ESTRATÉGIAS BRASILEIRAS DE COMBATE À HOMOFOBIA NA ESCOLA (2004-2009)

May 27, 2017 | Autor: F. Fernandes | Categoria: Homofobia
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Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de 2010

ESTRATÉGIAS BRASILEIRAS DE COMBATE À HOMOFOBIA NA ESCOLA (2004-2009)1 Felipe Bruno Martins Fernandes2 Miriam Pillar Grossi3 Joana Maria Pedro4

Introdução – Pano de Fundo e Contexto da Homofobia no Brasil Como jovem pesquisador entendo-me como “tradutor cultural”5 e meu objetivo profissional é tornar possível alguma forma de inteligibilidade entre discursos de diferentes atores sociais envolvidos nas agendas políticas contemporâneas que lidam com temas de sexualidade e violência. Este trabalho é parte da pesquisa doutoral intitulada “Políticas educacionais de combate à homofobia no Brasil (2004-2009)” cujo objetivo é estudar como as violências infringidas contra homossexuais (homofobia) se tornam categorias de políticas públicas no Ministério da Educação do Governo “Lula” no período de 2004 a 2009. Podemos conhecer alguns desses atores no site da Pré-Conferência Be Heard6 quando, na página principal, os organizadores apontam “quem deve participar” do evento: HSH e Ativistas Transgêneros; Aliados de HSH e Transgêneros; Gerentes e Equipes de Programas de Prevenção/Cuidado;

Pesquisadores;

Artistas;

Educadores;

Profissionais

Médicos;

Escritores/Jornalistas; Especialistas em Construção de Habilidades; Profissionais da Justiça; Membros da Mídia; Gestores e Funcionários do Governo; Doadores/Financiadores; Legisladores; Voluntários; Representantes de Agências Governamentais/Multilaterais; Profissionais de Empresas. A complexidade em nosso campo acadêmico, que é também político, não é tarefa fácil e deveria ser tomada como séria quando relacionada com discussões complexas feitas atualmente em 1

Este texto é uma versão adaptada de apresentação oral feita na mesa redonda Anti-Homophobia Strategies na PréConferênca Be Heard, ocorrida em julho de 2010 em Vienna/Áustria. Como algumas falas/fragmentos de informantes/documentos são tradução da tradução pode haver diferenças em relação ao arquivo original. Agradeço especialmente Mohan Sundararaj e Rhon Reynolds, integrantes do Fórum Global de HSH e Aids (http://www.msmgf.org/), pelo convite para participar da pré-conferência. Agradeço os professores Peter Henry Fry e Rafael de La Dehesa. 2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). [email protected]. 3 Profa. do Departamento de Antropologia da UFSC. 4 Profa. do Departamento de História da UFSC. 5 EVANS-PRITCHARD. The Nuer: A Description of the Modes of Livelihood and Political Institutions of a Nilotic People. Oxford, England: Oxford UP, 1969. 6 A Pré-Conferência Be Heard antecedeu o Congresso Mundial de Aids 2010 discutindo temas relacionados aos homens que fazem sexo com homens (HSH) e a aids.

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vários lugares no mundo em relação a homofobia. Por isso o grande problema de nosso tempo, no meu ponto de vista, é fazer da agenda um discurso mais fluido capaz de correr livremente entre atores com diferentes perspectivas, conhecimento, trajetórias, contextos, dentre outros. Pensamos a homofobia numa perspectiva social. Apesar da homofobia ter emergido no senso comum norte-americano nos anos 1960 e transformada em categoria teórica na psicologia nos anos 1970, ela fora usada neste período para tratar de um tipo específico de “personalidade violenta”7. Nos 30 anos seguintes (1970-2000) foi incorporada em agendas políticas globais como um sistema de valores compartilhados8 que produz diferentes “hierarquias sexuais”9. A homofobia não é uma “natureza das coisas” ou uma “afeição”, mas a possibilidade de explicar alguns efeitos dessas hierarquias em diferentes contextos10. Para tal, a análise do sistema homófobico tem sido feita majoritariamente através do uso de alguns indicadores como violência letal, violência simbólica, exclusão, desigualdade e discriminação no trabalho, na escola, etc. Considero que a homofobia pode apenas explicar fenômenos sociais específicos se discutida paralelamente com valores particulares e visões de mundo e não como um conceito universal que tenha os mesmos significados em diferentes sociedades. Entendemos a homofobia como algo que não pode ser universalizado, tampouco pode ser usada no singular (devemos sempre pensar em “homofobias”); mas é imperativo que ela possa ser comparada para fins analíticos e políticos. Sexualidades brasileiras tem particularidades e semelhanças com sexualidades em outras sociedades. Homossexualidades brasileiras, por exemplo, são diferentes de homossexualidades norte-americanas no sentido de os Estados Unidos tem um grupo LGBT mais focado na noção de “comunidade”11 e no Brasil este grupo tem uma perspectiva mais “diluída” no interior de outros grupos sociais e identidades. Nos EUA as comunidades LGBT são “regiões morais”12 mas também “comunidades geográficas”13. Muitos de nós assistimos o filme Milk (2008) e aprendemos como Castro, uma rua de São Francisco, é reconhecida como um gueto, um espaço comunitário de gays e lésbicas desde os anos 1970. O casamento entre pessoas do mesmo sexo teve algum impacto nesta 7

FONE, Byrne. Homophobia: a history. Ontario/Canadá: Metropolitan Books, 2000. BORRILLO, Daniel. Homofobia. Espanha: Bellaterra, 2001. 9 RUBIN, Gayle. Pensando o sexo: >>>>>. 10 Ver JUNQUEIRA, Rogério. Homofobia: limites e possibilidades de um conceito em meio a disputas. Natal: Revista Bagoas, 2007, p. 1-22. 11 RUBIN, Gayle. Pensando o Sexo: Notas para uma teoria radical da politica da sexualidade, tradução de Felipe Fernandes, 2010 | DUBERMAN, Martin. Stonewall. New York: Dutton, 1993 | SCHULMAN, Sarah. Ties that Bind: familial homophobia and its consequences. New York: The New Press, 2009. 12 PARK, Robert E. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento social no meio urbano. In: VELHO, Gilberto (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. 13 MILLER, Vincent. Intertextuality, the referential illusion and the production of a gay ghetto. Social & Cultural Geography, v° 6, n° 1, fevereiro de 2005, p. 61-79. 8

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configuração, mas mantenhamos o foco no argumento do gueto14. O gueto norte-americano é parte do imaginário LGBT local acerca do espaço urbano15. No Brasil a situação é diferente. Quando digo que as homossexualidades brasileiras são mais diluídas argumento que a homossexualidade não é vivida como uma comunidade particular mas como uma população16. Como Néstor Perlongher aponta: No caso do Brasil Urbano, a inexistência de um processo de agrupação residencial da população homossexual no sentido clássico da noção de ‘guetto’ corresponde-se com um desenvolvimento ainda não monopólico das formas de ‘homogeneização’ dessas populações em benefício do ‘gay macho’ – como acontece nas cidades americanas (p. 61).17

Nesse sentido as homossexualidades brasileiras são vividas em vizinhanças mixtas de acordo com modelos específicos enraizados em diferenças de classe18. O gueto LGBT no Brasil é mais como uma “região moral” na qual os sujeitos das homossexualidades circulam, “caçam”, mas não vivem19. Peter Fry20 analisou os modelos de homossexualidade vividos no Brasil como hierárquicos e igualitários. O modelo hierárquico é aquele vivido em camadas populares nas quais a diferença entre “bicha” e “bofe”21 são pré-requisito. As diferenças entre estas categorias são baseadas em marcas na indumentária, no gestuário, entre outras. Importante ressaltar que no Brasil o bofe (ativo) não é sempre interpretado como homossexual22. O modelo igualitário seria aquele vivido em camadas médias e altas em que a “homossexualidade” é vivida e experenciada por homens que compartilham atributos comuns. O movimento LGBT brasileiro é estruturado e ativo e atualmente tem focado na agenda anti-homofobia como principal prioridade. Por 21 anos o Brasil viveu sob o regime de ditadura militar (1964-1985). Como o movimento LGBT brasileiro emergiu no seio da luta contra um governo autoritário, sua história é ligada aos novos movimentos sociais (feminismo, ambientalismo, movimento étnico-racial) e muito marcada por ideologias libertárias23. No momento da abertura 14

Vale mencionar a incorporação positiva do conceito de gueto, originalmente negativo e associado aos guetos judaicos destruídos pelo nazismo, pelo movimento LGBT norte-americano. 15 MILLER, Vincent. Intertextuality, the referential illusion and the production of a gay ghetto. Social & Cultural Geography, v° 6, n° 1, fevereiro de 2005, p. 61-79. 16 Como nos ensina Michel Foucault (2004), “população” é um conceito bio-político de controle e por isso está grifado em itálico como uma categoria nativa no campo das agendas políticas LGBT. 17 PERLONGHER, Néstor. O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1987. 18 FRY, Peter. Para inglês ver. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 19 PERLONGHER, Néstor. O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1987. 20 FRY, Peter. Para inglês ver. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 21 Este modelo é comparável com o dyke/femme norte-americano. 22 Tomando o risco de ser inocente, há um sentido de (BOURCIEU, 2008) nessa interpretação da homossexualidade, mas também é importante apontar para a existência de violência doméstica dentre os sujeitos das homossexualidades que também são guiados por valores do sexismo corrente. 23 TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. São Paulo: Max Limonade, 1986.

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política e fim da ditadura militar, nos anos 1980, a epidemia da aids atingiu o Brasil e desestabilizou as organizações, que tiveram que suspender a agenda de direitos civis para garantirem as respostas coletivas à aids24. Poucos foram os grupos que mantiveram a agenda de direitos nos primeiros anos da epidemia uma vez que a mídia, líderes religiosos, médicos e outros atores atacavam a homossexualidade e a resposta a aids não foi por eles refletida cientificamente, mas moralmente. O avanço da resposta no Brasil ocorreu no final dos anos 1980/início dos anos 1990 e envolveu um estratégia de incorporar ao conhecimento médico as atividades da sociedade civil e seus sujeitos25. No início dos anos 2000 os temas relacionados com a homossexualidade não eram tratados em apenas uma área. No governo brasileiro, os anos 2000 viram emergir temáticas relacionadas com a cidadania homossexual serem tratadas não apenas pelo Ministério da Saúde, como ocorrera nas duas décadas anteriores. A área de segurança pública se tornou central na agenda26. Um dos poucos grupos que manteve uma agenda de luta contra a violência durante os anos 1980 foi o Grupo Gay da Bahia, que tem coletado notícias e informações sobre crimes de ódio (especificamente violência letal) no país, e com base no trabalho deste grupo podemos afirmar que a cada dois dias uma pessoa LGBT é assassinada no país27. É importante mencionar que este trabalho indica que o assassinato destas pessoas foi motivado pela identidade sexual da vítima. “Nos primeiros dois meses de 2010 34 homicídios contra homossexuais já foram documentados”, disse Luiz Mott. A tendência mostrada pelo estudo é do aumento de casos desde os anos 1980 e não sua diminuição como uma interpretação ingênua dos avanços e conquistas da agenda LGBT poderiam apontar. Em 2002 a eleição do Partido dos Trabalhadores (PT) para o governo federal possibilitou deslocamentos fundamentais no tratamento da homofobia no Brasil. O governo anterior teve importantes avanços na área de saúde e no combate à aids nas populações LGBT e também foi responsável pela organização da delegação brasileira à Conferência de Durban. A preparação da delegação

e sua participação resultou na fundação do Conselho Nacional de Combate à

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CÂMARA, Cristina. Cidadania e Orientação Sexual: a trajetória do grupo Triângulo Rosa. Rio de Janeiro: Academia Avançada, 2002 | FACHINNI, Regina. Sopa de Letrinhas?: movimento homossexual e produção de identidades coletivas. Rio de Janeiro: Garamond, 2005 | BASTOS, Cristiana. Responding to Aids in Brazil. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, v° 1, n° 1/2, 2004. 25 BASTOS, Cristiana. Responding to Aids in Brazil. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, v° 1, n° 1/2, 2004. 26 RAMOS, Silvia; CARRARA, Sérgio. A constituição da problemática da violência contra homossexuais: a articulação entre ativismo e academia na elaboração de políticas públicas. Physis, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, 2006 | MOTT, Luiz. ASSASSINATO DE HOMOSSEXUAIS NO BRASIL: RELATÓRIO ANUAL. Grupo Gay da Bahia, 2010. Disponível em < http://comerdematula.blogspot.com/2010/03/ggb-divulga-relatorio-anual-dos-crimes.html >. Acesso em 28/06/2010. 27 MOTT, Luiz. ASSASSINATO DE HOMOSSEXUAIS NO BRASIL: RELATÓRIO ANUAL. Grupo Gay da Bahia, 2010. Disponível em < http://comerdematula.blogspot.com/2010/03/ggb-divulga-relatorio-anual-dos-crimes.html >. Acesso em 28/06/2010.

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Discriminação (CNCD) na secretaria de direitos humanos no Ministério da Justiça. Representantes LGBT tem assento nesse conselho, que lança o Brasil Sem Homofobia. O PT tem uma relação de proximidade com os movimentos sociais, especialmente em seu núcleo social. Esta relação entre estado e sociedade civil demanda processos de aprendizagem para ambos os lados. Representantes do movimento LGBT mainstream28 tiveram que entender como funciona o orçamento da união para que pudessem propor ações “mais concretas” no governo do PT. No momento em que o movimento LGBT entendeu o funcionamento da máquina pública, uma coalizão entre o estado e a sociedade civil lançou um programa de governo intitulado “Brasil Sem Homofobia” (BSH). Este programa foi lançado em maio de 200429. O BSH é a base que tornou possível que a homofobia fosse tratada não apenas pelas áreas de Saúde e Segurança Pública (eixo dos Direitos Humanos), mas também Educação, Cultura, Trabalho, Meio Ambiente, dentre outros campos de governança. O programa não foi implementado igualmente nas diversas áreas do governo. O Ministério do Trabalho, por exemplo, teve poucas e inefetivas ações. As áreas de governança com maior investimento foram Educação e Cultura, uma vez que Saúde e Segurança Pública já estavam consolidadas no momento de lançamento do programa. Rafael de la Dehesa30 acaba de lançar uma excelente análise sobre a área de Cultura. Educação é a área que estudo para minha tese e na qual focarei a partir de agora. Exemplos de boas práticas – Homofobia e Educação O BSH foi responsável por tornar a homofobia uma categoria amplamente usada na elaboração de políticas públicas no Brasil. Os objetivos para a área da Educação incluem: V – Direito à Educação: promovendo valores de respeito à paz e à não-discriminação por orientação sexual - Elaborar diretrizes que orientem os Sistemas de Ensino na implementação de ações que comprovem o respeito ao cidadão e à não-discriminação por orientação sexual. - Fomentar e apoiar curso de formação inicial e continuada de professores na área da sexualidade; - Formar equipes multidisciplinares para avaliação dos livros didáticos, de modo a eliminar aspectos discriminatórios por orientação sexual e a superação da homofobia; - Estimular a produção de materiais educativos (filmes, vídeos e publicações) sobre orientação sexual e superação da homofobia; - Apoiar e divulgar a produção de materiais específicos para a formação de professores; - Divulgar as informações científicas sobre sexualidade humana;

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RAMOS, Silvia; CARRARA, Sérgio. A constituição da problemática da violência contra homossexuais: a articulação entre ativismo e academia na elaboração de políticas públicas. Physis, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, 2006. 29 Devemos atentar para o fato de que no primeiro ano de qualquer governo no Brasil as ações implementadas foram elaboradas no governo anterior. Para maiores informações veja a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LOA) que regula o Plano Pluri-Anual do orçamento da união. 30 DEHESA, Rafael de la. Queering the Public Sphere in Mexico and Brazil: Sexual Rights Movements in Emerging Democracies. Durham: Duke University Press, 2010.

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- Estimular a pesquisa e a difusão de conhecimentos que contribuam para o combate à violência e à discriminação de GLTB. - Criar o Subcomitê sobre Educação em Direitos Humanos no Ministério da Educação, com a participação do movimento de homossexuais, para acompanhar e avaliar as diretrizes traçadas.

Foi criado o Grupo de Trabalho do BSH no MEC, constituído por representantes de várias secretarias do MEC, mas também por acadêmicos e ativistas LGBT, com o objetivo de monitorar sua implementação de acordo com as metas acima, encourajando a articulação de vários conhecimentos para criar um “enfrentamento”31 da homofobia nas escolas. Para que as políticas fossem eficazes muitas agências atuaram na criação de “indicadores de homofobia”. O lançamento do relatório “Juventudes e Sexualidades”32 em julho de 2004 teve um importante papel na agenda. O relatório ofereceu estatísticas sobre a relação entre sexualidades e escola, inclusive as homossexualidades. Os dados foram imediatamente incorporados nos discursos usados pelos sujeitos da política como possibilidade de construir e legitimar tais políticas. Também em julho de 2004 o MEC criou uma agência chamada “Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade” (SECAD). Esta agência implementa políticas para populações que não têm acesso a sistemas formais de ensino. Chamada de secretaria “caçula” do MEC por gestores, a SECAD parece seguir o slogan geral do PT no governo: “Brasil, um país de todos”. Como eu vejo, a SECAD é também uma resposta à plataforma histórica do PT na Educação. Tomando como base as políticas implementadas pela SECAD no combate à homofobia estas se enquadram em 4 categorias: formação continuada de professores, organização de seminários e eventos, criação de prêmios e concursos e, publicação de material didático-pedagógico. A formação continuada envolve o treinamento de professores através de cursos. Para a SECAD, os cursos de formação continuada são uma forma dos professores se “sensibilizarem” para o fato de que a educação é mais do que um processo formal de ensino e aprendizagem. Como uma notícia no sítio eletrônico da SECAD afirma: “um dos objetivos do curso é sensibilizar os professores na identificação de problemas relacionados com a violência [...] e conceder-lhes ferramentas para tomarem ações mais efetivas”. Em todos os cursos, segundo análise dos discursos do governo, o estado é responsável por equipar os professores com as ferramentas necessárias para agirem segundo os princípios dos direitos humanos. Os professores são entendidos como os atores que possibilitam o alcance de uma “educação para todos”. Como disse Matilde Ribeiro, então ministra da Secretaria de Políticas de 31

Um enfrentamento é, no discurso das políticas públicas brasileiras, coordenar articuladamente ações de uma temática em várias agências de governo. 32 ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary; SILVA, Lorena. Juventudes e Sexualidade. Brasília (DF): UNESCO; 2004.

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Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que se envolveu com essas políticas de educação: “os professores são a matéria desse processo... imersos em uma cultura de igualdade, [eles] produzirão mudanças na atitude dos estudantes, famílias e sociedade”. A segunda estratégia de combate à homofobia no MEC é a organização de Seminários e Eventos. Estes eventos tem múltiplos objetivos. Um deles é dar visibilidade a questões que deveriam ser incluídas no sistema educacional (como a homofobia); outro é estabelecer metas para as políticas públicas. Estes eventos se tornaram um lugar chave no estabelecimento de ligações entre gestores, especialistas e outros representantes da sociedade civil. Além da organização de eventos, os profissionais da SECAD também participam de eventos organizados por outros setores. Por exemplo o ex-secretário da SECAD participou no 12º EBGLT33 em Brasília/DF em 2005: Infelizmente no campo da educação no país se fez um falso e perverso sinônimo. Se fez um sinônimo entre diferenças e desigualdades. Traduziu diferença em desigualdade e, portanto se fez o país, a sociedade e a escola intolerantes. Para poder viabilizar uma quebra com esta intolerância, é vital acabar com esse sinônimo. Entender que diferente não é igual a desigual e, mais do que isso, que para acabar com a desigualdade desse país nós temos que valorizar as diferenças. E valorizar as diferenças significa trazer para o eixo da educação a questão da diversidade étnico-racial, cultural, ambiental, regional e especificamente de gênero e orientação sexual.

A terceira estratégia é a organização de prêmios e concursos. Estas ações são desenhadas para estimular debates de forma que possam atingir uma população mais ampla que outras estratégias como a organização de eventos. Um exemplo é o “Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero”, aberto para quaisquer estudantes, da educação básica ao ensino superior que não é específico para o tema da homofobia. Premiou vários textos que abordavam os temas das homossexualidades. O Prêmio é organizado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e tem como uma de suas parceiras a SECAD. O objetivo do prêmio é “promover reflexões sobre as desigualdades de gênero nas escolas e universidades”. Ao promover a pesquisa e reflexão, os prêmios e concursos também ampliam a produção de conhecimentos sobre direitos humanos, gênero e sexualidade. A última estratégia é o desenvolvimento e publicação de material didático. Estes recursos são desenhados para extender os princípios de direitos humanos promovidos pelo governo federal na sala de aula. A SECAD produziu (e/ou financiou a produção de) livros, mapas, calendários, vídeos, sítios eletrônicos e módulos de aprendizagem. Barreiras na implantação de “boas práticas”

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Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Transgêneros.

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Vários atores estão envolvidos no desenvolvimento e implentação de políticas que transversalizam o combate à homofobia no MEC. Aponto três tipos como sendo os principais grupos que estão envolvidos. O primeiro é composto de gestores trabalhando na secretaria ou no governo. Os gestores estão diretamente envolvidos tanto no planejamento de longo prazo como na gerência diária da política educacional. O segundo engloba uma série de “especialistas” que ocupam posições em universidades ou ONGs. Estes atores são incorporados na política através de parcerias com a SECAD e tem papel fundamental no desenho de políticas e sua implementação. O terceiro envolve uma série de atores que variam daqueles pertencentes ao topo da hierarquia governamental a celebridades que não estão envolvidos diretamente no planejamento e implementação da política, mas que tem função importante na legitimação das políticas34. Esta constelação de atores é importante por refletir certas realidades sobre o desenvolvimento de políticas públicas no Brasil. A antropóloga Aiwa Ong35 tem demonstrado como, no contexto global contemporâneo caracterizado pela reestruturação neoliberal dos estados, vários atores sociais tem sido posicionados no desenvolvimento e implementação de estilos de governança de forma que são tanto articulados com o estado-nação como também ocupam lugares não supridos pelas agências estatais. Neste sentido proposto por Ong estes vários atores sociais, particularmente ativistas e acadêmicos, tem sido incorporados nas políticas de combate à homofobia no MEC. Estes diferentes atores sociais incorporados na política, como sugerido por Ong, estão articulados com, e em parte respondem a, agendas globais (dependendo do papel que desempenham). Ao mesmo tempo é importante reconhecer que estes atores não são meramente sujeitos moldados pelas estruturas nacionais e globais, mas agentes ativos36 que ressignificam estas agendas na prática cotidiana. Mais do que isso, o curso das políticas de combate à homofobia no Brazil também refletem “tensões produtivas” dentre os atores e instituições envolvidas. Estas tensões produtivas

envolvem

tanto

as

rivalidades

institucionais

como

diferenças

conceituais.

Conceitualmente elas refletem as diferentes visões de mundo que guiam as ações de ativistas, gestores e acadêmicos, que, cada um, propõem ações que consideram mais eficazes baseados em suas pressuposições. Rivalidades institucionais envolvem competição por recursos. 34

Percebo que há um sistema de prestígio social nas políticas que funciona com atores vinculados direta e indiretamente na política Este tema sera densificado na tese de doutorado. 35 ONG, Aiwa. Neoliberalism as Exception: mutations in citizenship and sovereignty. Durham e London: Duke UP, 2006. 36 ORNTER, Sherry. Poder e Projetos: Reflexões sobre Agência. In: GROSSI, Miriam Pillar; ECKERT, Cornélia; FRY, Peter (orgs.). Conferências e Diálogos: saberes e práticas antropológicas. Blumenau: Ed. Nova Letra, 2006.

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Conclusão Argumentamos que é impossível pensar a homofobia como algo global e universal sem a reflexão sobre os valores das sociedades e as visões de mundo envolvidas. As homossexualidades são também contextuais. Analisar as diferentes hierarquias sexuais produzidas contextualmente é o ponto chave nas reflexões sobre homofobia. A agenda anti-homofobia no MEC começou em 2004 com o lançamento do programa BSH, mas também com do relatório “Juventudes e Sexualidade”37 e a criação da “SECAD”. Estes foram os elementos que estruturaram a homofobia como uma problemática educacional no. A SECAD foi criada como uma agência de gerenciamento na qual ocorreu a consolidação da agenda antihomofobia e aparece como uma importante parte da história das políticas educacionais no MEC. Os papéis desempenhados por atores sociais e instituições envolvidos na agenda antihomofobia aparecem como centrais na análise do processo de elaboração de políticas públicas. Estes atores assumem diferentes tarefas no gerenciamento e desenho de políticas e também na garantia de aceitação e manutenção destas propostas na sociedade brasileira. É através da organização de seminários, prêmios e concursos, publicação de material didático mas principalmente na execução de cursos de formação de professores que uma agenda anti-homofobia existe no MEC. Entretanto a forma através da qual estas ações/estratégias são desenvolvidas e as diferentes parcerias que as executam constituem um foco de tensões produtivas. Penso que ainda não podemos avaliar o impacto das ações na transformação da realidade social. A transformação é o principal objetivo do programa BSH nos seus vários temas. Pude apontar algumas tensões e condições de possibilidade na história da elaboração de políticas no MEC e as formas que estas políticas tomaram e se tornaram possíveis. Neste sentido políticas de combate a homofobia estão sendo amplamente implementadas e executadas e a homofobia é, de fato, parte da agenda das políticas educacionais no Brasil. Bibliografia ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary; SILVA, Lorena. Juventudes e Sexualidade. Brasília (DF): UNESCO; 2004. BASTOS, Cristiana. Responding to Aids in Brazil. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, v° 1, n° 1/2, 2004. 37

ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary; SILVA, Lorena. Juventudes e Sexualidade. Brasília (DF): UNESCO; 2004.

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BORRILLO, Daniel. Homofobia. Espanha: Bellaterra, 2001. BOURCIER, Marie-Hélène. Technotesto: biopolitiques des masculinités tr(s)ans hommes. Cahiers du Genre, n° 45, 2008. CÂMARA, Cristina. Cidadania e Orientação Sexual: a trajetória do grupo Triângulo Rosa. Rio de Janeiro: Academia Avançada, 2002. DEHESA, Rafael de la. Queering the Public Sphere in Mexico and Brazil: Sexual Rights Movements in Emerging Democracies. Durham: Duke University Press, 2010. DUBERMAN, Martin. Stonewall. New York: Dutton, 1993. EVANS-PRITCHARD. The Nuer: A Description of the Modes of Livelihood and Political Institutions of a Nilotic People. Oxford, England: Oxford UP, 1969. FACHINNI, Regina. Sopa de Letrinhas?: movimento homossexual e produção de identidades coletivas. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. FONE, Byrne. Homophobia: a history. Ontario/Canadá: Metropolitan Books, 2000. FOUCAULT, Michel. Security, territory, population. New York: Picador, 2004. FRY, Peter. Para inglês ver. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. JUNQUEIRA, Rogério. Homofobia: limites e possibilidades de um conceito em meio a disputas. Natal: Revista Bagoas, 2007, p. 1-22. MILLER, Vincent. Intertextuality, the referential illusion and the production of a gay ghetto. Social & Cultural Geography, v° 6, n° 1, fevereiro de 2005, p. 61-79. MOTT, Luiz. ASSASSINATO DE HOMOSSEXUAIS NO BRASIL: RELATÓRIO ANUAL. Grupo Gay da Bahia, 2010. Disponível em < http://comerdematula.blogspot.com/2010/03/ggb-divulgarelatorio-anual-dos-crimes.html >. Acesso em 28/06/2010. ONG, Aiwa. Neoliberalism as Exception: mutations in citizenship and sovereignty. Durham e London: Duke UP, 2006. ORNTER, Sherry. Poder e Projetos: Reflexões sobre Agência. In: GROSSI, Miriam Pillar; ECKERT, Cornélia; FRY, Peter (orgs.). Conferências e Diálogos: saberes e práticas antropológicas. Blumenau: Ed. Nova Letra, 2006. PARK, Robert E. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento social no meio urbano. In: VELHO, Gilberto (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. PERLONGHER, Néstor. O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1987. RAMOS, Silvia; CARRARA, Sérgio. A constituição da problemática da violência contra homossexuais: a articulação entre ativismo e academia na elaboração de políticas públicas. Physis, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, 2006.

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RUBIN, Gayle. Pensando o Sexo: Notas para uma teoria radical da politica da sexualidade, tradução de Felipe Fernandes, 2010 de Thinking sex: notes for a radical Theory of the Politics of sexuality in Nardi, P. And Schneider, B. Social Perspectives in Lesbian and Gay Studies – A reader, London/New York, Routledge ed., 1998, pp 100-133. Disponível em: < http://www.miriamgrossi.cfh.prof.ufsc.br/zip/gaylerubin.rar >. Acesso em: 28/06/2010. SCHULMAN, Sarah. Ties that Bind: familial homophobia and its consequences. New York: The New Press, 2009. TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. São Paulo: Max Limonade, 1986.

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