyds, de Londres, de suspeitas, aparentemente corroboradas pelos serviços secretos noruegueses e norte-americanos, sobre a existência da chamada “frota da Al Quaeda”, que envolve entre 15 a 23 navios de transporte, com bandeiras do Iémen, da Somália e de Tonga, adquiridos por interesses próximos da organização, por intermédio de um agente de navegação grego. As investigações deste tipo de suspeitas, naturalmente discretas, são dificultadas pelo complexo sistema de registo e uso de bandeiras de conveniência, que com frequência ocultam a verdadeira propriedade dos navios e a responsabilidade operativa dos mesmos. Cerca de metade da frota mercantil internacional navega sob bandeiras de nações para as quais a colecta de taxas de registo se sobrepõe, quase sempre, ao cumprimento das normas internacionais de segurança. No caso do BBC China, não havia dúvidas sobre a propriedade, e bastou um contacto com os inocentes proprietários alemães pedindo-lhes autorização para desviar o navio para Itália, a fim de garantir que fosse inspeccionado. Essa inspecção permitiu detectar cinco contentores com os milhares de

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componentes para centrifugadores fabricados na Malásia e que se destinavam à Líbia. Se não tivesse sido possível determinar tão facilmente a cadeia de responsabilidade, ou se os proprietários do navio tivessem alguma coisa a esconder, o processo teria sido infinitamente mais complexo. NÍVEIS DA RESPOSTA INTERNACIONAL

A resposta internacional a este conjunto de ameaças passa, portanto, por três níveis de actuação: a recolha de informações no plano nacional e a partilha das mesmas no plano internacional; a revisão da legislação internacional, de modo a permitir uma actuação mais efectiva em casos de suspeita; e a vigilância activa de portos, navios e pontos de estrangulamento. A nível da NATO, a Operação Active Endeavor (OAE), na qual participa a marinha portuguesa e cuja área de intervenção é o Mediterrâneo oriental e o estreito de Gibraltar, vigia, desde 2003, o fluxo de cargas em locais estratégicos. Desde então, foram contactados mais de 41 mil navios, tendo-se procedido à abordagem e à inspecção não conflituosa de 47, que, por uma razão ou por outra, suscitaram suspeitas; 414 navios civis de países membros da NATO em situação de vulnerabilidade foram escoltados através do estreito de Gibraltar. Num outro cenário, os Estados Unidos e alguns aliados da NATO, ao abrigo da PSI

(Proliferation Security Initiative), actuam no Mediterrâneo com o objectivo de combater o tráfico ilegal de material e tecnologia biológica, nuclear e química. A abordagem do BBC China terá sido, porventura, o maior sucesso desta operação, mas a apreensão pelas autoridades espanholas de um navio que transportava armas ilegais para o Senegal confirmou a necessidade de reforçar a vigilância no Mediterrâneo. A eficácia das operações de vigilância, no entanto, depende de uma revisão dos instrumentos legais que regulam o sistema de identificação de origem e propriedade de navios, bem como do afinar das complexas questões relacionadas com a capacidade de actuação em águas internacionais. Do ponto de vista legal, os passos mais significativos foram dados com a adopção, em 2004, de importantes alterações à Convenção sobre Segurança da Vida no Mar e ao Código Internacional para a Segurança de Navios e Portos, adoptados pela Organização Marítima Internacional, em que estão representados 162 países. Ao abrigo destas revisões, as companhias que operem com navios de mais de 500 toneladas passaram a ser obrigadas a designar oficiais de segurança e a apetrechar as embarcações com novos sistemas de alerta, semelhantes aos transponders utilizados no tráfego aéreo, que emitem sinais individuais facilmente identificáveis por satélites de vigilância e por Sistemas Automáticos de Identificação.

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Por seu lado, os cerca de quatro mil portos internacionais em operação têm de rever o seu funcionamento, instituindo normas mínimas de segurança. Os que o não façam correm o risco de vir a ser classificados como “inseguros”, podendo perder muito do seu movimento para outros mais vigiados. O facto de os novos sistemas de segurança a instalar serem demasiado dispendiosos para muitos dos países em vias de desenvolvimento – precisamente aqueles onde as condições de segurança são, à partida, mais débeis – tem levantado dúvidas quanto à eficácia destas medidas. Cabe às Nações Unidas o aspecto mais delicado desta revisão da legislação internacional. Desde 2001, a Organização Marítima Internacional espera que o seu pedido de revisão da Convenção para a Supressão de Actos Ilegais contra a Segurança da Navegação Marítima (em vigor desde 1992) seja materializado, de modo a permitir solucionar o maior obstáculo à vigilância do movimento marítimo internacional. A abordagem e a inspecção legal de navios em águas internacionais exigem a autorização do país sob cuja bandeira o navio opera, a qual, frequentemente, não é indicativa da sua real propriedade ou da sua responsabilidade operacional. As únicas excepções ocorrem quando o navio não tem Estado, quando se suspeita tratar-se de um navio pirata, transportar escravos ou drogas ilegais ou for usado para emitir emissões não autorizadas.

A convenção, que muitos países ainda não ratificaram, deve ser revista, segundo a OMI, de forma a ser complementada por uma lista de delitos que nulifiquem a necessidade de autorização do país de bandeira, incluindo a suspeita de transporte de armas de destruição maciça ou componentes das mesmas. A convenção já contempla o direito de forças de segurança marítimas perseguirem terroristas, piratas e criminosos em águas territoriais nacionais, com autorização do respectivo detentor de soberania, mas a abordagem de navios suspeitos em águas internacionais continua a enfrentar dificuldades. No presente quadro legal, o BBC China não poderia ter sido desviado do seu rumo nem revistado se os seus proprietários e/ou a nação de bandeira a isso se tivessem oposto. A revisão da convenção e sua ratificação por um conjunto mais vasto de países é, no entanto, uma pequena parcela do esforço internacional para garantir uma maior protecção dos mares e de todos os que neles trabalham e navegam com fins legítimos. Preservar ? do nosso planeta do terrorismo global que ameaça todas as nossas outras linhas de comunicação colectivas é um objectivo em torno do qual governos e opiniões públicas se devem mobilizar.

*Docente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Nova de Lisboa, área de estudos norteamericanos

Jorge Braga de Macedo

I “SEGURANÇA, DESENVOLVIMENTO E O “ESPÍRITO DE BISSAU” I É com gosto que aceito o amável convite a contribuir para esta Revista sobre temas de segurança e defesa. Através de uma perspectiva económica compatível, este escrito actualiza a introdução a Parcerias públicoprivadas e integração económica na África austral, 2ª edição revista, IICT, 2005. intitulada “globalização, governação e lusofonia”. Ao mesmo tempo, enquadra aquela perspectiva de desenvolvimento económico na geopolítica das constantes e linhas de força da história

diplomática portuguesa, para citar o título de um livro clássico, reeditado em 2006, ao qual se referem as paginas citadas abaixo no texto, salvo indicação em contrário. Em História Diplomática Portuguesa, 1987, Jorge Borges de Macedo apresenta a evolução de um Estado-nação entre a “primeira conjuntura” em 1071 (p.42) e a “dualidade insanável” que se seguiu à partida da corte para o Brasil em 1807 (p.429). Noutros escritos, Portugal: um destino histórico, 1992 e

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A Experiência Histórica Contemporânea, 1994 (este último reproduzido em Jorge Borges de Macedo: Saber Continuar, Instituto Diplomático, 2005), o mesmo autor demonstra a continuidade nos regimes representativos desde o estabelecimento do liberalismo em 1834 e define a descolonização como o acontecimento marcante para a diplomacia portuguesa no último quartel do século passado. Sustenta que o sentido das opções internas reflecte o delineamento da política externa conduzida há trinta anos, que o aviso português seria percebido em toda a sua profundidade, doze anos depois, na Europa Oriental, e adverte (p.39): “aqueles que dão prioridade ao económico, ao social ou ao ideológico estão em vésperas de, segundo a imagem bíblica, trocar a maioridade da independência pelo prato de lentilhas” esclarecendo logo que “primado do político não significa indiferença ao económico ou ao social, mas a segurança de que o militar, seu consequente, é a forma de garantia que as comunidades mais estimam (...) para conservar a sua segurança.” E, para que não restem dúvidas, refere “a persistência de Israel, premiada ao fim de quase dois mil anos de espera, ou o entusiasmo das sociedades africanas em ascenderem à independência, através de todos os sacrifícios, incluindo a prosperidade económica.” De resto adapto o Nova Economics Working Paper nº 493, Setembro 2006, “Competitividade portuguesa na economia global”, disponível no sítio da FEUNL (www.fe.unl.pt), onde chamo “competitividade plus” à diferencialidade portuguesa, assente na Europa e no Atlântico, este geopoliticamente alargado ao espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Na economia global, qualquer que seja o estádio de desenvolvimento dos países envolvidos, a troca

de bens, serviços e activos financeiros deixou de ter alternativa. Ao enquadramento oferecido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), acrescem acordos regionais visando reforçar a capacidade comercial e o poder negocial dos países associados, tornando globalização e regionalização complementos e não substitutos. Isto ao contrário da teoria tradicional do comércio internacional, que interpreta a regionalização como potencialmente contrária ao livre-câmbio à escala mundial. A complementaridade entre globalização e regionalização exige soluções de governação aos níveis regional e global, as quais podem perturbar a efectividade de uma política acordada apenas ao nível nacional. Daí a importância das consultas internacionais entre autoridades responsáveis pela política económica externa. Contudo, a política económica externa vai muito para além da competência dos ministros encarregados das negociações na OMC, porquanto a promoção do investimento internacional se tornou uma componente essencial da competitividade. A concorrência internacional pelo investimento reflecte-se em classificações explícitas do ambiente de negócios dos diversos países – ao ponto de, na tentativa de prever o risco do país, se substituírem às notações de crédito das agências internacionais. A política económica externa deve assegurar a complementaridade entre globalização e regionalização – adaptando a governação. Adaptação complexa na medida em que as redes privadas coexistem com mecanismos intergovernamentais. Mais, o princípio da proximidade tanto aconselha a descentralização de certas funções para os municípios como sugere a centralização de outras funções para organizações supranacionais, sendo que esta concorrência nas escalas da governação reflecte as “duas

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habilitações essenciais da Europa: a unidade do Estado e a capacidade do regionalismo” (p. 177) e a diferencialidade nacional: “após algumas resistências, as Nações reajustam-se aos novos tempos e recriam, para sobreviver, na sua insuperável função, outras vias e realizações, ajustadas a outro conjunto de exigências e tutelas, reformulando as suas aristocracias e a sua diferencialidade. A resistência das Nações perante todas as tiranias, inclui a da sua própria maioria, quando ocasional e arbitrária” (p. 403). Tal como a independência política, a convergência económica assenta na capacidade nacional de resposta e na congruência entre esta resposta e a conjuntura internacional, seja ela comercial, financeira, política ou militar. Na verdade, a taxa de crescimento do produto interno bruto depende do comportamento dos agentes económicos, nomeadamente da sua capacidade de investir produtivamente - mas também garante a independência política. Ora nem sempre a “luta dialéctica entre o povo e as elites” permitiu que estas salvassem a colectividade, embora, nos casos em que não defendem a nação, as elites portuguesas são “implacavelmente substituídas” (p. 23). Além da tendência das elites, transformadas em aristocracias, se não manterem naquela categoria, temos uma tradição da política externa em que o sentido político-militar ou de segurança se confronta com o sentido económico. Em combinação com uma constituição fiscal despesista (que encoraja a gastar mais do que o que se produz), esta tradição oblitera a política económica externa. Além das dificuldades de comunicação usuais nos meios político-militar ou de segurança, resultam dois outros inconvenientes daquela confrontação artificial: distanciamento em vez de parceria, esquemas bilaterais em vez de multilaterais. Ora, na economia global, os alicerces da política externa tornaram-se multilaterais e (geopoliticamente falando) o

Atlântico alargou-se aos quatro continentes da CPLP, incluindo a União Europeia, o Mercosul, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, a Cooperação Económica Ásia-Pacífico, etc. Posto que fundada em 1996, a CPLP só na cimeira de Maputo em 2000 elencou uma dimensão económica ao lado da políticodiplomática e sociocultural e só na de Brasília em 2002 aprovou a criação dum Conselho Empresarial. Tal como as instituições homólogas do Commonwealth e da Francophonie, o Conselho Empresarial lusófono deve fomentar parcerias em África, na América Latina e na Ásia capazes de alargar a base de conhecimento das empresas associadas, utilizando mecanismos já testados pela OCDE. Ser diferente dentro da Europa passa assim por saber encontrar posições comuns com países tão diferentes como o Brasil (B), cinco países afro-lusófonos como Angola (A), Cabo Verde (CV), Guiné-Bissau, Moçambique (GB), Moçambique (M) e São Tomé e Príncipe (STP), também muito diferentes entre si, e Timor Leste (TL). Numa situação diferencial de ponte com a China está Macau, admitindose que também o elo com a Índia se possa vir a fortalecer no futuro. Apesar de alguns trunfos diplomáticos em relação com crises em Estados membros mais fracos, a CPLP foi pouco saliente nos seus primeiros dez anos, como concluiu o seminário do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais realizado nas vésperas da cimeira de Bissau com o título A CPLP como componente do multilateralismo eficaz. Os dois esteios da diferencialidade portuguesa, na sua forma actual, são assim a desejada pertença a uma zona de estabilidade financeira, o euro e uma pertença lusófona com dimensão política e de desenvolvimento. O primeiro alicerce foi excepcional nos últimos dois

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séculos, ao passo que o segundo liga países que partilham uma mesma cultura e portanto comporta a memória do passado comum. Porém, tal como a estabilidade financeira só serve Portugal se a economia for globalmente competitiva, a memória comum só serve os oito países que a partilham se lhes permitir olhar para os problemas globais. Nos últimos dez anos, o bem comum lusófono ajudou certamente a resolver situações de conflito, mais ameaçadoras do bem-estar das populações do que da segurança global. Contudo, a nossa política económica externa pouco tem atendido à lusofonia, apesar do apelo ao desenvolvimento – que acompanha todo o período desde o liberalismo e a independência do Brasil - e a descolonização poderem considerar-se como pertencendo ao seu “código genético”. Certo é que aquele código genético já foi esquecido e que os reflexos económicos da guerra colonial nas partes envolvidas continuam por esclarecer. O argumento da diferencialidade é que o desprezo pela política externa tem implicações negativas na política interna: as nacionalizações são tão “exemplares” quanto a descolonização. Sabe-se que, graças à China e à Índia, o 1º dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) está a ser cumprido em média mundial ponderada pela população mas que a África ao sul do Sara não vai atingir nenhum dos oito. A apropriação das políticas pelas sociedades está interligada com a qualidade das instituições e o rigor científico e técnico das mesmas políticas. É assim que o 8º ODM, que visa criar uma parceria global para o desenvolvimento, passa por melhorar a base de conhecimentos científicos e técnicos sobre a qual governo e associações empresariais constroem as suas estratégias de desenvolvimento nacional. A política económica externa é muitas vezes objecto de negociação com organizações

internacionais de quem depende o financiamento do desenvolvimento ou pelo menos a reputação financeira do país. Ela assenta sem dúvida na promoção de uma parceria duradoura entre entidades públicas e privadas que permita aumentar a competitividade das empresas nacionais. Só que o aumento de competitividade envolve políticas públicas que devem ser apropriadas pela sociedade no seu conjunto e não apenas pelas empresas, o governo e a comunidade internacional. Deste modo, tais políticas não podem ser feitas à custa de outros membros duma comunidade de países que partilham uma “amizade mútua”. Quanto à desejada perspectiva lusófona sobre a parceria global para o desenvolvimento, ganhou corpo através da aprovação em Bissau da declaração sobre os ODM, que identifica os desafios e a contribuição da CPLP. Declaração que visa um acompanhamento do progresso no que toca aos ODM, nomeadamente os seis primeiros, considerados como concretizando o desenvolvimento sustentável enunciado no 7º ODM. Do texto da declaração ressalta ainda a filosofia subjacente a uma ”genuína parceria para o desenvolvimento, em que doadores e receptores actuem sob o compromisso de atingir de fato as metas estabelecidas pela Declaração do Milénio”. O 8º ODM, citado cinco vezes, é assim associado ao consenso de Monterrey e ao “conhecimento mútuo”. As Perspectivas Económicas em África (PEA), da OCDE e do Banco Africano de Desenvolvimento, têm contribuído para melhorar o conhecimento mútuo dos membros da Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano, entre os quais os cinco países afrolusófonos. O quadro 1 regista a percentagem da população desses cinco países que recebeu a vacina contra a rubéola em 2002 (dados reproduzidos na publicação do IICT citada acima, p. 125, referentes à edição de 2004 das

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PEA) e 2003 (últimos dados disponíveis, repetidos nas edições de 2005 e 2006), bem como a média continental (designada por AFRI). O indicador sobre a incidência da vacina contra a rubéola (designado por MCV) é usado para avaliar a elegibilidade dos países para o novo esquema de ajuda americano, o Millennium Challenge Account (MCA), que privilegia a boa governação. De acordo com uma nota de Sarah Lucas e Steve Radelet, de Maio de 2004, disponível no sítio do Centre for Global Development (CGD) em Washington (www.cgdev.org), M beneficiou do MCA apesar de não preencher o requisito objectivo de estar acima da média africana no que se refere a este indicador, em homenagem aos progressos da governação democrática. Tanto o aumento espectacular do índice em M e GB como o decréscimo em A e CV sugerem problemas de medição e amostragem que as fontes não esclarecem. O quadro 2 agrega indicadores de boa governação publicados pelo Instituto do Banco Mundial, os quais, apesar das suas deficiências, se têm difundido nos últimos anos. Reflectem a forma como os governos são seleccionados e substituídos, incluindo a independência dos meios de comunicação através de medidas da responsabilização dos governantes, estabilidade política e ausência de violência, designados por estabilidade. Também se referem à efectividade do governo e dos serviços públicos e à qualidade da regulação, como demonstração da capacidade de prover às necessidades básicas, bem como ao estado de direito e controle da corrupção, como reflexo da legitimidade da governação. Como se disse, indicadores desta

natureza são usados pelo MCA na afectação da ajuda ao desenvolvimento americana. Note-se que os valores apresentados no quadro 2, além de centrados em zero, foram estimados de acordo com uma curva normal, o que quer dizer que muito poucos terão um valor absoluto superior a 2,5. Repare-se ainda que a volatilidade dos indicadores subjacentes é máxima em STP, seguida de B e CV, sendo mínima em P e A, por sinal os dois extremos da média. Nos Estados fracos, os indicadores da governação correspondentes aos usados no quadro 2 referem-se à segurança, capacidade e legitimidade. No quadro 3, apresentam-se os desvios ou hiatos, tal como foram calculados pelo CGD. O da segurança, é calculado com a definição de conflito, a qual implica entre 25 e 1000 mortos em combate por ano e um total acumulado entre 1998 e 2003 superior a mil. Quando o número anual de mortos em combate atinge 25, mas o total acumulado é inferior a mil, fala-se de conflito menor ao passo que um número anual de mortos igual ou superior a mil equivale a uma guerra civil. O desvio de capacidade é medido pelo indicador MCV, apresentado no quadro 1, e oreproduzido na publicação do IICT citada acima, p. 22, fonte segundo o índice de fragilidade elaborado pela Universidade de Carleton, A, GB e M estão no 10º, 15º e 35º lugar da classificação dos quarenta estados mais frágeis. TL não consta da base de dados, disponível em www.carleton.ca/cifp.Os seis países lusófonos classificados como Estados fracos no quadro 3 são menos seguros e capazes do que a média, mas mais legítimos, o que reforça o papel da CPLP, mesmo que a

Segurança 61. ΘDefesa

legitimidade adicional se não possa necessariamente atribuir à concertação políticodiplomática que levou a cabo nalguns desses países. Este material foi usado para consolidar e aprofundar conhecimentos sobre desenvolvimento económico e boa governação em África no Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM), por ocasião do primeiro curso de estudos africanos, operações de paz e “state building”, realizado em Setembro de 2006. O curso culminou com uma simulação de pós-conflito na qual as dimensões política, jurídica-institucional e economico-financeira se juntaram à militar de modo a chegar a soluções duráveis. Recordando que das três dimensões usadas para medir os desvios de governação, a CPLP era mais fraca na primeira (estabilidade, autoridade ou segurança) e na segunda (efectividade ou capacidade) do que na terceira, que era a legitimidade, vê-se bem a oportunidade que um renovado “espírito de Bissau” oferece para a segurança e desenvolvimento entre os países da CPLP, incluindo os seus Estados mais fracos. É tentadora a alusão ao encontro entre os Presidentes Ramalho Eanes e Agostinho Neto de 24 de Junho de 1978 para caracterizar orientações dadas na cimeira que marca o 10º aniversário da criação da CPLP, não só porque ambos se realizaram em Bissau mas também porque revelaram uma vontade de transformar memórias em propósitos comuns. Os cépticos relativamente ao segundo argumento podem descontá-lo no entusiasmo que o primeiro curso de estudos africanos, operações de paz e “state building”do IESM despertou no autor. Mas “que lo hay, lo hay”!

Vacinados contra a rubéola (MCV) % 2002 2003 % A CV GB M STP AFRI

74 85 47 58 85 67

62 76 61 96 87 72

-16% -11% 30% 66% 2% 7%

Indicadores de governação na CPLP Estabilidade Efectividade Legitimidade Média A -1,5 -1,3 -1,4 -1,4 B 0,3 0,1 -0,2 0,1 CV 0,6 -0,2 0,3 0,2 GB -0,6 -1,2 -0,8 -0,9 M 0,1 -0,5 -0,9 -0,4 P 1,4 1,3 1,3 1,3 STP 0,6 -0,5 -0,4 -0,1 TL -0,4 -1,1 -0,8 -0,7

Desvios de governação em Estados fracos total guerra civil conflito 7 conflito menor segurança topo 20% 14 80 15 60 15 40 15 baixo 20%14 capacidade topo 20% 15 80 14 60 15 40 14 baixo 20%14 legitimidade

% 16 23% 8 31 19% 21% 21% 21% 19% 73 21% 19% 21% 19% 19% 72

CPLP 52% TL 26% 100%

% A/GB 33%

0% M 20% CV/STP 40% A 20% GB 20% 100% CV/TL/STP M 17% GB 17% 0% A 17% 100%

67% 0% 100%

100% 50%

100%

*Antigo ministro das Finanças, presidente do Instituto de Investigação Científica Tropical, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa

João Francisco de Brito dos Santos

I “A CPLP: UM PROJECTO DILEMÁTICO” I

A Portugal, hoje como no passado, deve-se a multiplicação da face do mundo. Ainda que se lhe tenha seguido a Espanha a Inglaterra ou a França (1), a origem da irradiação europeia ficou a dever-se à gesta portuguesa na busca de novos caminhos, aproveitamento de novas terras e o contacto com novas raças. Dito isto, impõe-se-nos dissonar daqueles que procuram fortificar as suas reflexões sobre a génese da CPLP, nesta ou naquela distinta personalidade, portuguesa ou

brasileira, que tendo conseguido penetrar no espírito dos nossos antepassados, pensou em densificar esse grande ideal que, pela perfectibilidade desejada o transformou numa história excessivamente extravagante, cujo resultado não poderia deixar de ser decepcionante e traumático (2). Menos convincente ainda é situá-la no acto de institucionalização ocorrido a 17 de Julho de 1996 em Lisboa (3). Hoje, contudo, ao invés desse ideal de característica supranacional, (Portugal de

Segurança 63. ΘDefesa

aquém e além mar) que antes residira na consciência do povo português, gostaríamos que a CPLP se nos apresentasse, na sua perene dimensão, como uma exigência de todos os povos que a integram. E não se trata, pois, como alguns ressentimentos têm deixado antever (4), do retorno a qualquer tesouro perdido, que a imediata constituição da CPLP permitiria alcançar logo ao dobrar da esquina. Se assim é, há que atender ao seu animus, ao solo fundante da CPLP, que consiste na valorização da lusofonia como condição indispensável para a afirmação de cada um dos países individualmente, através da Comunidade. E, aqui, os pressurosos não podem ganhar prevalência, já que a assimetria dos países que integram a Comunidade, poderá retirar a força do projecto, qualquer que seja a inflexão dos propósitos, particularmente se oriundo de qualquer um dos países liderantes. Portugal e Brasil devem compreender que não falam para uma Comunidade de iguais. Na medida em que a língua é um facilitador ímpar da promoção e o reforço dos laços que unem os nossos povos, transformando a CPLP numa Comunidade de proximidade e não de identidade (5), é na lusofonia que encontramos o património comum de que todos podemos igualmente reivindicar e que, por inteiro, dá sentido à CPLP. Reivindicação que não favorece – é preciso sublinhá-lo – nenhuma ameaça de morte às nossas línguas crioulas, já que, para falar com George Steiner, não há “línguas pequenas” e a língua portuguesa não representa, no espaço da CPLP, qualquer “onda detersiva” como poderá suscitar, e ao que parece tem suscitado, nalguns espíritos mais temerosos, sempre que da

Comunidade lusófona se fala. Se, entretanto, ainda hoje, ambiguidade e a fragilidade do projecto são tidas como as notas dominantes da CPLP, tal fica a dever-se, entendemos nós, à dissonância do tom que tem caracterizado a identificação dos objectivos prioritários que devem ser perseguidos pela CPLP (6). Cremos que, deliberadamente ou não, tem havido a tendência para confundir o papel da CPLP com o dos Estados que a integram, o que, inevitavelmente, tenderá a diminuir a responsabilidade destes. Se os preconceitos neocoloniais, quaisquer que elas sejam, não encontram guarida neste projecto, também a responsabilidade pelo desenvolvimento dos nossos países não pode ser alijado para a CPLP. Neste quadro, poderíamos até mesmo falar numa hierarquia de precedências de responsabilidades, em que as pessoas, as comunidades e os corpos da sociedade civil dos diferentes países aparecem em primeiro lugar, os Estados em segundo lugar e, em terceiro lugar a CPLP. É, pois, imperioso que, em cada um dos nossos países, se reclame um ethos de boa governação para o desenvolvimento, como condição para um mínimo de intervenção da CPLP. À CPLP deve estar reservado fazer apenas o que é necessário que seja feito e que nenhum Estado isolado faz. Apetece-nos falar na subsidiariedade da CPLP em relação aos seus Estados membros, quando pensamos no desenvolvimento dos países que a integram. É que a CPLP deve ser tido apenas como um instrumento dos seus membros, individualmente. Se o Brasil o pode utilizar para

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se projectar em África, do mesmo passo que Portugal o utiliza para a sua contínua projecção no mundo, porque não haveria Angola e Moçambique, como “potências em formação”, de se servirem deste espaço para a afirmação de um maior protagonismo nos fora africanos e internacionais? Pela história, Cabo Verde, GuinéBissau e São Tomé e Príncipe encontram-se igualmente profundamente ligados à lusofonia. Sendo assim, “promover um relacionamento privilegiado com os outros países que compõem a CPLP, explorando todas as potencialidades que a organização encerra, contribuindo para a elevação das suas vozes na cena internacional, de forma a conferir aos falantes da língua portuguesa a importância política que merecem, sempre em defesa dos seus legítimos interesses, deve constituir um objectivo vital nas suas estratégias de desenvolvimento”. O que acabamos de expender vem enfatizado nas Grandes Opções de acção do actual governo de Cabo Verde que, na linha dos anteriores, assume como uma dimensão franca da sua politica externa. O Brasil, dado à sua enorme dimensão geográfica e ao elevado número populacional, é visto como devendo ter um papel decisivo na afirmação da CPLP. Apesar dos grandes problemas sociais (criminalidade e pobreza) que têm conduzido a uma igualmente grave dilaceração de uma parte significativa do seu tecido social, com as suas urban glamour zones e as urban war zones, o país apresenta, tal como Portugal, aspectos de excelência nos domínios

técnico, cultural e científico, que poderão ser compartilhados, com os restantes da Comunidade, designadamente ao nível das Universidades ou outros espaços académicos dos PALOP. Antes de deixarmos estas curtas reflexões, gostaríamos de sublinhar que foi com particular satisfação que acedemos ao amável convite do distinto Director da Revista Segurança e Defesa, Dr. José M. Anes, para participar com algumas reflexões sobre um tema que pudesse merecer publicação no seu número inaugural. Sentimo-nos igualmente persuadidos pelo facto de que as questões relativas à Defesa e Segurança só ganham a importância que merecem no seio das nossas sociedades se forem ampla e dignamente discutidas. Terminaríamos, assim, dizendo resumidamente, duas coisas mais. A primeira tem a ver com possibilidade já publicamente aventada de, no quadro da CPLP, se vir a constituir uma força militar conjunta para responder a eventuais situações de conflito interno que possam ocorrer num dos países da Comunidade. Neste caso, parece-nos absolutamente pertinente a advertência de José Aparecido de Oliveira, citado pelo Mestre José Filipe Pinto, de que a “CPLP nasceu da consciência da fraternidade selada pela língua portuguesa entre povos da Europa, América, Africa e Ásia”. Sublinha por outro o autor citado, que “era uma comunidade com um aspecto espiritual, procedente dos laços da língua e cultura, mas

Segurança 65. ΘDefesa

que continha também uma dimensão política que se desejava pudesse vir ater repercussões (…) que elevassem a auto-estima de todos os povos lusófono”. É conhecida a asserção clausewitziana de que “a Guerra é uma simples continuação da política por outros meios”. Contudo a dimensão política que atrás referimos como parte da acção da comunidade tem em vista “repercussões económicas e sociais” e não “repercussões militares”. São esses os valores que devem ser perseguidos e que, por constituírem dimensões intrínsecas do “soft power” da CPLP, fazem depender a sua performatividade da capacidade dos actores (políticos, ONG, Universidades) que na cena internacional têm o dever de fazer com que os outros se sintam livremente atraídos pelos mesmos, ajudando-os a fortalecer o “soft power” dos países em conflito. A segunda tem a ver com a aceitação da Guiné Equatorial como membro observador da CPLP, antecâmara de uma futura adesão, de pleno direito, à Comunidade. Como pode a CPLP funcionar como uma instância democrática ou promover o processo democrático no seu seio se, por outro, aceita patrocinar a adesão de um pais que vive sob um regime legitimado por um golpe de Estado, onde uma ditadura despótica e predatória constitui a reputação pública do mesmo?

* Auditor de Defesa Nacional

1 Recorde-se, contudo, a referência que George Steiner, em “A Ideia de Europa” Edição Gradiva, 2005, p.47, faz do historiador grego Heródoto, um grande viajante, que questionava: “Todos os anos, enviamos a África os nossos navios, com risco de vidas e grandes gastos para perguntar: Quem são vocês? Quais as vossas leis? Qual é a vossa língua? Eles nunca enviaram qualquer navio a interrogarnos.” 2 Sobre o balanço do processo de descolonização após 25 de Abril de 1974, ver Mestre José Filipe Pinto, in “Do império Colonial à CPLP: Continuidades e Descontinuidades, Edição Instituto Diplomático, 2005, pp. 175-187 3 Jorge Sampaio terá enfaticamente sublinhado que “nenhuma Comunidade se constitui por decreto”. Ver Mestre José Filipe Pinto, ob. cit., p.347 4 Mestre José Filipe Pinto, referindo-se a Alfredo Margarido, ob. cit. p. 353 5 A CPLP é não só um espaço policromático, mas, também, multicultural, como evidencia a rica realidade dos seus povos e das suas gentes. Não há, pois, uma identidade cultural oficial e, daí, seguramente, a dificuldade até hoje encontrada no estabelecimento de um estatuto de cidadania lusófona. Em sentido diverso manifesta-se o ilustre Presidente da Assembleia Nacional de Cabo Verde, Dr. Aristides R. Lima, in Constituição, democracia e Direitos Humanos, Discursos de representação e outros textos, pp. 271-277, Editora Alfa-Comunicações, Praia – Cabo Verde, 2004, no seu discurso de recepção aos representantes dos diferentes Parlamentos da CPLP, no III Fórum dos Parlamentos de Língua Portuguesa, na cidade da Praia, entre os dias 18 e 19 de Novembro de 2002. Sobre a possibilidade de virmos a dispor de uma cidadania transnacional no quadro da Comunidade, assente no sentido de Habermas de um “patriotismo linguístico comum”, reportamo-nos à magnífica Conferência proferida pelo professor da Universidade do Minho, Wladimir Brito no âmbito do VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais e publicado na Revista cabo-verdiana Direito e Cidadania n.º 19, Ano VI, pp. 215-228, Janeiro – Abril de 2004. 6 Ver quadro de hierarquização de prioridades para cada Estado Membro da CPLP em Mestre José Filipe Pinto, ob. cit., p.355 onde a disparidade é nota dominante.

I entrevista I

Rui Pereira

”É A SUPERIORIDADE ÉTICA, POLÍTICA E JURÍDICA QUE DARÁ AOS ESTADOS DE DIREITO A VITÓRIA A LONGO PRAZO”

Professor universitário, coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, membro do Conselho Superior do Ministério Público e presidente do OSCOT.

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Afirma que o actual Código Penal Português é sólido, mas difícil de executar, defendendo que uma das linhas que terá de sofrer alterações é a da resposta ao tráfico de pessoas, armas e órgãos. Isto porque advoga que estes delitos são, neste momento, enquadrados por linhas legislativas ultrapassadas. De que modo poderão as modificações previstas responder aos grandes desafios de segurança? - A resposta tem de ser dada num contexto mais amplo. A Segurança e a Defesa são concepções essenciais e o tradicional é serem distinguidas na própria constituição. É isso mesmo que sucede em Portugal. A Constituição Portuguesa prevê num artigo a função de Defesa Nacional e noutro artigo a função de Segurança Interna, associada ao trabalho de polícia. No entanto, nos últimos anos tem-se registado uma aproximação entre as duas funções do Estado. Primeiro, por força da chamada criminalidade organizada que, sobretudo a partir dos anos 70, emergiu dedicada ao tráfico de droga, de pessoas e armas o que obrigou a um esforço alargado dos estados. Isto é, colocou a questão do crime organizado a um nível de Defesa Nacional e não apenas de Segurança Interna. E depois? - Posteriormente, e de forma mais acentuada, surgiu o problema do terrorismo, que numa primeira fase se figurou como uma acção de

inspiração ideológica: foram os casos dos Bader Meinhof, das Brigadas Vermelhas ou de movimentos de inspiração nacionalista, como são os exemplos do IRA e da ETA. Mais tarde ainda nasceu um terrorismo à escala global, ao qual já chamaram “terrorismo pós-moderno”, que pode surgir em qualquer ponto do planeta e obriga a que os estados recorram até a meios militares para o enfrentar. Neste contexto, considero duvidosas duas expressões relativamente populares que são utilizadas no discurso político: “Guerra ao terrorismo” e “Direito penal do inimigo”. O que torna, em seu entender, duvidosas essas expressões? - A primeira porque sugere que o terrorismo é um sujeito de direito internacional quando, na realidade, se trata de um fenómeno criminal. Apenas é verdade que, para fazer frente ao terrorismo global, é necessário recorrer também a meios militares. A segunda porque os terroristas – por mais hediondos que sejam os seus crimes, merecem a tutela do Estado de Direito. Isto é, apesar de tudo devem valer nesses casos as garantias mínimas: presunção de inocência, direito de escolha de advogado, etc.. Isto para que o Estado não perca o seu ascendente ético, político e jurídico, para que não desça ao nível do terrorismo. Porque é a superioridade ética, política e jurídica que dará aos estados de Direito a vitória a longo prazo e

Segurança 69. ΘDefesa

é o que permite que a maioria das pessoas adira às suas posições e não às posições dos grupos terroristas, por exemplo. Voltando ao tema do Código Penal... - No último quartel do século XX, e mais pronunciadamente no início deste novo século, tem-se assistido a uma certa confusão entre os conceitos de Segurança e Defesa, a propósito da criminalidade organizada e mais acentuadamente ainda do terrorismo. No que diz respeito especificamente ao Direito Penal, aquilo que se verifica é que o Código Penal está orientado para o que chamamos de criminalidade clássica, englobada no chamado Direito penal de Justiça. Actualmente, surgem fenómenos criminais graves, relacionados com os tráficos e com fenómenos de corrupção, que põem em causa a estrutura democrática do Estado e a que alguns chamam de “direito penal do inimigo”. A expressão foi lançada pelo alemão Jacobs e sugere que, em relação a esses fenómenos criminais, é necessária uma resposta mais dura. A expressão “direito penal do inimigo” é conceptualmente duvidosa, porque o Estado de Direito não pode simultaneamente punir e excluir. Como assim? - Se o Estado pune, tem de considerar que aquele que é punido está no seu interior. Tudo porque a punição é uma consequência da

violação do contrato social: assim, não pode ao mesmo tempo excluir e punir. A expressão não é muito feliz e o mais perigoso é eventualmente concluir que o “direito penal do inimigo” serve para sancionar um determinado número de pessoas sem lhes garantir quaisquer direitos de defesa. Mas já é aceitável uma expressão que é utilizada por Sanchez que é “direito penal de primeira velocidade”. Na realidade, existe um direito penal de primeira velocidade, mais expedito, mais eficaz, mais célere, mas que não perde o núcleo de garantias de defesa que caracteriza o estado de direito democrático, e que serve para responder aos fenómenos de crime organizado, de tráfico e de terrorismo. Esse “direito penal de primeira velocidade” caracteriza-se, no Código Penal, pela criação de novos crimes. Que tipo de crimes? - Surgiram recentemente novos delitos, que não eram encarados tradicionalmente. Por exemplo, o crime de tráfico de armas não era previsto, apenas era prevista a posse e detenção de armas ilegais. Ou, o crime de tráfico de pessoas a nível global. No campo processual, surgiram também desde meados da década de 80, novos institutos, como é o caso da protecção de testemunhas, acções encobertas de carácter internacional, o mandado de detenção europeu, leis de combate ao terrorismo, uma nova lei do sistema de informações da República Portuguesa – que

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prevê uma direcção comum para o serviço de informações de segurança e para o serviço de informações estratégicas e defesa. Em suma, embora não passe só pela lei penal, esta teve de dar uma nova resposta aos fenómenos do terrorismo e da criminalidade organizada através da criação de novos institutos processuais fora do próprio Código Processo Penal. E através da previsão de novos crimes, que escapam à lógica da criminalidade clássica.

surgiram fenómenos que não podem ser tratados apenas como homicídios ou atentados à integridade física, daí que tenham sido reunidos de maneira a formarem um conjunto para o Direito Penal. É dessa forma que surgem os crimes de associação criminosa, de organização terrorista, de tráfico de droga ou de pessoas. São fenómenos mais complexos, que fazem parte de um direito penal de primeira velocidade, o qual exige meios processuais eficazes, para que o Direito tenha êxito.

Há muito que está presente a noção de que existe um determinado número de crimes mal enquadrados nos códigos portugueses. Este esforço de evolução e de resposta é destinado a acompanhar a evolução internacional?

Que meios processuais são esses?

- A evolução não está a acontecer não apenas no código português, mas em muitos outros. Os códigos penais surgiram através da matriz mais desenvolvida e antiga do mundo ocidental que é a do Direito romano. E o direito português herda essa tradição. Assim, em todos os direitos europeus continentais, e também anglo-saxónicos, foram criados códigos que previam crimes clássicos, baseados em princípios que remetem até aos códigos da Antiguidade. Quando pensamos em Direito Penal, são os delitos clássicos de homicídio, de furto de roubo, de sequestro, de violação, etc, que nos vêm à mente. Modernamente, e sem se perder essa matriz,

- No Código Penal Português são referidos vários, mas, para além disso, desde meados da década de 80 tem vindo a ser aprovada legislação avulsa que prevê alguns meios mais expeditos. A protecção de testemunhas, por exemplo: hoje entende-se que, em certos casos, as testemunhas beneficiem de programas de protecção, incluindo operações plásticas, mudanças de identidade e residência, que possam depor por vídeo-conferência, e que a sua identidade não seja conhecida no processo, em relação a crimes particularmente graves, o que torna a defesa mais vulnerável. O Direito responde a isto de uma forma curiosa. Nestes casos, a condenação não pode basearse só ou decisivamente na testemunha cuja identidade não é revelada. No plano das acções encobertas, recordo que se iniciaram na ordem jurídica portuguesa na década de 80,

Segurança 71. ΘDefesa

apenas a propósito do tráfico de droga, e hoje são previstas, no âmbito da investigação criminal, em relação a um elevado número de crimes, tais como o tráfico de influências. Hoje, é possível que um agente da Polícia Judiciária (PJ) tenha uma identidade falsa, atribuída pelo ministro da Justiça mediante requerimento do director nacional da PJ. De resto, a nossa ordem jurídica não prevê acções encobertas para os serviços de informações, mas vai passar a fazê-lo, uma vez que a Assembleia da República aprovou recentemente uma lei que prevê uma nova orgânica para esses serviços, admitindo que os agentes também tenham identidades fictícias para poderem desenvolver acções encobertas num sentido preventivo dos fenómenos para os quais são competentes: contra-espionagem e contra terrorismo.

Setembro, que procura reforçar a coordenação entre as instituições, isto é, cria uma direcção única para os dois serviços de informações – o de segurança e o de estratégicas e defesa –, o que passa pela figura de um secretário-geral, equiparado a um secretário de Estado. E procura aproximar esse sistema do universo político, porque esse secretário-geral responde directamente perante o primeiro-ministro. No campo do terrorismo, entrou igualmente em vigor nova legislação, também fruto do 11 de Setembro, e que resulta directamente de uma decisão-quadro da união europeia. A lei a que me refiro é de 2003 e possui algumas características interessantes: por exemplo pela primeira vez prevê a punição de pessoas colectivas por crimes de terrorismo.

Trata-se de uma agilidade diferente?

- Não com penas de prisão, mas com medidas que podem ir até à dissolução da pessoa colectiva, passando por multas e por outras sanções de natureza penal. Está igualmente enquadrada a punição do terrorismo internacional, o que é uma novidade extraordinariamente importante, até em termos de significado, porque o terrorismo era visto na generalidade dos países como um crime contra o Estado e tal deixou de acontecer. As acções terroristas podem ter como alvo qualquer organismo internacional ou estrangeiro. Portanto há aqui um alargamento do conceito, que passou a

- É uma realidade diferente. Por exemplo, o mandado de detenção europeu – que está em vigor na ordem jurídica portuguesa e foi aprovado, em grande medida, devido à acção do comissário António Vitorino – também prevê um meio expedito de colaboração entre os Estados, sem a intervenção das autoridades judiciárias, para a entrega de pessoas que são perseguidas por determinados crimes.. A nível do sistema de informações da República Portuguesa, foi aprovada uma nova lei, em consequência directa dos atentados de 11 de

De que forma?

72.

abranger fenómenos aparentemente estranhos. Por exemplo, os crimes de falsificação são considerados uma espécie de terrorismo de segundo grau, na medida em que sejam instrumentais do fenómeno terrorismo. Mais colaboração, precisa-se

Em Portugal existem meios suficientes, nomeadamente a nível de recursos humanos, para dar uma resposta efectiva a estes novos fenómenos e delitos? - Não é possível, quando se fala em terrorismo e criminalidade organizada, centrar a conversa apenas nos agentes de Justiça. Tudo tem de ter início numa actividade preventiva, para tentar evitar ataques e o esforço deve ser desenvolvido, em primeira linha, pelos serviços de informações. Antes de haver indícios consistentes de um fenómeno criminal, aqueles devem tentar impedir que sejam desenvolvidos atentados, através dos meios próprios dos serviços de informações, da pesquisa, de fontes oficiais e de acções encobertas. Ainda há algumas matérias em debate, por exemplo saber se os serviços de informações devem ser autorizados a interceptar comunicações, algo que defendo desde que seja garantida a intervenção de um juiz.

Que tipo de intervenção? - Nos casos em que não exista nenhum processo, mas que seja estritamente indispensável para prevenir actos terroristas muito graves ou criminalidade organizada, os serviços de informações deverão ser autorizados a interceptar comunicações, mediante autorização de um conselho de três juízes que funcionaria junto ao Conselho Superior da Magistratura. Tal implicaria uma revisão constitucional, uma vez que hoje o artigo 34.º, nº 4 da Constituição apenas permite escutas no âmbito do processo penal e os serviços de informações não têm quaisquer competências nesse âmbito. Portanto, o primeiro plano é o da acção preventiva dos serviços de informações, baseado numa frase um pouco infeliz mas sólida: “o bom atentado é o atentado que não ocorre”. Depois, naturalmente, o processo passa naturalmente pela actividade preventiva dos órgãos de polícia criminal. A Polícia Judiciária tem um departamento com competências específicas para a prevenção do terrorismo, a Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB), criado em função do terrorismo doméstico que existiu em Portugal nas décadas de 70 e 80 e protagonizado pelas FP 25 de Abril. Essa actividade não é só repressiva mas também preventiva, até porque a PJ, para efeitos de investigação criminal, tem o monopólio das acções encobertas. Pode infiltrar organizações, terroristas ou criminosas, para tentar

Segurança 73. ΘDefesa

perceber quais os seus movimentos, os seus membros, os seus objectivos e quando existem indícios da prática de crime têm de ser instaurados os competentes processos. O que não passa pelos serviços de informação... - Se os serviços de informações tiverem conhecimentos da prática de crimes são estritamente obrigados a comunicá-los às autoridades competentes e só podem atrasar essa comunicação mediante despacho do primeiro ministro. Tal só acontece se for indispensável para salvaguardar a segurança interna ou a independência nacional, ou seja, uma eventualidade muito remota. Apenas numa situação de ameaça de golpe de Estado é que há um retardamento na comunicação de indícios que consubstanciem a prática de crimes. Aberto o processo, o titular do inquérito é o Ministério Público (MP) e depois ocorrem as intervenções do juiz de instrução, do tribunal de julgamento e eventualmente do tribunal de recurso. Neste campo, há hoje em curso uma reforma do Código de Processo Penal e do Código Penal. Quais são as características dessa reforma? -No Código de Processo Penal, uma das preocupações é a de aproximar as autoridades judiciárias dos órgãos de polícia criminal, uma vez que, de acordo com o meu diagnóstico,

existe um certo afastamento entre os primeiros e o Ministério Público. E esse afastamento exprime-se da seguinte maneira: como a constituição de arguido não é levada a cabo obrigatoriamente pelo MP – pode ser feita pelos órgãos de polícia criminal – e como há delegações genéricas que permitem que o MP delegue nos órgãos de polícia criminal a condução de todo o inquérito, os resultados, em certos processos, podem ser verdadeiramente patológicos. Ou seja, todo o inquérito desenrolar-se à revelia do MP, que só actua no final. Não por culpa dos órgãos de polícia criminal, mas por ausência das autoridades judiciárias. O MP deve ter uma direcção mais efectiva do inquérito e na revisão do CPP propus algumas medidas que vão nesse sentido. Pode especificar quais? - Por exemplo, a constituição de arguido tem de ser validada pelo MP, quando é feita por um órgão de polícia criminal, num prazo máximo de 10 dias. Outra situação é a das escutas, que constituem um dos meios mais agressivos – em termos de esfera íntima ou reserva da vida privada – na colheita de prova. Os órgãos de polícia criminal têm de apresentar resultados ao MP num prazo máximo de 15 dias e este tem posteriormente 48 horas para, por sua vez, fazer chegar os materiais ao juiz. Em suma, creio que, para fazer frente aos fenómenos de criminalidade organizada e terrorismo, é

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necessário também um maior empenhamento das autoridades judiciais, em particular do MP, que dirige o inquérito de investigação criminal. Isto não vale como crítica às autoridades judiciárias mas é a constatação de uma realidade objectiva que interessa ir mudando. Mas isto sem se policializar o MP nem tornar a autoridade judiciária um órgão de polícia criminal. Cada qual possui as suas competências, mas o sistema só funciona se o MP detiver efectivamente a direcção do inquérito e supervisionar o que os órgãos de polícia criminal fazem em termos de investigação. Tudo porque, no fim do inquérito, é ao MP que cabe arquivar o processo ou fazê-lo avançar: se apenas se inteira do que aconteceu no fim essa decisão é puramente formal e com pouco significado. Em suma, a estratégia tem de passar por mais colaboração entre os vários agentes? - Para que no plano das autoridades judiciárias haja sucesso no combate à criminalidade organizada e ao terrorismo, convém existir um maior empenhamento no inquérito e articulação com os órgãos de polícia criminal. Sei que tal pode criar dificuldades, porque as autoridades judiciárias possuem uma formação jurídica académica, que é posteriormente continuada pelo Centro de Estudos Judiciários. E torna-se necessário dar novos conhecimentos e habilitações aos magistrados. O combate à criminalidade

económica e financeira, à corrupção, ao terrorismo e aos tráficos supõem que, para além dos conhecimentos jurídicos, estes responsáveis possuam a preparação e os meios para enfrentar e conhecer os fenómenos. É o caso da entrada em acção de assessores, que sejam especialistas em certos campos de saber e auxiliem à compreensão de todos os dados. Mas tem de haver também uma evolução dos mecanismos do sistema... - Sim, porque o Direito é por natureza conservador: não antecipa a realidade, pela contrário recria-a quase sempre com algum atraso. É natural que os tribunais estejam ainda moldados para responder às realidades do passado. Nos dias de hoje, grande parte das dificuldades de relacionamento entre os tribunais e a Comunicação Social resulta do facto daqueles se encontrarem familiarizados com o registo de há 40 ou 50 anos, quando as pessoas não se interessavam por questões jurídicas e não se sentiam competentes para sindicar ou pôr em causa as decisões dos tribunais. O Mundo mudou muito nesse domínio. Há várias colunas de comentadores em jornais que, sistematicamente, falam do Direito e criticam decisões judiciais, existem programas de televisão dedicados a essa matéria e os cidadãos já se sentem confortáveis a debater, por exemplo, se determinada decisão judicial que, condenou ou absolveu alguém, é correcta.

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Ou seja, a chave do sucesso tem a ver com a rapidez com que o sistema possa ou não responder a esses novos fenómenos? - Certamente que sim, pois as mudanças hoje estão mais rápidas do que no passado.

direito à segurança e o direito à liberdade. Contudo, para além desta distinção ser colocada em crise pela criminalidade organizada e pelo terrorismo é também colocada em crise por outra ordem de razões. Pode especificar?

DISTINÇÕES CONCEPTUAIS EM CRISE

Distinguir os conceitos de Segurança Interna e Defesa faz ainda sentido? - Continua a fazer. A distinção entre Defesa e Segurança Interna encontra-se consagrada na Constituição e corresponde ao reconhecimento de duas funções diferentes do Estado. A primeira de auto-preservação – quando se fala do país como entidade autónoma na cena internacional – e a segunda como função de garantia do contrato social. Uma comunidade que se organize em Estados pede que sejam dadas condições a cada um dos seus membros para se desenvolverem livremente e exercerem os seus direitos. É na base deste reconhecimento que se fala em Segurança Interna. A Defesa Nacional relaciona-se com o sentido de auto-preservação dos Estados na cena internacional. Resumindo, continua a fazer sentido fazer a distinção entre Segurança Interna e Defesa Nacional, entre a integridade do território e a segurança dada aos cidadãos para poderem ser livres. Até porque a Constituição prevê, na mesma norma, o

- À escala europeia, por um certo esbatimento das fronteiras estatais. Os Estados continuam a ser soberanos, mas existem campos em que a decisão foi deslocada para a União Europeia – a matérias monetárias, financeiras e até de segurança, são hoje tratadas à escala europeia e isso implica também que a Segurança Interna tenha deixado de constituir matéria estritamente estatal. Por exemplo, um fenómeno como o da imigração clandestina, tradicionalmente considerado um problema de segurança interna, já não o é nos dias de hoje. Constitui um problema que só pode ser tratado de forma transnacional, visto que em vários países-membros, as fronteiras são as linhas exteriores da União Europeia. Por isso, há hoje uma maior proximidade entre os conceitos, que se exprime em vários níveis. Quais? - Um dos níveis é o reconhecimento de que existem novas missões para as Forças Armadas (FA). O Conselho Estratégico de Defesa Nacional, recentemente surgido, reconhece um papel muito efectivo das FA na luta contra

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fenómenos criminais graves, para prevenir a imigração clandestina e na luta contra o terrorismo. Mais: a Lei de Protecção Civil identifica as Forças Armadas como agente de Protecção Civil, portanto são concedidas hoje às estruturas militares – em resultado dessa maior proximidade de conceitos e diferentes funções do Estado - responsabilidades que, tradicionalmente, eram concebidas como missões de Segurança Interna. O que se depreende é que, mais tarde ou mais cedo, vários planos de Defesa e Segurança Interna terão de ser integrados. Existe predisposição para tal por parte dos diferentes actores desses planos? -Existe. Entre 1997 e 2000 estive à frente de um serviço de informações e recordo que nos anos de 1998 e 1999 participei em reuniões de diferentes naturezas: relacionadas com serviços de informações, realizadas sob o patrocínio da NATO e em que intervinham também militares. E recordo que em todas essas sessões se falava no tráfico de droga. Isto é, depois da queda do Muro de Berlim, com o surgimento daquilo a que se chama “mundo unipolar” e a relativa falência do terrorismo de inspiração ideológica, na década de 90 os serviços de informações, as polícias e as próprias FA reconfiguraram as suas missões, privilegiando a criminalidade organizada. Em termos puramente exemplificativos, esta situação pode ser comparada à evolução do

enredo dos filmes de James Bond, que têm vindo a adaptar-se aos novos cenários globais. Na realidade, todas aquelas reuniões eram alturas em que se abordavam repetidamente um determinado número de assuntos relacionados com o crime organizado e o tráfico de drogas. Claro que, a certa altura, houve uma grande e desagradável surpresa, com os ataques aos navios e à embaixadas dos Estados Unidos em África, que entendo como o emergir do terrorismo fundamentalista. Foi o primeiro sinal de que as coisas estavam a mudar a nível de terrorismo? - Creio que sim. Se me perguntarem se aquando dos atentados em África equacionei um cenário semelhante ao do 11 de Setembro, terei de dizer que não. Mas com os ataques às embaixadas africanas dos EUA percebi pela primeira vez a natureza do terrorismo à escala planetária, porque foram uma demonstração clara de que o terrorismo tinha percebido como podia cavalgar a globalização. Ou seja, de como se podia servir das grandes cadeias de comunicação para efeito de ampliação da sua existência, acções e reivindicações. Claro que isso não evitou o meu espanto perante a dimensão e as consequências do 11 de Setembro. Nesse dia, as imagens transmitidas pela televisão assemelhavam-se a uma versão cem vezes pior do filme “Assalto ao ArranhaCéu”, protagonizado pelo actor Bruce Willis. O 11 de Setembro foi uma tragédia que veio

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trazer uma nova dinâmica às actividade dos serviços de informações e das polícias. Como assim? - Quando cessou a Guerra Fria, houve um desvio de verbas da contra-espionagem para o contra-terrorismo e para a contracriminalidade organizada. Mais tarde, após os acontecimentos nos Estados Unidos, em Madrid e em Londres, foi feita uma reorientação para combater o terrorismo de inspiração fundamentalista. Creio que todos os actores - polícias, serviços de informações, Forças Armadas - compreendem que a distinção entre si está em crise e que têm missões novas. O problema está é na coordenação. Depois do 11 de Setembro, nos EUA discutiu-se muito se os atentados eram evitáveis ou não e um dos temas que mais se debateu era se havia falta de coordenação, se existiam demasiadas agências nacionais (a velha e conhecida rivalidade entre o FBI e a CIA) e se essas circunstâncias constituem uma dificuldade acrescida em prevenir os atentados. Essa descoordenação voltou a verificar-se após o 11 de Setembro? - O 11 de Setembro, entre muitas outras consequências, abriu um debate sobre os modelos de serviços de informações: como se devem coordenar e articular a sua acção com a

das polícias. Uma discussão aberta que teve consequências também em Portugal e está na origem da nova lei do sistema de informações, que pretende reforçar a coordenação através de uma direcção única e próxima do centro do sistema político. Polícias, serviços de informações e Forças Armadas compreendem as novas missões e as novas dificuldades: a coordenação é que não é tão eficaz ainda como seria desejável, uma vez que nenhuma destas instituições escapa a uma certa vocação concentracionária. Embora a colaboração seja desejável, há sempre sentimentos de rivalidade e, por vezes, no terreno as coisas não funcionam bem. Como combater isso? Reforçando a coordenação.

Em que plano? - Em Portugal pensa-se em coordenação no papel, feita da seguinte maneira: sentam-se a uma mesa os responsáveis das três forças que existem e falam da necessidade de coordenar actuações. Isto quando a coordenação se deve fazer em movimento. É importante que haja, sem perda de autonomia, acções comuns no terreno para ser criado um clima de confiança recíproca e hábitos de trabalho solidário. Esse é um dos caminhos, juntamente com mais partilha de informação. Quando foi criado o sistema de investigação criminal, através da lei de 2000, previa-se um sistema integrado de informação e ainda hoje há dificuldades em

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criar esse sistema. Conciliar os princípios de uma partilha de conhecimento é sempre complicado embora seja essencial transformar as rivalidades negativas em rivalidades positivas, que sirvam de estímulo á acção. De que forma esse caminho comum poderá catalisar o papel de Portugal enquanto actor internacional? - Portugal tem tido um papel solvente na cena internacional. Isto se pensarmos na dimensão do país, - porque Portugal já foi o centro do Mundo -, no facto de se encontrar inserido no grande espaço europeu, de possuir um património civilizacional inigualável e estar na confluência de civilizações. Portugal foi a porta para a América, para a África, para a Ásia e ainda hoje há sequelas importantíssimas desse papel histórico. Em suma, defendo que temos um papel muito relevante no mundo, papel esse se tem manifestado em várias ocasiões: veja-se o caso surpreendente de Timor. Mas é verdade que, quanto mais estiverem afinadas as soluções interiores, melhores serão as nossas condições para intervirmos no Mundo. À escala europeia, Portugal deve esforçar-se por defender modelos funcionais e começar por testá-los no próprio país. E aí a situação periférica pode funcionar a nosso favor?

- Ser periférico não é necessariamente um factor negativo. A localização geográfica nunca nos fez mal. A vinda para Portugal da Agência Europeia de Segurança Marítima é um voto de confiança no nosso País? - É um bom sinal, porque se reconhece que Portugal tem uma situação geográfica que ajuda à localização da agência. Mas atenção, não somos o único país da União Europeia com costa marítima. A escolha desta localização deveu-se ao reconhecimento da qualidade das polícias, dos serviços de informações e das Forças Armadas portuguesas. Portanto é um tributo justo à acção prática, por exemplo contra o tráfico de droga. O processo envolveu pressões da parte portuguesa? -Desconheço, mas penso que, à escala europeia, estas decisões não resultam propriamente do efeito de pressões. Creio que existe um reconhecimento da importância estratégica de Portugal e se o nosso país chamou a atenção para a sua própria importância, isso não lhe fica mal.

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I nacional I

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Alice Feiteira

I “SEGURANÇA E DEFESA: UM DOMÍNIO ÚNICO?” I

O Presente texto tem por base um trabalho apresentado no curso de Auditores de Defesa Nacional, do ano lectivo 2005/2006, pelos auditores infra identificados1, tendo sido reformulado para a presente publicação por Alice Mendes Feiteira.

“Segurança e Defesa são conceitos tradicionalmente inseparáveis, porque se o primeiro significa “the guarantee of safety”, também o mesmo conceito, quando qualificado de segurança nacional, faz evidenciar todos os objectivos da defesa...” Adriano Moreira

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INTRODUÇÃO

Em cumprimento do denominado contrato social, a existência de uma comunidade organizada pressupõe uma dimensão positiva de Segurança que se traduz num direito à protecção, através do exercício de poderes públicos, contra agressões e ameaças de outrem. A segurança, a par da liberdade e da paz pública, surge, actualmente como uma das tarefas prioritárias nos Estados democráticos. Concomitantemente, para a concretização desse objectivo, os Estados deparam-se cada vez mais com inúmeros obstáculos, aos quais não será alheio o intrincado sistema internacional, a par de uma crescente complexidade no exercício dos poderes de soberania. Com efeito, o arquétipo de segurança internacional, tradicionalmente assente em Estados soberanos, evoluiu, incluindo agora a participação de novos actores, na sua maioria de natureza informal, com potencial de consumar ameaças. Ao nível das políticas públicas, esta realidade tem contribuído para uma nova dinâmica na avaliação e prevenção de riscos e para uma maior complexidade nas relações interestaduais. Considerando o actual contexto geopolítico, e atendendo a que o número e a tipologia das ameaças, tanto naturais como provocadas, se densificou, salientando-se, entre outras, as ameaças decorrentes das alterações climáticas, a escassez de recursos naturais, as catástrofes ecológicas, a criminalidade organizada transnacional, o terrorismo, a mundialização das

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economias e, em particular, no espaço da União Europeia, o quadro alargado de livre circulação, a par do recrudescimento dos nacionalismos e de antagonismos civilizacionais, impõe-se uma actuação sistemática dos Estados numa dupla vertente: a nível local, reforçando os instrumentos de prevenção e de combate, e a nível global, através do exercício de um multilateralismo efectivo, alicerçado no Direito internacional e em mecanismos de cooperação transnacionais. Com efeito, o desenvolvimento de uma política de segurança integrada comporta a avaliação de vários níveis de segurança, considerando necessariamente as diferentes dimensões desse bem: a segurança individual, a segurança circunscrita às pequenas comunidades, a segurança política e/ou nacional, a segurança regional e, por último, a segurança global, assente numa constante avaliação estratégica, alicerçada nos pilares de cooperação ou mesmo de integração em determinados domínios securitários. A complexidade da densificação do conceito de segurança, resulta, entre outros factores, de nas sociedades democráticas a ponderação dos níveis de segurança compreender uma permanente dicotomia: um âmbito objectivo, traduzido na existência ou inexistência de um perigo, e um aspecto subjectivo, associado intrinsecamente à noção de securidade. Esta permanente dualidade reflecte-se na acção do decisor político, nomeadamente através da definição de critérios de avaliação de ameaças, na construção de matrizes relativas à sua dinâmica, aos graus de probabilidade e de perigosidade desses fenómenos. Essas medidas adoptadas de forma clara e inequívoca contribuem para evitar que o bem público Segurança seja utilizado como instrumento de manipulação política. Neste contexto, considerando os novos factores de risco e a natureza actual das ameaças

decorrentes de cenários nacionais e internacionais, que exigem aos Estados uma constante adaptação dos instrumentos de reacção tradicionalmente existentes, a reapreciação das noções de Segurança e Defesa apresenta-se como uma questão preliminar, cuja resposta permitirá a densificação inequívoca dos respectivos conceitos e a sua consequente operacionalização. SEGURANÇA E DEFESA: CONCEPTUAL E NARRATIVO

QUADRO

Considerando os pressupostos enunciados, e atendendo especialmente à natureza operativo dos referidos conceitos, destacam-se, embora de forma sumária, alguns aspectos relativos à densificação dos termos Segurança e Defesa, resultantes de uma análise dos regimes aplicados, tanto a nível internacional como nacional. Sublinha-se, ainda, o facto de os respectivos conceitos serem comummente considerados instrumentos privilegiados de legitimação da acção dos Estados. A análise comparada da delimitação do conteúdo dos referidos termos não apresenta uma natureza uniforme. Tomando como referência o quadro conceptual estabelecido na Alemanha, na França, no Reino Unido e nos Estados Unidos, podem sintetizar-se os seguintes aspectos: nos EUA e na Alemanha o conceito de Defesa é delimitado pela abrangência do conceito de Defesa Militar, sendo ambos elementos integradores de uma perspectiva lata de Segurança. Em França toda a legislação sobre Defesa insere-se num contexto alargado, assumindo os termos Segurança e Defesa um sentido equivalente. No Reino Unido a expressão utilizada National Security engloba os conceitos Segurança e Defesa nacionais, sendo utilizado o termo Defence para as actividades de natureza predominantemente militar2.

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Em Portugal o enquadramento jurídico-constitucional trata os conceitos de Segurança Interna e de Defesa Nacional (artigos nºs 272º, nºs 1 e 3 e 273º, da Constituição), não dando porém uma definição dos mesmos. A Constituição integra ambos os conceitos na Parte III, relativa à Organização do poder político, referindo a segurança interna no artigo 272º, nºs 1 e 3, referente aos crimes contra a segurança do Estado, norma que se insere no Título IX dedicado à Administração pública3. À Defesa Nacional dedica a Constituição o Título X. No artigo 273º, depois de se afirmar a obrigação de o Estado assegurar a Defesa Nacional, a Constituição determina que a Defesa Nacional tem por objectivo garantir o respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções Internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaças externas. Contudo, no artigo 273º, a Constituição estabelece a obrigação do Estado de assegurar a Defesa Nacional4, decorrendo do texto constitucional que a Defesa Nacional tem por objecto a protecção de agressões contra dimensões globais do próprio Estado, tais como o território, a independência, a ordem constitucional, a segurança das populações, assumindo claramente um pendor colectivo, em detrimento da perspectiva individual, traduzida em atentados à segurança das pessoas. Com efeito decorre do regime constitucional que essas ameaças devem assumir uma natureza externa. O conceito de Defesa Nacional consagrado no artigo 273º da Constituição assume uma natureza material de Segurança, traduzindo-se na actividade global do Estado na prossecução do desenvolvimento e do Bemestar, não se confundindo com a Defesa militar, considerada apenas uma das componentes da

Segurança Nacional. 5 Já no que respeita à Segurança Interna, o artigo 272º, nº 1, da Constituição, relativo ao conceito de Segurança Interna, no âmbito das funções policiais – por contraposição à Defesa Nacional, equiparada à Segurança Nacional –, estatui que esta terá por objecto a defesa contra agressões de origem interna e contra realidades que assumem uma dimensão territorial e individual mais circunscrita, apontando para uma noção tradicional de criminalidade comum ou organizada. Refira-se também que a Constituição atribui a função de garantir a segurança interna às Forças de Segurança ao passo que a Segurança Nacional, equiparada a Defesa Nacional, está adstrita às Forças armadas (artigo 275º, da Constituição). Com efeito, o quadro constitucional desvaloriza a utilização formal do termo Segurança Nacional6, não adoptando o enfoque anglo-saxónico que atribui ao termo “Segurança” o mesmo significado de “Defesa Nacional”, numa perspectiva abrangente. Este regime tem motivado algumas críticas oriundas de especialistas em questões de segurança7 que consideram pertinente a consagração constitucional do termo Segurança Nacional, evitando assim a interpretação restrita desse conceito, subsumindo-o ao termo “Defesa”, no sentido de defesa militar, necessariamente entendida como uma das componentes da Segurança Nacional. PERTINÊNCIA DA DELIMITAÇÃO DOS CONCEITOS: ANÁLISE CRÍTICA

O quadro constitucional aponta para uma distinção entre Segurança interna e Defesa Nacional equivalente à origem externa da ameaça8. Porém, face à complexidade e heterogeneidade das ameaças actuais, a perspectiva bipartida parece não responder satisfatoriamente.

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Alterações profundas decorrentes da globalização e dos riscos da macrocriminalidade, associados a um dinâmico contexto geopolítico, tornam cada vez mais difícil identificar e circunscrever claramente os centros de poder externos aos Estados, bem como as ameaças geradas pelos mesmos. Assim, considerando a natureza polissémica das “novas” ameaças, torna-se imperativa a redefinição dos instrumentos de resposta, implicando a compreensão integrada dos conceitos de Segurança e de Defesa. Contudo, a eficácia dos mecanismos de reacção pressupõe, preliminarmente, a apreciação de algumas questões prévias, tais como a definição do carácter interno e externo da ameaça e o estabelecimento de quais os critérios preponderantes, atendendo à origem, aos actores e aos interesses afectados. Com efeito, cada vez mais a visibilidade da linha de separação entre as ameaças qualificadas como internas e externas encontrase esbatida9. Na verdade, o próprio conceito de fronteira pode assumir diferentes qualificações, estando dependente da natureza da ameaça que pode ter um conteúdo económico, cultural, religioso, sanitário, etc. Por outro lado, incumbe aos Estados a adopção de medidas reactivas às ameaças, a par do estabelecimento de políticas dirigidas à prevenção dos fenómenos que fragilizam a segurança colectiva. Neste contexto, e considerando a impossibilidade de atingir um nível de segurança absoluta, impõe-se uma articulação sistémica entre as políticas de segurança interna e externa, abrangendo os meios militares, diplomáticos e políticos. Neste contexto, o problema da prevenção pode colocar-se no quadro da segurança interna e externa10, atendendo a que alguns actos preparatórios podem ser

identificados e neutralizados através da acção de Serviços de Informações ou de Forças Policiais.11 Contudo, não se exclui que alguns acontecimentos, geograficamente delimitados, de carácter interno, possam assumir proporções que justifiquem uma intervenção no âmbito da Defesa Nacional ou Segurança Nacional, integrando, nalguns casos a acção militar, dada a sua repercussão na segurança e integridade das populações. Assim, em face da complexidade das ameaças com que os Estados se confrontam, tais como o terrorismo, o narcotráfico, o crime organizado transnacional, ou o tráfico de seres humanos, propugna-se uma inter-conexão funcional entre Segurança Interna, Segurança Externa e Defesa Nacional, conceitos historicamente autónomos, cuja delimitação se baseou nas figuras dos conflitos tradicionais inter-estaduais e nas clássicas tipologias criminógenas. A avaliação das novas ameaças e factores de risco não implica, necessariamente, a diluição dos tipos clássicos, determinando, contudo, a sua permanente ponderação num quadro de Segurança alargada e /ou integrada, ou seja, numa perspectiva holística ou sistémica. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A eventual aplicação de novos critérios determina, por um lado, o esbatimento da natureza da ameaça, quanto à sua origem, externa ou interna, e, por outro, impõe uma efectiva articulação entre as políticas de segurança externa e interna, tendo subjacente a noção transversal de Segurança Nacional. Neste contexto, a solução relativa ao problema de saber se a Segurança e Defesa poderão ser entendidas como um domínio único, afigura-se pertinente.

Segurança 87 ΘDefesa .

Alguns tópicos poderão ser considerados para uma eventual resposta à questão suscitada. De acordo com uma interpretação teleológica do conceito de Defesa Nacional, enquanto um instrumento de segurança e bemestar, no sentido equivalente à noção de Segurança Nacional, a resposta é naturalmente afirmativa. Contudo, sempre se poderá sustentar, no âmbito de uma interpretação normativa de carácter sistemático, o entendimento de que a Defesa compreende um conjunto de medidas destinadas a combater as ameaças, com carácter instrumental, relativamente à Segurança Nacional, enquanto elemento estruturante do exercício dos poderes de soberania. A Segurança Nacional assume então uma natureza multidisciplinar, de carácter indivisível, englobando três vértices fundamentais: segurança externa, segurança interna e defesa civil12. A interligação desses vectores apresenta necessariamente áreas comuns, com maior ou menor amplitude, atendendo à tipologia das ameaças e aos métodos adoptados para o seu combate. Considerando a Segurança Nacional como um objectivo essencial da realização do Estado, a Defesa Nacional consistirá, igualmente, numa actividade global desenvolvida no sentido de prosseguir a concretização desse desiderato. Assim, pode revelar-se inoperante qualquer pretensão dogmática, dado que a justificação material dos conceitos de Segurança Nacional e de Defesa Nacional resulta essencialmente das características de cada momento histórico, da fisionomia dos riscos e ameaças emergentes, susceptíveis de por em causa os valores fundamentais dos Estados democráticos.

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, Joaquim (1989). A Política de Defesa Nacional Como Política Pública Interdepartamental, Edição do Instituto Nacional de Administração e Instituto da Defesa Nacional, Lisboa. BACELAR, José Carlos Lima (2003). “Segurança e Defesa”, in Revista da Armada, Janeiro, Lisboa. CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital (1993). Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra CARDOSO, Leonel (1981). “Defesa Nacional - Segurança Nacional”, in Nação e Defesa, nº 17, Jan/Mar, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa. CARDOSO, Leonel (1983). “Algumas Reflexões sobre Conceitos de Defesa”, in Nação e Defesa, nº 25, Jan/Mar, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa. COUTO, Abel Cabral (1980). “Defesa Nacional: Alguns Problemas Conceptuais”, in Nação e Defesa, nº 16, Out/Dez, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa. COUTO, Abel Cabral (1987). Elementos de Estratégia, Vol. I, IAEM, Lisboa. MORAIS, Carlos Blanco de (2000), “Alinhamentos sobre o Regime Jurídico da Organização e Funcionamento da Defesa Nacional e das Forças Armadas”, in O Direito da Defesa Nacional e das Forças Armadas, Edições Cosmos, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa. MOREIRA, Adriano (1988). “Segurança e Defesa”, in Nação e Defesa, nº 45, Jan/Mar, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa. SANTOS, José Alberto Loureiro dos (2003). A Idade Imperial, A Nova Era, Reflexões sobre Estratégia III. Publicações Europa América, Lisboa. SOUSA, Marcelo Rebelo de (1992). “Comunicação Social, a Opinião Pública e a Segurança Nacional”, in Nação e Defesa, nº 63, Jul/Set, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa. VIANA, Vítor Daniel Rodrigues (2003). “O Conceito de Segurança Alargada e o seu Impacto nas Missões e organização das Forças Armadas”, in Boletim do Instituto de Altos Estudos Militares, nº 58, Nov, Lisboa. Legislação Constituição da República Portuguesa. Lei n.º 29/82, de 11Dec - Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. Lei n.º 30/84, de 05Set - Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa. Lei Orgânica n.º 4/2004, de 06Nov – Altera a Lei-quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa. Lei n.º 44/86, de 30Set – Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência. Lei n.º 20/87, de 12Jun - Lei de Segurança Interna.

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Resolução do Conselho de Ministros nº 6/2003, de 20Jan, que aprova o Conceito Estratégico de Defesa Nacional.

NOTAS 1 Albertina Gonçalves, Alice Mendes Feiteira, Fátima Diogo, João Charro, José Dias Gonçalves, Luís Farinha, Ricardo Delgado e Vítor Ramon Fernandes. 2 Vice-Almirante Leonel Cardoso 1981,15-16) 3 Razões de ordem política, que se reportam a um contexto histórico marcado pela controvérsia sobre a natureza do sistema político, contribuíram para que o conceito de Segurança Nacional não fosse especificamente consagrado na Constituição da República. 4 O Instituto de Defesa, através de estudos entretanto realizados, aponta para o preenchimento do conceito de Defesa Nacional nos seguintes termos:” conjunto de medidas, tanto de carácter militar como político, económico, social e cultural que, adequadamente integradas e coordenadas, e desenvolvidas global e sectorialmente, permitem reforçar as potencialidades da Nação e minimizar as suas vulnerabilidades, com vista a torná-la apta a enfrentar todo o tipo de ameaças que directa ou indirectamente possam por em causa a Segurança Nacional”. 5 Uma crítica que tem sido feita a esta técnica legislativa é a de fomentar alguma ambiguidade terminológica entre os conceitos de Defesa Nacional e Defesa Militar, excluindo a interpretação que permitiria equiparar o conceito de Defesa Nacional ao de Segurança Nacional. Subjaz, naturalmente, a esta posição o entendimento do conteúdo material do conceito de Segurança Nacional, como uma função do Estado, que visa concretizar os fins essenciais da colectividade política – segurança, justiça e bem-estar. 6 De acordo com a doutrina estabelecida pelo Instituto de Defesa Nacional, o conceito material de Segurança Nacional comporta a condição da Nação que se traduz pela permanente garantia da sua sobrevivência em paz e liberdade; assegurando a soberania, independência e unidade, a integridade do território, a salvaguarda colectiva de pessoas e bens e dos valores espirituais, o desenvolvimento normal das tarefas do Estado, a liberdade de acção política dos órgãos de soberania e o pleno funcionamento das instituições democráticas. 7 Entre outros, posição assumida pelo General Loureiro dos Santos (2003, 266)

8Entende-se por ameaça qualquer acontecimento ou acção -em curso ou previsível - que contraria a consecução de um objectivo e que, normalmente, é causador de danos materiais ou morais (Cabral Couto, 1987, 329) 9 Um acto terrorista, depois de concretizado, legitima que se combata externamente para afrontar a origem dessa ameaça que pode estar localizada num Estado pária ou falhado. Nalguns casos, apesar de se verificarem internamente, este tipo de ameaças pode enquadrar-se numa perspectiva de Defesa ou Segurança Nacional. Para o efeito, parece ser decisiva a avaliação da natureza da ameaça devendo considerar-se a existência dos seguintes pressupostos: a organização, o modo de actuação dos agentes e os objectivos. Esta equação poderá permitir que a prática de uma pluralidade de crimes possa assumir uma repercussão nacional que ultrapasse a mera criminalidade comum, reduzida a um contexto de violência grupal de rua ou de bairro. 10 A Segurança Externa, integrada na Segurança Nacional, reporta-se aos antagonismos e pressões de origem externa, de qualquer forma ou natureza, que se manifestem ou possam manifestar-se no domínio das relações internacionais (Vítor Viana, 2003, 163). 11 Já no caso de acontecimentos de subversão e delinquência grupal, como por exemplo os incidentes ocorridos em França, em 2006 e os recentes incidentes, em S.Paulo, no Brasil, podem configurar-se, em consequência da sua dimensão, traduzida em acções violentas generalizadas, apesar de territorialmente circunscritas, como uma ameaça que se enquadra no âmbito da noção de Defesa nacional, equiparada ao conceito de Segurança nacional. 12 Defesa Civil, num sentido restrito, compreende todos os sectores interessados em conferir a uma nação a capacidade de suportar os efeitos dos ataques sobre objectivos civis e providenciar os abastecimentos indispensáveis para a população e para a sustentação do esforço militar. Segundo uma acepção mais ampla, a ideia de Defesa Civil alcança um finalismo dual e abrange a de protecção civil, sendo integrada por todos os recursos humanos e materiais, não preponderantemente militares, que são colocados ao serviço da defesa nacional e que se destinam, igualmente, a obviar aos efeitos de catástrofes e outras situações de natureza análoga. (Carlos Morais, 2000, 70) *Mestre em Direito, professora do Departamento de Direito da Universidade Autónoma e auditora de Defesa Nacional

Jorge Silva Carvalho

I “SEGURANÇA NACIONAL E INFORMAÇÕES I O final do século XX e o início do século XXI trouxeram grandes modificações ao panorama da segurança internacional e, consequentemente, nacional. Já muitos autores se debruçaram sobre esta questão. No entanto, gostaria de salientar que se algo mudou foi certamente o aumento exponencial qualitativo da ameaça do terrorismo e do crime organizado internacional. Consequentemente, veri-ficou-se uma elevação dos níveis de violência a digerir pelas diversas sociedades, impondo às

populações e aos respectivos governos um género novo e mais intenso de coacção psicológica. Estes dois tipos de ameaça são, ainda, potenciados pela possível proliferação dos armamentos Nucleares, Radiológicos, Bacteriológicos e Químicos (NRBQ), pela actuação de alguns serviços de informações estrangeiros e pela dissolução estrutural de certos Estados soberanos – os “Estados falhados”.No plano conceptual, onde estas alterações importam relativamente menos,

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verifica-se que o acento tónico é cada vez mais colocado na noção de Segurança Nacional1. Particularmente, porque é cada vez mais difícil gerir a separação entre Defesa Nacional e Segurança Interna. A legislação portuguesa consagra dois destes conceitos, o de segurança interna e o de defesa nacional. A Lei n.º 29/82 de 11 de Dezembro, ou Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, com a redacção dada pela lei Orgânica n.º 3/99 de 18 de Setembro, no seu art. 1 refere que “A defesa nacional é a actividade desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos no sentido de garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas”. O Conceito Estratégico de Defesa Nacional de Portugal (CEDN), enquanto “ definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional, aprovado pela Resolução n.º 6/2003 do Conselho de Ministros de 20 de Janeiro, veio alterar a clássica separação do binómio segurança interna e defesa nacional. O CEDN, na sequência do que já havia sido feito nos EUA e em Espanha, optou por propor um conceito mais abrangente de Defesa Nacional “…que a defesa nacional tem por objectivo garantir a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas. À defesa nacional incumbe, ainda, garantir a liberdade de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das instituições democráticas, a possibilidade de realização das tarefas fundamentais do Estado e o reforço dos valores e capacidades nacionais,

assegurando a manutenção ou restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais”. A Lei n.º 20/87 de 12 de Junho, ou Lei de Segurança Interna, no seu art. 1, n.º 1 refere que: “A segurança interna é a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática”. O mesmo diploma define, no seu art. 4 n.º 1, o âmbito territorial da segurança interna referindo que o mesmo se desenvolve “em todo o espaço sujeito a poderes de jurisdição do Estado Português”, o que é particularmente limitativo. Curiosamente, ao enunciar os fins da segurança interna, no n.º 3 do já mencionado art. 1, referindo que “As medidas previstas na presente lei visam especialmente proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática contra a criminalidade violenta ou altamente organizada, designadamente sabotagem, espionagem ou terrorismo”, o legislador parece assumir, indirectamente, que estes fenómenos não são exclusivamente enquadráveis no âmbito da segurança interna. Assim, o quadro legal definido pela referida Lei de Segurança Interna, no que se refere à competência territorial, não é totalmente claro. A Lei não inclui fenómenos como o terrorismo exclusivamente na noção de segurança interna, refere sim que as medidas de segurança interna visam proteger um conjunto de bens jurídicos de um conjunto de ameaças, entre as quais o terrorismo. A maioria dos fenómenos que podem afectar a Segurança Interna são cada vez mais

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de cariz transnacional ou internacional. Mesmo as actividades levadas a cabo, por grupos criminosos altamente organizados, em território nacional, têm cada vez mais a sua origem, motivação e estrutura organizativa, nomeadamente a sua direcção, no exterior. Caracterizam-se, aliás, por um elevado grau de flexibilidade e mobilidade. É certo que muitos países possuem, ainda hoje, organizações criminosas ou de índole terrorista cuja origem, estrutura e propósitos são principalmente nacionais. No entanto, mesmo nesses casos, são cada vez maiores os indícios de ligações internacionais. Esses grupos necessitam de grande apoio logístico pelo que recorrem a outros grupos estrangeiros com especializações sectoriais, nomeadamente no domínio do armamento, da documentação, do financiamento ou do branqueamento. Sendo que no caso, por exemplo, do terrorismo de inspiração islâmica, se assiste a um fenómeno de surgimento, no seio das comunidades islâmicas nacionais, de indivíduos radicais ou extremistas, recrutados ou inspirados por estrangeiros ou por não residentes nos países em questão. Assim, é fácil de perceber que as limitações colocadas pelo conceito e pela legislação de segurança interna, e sobretudo a interpretação que delas é feita pelas próprias autoridades interessadas, não permitem um eficaz combate às principais ameaças que actualmente afectam, de forma tão severa, os bens jurídicos que a própria lei visa proteger. Por outro lado, os Estados europeus, em geral, e Portugal, em particular, têm vindo, progressivamente, a partilhar a sua soberania, cedendo, a favor de instituições supranacionais, parte dos seus tradicionais poderes soberanos. Acresce que elementos base do conceito de estado soberano como o território (fronteiras) e cidadania/população também se encontram em

mutação. Esse processo de partilha, intenso em vários sectores é, no entanto, mais restrito no que concerne às questões de segurança, particularmente em relação às informações. Mas mesmo em matéria de segurança, entendida lato sensu, as acções dos Estados, em geral, são cada vez menos unilaterais e progressivamente mais cooperativas. Essa atitude não é uma atitude voluntária, antes pelo contrário, é uma autêntica batalha de trincheiras em que os Estados vão cedendo apenas quando a isso são obrigados. Acordos de cooperação, como o que estabeleceu o Espaço Schengen, exigem uma cada vez maior integração das suas estruturas de segurança, das polícias e dos serviços de informações. Se ao nível policial e de justiça essa integração tem sido conseguida, no que respeita aos serviços de informações continua a ser insignificante – entendendo-se por integração, neste contexto a criação de mecanismos e organizações europeias com competências específicas. Tal prende-se com a concepção da actividade de informações como integrante do núcleo duro dos poderes soberanos do Estado. Este processo parece, por vezes, um contrasenso, pois se de um lado temos ameaças de cariz internacional ou transnacional e do outro temos estados-nação com as suas limitações territoriais; e se, de um lado, temos a mobilidade e a flexibilidade, do outro temos a rigidez e o formalismo. Combater o terrorismo internacional com meios meramente nacionais é uma impossibilidade nos seus termos. O âmago da prevenção da actividade terrorista está, também, muito longe de se situar em assuntos meramente internos. Na realidade, o terrorismo contemporâneo não tem raízes internas. Decorre daqui que a prevenção antiterrorista depende muito de actuação em rede com o estrangeiro, da cooperação internacional e de serviços com competências para actuar no

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exterior. O terrorismo contemporâneo, embora possa certamente fustigar o nosso País, é estrangeiro e de vocação transnacional. Os serviços de informações europeus, avessos a fórmulas precoces de integração, desenvolveram práticas intensas, iniciadas na década de sessenta, de cooperação multilateral complementada, sobretudo ao nível operacional, por uma activa cooperação bilateral. Em matéria de Defesa Nacional, com a aprovação, em 2003, do Conceito Estratégico de Defesa Nacional de Portugal (CEDN) optou-se por um conceito mais abrangente de Defesa Nacional, integrando fenómenos que, habitualmente, se inscreviam no âmbito das designadas segurança interna e nacional em sentido estrito, tais a luta contra o terrorismo, ou o crime organizado. Esta integração tem, a meu ver, aspectos positivos e negativos. À partida, não chocará que as Forças Armadas desempenhem um papel no âmbito da segurança interna do país, se isso significar a aplicação de princípios como os da racionalidade de meios e de integração de esforços. As Forças Armadas, por deterem o quase completo exclusivo de determinados “instrumentos de aplicação de força”, nomeadamente os meios aéreos, os meios navais, e, eventualmente, ainda meios tecnológicos específicos, nomeadamente ao nível das comunicações, das imagens e da electrónica2, terão, num país de escassos recursos, de potenciar a sua utilização em qualquer área onde sejam necessários. No entanto, corre-se o risco de não se estar perante um esforço de integração de meios mas uma efectiva “militarização” da segurança. Ao preconizar um conjunto de possibilidades de intervenção das Forças Armadas, de maneira, por vezes, não muito explícita, em matérias onde não está em causa a Defesa

Nacional, o CEDN deixou em branco os moldes em que essa intervenção se deverá processar. Esta tendência para a “militarização” da segurança poderá constituir uma espécie de fuga em frente sugerida ao decisor político, num processo de regressão evolutiva para a especialização, relançando um debate já ultrapassado. Em momentos de grande convulsão e imprevisibilidade em matéria de ameaças à segurança, a tendência é, portanto, o refúgio na instituição que é o último garante do poder coercivo do Estado soberano, as Forças Armadas. Esta situação é também injusta para as Forças Armadas que se vêem trazidas para campos onde, à excepção de situações de gravidade extrema, a sua actuação será, no mínimo, ineficaz. Da mesma forma que as Forças Armadas poderão, em situações muito localizadas, intervir em matéria de segurança interna e externa do Estado, se entendida em sentido estrito, também as autoridades civis, de segurança ou não, têm um papel preponderante a desempenhar em áreas específicas da Defesa Nacional. Uma vez ultrapassadas estas questões dever-se-á caminhar, paulatinamente, para uma forma integrada de abordar todo o tipo de ameaças externas à segurança nacional, entendida aqui em sentido lato, enquanto aglutinadora dos conceitos de segurança interna e defesa nacional. OS SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO NO MUNDO ACTUAL

Os serviços de informações constituem, actualmente, a primeira linha da defesa e segurança, sendo que essa realidade é bastante

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mais evidente para os pequenos países. Num mundo em que as ameaças que afectam os interesses dos Estados assumem contornos cada vez mais indefinidos, onde o puro poder militar já não é suficiente para as combater com absoluta eficácia, nem mesmo é possível, à maioria dos estados, manter um poder militar efectivamente dissuasor, é necessário aperfeiçoar o único mecanismo de defesa capaz de, em antecipação, lidar com essas ameaças. A máquina militar e a máquina policial não conseguirão ser eficazes, no domínio da prevenção e da actuação pró-activa, contra ameaças como o terrorismo e o extremismo. Os serviços de informações agem em antecipação. Abordam realidades e fenómenos que, na maioria dos casos, não constituem, ainda, ameaças à segurança nacional dos Estados. Constituem, simultaneamente, as primeiras linhas defensiva e ofensiva dos nossos Estados Democráticos de Direito. Com duas enormes vantagens, sobretudo para os pequenos Estados, por um lado, assumem-se como um dos sectores onde podem competir com as potências e superpotências internacionais porque, como já referi, o aspecto da evolução tecnológica ainda não é decisivo para os resultados finais, e por outro lado, os custos deste instrumento de segurança são infinitamente inferiores aos custos dos instrumentos militar e policial. O que acabei de referir não significa que deva existir algum tipo de conflito positivo de competências entre estes três instrumentos3. Pelo contrário, embora, até hoje, tenha imperado uma mentalidade que tem privilegiado um sistema de “pequenos burgos”. O que se pretende defender aqui é precisamente o contrário. Estes três instrumentos são complementares e indispensáveis à nossa segurança colectiva.

Uma abordagem integrada da segurança nacional implica uma estreita coordenação e colaboração entre todas as entidades, com competências directas e indirectas para o efeito, numa lógica de complementaridade e de especialização. Sempre que se atravessam situações de crise grave em matéria de segurança internacional, sobretudo quando determinada ameaça é concretizada em níveis anteriormente inimagináveis, como foi o caso dos atentados de Setembro de 2001, e mesmo dos atentados de Março de 2004 em Madrid e de Julho de 2005 em Londres, tudo é posto em causa. Os governos e os decisores, em geral, tendem a reagir habitualmente sob pressão do choque emocional e da respectiva opinião pública. Entre os imediatos responsáveis pelo fracasso de segurança que constituiu o 11 de Setembro estiveram os serviços de informações. Embora não certamente com o grau de responsabilidade que lhes foi imediatamente atribuído por alguns críticos. Mas a ineficácia parcial dos serviços de informações não deveria surpreender os decisores políticos, tal como não deveriam ficar surpreendidos pela fragilidade da estrutura de segurança dos seus países. Os processos de transição nas pesadas máquinas burocráticas, em que se tinham tornado a maioria das organizações de segurança dos EUA, e também de muitos países europeus, a falta de motivação do poder político para novos investimentos na segurança, baseada na convicção de que, no pós-Guerra Fria, o nível de ameaça seria consideravelmente inferior, bem como a desvantagem natural do defensor em relação ao atacante, permitiram o impensável. Mas, poderia ter sido de outro modo? Provavelmente. No entanto, nunca nos podemos esquecer de dois factos: a vantagem é

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sempre de quem tem a ofensiva, se quem defende não conhece, e se quem ataca é móvel e flexível e o defensor pesado e lento. As informações constituem, por isso, a única forma de defesa avançada. A maioria das críticas dirigidas aos serviços de informações, no período após o 11 de Setembro, incidiram sobre a deficiente comunicação e intercâmbio de informações entre as várias agências federais de informações e de segurança e entre estas e o decisor político, sobre o deficit na capacidade de análise da situação – no fundo, teria faltado quem montasse o “puzzle” correctamente. É certo que terá existido algum deficit de análise da informação existente, bem como de comunicação entre as agências de segurança e de informações, mas concentrar as críticas do sucedido nesta perspectiva é perpetuar um erro. O verdadeiro problema consistiu na falta de informação actual, correcta e precisa. No fundo não existiam peças suficientes no “puzzle”. Este erro tem sido cometido sucessivamente por vários analistas de segurança, alguns dos quais a desempenhar, ou tendo desempenhado, funções em serviços de informações. É o caso de Gregory Treverton, antigo vice-presidente do National Intelligence Council dos EUA. Treverton defendeu, no seu livro Reshaping National Intelligence for an Age of Information, que a actividade de informações já não se reduz essencialmente à descoberta de segredos, tratando-se, hoje em dia, de produzir uma compreensão qualificada do mundo, usando todo o tipo de fontes de informação4. Esta linha de pensamento, não sendo errada no que se refere à efectiva necessidade dos serviços de informações no mundo actual e na evolução que se antevê, é errada ao, precipitadamente, colocar o enfoque na

informação aberta e no processo analítico. O cerne da actividade de informações, o que marca a diferença em relação ao trabalho produzido por académicos e investigadores ou pelos centros de investigação científica, no âmbito das questões de segurança e de relações internacionais, é precisamente “o conhecimento dos segredos”, é saber como, quem, o quê e onde, ao processo analítico competirá dizer, entre outras coisas, porquê. Mesmo os processos tecnológicos de recolha de informações, sendo bastante importantes, não são decisivos, como vimos com o 11 de Setembro. Quando o inimigo utiliza meios tecnológicos rudimentares ou comercialmente acessíveis, nomeadamente ao nível das comunicações e do armamento, quando o seu núcleo duro não está suficientemente infiltrado, quando os meios empregues dependem principalmente do factor humano, os meios tecnológicos não são decisivos. A adaptação dos serviços de informações a uma era de informação, se prosseguindo apenas uma via tecnológica de controlo das tecnologias de informação, poderá ser parcialmente inútil quando o mais formidável adversário com que os Estados hoje se deparam se rege, parcialmente, por formas de actuação mais antiquadas do que a das modernas sociedades da informação, embora utilizando algumas possibilidades que elas lhes dão, na estrita medida dos seus interesses. Assim, e apesar dos melhores esforços dos serviços de informações e das forças de segurança, os grupos terroristas continuam a penetrar nas defesas dos nossos Estados, a agir nos respectivos territórios nacionais, utilizando as possibilidades que as diferenças entre países lhes conferem. Muitos países tentaram promover reformas ou ajustamentos dos seus sistemas de informações

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e dos respectivos sistemas de segurança. É o caso dos EUA. Um país com uma complicada e enredada teia de agências de informações e de segurança, a maioria delas com uma máquina burocrática pesadíssima, decidiu constituir um ministério único (Homeland Security) para as coordenar. A concentração de um tão exagerado número de agências – superior a cem – parece ter a intenção de procurar problemas. As informações, mais até do que a segurança, não se compadecem com a rigidez dos processos administrativos e burocráticos, pois a informação só interessa em tempo útil. Em Portugal, numa tentativa de introduzir alguma coordenação em matéria de segurança, foi criada no âmbito do Ministério da Administração Interna (MAI), e especificamente no seio do Gabinete Coordenador de Segurança (GCS), a Unidade de Coordenação Anti-Terrorista (UCAT). Na UCAT participaram, num primeiro momento, todas as entidades com competências específicas ou relevantes para a luta anti-terrorista, nomeadamente, os serviços de informações integrados no Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), o Serviço de Informações de Segurança (SIS), o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares, bem como, a Polícia Judiciária e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Num segundo momento, incluiu-se a participação da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP). A constituição da UCAT constituiu efectivamente uma mais-valia no domínio da coordenação da segurança e sobretudo da coordenação entre os mundos das informações, da segurança e da investigação criminal. Haverá que continuar a aprofundar esta iniciativa, ultrapassando as dificuldades que

actualmente apresenta. A UCAT possui a limitação genética de efectivamente não ser um órgão de coordenação e centralização da informação disponível sobre o fenómeno de terrorismo, nem um efectivo órgão de coordenação operacional. Refira-se, aliás, que no combate ao terrorismo a tónica deve ser colocada na vertente preventiva, logo, e principalmente, numa perspectiva de informações. Com a aprovação em da Estratégia da União Europeia de Contra-terrorismo, também resultado da participação do Estado português, centrada em quatro vectores estratégicos – prevenir, proteger, perseguir e responder – é provável que, brevemente, a mesma tenha de ser adaptada à realidade nacional com a definição de uma Estratégia Nacional de Contraterrorismo. Apesar de podermos considerar diferentes nuances na situação de cada um dos 25 Estados, parece-me importante não esquecer que a principal característica da ameaça terrorista de cariz islâmico, com que actualmente todos nos deparamos, é a de que a mesma resulta de uma estratégia contra o “ocidente” em geral, pelo que se pode reflectir em todos os países. Uma eventual adaptação específica deverá ter apenas em linha de conta a inexistência, num contexto como o Português, de actividade terrorista efectiva, para além de prática residual de crimes acessórios. Felizmente em Portugal não existe, actualmente, ao contrário do que ocorreu noutras épocas, uma ameaça terrorista com génese em assuntos meramente internos, com raízes exclusivamente nacionais. Pelo que o que pode ocorrer é Portugal constituir uma “alvo de oportunidade”, aproveitado pelos terroristas radicais islâmicos para obter efeitos mediáticos num palco internacional mais amplo. No entanto, esta forma de integração

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de esforços a nível da produção de informações e ao nível operacional parece-me ser o caminho a seguir, não só para os serviços de informações como para as forças de segurança em geral. Independentemente das eventuais reformas no seio da estrutura das forças de segurança, o princípio base deverá ser, sempre, o da melhor cooperação até porque, por exemplo, em matéria de cooperação no plano de combate ao terrorismo, uma estratégia contraterrorista não está directamente dependente de uma eventual reestruturação do sistema de segurança interna na medida em que implica a interacção de outras entidades colocadas fora desse espectro. Em Portugal, particularmente, o fulcro dessa estratégia é, obviamente, a produção de informações, qualitativamente diversas das actividades de manutenção da ordem pública ou de investigação criminal. A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ENTRE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

A cooperação internacional é, hoje, pelas razões aduzidas anteriormente, relacionadas com a cada vez maior interdependência da segurança dos países ocidentais, um vector essencial na actividade dos diferentes serviços de informações. Os serviços de informações integrados no Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) procuram desenvolver a sua actividade de relações internacionais em sintonia com a política externa de Portugal, visando obter, através da cooperação, informações complementares numa lógica de aproveitamento de sinergias. Portugal, não se assumindo como um “país de vocação imperial”, possui, no entanto, como acervo, a herança de uma presença histórica consubstanciada na sua diáspora, nas comunidades imigradas no seu território, na

importância internacional da língua portuguesa e no enlace com os países de língua portuguesa. O nosso país oscilou, na história recente – após a descolonização e a preparação da adesão à então CEE –, entre uma orientação da política externa de vocação atlântica e africana e uma política de pendor europeu. Esta ambivalência política foi, durante a década de 80, largamente favorável à Europa em detrimento do atlântico e do continente africano. Em matéria de segurança, é essencial perspectivar um reequilíbrio destas três vertentes inalienáveis da sua política externa, entendendo as vantagens competitivas de as conduzir, activamente, em simultâneo e em conjunto com outras que acrescem, em alguns casos numa lógica de especialização e, que por diferentes motivos, têm vindo a adquirir certa importância. As do Mediterrâneo, particularmente o Mediterrâneo ocidental, asiática e ibero-americana. É neste contexto que se tem desenvolvido as relações internacionais dos Serviços que integram o SIRP, nas suas vertentes multilateral e bilateral. Na vertente multilateral, os serviços participam plenamente em várias organizações internacionais de serviços de informações, nomeadamente no âmbito da estrutura civil da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – o Comité Especial AC/46, que agrupa os serviços de informações de segurança dos países membros do tratado, da União Europeia (UE) e outras organizações europeias específicas de serviços de informações – nas quais participam serviços de países que não são membros nem da OTAN, nem da UE –, cujo objectivo é o intercâmbio de informações e a cooperação operacional visando a segurança dos Estados-Membros. É na União Europeia que podemos

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esperar mais evoluções neste cenário. Até ao momento, toda a cooperação multilateral em matéria de informações efectuada ao nível da UE, aliás como em qualquer outra organização, não é “comunitarizada”. Actualmente, o único fórum da UE onde participam alguns serviços de informações dos Estados-Membros é o designado Grupo de Trabalho Terrorismo (GTT/WGT) do 3º Pilar (Justiça e Assuntos Internos). Alguns outros, fruto da sua legislação nacional, participam também nas actividades da EUROPOL. O grande problema do GTT é a sua natureza híbrida, visto que aglutina um conjunto de entidades nacionais que vão desde os serviços de informações a polícias criminais, incluindo polícias civis e de natureza militar, bem como os serviços centrais de vários ministérios. Não é, certamente, o melhor enquadramento para se trabalhar seriamente qualquer das actividades – de informações ou policiais – e perspectiva, à partida, uma notória falta de segurança na confidencialidade dos debates. É, assim, apenas um fórum onde se debatem, de forma mais ou menos aberta, os problemas causados pelo terrorismo. A actividade do GTT, na medida em que não é um grupo exclusivamente de serviços de informações, tem funcionado em relativa “roda livre” fruto de algumas iniciativas de delegações mais activas. O GTT tem tomado posições, desde 2003, alinhando pelas posições “euro-burocráticas” em prol da EUROPOL, misturando questões e princípios cuja discussão em Portugal seria, no mínimo, extremamente complicada, nomeadamente, a circulação de informação oriunda de serviços de informações, destinada a fins policiais. Por outro lado, colocam a actividade policial no epicentro do combate ao terrorismo o que constitui um sério erro de perspectiva. A propósito da divisão de

competências entre serviços de informações e serviços de polícia, é grave quando se misturam informação criminal e informações de segurança – que são, neste momento, as que estão em causa – e é ainda mais grave pelo facto de as entidades de natureza policial não estarem sujeitas às formas de controlo definidas nos quadros de garantias, constitucionais e legais, concebidas pelos diferentes sistemas jurídicos dos Estados-Membros. Esta situação, pelos problemas que levanta em sede de direitos liberdades e garantias dos cidadãos comunitários, assume-se como vital para o futuro do espaço de liberdade que a UE deve constituir, colocando em causa tradições jurídicas de determinados Estados cuja memória de um passado conturbado recente está ainda bem viva. Recorde-se que o ordenamento jurídico português estabelece a separação entre actividade de produção de informações – entendida enquanto processo de integração da informação disponível visando obter um conhecimento profundo, completo e abrangente das ameaças, a actividade policial e a actividade de investigação criminal. A lei portuguesa não pretende portanto, que as entidades com competência para conduzir o processo de investigação criminal possam, simultaneamente, desenvolver actividades de produção de informações e, vice-versa, que as entidades com competência exclusiva em matéria de produção de informações possuam, também, competências policiais ou de investigação criminal. O objectivo claro desta separação é evitar que as entidades policiais e de investigação criminal possam pré-seleccionar alvos através de uma actividade de pesquisa, de acordo com critérios securitários, discricionários ou políticos, de modo a orientar preferencialmente o processo penal contra eles, colocando em causa o princípio da legalidade.

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Na sequência do 11 de Setembro de 2001, das decisões, imediatamente posteriores, do Conselho Extraordinário de Ministros JAI e da reunião de Chefes de Estado e de Governo da UE, que preconizaram o reforço da cooperação entre os serviços de informações dos Estados-Membros no combate ao terrorismo internacional, realizou-se uma reunião magna dos Directores dos serviços de informações de segurança do Clube de Berna – organização que, desde a década de 60, integra os principais serviços de informações de segurança da Europa. Nessa reunião foram intensificados, tendo em conta que os serviços já se reuniam anteriormente – desenvolvendo acções e efectuando um intercâmbio regular de informações sobre diversos aspectos das respectivas seguranças nacionais e europeia – os processos de cooperação no combate ao terrorismo, através, nomeadamente, da criação de o designado Counter-terrorim Group ou Grupo Anti-Terrorista (CTG/GAT) de cariz operacional. Esta unidade tem como funções principais o acompanhamento, a análise, a coordenação de acções conjuntas e a reflexão sobre medidas preventivas a adoptar numa perspectiva de combate integrada ao extremismo e terrorismo internacional, particularmente o de motivação ou inspiração islâmica. Para reforçar a eficácia do seu funcionamento, alguns países não membros da UE participam nos seus trabalhos na qualidade de observadores. Ao nível do 2.º Pilar, referente à Políticas Externa, de Segurança e de Defesa, alguns passos foram dados no sentido positivo com o desenvolvimento do Joint Situation Centre (SITCEN), que conta com células analíticas permanentes, para apoio às funções do Alto Representante para a Política Externa

de Segurança e de Defesa da União, Javier Solana. No entanto, em última análise, as informações continuam a ser produzidas, ao nível nacional, por cada serviço participante. Em 2003, o CTG associou-se ao SITCEN, fornecendo elementos para a constituição de uma célula de análise de terrorismo, preenchendo assim as lacunas deste no domínio vital do terrorismo. As propostas de institucionalização deste grupo, CTG/GAT, nomeadamente, pela aproximação às instituições comunitárias, feitas por alguns serviços membros foram, no entanto, liminarmente recusadas por outros que, seguindo as directivas dos respectivos governos, consideram que as questões relacionadas com os serviços de informações constituem matéria de reserva absoluta de soberania nacional, pretendendo escapar ao que designam como a “comunitarização” crescente das estruturas de segurança dos países da União. Estas posições têm constituído um sério entrave, não só à institucionalização do grupo anti-terrorista criado pelos serviços de informações da União mas, também, à eventual proposta de criação de uma entidade europeia de informações. O receio demonstrado por alguns Estados quanto à constituição de uma organização europeia de informações – uma EUROINTEL5 – prende-se com o facto de, ao estrito controlo dos seus governos, poder acrescentar-se uma progressiva interferência das organizações comunitárias. Por outro lado, instituições europeias, relativamente pouco eficazes, como a EUROPOL, também não têm interesse na criação de um órgão desse tipo e têm privilegiado a posição de que todo o fluxo de informação disponível no espaço europeu deveria ser centralizado na própria EUROPOL. A UE vê-se assim, e para já, privada de

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um instrumento fundamental de combate às ameaças que crescentemente impendem sobre si, quer ao nível da segurança no espaço europeu, quer ao nível das informações estratégicas e até militares. Paralelamente, os serviços, num esforço de alargamento da sua componente de cooperação, participam nos trabalhos de outras organizações internacionais, não especificamente de serviços de informações, em apoio das actividades do Ministério dos Negócios Estrangeiros, nomeadamente quando estão em causa matérias como o combate ao terrorismo e à proliferação de armamento NRBQ. Neste âmbito, é de salientar a constituição, em 1998, por iniciativa portuguesa, do Fórum de Informações da CPLP, organização que reúne todos os serviços de informações do espaço lusófono. Os serviços portugueses participam também em organizações internacionais representativas do espaço ibero-americano – o Fórum de Serviços Ibero-americano de Inteligência (FOSII) – e do Mediterrâneo ocidental. Ao nível bilateral, a política de relacionamento foi conduzida tendo em conta dois objectivos, a complementaridade ao nível das informações de segurança, traduzindo-se no intercâmbio de informações sobre fenómenos que afectam, de forma idêntica, a segurança dos países aliados de Portugal, e a obtenção de informações fidedignas, de carácter estratégico sobre fenómenos que constituam ameaças à segurança interna e à defesa nacional. Determinados fenómenos de carácter transnacional ou internacional poderão de forma directa ou indirecta ter repercussões para a segurança nacional mesmo quando, aparentemente, nos são totalmente alheios. Assim, a actividade das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)

não é, aparentemente, importante para Portugal na perspectiva da sua própria segurança. No entanto, uma deslocação de um elemento da cúpula desta organização a Portugal já poderá recair no âmbito do nosso interesse. O contexto em que se insere a actividade desse indivíduo no nosso país só será amplamente entendido se se possuir informação de cariz estratégico sobre a referida organização e sobre os seus elementos. Assim, no caso em apreço seria fundamental uma boa circulação de informação entre Portugal e a Colômbia, ou outros países da região, da mesma forma que boas relações entre esses países permitiriam facilmente a Portugal efectuar acções ope-racionais a seu pedido – nunca se sabe quando poderemos vir a necessitar de alguma reciprocidade de tratamento. O alargamento dos laços de cooperação bilateral a serviços de informações de países fora da tradicional esfera de alianças em que Portugal se insere, nomeadamente, a países que até há alguns anos eram considerados o adversário, senão mesmo o inimigo, deve-se à importância que passaram a ter certas ameaças e à globalização das mesmas. Actualmente, um país, particularmente a actividade de um seu serviço de informações, pode constituir uma ameaça no âmbito da Contra-Espionagem e ser, simultaneamente, um parceiro imprescindível em matéria de Contra-Terrorismo. Por outro lado, o alargamento desses laços de cooperação permite, tal como no estrito âmbito operacional, diversificar as fontes de informação. Muitas das ameaças que afectam a segurança de Portugal e dos seus países aliados têm origem e justificação em regiões remotas. O acompanhamento, o estudo e a análise desses fenómenos tornam-se substancialmente mais fáceis quando se consegue receber o contributo de serviços de

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informações de países dessas mesmas regiões. Este alargamento coloca um problema novo em matéria de cooperação, se bem que não o seja quando analisado do ponto de vista da técnica das informações. Torna-se premente proceder a uma atenta verificação da fidedignidade dessas informações. Não nos devemos esquecer que os serviços de informações são entidades que representam, em primeiro lugar, os interesses do próprio Estado. Mesmo os serviços de Estados aliados podem ter tendência a enviar informação que, não sendo propositadamente errada ou ambígua, é preparada com o objectivo de fazer prevalecer uma determinada posição, normalmente em consonância com as orientações preconizadas pelos respectivos Governos. A dificuldade aumenta sensivelmente se considerarmos que muitos dos serviços de informações com quem se coopera são serviços com competências externas, estratégicas e até militares. Esses serviços são serviços externos, portanto ofensivos. A sua actividade implica que devam recolher informação sobre tudo o que seja de interesse para o seu país. Conhecer os serviços interlocutores, bem como o respectivo país, assume-se como tarefa normal e de rotina. Mas se, por um lado, a actividade desses serviços pode representar um risco para a segurança nacional, por outro lado, poderá constituir uma mais-valia, uma efectiva cooperação com os mesmos, atendendo ao seu conhecimento específico de determinados cenários estratégicos. Assim, os serviços de informações, atendendo a esta nova época das relações de cooperação, deverão tomar precauções e adaptar a sua estrutura de modo a preservar a segurança nas suas actividades e da sua informação.

Desenvolveu-se, assim uma teoria designada de “dupla camada”. A actividade do Serviço desenrola-se em dois níveis, ao nível operacional em sentido estrito, onde a actividade de informações continua como sempre, de acordo com os critérios de segurança, sigilo e discrição, e ao nível dos contactos externos. Este segundo nível funcionaria como uma camada amortecedora, filtrando e analisando a informação que entra e sai do Serviço, assumindo, de forma centralizada, a maioria dos contactos com serviços estrangeiros, incluindo os de cariz operacional, nomeadamente o enquadramento e a gestão corrente de acções conjuntas com serviços congéneres. Neste sentido, a face visível do Serviço poderia desenvolver uma relação de cooperação relativamente profícua com determinado serviço estrangeiro, enquanto que esse mesmo serviço poderia constituir um “alvo” para a outra “camada”. As vantagens desta solução são a maior protecção da actividade nuclear do serviço, a protecção da identidade dos agentes do Serviço e a gestão centralizada das relações com o estrangeiro. Os sistemas de informações nacionais estão longe de serem auto-suficientes, pelo que as informações em matérias como o terrorismo internacional, a criminalidade organizada, a proliferação e o combate ao tráfico de estupefacientes, têm-se vindo a tornar numa espécie de sistema de conhecimento internacional. O resultado é uma combinação heterogénea de relacionamentos bilaterais e multilaterais de toda a espécie e com os mais variados graus de intimidade. A razão principal para a cooperação entre Serviços de Informações é a de que existe, sempre, uma maior quantidade de informação potencialmente disponível do que aquela que

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um único Serviço tem capacidade para recolher. Tal facto, aliado a um apetite insaciável e crescente pela informação, implica uma cooperação cada vez mais intensa, na qual recursos, tecnologia e conhecimentos específicos desempenham um papel fundamental. A maioria dos Estados dispõe de capacidades únicas e específicas para a recolha de determinado tipo de informações. Por exemplo, determinadas informações apenas podem ser recolhidas por Serviços locais, com recurso aos respectivos sistemas de vigilância, pessoal e instalações. A cooperação tem lugar, sobretudo, a nível da HUMINT – Human Intelligence, de tal modo que Serviços “amigos” podem cooperar no âmbito do recrutamento de fontes humanas, sobretudo atendendo às oportunidades locais, tais como o acesso a grupos alvo de refugiados ou a equipamento estrangeiro de interesse. Tais acessos encontram-se, igualmente, ligados a um outro factor de importância decisiva, a relevância da geografia local, em termos de SIGINT – Signals Intelligence, bem como noutros tipos de recolha através de meios técnicos. Assiste-se, pois, a um complexo jogo, em termos de cooperação, sobretudo no que se refere a ameaças comuns, bem como a um complexo puzzle de trocas e intercâmbios. Uma das razões pelas quais os Serviços possuem uma auréola de secretismo prende-se, muitas vezes, com esta dimensão das relações com Serviços estrangeiros. O resultado de tudo isto é um “sistema internacional” multiforme, que vai desde uma cooperação próxima a contactos esporádicos e ocasionais, variando desde trocas bilaterais constantes a conferências internacionais alargadas. O intercâmbio de informações constitui-se, pois, como uma actividade de

carácter multinacional, em que se aliam capacidades nacionais e internacionais, decorrentes da cooperação internacional estabelecida e dos respectivos resultados, de tal modo que as necessidades dos Governos encontram resposta numa mistura, em vários graus, de esforços nacionais e internacionais.

* Chefe de Gabinete do secretário -Geral do SIRP 1 Segurança Nacional entendida aqui como a “condição da Nação que se traduz pela permanente garantia da sua sobrevivência em paz e liberdade; assegurando a soberania, independência e unidade, a integridade do território, a salvaguarda colectiva de pessoas e bens e dos valores espirituais, o desenvolvimento normal das tarefas do Estado, a liberdade de acção política dos órgãos de soberania e o pleno funcionamento das instituições democráticas”, concepção adoptada pelo Instituto da Defesa Nacional (IDN). 2 No fundo são as duas áreas que integram a “Signals Intelligence – SIGINT”, a ELINT, ou Electronics Intelligence e a COMINT, ou Communications Intelligence, ao que acresce a IMINT, ou Imagery Intelligence. 3 A propósito da delimitação de competências entre a actividade de informações e a de polícia ver Pereira, Rui Carlos, “A produção de informações de segurança no Estado de direito democrático”, separata da Revista de Ciência e Cultura da Universidade Lusíada, Série especial – Informações e Segurança Interna, Coimbra 1998, e A. Hulnick, “Intelligence and Law Enforcement: The Spies are not Cops problem” em International Journal of Intelligence and Counter-Intelligence, vol. 10, n.º 3, Inverno 1997. 4 Gregory Treverton, Reshaping National Intelligence for an Age of Information, Cambridge 2001. 5 As expressões EUROINTEL e EUROINFOR foram introduzidas, pela primeira vez, em 1999, quando o Dr. Rui Carlos Pereira, propôs a sua criação a outros Directores de Serviços de Informações do espaço europeu.

José M. L. Rodrigues Leite

I “O TERRORISMO E A SEGURANÇA DA AVIAÇÃO CIVIL” I

O ANTES O TRANSPORTE AÉREO E A SUA EVOLUÇÃO

Recuando no tempo para nos situarmos na segunda metade dos anos quarenta do século passado, encontramo-nos em pleno pós-guerra. O avanço técnico e tecnológico que os imperativos militares determinaram no campo aeronáutico, de há muito fazia prever, com o termo das hostilidades, o explosivo desenvolvimento da aviação comercial. A evolução do transporte aéreo caracterizou-se, desde então, por taxas de crescimento anuais superiores a qualquer outro modo de transporte. Viaja-se mais por necessidade e por lazer. Multiplicam-se os contactos ao nível de dirigentes e quadros das empresas e dos Estados, numa corrida desenfreada imposta pelo ritmo alucinante dos nossos dias. Por sua vez, o transporte de carga conheceu um desenvolvimento paralelo. A liberalização dos processos de troca entre países, a progressiva redução dos custos e dos prazos de entrega e mais recentemente a própria globalização, determinaram uma maior extensão dos mercados e um natural e significativo crescimento para a carga aérea.

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AS CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS DO TRANSPORTE AÉREO

Fácil será constatar que, de entre os factores que determinam essa preferência e pela respectiva ordem, se deverão considerar a rapidez, a segurança, a comodidade, a flexibilidade e a pontualidade. Estas características identificam e individualizam o transporte aéreo e constituem, no essencial, o pressuposto para essa preferência. Em alternativa, quando não se realizem essas condições preferenciais, ou em presença de situações em que prevaleçam outros critérios de escolha, ou tal decorra de opção óbvia, haverá naturalmente recurso a outro modo de transporte. Começaremos por analisar o segundo destes factores “ a segurança”, questão a que se dará naturalmente a primazia, não só pela sua importância relativa, mas também por constituir a matéria que nos propusemos abordar. E igualmente pelo facto de que, de algum modo e em maior ou menor grau dela dependem, como veremos, todos os restantes factores elencados. A segurança, e os dois conceitos aeronáuticos abarcados por esta mesma palavra Num vasto enquadramento a denominada “segurança aérea” é o somatório de elevado número de factores, cuja individualização nem sempre é fácil; e muitos deles caem mesmo em campos de responsabilidade partilhada. Sinteticamente, porém, poderemos tentar distribui-los por três domínios distintos, que formam o mundo compósito de um sistema de transportes: a máquina, o meio ambiente e o homem. Esta complementaridade de homens, serviços e meios, desenvolveu-se, tendo como objectivo prioritário a prevenção dos incidentes

técnicos ou operacionais e cai no âmbito da componente (ou acepção) da palavra segurança que os ingleses denominam por “safety” e os franceses por “securité” – a segurança operacional – e que implica, ou inclui, o conjunto de esforços responsáveis e conexos, orientados para a prevenção do acidente. Contudo e como fenómeno contranaturo em relação aos referidos objectivos, da salvaguarda de pessoas e bens e aos princípios que enformam tal propósito, a partir dos anos 60 do século passado, a aviação civil passou a constituir um alvo preferencial para a prática de actos ilícitos e em particular para atentados terroristas, tais como e de entre outros, a captura de aeronaves e o seu desvio, o sequestro de passageiros e tripulações e a ameaça ou mesmo a concretização da destruição da aeronave por engenho explosivo. A segurança da aviação civil passou assim a prosseguir, em paralelo, um outro objectivo complementar ao anteriormente referido – o de garantir a protecção e salvaguarda de pessoas e bens contra os actos de intervenção ilícita, perpetrados em terra ou no ar. A prevenção destes actos e as contramedidas de resposta, caiem no âmbito da designada segurança “security”, termo usado em inglês para designar especificamente esta acepção da mesma palavra (segurança) e à qual corresponde em francês, o termo “sureté”. Passará a ser esta e com dissemos, a acepção em que empregaremos a palavra segurança. A PREVENÇÃO DOS ACTOS DE INTERVENÇÃO ILICITA – SUA REGULAMENTAÇÃO

Tal fenómeno, o do terrorismo, e em particular a eleição da aviação civil como seu alvo preferencial não poderia naturalmente ser previsto no âmbito dos trabalhos levados a efeito aquando da realização da Conferência de

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Chicago (em 1944) razão pela qual a sua prevenção não foi contemplada na regulamentação técnica internacional, adoptada pela Organização da Aviação Civil Internacional – mais conhecida pela sigla em língua inglesa ICAO de “International Civil Aviation Organization”. A título meramente informativo, referese que a regulamentação técnica produzida pelo Conselho desta Organização (ICAO) foi agrupada, por afinidade das matérias abordadas e para simplificação dos procedimentos de alteração (emendas) nos denominados Anexos à Convenção de Chicago (também designada por Convenção Sobre Aviação Civil Internacional). As matérias neles contidas são, por sua vez, desenvolvidas noutros documentos, igualmente produzidos e publicados pela ICAO. O texto do novo Anexo, o 17 – “Segurança: Para Salvaguarda da Aviação Civil Internacional Contra Actos de Intervenção Ilícita”, viria a ser adoptado pelo Conselho da ICAO em 1974, entrou em vigor no mesmo ano e tornou-se aplicável a partir de 27 de Fevereiro de 1975. O Doc. ICAO 8973 – “Manual de Segurança” ( para a finalidade prosseguida pelo referido Anexo,) desenvolve e interpreta as “normas” e “ práticas recomendadas” dele constantes. Constitui um instrumento essencial, a cada Estado, para o estabelecimento de um quadro regulamentar adequado a esta área . De entre outras medidas entretanto adoptadas neste domínio cabe salientar a adopção de uma cláusula de segurança (“security”) nos acordos bilaterais de transporte aéreo. Nos termos dessa cláusula os Estados intervenientes aceitam actuar em conformidade com a regulamentação técnica relativa à segurança da aviação civil desenvolvida nos

Anexos à Convenção, aceitar as medidas que a outra parte julgar por adequadas à finalidade segurança e actuar segundo as Convenções de Tóquio, Haia e Montreal, se ambos forem parte dessas convenções. A Conferência Europeia de Aviação Civil (CEAC) emanou, por seu lado, diversas resoluções e recomendações que, embora sem terem carácter obrigatório se revelaram do maior interesse neste particular, ao desenvolver e interpretar para o seu âmbito regional o estabelecido a nível da ICAO. Constituíram marco de referência, a elaboração do Doc. 30 Parte II – Segurança, bem como, os programas de auditorias e de controlo de qualidade. Foram desenvolvidas outras iniciativas em matéria de combate ao terrorismo a que não se faz referência pela opção feita, em se, restringir, quase exclusivamente e no julgado essencial, ao trabalho produzido em sede das organizações da aviação civil internacional. Em paralelo foram sendo aperfeiçoados os sistemas de segurança, numa constante adequação à evolução das exigências comerciais e também como resposta da capacidade técnica e tecnológica a problemas específicos da segurança. Facto indesmentível, independentemente do mérito que possa merecer o trabalho até então desenvolvido, a constatação de que, no período a nos temos vindo a cingir – as últimas três décadas do século passado – foi sensível e progressiva a diminuição do número de atentados e de vítimas neles registadas. Antes de se proceder ao “virar de página”, deixando o antes a que até aqui nos temos vindo a referir, para passar a abordar o que mudou no após (o 11 de Setembro de 2001) entende-se trazer à colação algumas considerações porventura susceptíveis de poderem contribuir para uma visão global mais abrangente, sobre algumas das questões

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suscitadas. Respeitam aos dois sub capítulos que seguem. FACILITAÇÃO E SEGURANÇA

Assim e a par das preocupações do âmbito da segurança e na consideração da sua importância social e económica, o transporte aéreo continua e continuará a suscitar a necessidade de dispor de normas e procedimentos próprios ou a ele adaptados e harmonizadas a nível internacional, visando a racionalização e eficácia da sua exploração (companhias aéreas e aeroportos) nomeadamente no que concerne ao en-caminhamento, nas melhores condições de qualidade e rapidez, os fluxos de passageiros carga e correio. Matéria esta do âmbito do Anexo 18 à Convenção Sobre Aviação Civil Internacional – Facilitação do Transporte Aéreo. À primeira vista antagónicos, facilitação e segurança (“security”) são dois conceitos conciliáveis, num binómio cujo equilíbrio se situa na correcta compreensão de cada um deles. O próprio Anexo 17 consagra o princípio (Prática Recomendada) de que “ Cada Estado Contratante deve, sempre que possível, providenciar controlos de segurança que causem um mínimo de atraso ou interferência nas actividades da aviação civil, na medida em que não for comprometida a eficácia dos referidos controlos e procedimentos.” A SEGURANÇA E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA GESTÃO OPERACIONAL

Uma abordagem de ângulo diferente à problemática da segurança e às suas implicações na exploração operacional, de um aeroporto ou de uma transportadora aérea, poderá ser a relacionada com a capacidade dos “sistemas de rastreio” (e quaisquer que eles

sejam) na perspectiva de que deverão satisfazer aos fluxos de tráfego correspondentes aos períodos de pico, sem atrasos significativos no processamento do conjunto de outras operações a realizar simultaneamente. As performances da segurança praticada dependerão, naturalmente dos meios materiais e humanos disponíveis, da respectiva capacidade, aptidão e da forma como são utilizados, numa relação directa com o volume de tráfego a tratar. Tal significa que, de forma directa ou indirecta, um fluxo de tráfego superior ao comportado pelas dimensões e configuração das infra-estruturas em que sejam processadas, ou pela capacidade de processamento suportada pelos referidos meios materiais e humanos, resulta inevitavelmente, ou num congestionamento incomportável, ou numa”graduação” da qualidade da segurança praticada, face ao conjunto de interesses em presença e ao inevitável “pressing” imposto. Essa “graduação”, constitui uma realidade comum, tanto aos mais sofisticados sistemas integrados de rastreio automático (v.g. nos de rasteio de bagagem de porão) como nos essencialmente dependentes do desempenho humano. E respeita, em particular, às designadas “zonas de indefinição”, que correspondem a uma faixa que contempla o leque de situações entre: - o nível mínimo da sua capacidade de detecção, em que aumenta a probabilidade de “deixar passar” o que seria mandatório descobrir e reter, com a inerente redução da taxa de “falso alarme”; e, - a contrária, em que é máxima a sua capacidade de “detecção”, mas à qual corresponde a ocorrência intempestiva e sistemática do despoletar dos sistemas de alarme e os inerentes e morosos procedimentos de confirmação, sem que lhes corresponda qualquer detecção efectiva.

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Num exemplo em que se pretenda demonstrar a ocorrência de tal situação, num caso em que intervenha quase exclusivamente a componente humana (muito embora apoiada por equipamento cada vez mais eficaz) será a que normalmente se verifica, quando o rastreio (de segurança) dos passageiros e sua bagagem de cabine tenda, tanto quanto possível, a processar-se com a cadência de chegada ao controlo de acesso, versus a formação de uma interminável fila de espera de passageiros e respectivo “acompanhamento” -a sua bagagem de mão - aguardando a sua vez. Fazer corresponder esse “limiar”, ajustável, a uma maior “capacidade de detecção” (expressão aqui empregue num contexto alargado) a que estará inevitavelmente associada uma mais elevada taxa de “falso alarme” pode parecer um preço trivial a pagar fora de um período de grande congestionamento. Mas, noutro cenário, a necessidade de recurso, sistemático, a meios complementares de detecção – nomeadamente as que requerem uma maior componente humana, como sejam as revistas manuais – configuram uma situação altamente penalizante, ou mesmo impraticável (perdoe-se-me a franqueza). Em qualquer situação a maximização da “capacidade” de detecção determinará sempre inevitáveis acréscimos de tempos e custos. Para as entidades directamente ou indirectamente envolvidas – v.g. as entidades d o domínio aeroportuário, tais como e de entre outros, os prestadores de serviços de segurança e de “handling” e principalmente as transportadoras aéreas, com a afectação da regularidade do serviço. Regularidade esta que igualmente atinge os restantes pressupostos que caracterizam as vantagens do transporte – a comodidade, flexibilidade e a pontualidade. Com efeito, os atrasos ou outras situações de

impedimento, podem traduzir-se, por exemplo: numa perca de “ slot”; ou “queimando tripulações” isto é esgotando o período de tempo em que poderiam ser utilizadas para a realização do voo; na impossibilidade de efectuar as transferências previstas para outros voos, ou mesmo vir a determinar, directamente, a imobilização da própria aeronave. Voltando à questão do “rigor” na fixação do “ponto exacto” , do “limiar ajustável” entre uma garantia de detecção efectiva em todos os casos e uma incomportável taxa de “falso alarme” constata-se que, qualquer consideração sobre o que deverá ser considerado “aceitável”, não é fácil e muito menos pacífica. A primeira, a capacidade de detecção, envolve a subjectividade de estabelecer um “risco aceitável” na relação vida ou morte. A segunda, a taxa de “falso alarme”, assume unicamente a importância de um problema meramente operacional. As várias vertentes desta questão, que envolvem necessariamente a análise da ameaça e da situação em apreço, isto é a conciliação de todos os factores a ter em consideração, determinam a existência, a nível nacional e internacional, de órgãos próprios e de mecanismos adequados ao seu tratamento. O APÓS OS ACONTECIMENTOS DE 11 DE SETEMBRO DE 2001

Nos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 foram utilizados, como armas de destruição, meios aéreos – aeronaves civis afectas a serviços comerciais. A dimensão desses acontecimentos transcendeu naturalmente o âmbito da aviação civil. O carácter mediático de

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uma tragédia, visionada em directo, conferiulhe o dramatismo da impotência perante tal cenário e a imagem da vulnerabilidade existente perante um novo modelo de terrorismo. Verificara-se uma mutação da ameaça. O terrorismo disseminara-se em metástases móveis e transnacionais, com completa indeterminação dos potenciais alvos e da dimensão das consequências causadas, bem como do local e do tempo em que poderão vir ocorrer e em particular dos meios empregues e da forma como possam vir a ser empregues. Mas recuemos mais uma vez no tempo para nos situarmos precisamente em Fevereiro de 1995. Chefiando a delegação portuguesa à ”32ª. Reunião do Grupo de Trabalho sobre problemas de Segurança da Conferência Europeia da Aviação Civil – (SEC/32), consta do meu Relatório de Missão: Nos pontos 3 e 4 da agenda de trabalhos procedeu-se a uma análise aos actos de intervenção ilícita ocorridos em 1994 e à reavaliação da ameaça para a aviação civil. Merece especial referência a abordagem feita ao recente caso do Airbus da Air France, tomado por um comando de fundamentalistas islâmicos na Argélia.” Recorda –se, que a ameaça, em concreto, consistia em lançar e fazer explodir a aeronave sobre um alvo estratégico em Paris, com as cerca de 200 pessoas que levava a bordo e os explosivos que afirmavam nela ter introduzido, caso não fossem satisfeitas determinadas exigências. Aeronave que acabaria por ser resgatada por forças especiais em Marselha, escala (ou destino) que não ocorre recordar estarem previstos. Bem como assim se o comando terrorista se fazia acompanhar, efectivamente, de explosivos. E mais à frente: Ainda no contexto do ocorrido com o voo da Air France, a caracterização da ameaça

surge com uma nova componente em que é suscitada aos vários países uma reflexão sobre a hipotética situação de terem que vir a optar entre duas das possíveis alternativas: - a opção “política e militar” de abater uma aeronave, porventura com mais de uma centena da pessoas a bordo; - ou a de deixar à iniciativa de grupos terroristas a decisão de a fazer despenhar, com essas pessoas e porventura com um carregamento de explosivos, sobre uma cidade ou outro alvo estratégico, consentindo assim na perpetração de um atentado que, em termos de impacto e consequências, será necessariamente, mais significativo do que o provocado pela primeira das hipóteses consideradas. Deixando nesta fase, o relato da discussão havida sobre uma situação que se revelou como possível e a análise de oportunidade relativa à adopção de soluções draconianas, fica o registo de que foi unânime o reconhecimento da necessidade de prever medidas adicionais ou complementares às já existentes. De igual modo foram reafirmados alguns princípios, a ter em especial consideração, tais como: - quando se proceder à análise de ameaça, deverão ser, correctamente equacionados os riscos que se enfrentam e as prováveis ou possíveis consequências que representam; - que todas as medidas de segurança deverão depender do tipo de ameaça e consequentemente deverão resultar da sua análise; - que se deverá manter e reforçar o princípio de “não deixar partir (aqui na acepção de descolagem de aeronave em terra) uma aeronave sequestrada”. Fim de citação. Serve a referência feita para demonstrar que a ideia de utilizar aeronaves civis como

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arma de destruição massiva (ou maciça) não era inédita quando ocorreu em Setembro de 2001. A aparente facilidade com que ocorreu, a forma como foi praticada e a dimensões dos danos causados, foram-no com certeza. Inédita também não era a opção (levantada no exemplo a que se recorreu) pelo abate de aeronave, em voo, em determinadas situações, porventura menos gravosas do que aquela a que se aludiu nesse exemplo (e que, inclusivamente, não existe qualquer prova de que chegou a ser, efectivamente, equacionada por quem de direito). Recordemos neste particular e também a título de exemplo, o abate, em Agosto de 1983, de um Boeing 747, da Korean Airlines, por alegada violação do espaço aéreo soviético. Na sequência e como consequência deste incidente, foi introduzido pela ICAO um novo artigo ao texto da Convenção de Chicago (o artigo 3bis) o qual proíbe o recurso ao uso de armas contra aeronaves civis em voo estabelecendo também e de entre outros, o princípio de que em caso de intercepção, não deve ser posta em perigo a vida das pessoas a bordo. Este Protocolo de Emenda à Convenção foi adoptado pela Assembleia da ICAO, em 10 de Maio de 1984 e está em vigor desde 1 de Outubro de 1998. Contudo e ao que se verificou, no pós 11 de Setembro de 2001, não houve uniformidade de opinião entre os vários Estados que tornaram pública a sua posição, quanto à decisão tomada sobre a permissão/não permissão do abate de aviões civis utilizados como armas contra vidas humanas ou alvos estratégicos vitais. Se a questão se puder colocar, numa simples análise comparativa, em termos da realização do objectivo realista de evitar/ ou não evitar a segunda das consequências previstas, já que a primeira - o sacrifício dos passageiros,

tripulações e aeronave – estaria irreversivelmente traçada, em qualquer das opções postas em confronto (abate ou não abate) a resposta lógica será, necessariamente, um sim. Com efeito não se colocaria sequer o problema de uma escolha entre a proporção entre as consequências de qualquer das duas, já que a questão se poria, na supressão da segunda delas. Seria, por outro lado, uma solução dissuasora e até mesmo defensável, no plano ético. Mesmo antes da consagração do princípio da “não utilização das armas contra aeronaves civis em voo” (artigo 3bis da Convenção) já a aviação civil se considerava protegida contra o uso da força, por um costume de direito internacional, cuja interpretação não era todavia uniforme. E sempre se mostrou ciosa da consagração e respeito por esse princípio. Estará porventura em causa: a própria filosofia e sensibilidade inerentes à compreensão da disciplina inerente à “segurança de voo”, naturalmente antagónica à aceitação da legitimação de práticas a ela contrárias; a consequente rejeição psicológica da vivência, “pelo lado de dentro”, situação desse tipo; ou até mesmo pelo facto de um qualquer direito, expresso nesses termos, pudesse vir a ser aproveitado para fins diferentes aos que presidissem à sua aprovação. De igual modo a própria opinião pública, apagadas que forem pelo tempo, as imagens do ataque às “torres gémeas” voltará a ser relutante em aceitar, como princípio consagrado em lei, tal possibilidade. Regista-se, para já o facto da não existência de uniformidade de critérios na opção feita, neste particular, entre os Estados, no novo enquadramento que esta questão passou a merecer. Restará analisar a situação que resultaria da instalação, em aeronave afectas ao transporte aéreo, de um sistema de controlo

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remoto que seria accionado quando ocorresse um “hijacking” e o qual conduziria a “aeroporto seguro”, sem interferência, tanto dos seus pilotos como dos seus sequestradores. Solução técnica e tecnologicamente já possível. No entanto e ao que se entende, seria porventura passar ao patamar intermédio para um mal maior. Sem aprofundar esta questão, bastará recordar que, o acesso indevido aos códigos de tais sistemas de controlo remoto, tornariam mais vulneráveis essas aeronaves, podendo mesmo transformá-las, inclusivamente, em bombas teleguiadas. Entende-se, todavia, que o conjunto de medidas adoptadas no âmbito da segurança da aviação civil, em terra e no ar e a que faremos curta referência, irão reduzir, a probabilidades bastante baixas, a possibilidade de ocorrências deste tipo, como também irão limitar o “espaço de manobra” dos que possam passar essa apertada malha e consequentemente a gravidade das consequências que possam determinar. Fica no entanto a ideia de que, quando e se situações desta natureza se vierem de novo a colocar, cada caso merecerá a sua resposta, determinada em função do conjunto de parâmetros a equacionar. Nesse cenário real, cada Estado fará a sua opção, baseada ou não em legislação que a suporte. O NOVO ENQUADRAMENTO REGULAMENTAR

Foi considerável a actividade desenvolvida pela ICAO para identificação, análise e desenvolvimento de uma resposta global e efectiva contra as novas ameaças, nomeadamente através do reforço das disposições contidas nos Anexos à Convenção, e através de um Plano de Acção que inclui auditorias regulares, obrigatórias, sistemáticas

e harmonizadas para avaliar o estado da segurança em todos os Estados-Membros. Também o Conselho da Europa adoptou, em Setembro de 2003, um Protocolo de Emenda à Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo visando adaptá-la às novas ameaças e conformá-la aos novos instrumentos jurídicos internacionais de combate ao terrorismo. Ainda no âmbito da União Europeia e no sentido da formulação de uma política comum já em data anterior (Setembro de 2001) o Conselho de Ministros dos Transportes, tinha adoptado, como normas comunitárias, as medidas constantes do Documento 30 , Parte II, da Conferência Europeia da Aviação Civil depois de adaptadas à nova realidade em termos de ameaça . Na oportunidade resolvera também propor à Comissão a constituição de um grupo de trabalho pluridisciplinar, com a incumbência de estudaras medidas legislativas que garantissem uma aplicação uniforme da política comunitária nesta matéria, com base numa mesma interpretação das disposições constantes da Convenção de Chicago e das normas e recomendações constantes dos seus Anexos, nomeadamente o Anexo17. A formulação dessa política foi consubstanciada no Regulamento Comunitário (CE) n.º 2320/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de16 de Dezembro de 2002. Para além do objectivo a que prioritariamente se propunha – o estabelecimento de normas de base comum sobre medidas de segurança - este documento adopta também mecanismos adequado de vigilância da conformidade. O QUE EFECTIVAMENTE MUDOU

Parte substancial do consagrado na nova regulamentação internacional, já estava de certo

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modo previsto na regulamentação anteriormente vigente. Todavia não estavam determinadas em termos de normas de base comum, nem estava assegurada uma garantia efectiva, quanto ao seu adequado cumprimento, agora salvaguardada a nível comunitário, através dos poderes de fiscalização agora conferidos à Comissão. Em regime de reciprocidade entre Estados ou no plano global das auditorias previstas de acordo com os programas projectados previstos no âmbito da ICAO, deverá resultar a progressiva e desejada harmonização num escala tendencialmente global. Assinala-se como particularmente significativa, a obrigatoriedade das aeronaves com peso máximo à descolagem superior a 45.500 Kg ou capacidade superior a 60 passageiros, estarem equipadas com porta de acesso à cabine de pilotagem, certificada, que satisfaça os requisitos de resistência estabelecidos e possa ser bloqueada ou desbloqueada a partir dos lugares dos pilotos (Anexo 6 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional – Norma 13.2.1). Do mesmo modo se adopta o princípio de que a porta da cabine deverá estar bloqueada por dentro durante o voo. E também o da necessidade da definição duma política para os procedimentos associados à abertura da porta de acesso à cabine de pilotagem, com recurso a comunicações entre os pilotos e o pessoal de cabine (assistentes de bordo). Do sistema a adoptar devem constar todas as situações a contemplar bem como os procedimentos de comunicações a ela associados, o que naturalmente inclui a notificação, do pessoal de cabine aos pilotos, no caso de ocorrência de actividade suspeita ou quebra de segurança na cabine. Num quadro muito mais vasto, a nível

de normas e procedimentos, relativamente aos quais, a análise a que aqui se procede, apenas poderá constituir exemplo significativo e sem referência a matéria sensível, caberá ainda referir a formulação de novos critérios, de avaliação e caracterização da gravidade de uma ocorrência com passageiros a bordo e aos quais estarão naturalmente associados comportamentos diferentes. Do exposto nos últimos três parágrafos resulta, como conclusão, a intenção de garantir o controlo sobre aeronave e de procurar trazê-la para terra, da forma mais rápida e segura, sempre que se depare, ou for previsível, a ocorrência de acto de interferência ilícita. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O combate ao terrorismo, em particular a este seu novo modelo, afigura-se longo e difícil. Atente-se, ao facto de caminhar pelos mesmos trilhos, senão em situações de manifesta parceria, com o crime organizado. Movimenta, também e até, vastos e consideráveis interesses legítimos (ou aparentemente legítimos) arrastados, indistintamente, na incomensurável dimensão, facilidade de realização e rapidez, com que se processa, neste mundo global, qualquer tipo de transacção, real ou fictícia, bem como os correspondentes movimentos de capitais. Uns e outros, todos, são por ele substancialmente alimentados, numa relação de interesse mútuo. Será pois impensável, que por qualquer razão e muito menos de carácter ético, alguém venha a abdicar de qualquer tipo de privilégios ou vantagens que actualmente detêm, em favor estabelecimento duma nova ordem mundial. Em apoio da mesma tese a constatação que as tensões geradas, alimentadas e instruídas, durante largos anos e o conjunto de interesses associados ao processo, não se irão

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desvanecer a curto prazo. Sem solução militar ou política previsível nesse curto prazo, o terrorismo actual, mais do que combatido, vem sendo contido e mais do que pelas medidas de prevenção adoptadas, pelo desenvolvimento de políticas de segurança com base numa colaboração, cooperação e partilha de informações entre Estados, nomeadamente a nível, policial, judicial e no da “inteligence”. Neste quadro de referências será pertinente e pragmático indagar, até que ponto, a economia mundial conseguirá conviver ou sobreviver à ameaça e aos efeitos do terrorismo. Constata-se que a economia tem uma certa tendência natural para se acomodar e nessa conformidade os agentes económicos parecem tendencialmente preparados para fazer face aos efeitos económicos. É disso corolário o comportamento dos mercados de capitais e das bolsas que, progressivamente, se mostram menos sensíveis à evolução da ameaça. Não se refuta pois a ideia que se verifica uma certa “habituação” da economia e até das pessoas relativamente a algo, perverso, com que se é forçado a conviver. Mas será no mínimo ingénuo admitir que esse forte e constante

constrangimento não acarretará custos de toda a ordem, por ora impossíveis de quantificar. Restará pois saber, onde estará o limiar do incomportável e o que se passará depois. Recordemos, para aplicação no que se segue, a grande dependência do petróleo e os violentos ajustes que determinam, quando ocorrem alterações sensíveis no seu preço ou na estrutura de abastecimentos. A indústria do transporte aéreo reflecte com especial sensibilidade essa dependência do petróleo, e tem dificuldade em suportar os constrangimentos, a que já nos referimos, por efeito dos atrasos e outros transtornos à sua gestão operacional. E a que se somam outros custos, directos e indirectos, inerentes à segurança. Retomados que foram os níveis de confiança, após os atentados de 11 de Setembro de 2001, espera-se e deseja-se que a aviação civil, possa retomar, em pleno, todos os pressupostos que lhe são próprios e a diferenciam dos restantes modos de transporte.

*Perito em segurança da aviação civil

Reis Rodrigues

I ENERGIA: UMA QUESTÃO CANDENTE DE SEGURANÇA? I

As questões de segurança energética – entendida esta como a garantia de acesso, em condições razoáveis de preço, a fontes de energia - desde sempre fizeram parte das agendas de segurança. O que tem variado é apenas a sua importância relativa. A última vez que tiveram grande prioridade foi por ocasião do embargo petrolífero de 1973. As preocupações que essa situação gerou na altura ficaram bem documentadas com a declaração do então presidente Nixon de que os EUA precisavam de ser energeticamente independentes! Para um País responsável por 25% do consumo mundial de petróleo mas detendo apenas 3% das reservas, a afirmação testemunha bem a ansiedade então criada pela crise.

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Não estamos, hoje, numa situação de gravidade idêntica mas não falta quem pense que se pode estar a caminhar para lá, hipótese que começa a alarmar os principais líderes mundiais. A União Europeia que sentiu recentemente, ainda que de muito ao de leve, os primeiros sinais de perigo - quando o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, no início deste ano, ameaçou o fornecimento de gás à Europa - foi acordada, como que por um sobressalto com que não contava, e procura reagir. Putin fez do tema o tópico principal da Cimeira de Julho do G-8 sob o argumento de que a “energia é um factor-chave do desenvolvimento económico e social e de que num mundo cada vez mais interdependente não se pode tolerar o egoísmo energético”; infelizmente, como veremos seguidamente, ainda não se mostrou capaz de alinhar a prática das suas políticas com este discurso, tendo-se, aliás, tornado num agente de uma das mais negativas mudanças do quadro em que se tem posto a equação energética. Há, de facto, diversos aspectos a alterar este quadro; alguns são tão importantes que há quem diga que se está a entrar numa nova era do petróleo; uns eram previsíveis, outros não. A da alta de preço do petróleo e gás foi quase uma alta anunciada; em Fevereiro de 2005, o presidente da Chevron Texaco já dizia que os tempos do petróleo e gás barato tinham acabado; Hugo Chávez, um mês depois dizia quase textualmente o mesmo: “que o mundo devia esquecer o petróleo barato”. O maior controlo do mercado por parte de companhias estatais acrescentando ao negócio dimensões políticas que estão a marcar cada vez mais significativamente as relações internacionais, também não devia ter sido surpresa,; em 1999, antes de ser presidente, já Putin dizia que os vastos recursos energéticos da Rússia deviam permanecer sob o braço do estado para ajudar a Rússia a retomar a sua importância geopolítica. Não era previsível, porém, pelo menos até ao 11 de Setembro, o

agravamento da vulnerabilidade física a que ficou sujeito todo o sistema com as alterações verificadas no ambiente de segurança. AUMENTO DA PROCURA

O assunto mais frequentemente referido como origem das actuais dificuldades é o aumento da procura provocado pelo crescimento económico da China e Índia. A primeira, que era auto-suficiente em petróleo até 1993, nos últimos cinco anos passou a responsável por 30% do aumento na procura; as duas em conjunto, tornaram o consumo da Ásia em 2005 pela primeira vez superior ao da América do Norte, que na década de setenta, consumia o dobro da Ásia. Esta situação e a incapacidade do mercado de responder adequadamente repercutem-se inevitavelmente sobre os preços, mas, não obstante o sempre negativo impacto desta situação, não se verificou o choque económico que tinha ocorrido na década de 70. Curiosamente, a economia global parece estar a ajustar-se de forma surpreendentemente razoável, talvez, por a alta ter ocorrido numa altura em que tem mais protecções e capacidade de aguentar o embate. O aumento da procura acentuou também o receio latente de um próximo esgotamento das reservas - um tema sempre presente nas discussões de segurança energética - com uma corrente de opinião sempre a lembrar que a quantidade de hidrocarbonetos existentes na terra é fixa e já conhecida (não são energia renovável). No entanto, contrariamente a respeitáveis previsões que davam o pico da produção a acontecer agora – nalguns estudos mais antigos já devia ter acontecido - parecem existir suficientes evidências, segundo a corrente de opinião prevalecente, de que há um potencial ainda não explorado que aguarda o aparecimento de novas tecnologias. De facto, as actualizações periódicas sobre os stocks de petróleo disponível continuam a ser feitas em alta, sug-

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erindo que a questão não se porá tão cedo quanto os pessimistas previam. Quer este problema se ponha proximamente ou apenas a longo prazo, a preocupação tenderá a funcionar, principalmente, como incentivo à procura de novas formas de energias alternativas e à adopção de medidas de poupança que ajudem a protelar esse desfecho e, ao mesmo tempo, reduzam as dependências. Obviamente, isto é positivo, mas saber se o impacto dos progressos que venham a ser feitos chegarão com a dimensão, oportunidade e condições para constituir uma alternativa prática ao consumo de petróleo ou se serão apenas um paliativo com diminuto reflexo no problema, é matéria de um debate que ainda agora vai muito no princípio. Por um lado estão os chamados “realistas” que não esperam que as energias alternativas tenham um impacto significativo no mercado, em tempo útil de aliviar a actual pressão provocada pelo desencontro entre procura e a oferta imediatamente disponível; são os que defendem que o foco dos investimentos principais deve ir para melhorar a exploração das reservas existentes. Do outro lado, estão os “idealistas”, com a esperança de que a idade do petróleo, assim como sucedeu com a idade da pedra, não acabará por falta de matéria-prima mas pelo aparecimento de alternativas mais atractivas. O que será de esperar deste diálogo é que os esforços de investimento se dividam entre as duas opiniões: melhorar as actuais capacidades de exploração e produção de petróleo e gás e, simultaneamente, acelerar a investigação e procura de alternativas e melhorar a eficiência energética. ENERGIA COMO ARMA POLÍTICA

Porém, as questões que se põem não se resumem aos aspectos técnicos atrás referidos; existe também uma dimensão política, materializada, como atrás referido, pela tendência de

utilização dos recursos energéticos como arma política para exercer influência. Putin dá o exemplo mais esclarecedor do que se está a passar neste campo; embora sabendo que não pode prescindir do investimento estrangeiro – a que o seu antecessor, Boris Ieltsin deu abertura, trazendo para a Rússia tecnologias e métodos modernos de gestão que permitiram um salto significativo na produção – lançou uma ofensiva geral de retoma do controlo das principais companhias petrolíferas e de gás, – com destaque para a GAZPROM e logo a seguir a ROSNEF – que passaram a constituir – principalmente a primeira - uma espécie de braço da política externa russa. Por enquanto, os enormes projectos de extracção de gás e petróleo da ilha Sakhalin, entregues à Shell e à Exxon Mobile, ainda estão fora desse movimento mas não falta quem aponte indícios de que se prepara o terreno para meter a GAZPROM no circuito. A Carta Energética, cujos princípios visavam garantir que os mercados se manteriam abertos e competitivos, arrisca-se a ficar conhecida como mais uma boa intenção de que não são de esperar, pelo menos para já, quaisquer resultados. A Rússia que a subscreveu ainda não a ratificou e provavelmente não o fará; a principal preocupação de Putin é garantir controlo sobre todas as companhias que operam em território russo. Este problema, porém, não se restringe à Rússia e à poderosa GAZPROM. Hugo Chávez, é, entre outros, um dos responsáveis por esta situação ao ter pressionado as companhias estrangeiras a negociarem novas joint ventures, passando o Estado a deter a parte principal, a partir de Dezembro de 2005. Só a americana Exxon Mobile é que não assinou! O Irão (2º maior produtor de gás e 4º maior de petróleo) e a Venezuela (3º maior produtor da OPEC), ambos em crise aberta de relacionamento com o Ocidente, cultivam relações

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energéticas que podem criar ao mundo graves problemas no futuro. É por demais evidente que as dificuldades que se estão a verificar na procura de um consenso sobre a adopção de sanções económicas ao Irão não são alheias ao receio de utilização da “arma petrolífera” por parte destes dois países. Numa tendência que se tem acentuado ultimamente, 72% das reservas mundiais de petróleo já estão nas mãos de companhias controladas por governos, acabando por ser estes a manipular a situação, misturando critérios comerciais com critérios de natureza política para exercer influência. Entre as vinte maiores companhias - em termos de dimensão das respectivas reservas - 14 (entre as quais as nove maiores) estão sob controlo total dos respectivos governos (Arábia Saudita, Irão, Iraque, Kuwait, Venezuela, Emiratos Árabes Unidos, Líbia, Nigéria, México e Rússia, Qatar, China, e Algéria); apenas escapam a esta situação, duas americanas (Exxon Mobile e Chevron Texaco), uma inglesa (BP), uma francesa (Total), a Petrobrás brasileira, em que o Estado detém cerca de um terço do controlo e a Lukoil russa. Nem tudo, porém, está pelo lado dos países produtores. Embora com problemas diferentes, estes também têm dependências em relação aos vultosos investimentos estrangeiros, tecnologias e especialização de que as suas indústrias petrolíferas precisam desesperadamente para poderem continuar a explorar pelo menos aos actuais níveis; 3 triliões de dólares nos próximos 25 anos, segundo a Agência Internacional de Energia, sem contar com o que será necessário para aumentar a produção. Se as companhias em questão continuarem a limitar-se a explorar as reservas nas condições actuais sem nada fazerem para melhorar métodos de produção e gestão, arriscamse a uma perda cumulativa de importância e

dimensão; uma redução para um quinto da actual dimensão, na maioria das companhias, é o que prevê o presidente de uma companhia independente de exploração americana. As nacionalizações apenas vieram agravar a situação; como nem todos os países são como a Noruega – onde a Statoil é apontada como o caso exemplar de boa gestão numa companhia petrolífera estatal - muito menos a Rússia, Venezuela e Irão, o resultado desta política será mais corrupção, menos eficiência e atraso na procura de uma mais capaz resposta ao problema da crescente procura. Como já referido acima, o problema da segurança energética até há pouco tempo atrás, tinha sobretudo a ver com a necessidade de se estar preparado para enfrentar eventuais falhas de abastecimento. Havia, sobretudo, que observar duas regras principais: a da “diversidade do abastecimento”, para manter sempre alternativas, e a da “elasticidade” (resilence), ou seja capacidade de absorver choques, nomeadamente através da conservação de uma confortável reserva estratégica. Obviamente, estes princípios continuam inteiramente válidos mas já não chegam para enfrentar todos os desafios com que se debate o sistema. Para além do impacto atrás referido das questões energéticas no relacionamento internacional, o conceito de segurança energética passou a ter muito a ver com a segurança física de toda a cadeia de abastecimento; a ameaça é a da crescente possibilidade de atentados terroristas, como é, por exemplo, o caso da tentativa de atentado a instalações petrolíferas de Abqaiq na Arábia Saudita que felizmente foi possível fazer abortar. O problema, como é fácil de ver, é à escala mundial; não está restrito às instalações de produção; tem a ver com as estações terminais e, mais difícil do que isso, com todas as linhas de abastecimento. As terrestres – os oleodutos e gasodutos – parecem ser imediatamente as

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mais vulneráveis mas existem preocupações seríssimas em relação à segurança de alguns pontos focais das rotas marítimas, por onde transita a maior parte do comércio mundial de combustíveis (os Estreitos de Ormuz, Bab el Mandeb, Bósforo, Malaca, Gibraltar, etc.). A estimativa é que o problema pode aumentar de grau de dificuldade com o previsto crescimento do comércio por esta via; os actuais 40 milhões de barris que se estima transitarem diariamente por mar serão 67 milhões em 2020; o transporte de gás liquefeito, que é a resposta natural ao problema da vulnerabilidade dos pipelines, irá triplicar, segundo os peritos. Mesmo aos eternos optimistas será difícil negar que se estão a acumular mais do que suficientes ingredientes para uma possível crise à vista no sector energético: desequilíbrio entre a procura e a oferta em acentuação crescente, receios de esgotamento das reservas petrolíferas a prazo indeterminado, alta exagerada de preços, nacionalizações, instrumentalização da energia para fins políticos, insegurança física, etc. O primeiro grande desafio é não deixar que se combinem uns com os outros; o segundo é melhorar urgentemente a precária situação de segurança energética.

Helena Magalhães

I ZONA ECONÓMICA PRISIONAL: ARQUÉTIPO OU PARADOXO? I

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DEPOIS DE CONHECER UMA NOVA IDEIA,A MENTE DO HOMEM NUNCA PODE VOLTAR ÀS SUAS DIMENSÕES ORIGINAIS (Oliver Wendell Holmes Jr.)

No âmbito das reformas actualmente em discussão ou já em execução, encontra-se a do sistema prisional. No caso português, os movimentos sociais relativos à reforma deste sistema são normalmente desorganizados e quase exclusivamente observados quando existe a possibilidade de aplicação de uma medida de amnistia, perdão de penas ou clemência. Pois a reforma das prisões portuguesas está aí, com a relativamente recente possibilidade de criar parcerias públicoprivadas. Encontra-se em curso o estudo da hipótese de criação de uma Zona Económica Prisional. A questão é nova em Portugal, mas já foi implantada noutros países do Mundo. Empresas como as americanas Corrections Coporation of América (CCA) e a Wackenhut Corrections Corporations (WCC) são sobejamente conhecidas e administram actualmente estabelecimentos prisionais nos EUA, Canadá, Inglaterra, França, Alemanha, Austrália e Porto Rico, detendo ? do mercado global das prisões. A CCA é uma das cinco empresas mais bem cotadas na Bolsa de Nova Iorque. A matéria da privatização de prisões tem gerado, um pouco por todo o Mundo, fortes controvérsias, na medida em que põe em cima da mesa questões como domínio público e privado, exercício de funções públicas e intervenção do sector privado, soberania, cidadania, segurança. A segurança sempre foi uma necessidade sentida pelo Homem. A comprová-

lo está o agrupamento deste em comunidades, explicado essencialmente por razões de segurança. No entanto, o termo segurança nem sempre foi encarado como um bem a proteger, tendo a sua definição e estudo variado consoante os diversos momentos sociais, políticos e filosóficos. Numa definição aparentemente simples, pode definir-se a segurança como conceito relativo a “um mal a evitar”, donde decorre a noção de segurança como o estado de ausência de risco, de previsibilidade e certeza no que respeita ao futuro. Na política greco-romana, a segurança foi praticamente ignorada, pelo menos enquanto conceito objecto de estudo. Efectivamente, para os clássicos, a segurança decorria da própria organização política – a polis era intrinsecamente pacífica e a segurança uma consequência natural daquele estado de paz. A organização política encontrava-se estruturada em três pilares ou ordens: a primeira, simbólica, garantia a interligação entre Deus e o saber; a segunda assentava na segurança interna e externa; a terceira constituía a base da reprodução, entendida quer em sentido biológico, quer económico. A influência cristã veio cristianizar aquela visão tripartida da sociedade. Segurança e paz apareciam interligadas e traduziam-se na tranquilidade na ordem. A ordem não resultava apenas da força, mas sobretudo concretizava a justiça. É no Renascimento que a segurança passa a estar autonomizada enquanto fim da organização política, mas só no Modernismo o conceito de segurança passou a ser estudado enquanto intimamente relacionada com os conceitos de sociedade e poder. Hobbes, Locke e Rousseau explicam a relação destes três conceitos com base na teoria do pacto social: o

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Homem agrega-se por ter noção de que por si só, autoprotegendo-se, não atingirá a segurança, sendo então necessária a união, traduzida no conjunto de forças com um objectivo comum, único, a direcção suprema da vontade geral. Perante a convicção de que a segurança só pode ser conseguida através de um poder externo ao próprio Homem, surge então a figura do Estado monopolizador do poder coercivo. A segurança conhece uma nova perspectiva aquando da transição do Estado absoluto para o Estado constitucional (também conhecido como Estado liberal), especialmente marcada pelas revoluções americana e francesa. Esta última trouxe os ideais da liberdade, igualdade e fraternidade e o Homem passou a ser encarado como cidadão, titular de direitos (individuais) e deveres. Assistiu-se então ao estabelecimento do princípio da legalidade, bem como à separação da administração e da justiça. O Estado constitucional, inicialmente liberal, passa, já no século XX, a ser antes visto como um Estado social, em que direitos civis e políticos passam a coexistir com direitos económicos, sociais e também culturais. Este modelo de Estado, predominante no período chamado de Estado-providência, tinha por base a ideia de que os benefícios do progresso deveriam colocar-se ao serviço de todos os seus membros (especialmente dos mais desfavorecidos), visando assim construir uma sociedade mais justa. O Estadoprovidência é um Estado interventor, cabendolhe simultaneamente fornecer bens públicos e sociais e regular e estimular a actividade económica. Este forte intervencionismo económico e político teve o seu grande expoente depois da II Guerra Mundial, de forma a fazer face à necessidade de aumento da qualidade de vida, bem como de redução de conflitos sociais, através da concertação social.

Porém, face à incapacidade do Estadoprovidência de resposta adequada a diversos problemas, foram repensadas as suas origens e os seus fundamentos, e o Estado tornou-se menos interventor, embora mais regulador. Assim se chega até ao entendimento de que nem todas as necessidades públicas são levadas a cabo directamente pela administração, naquele que pode chamar-se de Estadoregulador, em que este delega nos particulares algumas funções, regulando todavia a forma como tal delegação deve ser efectivada. A governance actual tem que ser definida e prosseguida tendo em atenção a existência de uma crise de governabilidade, fruto do desgaste das tradicionais formas de acção estatais. Por outro lado, não pode deixar de ter presente a tendência para uma nova forma de governação, que se verifica pela Europa e países desenvolvidos fora dela. De forma a desempenhar as suas funções com eficácia e eficiência, o Estado tem vindo a desenvolver novas formas de gestão das organizações públicas. Falam diversos autores em quatro paradigmas reformadores: o da politização, o da privatização, o da medida do rendimento e o da função pública profissional. E é precisamente ao abrigo do paradigma da privatização que se caminha no sentido de atribuir ao sector privado um conjunto de tarefas antes exclusivamente públicas. Trocamse instrumentos típicos de direito administrativo pelos instrumentos próprios do direito privado, num processo reformador chamado de New Public Management, ou managerialismo, que foi iniciado nos EUA nos finais da década de 70 e se pauta pelo objectivo “menos Estado melhor Estado”. Surgem então as chamadas parecerias público-privadas (PPP), que designam uma forma de cooperação entre as autoridades públicas e os operadores económicos, a que os Estados recorrem cada vez mais, entre outros,

Segurança 121. ΘDefesa por motivos de constrangimentos orçamentais. Esta nova forma de cooperação pode ter por objectivo o financiamento, construção, renovação ou exploração de uma infra-estrutura, ou o fornecimento de um serviço. Em Portugal, as PPP encontram-se reguladas pelo Decreto-Lei (DL) n.º 86/2003, de 26 de Abril, recentemente alterado pelo DL n.º 141/2006, de 27 de Julho. A nível europeu, não existe nenhum quadro jurídico específico das PPP, estando a ser estudada a questão de saber se o Tratado que institui a Comunidade Europeia e seu direito derivado será suficiente para fazer face aos desafios destas novas formas de cooperação. De qualquer forma, obviamente que qualquer PPP levada a cabo nos países pertencentes à União Europeia deve ser sempre estudada e posta em prática de acordo com as regras e princípios do Tratado CE. O Fundo Monetário Internacional (FMI) defende as PPP em Portugal, alegando, por um lado, que uma maior utilização destas parecerias pode contribuir para aumentar a eficácia da despesa e realçando, por outro lado, a importância que deve ser dada aos riscos associados a este tipo de projectos, advertindo contudo ser necessário garantir que os mesmos sejam transferidos de forma adequada para o sector privado e registados com transparência nos orçamentos do Estado. Também a Comissão Europeia (CE) defende a adopção de PPP para o desenvolvimento de infra-estruturas na União Europeia (EU), na medida em que a sua implementação permite uma utilização mais eficiente do dinheiro dos contribuintes, bem como contribui para a realização do Programa de Iniciativa Europeia para o Crescimento, que visa a impulsão da evolução da economia europeia. São pressupostos da implementação das PPP: a avaliação prévia rigorosa das vantagens de tais parcerias; o confronto com

outras alternativas; a avaliação rigorosa dos custos envolvidos ao longo da duração da PPP; a repartição clara das responsabilidades e dos riscos; uma transferência efectiva de riscos para o sector privado ou social; uma limitação do risco público. Os objectivos: eficiência na afectação de recursos públicos; uma melhoria qualitativa e quantitativa; a transparência, de forma a permitir o controlo da sua execução. As PPP podem ser levadas a cabo sob diversas formas contratuais, de entre as quais o contrato de concessão e o de gestão. Consiste o primeiro no contrato de direito público pelo qual o Estado confia a um terceiro, em regra uma entidade privada, e durante um determinado prazo, a prestação de um serviço público, por sua conta e risco, nela se incluindo os investimentos necessários para a manutenção e/ou reabilitação do sistema. O concessionário é remunerado essencialmente através de taxas ou tarifas a pagar pelos utentes ou consumidores do respectivo serviço público. Já o contrato de gestão corresponde à figura contratual pela qual o Estado ou outra entidade pública transfere para uma entidade privada apenas as operações de gestão e manutenção do estabelecimento ou serviço público já em funcionamento, mantendo-se o risco por conta da entidade pública. O contrato estabelece a remuneração do gestionário, sendo que a cobrança de taxas ou tarifas, se a elas houver lugar, fica a cargo da entidade contratada, que o faz em nome próprio da entidade pública. É neste contexto que é lançada a discussão sobre a privatização dos estabelecimentos prisionais (EP), que, como qualquer outra medida política ou social, está longe de chegar ao consenso. A ideia já foi posta em prática nos EUA, Canadá, Reino Unido, França, Brasil e Austrália, embora sob diferentes regimes jurídicos. Factores como o aumento da população prisional, de que resulta uma

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sobrelotação dos EP, o custo crescente dos EP públicos, bem como a conjuntura política, social e económica, que como se viu favorece e potencia iniciativas de PPP, são alguns dos que levaram à privatização de tais estabelecimentos um pouco por todo o Mundo. Em Portugal já existe um exemplo de um EP com intervenção da esfera privada: o EP feminino de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, cuja gestão logística é efectuada em parceria do Estado com a Santa Casa da Misericórdia do Porto. Tem sido noticiado o decurso de estudos com vista a alargar este tipo de parceria a outros EP, salvaguardando sempre as forças de segurança e a reintegração social. Já foi publicamente declarada a intenção do Governo de deslocar para a periferia algumas prisões, como as de Lisboa, Coimbra e Pinheiro da Cruz, libertando as grandes cidades daqueles estabelecimentos, facilitando assim a permuta dos espaços em que os mesmos se encontram, em troca da construção de novos projectos. Conjuntamente, encontra-se em estudo a hipótese de atribuir a empresas de segurança privada algumas das funções dos guardas prisionais, sendo a vigilância uma dessas funções. Fala-se de uma Zona Económica Prisional, transformando os EP em entidades prestadoras de serviços, geridas em regime de parceria do Estado com operadores privados. Argumenta-se com vantagens para o Estado, para o sector privado e também para os próprios reclusos. Perante os aplausos dos adeptos da privatização, os defensores do estatismo não se conformam com a ideia de a iniciativa privada gerar lucro através do processo de cumprimento de penas de prisão e reintegração social. Do lado daqueles que defendem que o Estado não deve partilhar com o sector privado o exercício das suas funções tradicionais (pelo menos no que aos EP diz respeito), surgem inúmeros argumentos contra a matéria. Desde

logo, afirma-se que a privatização apenas serve para o Estado se libertar de tudo aquilo que não lhe dá lucro. Por outro lado, atentando na natureza conceptual de empresa, afirma-se que a privatização de EP não visa objectivos humanitários, mas sim e apenas a obtenção de lucro, o que equivaleria à (condenada) obtenção de lucro a partir da violência. Partindo desta ideia, a privatização de EP gerará, in limine, a visão de recluso, não como um cidadão que precisa de ser reintegrado na sociedade, mas sim como objecto de lucro, facilmente objecto de estigmatização. Sendo o recluso necessário ao sistema de produção, isso implica que se torna vital à obtenção de lucro a existência permanente e sistemática de trabalhadores, reclusos no caso. Ou seja, os EP deverão estar sempre ocupados, o que, maxime, exercerá pressões no sentido de manter e prolongar o tempo de prisão. Afirma-se ainda que a privatização das prisões atentará contra a dignidade humana do recluso, que assim verá limitado o direito inerente a cada cidadão trabalhador – o de rescindir o contrato de trabalho. Nesta medida, a privatização de EP conduz à institucionalização do trabalho escravo, sujeitando seres humanos com necessidades de ressocialização à obrigatoriedade de trabalhar para empresários privados. Igualmente existem inúmeros argumentos favoráveis à privatização dos EP e o ponto de partida de tais argumentos é assente para todos – o actual sistema prisional português, tal como foi concebido e se encontra actualmente em vigor, não funciona. As prisões estão realmente sobrelotadas, havendo casos em que a sobrelotação ultrapassa em 150% a lotação disponível. Ora, a sobrelotação, não só acarreta custos elevados ao Estado, como acima de tudo não contribui favoravelmente para a função de reintegração societária da pena, na medida em que, entre outras, gera más

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condições sanitárias e situações de tensão e agressividade e não permite um acompanhamento adequado do recluso no cumprimento da sua pena. Fala-se ainda em maior qualidade dos EP privatizados. Nos EUA, por exemplo, existe mesmo o sistema de certificação das prisões, que é feita através da American Corrections Associaton (ACA), que certifica de forma independente EP públicos e privados, utilizando um modelo semelhante ao conhecido “ISO”, amplamente utilizado para empresas privadas. Tal certificação atesta que determinada prisão cumpre padrões mínimos de qualidade de “operação, gestão e manutenção”. Dos EP públicos norteamericanos, apenas 10% foram certificados pela ACA, enquanto que no universo dos EP privados foram certificados 44%. Assim se salienta que a privatização de EP deverá sempre obedecer às cláusulas contratuais fixadas no contrato de parceria, cuja execução deverá ser constantemente verificada e auditada. Relativamente ao entendimento de que os EP geridos em PPP não é ético e de que prender cidadãos nesse tipo de estabelecimento é ilegal, os defensores daquelas parecerias respondem que o facto de um EP ser gerido em pareceria do Estado com o sector privado não representa diferenças relativamente aos EP públicos no que aos direitos do recluso respeita, que se mantêm exactamente os mesmos – os direitos previstos na Lei Fundamental, na lei penal vigente, e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Tal como, admitindo a hipótese de algumas das funções dos guardas prisionais serem atribuídas a vigilantes de empresas de segurança privada, estes terão que cumprir os mesmos deveres que aqueles cumprem, relativamente ao respeito pela integridade física e moral dos reclusos. De

resto, uma prisão em que os reclusos são maltratados é um barril de pólvora, pronto a explodir. E, em caso de rebelião no interior do EP, o uso da força policial pública deverá ser sempre efectivado. No que respeita à ideia de que a existência de EP privatizados conduzirão à pressão para que as penas de prisão se mantenham ou prolonguem, os adeptos das PPP nesta matéria respondem com a manutenção da execução da pena como competência pública, confiada a magistrados, independentes no exercício da sua profissão. Finalmente, os adeptos das PPP no sistema prisional português alegam ainda que estas permitirão uma melhor integração de condenados no mercado de trabalho, na medida em que, realizando-se tais parcerias, os parceiros privados, não só estarão em melhores condições de formar profissionalmente os reclusos, como ainda poderão vir a integrar parte deles, depois de cumprida a pena, nos quadros das suas empresas, aproveitando dessa forma a formação profissional que entretanto ministraram. Argumentos à parte, certo é que, por um lado, qualquer PPP no âmbito do sistema prisional português deverá ser, numa primeira abordagem, alvo de estudo pormenorizado, bem como, em fase posterior, concreta e correctamente delimitada em termos contratuais. O contrato de parceria poderá mesmo prever penalidades pecuniárias para o incumprimento das cláusulas contratuais, bem como a contratação de determinado tipo de seguros. Depois de posto em execução o contrato de parceria público-privada, o cumprimento rigoroso de tais cláusulas contratuais deve ser objecto de controlo permanente e eficaz. A possibilidade de determinadas funções actualmente da competência dos guardas prisionais serem confiadas a vigilantes, trabalhadores de empresas de segurança

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privada, deverá, também ela (e sobretudo ela) ser objecto de estudo detalhado, tendo sempre presente o facto de que no actual regime da actividade de segurança privada, aprovado pelo DL n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, entretanto alterado pelo DL n.º 198/2005, de 10 de Novembro, esta é uma actividade complementar da segurança pública, com funções essencialmente preventivas e dissuasivas da prática de crimes. Nos termos da Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP), aprovada pelo DL n.º 268/81, de 16 de Setembro, alterado pela Portaria n.º 401/88, de 24 de Junho, pelo Despacho Normativo n.º 114/92, de 3 de Julho, e ainda pelos DL n.ºs 10/97, de 14 de Janeiro, 257/99, de 7 de Julho, e 351/99, de 3 de Setembro, compete àquela Direcção-Geral “orientar os serviços de detenção e execução das penas e medidas de segurança, superintender na sua organização e funcionamento e efectuar estudos e investigações referentes ao tratamento dos delinquentes”. No que respeita, mais concretamente, às funções de vigilância e segurança dos EP, as mesmas estão a cargo da Divisão de Vigilância, Segurança e Logística, que se encontra compreendida na Direcção de Serviços de Vigilância, Acompanhamento e Segurança Penitenciária. Importa referir que, do pessoal penitenciário, o pessoal de vigilância é o mais numeroso: segundo informação oficial do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, em finais de Dezembro de 2004 os funcionários prisionais adstritos à vigilância eram cerca de 4000, num universo de 6000. A formação do pessoal de vigilância (bem como, de resto, dos restantes funcionários prisionais) é ministrada pelo Centro de Formação Penitenciária, que, dado o elevado número de

funcionários vigilantes, a estes dedica a maior parte da sua actividade. Numa eventual PPP no domínio da função de vigilância dos EP, importará ainda atentar na matéria da formação profissional, adequando e aprofundando a formação actualmente ministrada aos vigilantes trabalhadores de empresas de segurança privada, na maioria dos casos deficitária (quando não inexistente). Salienta-se também que, nos termos do Estatuto Profissional da Carreira do Corpo de Guardas Prisionais, aprovado pelo DL n.º 174/93, de 12 de Maio, alterado pelos DL n.ºs 100/96, de 23 de Julho, 403/99, de 14 de Outubro, e 33/2001, de 8 de Fevereiro, o pessoal da carreira do corpo da guarda prisional é considerado agente da autoridade, quando no exercício das suas funções, com direito ao uso e porte de arma, independentemente do seu calibre ou licença, de entre aquelas que o respectivo EP disponibiliza. Esta equiparação não tem paridade no actual regime da actividade de segurança privada, que como vimos tem um papel essencialmente dissuasor da prática de crimes, não concorrendo jamais com as forças de segurança. Em suma, o Estado e, em concreto, os sistemas e as organizações de segurança, devem adaptar a sua capacidade e formas de resposta às necessidades de segurança dos cidadãos e do próprio Estado, o que requer métodos de intervenção inovadores. É dado assente que, numa sociedade cada vez mais globalizada, a segurança constitui uma das prioridades do Estado, quer a nível interno, quer externo. E neste contexto actual, a segurança é cada vez mais um bem público que encontra novos actores sociais. A segurança desempenha um papel fulcral na liberdade e no progresso. Face ao aumento da criminalidade e da insegurança, cidadãos e instituições tornam-se cada vez mais interventores…e exigentes.

*Advogada. Jurista no Ministério da Administração Interna. Especialista em Segurança privada

I segurança autárquica e protecção civil I

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Vasco Franco

I “FORUM EUROPEU PARA A SEGURANÇA URBANA” I

Gilbert Bonnemaison é uma figura incontornável em muitos círculos políticos e académicos ligados às questões da segurança, em França e a nível internacional. Ex-maire de Epainay-sur-Seine, uma pequena cidade nos arredores de Paris, foi deputado durante vários anos e viu o seu nome associado a dois relatórios que constituem marcos importantes para a organização da segurança no seu país. Por incumbência do primeiro-ministro Pierre Mauroy, uma comissão de autarcas liderada por Bonnemaison elaborou, em 1982, um relatório sobre a segurança nas cidades, oficialmente designado “Face à la Délinquance: Prèvention, Rèpression, Solidarité”. Esse relatório assinala o momento de arranque de um processo de descentralização das políticas de segurança, dando origem à criação de conselhos de prevenção da delinquência a nível nacional, departamental e municipal, bem como ao modelo de “contratos locais de segurança” – contratos programa, entre o governo e os municípios, para o desenvolvimento de políticas concertadas de prevenção e combate à

criminalidade. O relatório de 1982 ficou conhecido por “rapport Bonnemaison”, sendo assim vulgarmente referenciado. O segundo relatório a que atribuem a mesma designação – distinguindo-os pela data ou pelo tema da cada um – foi apresentado em 1989, sob o título “La modernisation du service pénitentiaire”, tendo sido encomendado pelo governo francês na sequência de graves incidentes ocorridos nas prisões no ano anterior. O autor destes relatórios foi também presidente do Conselho Nacional de Prevenção da Delinquência e fundador e presidente de duas das mais importantes redes internacionais de investigação, intercâmbio e divulgação de experiências e conhecimentos emergentes em matérias relacionadas com a segurança: o “EFUS – European Forum for Urban Safety” e o “ICPC – International Centre for the Prevention of Crime”. Destinando-se este texto a dar a conhecer o EFUS, ou, na versão portuguesa, o FESU – Fórum Europeu para a Segurança Urbana, pareceu-me interessante começar por deixar uma referência ao seu fundador, incluindo

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também uma breve nota sobre o ICPC. O ICPC foi constituído em 1994, como associação internacional sedeada em Montreal, Canadá, reunindo duas dezenas de instituições de todos os continentes (agências e institutos das Nações Unidas, centros de investigação, associações de autoridades locais e outras entidades com trabalho nas áreas da segurança). É uma importante rede de pesquisa e troca de experiências, mantendo um boletim electrónico mensal, na sua página web (http://www.crimeprevention-intl.org/), organizando acções de formação, seminários, conferências e um colóquio anual sobre prevenção da criminalidade. De acordo com o seu programa de trabalho para 2006, o ICPC prepara um relatório internacional sobre prevenção da delinquência e segurança urbana, que deverá passar a ter periodicidade bianual. O Fórum Europeu para a Segurança Urbana foi criado por iniciativa de Gilbert Bonnemaison, adquirindo representatividade numa conferência realizada em Barcelona, em 1987, que juntou dezenas de cidades europeias, sob patrocínio do Conselho da Europa. Actualmente, com o estatuto de ONG de âmbito europeu, reúne cerca de 300 colectividades territoriais, municipais e regionais, de vários países, sendo um parceiro muito respeitado internacionalmente (recentemente recebeu o Prémio de Honra da agência Habitat, das Nações Unidas). Com sede em Paris e delegação em Bruxelas, o FESU é dirigido por um Comité Executivo que integra representantes de cidades e regiões da Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Hungria, Itália, Portugal e Reino Unido, liderado, desde 2003, pelo presidente do município de Bruxelas, Freddy Thielemans. O principal objectivo do Fórum centrase no reforço do papel das regiões e dos municípios na prevenção da criminalidade, no quadro da aplicação das políticas nacionais e europeias. É, de alguma forma, o mesmo

objectivo que animava as conclusões do “relatório Bonnemaison” de 1982, quando propunha uma reforma assente no estabelecimento de responsabilidades bipartidas entre o governo central e os municípios, sublinhando que uma política que tivesse por base o aumento do número de polícias e de lugares nas prisões não seria “nem suficiente, nem adequada, nem eficaz”. Esta continua a ser a convicção partilhada pela generalidade daqueles que fazem parte do FESU, os quais, não ignorando a importância do combate à criminalidade – muito presente também nos debates e nos documentos do Fórum –, favorecem as medidas de prevenção e as políticas de desenvolvimento social e económico que podem contribuir para atenuar as causas da delinquência. Contando com uma equipa técnica com uma dezena de especialistas que preparam as actividades correntes do Fórum (relatórios, publicações, seminários, conferências, projectos transnacionais), o FESU é capaz de mobilizar para as suas iniciativas centenas de peritos de todo o mundo, que integram uma rede constituída ao longo dos anos, nos universos da política, nos meios académicos, nos diferentes níveis das administrações públicas e nos centros de investigação especializados. Revendo as inúmeras publicações que o Fórum tem editado, podemos recuperar a memória de alguns temas tratados desde o princípio da década de 90: segurança e democracia; segurança e democracia sob pressão da violência; novas formas de delinquência urbana / novas formas de justiça; aproximação local ao crime organizado; polícias da Europa e segurança urbana; políticas de combate à exclusão social; cidades e pobreza; a terceira idade e a segurança urbana; violência de género; drogas e toxicomanias; prevenção da toxicodependência no ensino primário; o papel da escola na protecção dos menores; autoridade, educação, segurança; tráfico de seres humanos

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para a exploração sexual; contratos locais de segurança; eleitos locais e prevenção da criminalidade; novas profissões para a segurança; perfis, missões e perspectivas dos agentes locais de mediação social; o coordenador de política local de segurança; a segurança nos media; transportes urbanos e segurança; lugares sensíveis e insegurança: as grandes superfícies; organizar a segurança nos grandes eventos musicais; um estádio na cidade, a cidade no estádio – do mundial de futebol de 98 ao Euro 2000; Euro 2000: cidades contra o racismo; espaços culturais urbanos e segurança; segurança e urbanismo; práticas de segurança urbana. O Fórum tem estruturado redes de cidades que desenvolvem projectos transnacionais, com financiamentos comunitários, tem levado a cabo acções de formação e tem organizado grandes conferências internacionais cujas conclusões vão influenciando as políticas de prevenção e de segurança, não apenas a nível local, mas também junto dos governos, no Parlamento Europeu e mesmo em algumas instâncias das Nações Unidas. Neste momento, o FESU prepara uma nova conferência que decorrerá em Saragoça, entre 2 e 4 de Novembro, sob o lema “Segurança e Democracia: um bem comum”. Entre as iniciativas prévias à Conferência, o Fórum realizou uma audição no Parlamento Europeu, com a participação da Comissão das Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos, incidindo o debate na necessidade de definição de uma política europeia de prevenção. Uma das redes actualmente activas no FESU é a “Rede de Formação em Segurança Urbana na Europa”, envolvendo universidades, centros de investigação, organismos governamentais e parceiros privados, com o objectivo de facilitar a cooperação entre instituições implicadas activamente na formação no âmbito

da segurança. Uma das metas será a criação de um Master europeu em segurança urbana. Outro importante projecto em curso é designado “Democracy Cities & Drugs”, juntando, sob liderança do Fórum e com financiamento da Comissão Europeia, sete redes de instituições públicas e da sociedade civil, com o objectivo de promover respostas locais para os problemas do consumo de drogas, a partir das experiências das cidades e ONG’s participantes. Entre os parceiros deste projecto encontram-se duas entidades portuguesas: o Instituto da Droga e da Toxicodependência e a Câmara Municipal de Matosinhos. Para melhor atingir os seus objectivos e para poder chegar a um leque cada vez mais alargado de cidades, o FESU tem previsto, nos seus estatutos, a criação de fóruns nacionais, que se constituem como associações de direito privado nos respectivos países, ficando as cidades membros filiadas nas duas organizações. Em 1 de Setembro de 2005 foi constituído, na Câmara Municipal de Loures, o Fórum Português para a Segurança Urbana, juntandose aos fóruns belga, espanhol, francês, italiano e luxemburguês. O Fórum Português reúne actualmente doze cidades, a maior parte das quais inseridas nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Mais informações sobre o EFUS – European Forum for Urban Safety podem ser encontradas na sua página web: http://www.fesu.org/fesu/home.aspx.

*Deputado à Assembleia da República. Membro do Concelho Científico do OSCOT, Vice presidente do Forum Europeu para a Segurança Urbana.

Segurança 129. ΘDefesa

I tecnologias de segurança e defesa I

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Θ

I LOCALIZER, UM PROJECTO DE LOCALIZAÇÃO, GESTÃO E SEGURANÇA DE PESSOAS E BENS I

Em Portugal o factor prevenção não é valorizado pelas Seguradoras, valoriza-se isso sim o agravamento dos prémios pela ocorrência de acidentes....

Segurança 133. ΘDefesa

Como nasce o projecto “Localiser, Sistemas de Mobilidade”? O projecto Localiser nasce em 2004, quando tivemos a oportunidade de apresentar o projecto à PME Investimentos, tendo sido quase de imediato aprovado por esta, que se constituiu como o seu principal accionista. Vivemos numa época caracterizada por um aumento significativo do custo de alguns factores produtivos e de um crescente aumento da insegurança e tinhamos a clara percepção de que quer a nível das empresas quer ao nível das pessoas existem várias necessidades de gestão e segurança que estavam por satisfazer. Nesse sentido, o Sistema Localiser permitiunos lançar o Localiser Drivers e o Localiser Find Me, o primeiro destinado à localização, gestão e segurança de viaturas e bens móveis, o segundo tendo em vista a localização e segurança de pessoas, O que caracteriza o Sistema Localiser? O Sistema Localiser é baseado nos mais elevados standards globais de localização por satélite ( GPS ), que através das redes de comunicações móveis de alta disponibilidade, possibilitam a localização de pessoas e bens através da internet, de um telemóvel ou do acesso a um callcenter que funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano. A sua principal caracteristica é, desde logo, o facto de ser um sistema inteiramente Web based o que permite uma enorme mobilidade ao seu utilizador já que de qualquer parte do Mundo, desde que tenha acesso à Internet poderá gerir, controlar e localizar a sua frota, o seu funcionário ou o seu familiar. Quer o Drivers quer o Find Me permitem ainda, a recolha de posições de elevada

precisão, com grande regularidade; a difusão de alarme em situações de emergência: furto, assalto, acidente, problemas de saúde... O seguimento automático em tempo real, em situações de alarme; a visualização de posições obtidas num mapa de elevado detalhe, evidenciando o percurso efectuado, com indicação de hora, velocidade, direcções e nomes das respectivas vias e ainda a informação actualizada e permanentemente disponivel online. A quem se dirige e como caracterizaria o Localiser Drivers no que respeita ao factor Segurança? O Localiser Drivers tem como objectivo a localização, gestão e protecção de bens móveis, com especial acuidade para viaturas automóveis, quer sejam propriedade de Empresas quer sejam propriedade de particulares. O sistema tem assim uma dupla valência: ferramenta de gestão no que respeita a um apertado controle de custos e aumento de produtividade e factor indutor de segurança. Aliás, para nós, Localiser, o conceito “segurança” tem um sentido muito mais lato que a mera protecção e segurança física dos nossos clientes, embora esta nos seja particularmente querida. Numa altura em que abundam os casos de roubos, assaltos e “car jacking” é óbvio que o facto de a viatura e o seu condutor estarem permantemente localizados e poderem em caso de perigo accionar um botão de pânico que vai permitir mobilizar as autoridades competentes para irem em seu socorro faz do Drivers um recurso de emergência de enorme eficácia. Mas, a esta finalidade do Sistema, nós juntamos também a resultante da alteração de

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comportamentos de risco na estrada por parte dos condutores que sabem que estão “monitorizados”, em tempo real, no que respeita a velocidades, tempos e rotas por exemplo. A experiência internacional diz-nos que a mera instalação do sitema na viatura e a informação ao seu condutor das suas funcionalidades, faz descer em mais de 50% a probabilidade de ocorrência de acidentes e em mais de 80% a probabilidade de ocorrência de acidentes mortais. Aliás não é por acaso que em mercados como o Reino Unido, por exemplo, viaturas de empresas ou particulares que sejam portadoras de um sistema idêntico ao da Localiser, vêm o seu prémio de seguro reduzido, por vezes de forma substancial. E o Find Me, quais são as suas funcionalidades e a quem se destinam? O Find Me é um sistema extremamente versátil, já que o aparelho em si é muito parecido com um telemóvel: inclusivé apresenta duas teclas com dois numeros preprogramados, o que possibilita a sua utilização por públicos tão distintos como Forças de Segurança, Bombeiros, empresas de segurança e vigilância, crianças, pessoas que fruto de alguma enfermidade apresentam especiais cuidados de acompanhamento, etc... A inclusão do botão de pânico é aqui, mais uma vez, uma funcionalidade de extrema importância para garantir a segurança do seu portador. Aliás, queriamos aqui referir que a força GIPS da GNR está equipada com o sistema Find Me. Qual a estratégia comercial da Localiser’? Tendo em atenção que o negócio da Segurança é, sobretudo, um negócio onde a componente confiança é fundamental, na Localiser privilegiamos o estabelecimento de parcerias

estrategicas com individualidades e entidades de reconhecido mérito e/ou elevada capacidade comercial na indústria. A Localiser tem quase dois anos de vida, está a operar no mercado há pouco mais de um ano e já vai na 2ª geração do Drivers. Que desenvolvimentos se podem esperar no futuro breve? A nossa expectativa é de que o negócio da segurança passará pelo lançamento de produtos específicos, dirigidos a diferentes segmentos de mercado que, por sua vez, apresentam também necessidades diferenciadas e é nesse sentido que canalizamos todos os nossos esforços de «procurement». Esperamos num futuro breve proceder ao lançamento de uma nova geração de produtos de segurança que acreditamos irão conhecer um excelente acolhimento por parte do mercado.

INOTÍCIASI

”LABORATÓRIO” DE INVESTIGAÇÃO PURA E APLICADA OSCOT-OBSERVATÓRIO DE SEGURANÇA, CRIMINALIDADE ORGANIZADA E TERRORISMO O OSCOT – Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, foi constituído em Dezembro de 2004, com o objectivo de dar resposta à necessidade de articulação entre vários ramos do conhecimento e entre a teoria e a prática, tendo como finalidade desenvolver a investigação pura e aplicada no âmbito da segurança e a divulgação dos temas de criminalidade organizada e terrorismo como questões de cidadania, através, nomeadamente, de acções de formação, cursos, conferências e publicações. Da actividade realizada neste espaço de tempo destacam-se as seguintes iniciativas: - Curso “Terrorismo e terrorismos: as novas ameaças globais”, cuja duração foi de três semanas e já se realizou por três vezes, astrado em Direito e Segurança em parceria com a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e sob a coordenação científica dos Profs. Bacelar Gouveia e Rui Pereira, que se encontra a decorrer e conferirá os títulos de Auditor em Segurança e Mestre em Segurança; - Publicação da obra colectiva “As teias do terror – novas ameaças globais”, da autoria de Pedro Gomes Barbosa, Rui Pereira, José Manuel Anes, Miguel Sanches de Baêna e António Silva Ribeiro, dirigentes do OSCOT e docentes dos cursos supra mencionados. Para além desta ligação à Academia é frequente a participação de membros do OSCOT em seminários conferências e programas televisivos.

SEGURANÇA DA COSTA PORTUGUESA ESTAÇÕES DE VIGILÂNCIA PARA TRAVAR TRÁFICOS E IMIGRAÇÃO CLANDESTINA Basta o Governo português querer e a costa de todo o País pode ficar, em três meses, completamente “debaixo de olho”. Isto recorrendo a um modelo de vigilância e segurança já utilizado no sul de Espanha com bastante sucesso. É, de resto, uma aliança ibérica que está a apresentar este novo sistema de protecção em terras lusas. A Telcabo, através da sua participada Advanced Resources e no âmbito de um acordo com a espanhola Amper, deu assim a conhecer, segundo os seus representantes, “uma solução de protecção da costa marítima, para Portugal, que trará grande eficácia no combate a flagelos como o tráfico de droga e armas, a imigração ilegal em todo o território nacional e eventuais ameaças terroristas”. O sistema passa pela colocação estratégica de antenas com radares ao longo da costa portuguesa e, quando necessário, fazer deslocar Postos de Observação Móveis para locais estratégicos. Estes radares são altamente específicos, uma vez que conseguem detectar, a uma distância de 21 quilómetros, um

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alvo de meio metro. Esta precisão torna-se fundamental principalmente no combate ao tráfico de droga, já que os traficantes utilizam lanchas rápidas de pequena dimensão para transportarem a droga. Neste aspecto, tendo em conta que o sistema inclui câmaras de vigilância em todos os postos, mesmo que os traficantes se desfaçam da mercadoria, atirando-a borda fora, a acção ilícita, assim como os seus praticantes, ficam registados nas gravações, podendo estas servir de meio de prova em tribunal. Estas gravações são observadas nos Centros de Controlo, os cérebros do sistema. Aos computadores vão chegando as informações dos radares, dando as localizações exactas de qualquer objecto em movimento, seja por mar ou por ar. Com as coordenadas fornecidas pelos radares, os funcionários de serviço podem, depois, activar a câmara de vigilância que abrange o raio de acção onde o movimento foi detectado, para verificar se existe actividade suspeita. Em caso afirmativo, o alerta é dado, de imediato, às patrulhas, que procedem à detenção. Assim, numa palavra, o sucesso deste sistema passa por muita coordenação. Em Espanha, onde o sistema já está a funcionar, essa coordenação está já a dar frutos. Segundo estatísticas oficiais, a intercepção e captura de traficantes de droga aumentou de 20 a 95 por cento e no que respeita à imigração ilegal, o aumento foi de 45 a 99 por cento. Estas situações têm maior ocorrência no sul de Espanha, dada a proximidade com o Norte de África. Um risco de que Portugal não está isento. Muito pelo contrário, desde que o país vizinho adoptou este sistema de segurança, tem-se verificado uma deslocação das rotas de tráfico para o sul de Portugal, para a costa algarvia. Mais um motivo para a Advanced Resources insistir na necessidade de um programa de segurança como este para o nosso País. E tudo está já pensado, tendo Espanha como modelo, mas à escala de Portugal, que não dispõe de meios iguais. Assim, e fazendo contas por alto, a nível nacional, bastariam 10 a 15 estações para que todo o território fosse coberto. Para o Algarve, a zona que apresenta um maior perigo, os especialistas apostariam numa complementaridade com os postos móveis. De resto, uma alternativa que, para Portugal será a mais indicada, por questões monetárias e financeiras. Apesar de todos os radares, computadores e antenas, naturalmente que a acção humana é necessária para que o sistema funcione. A Brigada Fiscal foi já contactada, tendo a oportunidade de conhecer o sistema. Segundo a empresa, o programa é muito simples de se trabalhar, pelo que não são necessárias formações muito específicas. Contudo, disponibiliza acções de formação, assim como fornece todos os dados necessário, para que o grupo que opera com o sistema fique completamente autónomo, sem depender da Advanced Resources para qualquer questão que seja. A empresa garante ter condições para, em caso de o Governo se interessar pelo programa - algo que ainda não aconteceu -, conseguir ter o sistema operacional num espaço de três meses. Claro está que a qualidade paga-se e este sistema não será excepção. Os representantes das empresas preferem não adiantar números, mas avançam que estará na ordem dos milhões de euros, logicamente. Contudo, a convicção mantém-se: “Não é um gasto, mas um investimento.”

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“CIDADES E TERRORISMO: REDUÇÃO DE RISCOS E GESTÃO DA CRISE” SEMINÁRIO INTERNACIONAL

O Seminário Internacional “Cidades e Terrorismo: Redução de Riscos e Gestão da Crise”, organizado pela Universidade Nova de Lisboa, em colaboração com a Universidade Atlântica, teve lugar nos dias 26 e 27 de Outubro, integrado no projecto Cidades Contra o Terrorismo do Fórum Europeu para a Segurança Urbana (FESU) e patrocinado pela União Europeia.

PÓS-GRADUAÇÃO E MESTRADO EM ESTUDOS DA PAZ E DA GUERRA UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA

O terrorismo coloca sérias ameaças à segurança das sociedades democráticas e aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Torna-se, assim, imprescindível encontrar as respostas adequadas e concertadas a esta ameaça global das sociedades contemporâneas. O Seminário de Lisboa enquadra-se num conjunto de reuniões a realizar em várias cidades europeias que visam promover a reflexão sobre o fenómeno do terrorismo actual e a análise de práticas e métodos para redução dos riscos e dos impactos de uma eventual ameaça terrorista.

Desde o início desta década, a Universidade Autónoma de Lisboa vem realizando um trabalho sistemático de investigação e de formação no domínio dos estudos da paz e da guerra.

O Seminário decorreu em sessões plenárias, abrangendo vários temas centrais ao estudo do terrorismo, bem como o seu impacto na sociedade e nos cidadãos. Um painel de oradores e de comentadores nacionais e estrangeiros de renome apresentou comunicações e participou nos debates.

O evento contou com a participação de um bom número de: representantes do poder local e técnicos de autarquias com funções em áreas relacionadas com a segurança; elementos das forças e serviços de segurança e da protecção civil; elementos de organizações governamentais e nãogovernamentais; investigadores e especialistas universitários; estudantes e outros interessados nesta temática. Dado que este seminário decorreu em paralelo com o fecho da presente edição, a nossa revista conta publicar, no próximo número, um dossier alargado sobre os trabalho, nomeadamente as intervenções e os debates que animaram todos os intervenientes.

Uma Pós-Graduação em Estudos da Paz e da Guerra decorreu ao longo de dois anos, dando origem a um Mestrado com a mesma designação, oficializado por portaria do Ministério do Ensino Superior. Simultaneamente, desenvolveu-se um processo de investigação destinado a pesquisar temas como os novos conflitos armados ou o balanço da participação das Forças Armadas portuguesas nas missões de paz das Nações Unidas. Uma parte significativa dessa investigação foi tornada pública no Janus 2005 (“A guerra e a paz nos nossos dias”), anuário que a UAL co-edita regularmente com o jornal PÚBLICO desde 1996. O Mestrado em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais tem sido frequentado por dezenas de pessoas, tanto militares como civis, na sua maior parte oriundos de outras Universidades portuguesas, mas também alguns recém-licenciados em Relações Internacionais pela UAL, a par dos mais diversos profissionais que vêm frequentar esta formação avançada. Desde a primeira versão, é significativa a presença de elementos dos vários ramos das forças militares e das diversas forças de segurança. Este contacto com o meio militar teve um desenvolvimento da maior importância: a UAL celebrou protocolos, primeiro com a Força Aérea e depois com o Exército, de modo a incorporar os conteúdos de Mestrado no curso de promoção a oficial superior (no caso da Força Aérea) e no curso de

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Estado-Maior (no caso do Exército). Ambos estes cursos funcionam hoje no Instituto de Estudos Superiores Militares, onde se fundiram os institutos de altos estudos dos três ramos das Forças Armadas. Deste modo, os oficiais que frequentam os referidos cursos podem obter o diploma de uma PósGraduação conducente a Mestrado e, subsequentemente, elaborarem a sua dissertação e alcançarem o grau de Mestre pela Universidade Autónoma de Lisboa. Semelhante projecção desta actividade universitária explicase porventura pela própria natureza dos temas propostos. Com efeito, a opção pelos estudos da paz e da guerra tem em conta que as realidades aconselham uma revisão do pensamento estratégico convencional e que há vantagem em articular essa reflexão com os chamados “peace studies”. Há profundas alterações na natureza dos conflitos armados e, em geral, no uso da violência nas relações entre as comunidades humanas. A regulação das relações internacionais e a “agenda para a paz” estão na ordem do dia. Está em curso o que alguns designam “revolução nas questões militares”, ao mesmo tempo que as normas do direito internacional se vão impondo laboriosamente, apesar de tantas vezes violadas. A promoção da paz é hoje uma tarefa de toda a comunidade internacional, desde os organismos multilaterais até cada uma das nossas sociedades. A diplomacia preventiva, a gestão de crises, a mediação de conflitos, a reconstrução de sociedades afectadas pela violência armada – tudo isso são dimensões de novos saberes e de novas práticas. Parece ser na junção destas problemáticas que está o interesse específico do projecto levado a efeito pela UAL.

AGÊNCIA EUROPEIA INAUGURADA OFICIALMENTE EM LISBOA SEGURANÇA MARÍTIMA

Cerimónia contou com José Manuel Durão Barroso e José Sócrates, que esperam ver os mares europeus mais controlados a todos os níveis Portugal tem, a partir de agora, a responsabilidade de albergar a sede da Agência Europeia de Segurança Marítima (EMSA). Inaugurada oficialmente a 14 de Setembro, a agência presta auxilio técnico e científico aos EstadosMembros e à Comissão Europeia, em matéria de segurança marítima e de prevenção da poluição pelos navios, quer pela elaboração da legislação quer no controlo da sua execução e eficácia. Na cerimónia estiveram presentes o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, o comissário europeu dos Transportes, Jacques Barrot e o Primeiro-

Ministro português, José Sócrates, que, de resto, deixou a promessa: “Tudo faremos para estar à altura e não nos pouparemos a esforços para o sucesso da missão.” A EMSA pretende contribuir para melhorar o sistema geral de segurança marítima, diminuindo o risco de acidentes, poluição marítima causada por navios e perdas de vidas humanas no mar. Para que tal aconteça, Sócrates relembrou, no seu discurso, a necessidade de uma “forte componente preventiva e regulatória dos recursos marinhos”, de forma a que exista “um controlo dos diferentes tráficos e do combate à criminalidade no mar“. De resto, a segurança do tráfego marítimo nas águas europeias é fundamental, uma vez que 90 por cento das trocas comerciais entre a União Europeia e países terceiros se faz por via marítima. Desta forma, José Manuel Barroso considerou mesmo necessário o desenvolvimento de uma “política europeia marítima global”, com o contributo da EMSA. O presidente da Comissão Europeia recordou ainda que “metade dos habitantes da Europa vivem a menos de 50 quilómetros do mar” e que “as zonas marítimas sob jurisdição dos estados são mais vastas do que a superfície terrestre total”. Por outro lado, “as regiões marítimas contribuem, nos dias que correm, com mais de 40 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) europeu”. Prontos para a acção A EMSA dispõe de quatro navios antipoluição, prontos para agir no caso de um desastre ambiental nas costas europeias, uma atribuição que absorve mais de metade do seu orçamento. O organismo europeu dispõe de 44,6 milhões de euros para ser, também, o embrião de uma futura Guarda Costeira europeia. O Conselho Europeu de Transportes atribuiu-lhe competências no domínio da segurança marítima, nomeadamente no que respeita ao terrorismo, à implementação de medidas de maior segurança para a navegação costeira, à identificação de zonas de refúgio em caso de navios acidentados e à intervenção fiscalizadora em questões que envolvam descargas ilegais de navios em áreas territoriais. A EMSA foi criada na sequência do desastre com o navio Erika, em Dezembro de 1999, e, em 2002, com o Prestige. A sua vinda para Portugal foi negociada por António Guterres, em Dezembro de 2003. Para já, este organismo europeu vai trabalhar apenas com 35 funcionários, mas no futuro terá 200. Apesar de a inauguração oficial ter tido lugar em Setembro, a agência funciona em Lisboa desde Maio. Por enquanto em instalações provisórias, situadas na zona oriental da cidade. Para Dezembro de 2007 está já agendada a mudança, para um edifício de raiz que partilhará com o Observatório Europeu da Droga. Uma obra com custo orçado em 20 milhões de euros e que a Administração do Porto de Lisboa (APL) irá pagar, mas na expectativa de que o investimento seja amortizado em 25 anos.

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ONGD - AO SERVIÇO DE UMA ANÁLISE E VISÃO ABRANGENTES IPRIS – INSTITUTO PORTUGUÊS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E SEGURANÇA

No dia 22 de Março de 2002 era publicado, na III Série, nº 69 do Diário da República, o extracto dos Estatutos do Instituto Português de Relações Internacionais – IPRIS. Este facto foi o resultado de um trabalho de uma equipa que, durante vários meses, procurou dar forma a um projecto que se queria inovador, dinâmico e científica e metodologicamente correcto na área das Relações Internacionais. O IPRIS configuraria, assim, a forma de Organização Não Governamental de Cooperação para o Desenvolvimento (ONGD) declarada de utilidade pública, independente e sem fins lucrativos. Enquanto segunda Instituição portuguesa do género em Portugal, o IPRIS procurava, já em 2002, realizar os objectivos de investigação na área da segurança e das questões que marcam a política externa portuguesa e a política internacional, a que se propunha estatutariamente. Nos seus Estatutos, lê-se que «O IPRIS pretende abordar as grandes temáticas das Relações Internacionais numa perspectiva transversal, transnacional, multidisciplinar e, fundamentalmente, de segurança. Pretende-se introduzir na investigação das questões internacionais uma visão abrangente que permita antecipar as ameaças e incertezas que caracterizam a segurança internacional. Em última análise, a actividade central do IPRIS será a investigação conducente à produção de ideias, opiniões, teses, propostas e recomendações passíveis de servirem de matéria prima à reflexão política e académica, e de serem utilizadas nos processos de maturação e decisão política, económica ou social». Os trabalhos realizados de então para cá, as parcerias estabelecidas com entidades nacionais e estrangeiras e, por fim, a consciência de uma obra reconhecida pela qualidade e mérito próprio, são a essência que move uma equipa motivada há já cinco anos. Da actual Direcção constam João Domingues, Paulo Gorjão, Luís Ferreira, Maria do Céu Pinto e Viriato Soromenho-Marques.

Trabalhos realizados. O IPRIS tem desenvolvido um conjunto de trabalhos e actividades cujos objectivos buscam, acima de tudo, primar pela inovação e pela qualidade. Foi assim que, logo em 2002, o IPRIS deu início a um projecto de Cartografia Política com um planisfério sobre os «Conflitos Armados 2002». Este mapa, distribuído, naquela altura, pelo «Diário de Notícias» foi o primeiro de muitos trabalhos de cartografia, desenvolvidos e editados por este Instituto. Um ano depois foi publicado o mapa «Geopolítica do Médio Oriente», em Setembro de 2003, onde o IPRIS se propôs apresentar uma visão geoestratégica da região do Médio Oriente, procurando evidenciar o impacto que os recursos energéticos naturais exercem no equilíbrio de poderes, contribuindo ou pondo em causa a segurança regional. O alargamento da União Europeia, na vertente política, económica e de segurança foi o mote para uma nova colecção de quatro mapas publicados. Esta iniciativa de investigação e publicação de cartografia política disponibilizou um instrumento de avaliação fiável e global a um público demandante de um enquadramento científico e de fácil consulta sobre as mais diversas situações geopolíticas e geoestratégicas que fazem as parangonas das primeiras páginas de jornais. Esta iniciativa teve seguimento on-line. Através do seu site (www.ipris.org) – secção Conflitos – o IPRIS apresenta um mapa interactivo que assinala os conflitos armados activos, disponibilizando uma base de dados sobre os mesmos onde se pode encontrar informação sobre os casus belli, o tipo de incompatibilidade e os oponentes no conflito, os atentados terroristas ou os acordos de paz celebrados. O IPRIS presta, também on-line, um serviço diário de Clipping que dá conta do que de mais de relevante foi noticiado pela imprensa nacional e internacional nas matérias transversais que envolvem as relações internacionais. O Clipping é um dossier de imprensa disponibilizado gratuitamente e distribuído em PDF na forma de newsletter a quem o solicitar no site da revista do IPRIS, a «Política Internacional».

A revista «Política Internacional». O projecto editorial da revista «Política Internacional» data de 1990. Surgiu na época, tanto histórica como conturbada, do derrube do Muro de Berlim e de todas as convulsões sociais, económicas e políticas que marcaram indelevelmente aquela década.

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O final da Guerra-Fria, considerado o feito político mais marcante do século XX, já na altura tornava imprevisíveis todos e quaisquer cenários que tais evoluções poderiam assumir para Portugal, para a Europa a doze e para o novo mundo da novel política internacional emergente.

A revista «Política Internacional» foi, assim, um marco num país que despertava para as relações externas marcadas pelo ainda desordenado clima pós-imperial. Durante dezasseis anos, a «Política Internacional» marcou e valorizou o pensamento e a análise das relações internacionais e das ciências políticas em Portugal, tornando-se num instrumento indispensável para estudantes, jornalistas, docentes e decisores políticos.

Ao relançar a revista «Política Internacional» o IPRIS, em parceria com o CIDEC, promove, uma vez mais, o pensamento e a reflexão sobre os diversos temas que permeiam o panorama das relações internacionais. Hoje, como ontem, a «Política Internacional» é uma referência na análise dos assuntos internacionais, agrupando no seu corpo editorial os mais conceituados e prestigiados especialistas no panorama da análise científica e académica dos diversos assuntos transversais às relações internacionais.

Para melhor servir os seus leitores, a «Política Internacional» criou uma página de internet (www.politicainternacional.com) onde são disponibilizados em formato digital todos os artigos de todos os 30 números publicados até hoje. Este site conta, também, com uma «Agenda Internacional», que dá conta dos principais eventos nacionais e internacionais com particular relevância na área da política internacional.

O último número da «Política Internacional» (nº 30) espelha uma parte da tendência e da realidade geopolítica assente numa redefinição dos poderes regionais e mundiais. Assim, esta revista inclui um dossier sobre a China, intitulado «A China no século XXI» onde vários especialistas abordam diversos aspectos inerentes a este gigante asiático, numa perspectiva política, económica e social. Para além deste dossier, este número da «Política Internacional» comporta a abordagem de outras questões tais como o futuro da Europa, os serviços de intelligence, a NATO no Afeganistão, a geopolítica da SIDA e um artigo de teoria política sobre «Rousseau e o Projecto da Paz Perpétua».

O MEIO GEOGRÁFICO, OS POVOS, AS NAÇÕES E AS COMUNIDADES POLÍTICAS CENTRO PORTUGUÊS DE GEOPOLÍTICA

No Verão de 2005, foi instituído o Centro Português de Geopolítica – CPG, instituição da FEDRAVE – Fundação para o Estudo e o Desenvolvimento da Região de Aveiro e adstrita ao ISCIA – Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração. O CPG tem por objecto o estudo aprofundado da geopolítica, numa perspectiva científica moderna, contribuindo para o melhor entendimento das inter-relações entre a vida dos povos, das nações e das comunidades políticas com o meio geográfico. O caso português, no seu contexto regional e mundial, merece especial atenção. Estes objectivos enunciados serão alcançados, nomeadamente, com recurso à realização de cursos pós-graduados, congressos, seminários, conferências e debates; edição de textos e publicações; criação de bibliotecas, videotecas e mediatecas especializadas; projectos de investigação teórica e aplicada. São Membros Fundadores, por ordem alfabética: Prof. Doutor Horta Fernandes, Capitão-de-Mar-e-Guerra António Silva Ribeiro, Prof. Doutor Armando Marques Guedes, Prof. Doutor Armando Teixeira Carneiro, Tenente-Coronel Carlos Manuel Mendes Dias, Mestre Énio Curvo Semedo, Prof. Doutora Fantina Tedim Pedrosa, Major General José Manuel Freire Nogueira, Mestre Luís Leitão Tomé, Prof. Doutora Maria do Céu Pinto, Mestre Maria Francisca Saraiva, Prof. Doutor Miguel Monjardino, e Mestre Teresa Cravo, representando uma grande variedade de instituições de ensino superior. O CPG admite Membros Associados e Honorários. A presente presidência é exercida pelo general Freire Nogueira, sendo vice-presidente o Prof. Doutor Teixeira Carneiro. O CPG apoiou a reedição da conhecida obra do Professor Borges de Macedo, História Diplomática Portuguesa – Constantes e Linhas de Força – Um Estudo de Geopolítica, que há muito se encontrava esgotada. O CPG tem em preparação o seu primeiro Congresso para Janeiro/ Fevereiro de 2007 que coincidirá com o lançamento do primeiro número da revista Geopolítica, publicação que se pretende semestral. Encontra-se igualmente em preparação (lançamento previsto para Março/Abril) um Atlas dos Portos Portugueses de 1636, do cartógrafo português Pedro Teixeira, obra de grande beleza gráfica que conta com textos do Prof. Teixeira Carneiro, General Freire Nogueira, Prof. Rui Carita e Comandante Silva Ribeiro

I ESTANTE I

Ed. Economica, Paris, 2006.

Inside Terrorism – revised and

Knowing the Enemy – Jihadist

expanded edition, Bruce Hoffman,

Ideology and the War on Terror, de

Columbia University Press, New

Mary

da

Antecipando-se ao “Livro Branco da

York, 2006.

Universidade John Hopkins), Yale

Defesa” que sairá ainda este ano

University Press, New Haven &

(última versão saída em 1994), o autor

London, 2006.

propõe interessantes ideias para uma

Aguardada actualização de um livro

Habeck

(Professora

política integrada de Segurança e

fundamental sobre o terrorismo escrito por um dos mais eminentes

Debunking the 9/11 Muths – Why

Defesa e uma política antiterrorista

especialistas de contraterrorismo o e

Conspiracy Theories Can’t Stand Up

francesa. Le terrorisme en France

contra-insurgência que é Director da

To The Facts, ed. David Dunbar e

aujourd’hui, pequena obra concisa

Rand Corporation, de Washington

Brad Reagan, Hearst Books, N.Y.,

mas

D.C. e Professor na Universidade de

2006.

Heisbourg (Presidente do Inter-

muito

national

Georgetown.

útil,

Institute

de

for

François

Strategic

Uma investigação da popular ( e

Studies, de Londres e do Centre de

Homeland Security and Terrorism –

muito conhecida) revista Popular

Politique de Sécurité, de Genebra) e

Readings and Interpretations, coord.

Mechanics, com prefácio do Senador

Jean-Luc Marret (coordenador da

Russell Howard, James Forrest,

Senador John McCain. Para acabar

importante obra, de 2005, Les

Joanne Moore, Mc Graw Hiill, N.Y.,

de vez (?) com a vertente técnica da

fabriques du Jihad), ambos da

2006.

paranóia conspiracionista em torno do

Fondation

11 de Setembro – conspiracionismo

Stratégique, Éditions des Équateurs,

Exaustiva colecção de ensaios e

que nos EUA se situa normalmente

Paris, 2006.

artigos norte-americanos (alguns deles

na extrema-direita (ver o livro

já clássicos como o de Bruce

fundamental de Michael Barkun, A

Quand

Hoffman, “The Logic of Suicide

Culture of Conspiracy, publicado pela

Témoignages derrière les barreaux,

Terrorism” e o de Robert A Pape,

“University of California Press”, em

de Farhad Khosrokhavar (Director

“The Stategic Logic of Suicide

2003), mas que lá e noutras paragens,

de investigações da EHESS e

Terrorism”) sobre o temas:“Ameaça”,

Portugal incluído, transborda às vezes

célebre autor da obra de 2002, Les

“Áreas Específicas de Vulnerabilidade

para uma certa esquerda e, mesmo,

nouveaux martyrs d’Allah), ba-

na Segurança Interna”, “Respostas

para um certo islamismo...

seado em entrevistas realizadas nas

Nacionais e Locais à Ameaça”,

pour

Al-Qaida

prisões

la

Recherche

parle

francesas,



com

“Segurança Pública e Liberdades

Livre Gris Sur La Securité Et La

elementos da organização de Bin

Civis” e “Lições Aprendidas”.

Défense, do Gen. Loup Francart,

Laden. Ed. Grasset, Paris, 2006.

The State We Are In: Identity, Terror

evangélico. Outros interessantíssimos

nada mudou muito”, esta revista

and the Law of Jihad, ed. Aftab

artigos: “Porque é que a Al-Qaeda não

publica três artigos de reflexão sobre o

Ahmad Mlik, Amal Press, Bristol,

atacou outra vez os EUA”, “França e

11 de Setembro e suas consequências.

England, 2006.

os seus muçulmanos”, “Uma nova

De

guerra no mundo?”, etc.

intitulado “Quem matou o Iraque?”,

salientar

ainda

um

artigo

acerca da acção de Paul Bremer, e

Contém temas da maior importância, como “Cidadania islâmica na Grã-

Political Science Quaterly, vol. 121,

outro sobre os problemas da Arábia

Bretanha depois do 7/7” (Yahya Birt),

nº. 2 (Verão de 2006)

Saudita e a sua luta contra os islamistas: “O relógio do Rei”.

“A matança indiscriminada à luz dos textos sagrados do Islão” (Suheil

Publicada pela Academia de Ciência

Laher), “O mito de um Islão militante”

Política dos EUA, esta último número

Atlantic, vol. 298, nº. 2 (Setembro

(David Dakake), etc.

desta revista inclui três magníficos

de 2006)

artigos: “Escolhas trágicas na guerra The Secret History of al-Qa’ida,

contra o terrorismo: devemos nós

Abdel Bari Atwan, Saqi Books,

tentar regular e controlar a tortura?”,

London, 2006.

“O despertar da Defesa europeia” e “A racionalidade do Islão radical”.

Este número apresenta na capa a frase “Nós vencemos – uma nova estratégia na luta contra o terror” e publica no seu interior um longo trabalho de James Fallows, intitulado “Declarando a

Por um conhecido jornalista da TV

vitória” e referente à vitória contra o

britânica e norte-americana, a obra

Journal of Democracy, vol. 17, nº. 3

baseia-se em fontes directas e na visita

(Julho de 2006) – Publicação da

feita a Bin Laden, nas cavernas de

John Hopkins University Press,

Tora Bora.

terrorismo

número

salientamos

um

território

norte-

americano.

DSI Deste

em



Défense

&

Sécurité

Internationale, nº. 18 (Set. 2006),

Foreign Affairs- Vol. 85, nº. 5

importante “dossier” colectivo sobre

(Set./Out. 2006) –

como “Reformar a Intelligence” e um

Com o título de capa: “Tsahal – as

artigo intitulado “Valores universais e

lições do Líbano”, e, no interior artigos

democracia muçulmana”.

sobre “Qual o lugar das forças armadas

Esta magnífica revista do norteamericano

Council

on

na luta antiterrorista?”, “Desarmar o

Foreign

Relations, apresenta-nos um excelente

Foreign Policy nº.156 (Set./Out.

Hezbolah?”, “Hezbolah/Iran: a árvore

número que dá especial relevo ao tema

2006)

esconde a floresta?”, “Uma tecnoguerrilha teria derrotado o melhor

“Religião e Política externa dos E.U.A”,

centrado

no

“boom”

Com o título de capa “O dia em quer

exército do mundo?”, etc.

I declaração de princípios editoriaisI 1 – A SEGURANÇA e a DEFESA são dois vértices de um tríptico indissociável cujo terceiro vértice é a DEMOCRACIA, com os seus valores perenes e sagrados de Liberdade, de Justiça e de Tolerância.

2 – A SEGURANÇA é indissociável da DEFESA pois as necessárias - e por vezes urgentes - medidas securitárias (de informações, policiais, etc.), que é preciso tomar com determinação, podem ser complementadas por acções de DEFESA entendidas no sentido estrito – por exemplo as militares, desde acções limitadas de comandos, até às mais amplas, clássicas, tomadas em casos limites e adequadas à resolução dos problemas –, mas devem ser sempre complementadas pela DEFESA entendida no sentido lato que inclui boa Governação, Desenvolvimento, Diálogo e Cooperação internacionais.

3 – Se bem que centrada nos problemas de Portugal e dos países da CPLP, a “Revista de Segurança e de Defesa” não deixará de abordar questões do mundo latino-americano (com particular relevo para Espanha) e ainda os prementes problemas da bacia mediterrânica e das zonas adjacentes.

4 – Essencial para a SEGURANÇA e DEFESA de Portugal e da Comunidade Europeia é, em nosso entender, a cooperação transatlântica com os EUA e a solidariedade na luta contra as ameaças (novas ou velhas) à segurança internacional, nomeadamente o terrorismo, o crime organizado transnacional, a proliferação das armas de destruição massiva, etc.. As eventuais divergências de métodos e de concepções tácticas e estratégicas que possam existir entre a Europa e os EUA não devem levar a um diálogo de surdos e de costas voltadas, antes devem ser objecto de discussão franca e fraterna entre parceiros que têm valores civilizacionais comuns a defender – não contra os povos, não contra religiões, não contra civilizações, mas apenas contra as actividades criminosas de grupos e agentes radicais e violentos (e contra os países que eventualmente os apoiem) empenhados numa acção internacional terrorista e subversiva contra os povos e os Estados.

I assinaturas I Desejo subscrever a revista Segurança e Defesa por um ano (4 números), a partir do número……, incluindo já o custo de portes de envio via CTT.

…… Portugal: 20€ …… Europa: 20€ …… Brasil: 28€ …… África: 28€ …… Ilhas: 22.40€ …… Guiné Bissau, S. Tomé e Príncipe e Timor Leste: 22.40€

……Pretendo os seguintes números atrasados: ............................... ……Envio Cheque/Vale Correio Nº ....................Banco ...................... .......................................................no valor de .......................euros, à ordem de DIÁRIO DE BORDO - Consultoria e Gestão, Lda.

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