ESTRATÉGIAS DE DECISÃO: Decida melhor com insights da Teoria dos Jogos

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Descrição do Produto

A maior parte delas é automática ou não exige muita reflexão. Mas, e quanto àquelas que merecem mais cuidado? É possível antecipar as reações dos outros? Se você se apoiar apenas em sua vivência, isso será o suficiente para decidir melhor? Você raciocina adequadamente ou é surpreendido por inúmeras variáveis? Com uma atitude inteligente e aberta para novos conhecimentos e técnicas, você poderá elevar a sua performance e tomar decisões difíceis com mais segurança. Por meio de uma série de analogias, jogos e histórias, este livro demonstra que a potência da Teoria dos Jogos pode ajudá-lo a decidir melhor e errar menos quando tiver de escolher qual caminho seguir em momentos importantes.

ISBN 978-85-921915-0-4 ISBN 978-85-921915-0-4

9 788592 191504

ESTRATÉGIAS DE DECISÃO

É apaixonado pelo tema de tomadas de decisão. Durante anos aprofundou-se em Teoria dos Jogos e suas aplicações no dia a dia e no mundo empresarial, publicando alguns textos em seu site. Agora, eles estão reunidos neste livro para fornecer ao leitor alguns insights para melhores decisões nos cenários de competição e cooperação.

Seu dia a dia é recheado de decisões.

FERNANDO BARRICHELO

Fernando Barrichelo é engenheiro pela Escola Politecnica da USP e possui MBA pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos.

FERNANDO BARRICHELO

ESTRATÉGIAS DE DECISÃO

DECIDA MELHOR COM INSIGHTS DA TEORIA DOS JOGOS

O autor deste livro, Fernando Barrichelo, encontrou John Nash, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia em 1994 por suas ideias que revolucionaram a Teoria dos Jogos, em duas ocasiões. O matemático norte-americano, que ficou famoso por ter sua história contada no filme  Uma mente brilhante (2002) no qual foi interpretado por Russell Crowe, impressionou o autor pela sua humildade – apresentou suas palestras com tranquilidade e foi solícito com todos que o abordaram para uma rápida conversa. A leitura desse livro pede uma postura tranquila como a de Nash: reconhecer que com um mínimo de conhecimento e métodos da Teoria dos Jogos você pode decidir melhor e errar menos em momentos que convém não improvisar.

A maior parte delas é automática ou não exige muita reflexão. Mas, e quanto àquelas que merecem mais cuidado? É possível antecipar as reações dos outros? Se você se apoiar apenas em sua vivência, isso será o suficiente para decidir melhor? Você raciocina adequadamente ou é surpreendido por inúmeras variáveis? Com uma atitude inteligente e aberta para novos conhecimentos e técnicas, você poderá elevar a sua performance e tomar decisões difíceis com mais segurança. Por meio de uma série de analogias, jogos e histórias, este livro demonstra que a potência da Teoria dos Jogos pode ajudá-lo a decidir melhor e errar menos quando tiver de escolher qual caminho seguir em momentos importantes.

ISBN 978-85-921915-0-4 ISBN 978-85-921915-0-4

9 788592 191504

ESTRATÉGIAS DE DECISÃO

É apaixonado pelo tema de tomadas de decisão. Durante anos aprofundou-se em Teoria dos Jogos e suas aplicações no dia a dia e no mundo empresarial, publicando alguns textos em seu site. Agora, eles estão reunidos neste livro para fornecer ao leitor alguns insights para melhores decisões nos cenários de competição e cooperação.

Seu dia a dia é recheado de decisões.

FERNANDO BARRICHELO

Fernando Barrichelo é engenheiro pela Escola Politecnica da USP e possui MBA pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos.

FERNANDO BARRICHELO

ESTRATÉGIAS DE DECISÃO

DECIDA MELHOR COM INSIGHTS DA TEORIA DOS JOGOS

O autor deste livro, Fernando Barrichelo, encontrou John Nash, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia em 1994 por suas ideias que revolucionaram a Teoria dos Jogos, em duas ocasiões. O matemático norte-americano, que ficou famoso por ter sua história contada no filme  Uma mente brilhante (2002) no qual foi interpretado por Russell Crowe, impressionou o autor pela sua humildade – apresentou suas palestras com tranquilidade e foi solícito com todos que o abordaram para uma rápida conversa. A leitura desse livro pede uma postura tranquila como a de Nash: reconhecer que com um mínimo de conhecimento e métodos da Teoria dos Jogos você pode decidir melhor e errar menos em momentos que convém não improvisar.

ESTRATÉGIAS DE DECISÃO

FERNANDO BARRICHELO

ESTRATÉGIAS DE DECISÃO

DECIDA MELHOR COM INSIGHTS DA TEORIA DOS JOGOS

© 2017 Fernando Barrichelo Produção editorial: Crayon Editorial Capa e projeto gráfico: Alberto Mateus / Crayon Editorial Ilustrações: Caio Cardoso Revisão: Gizah Garcia Leal, Lucimara Leal e Marina Constantino

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB8/9922 B269e Barrichelo, Fernando 1.ed. Estratégias de decisão: decida melhor com insights da teoria dos jogos / Fernando Barrichelo. – 1.ed. – São Paulo, 2017. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-921915-0-4 1. Estratégia. 2. Processo decisório. 3. Teoria dos jogos. 4. Pensamento estratégico. 5. Administração. I. Título. CDD 650 Índice para catálogo sistemático: 1. Estratégia: processo decisório 650 2. Administração 650

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reimpressa, reproduzida ou utilizada em qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico ou outro meio já conhecido ou que venha a ser inventado, inclusive fotocópias e gravações, ou em qualquer sistema de armazenamento ou recuperação de dados, sem a permissão por escrito da editora. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98)

A meus pais, minhas irmãs, minha esposa e meus filhos por me incentivarem a perseguir meu ideal

A emoção do ideal Quando orientas a proa visionária em direção a uma estrela, e desdobras as asas para atingir tal excelsitude inacessível, ansioso de perfeição rebelde à mediocridade, levas em ti o impulso misterioso de um ideal. É áscua sa‑ grada, capaz de te preparar para grandes ações. Cuida­‑a bem; se deixares apagar, jamais ela se reacenderá. E se ela morrer em ti, ficará inerte: fria bazófia humana. É dada a poucos essa inquietude de perseguir avidamente alguma quimera, venerando filósofos, artistas e pensadores, que fundiram, em sín‑ teses supremas, suas visões do ser e da eternidade, voando além do real. Os seres da sua estirpe, cuja imaginação se povoa de ideais e cujo sentimento polariza em direção a eles a personalidade inteira, formam uma raça à parte na humanidade: são os idealistas. Quem se sentir poeta, defi‑ nindo sua própria emoção, poderá dizer: o ideal é um impulso do espírito no sentido da perfeição. — Ingenieros, José. O homem medíocre. Rio de Janeiro: Livraria Tupã Editora, 1964, p. 14.

Sumário

Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

11

Apresentação • Decisões estratégicas e Teoria dos Jogos . .

19

PARTE 1

A lógica da competição . . . . . . . . . . . . . . . 41

1 • Pense à frente e raciocine para trás. . . . . . . . . .

45

2 • Conheça os verdadeiros incentivos do outro. . . . . .

65

3 • Racionalizando a irracionalidade . . . . . . . . . . . 85 PARTE 2

A lógica da cooperação . . . . . . . . . . . . . . . 97

4 • O Dilema dos Prisioneiros. . . . . . . . . . . . . . 101 5 • As duas soluções para a cooperação . . . . . . . . .

113

6 • Outros dilemas da cooperação. . . . . . . . . . . . 135

PARTE 3

Outras lógicas interessantes . . . . . . . . . . . . 147

7 • Ameaças críveis e navios queimados. . . . . . . . .

151

8 • O jogo do ultimato. . . . . . . . . . . . . . . . . 157 9 • O paradoxo do chantagista . . . . . . . . . . . . . 163 10 • O leilão do dólar . . . . . . . . . . . . . . . . .

167

11 • Competidores na mesma rua. . . . . . . . . . . . 173 12 • O jogo da divisão do bolo. . . . . . . . . . . . . . 177 PARTE 4

Inquietações finais. . . . . . . . . . . . . . . . 179

13 • As dificuldades da Teoria dos Jogos . . . . . . . . . 181 14 • As principais lógicas da Teoria dos Jogos. . . . . . . 193 PARTE 5

Apêndices para mentes curiosas. . . . . . . . . .

201

A1 • A cena do bar do filme Uma mente brilhante . . . . . 205 A2 • Meus encontros com John Nash . . . . . . . . . .

211

A3 • O que a Teoria dos Jogos está tentando conquistar. . . 219 A4 • Para atingir a paz não se pode fazer concessões . . .

227

A5 • O uso da Teoria dos Jogos . . . . . . . . . . . . . 231 A6 • A utilidade da Teoria dos Jogos. . . . . . . . . . . 235 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251 Indicações de leitura. . . . . . . . . . . . . . . . .

253

Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . 257 Sobre o autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263 Agradecimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . .

265

Índice remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267

Introdução

Caro leitor,

o seu dia a dia é provavelmente recheado de

decisões. Mesmo sem perceber, você decide o que vai vestir e comer, a que horas vai sair de casa em função do trânsito, se vai ao cinema ou a um restaurante, qual dos vestidos da vitrine vai comprar etc. No plano profissional, você decide qual reunião agendar primeiro, qual funcionário contratar, como dar uma má notícia ao chefe ou se deve abaixar preços para vender mais. Em todos os casos, como qualquer indivíduo, você usa modelos de decisão, mesmo que intuitivamente, avaliando prós e contras. O problema é que a maioria das pessoas não presta aten‑ ção suficiente em determinado tipo de decisão, as chamadas decisões estratégicas, principalmente em momentos de com‑ petição e cooperação. Ao não antecipar adequadamente a rea‑ ção dos outros, geralmente são surpreendidas, seus planos 11

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não se concretizam e elas perdem a oportunidade de tomar melhores decisões. Como solução, este livro apresenta uma forma mais orga‑ nizada de pensar as decisões estratégicas em seu dia a dia. Por meio de uma série de analogias, jogos e histórias, pretende ajudá­‑lo a sistematizar seu raciocínio intuitivo quando for ne‑ cessário prever reações antes de fazer uma escolha. Com isso, você poderá incluir poderosos modelos de decisão em sua caixa de ferramentas mental e aumentar sua capacidade de decidir com firmeza.

As decisões estratégicas Este livro trata de tomadas de decisão, mas não aquelas co‑ muns, como escolher um produto ao analisar os prós e contras de cada opção ou decidir se deve carregar um guarda­‑chuva analisando as nuvens. Escolher um carro pode ser mais com‑ plexo, já que envolve muitas variáveis, mas depende apenas de você e de suas preferências de preços, cores e acessórios, entre outros fatores. Na verdade, este livro trata de decisões estratégicas. Por exemplo, se você é dono de um comércio, decidir entre abaixar o preço das mercadorias ou investir em marketing para aumentar suas vendas depende de como seu concorrente irá reagir. Assim, as decisões estratégicas são a base para entender a competição e a cooperação – este tipo de decisão é complexo e exige um modelo de raciocínio muito mais estruturado. Perce‑ ba que competir ou colaborar são ações com finalidades opos‑ tas, mas as duas situações possuem algo em comum: em ambas 12

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existe um outro indivíduo a considerar, e o resultado – no caso, o sucesso ou o fracasso – depende da decisão das duas pessoas. Portanto, diferentemente de como escolher uma das calças da vitrine, o destino da viagem de férias ou a aplicação finan‑ ceira que trará mais rendimentos, nas decisões estratégicas o raciocínio correto não pode considerar apenas a sua preferên‑ cia, e sim a preferência do outro e as respectivas reações dele às suas ações. Em resumo, a decisão estratégica exige uma capa‑ cidade de avaliar todos os cenários e conseguir antecipar as es‑ colhas e reações dos concorrentes.

A sistematização do raciocínio Abordarei alguns conceitos óbvios, como “Pense nas suas possí‑ veis estratégias e antecipe as reações do adversário”. Ou ainda, “Coloque­‑se na posição do outro antes de tomar sua decisão”. Mas, por que alguém daria dicas tão óbvias assim? A resposta é: porque o óbvio nem sempre é simples. Para emagrecer, por exem‑ plo, é óbvio ser necessário ter uma alimentação correta e prati‑ car exercícios. No entanto, se fosse tão simples assim, não exis‑ tiriam tantas pessoas lutando contra a balança. É preciso muito mais do que dicas com frases feitas; é preciso um método. No caso da tomada de decisão sobre competição e coope‑ ração, mesmo sendo óbvio e intuitivo, deve haver a sistemati‑ zação do raciocínio. Os modelos apresentados neste livro (oriundos da Teoria dos Jogos, da Economia Clássica e da Eco‑ nomia Comportamental) fornecem insights extremamente poderosos para ajudá­‑lo na tomada desse tipo de decisão em seu cotidiano. Ao conhecer mais a lógica de algumas situações, 13

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é possível prestar mais atenção nas próprias escolhas e não co‑ meter erros comuns e evitáveis, além de aumentar seu poder de observação e análise. Assim, convido você a pensar em novas formas de racioci‑ nar por antecipação e prever reações. Ao longo deste livro, mostrarei vários conceitos que fornecem bons exemplos para a tomada de decisão sobre competir ou colaborar. Meu propósito é unificar alguns conceitos em uma moldura de raciocínio básica e simples de usar. Vou suprimir todo e qualquer formalismo teórico, dar muitos exemplos e fazer analogias. Na verdade, muitos dos insights apresentados aqui são intuitivos. O que pre‑ tendo fazer, portanto, é sistematizar o senso comum a ponto de torná­‑lo facilmente memorizável e transmissível.

Como este livro está organizado Apresentação • Decisões estratégicas e Teoria dos Jogos > explica a diferença da decisão estratégica das demais decisões comuns. Depois, faço uma analogia dessas decisões com “jo‑ gos” para introduzir conceitos da Teoria dos Jogos. Em seguida, mostro a importância dos modelos simplificados de decisão e como a Teoria dos Jogos pode ser uma boa ferramenta mental para raciocinar sobre competição e cooperação. Parte 1 • A lógica da competição > apresenta o primeiro conceito da Teoria dos Jogos: coloque­‑se na posição do concor‑ rente, pense à frente e raciocine para trás. Ao se deparar com uma situação de conflito, você deve entender as suas opções e as do adversário, os respectivos ganhos de cada escolha e 14

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assim decidir o movimento que trará o melhor resultado, con‑ siderando sempre as prováveis decisões do concorrente. O segundo conceito é igualmente importante e comple‑ mentar: saiba exatamente os incentivos e as motivações do seu concorrente. Se você quer maximizar o seu lucro financeiro, mas o seu adversário está interessado em aumentar a participa‑ ção no mercado dele, você precisa levar isso em conta; caso contrário, não estarão jogando o mesmo jogo. Descobrir todas as motivações, até as irracionais, faz parte do mapeamento da situação estratégica. Entender a lógica da situação ajuda a compreender, por exemplo, por que algumas negociações ganha­‑ganha aparen‑ temente óbvias não são concretizadas, por que multar os pais pelo atraso em buscar os filhos na escola não funciona e por que diversas outras ações não funcionam por não se pensar em to‑ dos os fatores envolvidos. Parte 2 • A lógica da cooperação > introduz um famoso jogo que representa bem o dilema entre cooperar e trair, chamado Dilema dos Prisioneiros. Esse “jogo­‑modelo” é uma das metá‑ foras mais poderosas da ciência do comportamento humano, pois inúmeros relacionamentos sociais e econômicos possuem a mesma estrutura de incentivos. O intrigante é que a melhor solução racional é trair, mesmo quando colaborar fornece me‑ lhor resultado a todos. Para sair dessa cilada, mostro duas formas básicas. A pri‑ meira é o uso de uma autoridade central que force os jogado‑ res a fazer as melhores escolhas. A segunda é transformar o jogo de jogada única em um jogo de infinitas interações. 15

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O relacionamento contínuo cria um mecanismo automático de cooperação sem necessidade de uma autoridade central, mas para isso é preciso empregar a tática do “Olho por Olho”. Quando existem múltiplos ou infinitos jogadores, os modelos ajudam a explicar, por exemplo, por que as pessoas gastam mais quando a conta do restaurante é dividida de forma igual e por que elas não se preocupam com o aquecimento global. Parte 3 • Outras lógicas interessantes > traz uma série de outros modelos de decisão. Um deles é o conceito de compro‑ metimento e ameaças críveis. Seja para competir ou colaborar, fazer uma sinalização das suas intenções de forma crível é uma das melhores formas de convencer seu interlocutor. Nessa par‑ te, mostro, por exemplo, por que com frequência ter menos opções é melhor do que ter muitas e por que os comerciais de TV são mais longos à medida que o filme avança. Parte 4 • Inquietações finais > discute algumas dificuldades da Teoria dos Jogos e por que poucas empresas a utilizam nas formulações estratégicas. Depois, forneço dicas para lidar com essas dificuldades, exemplificando como uso a Teoria dos Jogos no meu cotidiano e quais insights incorporei à minha caixa de ferramentas mental. Parte 5 • Apêndices para mentes curiosas > fornece infor‑ mações adicionais para leitores que querem se aprofundar no tema. Apresento algumas curiosidades, como o relato dos meus dois encontros com John Nash, um dos grandes pesquisadores sobre Teoria dos Jogos e que virou personagem do filme 16

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Uma mente brilhante, além de adaptações de importantes textos de outros professores renomados sobre o assunto. Obviamente, é importante reforçar que essa não é uma discussão finalizada – sempre haverá espaço para debate e ar‑ gumentação. Assim, meu objetivo é instigar sua reflexão: seja bem­‑vindo a esta jornada.

EXISTE UMA LÓGICA DAS DECISÕES?

Sabemos que a curiosidade é própria da infância. Quem nunca desmontou um brinquedo para ver o que havia dentro? Crescemos, viramos adultos e começamos a explorar temas mais complexos, como a estrutura do pensa‑ mento. Entender o mundo a nossa volta, portanto, faz parte da curiosida‑ de humana. Particularmente, gosto de questionar como os indivíduos to‑ mam decisões, desde as mais básicas (“levo ou não um guarda­‑chuva?”) até as mais complexas (“onde devo investir minhas economias em tempos de crise?”). Em outras palavras, isso é entender a lógica das decisões. Tecnicamente falando, lógica é a parte da Filosofia que estuda a estrutura dos argumentos. Ela foi criada por Aristóteles no século IV a.C. para estudar o pensamento humano; está relacionada com logos (razão) e é considerada a ciência do raciocínio. Assim, podemos dizer que a pa‑ lavra “lógica” está relacionada a uma maneira específica de raciocinar. É por isso que escutamos frases como “Isso nunca vai funcionar porque seu plano não tem lógica nenhuma”. Quando explicamos algo de forma coerente, dizemos que há lógica na explicação, ou seja, que faz sentido o raciocínio usado na argumentação. Algumas publicações utilizam “a lógica do” para explicar como al‑ gumas decisões são tomadas. O livro de Martin Lindstrom, por exem‑ plo, foi traduzido no Brasil como A lógica do consumo1 e explica por que LINDSTROM, M. A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre porque compramos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

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determinados produtos vendem mais do que outros e como o cérebro das pessoas responde aos estímulos da propaganda (note que mesmo decisões emocionais possuem alguma explicação coerente). O título ori‑ ginal do livro é Buy­‑ology. Perceba que o sufixo “logy” (como em biology), ou “logia” (como em biologia), representa as ciências que “explicam” um determinado assunto. Tim Harford, no livro A lógica da vida,2 mostra como motivos ocultos, no dia a dia, induzem a comportamentos aparen‑ temente irracionais. Segundo ele, todas as nossas decisões diárias in‑ cluem algum tipo de lógica, consciente ou não. Assim, quais seriam a lógica da competição e a lógica da coopera‑ ção? Para entender isso, é necessário capturar a essência da lógica das decisões estratégicas e, para isso, a Teoria dos Jogos possui muitos insights nesta direção.

HARFORD, T. A lógica da vida: descobrindo a nova economia em tudo. Rio de Janeiro: Record, 2009.

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Apresentação

Decisões Estratégicas e Teoria dos Jogos

No cotidiano das pessoas e dos negócios, há diversos mo‑ mentos em que se tem de tomar decisões. Imagine as seguintes situações: Lourdes quer comprar leite e precisa decidir se vai ao mercado mais perto, porém mais caro, ou ao mercado mais longe e mais barato; Carlos vai de ônibus ao trabalho e precisa decidir se leva ou não o guarda­‑chuva, decisão que depende da probabilidade de chover; Maurício é gerente do mercado A e precisa decidir se faz promoção de leite e guarda­‑chuva, deci‑ são que depende de prever como o concorrente, o mercado B, vai reagir. Vivemos tomando decisões sobre tudo. Algumas são sim‑ ples e imediatas; outras, complexas e pedem reflexão. Entre os vários tipos de decisão, neste livro abordo apenas as chamadas decisões estratégicas. Na literatura, percebe­‑se que a palavra 19

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“estratégia” possui diferentes significados para diferentes au‑ tores. No nosso caso, decisões “estratégicas” são como as que Maurício tem de tomar. Ele se encontra em uma situação estra‑ tégica, cenário em que a decisão de um afeta a decisão de outro, já que os resultados estão conectados. Se Maurício abaixar o preço do leite, e o mercado B não, ele será bem­‑sucedido, pois venderá mais. Entretanto, se Maurício abaixar o preço do leite, e em seguida o mercado B também, então ele não venderá mais – tudo depende da combinação de decisões.

O que é uma decisão estratégica Decidir significa fazer uma escolha, e escolher significa selecio‑ nar um item em um menu de opções. Em um restaurante, por exemplo, para decidir o que comer, é preciso solicitar o cardápio e escolher um dos itens do menu. Michael Allingham, em Choice Theory,3 apresenta os três tipos de escolhas que rodeiam o nosso cotidiano: (1) a escolha com certeza, (2) a escolha com incerteza probabilística e (3) a escolha com incerteza estratégica. 1.

A escolha com certeza ocorre quando os itens do menu de

opções são finitos, com preferências e consequências bem de‑ finidas e racionais. No restaurante, por exemplo, você pode escolher entre carne bovina, frango, peixe ou massa. A decisão até pode ser difícil (“Oh, céus, tudo parece bom!”), mas de‑ pende exclusivamente do seu gosto. Para aumentar os subsí‑ dios para a tomada de decisão, você até pode consultar o ALLINGHAM, M. Choice theory: a very short introduction. Oxford Univer‑ sity Press, 2002.

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D ecis õ es E stratégicas e T eoria dos J ogos

FIGURA A.1

Os três tipos de decisão

ESCOLHA ❶ ❷ ❸ Certeza Preferências definidas

Incerteza

Probabilística Estatística, utilidade esperada

Estratégica Interdependência das escolhas do outro FONTE: ALLINGHAM, 2002, COM ADAPTAÇÕES

garçom sobre o prato mais apreciado ou verificar indicações nas redes sociais. Outras escolhas podem ser menos triviais. Por exemplo, escolher um automóvel é uma decisão complexa pela quanti‑ dade de variáveis a considerar. Além do preço, devem ser con‑ siderados aparência, estilo, tamanho, motor, conforto, acessó‑ rios etc. Para complicar, sempre há um trade­‑off:4 nenhum carro possui exatamente todas as características que você de‑ seja. O carro A é mais barato, porém não possui um motor tão potente e alguns opcionais, como porta­‑treco para seus filhos. O carro B é mais caro, possui os acessórios desejados, mas não é vendido na cor que você gostaria, além de gastar mais com‑ bustível. Você pode criar um algoritmo (mental ou via compu‑ tador) para considerar todas as variáveis e pesos de importân‑ cia (suas utilidades) e criar um ranking. Trade­‑off é uma expressão em inglês que significa “ato de escolher algo em detrimento de outro”. Um trade­‑off se refere, geralmente, a perder uma qualida‑ de ou um aspecto de algo mas ganhar em troca outra qualidade ou outro aspecto.

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FIGURA A.2

Modelo para elencar atributos

Atributos

Carro A

Carro B

Preço

Nota 5

Nota 3

Motor

Nota 10

Nota 1

Conforto

Nota 2

Nota 8

Acessórios

Nota 4

Nota 5

...

...

...

FONTE: AUTOR

Entretanto, o exemplo do carro é uma decisão isolada – a decisão é só sua, não há interferência de outros no resultado. Por isso, por mais difícil que possa aparecer, a escolha com cer‑ teza é o tipo de decisão mais fácil entre os três tipos: depende apenas de você, suas preferências e seus modelos. 2.

A escolha com incerteza probabilística ocorre quando há certo

grau de probabilidade de ocorrer um evento. Aqui entram em ação alguns conceitos de risco, chance e utilidade esperada. Para deci‑ dir se sai de casa levando um guarda­‑chuva, você verifica a previ‑ são do tempo. Assim você pode decidir se corre o risco de carregá‑ ‑lo à toa se não chover, ou não o levar e ficar molhado se chover. Outros raciocínios similares são usados em jogos de azar ou loteria. 3.

A escolha com incerteza estratégica ocorre quando o resulta‑

do da sua decisão individual é dependente da decisão indivi‑ dual de outra pessoa. Talvez o exemplo mais simples seja o jogo do par ou ímpar. Você decide se quer par ou ímpar e precisa es‑ colher um número de 0 a 5. Como sabemos, não importa ape‑ nas o número que você escolhe, e sim o número que você e o seu adversário escolhem. O resultado depende da soma dos 22

D ecis õ es E stratégicas e T eoria dos J ogos

números de ambos os jogadores, e não apenas do seu número (seja par ou ímpar). Se você não quer depender da sorte, sua decisão depende da crença do que o outro jogador vai escolher. FIGURA A.3

Jogo do par ou ímpar Você Par Ímpar Par Ímpar

+ + + + +

Adversário Par Ímpar Ímpar Par

= = = = =

Resultado Par Par Ímpar Ímpar FONTE: AUTOR

O xadrez é um jogo mais sofisticado, mas possui a mesma dinâmica de raciocínio. Os bons enxadristas planejam várias jogadas à frente antes de tomar a decisão do próximo movi‑ mento. Não importa apenas uma jogada isolada, já que o resul‑ tado depende da reação do adversário.

Como conclusão, podemos dizer que uma decisão estratégica é aquela cujo resultado depende da com‑ binação de escolhas dos tomadores de decisão. Em outras palavras, dizemos que existe uma interde‑ pendência de decisões. Esse é o tipo de decisão que este livro aborda. Como você verá mais adiante, são nestas situações interativas que utilizamos a Teoria dos Jogos para analisar e obter insights. Você perceberá que estudar situações como essas melhorará seu pensamento es‑ tratégico, ou seja, sua capacidade decidir estrategicamente. Ob‑ serve os três exemplos a seguir. 23

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

A pergunta de Garrincha “O senhor já combinou com os russos?”. Você já deve ter ouvi‑ do essa célebre frase de Garrincha, famoso jogador de futebol. Provavelmente ele não sabia, mas estava raciocinando segundo a Teoria dos Jogos. Explico: conta­‑se que na Copa de 1958, an‑ tes do jogo contra a antiga União Soviética, o técnico brasileiro, Vicente Feola, reuniu os jogadores e reforçou a estratégia da partida. Segundo Nelson Correa,5 foi algo assim: No meio de campo, Nilson Santos, Zito e Didi trocariam passes curtos para atrair a atenção dos russos. Vavá puxaria a marcação da defesa deles, caindo para o lado esquerdo do campo. Depois da troca de passes no meio do campo, repentinamente a bola seria lançada por Nilton Santos nas costas do marcador de Garrincha. Garrincha venceria facilmente seu marcador na corrida e, com a bola dominada, iria até a área do adversário, sempre pela direita. Ao chegar à linha de fundo, cruzaria a bola na direção da marca de pênalti. Mazzola viria de frente em grande velocidade, já sabendo onde a bola seria lançada… E faria o gol! Garrincha, com a camisa jogada no ombro, ouvindo sem muito interesse a preleção, per‑ guntou ao técnico, em sua natural simplicidade: “Tá legal, seu Feola… Mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?”.

CORREA, N. “Esqueceram de combinar com o Lewis”. Pô, meu!, 11 out. 2008. Disponível em: . Acesso em 25 out. 2016.

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D ecis õ es E stratégicas e T eoria dos J ogos

Luis Nassif6 lembrou bem que “uma das características de qualquer ser humano racional, cartesiano, é a capacidade de prever as consequências de um lance jogado. Até Garrincha, gênio do fu‑ tebol e escasso em raciocínio, entendia que não existe tática eficien‑ te se não se prever qual será a reação do adversário. O famoso ‘já combinaram com os russos’ é um monumento à boa lógica.” Gar‑ rincha não foi nada ingênuo. Elaborar uma estratégia significa pen‑ sar em todas as suas opções, considerando as reações do adversário.

Analogia com o dilema da ponte Para introduzir o conceito da Teoria dos Jogos, Don Ross, no capí‑ tulo de Game Theory, no site da Stanford Encyclopedia of Philoso‑ phy,7 apresenta um exemplo interessante, o qual chamei de Dile‑ ma da Ponte. Imagine que você deseja atravessar um rio que possui três pontes. Assuma que é impossível atravessá­‑lo a nado ou de barco. A primeira ponte é conhecida por ser segura e livre de obstáculos; portanto, se tentar atravessá­‑la, você terá sucesso. A segunda ponte fica debaixo de um penhasco do qual, às vezes, caem pedras grandes. A terceira é habitada por cobras mortais. Agora, suponha que você queira ranquear as três pontes de acordo com a facilidade de passagem. Sua tarefa aqui é bastante simples. A primeira ponte é a melhor, obviamente, pois é mais segura. Para classificar as outras duas pontes, você necessita de NASSIF, L. “Serra: a herança de ser vitrine”. Blog Luis Nassif Online, 20 jul. 2010. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2016. 7 ROSS, D. “Game theory”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 9 dez. 2014. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2016. 6

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informações sobre o nível de segurança de cada uma. Se conse‑ guisse estudar a frequência de queda das pedras e o movimento das cobras durante algum tempo, você poderia descobrir que a probabilidade de ser esmagado por uma pedra na segunda ponte é de 10% e a de ser picado por uma cobra na terceira ponte é de 20%. Seu raciocínio aqui é estritamente paramétrico, pois nem as pedras nem as cobras estão tentando influenciar suas ações, por exemplo, ocultando padrões típicos de comportamento. É bastante óbvio o que você deve fazer: atravessar a ponte segura. Por enquanto, não há envolvimento da Teoria dos Jogos, apenas da Teoria da Decisão, com riscos e probabilidades. Vamos complicar um pouco a situação. Suponha que a pon‑ te das rochas está a sua frente, enquanto a ponte segura está lon‑ ge, a uma difícil caminhada de um dia inteiro. A tomada de de‑ cisão aqui é um pouco mais complexa, mas continua sendo estritamente paramétrica. Você teria de decidir se o custo da longa caminhada vale a pena ser trocado pelos 10% de chance de ser atingido por uma pedra. No entanto, isso é tudo o que você tem de decidir, e sua probabilidade de sucesso depende inteira‑ mente de você; o ambiente não está interessado em seus planos. Complicando mais um pouco a situação, acrescentamos um elemento que interage com sua decisão, tornando o proble‑ ma mais intrigante. Suponha que você é um fugitivo, e seu per‑ seguidor está do outro lado do rio com uma arma. Ele vai atirar em você apenas se ele o esperar na ponte que você atravessar; caso contrário, você consegue escapar. À medida que pensa qual ponte escolher, seu perseguidor está do outro lado tentando antecipar o seu raciocínio. Agora, parece que escolher a ponte segura seria um erro, uma vez que é 26

D ecis õ es E stratégicas e T eoria dos J ogos

exatamente onde ele vai esperá­‑lo, e sua chance de morrer au‑ menta. Então talvez você deva correr o risco de ser atingido por uma rocha, uma vez que as probabilidades ali são melhores. Mas espere... Se você chegou a essa conclusão, o seu perseguidor, que é tão racional e bem­informado como você, pode antecipar isso e o estará esperando se você escapar das pedras. Portanto, talvez você deva se arriscar com as cobras, que é o que o perseguidor menos espera. Mas, então, não... Se ele achar que você acha que ele menos espera que você escolha a ponte que tem cobras, então ele vai ficar mais convencido disso. Esse dilema, você percebe, é geral: você deve fazer o que o seu perseguidor menos espera; no entanto, qualquer coisa que você ache que ele menos espera, au‑ tomaticamente é o que ele vai esperar também. Você parece estar preso na indecisão. O que pode consolá­‑lo é que, do outro lado do rio, seu perseguidor enfrenta o mesmo dilema, incapaz de decidir em qual ponte esperar, porque, logo que ele imagina, comprometendo­‑se a uma, nota que se pode encontrar uma razão melhor para escolher outra ponte. FIGURA A.4

Esquema do dilema da ponte

Segura

Pedras rolantes, 10% de perigo Cobras mortais, 20% de perigo FONTE: AUTOR

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Exemplo de disputa de mercado Para fornecer um exemplo mais prático, imagine que em sua em‑ presa você tem dúvidas sobre a ação a tomar para aumentar o lu‑ cro: subir o preço, reduzir o preço para vender mais, lançar outro produto ou fazer uma campanha de marketing. Primeiro você pensa em reduzir o preço. Conhecendo a curva de demanda do seu mercado, você estima que, se abaixar os preços em 3%, sua receita subirá 7%, pois ganhará participação de mercado. Você calculou a relação de preço versus vendas e, consequentemente, a migração de consumidores do produto concorrente para o seu. Mas espere. E se seu concorrente reagir e também abaixar os preços na mesma proporção? Você descobre que, como con‑ sequência da estratégia dele, sua expectativa de ganho de 7% muda para uma perda de 5%. Não acontecerá como você pre‑ viu. Observe a figura abaixo. FIGURA A.5

Estratégia para aumentar o lucro Você

Mantém preço

Reduz preço Seu concorrente

Fica tudo como hoje

Mantém preço

Reduz preço

Você ganha 7% Ele perde 4%

Você perde 5% Ele ganha 2% FONTE: AUTOR

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D ecis õ es E stratégicas e T eoria dos J ogos

O resultado (ganho ou perda) de uma decisão depende obrigatoriamente da movimentação de vocês dois, tornando a tomada de decisão muito mais complexa. Com essas informa‑ ções e deduções, reduzir o preço não é uma boa estratégia. En‑ tão você pensa em fazer uma campanha de marketing. Começa outro ciclo de previsões: como ele vai reagir nesse caso?

Afinal, o que é Teoria dos Jogos? Perceba, mais uma vez, que em todos esses exemplos cada jo‑ gador precisou considerar a situação de outro ponto de vista que não o próprio. Cada um precisou tomar uma decisão, baseando­‑se nas próprias expectativas e também nas de ou‑ tros. Os casos descritos envolvem decisões interdependentes, uma vez que o resultado depende das escolhas que ambos fa‑ zem – é por isso que são chamadas de situações estratégicas e decisões estratégicas. Assim, não há a melhor escolha “inde‑ pendente” do que se pode fazer; cada um depende das decisões do outro.

Assim, formalmente falando, a Teoria dos Jogos é o estudo das tomadas de decisão entre indivíduos quando o resultado pretendido por cada um depen‑ de das decisões dos outros. Em outras palavras, a Teoria dos Jogos é um estudo sobre como antecipar a resposta dos outros ao que você fará quando simultaneamente estão pensando o mesmo sobre você. Ela aju‑ da a identificar as situações estratégicas de forma prática e 29

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

racional, além de propor uma solução conjunta e satisfatória para os jogadores (os tomadores de decisão). Como mostrou este último exemplo de disputa de merca‑ do, seguindo algumas dicas da Teoria dos Jogos, você precisa saber quais são os ganhos ou perdas de cada combinação e identificar os incentivos mais atraentes para seu adversário, consciente de que ele está imaginando quais são os seus ganhos para também tomar uma decisão. A melhor recomendação, portanto, é: antes de tomar uma decisão, coloque­‑se no lugar do concorrente e imagine qual seria a reação dele diante das ações e dos incentivos existentes. Simultaneamente, ele fará o mesmo em relação a você. Esse é um ciclo sem fim: você pensa que ele pensa que você pensa que ele pensa. Como você já deve ter percebido, a Teoria dos Jogos não se refere a videogames, nem mesmo à simulação de cenários em jogos de empresas. Utilizamos a palavra “jogos” porque um jogo possui exatamente essa característica – os jogadores bus‑ cam o melhor para si e há uma interdependência de estratégias que afetam o resultado final. Em outras palavras, várias deci‑ sões das nossas vidas se parecem com um jogo. Tecnicamente falando, considerando a Teoria dos Jogos como o estudo formal das expectativas racionais e consistentes que os jogadores têm sobre as escolhas dos outros, cientistas e “teóricos dos jogos” entendem que, para todo jogo (uma situação estratégica), sempre existe uma solução racional, isto é, a melhor ação disponível para ambos os jogadores. Até a década de 1940, nem os filósofos nem os economistas sabiam como encontrá­‑la matematicamente. Já na década de 1950, alguns pesquisadores, como John von Neumann e John Nash, deram grandes contribui‑ 30

D ecis õ es E stratégicas e T eoria dos J ogos

ções para a modelagem matemática desses cenários que fazem parte da maioria dos livros didáticos sobre Teoria dos Jogos. Entretanto, neste livro não abordo a modelagem matemá‑ tica. O mais importante do legado da Teoria dos Jogos é o racio‑ cínio de antecipação dos movimentos e o fornecimento de al‑ guns conceitos que ajudam a estruturar o pensamento, e assim identificar situações análogas em seu cotidiano para tomar me‑ lhores decisões. A Teoria dos Jogos atua como um modelo de decisão simplificado e útil – modelos mentais são importantes para organizar o raciocínio.

A importância dos modelos de decisão Sabemos que as tomadas de decisão nas situações da vida real são frequentemente muito complexas, diferente dos exemplos apresentados. Entretanto, teorias, em geral, oferecem modelos para lidar com essa complexidade. Pense por um instante no se‑ guinte: um modelo está para uma situação real assim como um mapa rodoviário está para a região que ele representa. Um mapa é uma simplificação, uma representação propositadamente esti‑ lizada que omite algumas características e destaca outras. Se ti‑ vesse todos os detalhes da região, seria tão complicado que não daria para entender e, portanto, seria inútil como mapa. Observe a diferença entre as duas figuras a seguir. A da es‑ querda é a imagem de um satélite (a realidade exata) e a da direi‑ ta é uma representação simplificada (mapa) das ruas e quartei‑ rões de uma mesma área geográfica. Qual delas é mais útil para se localizar ou aprender a ir até este local? Similarmente, muitos modelos de decisão são simplificações extremamente eficazes. 31

E S T R AT É G I A D E D E C I S ãO

FIGuRA A.6 Comparação entre imagem de uma região (satélite) e sua representação (mapa)

FONTE: GOOGLE MAPS

Na verdade, a complexidade é mais bem entendida quando analisamos seus componentes básicos Modelar é uma forma de testar ideias ao focar cada parte por vez, significa reduzir uma situação de interesse a sua essência Alguém poderia criticar o exercício de modelagem e simplificação dizendo que “o mundo é muito mais complexo que os modelos”. Mas isso é verdade devi‑ do à natureza de qualquer modelo, como afirma John McMillan no livro Games, strategies and managers.8 Um modelo não é ade‑ quado somente se ele distorcer a situação ou omitir algo muito crucial Nenhum cenário estratégico pode ser capturado total‑ mente por um modelo; o que se busca, como em qualquer teoria de administração, é encontrar princípios gerais 9 MCMILLAN, J Games, strategies and managers: how managers use game theory to make better decisions Oxford University Press, 1992 9 McMillan cita uma frase atribuída a Ronald Reagan: “Um economista é um profissional que vê algo na prática e se pergunta se funciona na teoria” Em outras palavras: dizer que alguma coisa funciona na prática e não na teoria sig‑ nifica que ela não foi totalmente compreendida Se um argumento não funcio‑ na em um modelo simplificado, então é provável que ele não seja válido em um modelo mais complicado 8

32

D E C I S õ E S E S T R AT É G I C A S E T E O R I A D O S J O G O S

FIGuRA A.7

Caixa de ferramenta do estrategista

FONTE: AUTOR

Se você observar bem, perceberá que para cada tipo de desenho ou pintura existem ferramentas mais adequadas; podemos citar lápis, giz, pincéis e outras dos mais variados ti‑ pos de formato e cor Na sua caixa de ferramentas, o grande artista sabe escolher qual delas usar em cada ocasião Similar‑ mente, o grande estrategista faz a mesma coisa: para cada pro‑ blema existe um modelo de decisão mais adequado, mesmo que usado apenas mentalmente Podemos dizer que todo estra‑ tegista possui uma caixa de ferramentas mental com vários mo‑ delos simplificados disponíveis para uma série de situações Muitos modelos simplificados de decisão atuam como um atalho mental Vou fornecer um exemplo pessoal Nossa vida é recheada de insights que, de repente, nos fazem ver uma situa‑ ção de forma diferente Eu tive um desses ao aprender o con‑ ceito de sunk cost em economia Sunk cost – custos afundados, 33

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ou irrecuperáveis – são aqueles gastos já realizados, que não podem ser mais recuperados. Resumidamente, os custos do passado não devem ser considerados nas decisões futuras.
 Esse estudo abriu meus olhos para as tomadas de decisão e, então, incorporei o conceito ao meu modelo de pensamento. Agora não fico mais com “peso na consciência” ao sair do cine‑ ma no meio de um filme chato só porque paguei um ingresso inteiro. Assistindo ao filme todo ou saindo do cinema antes, não vou receber o dinheiro de volta de qualquer maneira – é um sunk cost, dinheiro perdido, custo afundado. No momento da decisão (ficar ou sair do cinema), o que importa são as alternativas que me darão mais satisfação a partir daí (futuro): terminar de assis‑ tir ao filme, voltar para casa mais cedo, visitar uma loja que não daria tempo se ficasse no cinema, tomar sorvete etc. Esse e outros conceitos de economia, estratégia e teoria das decisões são uma espécie de regra de ouro em qualquer caixa de ferramentas mental. Em geral, conceitos simples e bem defini‑ dos estruturam a tomada de decisão de forma mais rápida, ser‑ vem como atalho mental e se tornam conselheiros internos que fazem as dicas serem transmitidas de forma mais didática. No caso do cinema, o conselho é simples: se o filme está chato e você tem coisa melhor a fazer, é perfeitamente racional sair an‑ tes de terminar a projeção. Afinal, um sunk cost não influencia sua decisão futura, não o deixa preso à decisão passada. Isso é um atalho mental bem apropriado. Sabemos que, no dia a dia, para tomar uma decisão, os ge‑ rentes já usam simultaneamente vários outros conceitos. Além do sunk cost, há ainda os conceitos simplificados como utilida‑ des esperadas, ranking de prós e contras, trade­‑off, custo de 34

D ecis õ es E stratégicas e T eoria dos J ogos

oportunidade, custo e benefício marginal, valor presente etc. Considere também teorias e ferramentas como elasticidade de preço e demanda, as Cinco Forças de Porter, Estratégia do Oceano Azul, entre outras.

Os atalhos mentais da Teoria dos Jogos A Teoria dos Jogos oferece atalhos semelhantes, mas especial‑ mente para situações relacionadas à competição e à cooperação. Assim, a Teoria dos Jogos é uma caixa de ferramentas com mode‑ los mentais que organizam o raciocínio, deixando­‑o mais rápi‑ do e direcionado para as decisões estratégicas. Após aprendê­‑la, você passará a ver os cenários de competição e cooperação com outros olhos, de forma bem mais estratégica e prática. Os conceitos da Teoria dos Jogos serão transmitidos por uma série exemplos, analogias, histórias e jogos fáceis de me‑ morizar e incluir na sua caixa de ferramentas mental, ajudando­ ‑o no processo de tomada de decisões. Esses exemplos propor‑ cionam a absorção mais rápida, clara e organizada dos princípios do pensamento estratégico. Vamos sistematizar a intuição em um formato bem mais fácil de analisar e recordar. Muitos des‑ ses conceitos e dicas parecerão senso comum. Alguém poderia dizer que não é preciso a Teoria dos Jogos para se chegar às mesmas conclusões: pensar no concorrente e nas suas possíveis ações e reações antes de agir parece ser muito intuitivo – “Todo mundo pensa assim, então por que precisaria da Teoria dos Jo‑ gos para uma atitude tão óbvia?”. Porque a Teoria dos Jogos oferece metodologias que organizam o seu raciocínio nos jogos do cotidiano com seu concorrente, chefe, subordinado, colega 35

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

de trabalho, cliente, fornecedor, vendedor, amigo, cônjuge, governo, consumidor e outros. Obviamente, decisões estratégicas nem sempre podem ser tomadas apenas usando a lógica, como nas ciências físicas, a exemplo das leis de Newton. Nas interações humanas, sempre haverá espaço para truques; um jogador com malícia irá inva‑ riavelmente ganhar de um lógico inocente no pôquer. Entre‑ tanto, é valioso incentivar uma abordagem científica quanto possível. Ciência é conhecimento organizado, feito para ser co‑ municado eficientemente. Assim, a ciência das decisões estra‑ tégicas pode ser aprendida por meio de um livro. O pensamento estratégico não é inato; essa habilidade tem de ser aprendida, praticada e aplicada. A Teoria dos Jogos oferece algumas dicas concretas para en‑ tender uma situação ao analisar as interações humanas e suas res‑ pectivas decisões, mesmo que de forma simplificada como um mapa – é um modelo de decisão com regras mentais bem defini‑ das. Ao nos ajudar a pensar sistematicamente, a Teoria dos Jogos nos dá um atalho para aquilo que os jogadores habilidosos apren‑ deram intuitivamente por meio de longa e custosa experiência. Não é possível oferecer respostas definitivas sobre como agir em dada situação, tampouco dizer aos gerentes como tocar os negó‑ cios. A Teoria dos Jogos não elimina a necessidade de conheci‑ mento e intuição adquiridos através da experiência, mas oferece boas dicas para entender os princípios do processo de decisão. Ge‑ rentes habilidosos e experientes entendem esses princípios intui‑ tivamente, mas não necessariamente de modo a comunicar o que sabem a outros. Por isso, um dos maiores benefícios da Teoria dos Jogos é oferecer uma linguagem para expressar esses princípios. 36

D ecis õ es E stratégicas e T eoria dos J ogos

O TEMA UNIFICADOR: PENSAR POR ANTECIPAÇÃO

No livro Superfreakonomics10 (segundo livro da série), Steven Levitt e Stephen Dubner relatam que o primeiro livro, Freakonomics,11 não tinha um tema unificador – era apenas uma coletânea de casos. Mais tarde, após comentários dos leitores, os autores perceberam que existia, sim, um tema comum: as pessoas respondem a incentivos. De fato, ambas as publicações abordam vários exemplos de incentivos não óbvios e os res‑ pectivos comportamentos das pessoas na vida real. Da mesma forma, eu também apresento uma série de histórias, modelos e jogos. Eu arriscaria dizer que o tema unificador deste livro é: a vida é um jogo; então, pense por antecipação. Você verá que uma série de comportamentos na tomada de decisões sobre competição e cooperação seguem um padrão lógico conforme alguns conceitos da Teoria dos Jogos. Todos os jogos e histórias deste livro referem­‑se à mesma mensa‑ gem: pensar antecipadamente para pensar em tudo. Apenas como um “aperitivo” sobre o que você irá ler nos próximos capítulo, tenha como exemplo o seguinte. Conhecer um jogo chamado “Dilema dos Prisionei‑ ros” ajuda a explicar diversas situações, como: por que muitas vezes as pessoas buscam a cooperação e não conseguem; por que as empresas entram em guerra de preços; quando dar gorjeta em um restaurante; por que muitas pessoas não ligam para o aquecimento global nem para a economia de água; o papel da Lei Cidade Limpa na cidade de São Paulo. Em outro exemplo, o jogo chamado “leilão do dólar”, indica o melhor momento para mostrar comerciais de TV e por que muitos entram numa escala irracional numa negociação.

LEVITT, S.; DUBNER, S. Superfreakonomics: o lado oculto do dia a dia. São Paulo: Elsevier, 2009 11 LEVITT, S.; DUBNER, S. Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta. São Paulo: Elsevier, 2007. 10

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Teoria dos Jogos e o pensamento estratégico A decisão estratégica remete ao conceito de pensamento estratégi‑ co. Mas o que é pensamento estratégico? Ele envolve analisar os problemas e as oportunidades a partir de uma perspectiva am‑ pla, de longo prazo, e o impacto de suas ações sobre os outros e vice­‑versa. Não vou abordar profundamente o tema, mas você verá que a Teoria dos Jogos fornece alguns insights nessa direção. O pensamento estratégico é uma habilidade poderosa, que aumenta as chances de sucesso nos projetos profissionais e pessoais. Quando você pensa estrategicamente, gera benefícios importantes, como desenvolver planos de longo prazo com mais eficiência, antecipar resultados, avaliar se deve competir ou cooperar com concorrentes e visualizar toda a cadeia de reações para maximizar os resultados. Ainda é possível alinhar suas ações com as dos seus demais interlocutores, comunicar­ ‑se melhor e promover a cultura do planejamento. Muitas ferramentas e técnicas ajudam a desenvolver esse tipo de raciocínio mais analítico e estratégico. Como exemplo, existe um curso da Harvard Business School, chamado Strategic Thinking,12 que destaca as sete habilidades dos melhores estrate‑ gistas: entender o quadro geral (big picture); ter claro os objeti‑ vos estratégicos; identificar padrões, relacionamentos e tendên‑ cias; pensar criativamente; analisar informações; priorizar as ações e assumir os trade­‑offs. Já Denise Cummins, no livro Good thinking: seven powerful ideas that influence the way we think,13 STRATEGIC THINKING: Harvard manage mentor online module. Harvard Manage Mentor, 2010. 13 CUMMINS, D. D. Good thinking. Cambridge University Press, 2012. 12

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D ecis õ es E stratégicas e T eoria dos J ogos

apresenta sete métodos que ajudam a conquistar um melhor julgamento: escolha racional, julgamento moral, raciocínio científico, lógica, solução de problemas, raciocínio análogo e, não supreendentemente, a Teoria dos Jogos. Como a Teoria dos Jogos é um dos modelos de decisão que potencializa o pensa‑ mento estratégico, é chamada por muitos escritores de arte e ciência da estratégia. Geralmente esses cursos e publicações usam modelos men‑ tais muito bem estruturados. Nesse sentido, o objetivo deste li‑ vro é adicionar novos elementos ao seu pensamento estratégico. A Teoria dos Jogos é um grande exercício de pensamento estru‑ turado, é um pensar diferente sobre os cenários da vida. Como escreveu John Elster:14 A Teoria dos Jogos ilumina a estrutura das interações sociais. Uma vez que você vê o mundo através das lentes da Teoria dos Jogos – ou teoria das decisões interdependentes, como deveria ser cha‑ mada – nada mais parece o mesmo.

Finalmente, no exercício da reflexão, compartilho o que escreveu Ken Binmore, em Playing for real:15 Assim como os atletas têm prazer em treinar seus corpos, tam‑ bém há imensa satisfação em treinar a mente para pensar de uma forma que é simultaneamente racional e criativa. Com todos os seus enigmas e paradoxos, a Teoria dos Jogos oferece um magní‑ ELSTER, J. Explaining social behavior. Cambridge University Press, 2007. BINMORE, K. Playing for real: a text in game theory. Oxford University Press, 2007.

14 15

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fico ginásio mental para essa finalidade. Espero que exercitar­‑se nesse equipamento lhe traga o mesmo prazer que sinto.

Tal como a academia de ginástica é o espaço para a atividade física, a Teoria dos Jogos é o ginásio consagrado para o exercício mental do pensamento estratégico. Este livro é para você, caro leitor, que deseja ser bem­‑sucedido em suas próximas interações competitivas (como verá na parte 1) e colaborativas (parte 2).

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Parte 1

A LÓGICA DA COMPETIÇÃO

R E S U M O D A PA R T E 1

A LÓGICA DA COMPETIÇÃO

Esta parte apresenta ferramentas e dicas para serem usadas em si‑ tuações estratégicas. No Capítulo 1 > Pense à frente e raciocine para trás – você co‑ nhecerá dois passos importantes para tomar uma decisão em uma situação estratégica. É importante identificar corretamente quem são seus concorrentes, as opções deles e os ganhos de cada um. No Capítulo 2 > Saiba os verdadeiros incentivos do outro – você saberá como é importante capturar a essência do objetivo do seu adversário; caso contrário, ele irá agir diferentemente de como você prevê. No Capítulo 3 > Racionalizando a irracionalidade – apresento insights para ajudá­‑lo a lidar com a irracionalidade do seu concorren‑ te (e até mesmo com a sua). 43

1

Pense à frente e raciocine para trás

Os exemplos citados até o momento – a pergunta de Gar‑ rincha, o Dilema da Ponte, a disputa de mercado – mostram uma visão geral de uma situação estratégica ou de uma decisão estratégica. Agora apresento uma metodologia para ajudar você a entender a lógica da situação e tomar a melhor decisão possí‑ vel. Vejamos um jogo fictício e bem simples.

Exemplo 1: o jogo da Direita e Esquerda Imagine um jogo no qual você joga primeiro, e depois, seu adversário. Você tem duas opções de movimento: esquerda ou direita. Posteriormente, seu concorrente possui como op‑ ções as cores verde, amarelo, azul e vermelho – a depender da sua opção. 45

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Dependendo da decisão, vocês poderão ganhar pontos, ou dinheiro. O jogo tem apenas uma rodada e o objetivo é ganhar o máximo possível de pontos: »»

Se você escolher Esquerda e seu colega Verde, você ganha 45 pontos e ele, 8.

»»

Se você escolher Esquerda e seu colega Amarelo, você ga‑ nha 5 pontos e ele, 15.

»»

Se você escolher Direita e seu colega Azul, você ganha 8 pontos e ele, 20.

»»

Se você escolher Direta e seu colega Vermelho, você ganha 15 pontos e ele, 2. Primeiro é a sua vez. Qual a decisão de movimento (es‑

querda ou direita) que maximiza o seu resultado? Em minhas palestras, chamo um voluntário para jogar comigo. Nessa fase da apresentação do jogo, apenas olhando para o descritivo da pontuação acima, geralmente os voluntários escolhem esquer‑ da, vislumbrando ganhar 45 pontos, que é o maior valor apre‑ sentado. Mas esse é um grande erro, que acontece devido ao raciocínio precipitado. Lembre­‑se de que esta é uma situação estratégica, na qual a sua ação gera uma reação e o resultado depende da combina‑ ção de duas decisões – a sua e a do seu adversário. Para melhor entender este jogo (ou qualquer outro), é mais fácil contar com uma ajuda visual – uma árvore de decisões. Na Figura 1.1, a se‑ guir, o mesmo jogo é apresentado graficamente. Para facilitar a explicação, para cada passo do jogo existe um número que re‑ presenta um “nó”. 46

P ense à frente e raciocine para tr á s

FIGURA 1.1

Jogo da Direita e Esquerda 1

Você

Esquerda

2

Direita

Adversário

Verde 4

3

Amarelo

Adversário

Azul

Vermelho

5

6

7

Você 45

Você 5

Você 8

Você 15

Adversário 8

Adversário 15

Adversário 20

Adversário 2 FONTE: AUTOR

Vejamos alguns elementos básicos importantes para captar a essência das situações estratégicas: »»

Primeiro, existem dois jogadores (você e seu adversário).

»»

Segundo, você tem duas alternativas (Esquerda ou Direi‑ ta), bem como seu adversário.

»»

Terceiro, você joga primeiro, e depois, o seu adversário – este é um jogo sequencial. Assim, quando seu adversário jogar, você já terá escolhido sua opção, e ele saberá disso.

»»

Quarto, para cada combinação de ações (no caso, quatro resultados possíveis), existem os ganhos (ou pontos).

»»

Por último, admite­‑se que você e seu adversário queiram ter o melhor resultado possível (maior quantidade de pontos). 47

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Note que no lugar de Esquerda­ ‑Direita poderia ser aumentar­‑abaixar preços e, no lugar de pontos, poderia ser lu‑ cro, receita, participação de mercado etc. Um modelo gráfico ajuda a entender, comunicando de forma mais efetiva, os ga‑ nhos para cada decisão. Dadas as explicações, qual será a melhor decisão? Segun‑ do a Teoria dos Jogos, o grande conselho para decidir é a regra número 1 da estratégia. Essa regra, Pense à frente e raciocine para trás, (em inglês look forward and reason backward) é co‑ nhecida como indução retroativa (backward induction) e possui dois passos.

PASSO 1: Coloque­‑se no lugar do seu adversário Preste atenção nos quatro possíveis resultados finais (nós 4, 5, 6 e 7) na Figura 1.2 e acompanhe o seguinte raciocínio: se você escolher Esquerda, seu adversário possui duas opções no nó 2 – o Verde, que gera 8 pontos para ele, e o Amarelo, que gera 15 pontos. Se fosse ele, o que você preferiria para maximizar o seu resultado? Evidentemente, escolheria Amarelo, pois 15 pontos são melhores do que 8 pontos. Idem do outro lado: caso você escolha Direita, ele tem duas opções no nó 3 – o Azul gera 20 pontos e o Vermelho gera 2 pontos para ele. Não é difícil prever que seu adversário esco‑ lherá o Azul.

PASSO 2: Pense à frente e raciocine para trás Agora o cenário está mais simplificado, pois você refletiu so‑ bre as ações que seu adversário poderá tomar de forma racio‑ nal, querendo maximizar os resultados. Assim, na Figura 1.3 48

P ense à frente e raciocine para tr á s

FIGURA 1.2

Jogo da Direita e Esquerda 1

Você

Esquerda

Direita

Adversário

2

Verde

Adversário

3

Amarelo

4

Azul

Vermelho

5

6

7

Você 45

Você 5

Você 8

Você 15

Adversário 8

Adversário 15

Adversário 20

Adversário 2 FONTE: AUTOR

FIGURA 1.3

Jogo da Direita e Esquerda 1

Você

Esquerda

2

Direita

Adversário

3

Amarelo

Adversário

Azul

5

6

Você 5

Você 8

Adversário 15

Adversário 20 FONTE: AUTOR

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você tem um novo jogo reduzido nesta etapa de decisão. Você sabe que, se escolher Esquerda, ele vai escolher Ama‑ relo, e então você vai ganhar 5 pontos. Se você escolher Di‑ reita, seu adversário vai escolher Azul, e então você vai ga‑ nhar 8 pontos. Assim, ao pensar à frente e raciocinar para trás, sua de‑ cisão é mais simples: Esquerda ganha 5, Direita ganha 8. Uma vez que você quer ter o maior resultado possível, você deve escolher Direita, pois 8 é maior que 5. Esse é o concei‑ to da indução retroativa. A Figura 1.4 mostra o resultado do jogo. Ao encontrar situações semelhantes no seu dia a dia, uma boa estratégia é utilizar o modelo de raciocínio de indução re‑ FIGURA 1.4

Jogo da Direita e Esquerda 1

Você

Direita

3

Adversário

Azul 6 Você 8 Adversário 20 FONTE: AUTOR

50

P ense à frente e raciocine para tr á s

troativa, que acabamos de ver, no qual você se coloca na posi‑ ção do adversário, pensando à frente e raciocinando para trás. Para tanto, você deve saber quais são suas opções, as alternati‑ vas do seu concorrente, os resultados de cada combinação e exatamente o que vocês estão tentando maximizar (ganhar).

Alerta: nem sempre é possível atingir o resultado máximo Como você deve ter percebido, uma vez que o esquema de pon‑ tuação era esse e seu adversário queria maximizar os ganhos dele, você nunca conseguirá obter os 45 pontos do nó 4, que teoricamente seria o seu maior valor. Os seus 8 pontos do nó 6, portanto, representaram a melhor alternativa possível. Você pode ainda ficar incomodado por, nessa opção, seu adversário conseguir o maior valor dele (20 pontos), muito melhor que o seu. Você até pode escolher uma estratégia “sub­‑ótima” (escolher Esquerda) para que seu adversário ga‑ nhe menos, mas nesse caso você também ganharia menos. No entanto, para maximizar o seu ganho, e não a relação entre o seu e o dele, essa é a melhor opção. Evidentemente, se a dife‑ rença entre ganhos é importante, então essa não seria a me‑ lhor opção, e o resultado seria outro. Perceba que tudo decorre do próprio esquema de incentivos (ou esquema de pontuação) disponível. Se fossem outros ga‑ nhos, seria outro jogo. Moral da história: saiba o que você e o seu adversário estão perseguindo e aja coerentemente. Saiba qual “jogo você está jogando” ao mapear quais são as reais ações e os resultados para ambos os jogadores. Outros exem‑ plos serão dados a seguir.

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Exemplo 2: Construir o edifício mais alto16 A Sears Tower, em Chicago, hoje chamada Willis Tower, é uma das torres mais altas dos Estados Unidos. Isso dá ao edifício um status especial, permitindo que seus proprietários estabeleçam valores mais elevados de aluguel que de outros escritórios seme‑ lhantes. Suponha que uma nova empresa (que chamaremos de Entrante) esteja pensando em construir um edifício ainda mais alto. Considere a premissa: nos Estados Unidos, quanto mais alto o edifício, maior o lucro da empresa. Por isso, a Sears (ou outro concorrente) pode construir outro prédio ainda mais alto, o que diminuirá substancialmente o retorno/lucro do Entrante. FIGURA 1.5

Construir o edifício mais alto 1

Entrante

Não entrar

Entrar

3

Não construir 2

4

Sears

Construir maior 5

Entrante 0

Entrante 60

Entrante -50

Sears 100

Sears 40

Sears 30 FONTE: FRANK, 2009, COM ADAPTAÇÕES.

16

52

FRANK, R. Microeconomics and behavior. McGraw­‑Hill, 2009, com adaptações.

P ense à frente e raciocine para tr á s

O jogo pode ser modelado em uma árvore de decisão na Figura 1.5, que mostra todas as opções possíveis e os resultados de cada uma delas. Como o do exemplo anterior, este jogo é chamado de jogo sequencial, porque o Entrante escolhe em pri‑ meiro lugar, e a Sears conhecerá a escolha do concorrente an‑ tes de tomar sua decisão. Observe que o Entrante (nó 1) tem duas opções: Entrar ou Não entrar nesse mercado, ou seja, construir ou não uma torre mais alta. Se escolher Não entrar, o jogo termina no nó 2. Se escolher Entrar, então a Sears (nó 3) tem duas opções: Não construir (nó 4) ou Construir um prédio maior (nó 5). Os resultados em termos matemáticos (utilidade, pontos, dinheiro) são necessários para que os jogadores tomem suas decisões. Se o Entrante não entrar, nada muda na situação atual – a Sears recebe uma recompensa de 100, e o Entrante recebe zero (nó 2). Se o Entrante entrar e a Sears não competir pela construção de uma torre ainda maior, então o Entrante tem vantagem e captura uma recompensa de 60, enquanto a Sears recebe 40 (nó 4). Se a Sears construir um prédio mais elevado, então o Entrante perde dinheiro com um resultado de –50 e a Sears obtém 30 (nó 5). A Sears, naturalmente, quer que o En‑ trante não entre no mercado, porque assim obtém o resultado de 100 (nó 2), mas essa decisão depende apenas da Entrante. Como a Entrante deve decidir? Como vimos, ela deve usar o conceito de indução retroati‑ va. A regra Pense à frente e raciocine para trás também é denomi‑ nada por alguns autores como Mire no futuro e raciocine com o passado. Assim, de trás para frente, olhando para as escolhas possíveis da Sears (última etapa) e assumindo que o Entrante 53

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

quer maximizar o seu retorno, a Sears vai preferir não construir um edifício maior porque o retorno de Não construir é 40, ou seja, maior que o de Construir, que é 30. O Entrante sabe que a Sears vai pensar dessa maneira; en‑ tão, se escolher Entrar, o seu resultado será de 60 (nó 4). Em seguida, o Entrante sabe que, se escolher Não entrar (outra ra‑ mificação), vai ficar com zero. Se escolher Entrar, ficará com 60. Consequentemente, o Entrante vai preferir Entrar e cons‑ truir uma torre mais alta. O resultado esperado é o nó 4. Veja a Figura 1.6 a seguir. Note que este modelo é simplificado, uma vez que há muito mais alternativas na vida real. Por exemplo, o Entrante poderia construir um prédio pequeno, a Sears poderia cons‑ truir outra torre, mesmo que o Entrante decidisse Não entrar ou então, construir um pequeno edifício, se o Entrante optas‑ se por Entrar. No entanto, essa simplificação é útil para explicar a dinâ‑ mica da Teoria dos Jogos na construção de cenários e na tomada de decisões. Nesse tipo de análise:    »»

Os jogadores possuem várias opções.

»»

Para cada combinação de decisões, há um resultado (lucro, receita ou qualquer utilidade).

»»

Os jogadores querem maximizar o resultado (dizemos que eles são “racionais”).

»»

Todos conhecem as opções e o resultado de cada combina‑ ção (o chamado “conhecimento comum”).

»»

É fácil descartar as possibilidades, nó a nó, e entender a melhor opção de cada jogador.

54

P ense à frente e raciocine para tr á s

FIGURA 1.6

Construir o edifício mais alto 1

Entrante

Não entrar

Entrar

3

Não construir 2

Sears

Construir maior

4

5

Entrante 0

Entrante 60

Entrante -50

Sears 100

Sears 40

Sears 30

1

Entrante

Não entrar

Entrar

3

Sears

Não construir 2

4

Entrante 0

Entrante 60

Sears 100

Sears 40 FONTE: FRANK, 2009, COM ADAPTAÇÕES.

55

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Exemplo 3: construir uma nova fábrica Um artigo na revista de negócios Mckinsey Quartely17 apresenta um duopólio no mercado químico em que dois concorrentes, Chemco e Matco, precisam decidir sobre a construção de uma nova fábrica. Não está claro qual será o primeiro a chegar a uma conclusão, mas, para simplificar, vamos supor que a Chemco decidirá primeiro. O objetivo de cada empresa, no longo prazo, é maximizar os lucros. Na Figura 1.7, os resultados na árvore de decisão representam o retorno financeiro de cada opção. Neste exemplo, se nenhum deles construir uma nova fábrica, cada jogador deve ter um retorno financeiro de 100 (nó 4). FIGURA 1.7

Construir uma nova fábrica 1

Chemco

Não construir

2

Não construir 4

Construir

Matco

Matco

3

Construir 5

Não construir 6

Construir 7

Chemco 100

Chemco 80

Chemco 125

Chemco 75

Matco 100

Matco 115

Matco 80

Matco 70

FONTE: COURTNEY, 2000, COM ADAPTAÇÕES.

17

56

COURTNEY, H. G. Games managers should play. Mckinsey Quarterly, 2000.

P ense à frente e raciocine para tr á s

Usando o conceito de indução retroativa, a Chemco deve olhar para a frente e raciocinar para trás a fim de tomar a decisão. »»

Se a Chemco decidir Não construir a fábrica, a Matco deve optar por Construir (pois 115 é melhor que 100). Assim, os resultados de Chemco e Matco serão 80 e 115, respectiva‑ mente (nó 5).

»»

Se a Chemco decidir Construir uma nova fábrica, os ga‑ nhos sugerem que a Matco deve Não construir (pois 80 é melhor que 70). Essas decisões farão a Chemco receber 125 e a Matco, 80 (nó 6). A Chemco sabe de todos os resultados e da reação da Matco

em cada momento de decisão. Portanto, entre ganhar 125 (se escolher Construir) e 80 (se escolher Não construir), a opção da empresa é Construir. O resultado do jogo é o nó 6: a Chemco constrói, a Matco não constrói. Os incentivos (ganhos) na árvore de decisão mostram também que, embora seja rentável uma nova fábrica ser cons‑ truída no setor, duas novas fábricas vão levar ao excesso de ca‑ pacidade, consequente desconto de preços e lucros mais baixos para ambos os jogadores (nó 7, o pior resultado para todos). Que visões estratégicas podem ser aprendidas com esse exercício? Primeiro, ele ilustra a vantagem competitiva de ser o primeiro jogador (first­‑mover advantage). Ao tomar a decisão de Construir e se comprometer com a fábrica nova antes da Matco, a Chemco influencia as ações da Matco para evitar um resultado sombrio se ambas decidirem por novas fábricas. Re‑ desenhando o jogo com a Matco saindo primeiro, na Figura 1.8, 57

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

o equilíbrio também será o nó 6 (Matco constrói, Chemco não). Está nítido, pelo desenho dos incentivos, que quem Construir primeiro ganha mais e induz o segundo a não construir. FIGURA 1.8

Construir uma nova fábrica

1

Matco

Não construir

2

Construir

Chemco

Não construir

Chemco

3

Construir

Não construir

Construir

4

5

6

7

Matco 100

Matco 80

Matco 115

Matco 70

Chemco 100

Chemco 115

Chemco 80

Chemco 75

FONTE: COURTNEY, 2000, COM ADAPTAÇÕES.

Recapitulando Podemos definir uma situação sequencial como aquela em que o primeiro jogador faz um movimento para só depois o segundo decidir sua jogada. Nesses casos, o conceito de indução retroa‑ tiva é uma ferramenta bastante apropriada para identificar o provável resultado do jogo e para tomar a decisão que maximi‑ za o ganho. Nesse sentido, duas regrinhas são importantes de se ter em mente: 58

P ense à frente e raciocine para tr á s

»»

Coloque­‑se no lugar do adversário.

»»

Pense à frente e raciocine para trás. Com essas regras, é possível conseguir entender, antes de

agir, as possíveis reações do rival e decidir a ação que resultará no melhor resultado. A representação gráfica, como a árvore de decisões, é muito útil para visualizar toda a situação estratégi‑ ca, pois é possível identificar: »»

Quem são os jogadores.

»»

Quem joga primeiro.

»»

Quais são as opções de cada um.

»»

Qual é o resultado para cada combinação de decisões. Outras características importantes nesses cenários são:

»»

Todos os jogadores conhecem as opções e os resultados do adversário, o que chamamos de conhecimento comum.

»»

Todos os jogadores querem maximizar a respectiva pontua‑ ção (utilidades, dinheiro, satisfação) e, portanto, tomam a melhor decisão para isso, o que chamamos de jogadores racionais.

»»

Muitas vezes é impossível atingir o maior valor disponível das alternativas – o que ocorre é uma maximização; ou seja, dentro das opções de ação e reação, obtém­‑se o má‑ ximo possível.

»»

Muitas vezes o adversário obtém um valor maior – mesmo assim, é possível conseguir o máximo possível.

59

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Existem críticas sobre as limitações do uso dessa meto‑ dologia (mapear o jogo e usar a indução retroativa). A pri‑ meira delas é que nenhuma situação estratégica é tão simples como nos exemplos dados, ou seja, com apenas dois jogado‑ res, duas ou três alternativas e jogadores racionais e com co‑ nhecimento comum. Como resposta a essa crítica, podemos dizer que a utili‑ dade desse raciocínio simplificador é a mesma de todos os ou‑ tros modelos econômicos – ao simplificar para comunicar, conseguimos extrair a essência do jogo e obter insights rele‑ vantes para a tomada de decisão. Outro grande benefício, in‑ dependentemente do mapeamento formal em uma árvore de decisão, é forçar a mente a se colocar na posição do outro, ver o cenário com outros olhos para depois tomar uma decisão. Prevendo as reações dos concorrentes, é possível evitar erros básicos de decisão. A segunda crítica é que nem sempre os ganhos que se acredita que o rival está pretendendo são os mesmos que ele quer atingir. É possível mapear uma situação, por exemplo, entendendo que o lucro é o resultado monetário a ser conside‑ rado no jogo, mas na verdade o concorrente está preocupado em maximizar sua participação de mercado, tomando deci‑ sões diferentes. Outra situação é imaginar que o valor é 400 e na verdade o concorrente atribui o valor 900. Esse é mais um motivo para se colocar na posição do outro e entender os reais incentivos do concorrente, o que será assunto específico do próximo capítulo. A matemática e o mapeamento de árvores de decisão podem ser suprimidos, mas o raciocínio por anteci‑ pação é o mesmo. 60

P ense à frente e raciocine para tr á s

ROTEIRO PARA AVALIAÇÃO DE CENÁRIOS

Paul Papayoanou, no livro Game theory for business,18 desenvolveu um roteiro de avaliação de cenários que batizou de strategic gaming. Segun‑ do o autor, é uma metodologia para aplicar a Teoria dos Jogos de forma mais eficiente. Ela aborda cinco questões básicas, derivadas da Teoria dos Jogos, e sustenta um processo de três etapas: Estruturação dinâmi‑ ca, avaliação estratégica e planejamento da execução. Essa abordagem é simples, intuitiva e fornece insights valiosos, ajudando as empresas a construir um roteiro dinâmico e um plano estratégico e tático para jogar o jogo de forma eficaz. As cinco questões básicas são: 1. 2. 3. 4. 5.

Quem são os jogadores?    Quais são as opções que cada um tem? Qual é a sequência de cada uma dessas ações?    Quais são as incertezas? Quais são os ganhos de cada jogador para cada possível resultado?

Com essas perguntas como pano de fundo, é possível sumarizar as três etapas do strategic gaming. O primeiro passo é a estruturação dinâmica, uma etapa para estru‑ turar a situação estratégica. Aqui as quatro primeiras questões são fei‑ tas, o que permite a construção das árvores de decisões. Um diagrama desse tipo mapeia a sequência das possíveis ações dos jogadores e tam‑ bém as incertezas mais importantes. Construir árvores de decisões ajuda a nos colocar na posição e na mente dos outros jogadores, o que enrique‑ ce o pensamento estratégico. A avaliação quantitativa ajuda a manter o foco nas análises posteriores, oferece insights úteis e direcionamento para ações de curto prazo. O segundo passo é a avaliação estratégica, uma fase de estimativa quantitativa na árvore de decisões. Nessa etapa, a quinta questão entra PAPAYOUANOU, P. Game theory for business: a primer in strategic gaming. Probabilistic Publishing, 2010.

18

61

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

em cena. Métodos tradicionais de Decision Analysis geralmente são usa‑ dos para calcular e modelar numericamente os ganhos; em seguida, as técnicas de Teoria dos Jogos são empregadas para gerar insights e enten‑ der as melhores estratégias, considerando as incertezas, os prováveis movimentos e as reações dos outros jogadores. O passo final é o planejamento da execução. Aqui todas as aná‑ lises são reunidas; avalia­‑se, além da simples árvore de decisão, de‑ senvolver um plano de ação que possa ser implementado efetivamen‑ te. Assim é possível entender qual movimento fazer agora e no futuro, os cenários e as incertezas e também quais táticas influen‑ ciam mais os jogadores. Em seu livro, Papayoanou relata que tem praticado com muito su‑ cesso esse roteiro em sua atividade de consultoria em diversas empre‑ sas. Aqui, apresento o panorama geral – no livro, ele fornece detalhes de cada um dos elementos. FIGURA 1.9

Roteiro para avaliação de cenários

Estruturação dinâmica

Avaliação estratégica

Passos

» » » »

Benefícios

» Estrutura » Antecipação dos » Pensamento movimentos dos estratégico outros » Evolução » Avaliação inicial qualitativa » Direcionamento

Jogadores Ações Sequência Incertezas

» Quantificar incertezas » Calcular os payoffs

Planejamento da execução »A  valiar mudanças no jogo » Desenvolver as táticas » Garantir alinhamento

» Como mudar o jogo » Sinalização efetiva » Roadmap dinâmico » Pronto para negociação

FONTE: PAPAYOUANOU, 2010.

62

P ense à frente e raciocine para tr á s

Curiosidade: Indiana Jones não usou a Teoria dos Jogos O livro Thinking strategically19 possui um exemplo bem interes‑ sante sobre tomadas de decisão, no qual é necessário antever alguns passos e suas possíveis consequências. Relembre a cena do clímax do filme Indiana Jones e a última cruzada: Indiana Jo‑ nes, seu pai e os nazistas chegam ao local onde está o Santo Graal. Os dois Jones se recusam a ajudar os nazistas a dar o úl‑ timo passo. Então, os nazistas atiram no pai de Indiana. So‑ mente o poder de cura do Santo Graal poderia salvar o idoso doutor Jones de seu ferimento mortal. Devidamente motivado, Indiana lidera o caminho para o Santo Graal; porém, há um último desafio. Ele deve escolher, dentre dezenas de cálices, o cálice de Cristo. Enquanto o copo correto oferece a vida eterna, a escolha errada é fatal. O líder nazista impacientemente escolhe um cálice dourado bonito, bebe água com ele e morre subitamente. Indiana escolhe um cálice de madeira, o cálice de um car‑ pinteiro. Daí exclama: “Há apenas uma maneira de descobrir!”. Mergulha o cálice na fonte e bebe, acreditando ser esse o cálice da vida. Ao descobrir que escolheu sabiamente, Indiana leva o cálice ao pai, e a água cura a ferida mortal. Se considerarmos uma árvore de decisões e as possibilida‑ des, seria mais ou menos como a figura a seguir. Como dizem Dixit e Nalebuff no livro, embora essa cena seja emocionante, é um pouco constrangedor que tal professor, que se apresenta como doutor Indiana Jones, cometa um erro tão estratégico em DIXIT, A. K.; NALEBUFF, B. J. Thinking strategically: the competitive edge in business, politics, and everyday life. WW Norton Company, 1993.

19

63

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Teoria dos Jogos. Por quê? Porque ele deveria ter dado a água para o pai sem testá­‑la primeiro. Explica­‑se: se Indiana escolhesse o cálice certo e o ofere‑ cesse antes ao pai, o pai estaria salvo. Se escolhesse o cálice er‑ rado, então seu pai morreria, mas Indiana seria poupado. Em contrapartida, se testasse o copo errado antes de dá­‑lo ao pai, não haveria a segunda chance – Indiana morreria por causa da água, e seu pai morreria por conta do ferimento. Obviamente, esse é um raciocínio estritamente racional, que usa a Teoria dos Jogos para minimizar o número de mortes como função primordial. Emocionalmente falando, talvez Indiana não quisesse testar o cálice em seu pai (mesmo já mor‑ talmente ferido) por não querer assumir a responsabilidade de precipitar a morte dele. FIGURA 1.10

A escolha de Indiana Jones INDIANA JONES ESCOLHE UM CÁLICE

❶ ❷ Entrega ao pai

Bebe para testar

no de mortos

Cálice certo

Cálice errado

Cálice certo

Cálice errado

Indiana vive Pai vive (é curado)

Indiana morre primeiro Pai morre por conta dos ferimentos

Indiana vive (nem bebe) Pai vive (é curado)

Indiana vive, pois não bebe Pai morre

0

2

0

1 FONTE: DIXIT & NALEBUFF, 1993.

64

2

Conheça os verdadeiros incentivos do outro

No capítulo

anterior, vimos que as decisões estratégicas

são baseadas nas alternativas disponíveis e nos ganhos asso‑ ciados a cada uma delas. Obviamente, é muito mais fácil vi‑ sualizar nossas próprias opções e os resultados, mas, para de‑ cidir corretamente, é necessário ter uma boa compreensão das alternativas e dos ganhos do adversário. Seguem alguns exemplos para ilustrar a importância de entender os incenti‑ vos dos oponentes.

Os bastidores das negociações

 Para ser efetivo em decisões estratégicas que envolvem a previ‑ são das reações do concorrente, você precisa entender os reais desejos da outra parte. Um exemplo interessante é dado por 65

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Bazerman e Malhotra no livro O gênio da negociação.20 Ele conta a história de uma empresa americana que queria comprar, de uma pequena empresa europeia, um ingrediente para um novo produto que fabricaria para a indústria farmacêutica. A oferta foi financeiramente alta, mas a empresa europeia a recusou, pois não aceitava a cláusula de acordo de exclusividade. Não importava se o preço ofertado era alto e se o volume de compra seria o da fábrica inteira. “Exclusividade, não”, insistia o dono da pequena empresa. Por outro lado, a empresa americana não queria investir em um produto cujo principal ingrediente pu‑ desse ser facilmente adquirido por concorrentes. 

 Foram muitas as conversas e rodadas de negociação envol‑ vendo executivos competentes e experientes. Parecia que o im‑ passe seria irreconciliável, e a relação entre as empresas come‑ çou a se deteriorar. Um novo negociador foi então enviado à Europa e fez uma simples pergunta: “Por quê? Por que não ga‑ rantir exclusividade se for comprada toda a produção?”. Como conta Bazerman, a resposta surpreendeu os ameri‑ canos: o dono não poderia dar exclusividade porque estaria desrespeitando um acordo feito anteriormente com um primo, que comprava pouquíssima quantidade para um produto local. Não era uma questão econômica, e sim uma questão de lealda‑ de familiar. 
 Com essa informação, o acordo foi rápido: com exceção daquele volume do primo, todo o resto seria de exclusividade da empresa americana. Isso parece óbvio, mas, durante as ne‑ gociações, sem entender realmente o que motivava a empresa, BAZERMAN, M. H.; MALHOTRA, D. O gênio da negociação. Rio de Janeiro: Rocco, 2009..

20

66

C onhe ç a os verdadeiros incentivos do o u tro

nada era tão simples. A empresa americana achava que a em‑ presa europeia simplesmente estava criando dificuldades. Ne‑ gociações da vida real chegam a impasses por falta do entendi‑ mento das reais motivações e do esquema de incentivos. 



O dilema da escola infantil

 Imagine ser o administrador de uma escola infantil. A política divulgada aos pais diz que as crianças devem ser apanhadas às 16h. No entanto, com frequência, os pais se atrasam. O resulta‑ do é que, no final do dia, você precisa lidar com algumas crian‑ ças ansiosas e professores forçados a esperar que os pais apare‑ çam, além de pagar horas extras. O que fazer? Essa história é contada por Steven Levitt e Stephen Dubner, no livro Freakono‑ mics,21 sobre algumas creches em Haifa, Israel. Para resolver esse problema, uma dupla de economistas su‑ geriu multar os pais atrasados. Afinal, por que teria a escola de cuidar dessas crianças gratuitamente fora do horário? Fizeram um estudo com duração de 20 semanas, mas a multa não foi introdu‑ zida de imediato. Durante as primeiras quatro semanas, os econo‑ mistas apenas calcularam o número de pais que se atrasavam. 

 Em média, ocorriam oito atrasos por semana em cada uma das creches. Na quinta semana, a multa foi introduzida, depois de os pais serem avisados de que qualquer atraso superior a dez minu‑ tos seria punido com o pagamento de $3 por criança. A multa seria adicionada à mensalidade, que girava em torno de $380. Depois da adoção da multa, o número de atrasos, surpreendentemente, 21

LEVITT; DUBNER, 2007. 67

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

aumentou. Em pouco tempo já somavam 20 por semana, mais que o dobro da média original. O tiro saiu pela culatra. 

 Você provavelmente já concluiu que a multa de $3 era sim‑ plesmente pequena demais. A esse custo, um pai ou uma mãe de um só filho podia se dar ao luxo de se atrasar diariamente, pagando apenas $60 extras todo mês – menos de um sexto da mensalidade básica. Considerando­‑se o salário de uma babá extra para buscar os filhos, esse preço era bem barato. E se a multa fosse de $100 em lugar de $3? Certamente teriam fim os atrasos, embora isso também fosse gerar muita má vontade. Mas a multa envolvia um outro problema mais grave: a es‑ cola incluiu um incentivo econômico (os $3) no lugar do antigo incentivo moral, que era a suposta culpa dos pais pelos atrasos. Por apenas alguns dólares diários, os pais podiam se isentar des‑ sa culpa. Além disso, o baixo valor da multa sugeria aos pais que o atraso para buscar as crianças não era algo tão grave assim. Se o problema resultante para a creche do atraso dos pais equivalia a apenas $3, para que se preocupar em interromper outros com‑ promissos ou chatear o chefe por sair correndo de uma reunião?

 Esse é um exemplo simples de como incentivos errados ge‑ ram reações indesejáveis. Como um bom estrategista, você precisa saber exatamente quais ações geram quais reações.  

Os incentivos induzem a comportamentos “A Economia não é uma disciplina que trata apenas de dinheiro, mas também estuda como as pessoas reagem a incentivos. Na verdade, os incentivos induzem a comportamentos.” Escutei essa frase numa palestra do jornalista e um dos autores do Frea‑ 68

C onhe ç a os verdadeiros incentivos do o u tro

konomics, Stephen Dubner, em São Paulo. Dubner, em seu li‑ vro, faz uma ótima introdução ao assunto. Vejamos a seguir: 

 Aprendemos a reagir a incentivos, negativos e positivos, desde o início da vida. Se você engatinhar até o forno quente e encostar a mão nele, vai queimar o dedinho, mas se trouxer apenas notas 10 da escola, o prêmio é uma bicicleta nova. Se for flagrado com o dedo no nariz durante a aula, você vira piada, mas se vencer cam‑ peonatos para o time de basquete, passa a ser o líder da turma. Se chegar em casa depois da hora, o castigo é certo, mas se tirar boas notas no colégio, carimba o passaporte para uma boa universida‑ de. Se a euforia do novo cargo o levar a exceder o limite de veloci‑ dade na volta para casa, fará jus a uma multa de $100, mas se no final do ano atingir sua meta de vendas, embolsando uma gratifi‑ cação polpuda, não só os $100 da multa se transformam em mixa‑ ria, como você vai poder comprar aquele fogão estupendo no qual seu filho, na fase de engatinhar, poderá queimar o dedinho.22

Incentivos não passam de meios para estimular as pessoas a fazer mais coisas boas e menos coisas ruins. Como John McMillan expõe em Games, Strategies and Managers,23 “as pes‑ soas devem ser recompensadas se queremos induzi­‑las a fazer algo que preferiam não fazer”. Os incentivos surgem quando há a alguma divergência de interesses. Um autor buscando fama quer seu livro a preço baixo para atingir um grande público, enquanto a editora prefere preço mais alto buscando lucros. LEVITT; DUBNER, 2007, p. 18. MCMILLAN, J. Games, strategies and managers: how managers use game theory to make better decisions. Oxford University Press, 1992..

22

23

69

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

O dono de um carro, após fazer o seguro contra roubos, torna­ ‑se mais negligente e descuidado do que a seguradora gostaria.
 Para conseguir que as pessoas façam o que elas naturalmen‑ te não gostariam de fazer, é preciso dar­‑lhes alguma recompen‑ sa ou sanção. É por isso que pais, empresas e governo inventam os chamados esquemas de incentivos. Se você passar o sinal ver‑ melho, leva uma multa. Mas se você tiver dinheiro suficiente, pode pagar quantas multas quiser para não se aborrecer em um cruzamento vazio e chegar mais rápido ao seu destino. Na cidade de São Paulo, há multa de rodízio se você dirigir nos horários e dias proibidos para o final da placa do seu carro, mas ela é mais barata do que o táxi de ida e volta ao seu trabalho. Como esse incentivo sozinho não funciona, existe o sistema de pontuação – ao atingir certo limite de multas, sua habilitação é suspensa. 

 Se seu filho comer verduras, você o leva para passear. Um vendedor de calçados que ganha comissão por venda tem in‑ centivo para vender cada vez mais, e assim ele e o dono da loja ganham mais. Executivos ganham ações da empresa, mas com limitação de venda no curto prazo, para trabalhar duro e criar projetos que gerem riqueza no longo prazo. E assim vai. O mun‑ do (a sua vida, na verdade) está repleto de incentivos, alguns funcionam mais e outros, menos. 

 Como vimos, nem todo incentivo é financeiro. As pessoas também reagem aos incentivos morais (não querem cometer um ato que consideram errado) e sociais (não querem ser vis‑ tas pelos outros como alguém que age errado). Dubner cita que em algumas cidades dos Estados Unidos o combate à prostitui‑ ção é feito com uma ofensiva constrangedora, difundindo­‑se fotografias de prostitutas ao lado de seus clientes em sites e nas 70

C onhe ç a os verdadeiros incentivos do o u tro

televisões abertas locais, o que acaba sendo um freio amedron‑ tador mais eficiente do que uma multa. Por que tudo isso é relevante para as decisões estratégicas? Como já foi comentado anteriormente, em uma situação estraté‑ gica, como um lançamento de produtos ou redução de preço, talvez o incentivo do seu concorrente seja ganhar participação de mercado no curto prazo, a despeito da geração de lucro, como você poderia imaginar. Saber o incentivo do seu concorrente é importante para que você decida as ações a tomar e, principal‑ mente, para desenhar o jogo correto, como é mostrado a seguir.

Desenhando o jogo correto Em uma guerra de preços, por exemplo, algumas empresas têm mais capacidade que outras para reagir, como, por exemplo, abaixar preços ou oferecer produtos alternativos. Outras não podem fazê­‑lo por causa de sua estrutura de custos, de um comportamento avesso ao risco ou por outros motivos. Por isso, não basta apenas usar ferramentas matemáticas compu‑ tacionais para fazer previsões. Também é preciso intuição e co‑ nhecimento sobre os executivos das outras empresas para de‑ senhar o jogo com as preferências corretas (deles). É o que chamamos de “desenhar o jogo correto”. Dois exemplos a seguir mostram como executivos dese‑ nharam um jogo correto e um errado, como apresentado no livro The right game: use game theory to shape strategy.24

BRANDENBURGER, A. M.; NELEBUFF, B. J. The right game: use game theory to shape strategy. Harvard Business Press, 2009.

24

71

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

O jogo correto: Companhias Aéreas Kiwi 
 Quando um novo jogador entra no mercado com um preço mais baixo, a empresa já estabelecida só tem duas respostas eficazes: igualar o seu preço ao do entrante ou se acomodar e ceder­‑lhe alguma participação de mercado. A Kiwi International Airli‑ nes, fundada por ex­‑pilotos da falida Eastern Airlines, era uma iniciante em 1992. Ela tinha vantagem de custo, mas sua marca era pouco conhecida e sua grade de horários era mais limitada do que a das grandes companhias. O que fazer então? 
 Decidiu­‑se por oferecer preços baixos e voos limitados. Por quê? Quando um entrante adota essa estratégia, o lucro dos jogadores depende de como as empresas já estabelecidas vão reagir. Elas podem recuperar a participação de mercado perdi‑ da se igualarem seus preços aos do concorrente ou podem dar a ele, digamos, 10% do mercado. Certamente, perder até 10% de participação é normalmente melhor do que sacrificar a mar‑ gem de lucro. Mas o entrante não pode ser demasiado ganan‑ cioso; se ele tentar ganhar muito mais mercado, as atuais em‑ presas vão lutar para recuperar sua parte, mesmo sacrificando um pouco do lucro. Assim, somente quando o entrante limita sua capacidade é que as atuais empresas podem se acomodar; e o entrante pode então ganhar dinheiro. 

 Isso foi o que aconteceu, e a Kiwi fez dinheiro porque ficou longe das grandes operadoras, que entenderam que ela não re‑ presentava ameaça. A Kiwi quis capturar no máximo 10% e não mais de quatro voos por dia. Para arquitetar a escolha certa de preço e quantidade de voos, a empresa teve de se colocar na posição das grandes companhias aéreas para assegurar que elas teriam um incentivo maior para se acomodar, e não para lutar. 72

C onhe ç a os verdadeiros incentivos do o u tro

Isso mostra como os executivos da Kiwi compreenderam a competição e desenharam o jogo correto. 




O jogo errado: Sweetener Holland Company O NutraSweet, um adoçante de baixa caloria usado em refrige‑ rantes como Diet Coke e Diet Pepsi, gerou 70% de margem bruta para a Monsanto. Tais lucros costumam atrair outras em‑ presas para o mercado, mas o NutraSweet estava protegido por patente. Com a bênção da Coca­‑Cola, uma empresa entrante, a Holland Sweetener Company (HSC), construiu uma fábrica de aspartame na Europa em 1985, antecipando­‑se à expiração do prazo da patente do NutraSweet (em 1987 na Europa e em 1992, nos Estados Unidos). Como a HSC atacou o mercado europeu, a Monsanto reagiu agressivamente. Usou redução de preços e as relações contra‑ tuais com seus clientes para impedir o HSC de entrar no merca‑ do. Assim, a HSC ficou ansioso para disputar o mercado nos Estados Unidos. 

 No entanto, a guerra terminou antes de começar. Pouco antes da expiração da patente na Europa, tanto a Coca­‑Cola como a Pepsi assinaram novos contratos de longo prazo com a Monsanto. Parece que a Coca­‑Cola e a Pepsi não aproveitaram a oportunidade de haver concorrência entre os fornecedores, mas, na verdade, nem a Coca­‑Cola nem a Pepsi tinham o dese‑ jo real de mudar para um aspartame genérico. Nenhuma das empresas quis ser a primeira a deixar de ter o logotipo do Nu‑ traSweet e criar uma percepção de que o sabor de suas bebidas tinha sido alterado, uma vez que o NutraSweet já tinha cons‑ truído uma reputação de segurança e gosto agradável. 73

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

No final, o que a Coca­‑Cola e a Pepsi realmente queriam era ter o velho e bom NutraSweet a um preço melhor. A HSC deveria ter reconhecido que a Coca­‑Cola e a Pepsi tinham pa‑ gado um alto preço para tornar o mercado de aspartame com‑ petitivo. Ela não desenhou o jogo correto; Coca­‑Cola e Pepsi, sim. E a Monsanto fez bem em criar uma marca forte e uma vantagem de custo, minimizando os efeitos negativos da entra‑ da de uma marca genérica. 


Não é fácil saber o que o concorrente está pensando Você já viu exemplos em que tomar uma decisão isolada não garante o sucesso empresarial ou pessoal. É necessário reco‑ nhecer que, enquanto você está tentando maximizar os pró‑ prios lucros com sua estratégia, os concorrentes estão igual‑ mente engajados nesse mesmo propósito, o que certamente influencia o seu lucro também. Assim, as empresas têm o desa‑ fio de antecipar as ações dos concorrentes com o intuito de pre‑ venir movimentos que possam afetar negativamente os seus interesses. Enquanto você monitora o concorrente, ele está monitorando você. Por isso, a grande contribuição dos modelos de pensamento estratégico é forçar os executivos a se colocar no lugar dos outros participantes em vez de apenas observar a situação da perspectiva do seu próprio negócio. 

 Pankaj Ghemawat, em Strategy and business landscape,25 menciona algumas pesquisas com gestores de empresas nas quais eles admitem a importância do pensamento dinâmico 25

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GHEMAWAT, P. Strategy and business landscape. Prendice Hall, 2000.

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sobre a concorrência na tomada de decisão, mas poucos real‑ mente utilizam um formato sistematizado para isso. A razão mais comumente citada é que o mundo real é muito imprevisí‑ vel para que tais antecipações sejam convertidas em ações. Uma questão legítima é quão útil é sugerir um curso de ação quando não se tem certeza de que os competidores irão agir ra‑ cionalmente. Quando um competidor deixa de maximizar o objetivo econômico previsto (por exemplo, vendas e participa‑ ção de mercado) para maximizar outro objetivo qualquer, des‑ conhecido pelo adversário, o jogo não é o mesmo para ambos. Como já falamos, geralmente em exemplos hipotéticos, ci‑ tando “Empresa A” versus “Empresa B”, uma das premissas dessa metodologia é o chamado conhecimento comum, no qual ambos os jogadores conhecem exatamente as alternativas de cada um e usam os mesmos valores para cada combinação de resultado. Essa é uma boa simplificação para transmitir os conceitos, facilitar a visualização e mostrar a solução que gera o melhor resultado possível para cada um. 

 Entretanto, o problema dessa abordagem é que na vida real você precisa saber exatamente como o jogador da Empresa B pensa e age. Além de conhecer especificamente a empresa e seus pontos fortes e fracos no mercado, é também importante saber exatamente quem é a pessoa da empresa que está to‑ mando as decisões. Isso faz muita diferença no mapeamento do jogo: seu adversário irá se comportar como a Teoria dos Jo‑ gos racionalmente prescreve ou ele está tentando maximizar outros objetivos? Ao se colocar verdadeiramente na posição dele, é crucial entender se ele é avesso a riscos, se persegue objetivos de longo ou curto prazo, se é suscetível a escaladas 75

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irracionais de compromisso e outros vieses do pensamento cognitivo. Ou seja, além de fazer as previsões racionais nor‑ mais, é imprescindível incorporar outras dimensões psicológi‑ cas. Caso contrário, como nas escolas infantis de Israel, o tiro pode sair pela culatra. Por mais difícil que seja a previsão, ignorar os movimentos dos competidores não é a melhor solução. Por isso, Ghemawat propõe outra teoria para complementar a Teoria dos Jogos: a Economia Comportamental. Na maioria das vezes, até é possí‑ vel racionalizar uma sequência de eventos puramente nos ter‑ mos da Teoria dos Jogos, mas nem sempre isso poderá refletir a realidade dos ganhos dos jogadores em cada nó do jogo. No lugar disso, aparentando uma irracionalidade, há evidências de que indivíduos e empresas frequentemente aumentam o comprometimento em conflitos devido à falácia do conceito de sunk cost, por tentativas de justificar escolhas passadas, per‑ cepção seletiva, hostilidade e vários outros preconceitos, vie‑ ses e distorções. 

 De certo modo, esses motivos geram padrões de compor‑ tamento úteis para prever a ação dos competidores. O executi‑ vo deve entender esses modelos do adversário. Enquanto a Teoria dos Jogos utiliza uma perspectiva econômica, focalizan‑ do os incentivos da competição (exatamente os ganhos econô‑ micos de forma racional), a Economia Comportamental tenta identificar a predisposição dos concorrentes. 

 A Teoria dos Jogos tenta prescrever a melhor ação, focali‑ zando o que os concorrentes deveriam fazer racionalmente em face de algumas hipóteses razoáveis. Ela se concentra nas inte‑ rações entre participantes que veem o cenário de negócios da 76

C onhe ç a os verdadeiros incentivos do o u tro

mesma maneira. Essa é uma hipótese bem atrativa e coerente. No entanto, os concorrentes podem não estar empenhados em maximizar o seu valor patrimonial, podem ter diferentes opi‑ niões sobre as alternativas possíveis ou ainda se comportar de maneira muito arraigada, adotando uma postura mais inercial do que de mudança. Qualquer tentativa de prever o comporta‑ mento alheio deve levar em conta tais possibilidades.

 A Economia Comportamental, por sua vez, concentra­‑se em mapear o que os concorrentes realmente querem, suas crenças e o que vêm fazendo para atingir seus objetivos. Com isso, é possível aumentar o poder de previsão por meio da re‑ dução das incertezas que permeiam a dinâmica competitiva. É importante, assim, entender as reais motivações, os com‑ portamentos e os modelos mentais dos dirigentes das empre‑ sas concorrentes. Portanto, ao analisar os cenários competiti‑ vos, nunca se esqueça de tentar avaliar quais são as reais motivações do seu adversário. O exemplo do táxi, a seguir, ilustra bem isso.

Cuidado em usar a Teoria dos Jogos com um taxista Dixit e Nalebuff, no livro The art of strategy,26 apresentam um exemplo bem interessante. Tarde da noite, após uma confe‑ rência em Jerusalém, dois economistas (um deles coautor do livro citado) tomaram um táxi e deram o endereço do ho‑ tel ao motorista. Reconhecendo­ ‑os como turistas norte­ ‑americanos, o motorista se recusou a ligar o taxímetro e, em DIXIT, A. K.; NALEBUFF, A. M.; The art of strategy: a game theorist’s guide to success in business and life. WW Norton Company, 2010.

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vez disso, proclamou seu amor pelos americanos, prometendo­ ‑lhes uma tarifa mais baixa do que a do aparelho.

 Naturalmente os passageiros foram um pouco céticos em relação àquela promessa. Afinal, por que um estranho oferece‑ ria cobrar menos do que o taxímetro quando estavam dispostos a pagar a tarifa medida? Como poderiam saber se não seria mais caro? Então eles “colocaram o chapéu” da Teoria dos Jo‑ gos. Se tentassem negociar antes e não desse certo, teriam de encontrar outro carro, e táxis eram difíceis de encontrar na‑ quele horário. Mas, se esperassem chegar até ao hotel para ne‑ gociar, a posição de barganha seria muito mais forte. 

 Quando chegaram ao hotel, o motorista exigiu 2.500 she‑ kels israelenses (o equivalente a 2,75 dólares). Como saber se era justo? Como as pessoas geralmente barganham em Israel, o americano protestou e ofereceu 2.200 shekels. O motorista fi‑ cou indignado. Alegou que seria impossível fazer aquele per‑ curso por aquele montante. Antes que as negociações pudessem continuar, ele trancou todas as portas automaticamente e refez a rota em alta velocidade, ignorando semáforos e pedestres.

 Foram sequestrados em Jerusalém? Não. Ele voltou à posi‑ ção original e, indelicadamente, expulsou­‑os de seu táxi, gri‑ tando: “Vejam agora quão longe os seus 2.200 shekels vão os levar!”. No fim, os estrangeiros encontraram outro táxi, que ligou o taxímetro – 2.200 shekels depois chegaram ao hotel.
 Certamente o tempo extra não valeu os 300 shekels. Por outro lado, a história valeu bem a pena. Ela ilustra os perigos de uma negociação com aqueles que ainda não leram sobre a Teo‑ ria dos Jogos. Geralmente, orgulho e irracionalidade não podem ser ignorados. Há uma segunda lição para a história. Os ameri‑ 78

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canos não pensaram muito à frente. Imagine quão mais forte a posição de barganha teria sido se tivessem começado a discutir o preço depois de sair do táxi. 

 Alguns anos depois que essa história foi publicada pela pri‑ meira vez (no livro anterior dos autores, Thinking strategically27), os autores receberam a seguinte carta:


 Prezados professores, Vocês certamente não sabem meu nome, mas acho que vão se lembrar da minha história. Eu era um estudante clandestino em Jerusalém e atuava como motorista de táxi. Agora eu sou um consultor e, por acaso, li o livro de vocês quando foi traduzido para o hebraico. O que vocês podem achar interessante é que eu também tenho compartilhado aquela história com meus clientes. Sim, foi realmente uma noite em Jerusalém. Quanto ao resto, bem... eu lembro de forma diferente. Entre as aulas e as noites trabalhando como motorista de táxi, quase não havia tempo para eu passar com a minha noiva. Minha solução foi tê­‑la comigo no banco da frente durante as corridas. Embora ela tenha ficado em silêncio, foi um grande erro vocês a deixarem fora da história. Meu taxímetro estava quebra‑ do, mas vocês pareciam não acreditar em mim. Eu já estava cansado demais para discutir. Então nós che‑ gamos, eu pedi 2.500 shekels, um preço justo. Eu estava mesmo esperando uma tarifa de até 3.000. Vocês, americanos ricos, poderiam muito bem pagar 50 centavos de dólar de gorjeta. Eu não conseguia acreditar que vocês tentavam me enganar. A re‑ DIXIT, A. K.; NALEBUFF, B. J. Thinking strategically: the competitive edge in business, politics, and everyday life. WW Norton Company, 1993.

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cusa em pagar um preço justo me desonrou na frente da minha noiva. Por mais pobre que eu estivesse, não podia aceitar aquela mísera oferta. Os americanos pensam que devemos ficar felizes em aceitar essas migalhas. Eu achei que deveria ensinar a vocês uma lição no jogo da vida. Minha noiva e eu estamos casados agora. Ainda rimos dos americanos estúpidos que passaram meia hora andando para lá e para cá procurando táxis para economizar meros vinte centavos. Atenciosamente, (Nome omitido)




Verdade seja dita, os autores do livro revelam que nunca re‑ ceberam tal carta. O objetivo ao criá­‑la foi ilustrar uma lição fundamental na Teoria dos Jogos: é preciso entender a perspec‑ tiva do outro jogador. É preciso considerar o que ele sabe, o que o motiva e até mesmo o que ele pensa sobre você. A regra de ouro “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você” não é necessariamente válida. Afinal, os gostos são diferentes.
 Quando se pensa estrategicamente, é necessário trabalhar duro para entender as perspectivas e as interações de todos os outros jogadores, incluindo aqueles que ficam em silêncio. Isso leva a um último ponto: quando pensa que está jogando um jogo, você pode ser apenas parte de um grande jogo. Há sempre um jogo ainda maior.

O autointeresse do seu adversário pode ajudar você Na jornada para entender os reais incentivos do outro jogador a fim de prever as reações dele, é muito provável que ele busque 80

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maximizar os próprios objetivos. Chamamos esse propósito de “autointeresse”, do inglês self­‑interest. O autointeresse não é sinônimo de “egoísmo” e não neces‑ sariamente significa “eu mais, você menos”, ou “eu ganho, você perde”. É o interesse nos próprios ganhos, o que é um de‑ sejo legítimo: “O outro pode ganhar mais, eu não me importo, desde que eu ganhe o que eu quero, como lucro, bom preço, ser promovido, mais dinheiro, poder etc. Meu autointeresse não está vinculado à sua perda – pode existir o ganha­‑ganha, mes‑ mo com autointeresse”. Não estamos falando de sabotagem ou métodos destruidores; não há nada de imoral em buscar os próprios objetivos. 

 Pode parecer paradoxal, mas o autointeresse também be‑ neficia os outros. Popularizado por Adam Smith, há uma cor‑ rente econômica que diz que a sociedade como um todo faz avanços porque os indivíduos maximizam os próprios objetivos (autointeresse). Conhecer esses objetivos individuais, particu‑ larmente os do adversário, é a essência do pensamento estraté‑ gico. James Miller apresenta um exemplo caricato de como o autointeresse ajuda todo mundo e induz à colaboração. Em seu livro Game theory at work: how to use game theory to outthink and outmaneuver your competition,28 ele escreve assim: No mundo da Teoria dos Jogos não existe clemência ou compai‑ xão; apenas autointeresse. A maioria das pessoas se preocupa apenas com elas, e todo mundo sabe e aceita isso. O seu empre‑ gador nunca vai te dar um aumento porque “é uma coisa legal a MILLER, J. Game theory at work: how to use game theory to outthink and out‑ maneuer your competition. McGraw­‑Hill, 2003.

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fazer”. Você conseguirá o aumento se convencê­-lo de que isso serve aos interesses dele. Mesmo quando todos agem de forma cruel e competitiva, a lógica da Teoria dos Jogos ensina que as pessoas egoístas devem cooperar e tratar os outros com lealdade e respeito. Você poderia me perguntar, por exemplo: “Ler este livro irá me ajudar a ganhar dinheiro?”. Uma resposta genuína em Teoria dos Jogos seria: “Uma vez que você já comprou este livro, então eu realmente não me im‑ porto com o benefício que você terá ao lê­‑lo”.

 Na verdade, você provavelmente já comprou este livro ao ler a capa, a orelha, o índice e o primeiro parágrafo da introdução. Talvez eu devesse apenas me esforçar nessas pequenas partes do livro e no resto apenas “encher linguiça”: ser verborrágico e re‑ petitivo apenas para deixar o livro grosso o suficiente para custar mais caro. Afinal das contas, eu tenho mais coisas importantes na vida para fazer do que escrever para o prazer de pessoas que nun‑ ca encontrei. 

 É claro, eu gosto de dinheiro, e quanto mais cópias do livro eu vender, mais dinheiro vou ganhar. No entanto, se você gostar do li‑ vro, poderá sugerir a um amigo, que comprará uma cópia. E, se eu escrever outro livro, você estará mais propenso a comprá­‑lo se gostar deste aqui. Assim, por razões puramente egoístas, eu me esforço para oferecer a você informações valiosas.

 Além disso, a editora do livro tem o direito contratual de re‑ jeitar meu manuscrito. Como ela é uma empresa de longos anos no negócio de publicações, seria afetada negativamente se publi‑ casse um conteúdo imbecil numa boa embalagem. Por isso, se eu falhar em colocar algo de valor neste livro, a editora vai pedir de volta o dinheiro que me adiantou. Então, saiba que se você acabar 82

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gostando deste livro, não será por que eu escrevi com o propósito de deixá­‑lo feliz. Eu o escrevi para maximizar meus rendimentos, não me importo com sua satisfação. É o sistema capitalista sob o qual os livros são produzidos que criam incentivos para eu seria‑ mente me esforçar a escrever um livro que os consumidores vão gostar e ter benefícios ao ler.



Esta postura irônica de James Miller pode ser um tanto ca‑ ricata ou exagerada, mas representa bem como o autointeresse do escritor fornece benefícios aos leitores e à editora. Como moral da história, você precisa manter em mente que, na maio‑ ria dos jogos, seus parceiros e concorrentes estão pensando ne‑ les mesmos. Isso tem duas implicações: primeiro, você precisa saber exatamente qual é a motivação deles; segundo, como vi‑ mos, o autointeresse não é necessariamente ruim.

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3

Racionalizando a irracionalidade

Geralmente, os

não economistas reclamam dos econo‑

mistas quando o assunto é usar modelos racionais de decisão. Um artigo da revista The Economist, chamado “The benevolence of self­‑interest”,29 apresenta a seguinte questão: Como os economistas esperam ser levados a sério se o seu modelo de homem racional é tão patentemente inadequado? A economia clássica assume que as pessoas são movidas pela busca racional do autointeresse. Mas, como todos sabem, as pessoas não são racionais e muitas vezes agem desinteressadamente. Onde se encontra, nessa visão do homem como uma máquina de calcular, o reconhecimen‑ to do dever, do amor e do autossacrifício na conduta humana?
 29 THE BENEVOLENCE OF SELF­INTEREST. The Economist, 10 dez. 1998. Dispo‑ nível em: . Acesso em 25 out. 2016.

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Como resposta, o artigo alerta que primeiro é preciso ques‑ tionar se o termo “racional” tem o mesmo significado para os economistas e para os críticos. Na economia clássica, dizer que as pessoas são racionais não é assumir que nunca cometem er‑ ros, como os críticos geralmente supõem. É apenas dizer que eles não cometem erros sistemáticos, ou seja, que não come‑ tem o mesmo erro várias vezes. E, quando os economistas fa‑ lam em autointeresse, não se referem apenas à satisfação dos desejos materiais, mas a uma ideia mais ampla de “preferên‑ cias”, que pode facilmente incluir, entre outras coisas, o bem­ ‑estar dos outros.

 Mesmo quando os termos são adequadamente com‑ preendidos, a busca racional do autointeresse é uma hipóte‑ se simplificadora. A questão é saber se essa simplificação é útil ou não. O comportamento humano é muito complicado para ser analisado – e gerar um padrão – sem o emprego de tais simplificações. Em quase todos os ramos da Economia, a racionalidade tem sido uma simplificação muito útil para ge‑ rar compreensões.

Mas, se os críticos da Economia acreditam que é possível fazer análises sociais, desprezando a abor‑ dagem da Economia, seria melhor perguntar a eles que outra hipótese simplificadora preferem usar. Sem surpresa, eles ainda não apresentaram uma al‑ ternativa plausível.

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R acionali z ando a irracionalidade

Mas o que é racionalidade?

 Michael Allingham, no livro Choice theory: a very short introduc‑ tion,30 apresenta uma visão interessante sobre a racionalidade, definindo­‑a como um padrão coerente de escolhas relacionadas a um menu de opções. Segundo ele, devemos verificar o modo como as escolhas mudam quando o menu muda. Um menu simplificado em um restaurante poderia constar de: (1) sanduí‑ che de carne; (2) sanduíche de frango. Assim, existem quatro opções de escolha: não comer nada, carne, frango ou ambos. 

 Por exemplo, você escolhe o sanduíche de carne, e não há nada de irracional nisso. No entanto, quando o garçom chega para anotar o seu pedido, ele diz que também tem sanduíche de queijo. O efeito dessa informação é que agora você tem um menu com três sanduíches: (1) carne; (2) frango; (3) queijo. Daí você muda de opinião e escolhe frango. De novo, não há nada errado na sua escolha. Entretanto, claramente há alguma coisa inapropriada no seu padrão de escolha: sua opção mudou quando o menu foi acrescido de um item que você não quer, o sanduíche de queijo. Nessa situação, a adição de um item irrelevante (que você não quer) não deveria afetar sua decisão. Não faz sentido mudar de opinião entre carne e frango porque apareceu a opção de quei‑ jo. Isso seria incoerente. Outro exemplo é um menu com sopas de aspargo, cebola e espinafre. Você escolhe aspargo. O garçom então diz que não tem sopa de espinafre. Daí você escolhe sopa de cebola. De ALLINGHAM, M. Choice theory: a very short introduction. Oxford Univer‑ sity Press, 2002.

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novo, a ausência de um item que você não escolheria não pode‑ ria afetar sua opção; isso seria incoerente (ou seja, seria irracio‑ nal). Em resumo, a irracionalidade pode ser interpretada de várias maneiras. Muitas pessoas relacionam irracionalidade à emoção para diferenciá­‑la da razão ou da racionalidade.

Em Teoria dos Jogos, irracional é o comportamento incoerente e inconsistente com um padrão de prefe‑ rências na escolha de um item do menu. Assim, a irracionalidade não tem necessariamente origem na emoção, na intuição ou numa decisão por impulso. 




No mundo dos negócios existe menos irracionalidade Anthony Kelly, no livro Decision making using game theory,31 embora admitindo que muitas vezes o comportamento huma‑ no é puramente emocional, defende que a premissa da raciona‑ lidade nos modelos de decisão ainda é válida. No ambiente dos negócios, há um tipo de seleção natural que induz sucessivas gerações de tomadores de decisão a ser mais racionais com base no fato de que as organizações que selecionam estratégias “sub­‑ótimas” eventualmente fecham as portas e desaparecem frente aos competidores. No mundo atual, os executivos são bem­‑formados, treina‑ dos, possuem experiência e grande conhecimento dos impactos das ações nos negócios. O que pode acontecer é que as percepções entre os jogadores sobre os ganhos sejam diferentes, o que não KELLY, A. Decision making using game theory. Cambridge University Press, 2004.

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tem nada a ver com a racionalidade, e sim com a metodologia do cálculo. O executivo pode ser racional e, mesmo assim, errar. E mais, o seu adversário pode ter outras preferências e disposição ao risco, reagindo, portanto, a um cenário de modo diferente. Então o desafio está em entender as predisposições de todos os jogadores e agir racionalmente em função disso. Você entra em um jogo para maximizar seu lucro, achando que o adversário de‑ seja o mesmo; entretanto, ele reage para maximizar sua partici‑ pação de mercado, e não o lucro, como você tinha imaginado. Não há nada de irracional em suas decisões e seus objetivos, tam‑ pouco nas decisões e nos objetivos dele. 

 Assim, definir a irracionalidade com base no resultado ou na ação é, no mínimo, suspeito e incompleto. Na verdade, seria extremamente racional fingir­‑se irracional se isso fizesse parte do jogo para atingir o objetivo. Como em todo jogo, os jogado‑ res devem tentar conhecer o adversário para prever todo tipo de movimento. 

 Na definição da Teoria dos Jogos, um jogador racional é aquele que (1) avalia os resultados, no sentido de ranqueá­‑los em ordem de preferência; (2) calcula os caminhos para os resul‑ tados para entender quais ações levam a eles; (3) seleciona ações entre um conjunto de alternativas que levam aos resultados de maior preferência, dada as reações dos outros jogadores. Em re‑ sumo, o racional é aquele que visualiza as alternativas possíveis e escolhe aquela que melhor serve aos seus propósitos. Por exemplo, imagine que você esteja jogando xadrez com seu filho. Geralmente seu objetivo é ganhar o jogo; mas, quando joga contra seu filho, você deseja perder para deixá­‑lo ganhar. Assim, você escolhe movimentos adequados para atingir seu 89

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objetivo (você perde e ele ganha). Você foi racional porque agiu coerentemente – perdeu o jogo de propósito e ganhou a satisfa‑ ção de ver seu filho feliz.

A explicação racional sobre o irracional
 Você já deve ter lido vários artigos sobre decisões baseadas em emoção e intuição que são contrárias à racionalidade. Alguns po‑ deriam dizer que a emoção é ruim, pois induz a decisões “sub­ ‑ótimas”, e que deveríamos calcular e ponderar todas as situa‑ ções racionalmente, com prós e contras. Por outro lado, há autores que defendem a ideia de que a mente humana não é muito lógica e que boas decisões não nascem da razão, e sim da intuição. Podemos citar alguns defensores do poder da intuição para a tomada de decisão: Malcolm Gladwell no livro Blink: a decisão num piscar de olhos,32 Gerd Gigerenzer em O poder da intuição: o inconsciente dita as melhores decisões33 e Eugene Sadler­‑Smith no livro Mente intuitiva: o poder do sexto sentido no dia a dia e nos negócios.34 Todos são ótimos livros e valem a leitura.

Entretanto, o que quero destacar até é uma consta‑ tação curiosa: todas as publicações sobre o assunto apresentam argumentos racionais para explicar o comportamento irracional ou emocional. 32 GLADWELL, M. Blink: a decisão num piscar de olhos. Rio de Janeiro: Rocco, 2005. 33 GIGERENZER, G. O poder da intuição: o inconsciente dita as melhores deci‑ sões. Best Seller, 2008. 34 SADLER­‑SMITH, E. Mente intuitiva: o poder do sexto sentido no dia a dia e nos negócios. São Paulo: Évora, 2011.

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Entendo que essa constatação não poderia ser diferente: se quer explicar algo que faça sentido a alguém, você recorre à ló‑ gica e à argumentação coerente. Max Bazerman e Margaret Neale, em seu livro Negociando racionalmente,35 apresentam alguns comportamentos irracio‑ nais facilmente previsíveis. Veja um exemplo: você acompa‑ nha um incêndio numa casa do seu bairro e fica aterrorizado, pensando que aquilo também poderia acontecer na sua. Não é racional pensar assim, pois é muito raro, estatisticamente, ocorrer incêndios, ainda mais no seu bairro. As pessoas ten‑ dem a superestimar a ocorrência de eventos improváveis quando as lembranças associadas a eles são particularmente dramáticas. Como nesse exemplo, se você vir uma casa em chamas, isso aumenta a sua crença de que tal acidente pode ocorrer com muito mais frequência do que simplesmente se lesse uma notícia no jornal a respeito de um incêndio em uma residência qualquer e longe da sua casa. Em outro exemplo, pesquisadores perguntaram a dois gru‑ pos, que ouviram diferentes nomes de pessoas famosas, se as listas tinham mais nomes de homens ou de mulheres. Uma de‑ las continha mais nomes de homens, mas as mulheres presen‑ tes na lista eram comparavelmente mais famosas. A outra con‑ tinha mais nomes de mulheres, mas os homens da lista eram comparavelmente mais famosos. Em ambos os casos, os grupos acharam, incorretamente, que as listas de mais homens famo‑ sos continham mais homens; o mesmo aconteceu com a lista de mais mulheres famosas. 
 BAZERMAN, M. H.; NEALE, M. A. Negociando racionalmente. São Paulo: Atlas, 1998.

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Os cientistas acharam uma explicação lógica para os dois casos. Entre os vários vieses do pensamento, aplica­‑se aqui o viés da disponibilidade, ou da facilidade de lembrança. Nesses casos, os indivíduos julgam que os eventos mais facilmente lembrados, com base em sua vividez ou ocorrência recente, são mais numerosos. Essa é uma boa explicação racional. E qual se‑ ria então a explicação emocional? Não existe uma explicação emocional para um comportamento emocional. Geralmente explicamos as decisões irracionais por meio de explicações ra‑ cionais, dando coerência para a incoerência. Esses fenômenos são bem explicados por Dan Ariely em Previsivelmente irracio‑ nal36 e por Max Bazerman e Don Moore em Processo decisório.37 O que buscamos nos argumentos para explicar o mundo são padrões de causa e efeito. Padrão garante previsibilidade e previsibilidade garante explicação ou predição. Essa é a essên‑ cia de todo modelo econômico, psicológico e sociológico – ex‑ plicar o passado e prever o futuro de forma coerente e lógica – para explicar qualquer fenômeno ou atitude, seja racional ou emocional. Embora a mente humana seja bastante complexa, as teorias econômicas são baseadas em conceitos abstratos e racionais para ser transmitidas de forma eficiente e gerar mais conhecimento. A função de uma teoria é criar um modelo de pensamento organizado e disciplinado para comunicar uma ideia e explicar ou prever algum comportamento. Assim, embora a Teoria dos Jogos antecipe estratégias ra‑ cionais de jogadores racionais, o seu sucesso para a competi‑ ARIELY, D. Previsivelmente irracional: como as situações do dia a dia influen‑ ciam as nossas decisões. São Paulo: Elsevier, 2008. 37 BAZERMAN, M. H.; MOORE, D. Processo decisório. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 36

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ção ou a cooperação está exatamente no entendimento do comportamento do adversário, em particular, e de todos os vieses emocionais que ele possa apresentar. O padrão e o co‑ nhecimento do outro são mais importantes do que a discussão sobre a racionalidade ou a irracionalidade de uma estratégia.

PREVENDO OS PRÓPRIOS “LAPSOS DE RACIONALIDADE”

Você deve pensar que antecipar movimentos competitivos se refere a prever as ações dos outros. Não necessariamente, pois você pode querer antecipar suas próprias ações. Thomas Schelling, no livro Strategies of commitment and other essays,38 apresenta um cenário bem interessante para ilustrar como decisões racionais no presente podem prevenir ações irracionais no futuro, o que ele chamou de lapsos de racionalidade. 

 Imagine um homem que deixou de fumar há três meses. Durante as oito primeiras semanas ele foi atormentado por um constante desejo de fumar, mas as últimas quatro semanas foram mais confortáveis, o que o deixou otimista quanto ao sucesso de sua empreitada. Numa tarde de domingo, um amigo apareceu na casa dele, sem avisar, para uma conver‑ sa de negócios. Após o bate­‑papo, o amigo foi embora. Quando nosso “fumante recuperado” voltou à sala, encontrou um maço de cigarros aberto na mesa do café. Pegou o maço e correu até a porta, mas o carro do seu amigo já tinha desaparecido na esquina.

 Como ele iria encontrar o amigo na manhã seguinte, guardou o maço no bolso da jaqueta e a pendurou no quarto; assim poderia devol‑ ver os cigarros. Em seguida, ele foi para a frente da televisão com uma bebida. Vinte minutos de televisão depois, ele voltou ao quarto, tirou os cigarros do bolso da jaqueta e estudou o maço durante um minuto. Daí decidiu ir até o banheiro, esvaziar os cigarros no vaso sanitário e dar descarga. Então voltou à bebida e à televisão aliviado.

 38 SCHELLING, T. C. Strategies of commitment and other essays. Harvard Uni‑ versity Press, 2007.

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O que acabamos de testemunhar? Poderíamos dizer que o nosso su‑ jeito antecipou que, na presença dos cigarros, algo que ele não gostaria poderia ocorrer. Então jogou fora os cigarros para se prevenir. Desperdi‑ çar alguns reais em cigarros do amigo foi uma proteção barata. No mo‑ mento em que jogou os cigarros fora, ele lidou racionalmente com o risco de fazer algo que não queria fazer. Podemos interpretar o ato desse ho‑ mem como uma tentativa racional de prevenir um comportamento não ótimo que a presença do maço poderia motivar. Ele poderia explicar aquele comportamento como a antecipação de algum ato irracional en‑ quanto ainda pensava racionalmente. Perceba como as pessoas programam estratégias de limitar o pró‑ prio comportamento futuro: muitas vezes o modo como elas restringem as próprias atitudes parece ser o mesmo que fazem para restringir o comportamento de outras pessoas. Nesse caso, parecem tratar o “eu fu‑ turo” como se fosse “outro indivíduo”. Por exemplo, se a esposa do nosso homem estivesse numa batalha para parar de fumar, e o seu amigo de negócios tivesse deixado cigarros na casa deles, ele certamente iria se desfazer dos cigarros antes que a esposa voltasse para casa. Assim, di‑ zer que ele trata a “sua personalidade futura” como se fosse “outro ele mesmo”, ou “o outro alguém”, faz pouca diferença.

 A maior parte da literatura sobre esse tema em Economia e Filoso‑ fia descreve a situação como uma modificação das preferências ao longo do tempo. Imagine:
 »» »» »»

Às cinco horas o homem não quer fumar.
 Às cinco horas ele não quer fumar às dez.
 Às dez horas ele quer fumar, mesmo lembrando­‑se perfeitamente bem de que há cinco horas ele não queria que ele fumasse às dez e que há três meses ele não queria fumar em nenhum momento. 


Não é fácil descrever por que o homem acenderia o cigarro se alguns momentos antes ele esperava não fumar. É racional que ele satisfaça o impulso de fumar, exercendo sua soberania, às dez horas? Essa é uma

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R acionali z ando a irracionalidade

pergunta que não pode ser respondida pela teoria clássica de escolha racional. Esse homem até poderia se referir ao seu lapso como irracional, se assim quiser chamá­‑lo; pelo menos assim lhe parece às cinco horas. Neurologicamente pode haver uma resposta, mas nessa avaliação é difí‑ cil dizer se sucumbir às dez horas poderia ser julgado racional, irracional ou um “lapso de racionalidade”, como prefere chamar Schelling. 

 De qualquer modo, na hora de prever os movimentos dos adver‑ sários (ou nossos), devemos reconhecer que as mudanças de preferên‑ cia ao longo do tempo existem de fato e considerá­‑las, quando apro‑ priado, da mesma maneira como devemos entender os reais incentivos e motivações das pessoas. Chamar de racional, irracional, lapso de ra‑ cionalidade ou mudança de preferência ao longo do tempo, pouco im‑ porta. É preciso entender esse fenômeno para poder aprimorar o pen‑ samento estratégico.  

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Parte 2

A LÓGICA DA COOPERAÇÃO

R E S U M O D A PA R T E 2

A LÓGICA DA COOPERAÇÃO

Esta seção contém ferramentas e dicas para buscar a cooperação, mesmo quando há incentivos contrários. No Capítulo 4 > Dilema dos Prisioneiros – você verá um dos jogos mais famosos no mundo da Teoria dos Jogos – uma anedota sobre dois prisioneiros e o dilema entre trair ou cooperar. Na histó‑ ria, dois suspeitos são presos e, colocados em celas separadas, pre‑ cisam confessar ou não um crime sem saber a escolha do compar‑ sa. Como resultado, embora a cooperação mútua (no caso, ficar quieto e não confessar) seja melhor para todos, a traição (confessar e trair o companheiro) é a melhor solução racional. Mostrarei como essa situação é análoga a várias situações da vida cotidiana. No Capítulo 5 > As duas soluções para a cooperação – apresento como resolver o Dilema dos Prisioneiros. Como conseguir a cooperação 99

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

quando os incentivos induzem as pessoas ao egoísmo e ao individua‑ lismo, mesmo sabendo que no final todos perdem? Existem duas formas: a primeira é ter um regulador central; a segunda é a estraté‑ gia do Olho por Olho em jogos repetitivos. 
 No Capítulo 6 > Outros dilemas da cooperação – mostro que o Dilema dos Prisioneiros ocorre quando há dois jogadores (duas pes‑ soas ou duas empresas). Mesmo assim, o raciocínio básico do dilema entre colaborar e competir também pode ser aplicado para uma po‑ pulação inteira. Nesse caso, entram em cena a tragédia dos comuns, os free riders e todos os demais dilemas sociais.

100

4

O Dilema dos Prisioneiros

O Dilema dos Prisioneiros39 é um dos jogos mais famosos no mundo da Teoria dos Jogos – apresenta a história de dois prisio‑ neiros e o dilema entre trair e cooperar. Na prática, esse jogo representa várias situações da vida cotidiana ou corporativa em que, embora a colaboração entre os prisioneiros (jogadores, pessoas) proporcione resultados melhores, individualmente a melhor escolha é trair, prejudicando a todos. Resumidamente, a história é a seguinte: dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. Como não existem provas suficientes para condená­‑los, eles são presos em celas diferentes e é ofere‑ cido a ambos o mesmo acordo:

O Dilema dos Prisioneiros foi inventado em 1950 por Merrill Flood e Melvin Dresher e foi adaptado e divulgado por A. W. Tucker.

39

101

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

FIGURA 4.1

O Dilema dos Prisioneiros

FONTE: AUTOR

»»

Se um deles confessar o crime (ou seja, trair o comparsa) e o outro permanecer em silêncio, quem confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre dez anos. 


»»

Se ambos ficarem em silêncio (colaborarem um com ou outro), a polícia só pode condenar cada um dos suspeitos a um ano de prisão. 


»»

Se ambos confessarem (traírem o comparsa), cada um fi‑ cará cinco anos na cadeia. 

 Cada prisioneiro toma a decisão sem saber da escolha do

outro – eles não podem conversar. Como os prisioneiros vão reagir? Existe alguma decisão racional a tomar? Qual seria a sua decisão?

 Uma forma esquemática para mostrar uma interação hu‑ mana, ou seja, um jogo, é usar uma matriz de resultados.40 Em‑ bora o enunciado do problema seja simples e intuitivo, a repre‑ sentação gráfica nos oferece grande ajuda para visualizar o cenário completo e entender as opções de cada jogador e suas respectivas implicações.
 Em inglês, o termo usado é “payoff matrix”. Em português, existem algumas variantes: matriz de resultados, matriz de recompensas e matriz de pagamentos.


40

102

O D ilema dos P risioneiros

FIGURA 4.2

Matriz de resultados do Dilema dos Prisioneiros

 Prisioneiro A Colaborar (silêncio)

Colaborar (silêncio)

1 ano 1 ano

Trair (confessar) Livre 10 anos

Prisioneiro B Trair (confessar)

10 anos Livre

5 anos 5 anos FONTE: AUTOR

Nesta figura você visualiza as opções de cada prisioneiro e o resultado de cada combinação de ações. Para cada célula, os valo‑ res à direita referem­‑se ao Prisioneiro A e os da esquerda, ao Prisio‑ neiro B. Estão descritas também as penas de cada um. Neste cená‑ rio, quanto menor o valor da pena, melhor para os prisioneiros. 

 Lembremos que eles não podem combinar o que fazer (estão em celas isoladas e sem comunicação) e devem escolher simul‑ taneamente. Cada jogador quer ficar preso o menor tempo pos‑ sível, ou seja, maximizar seu resultado individual. Qual é a me‑ lhor decisão?

Resolvendo o jogo Considerando os incentivos do jogo (os valores das penas de prisão para cada combinação de decisões na matriz), existe 103

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

uma única decisão racional a tomar, que parece ser contrária à intuição: Trair. A explicação é a seguinte: imagine que você é o Prisioneiro A. Assim, deve considerar duas hipóteses: »»

Suponha que o Prisioneiro B escolha Colaborar. Então, se você escolher Colaborar, pega um ano de prisão. Se esco‑ lher Trair, você sai livre. Nesse caso, Trair é a melhor opção.

FIGURA 4.3

Matriz de resultados do Dilema dos Prisioneiros

 Prisioneiro A Colaborar (silêncio)

Colaborar (silêncio)

1 ano 1 ano

Trair (confessar) Livre 10 anos

Prisioneiro B Trair (confessar)

10 anos Livre

5 anos 5 anos FONTE: AUTOR

»»

Suponha que o Prisioneiro B escolha Trair. Então, se você escolher Colaborar, leva dez anos de prisão. Se escolher Trair, fica com cinco anos. Nesse caso, Trair é a melhor opção.

104

O D ilema dos P risioneiros

FIGURA 4.4

Matriz de resultados do Dilema dos Prisioneiros

 Prisioneiro A Colaborar (silêncio)

Colaborar (silêncio)

Trair (confessar)

1 ano 1 ano

Livre 10 anos

Prisioneiro B Trair (confessar)

10 anos Livre

5 anos 5 anos FONTE: AUTOR

Perceba que Trair é a melhor opção em ambos os casos. Em outras palavras, Trair é a melhor opção, independentemente da de‑ cisão do outro. Agora, imagine o que o Prisioneiro B está pensando. Se ele é racional como você, provavelmente pensa a mesma coisa. »»

Ele supõe que você vai escolher Colaborar. Então, se ele escolher Colaborar, leva 1 ano de prisão. Se escolher Trair, sai livre. Nesse caso, Trair é a melhor opção.

»»

Ele supõe que você vai escolher Trair. Então, se ele esco‑ lher Colaborar, leva dez anos de prisão. Se escolher Trair, fica com cinco anos de prisão. Nesse caso, Trair é a melhor opção.

105

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

De novo, perceba que Trair é a melhor opção em ambas situações. Em Teoria dos Jogos, chamamos a estratégia Trair de estra‑ tégia dominante, ou seja, aquela que apresenta o melhor resul‑ tado, independentemente da decisão do outro jogador. Quando, em certo jogo, devido ao esquema de incentivos (a matriz de resultados), você não precisa se preocupar com a decisão alheia porque existe uma opção melhor, independente do seu compe‑ tidor, então você deve escolher a estratégia dominante.

 Nesse exemplo dos prisioneiros, como ambos vão escolher Trair, devido à estratégia dominante, cada um ficará preso por cinco anos. Assim, dizemos que Trair­‑Trair é a solução de equilí‑ brio, equilíbrio do jogo ou Equilíbrio de Nash.41 O Equilíbrio de Nash é a solução (combinação de decisões) em que nenhum jogador pode melhorar seu resultado com uma ação unilateral. Ou seja, dado que Trair­‑Trair é a solução de equilíbrio (o resultado racional do jogo), se o Prisioneiro A mudar unilateralmente para Colaborar, ele sai perdendo (dez anos); o mesmo ocorre com o Prisioneiro B.

O dilema: a escolha individual não é o melhor para ambos

 O grande problema no Dilema dos Prisioneiros é que o equilí‑ brio (Trair­‑Trair) não é o melhor resultado, pois existe um ou‑ tro possível e bem melhor: se ambos escolherem Colaborar (fi‑ car em silêncio), cada um ficaria apenas um ano na prisão. Por O nome Equilíbrio de Nash é devido ao seu teórico, John Nash Jr., ganhador do prêmio Nobel em 1994, que foi retratado no filme Uma mente brilhante, em 2001. Veja mais detalhes nos apêndices.

41

106

O D ilema dos P risioneiros

isso, dizemos que o Dilema dos Prisioneiros resulta em um equilíbrio ineficiente, pois o esquema de incentivos e a racionali‑ dade induzem a um resultado pior. 

 Você poderia imaginar que esse equilíbrio só ocorre porque as pessoas não podem conversar e combinar as ações; se pu‑ dessem fazer um acordo prévio, tudo se resolveria. Isso não é necessariamente verdade. Você quer colaborar (ficar em silên‑ cio), mas quem garante que o seu parceiro fará o mesmo? Quanto você confia no outro jogador? Imagine que você é um bandido e combina previamente com seu comparsa que, se forem pegos, não vão trair um ao outro. Então você é preso, sua vida está em jogo e você quer manter sua palavra. Seu comparsa sabe isso. Então, o que ga‑ rante que, no último instante, ele não vai te trair, justamente sabendo que você vai colaborar? Para ele é simples: ele sai livre e você pega dez anos de prisão... Mas então já é tarde. Provavelmente o seu comparsa pensará da mesma forma a seu respeito. Ele pode realmente confiar em você? Por isso, o Dilema dos Prisioneiros se torna, na verdade, um dilema de con‑ fiança. Como resolver essa questão? Você verá mais adiante, mas antes vamos mostrar mais alguns exemplos desse dilema.  

Mas não é só combinar o jogo?

 Escuto essa pergunta frequentemente. Afinal, basta combinar a cooperação e pronto. Existe um jogo que faço em palestras para provar que não é simples assim. Geralmente eu chamo um vo‑ luntário que ainda desconhece a dinâmica do Dilema dos Pri‑ sioneiros e mostro o seguinte esquema de incentivos. 107

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

FIGURA 4.5

Dilema dos Prisioneiros em outro formato VOCÊ Esquerda

Direita

3

5

Esquerda 3

0

EU 0

1

Direita 5

1 FONTE: AUTOR

Explico que os números representam pontos, mas pode‑ riam ser dinheiro ou balas. O objetivo é conseguir o maior valor possível, mas vamos jogar apenas uma vez. Forneço um tipo de cartão com as duas opções (Esquerda ou Direita) e peço que ambos (eu e o voluntário) mostremos os cartões para a plateia simultaneamente. Não podemos combinar, conversar nem ver a opção do outro previamente. Note que não existe a palavra “colaborar” ou “trair” no jogo, mas, com um olhar atento às pontuações, dá para entender qual é qual. Não surpreendentemente, o voluntário geralmente escolhe Esquerda, pensando conquistar 3 pontos, pois parece ser ra‑ zoável para todos. E eu, de propósito, escolho Direita, ganho 5 pontos e o voluntário, zero. Imediatamente aparece uma frus‑ tração no rosto dele. “Por que ele fez isso?”, ele se pergunta. Eu respondo que o jogo é claro: conquistar a maior pontuação. Eu consegui, não há nada de errado nisso. Arrisquei e ganhei. 108

O D ilema dos P risioneiros

Então lhe proponho uma nova jogada. O voluntário se ani‑ ma, escolhe Esquerda de novo e eu o “traio” mais uma vez, jo‑ gando Direita. Daí o voluntário fica bravo. Eu faço a soma das duas rodadas e, ironicamente, esbanjo “inteligência”. Finalmente eu digo: “Vamos combinar de escolher Esquer‑ da/Esquerda?”. O voluntário parece confiar, eu retomo a credi‑ bilidade, e jogamos mais uma vez. Apresentamos os cartões de novo, e eu... Novamente escolho Direita (traio!). Ganho 5 pon‑ tos mais uma vez e ele, zero! Não cumpri minha palavra, certo? Ora, isso é um jogo, e o objetivo claro é ganhar mais pontos. Proponho mais uma rodada. Sabe o que acontece? O vo‑ luntário começa a trair, e eu também, e ninguém mais ganha muitos pontos. Perdemos a confiança um no outro, mas ganhei vários pontos nas primeiras jogadas. Tudo isso foi de propósito para reforçar alguns insights. Primeiro, o esquema de incentivos (as pontuações) induz mais à traição do que à cooperação, mesmo que a cooperação forneça melhores resultados para ambos desde o início. Segundo, a confiança é desacreditada após a primeira traição. Mesmo que se diga “Vamos combinar de colaborar”, é difícil acre‑ ditar, pois é tentador trair para ganhar mais. Não há garantias.

O Dilema dos Prisioneiros na prática: a guerra de preços O conflito típico dos jogos da categoria Dilema dos Prisioneiros é aquele em que cada jogador escolhe sua estratégia dominante e o resultado do jogo é pior para o grupo como um todo – é o conflito entre o interesse individual e o coletivo. Na prática, esse jogo­ ‑modelo é uma das metáforas mais poderosas da ciência do com‑ 109

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

portamento humano, pois inúmeras interações sociais e econômi‑ cas têm a mesma estrutura de incentivos (a matriz de resultados). Imagine uma cidade com apenas dois postos de gasolina. Você é dono de um deles, chamado GASOIL, que fica ao lado do posto do seu concorrente, o AUTOGAS. Devido à proximidade dos dois, quando uma pessoa precisa abastecer o carro, ela vai até eles, confere os preços e escolhe o menor. Embora existam outras características que diferenciam os postos, como a cor‑ dialidade e a velocidade dos frentistas, considere por um mo‑ mento que o preço é o fator mais relevante. FIGURA 4.6

Dilema dos Prisioneiros entre postos de gasolina

FONTE: AUTOR

Assim, se o critério é preço, alguns centavos a menos po‑ dem induzir parte dos clientes a preferir o posto que cobra o menor valor. Por exemplo, quem abaixar o preço em 5% ganha cerca de 30% dos clientes do concorrente. Esse aumento de vo‑ lume de clientes compensa o preço reduzido, melhorando a rentabilidade, enquanto o outro perde faturamento. Por isso, você pensa: “Que tal abaixar o preço do litro de $3 para $2,90?”. Isso fará com que os habituais clientes do AUTOGAS (concor‑ rente) passem a abastecer no GASOIL (o seu posto).

 A vida empresarial seria mais fácil se as decisões fossem assim, isoladas. Entretanto, como o seu concorrente vai reagir? 110

O D ilema dos P risioneiros

Ao notar que você abaixou o preço e ele perdeu clientes, ele também vai abaixar o preço para $2,90. Como resultado, os dois postos terão preço igual ($2,90 no lugar de $3) e o mesmo volume de clientes, como antes, mas ambas as empresas per‑ dem faturamento e lucro. Essa é a essência da guerra de preços, que prejudica o negócio dos dois postos. 

 Suponha que vocês tomem a decisão simultaneamente. Se hoje é domingo, vocês vão decidir o preço da segunda­‑feira. Durante o dia não é possível alterar o preço, mas apenas de um dia para outro. Vocês não se conversam e não sabem qual preço o outro vai adotar. Você ficará sabendo apenas no dia seguinte, e qualquer arrependimento será tarde demais – você terá de es‑ perar pelo menos um dia inteiro para tomar qualquer provi‑ dência, isto é, até o dia seguinte.

 Considerando essa dinâmica de mercado com clientes sen‑ síveis ao preço, os dois postos têm incentivos para abaixar o pre‑ ço e ganhar mais momentaneamente. Entretanto, se os dois o fizerem, ambos saem perdendo. Assim, preventivamente, você conversa com o dono do AUTOGAS, e vocês combinam de não abaixar os preços. Ele concorda, mas você vai dormir com a dú‑ vida: será que posso confiar nele? Se ele abaixar o preço à noite, você perderá toda a clientela do dia seguinte. Você está num di‑ lema – o dilema da confiança, ou Dilema dos Prisioneiros.

 Embora seja intuitivo, podemos representar, a seguir, a matriz de resultados dos postos de gasolina. Em cada célula (combinação de escolhas), o valor da esquerda refere­‑se aos ganhos do GASOIL, e o valor da direita aos ganhos do AUTO‑ GAS. O valor em si é meramente ilustrativo, mas a proporção entre eles é relevante para a decisão. 
 111

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

FIGURA 4.7

Matriz de Resultados dos postos de gasolina AUTOGAS Manter preço

Manter preço

Reduzir preço

$50 $50

$60 $30

GASOIL Reduzir preço

$30 $60

$40 $40 FONTE: AUTOR

Se ambos colaborarem (manterem o preço original), os dois ganham $50 por dia. Se um deles abaixar o preço, recebe $60, enquanto o que mantém recebe apenas $30. Já se ambos reduzirem o preço, o resultado para cada um será $40, pois sig‑ nifica abaixar o preço sem aumentar o volume de clientes. De acordo com a metodologia de análise no Dilema dos Prisionei‑ ros, reduzir­‑reduzir é o ponto de equilíbrio ($40, $40), pois abaixar o preço é a estratégia dominante em cada um, resul‑ tando em valor pior se comparado àquele inicial. 

 Eles caíram na armadilha, e muitos chamam essas situações de dilema social – o interesse individual e a análise estritamente mate‑ mática e racional induzem a resultados piores do que opções que consideram o interesse coletivo. Como já foi mencionado, é difícil sair dessa armadilha – quem vai arriscar a colaborar (manter o pre‑ ço), se há chance de o outro trair (reduzir o preço) e ganhar sozi‑ nho? Você verá como resolver esse dilema no próximo capítulo. 112

5

As duas soluções para a cooperação

Como resolver o Dilema dos Prisioneiros? Como conseguir a cooperação quando os incentivos induzem as pessoas ao egoísmo e ao individualismo, mesmo sabendo que no final todos perdem? Existem duas formas: a primeira é ter um regulador central, e a segunda é a estratégia do Olho por Olho em jogos repetitivos. 
 FIGURA 5.1

Cidade Limpa em São Paulo

ANTES

DEPOIS

113

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Estratégia 1: O regulador central Uma das estratégias para conseguir a cooperação em um am‑ biente competitivo é o uso de uma autoridade central que force os jogadores a colaborar sob pena de alguma sanção. É o que ocorreu com a Lei Cidade Limpa, na cidade de São Paulo, vi‑ gente desde 2007. Antes da lei, existia na cidade uma verdadei‑ ra guerra de propaganda visual, um típico Dilema dos Prisio‑ neiros. Para serem vistos, os comerciantes colocavam letreiros cada vez maiores em suas lojas. Como consequência, as logo‑ marcas nem sequer eram notadas e aquilo gerava uma poluição visual enorme. Assim, ninguém saía lucrando (apenas as em‑ presas de letreiros...). Um modo de converter esse esquema numa matriz de re‑ sultados é mostrado na figura a seguir. FIGURA 5.2

Matriz de resultados da Lei Cidade Limpa Loja 1 Manter tamanho

Manter tamanho

Ok Ok

Aumentar tamanho Muito Nada

Loja 2 Aumentar tamanho

Nada Muito

Pouco Pouco FONTE: AUTOR

114

A s d uas solu ç õ es para a cooperaç ão

Se as empresas não entrassem na guerra do “O meu é maior e mais luminoso”, todos estariam ok (quadrante esquerdo su‑ perior – manter tamanho). Entretanto, a tentação era muito grande para não aproveitar: se a Loja 2 aumentar o tamanho de seu letreiro, o logo dela vai aparecer “muito” e o da Loja 1, “nada”, pois o grande ofusca o pequeno. O inverso ocorre se a Loja 2 aumentar o tamanho do letreiro e a Loja 1 manter o ta‑ manho do seu. O final você já sabe. Se ambas aumentarem o tamanho do letreiro, as duas aparecem “pouco”. Embora seja uma representação aproximada (os resultados são: ok, muito, nada, pouco), o esquema demonstra a essência desse jogo. Existe uma estratégia dominante para aumentar o tamanho do logo, uma vez que “muito” é melhor que “ok”, e “pouco” é melhor que “nada”. 

 Como resposta a esse dilema, a prefeitura de São Paulo li‑ mitou o tamanho dos letreiros de cada loja a 4 metros quadra‑ dos e até 5 metros de altura. Essas dimensões podem ser ques‑ tionadas do ponto de vista arquitetônico; entretanto, como política pública para combater a poluição visual e terminar a guerra entre as lojas (Dilema dos Prisioneiros), a lei é bem efi‑ caz, pois os jogadores (as lojas) não conseguiam cooperar es‑ pontaneamente. Afinal, eles estavam numa armadilha e não sabiam sair dela. Se você tem uma loja e decide manter o tama‑ nho do letreiro, quem garante que seu vizinho não vai aumen‑ tar o dele? E se ele aumentar, ofuscando o seu, o que você fará?



Outro exemplo de regulador central Quando governos de vários países proibiram a propaganda de cigarro, muitos acharam que seria o fim da indústria do tabaco. 115

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Mas não foi o que ocorreu. As empresas também estavam num típico Dilema dos Prisioneiros, presas à armadilha de gastar fortunas em propaganda. As campanhas publicitárias eram caras e ostensivas, mas o propósito era defensivo – uma em‑ presa fazia campanha porque as demais faziam. O exemplo é similar ao nosso caso do posto de gasolina: se uma empresa deixasse de fazer propaganda, dado o investimento da outra, os clientes poderiam migrar de marca e transferir o lucro. No fim, a restrição da propaganda ajudou as empresas a evitar campanhas milionárias; e mesmo sem esse artifício para atin‑ gir o público, não perderam lucratividade, pois os custos dimi‑ nuíram (para todos). Tanto no caso da Lei Cidade Limpa como no da propaganda de cigarro ou no aumento/redução de preços, os jogadores (empresas ou indivíduos) até agradecem uma autoridade cen‑ tral que os obrigue a um acordo coletivo que limite a competi‑ ção e o canibalismo.

Estratégia 2: Olho por olho, dente por dente42 Em que condições a cooperação surgirá num mundo de egoís‑ tas sem uma autoridade central? Essa foi uma das questões em que Robert Axelrod trabalhou para elaborar um estudo que re‑ sultou no livro A evolução da cooperação.43 Os primeiros indícios da máxima “Olho por olho, dente por dente” foram encontrados no Código de Hamurabi, de 1780 a.C., no reino da Babilônia. Esse princípio impede que as pessoas façam justiça por elas mesmas e de modo des‑ proporcional, ao punir crimes e delitos. A pena, chamada de retaliação, deveria ser exatamente igual ao crime.  43 AXELROD, R. A evolução da cooperação. São Paulo: Leopardo Editora, 2010. 42

116

A s d uas solu ç õ es para a cooperaç ão

Aqui entra em cena o conceito de reciprocidade ou, como dizem alguns autores, “Você coça minhas costas, depois eu coço a sua”. Eu colaboro com você, então você colabora comi‑ go. Mas sabendo que as pessoas respondem a incentivos e que a recompensa por uma traição é maior, o que garante que eu não vá trair? 

 Como Axelrod expõe, nas situações em que cada indivíduo tem um incentivo para ser egoísta, como a cooperação pode se desenvolver? A resposta para esse dilema, segundo os cientis‑ tas da Teoria dos Jogos, está na repetição infinita das interações entre os jogadores. O que torna possível a cooperação é o fato de os jogadores poderem se encontrar várias vezes. Traduzindo: vou colaborar porque sofrerei retaliação se eu trair, e é melhor você colaborar comigo, pois vou retaliá­‑lo se você me trair. A traição mútua não é vantajosa para ninguém. Mas o incrível acontece: a retaliação também possui o efeito inverso e promo‑ ve a cooperação. 
 O conceito é simples e intuitivo, mas foi sistematizado e provado. O estudo mais conhecido sobre interações repetitivas do jogo do Dilema dos Prisioneiros foi uma competição condu‑ zida por Axelrod em 1980. Ele convidou várias pessoas reno‑ madas das áreas de Teoria dos Jogos, Psicologia, Sociologia, Ciências Políticas e Economia, e propôs estratégias interativas para serem jogadas entre computadores. Os computadores ser‑ viam apenas para dar velocidade à simulação (o concurso tam‑ bém poderia ser feito de modo convencional, com várias pes‑ soas presentes, lápis e papel, mas seria muito demorado). 

 Como definição, estratégia é uma sequência de regras de de‑ cisão, é uma especificação do que fazer em qualquer situação 117

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

que possa surgir. Uma estratégia pode ser cooperar durante al‑ gumas jogadas e trair em outras; ela pode usar probabilidades, pode usar o padrão do concorrente e o padrão de resultados para decidir o que fazer em seguida. Nesse concurso, a estraté‑ gia deveria especificar o que fazer a cada interação do Dilema dos Prisioneiros e poderia usar todo o histórico de interação. Para cada jogada, o resultado era dado em pontos, como na ma‑ triz a seguir.
 FIGURA 5.3

Matriz de resultados no concurso promovido por Axelrod Jogador A Cooperar

Trair

3

5

Cooperar 3

0

Jogador B 0

1

Trair 5

1 FONTE: (AXELROD, 2010)

Esse esquema de pontuação lembra a matriz do Dilema dos Prisioneiros. Duas pessoas participam de um jogo. Elas preci‑ sam escolher entre duas opções: Cooperar ou Trair. As possíveis combinações são: »»

Se ambas cooperarem, cada uma ganha 3 pontos como Re‑ compensa.

118

A s d uas solu ç õ es para a cooperaç ão

»»

Se ambas traírem, cada uma ganha 1 ponto, que é a Puni‑ ção por não cooperar.

»»

Se uma trair enquanto a outra cooperar, a traidora recebe 5 pontos (que é a Tentação) e a colaboradora não recebe nada (é a Inocente). Como um jogador racional irá jogar? Traindo, é claro. Essa

é a resposta correta, como vimos anteriormente, não impor‑ tando o que o outro vai fazer, porque: »»

Se o outro jogador vai Cooperar, então você ganha 5 pontos ao Trair ou 3 pontos ao Cooperar. Melhor Trair.

»»

Se o outro jogador vai Trair, então você ganha 1 ponto ao Trair ou 0 pontos ao Cooperar. Melhor Trair. O problema é que o outro jogador, sendo racional, pensa

exatamente da mesma forma. Como resultado, ambos acabam ganhando apenas 1 ponto, muito menos do que se houvesse a cooperação mútua, pois assim poderiam ganhar 3 pontos cada. Como Karl Sigmund44 afirma, o Dilema dos Prisioneiros não é, de fato, um dilema, pois trair é a única opção racional. Então, como conseguir a cooperação? A resposta está na repetição do jogo, como foi demonstrado no concurso. 
 No torneio conduzido por Axelrod, cada programa com‑ petia com todos os outros programas (inclusive com ele mes‑ mo), e os pontos eram acumulativos. Cada jogo consistia em 200 jogadas. Como era possível ganhar 5 pontos em cada SIGMUND, K. Games of life: explorations in ecology, evolution and beha‑ viour. Penguim Books, 1995.

44

119

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

jogada, teoricamente a pontuação final variava de 0 a 1.000. Por exemplo: quando uma estratégia “Sempre Cooperar” joga contra uma estratégia “Sempre Trair”, quem Cooperar soma 0 pontos e quem Trair soma 1.000 pontos. Uma pontuação razoá‑ vel é ganhar três em cada uma das 200 interações, quando am‑ bos cooperam toda vez, somando 600 pontos.

Importante: Não há uma estratégia certa, pois tudo depende do adversário com que você está jogando. Colaborar é uma coisa; somar mais pontos é outra. Assim, nenhuma estratégia é melhor, independen‑ temente da estratégia do outro. Por exemplo, se você jogar contra um programa que sempre colabora, sua melhor estratégia é trair sempre, pois conseguirá 5 pontos todas as vezes. O problema é que nem sempre você sabe contra quem está jogando; não é porque seu oponente cooperou duas vezes que ele irá cooperar em todas as demais jogadas. O inverso também é verdade: se você encontrar um jogador que sempre trai, então melhor trair, pois ao menos você consegue um ponto no lugar de zero. Você não quer ser o inocente (ganhar zero), enquanto seu adversário ganha ao trair. Jogar contra um jogador que sempre colabora ou sempre trai é muito simples. Mas, na prática, seu oponente reage con‑ forme a sua jogada e conforme as crenças que ele tem sobre você. Além disso, o concurso não esperava encontrar a estra‑ tégia mais bondosa, mais ética. O que ele esperava era desco‑ brir qual estratégia somaria mais pontos, considerando que os 120

A s d uas solu ç õ es para a cooperaç ão

jogadores não podiam se comunicar e que levavam em conta, a cada momento, as decisões do passado como aprendizado. Nesse primeiro concurso, 14 estratégias foram inscritas. Axelrod acrescentou mais um jogador com uma estratégia “aleatória” (50% de chance entre Cooperar e Trair). A estraté‑ gia mais longa das inscritas teve 77 linhas de código de progra‑ ma e obteve o pior resultado: 282,2 pontos em média. A estra‑ tégia aleatória foi um pouco pior: 276,3 pontos.

A estratégia vencedora: Olho por Olho A estratégia com maior pontuação foi também a estratégia mais simples. Enviada por Anatol Rapopor, foi chamada de Olho por Olho (em inglês, tit for tat). Ela tinha quatro linhas de código e pode ser explicada numa sentença: coopere na primeira jogada, depois faça o que o outro jogador fez na jogada anterior. FIGURA 5.4

Rodada

Simulação passo a passo em um jogo com Olho por Olho Decisão

Pontuação

Adversário

Olho por olho

Adversário

Olho por olho

1

Trair

Cooperar

5

0

2

Trair

Trair

1

1

3

Cooperar

Trair

0

5

4

Cooperar

Cooperar

3

3

...

...

Cooperar

...

...

...

...

...

...

...

...

...

...

...

... FONTE: AUTOR

121

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Olho por Olho fez em média 504,5 pontos.45 Em todas as jogadas, suas pontuações variaram de 225 a 600 pontos, pon‑ tuação máxima possível. Por que a estratégia Olho por Olho é tão efetiva? William Poundstone46 explica bem o sucesso dela por meio de cinco motivos: »»

Primeiro, é uma estratégia gentil, pois nunca é a primeira a trair. Ela começa colaborando e dá ao oponente o benefício da dúvida. Se a outra estratégia retornar o favor e conti‑ nuar assim, Olho por Olho nunca trai. Ela não arranja en‑ crenca e fica contente se assim continuar. Quando Olho por Olho joga contra si mesmo, ambos começam coope‑ rando e nunca provocam o outro. Para se ter noção, os oito primeiros classificados tinham uma estratégia gentil, ou seja, nunca eram o primeiro a trair. Os outros não. As es‑ tratégias gentis pontuaram entre 472 e 504 pontos, en‑ quanto a estratégia não gentil mais bem classificada obteve 401 pontos. Assim, não ser o primeiro a trair era uma pro‑ priedade que separava as estratégias mais bem­‑sucedidas das menos bem­‑sucedidas.

»»

Segundo, Olho por Olho também é provocativa. Ela trai em res‑ posta a uma traição. Depois da segunda rodada, ela responde à provocação do outro na mesma moeda. Se a outra estratégia trai na jogada 5, então Olho por Olho trai na rodada 6.

Para fazer simulações, consulte um software da IOWA State University. Você pode escolher quais estratégias jogarão entre si, quais pontuações dos re‑ sultados, quantas rodadas e verificar os vencedores. Disponível em: . 46 PONDSPONE, W. Prisoners’ dilemma: John Von Neumann, game theory and the puzzle of the bomb. Anchor Books, 1993. 45

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»»

Terceiro, outro grande predicado de Olho por Olho é o per‑ dão. Ela não é draconiana a ponto de uma simples trans‑ gressão levar à traição perpétua. Sempre está disposta a cooperar à medida que o oponente queira cooperar. Se a outra estratégia cooperar, então Olho por Olho volta a cooperar também.

»»

Quarto, além de ser gentil, provocativa e disposta ao perdão, Olho por Olho é uma estratégia simples. Ela diz “Faça ao ou‑ tro o que ele faz a você”. A ameaça faz parte do seu compor‑ tamento estratégico, e Olho por Olho cumpre a promessa ao repetir a ação mais recente do oponente na esperança de que a outra estratégia perceba isso. Interessante é que Olho por Olho pune a traição do adversário de imediato, na jogada se‑ guinte. Essa estratégia mostra­‑se melhor que outras, do tipo “Contar até dez antes de ficar zangado” (ou seja, deixar pas‑ sar um certo número de traições antes de retaliar).

»»

Quinto, mais uma qualidade importante do Olho por Olho é que sua estratégia é transparente. Alguém jogando Olho por Olho não precisa ter medo de que o oponente descubra sua estratégia. Pelo contrário, é bom que o oponente saiba disso. Quando se joga contra Olho por Olho, ninguém pode se sair melhor do que se cooperar. Isso faz dela uma estratégia muito estável. O primeiro concurso de Axelrod não foi tão conclusivo

porque forem inscritos apenas 14 programas, não representan‑ do, portanto, todas as estratégias possíveis. Por isso, Axelrod promoveu um segundo concurso e informou o resultado do primeiro e o sucesso do Olho por Olho. Estava implícito que 123

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agora o desafio era vencer esta estratégia. No total, foram ins‑ critos 62 programas de seis países. Apesar da forte concorrên‑ cia, Olho por Olho venceu novamente. O mais interessante é que Olho por Olho ganhou sem ex‑ plorar nenhuma outra estratégia. Além disso, não venceu nin‑ guém em particular, mas mesmo assim ganhou o concurso. As estratégias foram chamadas para competir, e não para colabo‑ rar. Ou seja, o objetivo era somar mais pontos, mesmo que fos‑ se preciso trair. Não havia julgamento moral; trair fazia parte legítima do jogo. E o intrigante é que a estratégia vencedora, Olho por Olho, prega a colaboração; quem mais colaborou ga‑ nhou mais pontos, somando todos os jogos. O próprio Axelrod, em seu livro, conclui: Olho por Olho venceu o torneio porque ele foi bom em suas intera‑ ções com uma grande variedade de outras estratégias. Em média, foi melhor do que qualquer outra regra; no entanto, Olho por Olho não pontuou melhor que seu adversário em nenhum jogo. Na ver‑ dade, ele não pode. Ele deixa o outro jogador trair primeiro e nun‑ ca escolhe trair mais vezes que os outros jogadores. Portanto, Olho por Olho atinge sempre a mesma pontuação que o outro jogador ou um pouco menos. Olho por Olho venceu o concurso não por ga‑ nhar dos outros jogadores, mas forçando o comportamento do ou‑ tro jogador e deixando­‑o fazer o bem. Olho por Olho foi tão con‑ sistente em proporcionar resultados mutuamente gratificantes que alcançou maior pontuação geral do que qualquer outra estratégia.47

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AXELROD, 2006, p.112.

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Em resumo, a estratégia Olho por Olho educa o oponente para a cooperação. Na vida real, se você trair, na próxima rodada seu oponente irá traí-lo e criar uma situação indesejável. Por isso, você tem incentivos para colaborar e dar o exemplo para que nas próximas interações vocês consigam uma situação ganha­ ‑ganha. Mas se você cooperar para dar o exemplo, e ele trair para se aproveitar da situação? Daí você retribui com uma retaliação na sequência. Se ele colaborar, você perdoa e volta a colaborar. De certa forma, essa foi a dinâmica na época da Guerra Fria, segundo Robert Aumann (mais detalhes nos apêndices). O medo da retaliação trouxe a paz – com medo de iniciar uma guerra nuclear, os Estados Unidos não atacaram a Rússia, e vice­‑versa. Segundo Aumann, se um deles não tivesse o poder de retaliação, o outro teria atacado e a paz não existiria.

Olho por Olho funciona apenas em jogos repetitivos Para que essa dinâmica funcione e induza à cooperação é preci‑ so estar em um jogo em que as interações sejam repetidas. Mas será mesmo que a simples repetição das interações leva à coo‑ peração? Karl Sigmund48 defende a ideia de que se o número de interações é conhecido com antecedência por ambos os joga‑ dores, não haverá cooperação. Por quê? Porque a última rodada da série é, na verdade, o simples Dilema dos Prisioneiros de uma jogada só, e o resultado já é conhecido: a traição, pois não haverá próxima oportunida‑ de para sofrer a retaliação. Nessa última interação, trair não 48

SIGMUND, 1995. 125

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traz consequência de retaliação e não afetará as próximas roda‑ das (que não existirão). Uma vez que a última interação já está definida (Trair), o que acontecerá na penúltima jogada? A mes‑ ma coisa (Trair), pois não há incentivo para colaborar se você sabe que o adversário vai trair pelo mesmo raciocínio – a pe‑ núltima jogada tem as mesmas características da última joga‑ da. Revendo o raciocínio em todas as jogadas, descobre­‑se que não haverá colaboração em nenhum ponto se ambos pensarem racionalmente. Sabendo que o adversário deve trair, não há motivos para colaborar. E então nunca existirá cooperação? Pode existir, pois em um jogo repetido é a expectativa de futuros encontros que faz a cooperação ser mais atraente. O fim das interações não deve ser conhecido com antecedência; deve sempre existir alguma pro‑ babilidade de uma próxima jogada. Esse é o significado da ex‑ pressão “O mundo dá voltas”, e o poder educativo de deixar claro a estratégia Olho por Olho: “Você coça as minhas costas e eu coço as suas, mas se você trair, saiba que o mundo dá voltas; voltaremos a nos encontrar e revidarei com traição. Então, é melhor colaborar desde já”.

O dilema da gorjeta Acabamos de mostrar um raciocínio no mundo da Teoria dos Jogos em que a cooperação ocorre quando há interações repeti‑ das e, particularmente, quando não se sabe qual será a última vez. Por outro lado, numa situação estilo Dilema dos Prisionei‑ ros de apenas uma jogada, a melhor estratégia racional é trair, uma vez que não há uma nova chance para o outro revidar. 126

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Agora vamos raciocinar com o exemplo de um restauran‑ te em que a gorjeta é opcional. Não se trata de um Dilema dos Prisioneiros típico, no qual “o melhor racional individual é o pior coletivo”, mas a analogia com situações repetidas versus interação única se encaixa bem neste dilema da gorjeta. Há tempos que os economistas se perguntam por que as pessoas dão gorjetas. Existem duas explicações possíveis. A primeira, mais emocional, refere­‑se ao sentimento de que o garçom recebe salário fixo muito baixo e depende de gorjetas para complementar a renda; assim, há uma atitude altruísta de agradecimento e colaboração. A segunda explicação racional dessa “generosidade” está exatamente no autointeresse do cliente nas interações repetidas – frequentadores assíduos dão gorjetas mais polpudas justamente porque os garçons irão atendê­‑los cada vez melhor. Se dar gorje‑ ta para receber um bom serviço na próxima vez é um raciocínio válido, imagine o inverso. Se você não der gorjeta, alguns gar‑ çons ficam revoltados e vingativos. É preciso tomar cuidado com algumas reações. Por isso, suponha que você é um frequentador assíduo de um restaurante e nunca dá gorjeta. Provavelmente o garçom se lembrará de você na próxima vez. Essa é uma situação de interação repetida que pede cuidado com garçons e cozinhei‑ ros vingativos. É o típico olho por olho, dente por dente. 

 Entretanto, se você está viajando e sabe que possivelmente não voltará àquele restaurante, por qual razão daria gorjeta? Igualmente, por que dar dinheiro a mais ao taxista ou à cama‑ reira? Do ponto de vista racional econômico no mundo do au‑ tointeresse, não há razão para cooperar (gastar mais) em uma situação de jogada única. 127

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A prática da gorjeta contraria os pressupostos da economia clássica. Afinal, a gorjeta é uma despesa que os consumidores podem evitar, e o pagamento é realizado após o serviço feito, portanto sem vínculo com a qualidade. Mesmo assim, percebe­ ‑se que as pessoas deixam gorjetas, mesmo quando nunca mais retornarão. Acadêmicos recorrem às normas sociais, e não eco‑ nômicas, para explicar esse fenômeno, uma vez que já virou uma prática quase universal.

Recapitulando O Dilema dos Prisioneiros apresenta um esquema de incentivos que induz à traição quando jogado uma única vez – os prisioneiros nunca mais vão se ver (ou o jogo acabou). É por isso que fazemos a analogia com o Dilema da Confiança: sem poder confiar e com apenas uma jogada a fazer, a traição é mais segura, mesmo ga‑ nhando menos se o outro trair também. A solução para esse caso é ter uma autoridade central que regule os comportamentos. Já em um jogo repetitivo ou infinito, a traição é, na verda‑ de, um instrumento para sinalizar que haverá retaliação, caso o outro traia. Então, com o tempo, ambos acabam aprendendo a colaborar, pois isso confere a todos mais benefícios. Alguns cientistas da Teoria dos Jogos e biólogos usam esse raciocínio para explicar como, na evolução humana, a colaboração foi conquistada e praticada. O torneio de Axelrod forneceu provas bem razoáveis nesse sentido após mostrar que a estratégia Olho por Olho somou mais pontos nos dois torneios ao jogar contra uma série de outras es‑ tratégias. Foram cinco os atributos dessa estratégia: gentileza, 128

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provocação, perdão, simplicidade e transparência. E, é claro, para ser efetiva, a estratégia Olho por Olho apenas funciona quando há a expectativa de que o jogo vá continuar indefiniti‑ vamente, como é a vida real (“O mundo dá voltas”).

UNINDO OS CONCEITOS: A JC PENNEY PERDEU CLIENTES PORQUE ABAIXOU O PREÇO

Na primeira parte deste livro, apresentei o conceito do raciocínio por antecipação e a grande importância de entender o outro (concorrente, cliente) e seus respectivos incentivos. Tudo se resume a quais motiva‑ ções o outro possui e como se antecipar a elas. Na segunda parte do li‑ vro, abordei o dilema entre cooperar e trair, também baseado nos incen‑ tivos de cada jogador e na previsão de suas reações antes de tomar decisões. A vida real é uma mistura de tudo isso, como o exemplo da JC Penney, sobre o qual falo a seguir. Este é um exemplo de como a Teoria dos Jogos, o Dilema dos Prisio‑ neiros, a economia comportamental e o marketing se unem para analisar um jogo com resultado não satisfatório. Bob Sullivan, em um artigo na NBC NEWS,49 explica a estratégia equivocada de preços da cadeia ame‑ ricana JC Penney e como poderia ser evitada. 

 A JC Penney, ícone entre as lojas de departamentos, estava perden‑ do dinheiro. A razão era simples, segundo Sullivan: numa publicidade criativa e agressiva lançou uma nova campanha na qual prometia preços simplificados e baixos o ano todo. Não ofereceram mais cupons de des‑ conto ou confusas remarcações nas etiquetas. Não fizeram mais anún‑ cios enganosos cheios de letrinhas miúdas. A loja também acabou com os 99 centavos no final de etiquetas, adotando preços claros e honestos. Isso soa como um ótimo discurso de vendas direcionado para os consu‑ midores que não gostam de colecionar cupons e os preocupados em sa‑ SULLIVAN, B. “Fair and square’ pricing? That’ll never work, JC Penney. We like being shafted.” NBC News, 25 maio 2012. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2016.

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ber quando há promoções. Mas, para a maioria dos clientes, não foi as‑ sim; eles odiaram. 

 A campanha, lançada em fevereiro de 2012, foi um desastre. A re‑ ceita caiu 20% no primeiro trimestre em comparação com o ano anterior. O tráfego de clientes caiu 10%. A empresa lucrou US$ 64 milhões no primeiro trimestre de 2011 e em 2012 perdeu US$ 163 milhões. O que deu errado? A nova estrutura de preços simplificados da JC Penney não conseguiu atrair compradores (mesmo aqueles que se irritavam com o método anterior) e ainda conseguiu repelir todos os outros.

 Como Sullivan apresenta, se os executivos da JC Penney estivessem familiarizados com o trabalho do economista comportamental Xavier Ga‑ baix em conjunto com David Laibson, tudo isso poderia ter sido evitado. Eles escreveram um artigo50 sobre camuflagem e supressão da informa‑ ção cujo princípio é simples e mostra por que a trapaça funciona em nossos mercados e por que a honestidade é raramente a melhor política. Já se foi o tempo em que os preços eram simples: uma maçã custava 10 centavos, uma xícara de café custava $1. Mas hoje o mercado consumi‑ dor é muito mais complicado, dando aos vendedores a oportunidade de criar confusão. 

 Impressoras domésticas são o exemplo clássico. Você pode fazer um grande negócio na compra de uma impressora, mas, se a tinta é cara, você perde no final. Na verdade, Gabaix argumenta que é impossí‑ vel comprar impressoras de forma inteligente. Nenhum consumidor sabe quanto custa a tinta, os cartuchos não vêm em tamanho padrão e a quantidade de tinta utilizada para imprimir varia. Isso faz com que o verdadeiro preço de uma impressora seja “camuflado”, na terminologia utilizada por Gabaix. Não é escondido, mas não é muito claro. É fácil para os fabricantes de impressoras diminuir o preço do equipamento e cobrar a mais nos suprimentos. O vendedor leva mais vantagem do que o comprador. GABAIX, X; LAIBSON, D. “Shrouded attributes, consumer myopia and su‑ ppression in competitive markets”. Working paper, n. 05-18, departamento de economia do MIT, abr. 2005.

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Se você pensar nisso, o preço camuflado está em toda parte, como nas diárias de hotel, em TV por assinatura e taxa de juros de um emprés‑ timo. Os consumidores queixam­‑se constantemente: a mistura alucinan‑ te de cupons, descontos e taxas com letras miúdas fazem as pessoas se sentirem em um jogo. Na pior das hipóteses, as empresas estão literal‑ mente trapaceando ao confundir o consumidor. 

 Você pode achar que os clientes adorariam a oportunidade de com‑ prar de uma loja que não jogasse esse tipo de jogo. Mas não é o que acontece, diz Gabaix. Se a JC Penney conhecesse melhor esse comporta‑ mento, não teria feito uma jogada imprudente. Toda a manipulação de preço é, na prática, uma guerra de informação. De um lado, consumido‑ res adoram descobrir truques para poupar mais dinheiro; de outro, as lojas constroem armadilhas para ganhar mais dinheiro. É um sistema ruim, mas é o jogo atual. É simplesmente impossível, Gabaix complementa, uma loja tentar mudar o jogo e preencher essa lacuna da informação. Se o varejista tenta educar os consumidores sobre truques e armadilhas e procura oferecer um produto honesto, uma coisa curiosa acontece: os consumidores agra‑ decem as dicas e se voltam para as empresas complicadas nas quais eles exploram o novo conhecimento para conseguir preços mais baixos, dei‑ xando a empresa honesta a ver navios. Gabaix chama isso de “curse of debiasing”, algo como a maldição em tirar o viés, e isso leva à conclusão deprimente de que a camuflagem é a estratégia mais lucrativa.
 Para simplificar um pouco, o problema da JC Penney foi o seguin‑ te: a empresa divulgou que os outros varejistas só oferecem seus me‑ lhores preços durante promoções malucas, e que as lojas JC Penney não fariam mais isso. Os consumidores mais espertos aparentemente usaram essa informação para simplesmente esperar essas promoções em outras lojas. A JC Penney facilitou a vida dos novos consumidores, porque agora eles nem precisavam se preocupar em ir a uma de suas lojas. Afinal, os concorrentes vão deixar seus preços ainda mais baixos que os da JC Penney em alguma promoção, e os clientes estão a fim de esperar.

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Outras empresas também fizeram esforços semelhantes para edu‑ car os consumidores, oferecendo realmente os preços mais baixos após eliminar taxas ocultas. Durante a última década, os hotéis da rede Inter‑ continental divulgaram no site o preço único final, incluindo todas as taxas. No entanto, mais tarde os executivos da empresa confessaram que perderam muitos clientes, que acabaram escolhendo concorrentes com preços mais baixos e camuflados. Mais recentemente, a Southwest Airlines empreendeu a mais agressiva campanha anticamuflagem já vis‑ ta, desvendando as taxas de bagagem escondidas das outras compa‑ nhias aéreas. A Southwest lançou a campanha “bagagem grátis”, mas há indícios de que a empresa não será capaz de resistir à ausência desse faturamento para sempre. A ausência de preços camuflados não foi a única razão de o plano de preços da JC Penney ter falhado. A empresa também perdeu muito dinheiro ao rejeitar um fenômeno conhecido como “discriminação de pre‑ ços”. Algumas pessoas têm mais dinheiro do que tempo, e outras têm mais tempo do que dinheiro. Alguns consumidores não se importam de passar horas para economizar $20; outros dariam de bom grado os $20 para ir embora rapidamente. Varejistas inteligentes conseguem dinheiro de ambos. Ao eliminar os cupons, a JC Penney eliminou sua capacidade de satisfazer os discriminadores de preços.

 Além disso, remarcações têm o truque secular de ancoragem. Por alguma razão, mesmo os consumidores muito inteligentes se sentem melhor em pagar $60 por algo que inicialmente a loja dizia custar $100. Mas o problema real é a tentativa malfadada da JC Penney em querer ser o jogador justo e honesto num típico jogo de trapaças. Consumidores simplesmente são céticos; muitos deles não acredi‑ tam que um par de sapatos comprados no “preço baixo e único sem mistérios todo dia” realmente é mais barato do que um par de sapatos comprados no “concorrente com um cupom de 25% de desconto”. Goste‑ mos ou não, taxas ocultas – e descontos secretos – estão aqui para ficar.



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Como podemos analisar o caso da JC Penney sob a ótica da Teoria dos Jogos
 A Teoria dos Jogos é a lei da antecipação dos movimentos: antes de jogar, coloque­‑se na posição do outro e procure saber como ele vai reagir. Co‑ nheça o outro jogador, seu perfil, suas preferências e todas as informa‑ ções disponíveis. Mapeie as possíveis ações dele e os resultados. A críti‑ ca de Sullivan e Gabaix é exatamente esta: a JC Penney falhou por não entender algumas atitudes dos consumidores. Esse foi o primeiro erro – desconhecer o seu interlocutor e as regras do jogo. 

 O site Mind Your Decisions, em artigo de Presh Talwalker51 achou um segundo erro. O autor fez uma análise muito interessante ao usar modelo do Dilema dos Prisioneiros nesse cenário. Não havia nada de in‑ trinsecamente errado com a nova política de preços da JC Penny. Na verdade, os preços honestos seriam uma refrescante mudança no pa‑ drão das lojas. O problema foi que as outras empresas não adotaram preços honestos. 

 Para ilustrar o motivo, considere o seguinte jogo: imagine duas em‑ presas que podem optar por utilizar preço “honesto” ou preço “complica‑ do”. Suponhamos que o jogo tenha as seguintes características: »» »» »» »»

O valor total de mercado é de 100 unidades. Jogar preço complicado custa 10 unidades. Se ambas jogam o mesmo preço (honesto ou complicado), dividem os lucros do mercado. Se uma empresa joga honesto e a outra, complicado, a empresa que escolher o complicado lucra quase todo o mercado (80 unidades) e a que joga honesto ganha 10 unidades.

Para resolver o problema, entra em ação a Teoria dos Jogos e o Dilema dos Prisioneiros. Numa matriz de resultados, os valores seriam os seguintes: TALWALKAR, P. “How JC Penny lost $163 million losing a prisoner’s dilem‑ ma game.” Mind your decision, 12 jun. 2012. . Acesso em: 25 out. 2016.

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FIGURA 5.5

Matriz de resultados no jogo da JC Penney JC Penney Preço honesto

Preço complicado

$50

Preço honesto $50

$80 $10

Concorrente Preço complicado

$10 $80

$40 $40 FONTE: TALWALKAR, 2012.

Você deve perceber que se ambas as empresas decidem por honesto, e o valor total do mercado é de $100, cada uma lucra $50. Se ambas jogam complicado, no entanto, cada uma perde $10 devido ao custo de promoções, o valor do mercado reduz para $80 e cada uma leva $40. A mesma coisa acontece quando uma empresa prefere honesto e a outra, complicado. A empresa com honesto fica com $10, mas o complicado recebe $80, que é o valor de $90 menos os $10 que perdeu devido ao custo das promoções.

 Qual é o resultado desse jogo do preço honesto? Como num Dilema dos Prisioneiros típico ou numa guerra de preços dos postos de gasolina, é melhor jogar uma estratégia de preços complicada, independentemente do que a outra empresa faça. As duas empresas poderiam se beneficiar se jogassem honestamente, mas elas são tentadas a trapacear. A JC Penney quis jogar honesto (colaborar), mas as concorrentes continuaram a complicar (trair) o que a fez perder dinheiro. O resultado é que esse tipo de atitude gera em um equilíbrio ruim para todos, para a JC Penney e para nós, consumidores, que teríamos gostado de ver os preços honestos vencerem.

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Outros dilemas da cooperação

Vimos o Dilema dos Prisioneiros num jogo com dois jogado‑ res (duas pessoas ou duas empresas), mas seu raciocínio básico pode ser aplicado em situações que envolvem múltiplos perso‑ nagens. Nesse caso, entram em cena a tragédia dos comuns, os free riders e todos os demais dilemas sociais.

Tragédia dos comuns e os free riders Além do Dilema dos Prisioneiros, outra poderosa história­ ‑modelo com características similares é a tragédia dos comuns. Len Fisher, no livro Rock, paper, scissors: game theory in every‑ day life52, explica a origem desse nome. O termo tragedy of the 52

FISHER, L. Rock, paper, scissors: game thoery in everyday life. Basic Books, 2008. 135

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commons (commons no sentido de “público”) foi cunhado pelo ecologista e teórico de jogos Garrett Hardin numa publicação de 1968. Hardin ilustrou o problema usando a parábola do gru‑ po de pastores que tinha seus animais numa terra pública. Cada pastor pensava em adicionar um animal ao seu rebanho com o seguinte raciocínio: um animal extra proporcionaria um lucro também extra, e, no geral, a pastagem diminuiria somente um pouquinho. Então, parecia perfeitamente lógico aos pastores adquirir um animal extra. A tragédia ocorreu quando todos os outros pensaram da mesma maneira. Quando todos adiciona‑ ram um animal, a terra se tornou superpopulosa e em breve não havia pasto suficiente para todos.
 
Com esse raciocínio (“apenas o meu não faz diferença”), Fisher brinca que a Teoria dos Jogos explica por que colheri‑ nhas de café gradualmente desaparecem das áreas comuns de escritórios. Tecnicamente falando, os usuários de colheres to‑ mam decisões considerando que a utilidade deles (ou seja, os seus próprios benefícios) cresce bastante ao pegar uma colher para uso pessoal, enquanto a utilidade de todos os demais cole‑ gas diminui uma pequeninha fração per capita (afinal, há um monte de colheres). Mas, à medida que todos tomam a mesma decisão, todas as colheres desaparecem!

 Basta fazer a analogia das colheres para qualquer outro recur‑ so para observar que sérios problemas globais têm como origem o mesmo círculo vicioso dessa lógica de pensamento. O benefício individual causa grande custo para a comunidade envolvida. A tragédia dos comuns exerce seu poder destrutivo quando alguns colaboraram para o benefício do grupo, mas outros percebem que poderiam se sair melhor ao “quebrar” a cooperação.

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Se eu jogar papel no chão, meu pedacinho não fará muita sujeira, mas se todos jogarem, as ruas ficam atoladas de lixo. Essa é a essência do free rider (em português poderíamos cha‑ mar de “caronista”). O free rider se beneficia ao não colaborar; está sempre pegando carona “nas costas” dos que colaboram. Em um modelo de condomínio, no qual a água do prédio é di‑ vidida de forma igual para todos os apartamentos, se eu gastar um pouco mais, não pagarei pelo meu consumo, rateado por todos os 40 condôminos. É por isso que a tendência dos edifí‑ cios mais modernos é possuir medidor individual para cobrar o consumo exato de cada unidade.

Dividindo a conta de um restaurante
 Um caso típico de divisão de recursos comuns ocorre no paga‑ mento de uma conta de restaurante. Em um sistema de serviço individual, no qual cada convidado escolhe seu prato, um mé‑ todo tradicional de divisão é repartir a conta em partes iguais, independentemente da quantidade consumida. Sabemos que cada prato tem um preço diferente – há pratos caros e baratos. Além disso, alguns pedem entrada e outros não, alguns co‑ mem somente salada, outros pedem sobremesa. Alguns pedem bebidas caras e outros, apenas suco. E assim vai. Na hora de dividir, alguns vão pagar mais, e outros, menos, se comparado com o valor exato consumido. Os defensores da divisão igua‑ litária argumentam que separar os valores individuais dá muito trabalho (anotações em papel, calculadora, gorjeta proporcional), além de ser indelicado. Algumas pessoas fa‑ lam: “Sentou, sorriu, dividiu” para mencionar que a conta 137

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será dividida por todos independentemente se alguém comeu mais que o outro. Entretanto, a consequência pode ser ruim a todos. A ana‑ logia com a tragédia dos comuns é a seguinte: cada convidado pode pensar da seguinte maneira – eu vejo que todo mundo está pensando em pedir a carne por $20 cada, mas há o cama‑ rão por $40. Como somos dez pessoas, se eu pedir camarão, pagarei uma pequena fração adicional, pois os meus $40 serão diluídos em dez. E ainda, se eu pedir carne e outros pedirem um prato mais caro, eu é que pagarei a mais, sem usufruir, e serei o inocente do dia. Entretanto, se todos usarem o mesmo raciocínio, todos pedirão camarão para pegar carona e o desas‑ tre é grande – a conta fica muito mais cara do que gostariam (ou do que seria se estivessem sozinhos ou se o sistema fosse outro). Como conhecemos o comportamento humano, se você fosse dono de restaurante, qual modelo de cobrança adotaria para lucrar mais: a conta única por mesa ou o sistema de co‑ mandas individuais? A conta única, é claro.

Medição individual para resolver o dilema

 Sabemos que alguns comportamentos humanos são fruto dos incentivos existentes. Por isso, a Teoria dos Jogos não faz julga‑ mento moral; simplesmente aceita o fato de que o autointeresse é uma motivação das pessoas na hora de tomar decisões. O papel da teoria é ajudar as pessoas, por meio de modelos e analogias, a reconhecer essa armadilha e ter alguns insights para sair dela.
 Poderíamos evitar situações da tragédia dos comuns se todos mudassem de comportamento e se tornassem mais altruístas.
Mas 138

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como fazer com que as pessoas não joguem papel no lixo, não roubem colherinhas dos escritórios, consumam menos água, entre outros comportamentos? Uma forma é adotar a estratégia Olho por Olho para punir o adversário quando este o trair, mantendo sempre a colaboração como guia mestre de conduta. Entretanto, essa estratégia é funcional apenas quando você está interagindo com um jogador de cada vez, e não quando se joga com muitas pessoas, como na tragédia dos comuns e outros di‑ lemas sociais. Uma saída já mencionada é utilizar uma autoridade central para punir seriamente aqueles que se desviam do combinado, mudando os incentivos do jogo. Esse é o objetivo dos governos na construção de políticas públicas, embora não seja uma tare‑ fa fácil. Se é proibido jogar papel na rua, por exemplo, o desafio das autoridades é conseguir fazer o flagrante e multar. Talvez uma forma eficiente de combater os free riders seja a medição individual. No caso da divisão da conta do restau‑ rante, a medição individual é anotar o consumo em algum lugar ou ter uma comanda individual do próprio restaurante. Num condomínio, é ter um aparelho de medição de consumo de água por apartamento para evitar que o free rider que uti‑ liza muita água pague apenas uma fração via rateio. A palavra­‑chave, nesses casos, é accountability, que podería‑ mos chamar de “responsabilização”. Nem sempre é fácil. Conhecemos muitos free riders, no es‑ critório ou na faculdade, que se beneficiam do trabalho coletivo e não dão contribuição relevante. Assim, a tragédia dos comuns será sempre o reino dos free riders.

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Exemplo mais completo: o aquecimento global Um dos fenômenos mais nocivos em que podemos observar o problema da tragédia dos comuns é a discussão sobre o aqueci‑ mento global, no qual os jogadores são os próprios governos dos países. Esse é um exemplo típico em que o autointeresse causa problemas para todos os habitantes do planeta. Investir para diminuir o aquecimento global é muito caro para os países, pois são necessárias mudanças de políticas de emissão de gases, sistemas de controle, despesas com métodos alternativos de energia etc. Se meu país gastar uma fortuna e os outros países não, minhas ações isoladas não farão a menor di‑ ferença na natureza. Por outro lado, se os outros países o fize‑ rem e o meu não, vou me beneficiar do clima mundial à custa dos demais, sem gastar um centavo. Um artigo da revista The Economist, “Playing games with the planet”53 traz o debate sobre o aquecimento global sob a ótica da Teoria dos Jogos. Como em qualquer encontro sobre alterações climáticas, sempre existem políticos que declaram que é “urgente”, “vital” ou “imperativo” proteger o planeta do superaquecimento. E, mesmo assim, poucos governos estão dispostos a resolver o problema espontaneamente. Na prática, o que eles geralmente querem dizer é que é urgente para todos os outros países, exceto para os seus próprios.
 Isso é natural, segundo o mesmo artigo. Afinal, todos os paí‑ ses desfrutarão dos benefícios de um clima estável, se eles ajuda‑ rem a realizá­‑lo ou não. Então, um governo que possa persuadir PLAYING GAMES WITH THE PLANET. The Economist, 27 set. 2007. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2016.

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os outros a cortar emissões de gases de efeito estufa, sem que tenha de fazer o mesmo, obtém o melhor dos dois mundos: evi‑ ta todas as despesas envolvidas e ainda escapa da catástrofe.

 O artigo declarou, na época em que foi escrito (2007), que os mais óbvios free riders são os Estados Unidos e a Austrália, os únicos países ricos que se recusam a pôr um limite em suas emissões. Mas eles estão longe de serem os únicos agressores: a maioria dos países pobres também está interessada em respon‑ sabilizar os países ricos em conter o aquecimento global para continuar a poluir.
 


Onde entra a Teoria dos Jogos O problema, claro, é que se todos contarem com a ação dos ou‑ tros, ninguém vai atuar, e as consequências podem ser muito piores – é por isso que podemos ver essa questão pela ótica da tragédia dos comuns. Pessimistas assumem que a resposta internacional à mu‑ dança climática terá o mesmo rumo do Dilema dos Prisioneiros. Líderes racionais vão sempre negligenciar o problema, alegando que os outros vão resolvê­‑lo, deixando seu país se tornar um free rider. Assim, o mundo está condenado a ser um forno, apesar de o aquecimento global poder ser evitado se todos cooperarem.

 A The Economist, no entanto, cita artigo de Michael Lie‑ breich,54 da empresa de pesquisa New Energy Finance, que se baseia na Teoria dos Jogos para chegar à conclusão contrária. A dinâmica do Dilema dos Prisioneiros, segundo ele, muda dras‑ ticamente quando os participantes sabem que jogarão o jogo 54

LIEBREICH, M. apud Playing games with the planet. 141

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

mais de uma vez. Nesse caso, eles tendem a cooperar para evi‑ tar ser punidos por sua má conduta em rodadas subsequentes.

 Ao citar o estudo de Robert Axelrod55, Michael Liebreich ar‑ gumenta que a estratégia é mais bem­‑sucedida quando o jogo repetido tem três elementos: primeiro, os jogadores devem co‑ meçar cooperando; segundo, eles devem impedir a traição ao punir o transgressor na próxima rodada; e terceiro, eles não de‑ vem guardar rancores, mas sim iniciar novamente com coopera‑ ção após a punição adequada. O resultado dessa estratégia deve ser a cooperação sustentável em vez de um ciclo de retaliações.

 Liebreich acredita que tudo isso traz lições para os negocia‑ dores do clima mundial. Tratados sobre a mudança climática, afinal, não são jogos de uma jogada só. Na verdade, as Nações Unidas estão incentivando seus membros a negociar um suces‑ sor do Protocolo de Kyoto que possua esses elementos da Teoria dos Jogos. Os países que não cumprirem seus compromissos, por exemplo, são punidos com a obrigação de reduzir suas emissões de forma mais acentuada na próxima vez. Mas Liebreich argu‑ menta que também deve haver sanções para os países ricos que se recusam a participar e mais incentivos para os países pobres aderirem (que são isentos de quaisquer cortes obrigatórios). Liebreich também sugere que o regime global sobre mudança climática deva ser revisto com mais frequência para permitir que o jogo se desenvolva mais rapidamente. Então, no lugar de estipu‑ lar grandes reduções de emissões a ser implementadas ao longo de cinco anos, como em Kyoto, no novo acordo os países deve‑ riam ter metas anuais. Dessa forma, os governos cooperativos não 55

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AXELROD, 2010.

O u tros dilemas da cooperaç ão

seriam explorados por muito tempo, enquanto os free riders se‑ riam punidos e forçados a voltar ao rebanho mais rapidamente.



Dilemas sociais Em certo sentido, vários dilemas são basicamente variações do mesmo dilema, que podemos chamar de dilemas sociais. A cooperação produziria melhor resultado a todos, mas a solução cooperativa não é um resultado facilmente alcançado; há sem‑ pre uma traição à espreita. O Dilema dos Prisioneiros é apenas um dos muitos dilemas sociais com que nos deparamos nas tentativas de cooperar (o mais conhecido e o mais fácil de memorizar). Como variante de um dilema social, vimos que a tragédia dos comuns é um tipo de Dilema dos Prisioneiros jogado por várias pessoas ou por uma população inteira. O esquema de incentivos é o mesmo – é me‑ lhor trair – e o free rider se beneficia, usufruindo parte do coletivo sem contribuir, como jogar lixo no chão, roubar colherinhas, poluir o planeta, pagar mais barato no restaurante ou pagar so‑ mente parte da água que gasta do condomínio, entre outros. O problema é quando todos agem dessa forma, pois todos perdem. Uma solução é o equivalente à comanda individual para não dividir a conta do restaurante ou ter medição individual de con‑ sumo de água. Unindo os conceitos, da mesma maneira que a es‑ tratégia Olho por Olho pode levar à cooperação ao criar a puni‑ ção, a comanda individual é uma forma de punição ao free rider. Em diversas obras sobre Teoria dos Jogos e dilemas sociais, você provavelmente irá encontrar outros nomes e variantes de jogos. Como curiosidade, cito alguns:

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»»

O jogo do covarde, no qual cada um tenta empurrar o outro para perto do limite, e cada um espera que o outro vá de‑ sistir primeiro.

»»

O dilema do voluntário, em que alguém deve fazer um sacri‑ fício em nome do grupo. No entanto, se ninguém o fizer, todo mundo sai perdendo. Cada pessoa espera que alguém vá fazer o sacrifício, que poderia ser tão trivial como fazer um esforço para colocar o lixo para fora ou dramático como sacrificar sua vida para salvar outros.

»»

A batalha dos sexos (battle of sexes), em que duas pessoas têm preferências diferentes, como um marido que quer ir ao estádio de futebol enquanto a mulher prefere ir ao cine‑ ma. O dilema é ou compartilhar a companhia do outro ou seguir a própria preferência sozinho.



»»

A caça ao veado (stag hunt), em que a cooperação entre os membros de um grupo daria uma boa chance de sucesso em um empreendimento arriscado de alto retorno (caçar veados), mas um indivíduo pode ganhar uma recompensa garantida, embora inferior, se romper a cooperação e ir so‑ zinho (caçar coelhos).



RINOCERONTES E FREE RIDERS

Charles Wheelan, no livro Naked economics,56 apresenta um bom exem‑ plo sobre free riders na história dos rinocerontes. Os rinocerontes pretos são uma das espécies mais ameaçadas de extinção do planeta. Atual‑ mente, menos de 2.500 vivem no sul da África – em 1970, existiam 65 mil. Esse é um desastre ecológico, mas também é uma situação em que

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WHEELAN, C. Naked economics. WW Norton Company, 2002.

O u tros dilemas da cooperaç ão

conceitos básicos de economia explicam por que certas espécies estão em perigo e o que podemos fazer a respeito.

 Por que as pessoas matam os rinocerontes pretos? Pela mesma razão pela qual vendem drogas ou trapaceiam nos impostos – elas podem ganhar muito dinheiro e correm pouco risco de ser flagradas. Nos países asiáticos, o chifre do rinoceronte preto é considerado um afrodisíaco poderoso e um remédio para abaixar a febre. Como resulta‑ do, um único chifre de rinoceronte atinge US$30 mil no mercado ne‑ gro, um valor enorme para países em que a renda per capita é de aproximadamente US$1 mil por ano. Em outras palavras, o rinoceronte preto é bem mais valioso morto do que vivo para a população pobre do sul da África.

 Infelizmente, esse é um tipo de mercado que não se regula por si próprio. Diferente de automóveis ou computadores, as empresas não produzem novos rinocerontes pretos à medida que a fonte de suprimen‑ to diminui. Na verdade, ocorre o oposto: à medida que o rinoceronte preto fica mais raro, o preço do chifre no mercado cresce, incentivo ainda maior para os bandidos caçarem os rinocerontes restantes, o que amea‑ ça fortemente sua extinção. Esse círculo vicioso é composto por outro aspecto comum em mui‑ tos desafios ambientais. A maioria dos rinocerontes pretos é de proprie‑ dade pública, não fica em propriedades privadas. Isso cria mais proble‑ mas na conservação da espécie. Além disso, as populações dos vilarejos próximos à área onde ficam os rinocerontes não possuem benefício al‑ gum em tê­‑los por perto; ao contrário, animais enormes, como rinoceron‑ tes e elefantes, podem destruir plantações. Agora, imagine se todos os rinocerontes estivessem na mão de um fazendeiro avarento sem nenhum escrúpulo em matá­‑los para transformá­ ‑los em pó afrodisíaco. Você acha que esse fazendeiro inescrupuloso teria deixado o seu rebanho de rinocerontes cair de 65 mil para 2.500? Nunca. Ele teria criado e protegido esses animais de forma a possuir o maior es‑ toque possível para suprir o mercado. Isso não tem nada a ver com al‑ truísmo, mas com maximizar o valor dos recursos escassos.

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Operadores de safári, que ganham dinheiro levando turistas ricos para observar a vida selvagem, encontram problema similar de free rider. Se uma das empresas investe bastante na conservação, a outra empresa, que não fez investimentos, se beneficia dos rinocerontes que foram sal‑ vos. Então, a operadora que gastou dinheiro na conservação sofre des‑ vantagem no mercado, pois ela precisa ser mais cara (ou ganhar menos) para recuperar o investimento na conservação. O único que leva vanta‑ gem é o caçador de rinocerontes, que vende os chifres.

 Isso é bastante deprimente. Mas a Teoria dos Jogos pode oferecer ao menos alguns insights sobre como os rinocerontes pretos e outras espécies podem ser salvas. Uma estratégia de conservação eficiente po‑ deria ser alinhar corretamente os incentivos das pessoas que moram perto do habitat natural dos rinocerontes. Explicando: fornecer às pes‑ soas locais alguma razão para que elas queiram os animais vivos. Essa é a premissa na indústria nascente do ecoturismo. Se turistas ficarem dis‑ postos a pagar bastante dinheiro para estacionar perto e fotografar os rinocerontes e, mais importante, se a população local de alguma forma se beneficiar desse turismo, ela terá grande incentivo para manter os animais vivos. Isso funcionou em locais como a Costa Rica, um país que protegeu suas florestas ao estabelecer mais de 25% do país como parque nacional. O turismo gera US$1 bilhão em receita anual, representando 11% do PIB. 


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Parte 3

OUTRAS LÓGICAS INTERESSANTES

R E S U M O D A PA R T E 3

OUTRAS LÓGICAS INTERESSANTES

Se fôssemos resumir este livro até aqui, poderíamos dizer que a Teoria dos Jogos se dedica a estudar as decisões estratégicas – situações em que o resultado de uma decisão depende da decisão de outros. Assim, dois cenários de aplicação são os de competição e de cooperação. Para entender a lógica da competição, é interessante que você use como Modelo de Decisão o mapeamento de todas as ações pos‑ síveis e seus respectivos resultados, que se coloque no lugar do con‑ corrente e decida a melhor estratégia (pense à frente e raciocine para trás). Para tanto, você precisa conhecer os reais incentivos (as verda‑ deiras motivações) do concorrente, por mais difícil que isso seja, in‑ clusive prevendo algumas irracionalidades da parte dele. Para entender a lógica da cooperação, este livro apresentou como modelo de decisão o Dilema dos Prisioneiros e sugeriu duas soluções básicas: a autoridade central em situação de jogada única e 149

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o Olho por Olho em situação de jogadas repetidas. Por fim, mostrou uma variação do Dilema dos Prisioneiros, chamada tragédia dos co‑ muns, situação em que existem muitos jogadores (ou uma popula‑ ção), dando margem para a atuação dos free riders. Uma das solu‑ ções possíveis é a responsabilização com a devida punição individual. Nesta seção apresento uma coletânea de outras lógicas, que também podem ser usadas em competição ou cooperação, a fim de ampliar o seu repertório de situações estratégicas. No Capítulo 7 > Ameaças críveis e navios queimados – você verá que, muitas vezes, possuir menos opções (alternativas ou estratégi‑ cas) lhe dá a possibilidade de fazer uma ameaça mais crível do que quando possui muitas opções. No Capítulo 8 > O jogo do ultimato – mostro um experimento que revela por que grande parte dos jogadores não segue a prescri‑ ção da Teoria dos Jogos, preferindo perder tudo a ganhar algo, mes‑ mo que isso não seja racional. No Capítulo 9 > O paradoxo do chantagista – apresento uma história em que, numa variação do jogo do ultimato, o chantagista consegue passar credibilidade e vencer, mesmo sendo irracional. No Capítulo 10 > O leilão do dólar – você verá um experimento, em formato de leilão, no qual os jogadores entram numa escalada irracional e todos saem perdendo. Gera, portanto, alguns insights para você aprender a lidar com negociações. No Capítulo 11 > Competidores na mesma rua – mostro por que, em vários locais de uma cidade, há a concentração de lojas do mesmo setor (todas concorrentes) numa mesma rua. No capítulo 12 > O jogo da divisão do bolo – sugiro uma simples estratégia para resolver a reclamação dos filhos a respeito da possí‑ vel divisão desigual do bolo feito pela mãe. 150

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Ameaças críveis e navios queimados

Quando é melhor ter menos opções Normalmente nos beneficiamos quando possuímos várias al‑ ternativas. Quanto mais opções tivermos, mais benefícios tere‑ mos, certo? Nem sempre. A existência de muitas alternativas pode aumentar a dificuldade de fazer ameaças críveis; por isso, muitas vezes, eliminar opções pode aumentar o ganho.

 Em Game Theory at Work,57 James Miller apresenta o se‑ guinte exemplo: imagine que você é um comandante militar medieval que deseja invadir o castelo inimigo. Suas tropas na‑ vegaram até chegar à ilha do castelo, e todo mundo sabe que você está determinado a lutar até o fim para que seu exército MILLER, J. Game theory at work: how to use game theory to outthink and outmaneuer your competition. McGraw­‑Hill, 2003.

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saia vitorioso. No entanto, a batalha será longa, e você perde‑ rá muitos soldados. Desesperado, você reza para que seu ini‑ migo se renda logo e com facilidade. Você pensa: “Se meu ini‑ migo sabe que vai perder a batalha, ele vai se render para evitar mortes”.

 Entretanto, o seu inimigo ouviu falar de sua compaixão. Você não se importa com o bem­‑estar do adversário, mas se preocupa tremendamente com a vida de seus próprios soldados (talvez por razões egoístas). Ele então corretamente suspeita que, ao se manter combativo por tempo suficiente, você ficará debilitado e enfraquecido com suas perdas e recuará. Embora queira dominar o castelo, você não quer dizimar seu exército para obtê­‑lo.

 Nessa sequência de “eu acho que ele acha”, você imagina que seus oponentes imediatamente se renderão se acreditarem que você vai lutar até o fim. Por isso, se você fizer uma ameaça crível de lutar até a vitória, eles vão desistir e você não terá de arriscar suas tropas. Infelizmente, a simples ameaça de lutar até o fim carece de credibilidade. O que você deve fazer então? Você deve queimar seus próprios navios. Imagine que seus barcos fossem queimados. Levaria me‑ ses para que seus aliados trouxessem novos navios para a ilha para resgatar seu exército. Enquanto isso, você morreria se não conseguisse ocupar o castelo. Perder seus barcos seria obrigá­‑lo a lutar até a vitória. Mais importante: seu inimigo acreditaria que, com os barcos queimados, você nunca recua‑ ria. A rendição seria a resposta ideal do inimigo para a queima dos barcos. Ao destruir seus navios, você limita suas escolhas. Você não poderá mais desistir da batalha. Eliminar a opção de 152

A meaç as cr í veis e navios q u eimados

desistir faz sua ameaça ficar crível e lhe permite obter uma vitória sem derramamento de sangue. Você acha que esse exemplo é apenas hipotético e sem fun‑ damento? Pelo contrário. Como Don Ross menciona, no site da Stanford Encyclopedia of Philosophy,58 foi exatamente o que o con‑ quistador espanhol Hernán Cortés fez ao invadir o México no sé‑ culo XVI, muito antes de a Teoria dos Jogos surgir para mostrar como pensar sistematicamente sobre esse tipo de problema. Historiadores contam que Cortés chegou ao continente americano com uma pequena força militar; por outro lado, os astecas eram muito mais numerosos. Assim, o conquistador li‑ teralmente queimou os navios e removeu o risco de suas tropas pensarem em desistir. Como a desistência e o recuo ficaram fi‑ sicamente impossíveis, os soldados espanhóis não tiveram ou‑ tra opção a não ser ficar e lutar com muita determinação. Me‑ lhor ainda: do ponto de vista do comandante, sua ação teve um efeito desanimador sobre a motivação dos astecas. Ele teve o cuidado de queimar seus navios de forma muito visível, de modo que os astecas pudessem ver.
Apesar de seus soldados serem em número bem menor, a ameaça crível de lutar até a morte desmoralizou o inimigo. Dessa forma, os astecas recua‑ ram para as colinas em vez de lutar contra um oponente tão determinado. E assim Cortés teve a vitória sem sangue.

ROSS, D. “Game theory”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 9 dez. 2014. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2016.

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Outros exemplos de sinalizações ou ameaças críveis Avinash Dixit e Barry Nalebuff chamam esses movimentos estratégicos de “sinalização”.59 Um jogador pode usar ameaças e promessas para alterar as expectativas dos outros jogadores sobre ações futuras e induzi­‑los a tomar medidas favoráveis a ele ou impedi­‑los de fazer movimentos para prejudicá­‑lo. Para ter sucesso, as ameaças e as promessas têm de ser críveis. Isso é problemático porque, quando chega a hora decisiva, geralmen‑ te é muito caro cumprir uma ameaça ou promessa – a tentação de não cumprir é grande, se não tiver consequência. Por isso, é preciso aumentar a credibilidade. Como princípio geral, pode ser vantajoso para um jogador reduzir sua própria liberdade de ação futura. Ao fazer isso, ele remove a própria tentação de re‑ negar uma promessa ou perdoar as transgressões dos outros. 
Outra fonte clássica que mostra essa sequência de raciocí‑ nio é a obra Henrique V, de Shakespeare. Durante a Batalha de Azincourt, Henrique V decidiu matar seus prisioneiros france‑ ses bem à vista do inimigo, para a surpresa de seus próprios soldados, que inclusive descreveram a ação como imoral. Hen‑ rique V tinha medo de que os prisioneiros pudessem se libertar. Suas tropas observaram que os prisioneiros foram mortos e perceberam que o inimigo havia visto também. Portanto, os sol‑ tados de Henrique V sabiam qual destino os esperaria na mão do inimigo se não vencessem. Metaforicamente, mas de forma mui‑ DIXIT, A. K.; NALEBUFF, B. J. “Game theory”. Library of Economics and Liberty. Disponível em: Acesso em: 25 out. 2016.

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A meaç as cr í veis e navios q u eimados

to eficaz, os barcos deles foram queimados. Ao matar os prisio‑ neiros franceses na frente de todo mundo, Henrique V enviou um sinal para os soldados de ambos os lados e assim alterou os incen‑ tivos de forma a favorecer as perspectivas inglesas para a vitória.

 Don Ross fornece outros exemplos fictícios. Ele propõe alguns exercícios mentais para mostrar o poder da lógica da ameaça crí‑ vel para induzir determinado comportamento em outra pessoa.

Comprando o seu lote de terra Suponha que eu gostaria de comprar o seu pedaço de terra, vi‑ zinho ao meu, para expandir o meu lote. Infelizmente, você não quer vendê­‑lo pelo preço que estou disposto a pagar. En‑ tão, eu poderia tentar mudar os incentivos: digamos que eu anuncie que vou converter meu terreno em um lixão com um odor pútrido, a não ser que você venda o seu, tentando induzi­ ‑lo a diminuir o preço, já que sua terra perderá valor ao lado de um lixão. No entanto, esse movimento não mudará nada, pois prejudicar você também me prejudicará. Uma vez que você sabe isso, deve ignorar minha ameaça. Minha ameaça não é crí‑ vel; acaba por ser um blefe. 

 Entretanto, eu poderia fazer a minha ameaça ser crível se eu me comprometesse com algo. Assim, eu poderia, por exem‑ plo, assinar um contrato com alguns fazendeiros, prometendo fornecer­‑lhes fertilizante (ao tratar o lixo), mas incluindo no contrato uma cláusula de saída, liberando­‑me da obrigação de vender o fertilizante se eu dobrasse o tamanho do meu lote e o encaminhasse para algum outro uso. Então minha ameaça se tornaria crível, pois eu me amarraria: se você não vendesse para mim, eu estaria comprometido com a construção do lixão. 155

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Uma vez que você soubesse disso, teria um incentivo para me vender sua terra e escapar da ruína.



Roubando um antílope Em outro exemplo, suponha que nós dois desejamos roubar um antílope raro de um parque nacional a fim de vendê­‑lo. Devo en‑ tão conduzir o animal para o lugar onde você o aguarda escondi‑ do para colocá­‑lo em um caminhão. Você promete, é claro, es‑ perar e compartilhar o produto comigo. No entanto, sua promessa não é crível. Assim que tiver o antílope, você não terá nenhuma razão para não fugir e embolsar todo o dinheiro. Afi‑ nal, eu nem posso reclamar para a polícia sem ser preso também. Mas agora suponha que eu faça o seguinte: antes da nossa caçada, instalo no caminhão um alarme que só pode ser desli‑ gado digitando um código. Só eu sei o código. Se você tentar fugir e dirigir sem mim, o alarme soará, e nós dois seremos pe‑ gos. Você, sabendo disso, agora tem um incentivo para esperar por mim. O que é importante notar aqui é que você até prefere que eu instale o alarme, uma vez que isso faz a sua promessa de dar a minha parte ser crível. Se eu não fizer isso, deixando sua promessa sem credibilidade, seremos incapazes de concordar com o crime e perderemos nossa oportunidade de ganhar di‑ nheiro com a venda do troféu. Assim, você se beneficia por eu impedi­‑lo de fazer o que é tentador para você. Em resumo, queimar seus próprios navios e diminuir algu‑ mas opções para ter ameaças e/ou comprometimentos críveis são ferramentas poderosas para conquistar seus objetivos, seja em competição ou em cooperação. Também é uma boa forma de resolver o Dilema dos Prisioneiros. 


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O jogo do ultimato

Quando o jogo é contraintuitivo O jogo do ultimato é um famoso experimento utilizado por pesquisadores da Teoria dos Jogos. Karl Sigmund, Ernst Fehr e Martin Nowak, no artigo “The economics of fair play”60, publi‑ cado na revista Scientific American, discute por que preferimos justiça e cooperação no lugar de autointeresse racional. Imagi‑ ne uma situação em que você e um desconhecido estão em salas separadas, sem poder trocar informações. Um sorteio com uma moeda decide qual de vocês fará uma proposta para dividirem SIGMUND, K.; FEHR, E.; NOVAK, M. A. “The economics of fair play: Biolo‑ gy and economics may explain why we value fairness over rational selfish‑ ness”. Scientific American Magazine, jan. 2002. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2016.

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

$100. Digamos que você ganha. Então você deve fazer uma simples proposta de como dividir o dinheiro entre vocês dois, e a outra pessoa só poderá dizer sim ou não. Ela também conhece as regras e o total de dinheiro a ser dividido. 

 Se a resposta for sim, o negócio é feito. Se a resposta for não, ninguém ganha nada. Em ambos os casos, o jogo termina e não pode ser repetido. O que você faria? Instintivamente, mui‑ tas pessoas entendem que devem oferecer 50% porque a divisão seria justa e provavelmente seria aceita. Outras pessoas mais audaciosas acham que devem oferecer menos que a metade. Antes de responder, você deve se perguntar o que faria se você fosse o respondente. Se lhe for oferecido 10%, você aceitaria $10 para o outro ficar com $90 ou preferiria não ga‑ nhar nada? E se fosse 1%? Seria $1 ou nada. Lembre­‑se: pe‑ chinchar e conversar é proibido. Ou você aceita ou rejeita, e o jogo acaba. 

 Então, qual seria a sua oferta? Você se surpreenderá com o resultado de vários experimentos:
 »»

Dois terços das pessoas consultadas ofereceram entre 40% e 50%.


»»

Apenas 4% ofereceu menos que 20%.


»»

Mais da metade rejeitou ofertas de menos de 20%. Propor uma quantia muito baixa é arriscado, pois pode ser

rejeitada. Mas aqui está o enigma: por que alguém rejeitaria uma oferta baixa? O respondente só tem duas opções: ou aceita algo ou fica sem nada. A única opção economicamente racional é aceitar, pois $1 é melhor que nada. 158

O jogo do u ltimato

Um proponente egoísta que está seguro de que o respondente é egoísta irá fazer a menor oferta possí‑ vel e ficar com o resto. Na análise da Teoria dos Jogos, que assume que pessoas são racionais e têm autointeresse, tudo indica que o proponente deve oferecer o menor valor possível, pois o respondente vai aceitar. Mas não é assim que a maioria das pessoas joga esse jogo.

 A teoria econômica entende que indivíduos racionais fa‑ zem escolhas para maximizar seus ganhos. Mas a experiência com esse jogo mostra que as pessoas são reguladas e influencia‑ das tanto por emoções como pela lógica fria e o autointeresse. Esse jogo foi testado várias vezes e em muitas culturas e países, sempre com o mesmo resultado. Em todos eles houve um con‑ traste impressionante entre o que maximizadores de resultados deveriam fazer e o que realmente fizeram, que foi propor resul‑ tados mais justos. Assim como na vida real, há muitas situações que envolvem o dilema entre o egoísmo e a justiça, entre coo‑ peração e competição.

 Mas ficam algumas questões. Imagine que um colega lhe peça colaboração em um projeto. Você ficará feliz em ajudar e espera um retorno justo do seu investimento de tempo e energia numa oportunidade em que você precisar. Mas no jogo do ulti‑ mato, entretanto, as regras não são as mesmas que na vida real, como: (1) pechinchar não é possível, (2) as pessoas não se conhe‑ cem, não se veem e não saberão quem são após o experimento, (3) o dinheiro desaparece, se não aceitarem, (4) o jogo nunca será repetido. Na vida real, a colaboração existe porque há afini‑ dade e porque um ajuda o outro em diferentes momentos. 159

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Na vida real, se você fizer uma retaliação, sofrerá consequên‑ cias do seu egoísmo no futuro. Mas no jogo do ultimato, não.
Por que as pessoas agem de forma diferente?

 Os economistas exploraram esse jogo com outras variações para observar os resultados. Numa delas, quando o proponente não é escolhido por sorteio, e sim por melhor performance numa prova, as ofertas são frequentemente mais baixas e são mais aceitas – a desigualdade é sentida como justificada e me‑ recida. Uma das conclusões a que se chegou foi que nos jogos em pares, como esse, as pessoas não adotam a postura pura de autointeresse, mas consideram a visão do parceiro. Elas não es‑ tão interessadas apenas no próprio resultado, mas comparam com o do parceiro e com uma situação justa.

 Por que nós valorizamos tanto a justiça a ponto de rejeitar 20% de uma boa quantia só porque o outro jogador levará qua‑ tro vezes mais? As opiniões são divididas. Alguns especialistas em Teoria dos Jogos acreditam que esses indivíduos falham no entendimento de que o jogo ocorrerá uma única vez. Assim, os jogadores consideram a aceitação ou a rejeição simplesmente como a primeira fase de um processo de barganha. 

 A pechincha, a barganha, enfim, a negociação sobre partes de recursos, é um tema recorrente desde os nossos ancestrais. Mas por que é tão difícil entender que o jogo do ultimato é um jogo de uma interação apenas? Existem evidências, em outros jogos, de que as pessoas conhecem as diferenças entre encon‑ tros repetidos e os de uma jogada só. Uma explicação sugerida pelos pesquisadores é baseada no estudo de um modelo evolu‑ cionário: nosso aparato emocional tem sido assim moldado por vivermos em pequenos grupos há milhões de anos e, por isso 160

O jogo do u ltimato

mesmo, ser difícil manter segredos. Nossas emoções não são ajustadas para interações em condições de anonimato absoluto. Nós temos a expectativa de que nossas decisões serão observa‑ das por nossos amigos, colegas e vizinhos.

 Se os outros descobrem que eu fico contente com uma pe‑ quena divisão, eles provavelmente vão me fazer uma oferta bai‑ xa. Se sou conhecido por ficar bravo quando recebo uma oferta pequena, posso receber ofertas maiores. Assim, a evolução deve ter criado respostas emocionais para baixas ofertas. Como inte‑ rações de uma só jogada são raras ao longo da evolução humana, essas emoções não discriminam interações repetitivas das úni‑ cas. Essa é provavelmente uma das explicações para muitos res‑ ponderem emocionalmente a baixas ofertas no jogo do ultimato. Sentimos que devemos rejeitar uma oferta baixa para manter nossa autoestima. Do ponto de vista evolucionário, essa autoes‑ tima é um mecanismo interno para adquirir reputação, que será benéfica em futuros encontros. O jogo do ultimato até hoje intriga os pesquisadores, pois as experiências mostram que nem todos agem de forma racio‑ nal e, no fim, prejudicam­‑se. Quem prefere ficar com nada do que com $10 faz isso para punir o outro jogador, que ficará com zero, mesmo que essa punição não seja educativa, uma vez que não haverá uma segunda rodada. Há doadores que não acham justo fazer uma divisão desigual por motivos humanísticos e há os que ficam com medo de o parceiro rejeitar uma proposta de‑ sigual; por isso, melhor ficar com $50 do que correr o risco de ficar sem nada. De qualquer forma, o mundo real é complexo mesmo, e ter um bom raciocínio estratégico ajuda, nesses casos, a conseguir 161

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

identificar, por exemplo, se o jogo é anônimo, se você conhece o perfil do adversário, se podem combinar antes ou se os jogos serão repetidos. Mais uma vez, independentemente da solução “racional­‑matemática”, este é mais um exemplo de como é importante conhecer o outro jogador e os reais incentivos dele.

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O paradoxo do chantagista

Pouco é melhor que nada? Se o seu parceiro ou concorrente não age de forma racional (ou age irracionalmente de propósito), não há muito o que fazer a não ser conhecê­‑lo melhor para identificar alguns padrões e vieses do comportamento dele. Vejamos o exemplo do parado‑ xo do chantagista, idealizado por Robert Aumann no artigo “The blackmailer paradox”.61 É uma variante do Jogo do Ulti‑ mato, mas com um tempero mais dramático. 

 Dois homens, Rubens e Simão, são colocados em uma pe‑ quena sala com uma mala cheia de notas, totalizando $ 100 mil. O proprietário da mala anuncia o seguinte: “Eu vou lhes dar AUMANN, R. “The blackmailer paradox”. Aish.com, 3 jul. 2010. Disponível em . Acesso em 25 out. 2016.

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todo o dinheiro que está nesta mala com uma condição: vocês dois têm de negociar um acordo sobre como dividi­‑lo. Só se vocês dois chegarem em um acordo é que eu me prontifico a lhes dar o dinheiro; senão, não darei”.

 Rubens é uma pessoa racional e percebe a oportunidade de ouro. Ele se vira para Simão com a sugestão óbvia: “Você pega metade e eu a outra metade, de modo que cada um de nós terá $50 mil”. Para sua surpresa, Simão franze a testa e diz, num tom que não deixa margem para dúvidas: “Olha aqui, eu não sei quais são os seus planos para o dinheiro, mas eu não pretendo sair desta sala com menos de $90 mil. Se você aceitar, tudo bem. Se não, nós dois podemos ir para casa sem nenhum di‑ nheiro no bolso”.

 Rubens mal pode acreditar em seus ouvidos. “O que acon‑ teceu com Simão?”, ele pergunta a si mesmo. “Por que ele tem de ter 90% do dinheiro e eu, apenas 10%?”. Ele decide tentar convencer Simão a aceitar sua proposta. “Vamos ser lógicos”, insiste. “Estamos na mesma situação, nós dois queremos o di‑ nheiro. Vamos dividi-lo de forma igual e nós dois vamos sair no lucro”.

 Simão, no entanto, não parece perturbado pela lógica do amigo. Ele escuta com atenção, mas, quando Rubens termina de falar, ele diz, ainda mais enfaticamente do que antes: “90­‑10 ou nada. Essa é a minha última oferta”. Rubens fica vermelho de raiva. Ele está prestes a dar um soco no nariz de Simão, mas recua. Percebe que Simão não vai ceder e que a única maneira que ele pode deixar o quarto com algum dinheiro é dar a Simão o que ele quer. Rubens ajeita a roupa, leva $10 mil da mala, aperta a mão de Simão e sai da sala humilhado. 164

O paradoxo do chantagista

O paradoxo dessa cena é que Rubens, o racional, é forçado a se comportar irracionalmente a fim de alcançar resultados máximos em face da evolução absurda da situação. O que pro‑ voca esse resultado bizarro é o fato de Simão estar tão seguro de si e não vacilar ao fazer seu pedido exorbitante. Apesar de ser ilógica, essa atitude convence Rubens de que ele deve ceder para que possa tirar a melhor vantagem possível daquela situa‑ ção. O comportamento de Rubens é o resultado do sentimento de que ele deve deixar o quarto com algum dinheiro na mão, não importa quão pequena seja a quantia. Já que Rubens não pode se imaginar saindo da sala de mãos vazias, ele acaba tornando­‑se presa fácil para Simão.

 Analisando friamente, é mais “racional” para Rubens acei‑ tar os $10 mil do que ficar sem nada, e é isso que ele faz dada a posição tão veemente de Simão. Do ponto de vista de Simão, entretanto, é uma estratégia arriscada, pois Rubens poderia também agir irracionalmente e negar, ficando ambos sem nada. Mas parece que Simão é insensível a esse risco e acaba se beneficiando devido a sua irracionalidade (ou ele racionalmen‑ te fingiu ser irracional) e da racionalidade de Rubens, que acei‑ tou meros $10 mil. 

165

10

O leilão do dólar

Cuidado com a escalada irracional Um dos jogos que melhor representa uma escalada irracional é o leilão do dólar. Imagine que você está numa sala com outras 20 ou 30 pessoas. O jogo é o seguinte: leiloa­‑se uma nota de 1 dólar e, como em qualquer leilão, quem der o maior lance, ganha a nota. Por exemplo, se o maior lance for de 60 centavos, então paga­‑se 60 centavos para ganhar 1 dólar, ou seja, o prê‑ mio líquido é de 40 centavos. Mas o leilão não é exatamente assim. Existe uma caracterís‑ tica que o distingue dos leilões tradicionais – quem der o segun‑ do maior lance também é obrigado a pagar, mesmo sem levar a nota. Por exemplo, você dá o maior lance, de 30 centavos, e seu

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

amigo ofereceu o segundo maior lance, de 20 centavos. Assim, os resultados são os seguintes: »»

O leiloeiro recebe os seus 30 centavos, os 20 centavos do seu amigo e paga a você 1 dólar (prejuízo final de 50 centavos).

»»

Você paga 30 centavos e recebe 1 dólar (lucro de 70 centavos).

»»

Seu amigo tem prejuízo de 20 centavos. Qual o resultado de um leilão com esta regra adicional do

segundo colocado também precisar pagar seu lance? O professor de economia Max Bazerman, em suas palestras e aulas, discute bastante o efeito deste leilão – uma escala irracional de lances altos. Em seu livro em coautoria com Margaret Neale, Negocian‑ do racionalmente, ele relata que fez várias vezes esse leilão utili‑ zando uma cédula de 20 dólares e obteve resultados bem agres‑ sivos. Observe o relato de Bazerman: Fizemos esse leilão com banqueiros da área de investimentos, consultores, médicos, professores, sócios das grandes seis em‑ presas de auditoria, advogados e executivos de diversas áreas. As regras eram sempre as mesmas. Os lances começam rápida e fe‑ rozmente até chegarem à faixa de $12 e $16. Nesse ponto, todos, exceto os dois maiores arrematadores, caem fora. Os dois últimos arrematadores caíram na armadilha. Se um fez um lance de $16 e o outro de $17, o proponente de $16 pode fazer um lance de $18 ou arcar com uma perda de $16. Nesse estágio, um deles acha que pode ganhar se a outra pessoa desistir. Como pode ser mais atraente continuar do que assumir tamanha perda, então o arrematador faz o lance de $18. 168

O leil ão do d ó lar

Quando os lances são de $19 e $20, surpreendentemente, a lógica de arrematar por $21 é muito semelhante à usada para tomar as decisões anteriores – você pode aceitar uma perda de $19 ou con‑ tinuar com a esperança de reduzir as perdas. Claro, o resto do grupo racha de rir quando os lances superam os $20 – e isso qua‑ se sempre ocorre. Obviamente, os arrematadores estão agindo irracionalmente. Mas quais são os lances irracionais? Leitores céticos deveriam experimentar fazer o leilão com seus amigos, colegas de trabalho ou alunos. São muito comuns lances finais na faixa de $30 e $70, mas nosso leilão de maior su‑ cesso chegou a $407 (os lances finais foram de $204 e $203). Nos últimos quatro anos já ganhamos mais de U$10.000 fazendo esses leilões em salas de aula.62

Esse modelo de leilão foi usado pela primeira vez na década de 1970 por Martin Shubik, um dos pioneiros da Teoria dos Jo‑ gos e pesquisador da Universidade de Princeton. Claramente ele ajuda a explicar por que as pessoas entram numa escalada irracional com um compromisso de ação previamente selecio‑ nado. No início, o ambiente é cordial entre os participantes, pois não acreditam que os lances excederão o valor do objeto (nota de 1 dólar ou nota de 20 dólares). E, de repente, começa a haver um desconforto, pois em determinado momento percebe­‑se que o leiloeiro vai ganhar bastante (a soma do pri‑ meiro e do segundo lances). E chega o momento em que o pri‑ meiro e o segundo colocados percebem que a única coisa a fazer é minimizar a perda. E, para perder menos, a única estratégica BAZERMAN, M. H.; NEALE, M. A. Negociando racionalmente. São Paulo: Atlas, 1998, p. 28.

62

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

é continuar oferecendo lances maiores. E fica declarada a esca‑ lada irracional. O que fazer então? Obviamente, a chave do sucesso é reco‑ nhecer o leilão como uma cilada e nunca fazer um lance, por menor que seja. Como diz Bazerman, “administradores de su‑ cesso devem aprender a identificar ciladas”. Na vida cotidiana, há exemplos disfarçados de leilão do dólar. Raul Marinho, no seu livro Prática na teoria, apresenta um exemplo interessante: O leilão do dólar é uma aplicação derivada da Teoria dos Jogos que leva a aplicações práticas surpreendentes. As redes de TV se utili‑ zam dela para formatar suas estratégias de programação. Repare que os programas hoje em dia são todos “colados” uns nos outros. Quando acaba uma novela, começa um telejornal; quando acaba o telejornal, começa um seriado; e assim por diante. E tudo isso sem intervalo, havendo, no máximo, uma vinheta. E o primeiro bloco do programa é, em geral, o mais interessante e longo. A ideia é induzir o telespectador a “entrar no leilão”. Depois que ele entra, existe uma grande chance de que ele veja o programa até o fim, mesmo que os comerciais sejam frequentes e longos. Após cerca de 15 minutos, o telespectador rompe a “barreira de 1 dó‑ lar” e, pelo mesmo motivo que ninguém sai do cinema antes de o filme (mesmo que ache péssimo) acabar, também tende a assistir ao programa até o fim.63

MARINHO, R. Prática na teoria: aplicações da teoria dos jogos e da evolução aos negócios. Snao Paulo: Saraiva, 2011, p. 57.

63

170

O leil ão do d ó lar

O leilão do dólar pode ser bem definido pela frase “investi demais para desistir”. É por isso que ele é encontrado em várias cenas empresariais, como investimentos crescentes em projetos que estão indo mal ou mesmo guerras de preços intermináveis. Para eliminar essa escalada inicial é necessário compreen‑ der alguns fatores psicológicos. As pessoas não desejam admi‑ tir suas falhas. Gostam de aparentar coerência, e o curso de ação coerente é aumentar seu compromisso com ações ante‑ riores. Portanto, para ser um bom estrategista, lembre­‑se sem‑ pre dessa analogia com o leilão do dólar e saiba que a melhor estratégia é identificar essas armadilhas e não entrar nelas.

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11

Competidores na mesma rua

O jogo da localização do sorveteiro Você já se perguntou por que alguns estabelecimentos comer‑ ciais semelhantes concentram-se numa mesma rua ou quartei‑ rão, por exemplo, várias lojas de móveis, de eletrônicos, de roupas para noivas, cafés, restaurantes? O senso comum diria que são muitos concorrentes juntos, e que isso poderia prejudi‑ car os negócios. Faria mais sentido se eles estivessem um pouco mais distantes? Por que é difícil encontrar um posto de gasolina e, quando se acha, existem dois, lado a lado? Idem para farmá‑ cias ou cafeterias? A Teoria dos Jogos apresenta uma boa explicação para isso, e uma das anedotas mais comuns é o jogo da localização do Sorveteiro. Imagine o seguinte cenário: em uma praia de cem 173

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

metros de extensão existem dois sorveteiros – A e B. Todos os dias eles aparecem e se posicionam em algum lugar. Os sorve‑ tes são iguais – mesma marca, mesmas ofertas, mesmos pre‑ ços. Não há diferencial para conquistar os clientes. A única diferença para os banhistas é a localização dos sor‑ veteiros. Os clientes escolhem o sorveteiro mais próximo. Con‑ sidere que os banhistas estão bem distribuídos ao longo da praia. Assim, seria possível que A e B ficassem um pouco dis‑ tantes, como vemos a seguir. FIGURA 11.1:

Primeira localização

A A B B

A A B B

FONTE: AUTOR.

Nessa localização inicial, os clientes naturalmente se divi‑ dem ao meio. A metade da esquerda vai se servir do sorveteiro A e a metade da direita vai se servir do sorveteiro B. Nesse mo‑ mento, os sorveteiros passam a ser tentados a se movimentar. Digamos que o sorveteiro A se mova 20 metros para o centro, em direção ao sorveteiro B. O que vai acontecer? FIGURA 11.2

Segunda localização

A A

A A B B

B B FONTE: AUTOR

174

C ompetidores na mesma r ua

Claramente os banhistas da esquerda vão precisar andar mais até chegar ao sorveteiro A, mas ele ainda é o mais próxi‑ mo. Alguns do centro estavam anteriormente mais próximos do B, agora estão mais perto do sorveteiro A. Como resultado, o sorveteiro A irá conquistar muito mais banhistas do que o sor‑ veteiro B. Digamos que o sorveteiro A seja mais agressivo ainda, fi‑ cando exatamente ao lado do sorveteiro B – conquistando ain‑ da mais clientes. FIGURA 11.3

A A

Terceira localização

A A

B B

B B FONTE: AUTOR

Naturalmente o sorveteiro B, entendendo a lógica do jogo da localização do sorveteiro, irá se mover para o centro, inver‑ tendo as posições, ganhando os banhistas da esquerda. FIGURA 11.4

Quarta localização

A A B B

A A B B FONTE: AUTOR

O jogo foi invertido, e agora o sorveteiro B possui a maior par‑ te dos banhistas mais próximos. Continuando nesse raciocínio, 175

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

ambos se movimentam para ganhar os clientes mais perto de‑ les, e existirá apenas uma localização em que o jogo se equili‑ bra: exatamente no centro da praia. FIGURA 11.5

Localização final

A A

A A B B

B B FONTE: AUTOR

Essa é uma configuração em que cada sorveteiro conquista exatamente 50% dos banhistas e não há nenhum movimento a fazer para aumentar essa proporção. Embora seja um modelo bem simples, esse raciocínio ajuda a entender por que, em cer‑ tas situações, os concorrentes estão lado a lado, mesmo com o aparente aumento de competição.

176

12

O jogo da divisão do bolo

Como fazer uma divisão justa Imagine o seguinte cenário. Você tem dois filhos que sempre brigam para repartir um bolo pela metade. Eles sempre recla‑ mam que você não é justo e que um dos pedaços sempre fica maior do que outro. O que você pode fazer a respeito?

 William Poundstone, no livro Prisoner´s dilemma,64 mostra que uma solução é criar um jogo, chamado jogo da divisão do bolo. A regra é simples e bem definida. Um dos filhos tem o direito de cor‑ tar o bolo na proporção que quiser, e o outro tem o direito de esco‑ lher qual pedaço quer comer, o maior ou o menor. Esse é o cha‑ mado “Eu corto, você escolhe”, ou ainda “Você corta, eu escolho”.

 PONDSPONE, W. Prisoners’ dilemma: John Von Neumann, game theory and the puzzle of the bomb. Anchor Books, 1993.

64

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Qual é o resultado? Nessa brincadeira, o primeiro filho imagina que, se dividir de forma desigual, o seu irmão irá esco‑ lher o maior pedaço. Portanto, ele tem todo o incentivo do mundo para dividir exatamente na metade, pois não quer ficar com a menor parte. O segundo filho não pode reclamar, pois tem a chance de escolher a maior parte, se ela existir.

 Você, como pai ou mãe, acabou de criar um jogo com um “esquema de incentivos” em que os próprios participantes co‑ laboram devido ao autointeresse de cada um. O autointeresse induziu a uma divisão igualitária, dadas as regras do jogo.

178

Parte 4

INQUIETAÇÕES FINAIS

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As dificuldades da Teoria dos Jogos

A Teoria dos Jogos nasceu da Matemática, se expandiu para a Economia e depois foi usada para explicar alguns fenômenos sociais e comportamentais. Talvez a próxima grande conquista seja o seu uso por consultorias e empresas, mas o artigo abaixo é um tanto desanimador. O texto foi extraído do artigo “You Got Game Theory!”, de Martin Kihn, publicado na revista Fast Company. Em tradução livre, o artigo diz: “Era tudo muito divertido até que percebemos que nenhuma empresa usa, na verdade, a Teoria dos Jogos” A Teoria dos Jogos é um ramo da Economia que soa diverti‑ do. Foi introduzida nos anos 1940 pelo gênio húngaro John von Neumann e desenvolvida nos anos 1950, em Princeton, por John 181

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Nash, matemático retratado em Uma mente brilhante, filme ven‑ cedor do Oscar de 2001. Durante anos, a posição da Teoria dos Jogos – que descreve interações entre jogadores com autointeresse, como os de pô‑ quer e negociadores em geral – cresceu, e suas ideias foram apli‑ cadas em vários campos, como o da evolução das espécies, dos leilões e até contra o terrorismo. Interessados no jogo, nós aqui no CDU (Consultant Debunking Unit) decidimos descobrir se a Teoria dos Jogos chegaria a ser um grande jogo nos negócios. Afinal, ela tem sido bastante difundida nas escolas de negócios há muito tempo – cerca de 2,5 milhões de estudantes de MBA e Economia já a estudaram, apenas nos Estados Unidos. Certamente acreditamos que seria um estrondoso sucesso transformar uma dúzia de conceitos da Teoria dos Jogos em apli‑ cações no mundo real. Assim, adotando nosso habitual rigor me‑ todológico, decidimos estabelecer alguns parâmetros para que uma situação pudesse ser um bom exemplo prático: 1.

Ser uma situação de negócios real na qual alguém usou as ideias da Teoria dos Jogos.

2.

Ter ocorrido nos últimos cinco anos.

3.

envolver empresas reais e ativas, mas não governamentais e organizações sem fins lucrativos.     Primeiro, procuramos exemplos reais na literatura: sele‑

cionamos um portfólio relevante de 40 publicações e os sub‑ metemos aos nossos parâmetros. Tentamos novamente. E no‑ vamente. E encontramos... nada. Houve abundância de menções de leilões de governos, e o filme Uma mente brilhante 182

A s dific u ldades da T eoria dos J ogos

surgiu centenas de vezes. Não era exatamente o que tínhamos em mente. Possivelmente, pensamos, os meios de comunicação é que não possuem esses exemplos. Destemidos, montamos uma lista de trin‑ ta renomados teóricos dos jogos ao redor do mundo e enviamos­ ‑lhes uma pergunta: “Você pode pensar em algum exemplo de companhias reais e ativas que aplicaram conscientemente concei‑ tos da Teoria dos Jogos em um verdadeiro problema de negócios?”. A resposta foi um coro ensurdecedor de coçar cabeças. “A resposta curta é: eu não sei”, disse David Levine, de UCLA. “Deixe­‑me pensar sobre isto”, respondeu Muhamet Yildiz, do MIT. Outros na nossa lista de experts, apesar de não oferecerem nenhum exemplo real, ficaram pensativos e se justificaram. A Teoria dos Jogos tradicional “prescreve muitos conselhos que não parecem, de fato, funcionar”, admitiu Paul Bartha, da British Columbia University. Por que não? Talvez porque “os tipos de si‑ tuação que permitiriam a aplicação de métodos formais são tão simples que as pessoas podem entendê­‑las sem muita ajuda”, su‑ geriu Andy McLennan, da Universidade de Minnesota. Isso significa que a Teoria dos Jogos é somente senso comum? “A Teoria dos Jogos oferece um modo sistemático e agradável de pensar sobre estratégia, mas não é mágica”, concordou Hal Varian, economista na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e coautor do best­‑seller, Information rules. Ou, como David McAdams, do MIT, expôs: “A Teoria dos Jogos é, na verdade, um modelo mental; uma vez que você o tem, você o vê em todo lugar”. Em todo lugar e, talvez, em nenhum lugar. No fim, nenhum dos nossos especialistas teve um exemplo concreto. Mas muitos ofe‑ receram o mesmo conselho: “Pergunte a Preston McAfee” – um 183

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

economista do California Institute of Technology e possivelmente o pesquisador de Teoria dos Jogos mais avançado do país (ele projetou um leilão de telefonia do governo). Ele foi mais encorajante: “Há muitos exemplos”, escreveu por e­‑mail, concordando com uma entrevista. Conversamos com o professor no seu escritório, em Caltech. “Então”, nós lhe perguntamos, “quais são todos esses exemplos da Teoria dos Jogos aplicada à vida real?”. Houve um silêncio do outro lado da linha. “Bem”, ele disse, “muitas companhias contrataram teóricos de jogos para preparar aqueles leilões de telefonia”. “Ok, mas que tal situações de leilões não governamentais?”. “Não sei de nenhuma companhia que emprega teóricos de jogos puros, mas talvez elas estejam mantendo esse assunto quieto”, respondeu ele. — Muito, muito quieto.65

Esse artigo rodou o mundo, tendo conquistado muitos defen‑ sores (“Realmente, ninguém usa”) e críticos (“Não é bem assim, o assunto é abstrato e possui insights”). Um dos críticos ao artigo foi David McAdams, que advoga que a revista Fast Company foi ten‑ denciosa e parece não ter conversado com nenhum executivo de negócios. Em seu livro Game­‑changers,66 McAdams (citado no ar‑ tigo) informa que líderes de empresas relatam que a Teoria dos Jo‑ gos fornece insights para vantagens competitivas, embora não cite um caso de empresa real e o insight competitivo em questão. Por outro lado, também tenho feito pesquisas em busca de exemplos de empresas que usam a Teoria dos Jogos. As revistas KIHN, M. “You got game theory!” Fast Company, fev. 2005. Disponível em: . Acesso em 25 out. 2016. 66 McADAMS, D. Game­changer: game theory and the art of transforming stra‑ tegic situations. WW Norton Company, 2014.. 65

184

A s dific u ldades da T eoria dos J ogos

especializadas apenas apresentam formulações matemáticas de situações não muito próximas da vida real. Exemplos em jornais e revistas de negócios são muito superficiais. Existem empresas de consultoria que dizem usar a Teoria dos Jogos, mas nos res‑ pectivos sites não há relatos palpáveis de seus clientes. E, final‑ mente, os livros­‑textos de Teoria dos Jogos usados nas escolas de business apresentam casos didáticos, mas não necessaria‑ mente reais, como acontece em outras disciplinas. 

 Em 2008, às vésperas do congresso Games 2008: Third World Congress of the Game Theory Society, apresentei­‑me por e­‑mail para a professora Marilda Sotomayor, especialista da USP em Teo‑ ria dos Jogos (e outros assuntos da cadeira de matemática), dizendo­‑lhe que sou fanático pelo tema e que gostaria de conver‑ sar mais sobre suas aplicações no pensamento estratégico e no dia a dia. A resposta foi simpática. Ela estava em período de férias e depois passaria um tempo nos Estados Unidos lecionando, mas, se eu quisesse conhecer sua linha de pesquisa, poderia ler o livro dela (Two sided­‑matching,67 também acadêmico e matemático). Agra‑ deci e perguntei­‑lhe sobre referências de Teoria dos Jogos no mun‑ do da economia e do business. A resposta foi simples e igual aos demais relatos: “Não conheço nada sobre o que você deseja saber”. Um contexto histórico ajuda a explicar por que a Teoria dos Jogos é de difícil aplicação direta e prática. Como foi criada como um ramo da matemática, ficou restrita por um bom tem‑ po apenas ao meio acadêmico. Até hoje os congressos sobre o tema são voltados para a matemática, na qual a Teoria dos Jogos é reverenciada por professores que gostam de problemas com‑ 67 SOTOMAYOR, M. A., & ROTH, A. E. Two­sided matching: a study in game­ theoretic modeling and analysis. Cambridge University Press, 1992.

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

plexos e desafios intelectuais. Existem algumas vantagens ao usar a matemática como pano de fundo de um modelo mental, uma vez que a linguagem formal oferece uma comunicação precisa e retira ambiguidades. Entretanto, a linguagem estrita‑ mente formal e os conceitos muito abstratos tornam o estudo muito árido e com poucas aplicações práticas. São justamente essas formulações matemáticas que afastam a Teoria dos Jogos dos executivos das empresas, que querem algo mais simples. Como método matemático para resolver problemas bem de‑ finidos, a Teoria dos Jogos não deixa de ser mais uma ferramenta de otimização, como a Decision analysis, que é bastante aplicada em certas situações de negócios. Entretanto, tem uma caracte‑ rística diferente: enquanto a Decision Analysis tem como variá‑ veis de entrada as incertezas, probabilidades e restrições para achar o ponto da otimização, a Teoria dos Jogos incorpora dois elementos extras e mais complicados. Primeiro, como trata de um jogo com dois ou mais jogadores, incorpora os resultados de todos eles, que reagem para otimizar seus benefícios. Segundo, não se limita a uma otimização estanque, ou seja, de uma jogada só; avalia uma cadeia de reações sucessivas e otimiza todo o ce‑ nário. Portanto, como exercício matemático, é muito mais com‑ plexo do que o já complicado método Decision Analysis.

É por esse motivo que neste livro não uso fórmulas matemáticas. Minha metodologia consiste em con‑ verter os conceitos em jogos, histórias e analogias, poderosos recursos para explicar esses conceitos e propiciar ao leitor duas vantagens — memorizar e transmitir conhecimento para outros. 186

A s dific u ldades da T eoria dos J ogos

Teoria dos Jogos não ensina a mapear; isso é tarefa sua Muitos podem dizer que a dificuldade de aplicar a Teoria dos Jo‑ gos é a matemática avançada, o que não é necessariamente ver‑ dade. O grande problema do uso da Teoria dos Jogos nas empre‑ sas está no mapeamento dos dados reais e no entendimento de todo o cenário estratégico. Para lidar com a complexidade ma‑ temática, geralmente os exercícios de Teoria dos Jogos apresen‑ tam dados claros no “enunciado do problema”, por exemplo: “A empresa A possui alternativas X e Y, que, junto com as alterna‑ tivas Z e W da empresa B, gera resultados 100 e 200”. O curioso é que esses “dados reais” e o “cenário estratégico” valem para qualquer outra ferramenta, até mesmo para as consagradas Curvas de Demanda, VPL, Swot Analysis, Cinco Forças de Por‑ ter, Estratégia do Oceano Azul etc. Você precisa mapear o jogo e conhecer os dados reais que afetam a sua empresa. Como ocorre com outros conceitos, a Teoria dos Jogos não faz isso por você. Nesse contexto, ela é um método de raciocínio particularmente útil em situações de inter‑ dependência de decisões, e não uma ferramenta para avaliação de mercado. Para ficar mais claro, como comparação, podemos dizer que a Teoria dos Jogos é como a teoria do Valor Presente Líquido (VPL), que possui conceitos e fórmulas bem definidos. Quando quer comparar dois cenários com diferentes fluxos de caixa (rendimentos/pagamentos), você “traz a valor presente”, uti‑ lizando uma taxa de desconto segundo uma determinada fór‑ mula matemática. Assim, você consegue verificar qual alterna‑ tiva, no tempo, possui maior retorno financeiro. 187

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

FIGURA 13.1

Esquemático do Valor Presente Líquido VPL Fluxo de Caixa

Investimento FONTE: AUTOR

Nas aulas de finanças, os melhores estudantes são aqueles que fazem os cálculos corretamente. Entretanto, o mais difícil do VPL não é usar os dados (basta interpretar e saber usar as fórmulas), e sim obter os dados. Em sala de aula tudo é muito fácil, pois os números são fornecidos no enunciado do proble‑ ma. Os estudos de casos, por mais complexos que sejam, apre‑ sentam o fluxo de caixa como uma informação disponível para todos os jogadores – tanto o seu como o do seu concorrente. A vida real é diferente. Você está numa empresa e não pos‑ sui um problema com um enunciado pronto. Você imagina vá‑ rios cenários, sabe calcular o VPL (inclusive o Excel tem a fór‑ mula pronta), mas não sabe quais valores colocar como input. Para isso, precisaria fazer projeções de vendas, custos, reação dos concorrentes, reação dos consumidores, situação econô‑ mica ao longo dos anos, entre outros dados. Qualquer valor er‑ rado compromete o resultado, por mais que você saiba a teoria do Valor Presente Líquido. Caso semelhante ocorre com a curva de demanda. Aulas de economia apresentam uma curva em que para cada preço do seu produto existe uma demanda – a quantidade que você irá vender. Os consumidores compram mais à medida que o preço cai. Com essa curva exata de cada preço – quantidade, com um 188

A s dific u ldades da T eoria dos J ogos

pouco de cálculo de primeiro e segundo grau você consegue definir o preço exato a estabelecer para que a quantidade ven‑ dida maximize os lucros. Assim, você tem a noção da elastici‑ dade do preço, o que é muito útil. FIGURA 13.2

Esquemático da curva de demanda Preço

P1 P2 Q1

Q2

Quantidade FONTE: AUTOR

Mas, idêntico ao conceito do VPL, o conceito da Curva de De‑ manda só traz resultados realmente práticos se você souber qual é a curva de demanda do seu produto real. Como saber isso? Você não vai mudar o preço todo dia ou toda semana, durante anos, só para identificar a relação preço versus quantidade vendida. Então, como saber qual é a sua curva? Uma vez fiz essa pergunta ao meu professor de economia, e ele respondeu: “Nas aulas nós usamos uma curva dada para ensinar o conceito; se você quer saber como formá­‑la, converse com seu professor de marketing quantitati‑ vo”. Assim, fui conversar com meu professor de marketing, e ele respondeu: “Olha, não sei responder. Para isso existem empresas especializadas de consultoria que ajudam as empresas”. Você já percebeu que a matemática não é principal vilã. Na vida real, os dados não estão disponíveis. Se a otimização 189

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

matemática em si na Teoria dos Jogos já é mais difícil do que a complicada Decision Analysis, no mundo real achar os dados corretos é o pior complicador. Se isso não é fácil dentro da sua empresa, pior ainda é descobrir o ganho do seu concorrente. Vocês não estão sentados numa mesma sala de aula para com‑ binar a estrutura do jogo na lousa. Se isso não está disponível ou claro para a Teoria dos Jogos, não está disponível para qualquer outro modelo econômico ou estratégico. Não é, portanto, exa‑ tamente um problema da Teoria dos Jogos em si. Pankaj Ghemawat, no livro Games businesses play,68 resume bem alguns problemas da Teoria dos Jogos na perspectiva da es‑ tratégia de negócios. Primeiro, o conhecimento sobre o fenôme‑ no estratégico a ser estudado está fora do escopo da Teoria dos Jogos em si (que mostra a solução matemática, e não a formula‑ ção do problema). Os teóricos dos jogos não estão muitos dis‑ postos a aprender sobre negócios, deixando esse papel aos estra‑ tegistas, e não aos economistas. Segundo, os teóricos dos jogos modelam os fenômenos estratégicos de forma fragmentada, res‑ tringindo o jogo a um número mínimo de variáveis econômicas e excluindo outras – psicológicas, políticas, organizacionais –, o que limita tanto o teste científico como sua utilidade prática. 


A Teoria dos Jogos como insight cognitivo Alguns dizem que não é possível usar a Teoria dos Jogos “por‑ que ela não ajuda a calcular as estratégias e os resultados do concorrente”. Ghemawat é pragmático quando diz que essa 68

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GHEMAWAT, P. Game businesses play: cases and models. MIT Press, 1997.

A s dific u ldades da T eoria dos J ogos

desculpa é muito simplista e perigosa. Se você não sabe nada sobre seu adversário, como quer competir de outra forma séria, mesmo utilizando técnicas mais simples (como Análise SWOT e Cinco Forças de Porter)? Utilizar essas técnicas sem conside‑ rar o concorrente é, no mínimo, uma atitude suicida. Assim, dizer que não devemos usar a Teoria dos Jogos “simplesmente porque” é difícil prever as reações do concorrente é admitir que você não é um bom estrategista.

 Pode ser difícil converter todas as estruturas de decisão numa árvore ou matriz de resultados de forma clássica e acadê‑ mica, bem como definir o Equilíbrio de Nash e resolver a ques‑ tão da mesma forma que os acadêmicos fariam se os dados do problema fossem fornecidos. Mesmo que você conseguisse fa‑ zer tudo isso, se seu adversário não fizer o mesmo cálculo, será improvável que o equilíbrio ou o resultado do jogo seja o pre‑ visto por você.

 Como já foi dito, não imagino que as empresas usem a Curva de Demanda para verificar a elasticidade em cada ponto mate‑ mático da curva, preço a preço, quantidade a quantidade, no grá‑ fico. Mesmo assim, ninguém reclama da Curva de Demanda – to‑ dos aprendem, usam os jargões, e isso se torna suficiente para um executivo que quer modelos simples para se comunicar e discutir numa reunião. O modelo da Curva de Demanda gera insights a ponto de os executivos nas empresas usarem jargões do tipo “Esse preço é inelástico”, sem precisar revisar toda a teoria. Igualmente, a Teoria dos Jogos oferece insights palpáveis para você avaliar cenários competitivos e tomar decisões mais eficazes. Propõe uma estruturação de raciocínio por meio de modelos formais, sem precisar de sofisticação matemática.

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Na prática, a Teoria dos Jogos ensina os grandes conceitos para modelar “a lógica da situação” ao colocar os resultados de cada jogador (seja numa árvore sequencial de decisão ou numa matriz de ações simultâneas) e achar o ponto de equilíbrio (fa‑ zendo a indução retroativa nos jogos sequenciais ou descobrin‑ do as estratégias dominantes nos jogos simultâneos).

 Criticar a Teoria dos Jogos, dizendo que não pode ser usada na prática pela falta dados é o mesmo que criticar a maioria dos modelos econômicos e financeiros. Os modelos são condutores da linha de raciocínio para gerar o output, mas, por enquanto, nada substitui nossa experiência, a criatividade, as pesquisas quantitativas e outros métodos de análise quantitativa para ge‑ rar os inputs.

Estamos fazendo a pergunta certa? A questão polêmica não deveria ser “Alguma empresa usa Teo‑ ria dos Jogos?”, e sim “A Teoria dos Jogos precisa ser usada em alguma empresa para ser útil?”. Considere outros conceitos es‑ tratégicos, como as Cinco Forças de Porter ou a Estratégia do Oceano Azul. Eles também são muito mais vistos como organi‑ zadores de pensamento do que um check­‑list para converter a teoria em prática. Tome ainda como exemplos outras discipli‑ nas do conhecimento, como a Filosofia, a História e a Psicolo‑ gia. Não vemos “aplicação direta com formulações práticas” nas empresas, mas vários executivos podem se beneficiar des‑ ses conhecimentos em suas caixas de ferramentas mental. Se você quer se aprofundar neste tipo de discussão, leia os textos da Parte 5 – Apêndice para mentes curiosas. 192

14

As principais lógicas da Teoria dos Jogos

Você percebeu que este livro não teve a pretensão de en‑ sinar a Teoria dos Jogos com todos os formalismos tradicionais. Utilizei poucos termos técnicos e formulações matemáticas; alguns conceitos nem sequer foram citados. Como existem vá‑ rios livros específicos sobre o tema, se você quiser se aprofun‑ dar, há algumas sugestões na Bibliografia. Em minha opinião, a Teoria dos Jogos é ensinada nas esco‑ las de forma muito entediante para os não matemáticos. Até a versão ensinada nas disciplinas de negócios apresenta concei‑ tos de difícil aplicação prática. Academicamente, a teoria é fas‑ cinante pela sua complexidade intelectual e desafia leitores ávidos por conceitos mais abstratos. Entretanto, do ponto de vista prático e popular, a teoria não é de fácil entendimento. Assim, um dos desafios deste livro foi simplificar o comple‑ xo para torná­‑lo mais acessível a leigos, estudantes e executivos, 193

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

propiciando­‑lhes uma leitura mais prazerosa e útil. Por isso, o objetivo desta publicação não foi explicar a Teoria dos Jogos em si, e sim apresentar alguns insights derivados dela no contexto de estratégia, conflitos, competição, cooperação e suas respec‑ tivas lógicas de decisão.

A Teoria dos Jogos é apenas parte de um pensar estratégico mais abrangente. Na verdade, alguns conceitos apresentados aqui nem são exclusivos da Teoria dos Jogos, mas de um espectro mais amplo de ensinamentos de economia, administração, estratégia, psi‑ cologia, lógica e teoria das decisões. O que unifica estes concei‑ tos a ponto de colocá­‑los juntos num mesmo livro é o fato de todos fornecerem insights para decisões estratégicas. Perceba que os conceitos apresentados estão mais relacio‑ nados ao âmbito cognitivo (pensar e refletir) do que corporati‑ vo (aplicar uma regra). São insights e lógicas mais para se ter em mente no cotidiano do que para fazer uma reunião de pla‑ nejamento estratégico de uma empresa. Esses insights podem nos ajudar a observar o mundo com outros olhos. Concluindo, minha intenção foi incluir uma série de con‑ ceitos em sua caixa de ferramentas mental – esse recurso é muito comum no ensino de administração em geral. O objetivo dessas caixas de ferramentas é deixar alguns conceitos simpli‑ ficadores mais disponíveis em sua memória, como as Cinco Forças de Porter, a análise SWOT, a Estratégia do Oceano Azul e muitas outras teorias.

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A s principais ló gicas da T eoria dos J ogos

As dez grandes lógicas oriundas da Teoria dos Jogos Este livro pode ser resumido em dez grandes lógicas ou insights para as tomadas de decisões estratégicas envolvendo competi‑ ção e cooperação:

Lógica 1. Reconheça as decisões estratégicas Decisões estratégicas são diferentes das demais decisões co‑ muns, aquelas em que o resultado apenas depende de você, mesmo que seja um modelo complexo de ranking de preferên‑ cias, com prós e contras. Decisões estratégicas são aquelas em que uma outra pessoa também está tomando uma decisão e o resultado depende da combinação das ações de ambas, numa interdependência similar a um jogo.

Lógica 2. Identifique os componentes da situação estratégica Quando você estiver diante de uma decisão estratégica a tomar, é importante identificar todos os elementos dessa situação, como os demais “jogadores”, as ações possíveis de cada um, se o “jogo” é sequencial ou simultâneo, o que todos estão tentan‑ do conquistar e seus respectivos resultados.

Lógica 3. Pense à frente e raciocine para trás Uma vez mapeada a situação inteira, uma boa técnica é partir do fim para o começo. Ao visualizar o mapa estratégico, para cada etapa de escolha é possível colocar­‑se na posição do outro para tentar saber que decisão você tomaria se fosse ele e assim ajustar o seu movimento e prever toda a sequência de reações.

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Lógica 4. Conheça os reais incentivos do outro Para colocar­‑se de forma apropriada na posição do outro, é fundamental entender o seu oponente e as predisposições dele. Ele pode querer aumentar a participação de mercado, e não o lucro. Ele pode ser avesso a riscos, diferente de você. Ele pode desejar um objetivo de curto prazo como forma de demonstrar poder momentâneo. Ou seja, vocês podem ter preferências distintas, então você não deve se basear nas suas estratégias, e sim nas do seu oponente. Portanto, pense: “O que ele está bus‑ cando de verdade?”.

Esta é uma lógica importante. Quando você ouvir o conselho “Coloque­‑se no lugar do outro antes de agir”, saiba identificar um elemento importante: imagine o que você faria se fosse ele. Isso é diferente de o que você faria no lugar dele. O correto é prever a reação do outro, e não saber se você faria melhor. Isso ajuda a minimizar os erros tolos e os comentá‑ rios do tipo “Fui surpreendido”. Você nunca será surpreendido se colocar­‑se na posição do outro de forma correta. Lógica 5. Reconheça a irracionalidade como parte do jogo Irracional é alguém com um padrão incoerente de escolhas. Você pode não concordar com uma reação emocional do seu adversário. Entretanto, se você conseguir achar um padrão da irracionalidade quando ele não otimizar os próprios benefí‑ cios, leve isso em consideração para os seus movimentos. Como mostram outras teorias comportamentais, desvios de 196

A s principais ló gicas da T eoria dos J ogos

racionalidade existem. Saber quais são os vieses cognitivos69 (viés da disponibilidade, ou da facilidade da lembrança) de uma decisão pode ajudá­‑lo na estratégia de prever correta‑ mente as premissas do seu oponente e o que ele realmente va‑ loriza. Considere ainda que seu adversário pode fingir ser irra‑ cional de propósito, como parte de uma estratégia para perder agora e ganhar depois.

Lógica 6. Otimize o seu, e não o dele Se, entre todas as estratégias possíveis, o máximo que você consegue é, por exemplo, $500, então tome essa decisão inde‑ pendentemente de o seu adversário ganhar $1.000. Otimize o seu resultado, faça o melhor para si.

Lógica 7. Entenda que alguns resultados são piores para todos Como visto no Dilema dos Prisioneiros, há situações em que as escolhas dos jogadores geram resultados ineficientes e todos perdem. Geralmente esses padrões de comportamento têm origem em esquemas de incentivos, induzindo seres racionais ao pior resultado. Reconhecer essas situações e enxergá­‑las com clareza é importante para conseguir resolvê­‑las.

Lógica 8. Resolva o Dilema dos Prisioneiros e induza a cooperação Há duas formas para isso. Primeiro, conseguir um regulador central para mudar o esquema de incentivos e forçar todos a co‑ laborar (para jogos de uma rodada só). Outro método é usar a 69

Veja alguns exemplos no Capítulo 4. 197

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

estratégia Olho por Olho, induzindo seu adversário a colaborar; caso contrário, você irá retaliar (para jogos com rodadas repetidas).

Lógica 9. Entenda que os dilemas sociais existem em todas as partes O Dilema dos Prisioneiros de forma expandida leva ao mesmo padrão de ineficiência dos resultados para uma série de dilemas sociais. Procure reconhecer esse padrão nas interações sociais e tentar mudar os incentivos do jogo. Em um deles, a tragédia dos comuns, a solução é ter alguns mecanismos de responsabi‑ lização individual contra os free riders, como no caso da conta do restaurante ou do pagamento de água no condomínio.

Lógica 10. Diminua suas opções para tornar sua ameaça mais crível É bastante intuitivo pensar que, para vencer as disputas com adversários, é necessária uma série de opções disponíveis como estratégia de combate. Entretanto, muitas vezes o melhor é o contrário. Se você quiser tornar sua ameaça mais crível, é pre‑ ferível que você tenha poucas alternativas e que seu oponente saiba disso, como no exemplo dos navios queimados. Você deve ter percebido que neste livro há muito mais do que dez “lógicas” ou “modelos” ou “histórias” para você in‑ cluir na sua caixa de ferramentas mental (além das dez cita‑ das, ainda há o leilão do dólar, jogo do ultimato, jogo da divi‑ são do bolo etc.). Assim, recomendo que você tenha todas em mente – cada uma leva a uma moral, visando à melhor com‑ petição ou cooperação. 198

A s principais ló gicas da T eoria dos J ogos

Palavra final O grande objetivo deste livro foi fornecer uma série de mode‑ los mentais que ajudam a antecipar reações. Neste sentido, gostaria de finalizar fornecendo alguns depoimentos pessoais. Após estudar a Teoria dos Jogos, passei a entender que muitas situações da vida são semelhantes às de um jogo no qual as pessoas têm objetivos diferentes e autointeresse. Então, co‑ mecei a enxergar o autointeresse do outro jogador como abso‑ lutamente legítimo, sem considerá­‑lo um inimigo. O autoin‑ teresse, por si só, faz parte da vida e é decorrente dos esquemas de incentivos. Também comecei a ficar mais atento às lógicas das situa‑ ções ao observar as atitudes das pessoas e como o desenho dos incentivos influencia comportamentos. Assim, passei a ser mais racional em determinadas situações, sem reagir com es‑ panto ou revolta quando o outro age de forma diferente do que eu gostaria. Ao entender o desenho do jogo, passei a admitir que eu reagiria da mesma forma se estivesse no lugar dele. São os incentivos que fazem o outro agir do jeito que age, e eu pro‑ vavelmente agiria do mesmo modo se tivesse o mesmo incen‑ tivo que ele. Por isso, reforço este grande conselho: compreenda que in‑ divíduos reagem a incentivos. Entender as reais motivações de seus concorrentes aumenta a sua chance de sucesso na interação estratégica com eles. Os incentivos dos seus jogadores podem ser econômicos, sociais ou morais. Você pode querer maximizar o seu lucro, mas o seu concorrente pode querer simplesmente ga‑ nhar status ou mesmo fazer com que você perca, mesmo que ele 199

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

também perca. Aqui a questão não é exatamente sobre raciona‑ lidade, nem sobre certo ou errado. O ponto principal é a sua ha‑ bilidade de identificar as reais motivações do seu parceiro, sejam de longo ou curto prazo, e suas características principais, como aversão ao risco, entre outros. Entender o que vocês estão dispu‑ tando ou querendo maximizar é o primeiro grande passo para jogar o mesmo jogo e conseguir vitória ou colaboração. Gostaria de encerrar, citando novamente um pensamento de Ken Binmore70 que reflete o meu sentimento. Faço votos de que este livro tenha plantado algumas sementes em você nesta direção: Assim como os atletas têm prazer em treinar seus corpos, tam‑ bém há imensa satisfação em treinar a mente para pensar de uma forma que é simultaneamente racional e criativa. Com todos os seus enigmas e paradoxos, a Teoria dos Jogos oferece um magní‑ fico ginásio mental para essa finalidade. Espero que exercitar­‑se nesse equipamento lhe traga o mesmo prazer que sinto.

Boa jornada a partir de agora.



BINMORE, K. Playing for real: a text in game theory. Oxford University Press, 2007.

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Parte 5

APÊNDICES PARA MENTES CURIOSAS

RESUMO SOBRE OS APÊNDICES PARA MENTES CURIOSAS

Para uma noção básica de decisões estratégicas e utilizando a Teoria dos Jogos nos cenários de competição e cooperação, podemos encer‑ rar os conceitos por aqui. Mas se você tem uma mente curiosa, as próximas páginas apresentam uma série de informações adicionais sobre o mundo da Teoria dos Jogos. No Apêndice 1 > A cena do bar do filme Uma mente brilhante – reproduzo os diálogos da cena e a repercussão dos comentários de alguns especialistas dizendo que o contexto não é, tecnicamente, um Equilíbrio de Nash. No Apêndice 2 > Meus encontros com John Nash – relato minha experiência de encontrar Nash por duas vezes em congressos acadê‑ micos sobre Teoria dos Jogos.

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

No Apêndice 3 > O que a Teoria dos Jogos está tentando con‑ quistar – reproduzo parte de um excelente artigo de Robert Aumann e sua análise sobre a Teoria dos Jogos e sua relação com a ciência. No Apêndice 4 > Para atingir a paz não se pode fazer conces‑ sões – você encontrará uma interessante entrevista concedida por Robert Aumann. No Apêndice 5 > O uso da Teoria dos Jogos – mostro uma entre‑ vista com Ariel Rubinstein e suas opiniões sobre o tema. No Apêndice 6 > A utilidade da Teoria dos Jogos – reproduzo parte de um artigo polêmico de Rubinstein em que ele diz que a Teo‑ ria dos Jogos tem pouca aplicação prática. Há também uma série de repercussões desse artigo em blogs especializados.

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Apêndice 1

A cena do bar do filme Uma mente brilhante

Após o sucesso do filme Uma mente brilhante,71 que retrata a vida de John Nash, interpretado por Russell Crowe, muitas pessoas usam a “cena do bar” como um exemplo de Teoria dos Jogos e Equilíbrio de Nash. 

 O filme e a cena são realmente muito interessantes. Abai‑ xo, segue a reprodução da fala dos personagens. Nash e os ami‑ gos estão bebendo em um bar quando várias mulheres entram juntas. Entre elas está uma loira estonteante, a qual todos ad‑ miram e desejam, a despeito de suas amigas morenas.

Nash: Oh. Mais alguém aqui está sentindo como se ela estivesse se movendo em câmera lenta? (Referindo­‑se à loira) HOWARD, 2001, ganhador do Oscar de 2002. O filme foi baseado no livro de NASAR, 2008.

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Amigo 1: Será que ela quer uma grande festa de casamento? Amigo 2: Vamos disputar com espadas ou pistolas? Amigo 3: Vocês não se lembram de nada? De acordo com Adam Smith, o pai da economia moderna, em uma competição... Demais: As ambições individuais servem ao bem comum. Amigo 1: Exatamente. Cada um por si, cavalheiros. Amigo 2: E aqueles que não conseguirem nada, vão para as amigas. Amigo 3: Essa eu não perco. (Depois de alguns segundos:) Amigo 1: Ok, ninguém se mexe. Ela está olhando para cá! Ela está olhando para o Nash! Amigo 2: Meus Deus, ele até pode ter vantagem agora, mas espere ele abrir a boca. Lembra­‑se da última vez? (Nash fica observando por vários segundos, sem dizer nada.) Nash: Adam Smith precisa de revisão. Amigo 3: O que você está falando? Nash: Se todos nós formos atrás da loira, bloquearemos uns aos outros, e nenhum de nós a conquistará. Daí iremos até suas amigas, mas elas vão nos ignorar, pois ninguém quer ser a segunda opção. E se ninguém for atrás da loira? Não atrapalharemos uns aos outros e não destrataremos as outras garotas. É a única maneira de vencermos. É o único jeito de conseguirmos uma garota. (Nash fica agitado e continua:) Nash: Adam Smith disse que o melhor resultado acontece quando todos em um grupo fazem o melhor para si próprios. Certo? Ele não disse isso? Incompleto! Incompleto! (Os amigos ficam atônicos.) Nash: O melhor resultado virá quando todos de um grupo fizerem o melhor para si próprios e para o grupo.

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A cena do bar do filme Uma mente brilhante

Amigo 3: Nash, se esse é um jeito para você ficar com a loira, vá para o inferno… Nash: Dinâmicas governantes, cavalheiros. Adam Smith está errado! (Nash se levanta, sai correndo, para em frente da loira, diz “Obriga‑ do!” e sai do bar.)

A repercussão: “A cena não é um Equilíbrio de Nash”

 Após o filme muitas pessoas começaram a se interessar pela vida de John Nash e suas ideias sobre Teoria dos Jogos. Entre‑ tanto, muitos professores e especialistas no assunto criticaram o filme, dizendo que, embora ele seja muito bom, os funda‑ mentos teóricos eram imprecisos. De fato, Hollywood quis re‑ tratar a biografia de Nash e sua esquizofrenia, e não dar aula sobre Teoria dos Jogos. No DVD “Games people play: games theory in life, busi‑ ness, and beyond”,72 o professor Scott P. Stevens manda um re‑ cado ao diretor do filme: “Você pode bagunçar com a vida de Nash, mas, por favor, não bagunce a sua teoria e seu equilíbrio”. Há consenso entre os acadêmicos de que, embora a cena retratada simbolize um raciocínio da Teoria dos Jogos de ante‑ cipar e prever movimentos, a proposta “Vamos atrás das mo‑ renas” não é tecnicamente um Equilíbrio de Nash. O site Mind Your Decisions possui um artigo, “Game theory scene from a

STEVENS, S. P. “Games people play: game theory in life, business, and beyond”. The Great Courses, course n. 1426, 2008. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2106.

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

beautiful mind”73, que discute um pouco o tema, resumido a seguir: O filme é tão bem dirigido que soa convincente. No entanto, é tristemente incompleto. Ele perde a essência da Teoria dos Jo‑ gos não cooperativos. Um equilíbrio de Nash, por definição, é um estado em que uma pessoa não pode melhorar, uma vez que os outros já escolheram uma posição. Isso significa que ela está escolhendo a melhor ação possível em resposta a reação dos outros. Como exemplo, vamos analisar a situação: se todos fossem em direção às morenas, seria um equilíbrio de Nash. Uma vez que seus três amigos vão para morenas, qual é a sua melhor resposta? Você pode ir para a morena ou para a loira? Com seus amigos já indo em direção às morenas, você não tem concorrência para procurar a loira. Está claro que você deve ir falar com a loira. Esse é o seu melhor movimento. Aliás, esse é um Equilíbrio de Nash. Você está feliz, e seus amigos não podem fazer melhor. Se seus amigos tentarem falar com a loira, eles acabam sem nada e per‑ dem a chance de buscar uma morena. Então, quando Nash disse aos amigos para irem ao encontro das morenas no filme, parece que ele estava deixando a loira para ele mesmo. Agora, em assuntos práticos é difícil alcançar um equilíbrio em que apenas uma pessoa vai encontrar a loira. Haverá concor‑ rência, e alguém do grupo certamente vai sabotar a missão do

TALWALKAR, P. “The game theory scene from a beautiful mind”. Mind your Decision, 10 mar. 2008. Disponível em: http://mindyourdecisions.com/ blog/2008/03/10/game-theory-tuesdays-the-problem-from-a-beautiful‑ -mind-buying-new-or-used/>. Acesso em: 25 out. 2016.

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A cena do bar do filme Uma mente brilhante

outro. Portanto, há duas maneiras de encarar o jogo: uma delas é ignorar o grupo atual e esperar por um outro grupo de loiras; a segunda é permitir que um membro do grupo vá em direção à loira enquanto os outros vão para as morenas.

Outros acadêmicos levaram a discussão mais a sério ainda. Dois professores do Departamento de Economia da Universidade da Virgínia até escreveram uma tese74 de doze páginas, com uma sofisticada matemática, para mostrar que a verdadeira solução é o que se chama em Teoria dos Jogos de “estratégia mista”.

Conclusão

 É verdade que a cena do filme não pode ser usada de forma di‑ dática para explicar nenhum conceito formal e técnico de equi‑ líbrio. Porém, serve para mostrar que a essência da Teoria dos Jogos é tentar prever as decisões que os demais jogadores (os amigos de Nash e as garotas) tomarão numa sequência de ações e reações. É um bom exemplo de um jogo de antecipar os mo‑ vimentos dos amigos e tomar a melhor decisão, sabendo que os competidores estão pensando da mesma forma. Embora tecni‑ camente errada no mundo acadêmico, a cena é uma boa ane‑ dota sobre “pensar por antecipação”.

ANDERSON, S. P., & ENGERS, M. “A beautiful blonde: a Nash coordination game”. Department of Economics, University of Virginia, 2002. Disponível em: Acesso em: jan. 2016

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Apêndice 2

Meus encontros com John Nash

John Nash Forbes Jr75 ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1994 por seus estudos em Teoria dos Jogos. Em função des‑ ses estudos, uma das soluções matemáticas foi batizada de Equilíbrio de Nash. Como comentado no Apêndice 1, Nash foi personagem de Russell Crowe no filme Uma mente brilhante, ga‑ nhador do Oscar de 2002. Tive o prazer de encontrá­‑lo pessoal‑ mente por duas vezes e faço um breve relato desses encontros.

Primeiro encontro (2008) Encontrei John Nash no congresso Games 2008: Third World Congress of the Game Theory Society,76 na Kellogg School of 75 76

Nash nasceu em 1928 e faleceu em 2015. Evanston, IL, EUA, 12 a 17/7/2008. 211

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Management, na Northwestern University. Minha primeira impressão foi ótima. Nash tinha cara de bom velhinho. Naquele ano completava 80 anos: andava bem devagar, falava pausada‑ mente e muito baixinho. Ele estava vestido com uma roupa um pouco amassada e uma camiseta branca por baixo da camisa social.

Andava solitário na maioria das vezes. Não o vi conversan‑ do com as “novas autoridades”, os professores de 50 anos que faziam as apresentações. Mas era o único “famoso” que, de for‑ ma humilde, entrou em todas as salas e sentou­‑se do lado de todos os participantes; às vezes puxava uma conversa discreta. Enquanto andava, ele encarava todas as pessoas direta‑ mente nos olhos. Depois, sentava­‑se sozinho em algum lugar e ficava escrevendo algo. Fiquei sabendo que ele ficava fazen‑ do “cálculos” matemáticos por recomendação do psiquiatra, pois era uma forma de se manter ativo e longe da esquizofre‑ nia que o acometera no passado e que foi retratada no filme. Nash fez uma pergunta durante a apresentação de um brasi‑ leiro do INSPER. “Ganhei meu dia”, disse o brasileiro. Afinal, Nash era uma celebridade. 212

M e u s encontros com J ohn N ash

Em sua palestra, Nash usou transparências e retroprojetor (fotos acima) e não PowerPoint e computador. Pediu desculpas pelo improviso. Não entendi nada do que ouvi na palestra; não porque ele falou baixinho, mas porque sua fluência sobre as questões matemáticas estava além do meu alcance. O título da palestra de 45 minutos era “Work on a project to study three­ ‑person cooperative games using the agencies method”. Algumas pessoas se aproximavam dele para tirar dúvidas, às quais ele solicitamente respondia. Não sei o que conversa‑ vam – devia ser sobre achar algum equilíbrio em algum jogo matemático. Pensei em puxar conversa, mas não tinha ideia do que perguntar. Na verdade, eu queria saber a opinião dele sobre o filme. Certamente não era uma pergunta original, mas seria interessante ouvi­‑lo. 213

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Os participantes do congresso ficavam alvoroçados ao en‑ contrar os demais Prêmios Nobel presentes.77 Muitos entrega‑ ram papers em mãos (é similar a entregar o currículo para con‑ seguir uma entrevista). Mas Nash foi a única pessoa entre todos os famosos com a qual o público queria tirar fotos. O interessan‑ te é que as pessoas queriam tirar fotos com Nash, e não de Nash. Tietagens à parte, eu também, e foi uma grande experiência.

Segundo encontro (2010) Encontrei John Nash novamente em julho de 2010, no 2º Brazi‑ lian Workshop of The Game Theory Society, na USP, em São Paulo. O evento comemorava o 60º aniversário do conceito Equilíbrio de Nash – em 1950, Nash escreveu sua dissertação que revolucionou o meio acadêmico em Teoria dos Jogos. Como brincadeira, Robert Aumann (outro Prêmio Nobel presente no evento) disse que chamaria o workshop de “Nash Fest”.

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Também estavam presentes Robert Aumann, Roger Myerson e Eric Maskin.

M e u s encontros com J ohn N ash

Nessa época, 2010, ele estava com 82 anos, um pouco mais frágil, andando mais devagar, falando em voz muita baixa e difí‑ cil de entender. De resto, ele continuava com o mesmo jeito de bom velhinho e muito lúcido – inclusive deu mais uma palestra (daquelas que não consigo entender). Como no evento de 2008, passeou por todos os locais, entrou nas salas e nos auditórios, assistiu às palestras com atenção e fez algumas perguntas. Um ponto interessante foi uma sessão chamada “Conversa‑ tion with John Nash”, na qual a coordenadora do evento fazia perguntas. Naquele momento pudemos observar mais uma vez sua simplicidade e sua humildade. O evento mostrou a cena do filme Uma mente brilhante, na qual Nash e seus amigos estavam em um bar quando entraram as garotas. Segundo o filme, foi na‑ quele momento que Nash teve o insight para escrever sua tese. Após a cena, a própria organização do evento informou que aquilo não era Equilíbrio de Nash, mas aproveitou para pergun‑ tar se ele realmente teve um insight sobre seu teorema. Ele fi‑ cou pensando, balbuciou algo e respondeu algo assim: Não... Acho que não tive insight... Difícil de lembrar... Seria o mesmo que perguntar a Thomas Edison como foi o insight para criar a lâmpada. Talvez não tenha tido ou não me lembre.

Bem, seria mais marqueteiro e interessante se ele respon‑ desse que teve o insight no bar, no chuveiro ou embaixo de uma árvore, mesmo que fosse mentira. Mas não; ele preferiu manter a modéstia. Igualmente, quando foi perguntado “Por que esco‑ lheu a Matemática e a Teoria dos Jogos?”, a resposta foi um tanto confusa: gostou de Economia Internacional quando fez 215

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

um curso em Carnegie Mellon porque o professor era ótimo (um russo visitante de Chicago) e depois passou a gostar de En‑ genharia e Química. Então, resolveu fazer Engenharia Quími‑ ca, mas desistiu, pensou em fazer Inglês, mas não viu futuro. Daí resolveu fazer Matemática. Mas John Nash podia dizer essas coisas por algumas razões. Ele deu uma contribuição imensa à Teoria dos Jogos com uma teoria que tem o seu nome (Equilíbrio de Nash), ganhou o Prê‑ mio Nobel, ficou afastado das pesquisas durante trinta anos de‑ vido à esquizofrenia, recuperou­‑se, voltou à ativa para dar au‑ las e participou de congressos internacionais, mesmo com a idade avançada. Além disso, era bem simpático.

216

M e u s encontros com J ohn N ash

É notável a sua simplicidade. Em uma entrevista para uma rede de TV,78 uma das perguntas foi: “Se você fosse esco‑ lher alguma coisa para ainda conquistar na vida, o que se‑ ria?”. Ele respondeu: — Bem, apenas gostaria de fazer um bom trabalho nesta idade avançada, após muitos anos sem trabalhar. Se eu pudesse sub‑ trair todos os anos em que não trabalhei, eu não seria tão velho assim, como os meus 81 anos indicam. Veja, 81 menos 35 são 56, e essa não é uma idade para não fazer nada. — E em que área você se concentraria? —, perguntou o apresen‑ tador. — Eu gostaria de fazer algo totalmente diferente, alguma coisa em que eu não fosse tão esperto.

De fato, uma mente brilhante.

Disponível em: . Acesso em 28 out. 2016.

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Apêndice 3

Opinião de Robert Aumann #1: O que a Teoria dos Jogos está tentando conquistar

O texto a seguir é a tradução e adaptação livre de alguns tre‑ chos do artigo “O que a Teoria está tentando conquistar”, de Robert Aumann, presente no livro Frontiers of economics.79 Aumann é economista e matemático, professor na Universida‑ de Hebraica de Jerusalém, em Israel. Recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2005, juntamente com Thomas Schelling, pe‑ los seus estudos sobre conflito e cooperação através da análise da Teoria dos Jogos. A linguagem da Teoria dos Jogos – coalisões, recompen‑ sas, mercado – indica que ela não é um ramo da Matemática, e sim uma teoria que nos conecta com o mundo que nos ro‑ deia. Ela deveria ser capaz de nos dizer algo sobre o mundo, AUMANN, R. “What game theory is trying to accomplish?” In: K. ARROW; S. HONKAPOHJA. Frontiers of economics. Blackwell Publishers, 1985.

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mas a maioria de nós percebe que o mundo é muito mais com‑ plexo para ser descrito pelas equações matemáticas da Teoria. Aumann inclusive argumenta que essa dificuldade de relação entre teoria e prática também ocorre com todas as demais teorias econômicas.

Qual é o objetivo da ciência Para responder à pergunta “O que a Teoria dos Jogos está tentan‑ do conquistar?”, primeiro devemos nos perguntar “O que a ciência, em geral, tem como objetivo?”. Uma pessoa leiga pode responder que o objetivo da ciência são aplicações práticas: lâmpadas, plásticos, computadores, bomba atômica e assim por diante. Ela entende que invenções exigem fundamentos científicos. Os observadores mais sofisticados respondem que o obje‑ tivo é o poder de previsão. A teoria da relatividade foi um su‑ cesso, eles acreditam, porque previu o movimento do planeta Mercúrio e o deslocamento das imagens das estrelas durante um eclipse solar. De acordo com esse ponto de vista, se uma teoria não tem poder de previsão, então não é científica. 

 Aumann acha que ambos os pontos de vista (ciência como aplicação prática e ciência como poder de previsão) perdem o ponto principal. No nível mais básico, o que estamos tentando fazer no domínio da ciência é entender nosso mundo. Predi‑ ções são um excelente meio de testar a nossa compreensão; uma vez que passamos essa etapa, as aplicações são inevitáveis, mas o objetivo básico da atividade científica continua a ser a compreensão dos fenômenos em si. 

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O q u e a T eoria dos J ogos está tentando conq u istar

Os elementos da compreensão A compreensão é um conceito complexo. Aumann apresenta de forma bastante interessante três elementos da compreensão: o relacionamento, a unificação e a simplicidade. O primeiro elemento, talvez o mais importante, é o relacio‑ namento, ou seja, compreender como os conceitos se encaixam, relacionando­‑se uns com os outros. Para compreender uma ideia, um fenômeno ou mesmo uma música, é preciso relacioná­ ‑los com ideias e experiências familiares.

 Quando você ouve Bach, percebe sons desconexos, confu‑ sos e sem sentido. Finalmente, começa a observar padrões; a flauta entende o que o violino diz, grupos de som variam em altos e baixos, trechos são repetidos. Os sons ficam mais claros e você começa a “se sentir em casa”. Depois de um tempo, você reconhece o estilo. E, mesmo quando está escutando uma mú‑ sica desconhecida, pode relacioná­‑la com outras do mesmo compositor ou época. Compreende­‑se a música.

 Aumann alerta para não confundir isso com familiaridade. Compreender é relacionar, associar, reconhecer padrões. Flocos de neve são hexagonais, as conchas de certos moluscos marinhos são espirais logarítmicas, ônibus em rotas lotadas chegam em grupos, ondas ocorrem no oceano da mesma forma que dunas ocorrem na areia, a febre está associada a infecções. Até eventos totalmente aleatórios têm seus padrões, como mostra a Estatística. Isso nos leva ao segundo componente da compreensão, que é parte do primeiro: a unificação. Quanto maior a área co‑ berta por uma teoria, maior é a sua “validade”, não no sentido usual de “verdade”, mas sim no sentido da aplicabilidade ou 221

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utilidade. Podemos mensurar a validade de uma ideia pela quantidade de pessoas que a usam (direta ou indiretamente).

 Parte da grandeza das teorias, como a gravidade, a evolu‑ ção ou a teoria atômica da matéria, é que elas cobrem muitos tópicos e explicam uma variedade de eventos. Naturalmente, uma teoria unificadora é realmente um caso especial de rela‑ cionamento: diferentes fenômenos são reunidos e relacionados entre si por meio dela. O entendimento da gravitação é impor‑ tante porque nos permite relacionar as marés com o movimen‑ to dos planetas e as trajetórias de mísseis. O terceiro componente da compreensão é a simplicidade, que é basicamente o oposto da complexidade. Aqui existem vá‑ rios subcomponentes. Um deles é a contenção: poucos parâ‑ metros devem ser usados para explicar qualquer fenômeno particular. Para explicar a teoria da gravidade, Newton usou apenas dois parâmetros (massa e velocidade). A teoria da evo‑ lução ou a teoria atômica da matéria são outros exemplos de contenção da estrutura básica. Um exemplo de complexidade, o oposto do que queremos, é a moderna teoria das partículas elementares. É claro que ninguém está particularmente feliz com isso, e ela é considerada uma etapa intermediária no ca‑ minho para uma teoria mais satisfatória. Também temos a simplicidade no sentido de oposto à difi‑ culdade. Para uma teoria ser útil, trabalhar com ela deve ser prático. Se você não consegue descobrir o que ela implica, não vai unificar nada, não vai estabelecer relações. Quanto mais simples for uma teoria, mais útil ela é.

222

O q u e a T eoria dos J ogos está tentando conq u istar

Verdadeiras ou falsas. Ou seria útil ou não útil? Teorias não são consideradas “verdadeiras” ou “falsas”. Na construção de uma teoria, não estamos tentando chegar à ver‑ dade ou mesmo nos aproximar dela, mas estamos tentando or‑ ganizar nossos pensamentos e observações de maneira útil.

 Uma analogia grosseira pode ser o sistema de suprimentos de um escritório. Não nos referimos a esse sistema como sendo “verdadeiro” ou “falso”, e sim falamos se ele “funciona” ou não; ou, melhor ainda, quão bem ele funciona. À medida que as operações do escritório crescem, o sistema de abastecimento muda e evolui. Em alguns pontos, um sistema completamente novo pode ser introduzido para acomodar a evolução do tipo e da quantidade de material a ser comprado. Da mesma forma, as teorias científicas devem ser julgadas pela maneira como elas nos permitem organizar e compreender as nossas observações ou por quão bem elas “funcionam”. Conforme aumenta a quan‑ tidade de nossas observações, antigas teorias científicas passam a não ser mais adequadas como antes; elas precisam evoluir: mudar ou ser substituídas por novas e diferentes teorias. 



Verdadeiro ou falso, portanto, não é o ponto. Nós descartamos uma teoria não porque ela é “falsa”, mas porque já não funciona, não é mais adequada. É até possível que duas teorias concorrentes possam existir felizes lado a lado e serem usadas simulta‑ neamente, da mesma maneira como muitos de nós classificamos e guardamos arquivos cronologica e alfabeticamente. 223

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Um exemplo famoso é a mecânica relativista versus mecâni‑ ca newtoniana. Provavelmente é justo dizer que a maioria dos cientistas que buscam a “verdade” considera que a mecânica re‑ lativista obtém melhor aproximação do que a mecânica newto‑ niana. No entanto, eles continuam a usar a mecânica newtoniana para os assuntos do dia a dia. Por quê? Bem, a teoria de Newton é normalmente uma aproximação bastante boa. Por que se conten‑ tar com uma aproximação quando você pode ter uma teoria mais precisa? Em muitos casos, a teoria de Newton é mais viável, mais acessível. Mas, então, ao que parece, a “verdade” não é afinal o único critério. A mecânica newtoniana continua a ser usada como um modelo “em maior escala” do que a relatividade, mesmo de‑ pois de ela ter sido desacreditada do ponto de vista da “verdade”.

Teoria dos Jogos como ciência descritiva

 Em suma, a Teoria dos Jogos e a teoria econômica se preocupam com o comportamento interativo do homem racional. O Homo rationalis é a espécie que atua sempre de forma propositada e ló‑ gica, tem bem claro os seus objetivos, é motivado pelo desejo de atingi­‑los e tem a capacidade de cálculo necessária para fazê­‑lo.

 A dificuldade dessa definição é evidente. O Homo rationalis é uma espécie mítica, como o unicórnio e a sereia. O primo dele na vida real, o Homo sapiens, muitas vezes é guiado por incentivos subconscientes ou até mesmo por aqueles conscien‑ tes que são irracionais. Mesmo quando seus objetivos são bem definidos, a sua motivação para alcançá­‑los pode ser inferior à necessária e sua capacidade de cálculo pode não ser infinita. Ele é, muitas vezes, completamente estúpido; mesmo quando 224

O q u e a T eoria dos J ogos está tentando conq u istar

é inteligente, pode estar cansado, com fome, distraído ou bê‑ bado; pode ser incapaz de pensar sob pressão ou então ser guiado mais pelas emoções do que pelo cérebro. E isso é apenas uma lista parcial de desvios do paradigma racional. 

 Assim, não podemos esperar que a Teoria dos Jogos ou a Teoria Econômica sejam descritivas no mesmo sentido que a Física ou a Astronomia. A racionalidade é apenas um dos vá‑ rios fatores que afetam o comportamento humano.

Mas a boa notícia é que nós ganhamos alguns insights sobre o comportamento do Homo sapiens ao estudar o Homo rationalis. Aparentemente existe uma espécie de mão invisível traba‑ lhando. Embora em determinadas situações um indivíduo possa agir irracionalmente, parece haver uma força que o empurra para uma decisão racional. Assim, o Homo rationalis pode servir de mo‑ delo para alguns aspectos do comportamento do Homo sapiens. O conceito de racionalidade também aparece nas ideias da Biologia. Na teoria da evolução, vemos que a doutrina da sobre‑ vivência do mais apto se traduz em maximizar o comporta‑ mento dos genes. Sabemos que os genes realmente não maxi‑ mizam qualquer coisa, mas, observando os fenômenos, eles agem como se estivessem maximizando.

 Essa teoria da racionalidade e maximização é mais complicada de se provar nas ciências sociais. Em primeiro lugar porque as pró‑ prias decisões são muito complexas e, em segundo, porque não maximizar o comportamento não é tão impiedosamente castigado como na selva. As teorias econômicas explicam fenômenos reais 225

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

apenas algumas vezes, e não podemos esperar que sempre o façam. Ainda não sabemos como integrar as ciências racionais (como a Teoria dos Jogos e a Economia) com as ciências não racionais (como a Psicologia e a Sociologia) para a produção de previsões precisas. 

 Para o bem ou para o mal, é assim que as coisas são. Preci‑ samos nos acostumar com o fato de que a Economia não é As‑ tronomia e a Teoria dos Jogos não é Física. Sabemos que, na educação dos nossos filhos, devemos aceitar cada um como é para o bem que está dentro deles, e não os forçar a ter outro molde. As ciências são os filhos de nossas mentes, e nós devemos permitir que cada uma delas se desenvolva naturalmente e não as forçar em moldes que não são apropriados para elas. Aumann é muito feliz quando salienta que essa área de pesqui‑ sa (Teoria dos Jogos, Economia) não é, de modo algum, a única dentro da ciência que não é forte em previsão. A medida do sucesso deve ser “Ela me permite ter insights?” em vez de “Quais serão mi‑ nhas observações?”. Similar a isso, são disciplinas como Psicanáli‑ se, Arqueologia, Meteorologia e, até certo ponto, a Aerodinâmica. Aviões não são projetados apenas via equações da aerodinâmi‑ ca; são projetados por intuição e experiência e testados em túneis de vento e em voos de teste. A intuição que vai para o projeto é basea‑ da, em parte, na teoria, que fornece princípios gerais importantes. Pense nisto: A Teoria dos Jogos não pretende descrever o Homo sapiens, e sim o Homo rationalis. Por outro lado, quando vamos aconselhar pessoas, fica claro que devemos dar conse‑ lhos racionais, que maximizam as utilidades, ou seja, precisa‑ mente o que o Homo rationalis faria. Nesse sentido, Homo sa‑ piens e Homo rationalis são bastante próximos. 226

Apêndice 4

Opinião de Robert Aumann #2: Para atingir a paz não se pode fazer concessões

Em 31 de maio de 2009, Robert Aumann foi entrevistado por Diogo Shcelp para a Revista Veja.80 Veja a seguir alguns trechos da entrevista. Robert Aumann recebeu, em 2005, o Prêmio Nobel de Economia por seus estudos na área da Teoria dos Jogos. Suas teses ajudam a compreender os princípios que regem os conflitos e como se con‑ segue convencer adversários a cooperar entre si. As teorias do judeu ortodoxo de então 79 anos têm aplicação prática na econo‑ mia, na diplomacia, em política e até em religião. Aumann come‑ çou a se interessar pelo assunto na década de 1950, depois de co‑ nhecer John Nash – vencedor do Prêmio Nobel de Economia de SHCELP, D. “O Irã não nos atacaria”. Revista Veja, 4 nov. 2009. São Paulo: Editora Abril, 2009.

80

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

1994 – e de receber a missão de desenvolver estratégias de defesa para os Estados Unidos em plena Guerra Fria. Aumann nasceu na Alemanha e emigrou com sua família para os Estados Unidos em 1938 para fugir do nazismo. Um de seus filhos morreu na primei‑ ra guerra do Líbano, em 1982. Abaixo, seguem as perguntas de Veja e as respostas de Aumann: O que é a Teoria dos Jogos?
 É uma ciência que examina situações em que dois ou mais indiví‑ duos ou entidades lutam por diferentes objetivos, nem sempre opostos. Cada jogador tem consciência de que os outros também agem de forma a atingir as próprias metas. Um exemplo óbvio são os jogos recreativos ou esportivos, como o xadrez, o pôquer e o futebol, em que todos os participantes possuem metas próprias. No xadrez, cada peça movida por um jogador desencadeia uma série de reações no adversário. A compra de uma casa também pode ser analisada por meio da Teoria dos Jogos, mas sugere um cenário completamente diferente, pois o comprador o e vendedor têm objetivos comuns, na medida em que ambos estão interessa‑ dos em que o negócio se concretize. Alguns aspectos da negocia‑ ção, porém, são opostos, porque o comprador quer um preço mais baixo e o vendedor, um preço mais alto. Nessa disputa, o comprador analisa os movimentos do vendedor, e vice­‑versa. Cada um pensa sob o ponto de vista do outro para elaborar uma maneira de atuar. O mesmo vale para a política ou para a guerra. Minha pesquisa consiste em analisar as estratégias envolvidas em situações interativas como essas.



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Para atingir a pa z n ão se pode fa z er concess õ es

Há fórmulas matemáticas para analisar as estratégias possíveis? Não há uma fórmula matemática universal, mas existem conceitos fundamentais da Teoria dos Jogos, como a noção de equilíbrio. Esse conceito foi inventado por John Nash, a quem a maioria das pessoas conhece pelo filme Uma mente brilhante (com Russell Cro‑ we no papel do cientista). Nash desenvolveu a noção de ponto de equilíbrio, que ocorre quando cada jogador encontra sua maneira ideal de atuar no jogo. Cada um, portanto, cria a melhor estratégia possível, levando em conta o que o outro está fazendo. Para cada tipo de situação, há fórmulas diferentes a serem aplicadas. 

 Nash ganhou o Prêmio Nobel por sua teoria do ponto de equilíbrio e o senhor, por ter dado um passo além com a Teoria dos Jogos Repetitivos. Em que elas diferem? A base conceitual é a mesma. Mas a maneira de as pessoas se comportarem no jogo repetitivo é diferente. Quando se joga o mesmo jogo repetidas vezes, o comportamento de um jogador hoje afeta a atuação do outro amanhã, e assim por diante. Minha teoria vê toda essa repetição como um único jogo e determina qual é o equilíbrio no processo inteiro. A conclusão é que, em uma situação repetitiva – uma negociação que se estende por vá‑ rias rodadas, por exemplo –, é mais fácil conseguir cooperação entre as partes. A ideia básica dessa teoria é o uso de incentivos. Do ponto de equilíbrio de um jogo, cada um faz o que é melhor para si. Para convencer o outro a fazer algo que é bom para você, é preciso dar a ele motivos para que o ajude.



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Se fazer concessões não ajuda, que tipo de incentivo pode acabar com um conflito? É preciso dizer na mesa de negociação: “Não vamos aceitar essas demandas e, se vocês insistirem nelas, vamos revidar com vio‑ lência”. Há dois tipos de incentivo: a cenoura e o porrete. Theo‑ dore Roosevelt recomendava: “Fale com suavidade, mas tenha sempre à mão um porrete”. Se Chamberlain tivesse dito a Hitler em 1938, em Munique, que não aceitaria certas demandas, Hitler teria de recuar, porque não estava ainda preparado para a guerra. Na crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o presidente americano John Kennedy deixou claro aos russos que se os mísseis não fos‑ sem retirados da ilha, os Estados Unidos agiriam. Com isso, Ken‑ nedy conseguiu a paz.

 Foi a partir desse ponto que a Guerra Fria atingiu seu equilíbrio? Exato. A Guerra Fria nunca esquentou porque nenhum dos lados cedeu às demandas do outro além de determinados limites. Havia aviões carregando armas nucleares no ar 24 horas por dia, 365 dias por ano, durante mais de quarenta anos. Em um jogo, algu‑ mas concessões podem ser necessárias, mas sempre com uma contrapartida. Do contrário, o adversário torna­‑se mais e mais intransigente e segue em frente com seus planos, sentindo­‑se impune.

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Apêndice 5

Opinião de Ariel Rubinstein #1: O uso da Teoria dos Jogos

O livro

Game theory: 5 questions81 apresenta entrevistas,

compostas de cinco perguntas cada, a vários teóricos de jogos renomados. Abaixo, uma seleção de trechos de perguntas e respostas de Ariel Rubinstein, professor da New York Univer‑ sity e Universidade de Tel Aviv, também escritor e especialista teórico em Teoria dos Jogos. 

 Por que você se interessou pela Teoria dos Jogos?

 Eu poderia dizer que é o nome dado a esta engenhosa disciplina – Teoria dos Jogos – que me atraiu. Duvido que eu teria escolhido um campo chamado “Teoria da racionalidade e da tomada de decisões em situações economicamente interativas”.

81

HENDRICKS, V.; HARSEN, P. Game theory: 5 questions. Automatic Press, 2007. 231

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

Eu também poderia dizer que escolhi a Teoria dos Jogos por‑ que eu queria melhorar minhas habilidades estratégicas para as aventuras do futuro ou para melhorar minhas habilidades de nego‑ ciação em mercados ao ar livre em Jerusalém. Mas isso não seria justo também. Eu nunca pensei na Teoria dos Jogos como sendo útil em um sentido prático. Na verdade, fiquei bastante chocado em 1987 quando descobri que alguns dos meus colegas teóricos econômicos acreditavam que um modelo poderia ser confirmado em laboratório por meio de dados reais e empíricos.

 As sementes do meu interesse pela Teoria dos Jogos foram plan‑ tadas durante minha graduação em Matemática na Universidade He‑ braica. Enquanto eu admirava a beleza intelectual do material, tinha uma vaga noção de que, apesar de seu caráter abstrato, a Matemática tinha alguma ligação com a vida real. Então, tentei sobrepor os mode‑ los matemáticos ao tema que ocupou meus pensamentos desde en‑ tão: o reino da interação humana. Em algum lugar entre a Matemática e o estudo da interação humana, a Teoria dos Jogos me esperava.


 Quais exemplos ilustram o uso da Teoria dos Jogos para os estudos básicos e aplicações? Implícita nesta questão está a ideia de que a Teoria dos Jogos pode e provavelmente deve ser avaliada de acordo com sua utilidade. A frase “o uso da Teoria dos Jogos”, que aparece na pergunta, soa semelhante a “o uso da Física no projeto de foguetes” ou “o uso da Biologia na identificação de doenças genéticas”. Na minha opinião, não é análogo.

 A discussão sobre a utilidade da Teoria dos Jogos é carregada de emoção e sujeita a equívocos. A terminologia cotidiana da Teoria dos Jogos atrai a atenção das pessoas, mas pelo motivo er‑ 232

O u so da T eoria dos J ogos

rado. Os seres humanos estão ansiosos para encontrar soluções profissionais para os problemas que precisam resolver. Olham para as técnicas e ideias para melhorar suas habilidades estratégi‑ cas como se fosse musculação para reforçar suas habilidades atlé‑ ticas. Em meus 30 anos de profissão, ainda não encontrei um úni‑ co caso em que a Teoria dos Jogos tenha proporcionado a solução de um problema real e não encontrei nenhuma evidência de que tenha a capacidade de melhorar o pensamento estratégico.

 Algumas pessoas levam a Teoria dos Jogos muito a sério quando afirmam que ela é útil. Essa alegação é feita frequente‑ mente. Quase toda pesquisa e textos sobre Teoria dos Jogos co‑ meça com uma frase, como “A Teoria dos Jogos é útil em uma ampla gama de campos – na Botânica, na Zoologia e na Medici‑ na, passando pela Economia, Administração, Ciência da Com‑ putação e Política até História e Estudos Bíblicos”. No entanto, o fato de o “Dilema dos Prisioneiros” ser mencionado em um tex‑ to não significa que ele seja uma aplicação da Teoria dos Jogos. E o fato de os teóricos do jogo estarem envolvidos em uma discus‑ são não significa que exista uma aplicação da Teoria dos Jogos.

 Lembremos que os teóricos do jogo e os economistas são, afinal, apenas humanos. Paradoxalmente, assumimos que todo agente no mundo é egoísta, manipulador e age para conquistar seus próprios interesses. Mas, de alguma maneira, não estamos acostumados a pensar em nós mesmos desta forma.
 Qual é o verdadeiro papel da Teoria dos Jogos em relação a outras disciplinas?

 Qual seria uma resposta à seguinte pergunta: “Qual é o papel apropriado da Lógica em relação a outras disciplinas?”. Eu diria 233

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

que se a palavra “Lógica” for substituída por “Teoria dos Jogos”, a resposta às perguntas seria a mesma.

 Há muitas semelhanças entre a Lógica e a Teoria dos Jogos. Considerando que a Lógica é o estudo da verdade e da inferên‑ cia, a Teoria dos Jogos é o estudo das considerações estratégicas. A Lógica é motivada pela forma como usamos as noções da ver‑ dade e as consequências na vida diária, enquanto a Teoria dos Jogos é motivada por considerações estratégicas que usamos na vida diária.

 Tanto a Lógica como a Teoria dos Jogos são analisadas por meio de modelos formais. A Lógica não induz as pessoas a pensar de forma lógica, assim como a Teoria dos Jogos não induz as pes‑ soas a pensar estrategicamente. Então, qual é o papel da Lógica ou da Teoria dos Jogos em relação a outras disciplinas? A resposta é simplesmente: que ambas fornecem um conjunto de ideias e ferramentas bem embasadas para uso em outras disciplinas. Acredito que um dos objetivos da sociedade deve ser a busca do conhecimento para seu próprio benefício. Para mim, a Teoria dos Jogos é uma investigação sobre as formas pelas quais os seres humanos pensam em situações interativas. Mesmo que a Teoria dos Jogos não tenha nenhum uso prático, ela ainda tem valor como parte de nossa investigação contínua da mente.

234

Apêndice 6

Opinião de Ariel Rubinstein #2: A utilidade da Teoria dos Jogos

Ariel Rubinstein é conhecido pelas suas críticas sobre o seu próprio objeto de estudo. Uma dessas opiniões está no posfácio da edição de 2007 do famoso livro de John von Neu‑ mann e Oskar Morgenstern, Theory of games and economic Behavior,82 escrito em 1944. Embora Rubinstein divulgue e tra‑ balhe com a Teoria dos Jogos, ele afirma que ela não tem muita utilidade prática. Numa tradução livre, veja a seguir alguns trechos desse posfácio:83

NEUMANN, J.; MORGENSTERN, O. Theory of games and economic behavior – 60th Anniversary Commemorative ed. Princeton University Press, 2007. 83 RUBINSTEIN, A. “Afterword (theory of games and economic behavior)”. Airel Rubistein Home Page, 2007. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2016. 82

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E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

A literatura disponível no mercado está cheia de argumentos sem sentido. Mesmo dentro da comunidade dos teóricos do jogo, há uma grande discordância sobre o significado da Teoria e sua respectiva utilidade prática. Há aqueles que acreditam que o objetivo da Teoria dos Jogos é basicamente fornecer uma boa pre‑ visão do comportamento humano em situações estratégicas. Acrescentam que, se ainda não chegamos “lá”, chegaremos quando melhorarmos os modelos e acharmos formas de medir as intenções de jogadores reais. Não estou certo em que exatamente essa opinião visionária está baseada. Precisamos lidar com a difi‑ culdade de prever comportamentos nas Ciências Sociais, na qual a previsão em si é parte do jogo. Há ainda aqueles que acreditam no poder da Teoria dos Jogos para melhorar o desempenho de decisões na vida real em intera‑ ções estratégicas. Nunca me convenci de que existe uma base só‑ lida para essa crença. Parece existir um certo padrão no compor‑ tamento estratégico que se torna evidente quando se faz experiências. É gratificante às vezes encontrar comportamentos similares na sociedade. Mas esses padrões estão relacionados com as previsões clássicas da Teoria dos Jogos? Outros (e eu também) acham que o objetivo da Teoria dos Jogos é basicamente estudar as considerações utilizadas na toma‑ da de decisões em situações interativas. A teoria identifica pa‑ drões de raciocínio e investiga suas implicações nas tomadas de decisão em situações estratégicas. Nesse sentido, a Teoria dos Jogos não tem implicações nor‑ mativas e sua significância empírica é muito limitada. A Teoria dos Jogos é vista como prima da Lógica. A Lógica não nos permite dis‑ criminar as afirmações verdadeiras das falsas e não nos ajuda a 236

A u tilidade da T eoria dos J ogos

distinguir o certo do errado. Assim, a Teoria dos Jogos não nos diz qual ação é preferível e não prevê o que os outros vão fazer. Se a Teoria dos Jogos é, no entanto, útil ou prática, ela é ape‑ nas indiretamente. Em qualquer caso, o ônus da prova recai sobre aqueles que usam a Teoria dos Jogos para fazer recomendações de políticas e procedimentos, por exemplo, e não sobre aqueles que duvidam do valor prático da Teoria. Às vezes me pergunto por que as pessoas são tão obcecadas pela procura da “utilidade” da Economia e da Teoria dos Jogos. Deveria a pesquisa acadêmica ser julgada por sua utilidade? A Teoria dos Jogos popularizou o termo “Dilema dos Prisio‑ neiros”, que é amplamente utilizado na imprensa popular e pelos políticos. No entanto, é usada pelas pessoas para expressar uma ideia trivial: que há situações em que o comportamento egoísta pode, em última instância, prejudicar todos os participantes. Eu vejo a Economia (e, sendo ainda mais abrangente, todas as Ciên‑ cias Sociais) como cultura. É uma coleção de termos, considerações, modelos e teorias usadas por pessoas que pensam sobre as interações econômicas. A Teoria dos Jogos alterou a cultura da Economia. A maioria dos economistas contemporâneos usa a Teoria dos Jogos como uma ferramenta essencial para transferir suas suposições so‑ bre uma situação para algum resultado prático. A Teoria dos Jogos tem se tornado essencialmente uma caixa de ferramentas a partir da qual economistas escolhem, muitas vezes mecanicamente, os instrumentos para transformar suposições em previsões. A Teoria dos Jogos melhora o mundo? Pessoalmente, não es‑ tou certo de que a Teoria dos Jogos melhore o mundo. A Econo‑ mia, em geral, e a Teoria dos Jogos, em particular, não são uma descrição do comportamento humano. Pelo contrário, quando 237

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

ensinamos a Teoria dos Jogos, podemos afetar o modo como as pessoas pensam e se comportam em interações econômicas e es‑ tratégicas. Seria impossível que o estudo sobre os jogos e o pensa‑ mento econômico possa fazer as pessoas serem mais manipula‑ doras ou mais egoístas? A Teoria dos Jogos tornou­‑se a principal ferramenta na caixa de ferramentas do economista. No entanto, na última década houve poucas ideias novas na Teoria dos Jogos. Assim, o palco está montado para um novo trabalho não convencional que vai abalar a economia, como o livro do Von Neumann e Morgenstern fez há sessenta anos. É claro que ideias originais não podem sim‑ plesmente ser solicitadas a aparecer. No entanto, é da responsa‑ bilidade da profissão criar um ambiente que atraia as pessoas não convencionais, com uma ampla base educacional e com uma abordagem mental que possa gerar ideias inovadoras. Em todo caso, devemos nos sentir privilegiados: podemos jogar jogos não só como crianças, mas como acadêmicos. Preci‑ samos apenas ter em mente que os desafios que o mundo enfren‑ ta hoje são complexos demais para serem capturados por qual‑ quer matriz matemática de um jogo.

Esse argumento criou tanto reações favoráveis como con‑ trárias em alguns blogs especializados em Economia e Teoria dos Jogos. Um dos debates mais interessantes aconteceu no blog The leisure of theory of class.84 Os professores Eran Shmaya e

SOLAN; SHMAYA, s.d. Os posts estão disponíveis em:
.; e /.

84

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A u tilidade da T eoria dos J ogos

Eilon Solan, da Universidade Northwestern, discutem aberta‑ mente pontos de vista interessantes em vários posts diferen‑ tes. A seguir, fragmentos de todos eles, em formato original de diálogo: Parte 1: A Teoria dos Jogos é útil de alguma forma? Eilon: Eu não vejo a Teoria dos Jogos como um exercício de mate‑ mática ou lógica. Nunca achei a Teoria útil em minhas próprias interações com outros seres humanos. Como diz Rubinstein, o ônus da prova recai sobre aqueles que usam a Teoria dos Jogos para fazer recomendações de política ou procedimentos, e eu nunca vi tal prova. Nunca me deparei com nenhum exemplo em que um teorema ou uma definição da Teoria dos Jogos se trans‑ formou em recomendação de política ou fez previsões sobre o comportamento humano em situações estratégicas. Entretanto, mesmo se houvesse situações em que a Teoria dos Jogos fosse útil nesse sentido, isso não a faria mais emocio‑ nante para mim. Eu tenho vários motivos para gostar da Teoria dos Jogos, mas duvido que qualquer um de nós a tenha usado para melhorar seu desempenho em situações estratégicas. Como diz Rubinstein, por que tantos teóricos do jogo sentem necessidade de justificar o seu interesse pela Teoria dos Jogos, apelando para a sua aplicabilidade na vida real? Convidado anônimo no blog: Se a Teoria dos Jogos não é útil, en‑ tão por que ela é ensinada nas universidades e nas escolas de ne‑ gócios? A Matemática é útil porque ela ajuda a ciência. Então, a Matemática deve ser ensinada. E a Teoria dos Jogos? 239

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Eran: De fato, partes da Física têm aplicações tecnológicas. Exemplo: você precisa saber um pouco de Física para construir uma bomba atômica. No entanto, o motivo pelo qual Einstein es‑ tava interessado na relação entre massa e energia não era o po‑ tencial de aplicação tecnológica. Isso também se aplica aos de‑ partamentos de Física das universidades: eles buscam a compreensão das leis da natureza como uma valiosa meta. Nesse raciocínio, acho que a Teoria dos Jogos é “útil para a compreensão da economia”, da mesma forma que a Física é útil para a com‑ preensão das leis da natureza, que a Literatura é útil para a com‑ preensão da cultura, que a História é útil para entender a trajetó‑ ria humana. No entanto, a Teoria dos Jogos e também a Literatura e a His‑ tória não têm uma “aplicação tecnológica” similar à da Física. Se você conhece a Teoria dos Jogos, não será capaz de usar direta‑ mente esse conhecimento na formulação de políticas da mesma forma que pode utilizar o conhecimento de Física para construir bombas e pontes. Mas, digo e repito, eu não vejo essa falta de aplicação prática como um grande problema. Se você quis dizer que a única razão que existe para termos departamentos de Mate‑ mática é para ensinar Matemática para físicos, então acho que você está errado. Convidado: O questionamento não é sobre aplicações tecnológi‑ cas da Teoria dos Jogos, e sim sobre a utilidade dela para entender as Ciências Sociais de forma mais ampla. O que deu para entender do argumento de Rubinstein e Eron é que a Teoria dos Jogos não é útil para nada. Parece existir certa confusão sobre a palavra “útil”. Eran: Todo conhecimento é útil para entender alguma coisa: o 240

A u tilidade da T eoria dos J ogos

conhecimento da Literatura é útil para entender a nossa cultura, o conhecimento da História é útil para a compreensão do nosso passado. A Teoria dos Jogos é útil para a compreensão das intera‑ ções sociais. A Física tem um poder adicional “tecnológico” e normativo. Isso significa que você pode usar diretamente o co‑ nhecimento da Física para construir e prever coisas. A Teoria dos Jogos não tem esse poder “tecnológico”. Os especialistas em Teo‑ ria dos Jogos podem entender melhor de Economia, mas não acredito que eles possam traduzir esse entendimento para me‑ lhorar o desempenho deles nas interações sociais, para fazer uma recomendação política (que eu acho que é análoga à tecnologia) ou para prever comportamentos humanos em interações estraté‑ gicas. Da mesma forma, enquanto acho que professores de Histó‑ ria podem ter bom entendimento do passado, não acredito que eles sejam os melhores para fazer previsões sobre o futuro e tam‑ bém não acho que eles sejam melhores para fazer políticas públi‑ cas. Parte 2: A Teoria dos Jogos pode melhorar o mundo? Eilon: Muitos estão comentando que a Teoria dos Jogos não é útil para a “previsão do comportamento em situações estratégicas” e para “melhorar o desempenho nas situações estratégicas da vida real”. Devo dizer que discordo disso. Eu acredito que a Teoria dos Jogos pode melhorar o mundo e pode melhorar nosso desempe‑ nho na vida real. Algumas interações da vida são complexas, algumas são muito triviais. A Teoria dos Jogos não está suficientemente avan‑ çada para lidar com situações complexas, mas ela pode administrar 241

E S T R AT É G I A D E D E C I S ÃO

situações simples. Isso é semelhante a analisar, por exemplo, o fluxo de água nos canos. A Física tem avançado o suficiente para nos permitir analisar o fluxo de água em tubos amassados, quan‑ do uma pessoa sozinha só conseguiria entender o fenômeno em tubos retos. Economia e Psicologia não fizeram o mesmo pro‑ gresso, e por isso vamos esperar até que possamos realizar simu‑ lações mais avançadas sobre o comportamento humano. A Teoria dos Jogos nos fornece insights, como “pensar estrategicamente” ou como “a crença do outro jogador pode ser diferente da mi‑ nha”. Essas percepções são as pérolas da Teoria e podem nos aju‑ dar a enfrentar interações estratégicas. Como exemplo, eu costumava dar palestras populares sobre a Teoria dos Jogos. Meu pai tem menos educação formal e possui uma gráfica. Numa palestra, eu disse à plateia para cada um pen‑ sar em uma interação estratégica e se colocar no lugar do outro jogador. Poucos dias depois, meu pai teve de imprimir um jornal para um novo cliente, que ele não conhecia. Como gerente caute‑ loso, pediu ao cliente que pagasse todo o trabalho adiantado. O cliente concordou. Poucos minutos antes de o trabalho ir para impressão, meu pai recebeu um telefonema: o cliente pagou ape‑ nas 80% do montante e disse que pagaria o restante após a im‑ pressão. A primeira reação do meu pai foi cancelar o trabalho, pois o cliente não tinha mantido o acordo. Mas então ele pensou em seu filho teórico de jogos: “Ponha­‑se no lugar do outro joga‑ dor”. E foi o que fez. Então percebeu que, se fosse o cliente, ele também não estaria disposto a pagar o total adiantado. Aquela era a primeira vez em que aquele cliente trabalhava com essa gráfica e não sabia se ela entregaria um bom trabalho e se cumpriria o prazo. Decidiu, portanto, dar uma chance à Teoria dos Jogos e 242

A u tilidade da T eoria dos J ogos

disse aos seus trabalhadores para continuarem. O final foi feliz, e o resto do dinheiro foi pago após o trabalho feito. Podemos considerar que essa história envolve interações muito simples. Pode­‑se dizer que o raciocínio é mais intuitivo e não é necessária nenhuma teoria que o fundamente. Talvez. Mes‑ mo assim, cheguei a conhecer esses insights por causa da Teoria dos Jogos, sendo completamente ignorante em psicologia. Minha conclusão sobre histórias semelhantes é que o pensamento ba‑ seado em Teoria dos Jogos pode melhorar o mundo. Eran: Uma coisa com que podemos concordar é que a Teoria é útil para pensar estrategicamente e para se colocar no lugar dos ou‑ tros. Mas não concordo com a afirmação de que insights sejam pérolas provenientes da Teoria dos Jogos. Na verdade, se é isso que a Teoria dos Jogos tem a oferecer, então eu a consideraria banal, chata e sem sentido. E se essas ideias são o que você está procu‑ rando, então estou certo de que você pode encontrar muitas delas em vários livros de autoajuda, cujos autores não leram nenhuma página sobre Teoria dos Jogos. Entendo que a Teoria dos Jogos faz parte de seu raciocínio nessas histórias, embora ache que a maio‑ ria das pessoas não precisa dela para fazer esse tipo de raciocínio. Você parece sugerir que o conselho “Ponha­‑se no lugar do outro” não é um efeito colateral da sua pesquisa sobre Teoria dos Jogos, e sim, de alguma forma, o produto final. Eilon: Você está misturando as coisas. Existem muitas provas so‑ fisticadas em Teoria dos Jogos em que as “pérolas” são as equações e soluções matemáticas. Mas o que os leigos precisam são regras simples, princípios e ideias que os ajudem a ser pessoas melhores, 243

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mais bem­‑sucedidas, a compreender melhor seus vizinhos e o meio ambiente. A Teoria dos Jogos nos dá tais percepções. É esse o objetivo da Teoria dos Jogos? Não, seu objetivo é provar teoremas matemáticos. Mas essas ideias são subprodutos da Teoria. E, uma vez que as temos, por que não as compartilhar com pessoas que podem usá­‑las em seu benefício? Você está correto em dizer que muitas dessas ideias podem ser obtidas usando o bom senso. O ponto é que as pessoas não usam esses insights naturalmente. A “Maldição do Vencedor” em leilões era um problema real até que foi finalmente compreendida. Não estou certo de que ain‑ da hoje todos os concorrentes em leilões realmente o entendem. Milgrom tem muitas histórias de leilões que ficaram muito ruins para o vendedor porque eles foram mal concebidos. Assim, os in‑ sights que a Teoria dos Jogos fornece, ainda que possa parecer tri‑ vial para especialistas como você e eu, estão longe de ser triviais para todos. Para muitas pessoas, são as pérolas. Eran: Há duas maneiras de interpretar sua afirmação de que a Teoria dos Jogos melhora o mundo. A: Os teóricos dos jogos, desde Von Neumann até Neyman, ao modelar, observar e experimentar, conseguiram descobrir duas verdades profundas: (1) é útil pensar estrategicamente em situações estratégicas; (2) é importante colocar­‑se no lugar da outra pessoa. Agora essas verdades estão disponíveis para o mun‑ do por meio do produto de uma “empresa intelectual” que cha‑ mamos de Teoria dos Jogos. B: Como subproduto de suas pesquisas, os teóricos de jogos têm à disposição algumas ferramentas retóricas – um par de ane‑ dotas com jargão científico e embaladas com terno e gravata – com 244

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as quais podem transmitir ideias, como “pensar estrategicamente” com mais sucesso do que os profissionais da autoajuda e seus jar‑ gões do tipo “Como ficar rico no mercado em cinco passos”. Até agora eu não sei qual opção você está defendendo. Eu discordo da primeira e não tenho opinião clara sobre a segunda. A diferença entre as duas interpretações não está no nível da trivia‑ lidade de ideias, como exemplo, “pensar estrategicamente”, mas se a Teoria dos Jogos é realmente a responsável pela produção desses insights. Aliás, seu primeiro parágrafo começa por dizer que eu mis‑ turo teoria e prática e termina com as necessidades dos leigos. Eu não entendi a sua lógica aqui. Por “praticando Teoria dos Jogos” você quer dizer “explicando Teoria dos Jogos para os leigos”? Eu não acho que isso é o que as pessoas normalmente querem dizer quando falam sobre a prática da ciência. Eilon: O que é prática? Isso pode ser diferente para pessoas dife‑ rentes. O presidente Obama pode querer aplicar a Teoria dos Jo‑ gos em diversas situações políticas: quando fazer declarações, quando pressionar esta ou aquela pessoa, quanto investir neste ou naquele projeto. Ben Bernanke pode querer ver a sua aplicação em problemas da macroeconomia: os efeitos do crescimento da taxa de juros ou quando aumentar determinado imposto. Mas o presidente Obama e Ben Bernanke não são as únicas pessoas no mundo. Aplicar a Teoria dos Jogos seria trivial para nós, mas não para a maioria das pessoas. Identificar os partici‑ pantes na situação que você enfrenta, identificar seus objetivos, as informações disponíveis para você, as informações disponíveis para os outros jogadores, se você deve revelar suas informações 245

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ou escondê­‑las: todos esses conceitos não são triviais ao leigo. Na verdade, como você disse, esses são os tipos de ideias que você espera encontrar nos livros de autoaperfeiçoamento. Mas isso é uma coisa tão má? Quanto mais você consulta, mais você percebe que são das observações simples que as pessoas precisam. Será que os teóricos de jogos inventaram essas ideias? Nem um pouco. Sun Tzu, o autor de A arte da guerra, alcançou percep‑ ções semelhantes há 2500 anos. Nicolau Maquiavel fez isso 500 anos atrás. Estou certo de que outros o fizeram também. Então você não precisa da Teoria dos Jogos para chegar a essas ideias, mas certamente ela ajuda. Nós somos treinados para pensar de forma estratégica; por‑ tanto, esses pontos parecem banais para nós. Quando uma situa‑ ção nos é apresentada, podemos fazer perguntas sobre as impli‑ cações que as pessoas não familiarizadas com a Teoria dos Jogos podem não fazer. Essa é, aliás, a razão pela qual você será contra‑ tado como um consultor. Espero que agora você possa interpretar melhor a minha opinião. A Teoria dos Jogos pode melhorar o mundo porque ela pode ajudar o homem leigo. Ela também pode ajudar “os caras grandes”, como Obama e Bernanke, a tomar decisões melhores. Parte 3: Para que serve a Teoria dos Jogos? Eilon: Por que estudar a Teoria dos Jogos? Como matemático, minha resposta é que a Teoria dos Jogos é matematicamente interessante. Fico satisfeito quando posso estudar modelos instigantes, desenvol‑ ver técnicas para resolver problemas e provar resultados difíceis. 246

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Alguns de nós, que estão mais próximos do mundo real do que eu, afirmam que a Teoria dos Jogos está relacionada a problemas do cotidiano. No entanto, sabemos que dificilmente as situações intera‑ tivas que encontramos na vida real se encaixam em algum modelo da Teoria dos Jogos. O Dilema dos Prisioneiros, citado por qualquer pessoa que menciona Teoria dos Jogos, tem uma matriz de recom‑ pensas que não corresponde à interação real. Será que não existem consequências para as decisões dos presos? A matriz consegue iden‑ tificar corretamente as utilidades dos presos? As utilidades são de conhecimento comum? Tenho certeza de que quem lê este post vai ser capaz de levantar mais problemas sobre a representação do jogo do Dilema dos Prisioneiros. Mesmo assim, acho que a Teoria dos Jogos é útil. De fato, mui‑ to útil. Pessoalmente, uso­‑a diariamente. A meu ver, em qualquer interação a Teoria dos Jogos identifica os aspectos que cada partici‑ pante deve considerar antes de escolher uma ação. O modelo bási‑ co da Teoria dos Jogos nos diz que devemos identificar os elemen‑ tos do jogo: conhecer os jogadores, suas ações, seus objetivos. Quando o jogo for repetido, a Teoria nos diz que a cooperação pode ser conseguida por meio de ameaças. Jogos sequenciais chamam a nossa atenção para o conceito de comprometimento. Em suma, a meu ver, as pessoas que usam a Teoria dos Jogos na “vida real” desenvolvem modelos que fornecem insights sobre como entender melhor os vários tipos de situações interativas. Eran: Minha experiência pessoal é completamente diferente. Não uso a Teoria dos Jogos no dia a dia e, na verdade, não me lembro de uma única instância em minha vida que conscientemente a usei. Assim, por exemplo, não acredito que meu conhecimento 247

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sobre jogos repetidos mudou o meu comportamento nas intera‑ ções de longo prazo com outras pessoas. Eilon: A Teoria dos Jogos não inventou nada. Ela explica os fenômenos. E, como tal, tenho certeza de que pessoas inteligentes, sem qualquer experiência em Teoria dos Jogos, podem explicar os fe‑ nômenos também. Eu acho que a questão não é se as pessoas inte‑ ligentes, usando apenas o senso comum, poderiam chegar à mes‑ ma conclusão que nós, teóricos dos jogos, chegamos, mas se elas conseguem fornecer uma explicação clara para certos fenômenos. Tomemos, por exemplo, a “Maldição do Vencedor”. Esse era um problema real na década de 1950, e a Teoria dos Jogos explicou o erro aos participantes de leilões. Como não foi possível alguém in‑ teligente chegar à mesma conclusão antes? Claro, alguém até pode ter feito isso, mas a Teoria dos Jogos deu uma explicação muito elegante a esse fenômeno. Ou pegue o exemplo de desenhar um lei‑ lão. Qualquer pessoa pode lançar um leilão “de primeiro preço”, mas é a arte de desenhar um leilão que gera altas receitas para o vendedor. Uma pessoa esperta pode fazê­‑lo, certamente, mas a Teoria dos Jogos pode explicar por que um bom desenho de uma pessoa inteligente funciona; talvez possa melhorá­ ‑lo. No fim, acho que a Teoria ajuda a tomar decisões melhores.

Considerações finais Considero muito produtivas discussões como as estabelecidas anteriormente, pois acredito que o mundo pode melhorar com a prática de argumentos e contra­‑argumentos. Tenho especial interesse no assunto e posso dizer que aprimorei meu pensa‑ 248

A u tilidade da T eoria dos J ogos

mento estratégico desde que conheci a Teoria dos Jogos. Apre‑ cio a matemática que embasa a Teoria, mas o que mais me atrai é o fato de que a Teoria ajuda a estruturar o raciocínio. Entendo a utilidade de conhecer e memorizar as anedotas intelectuais que incluem as lições da Teoria dos Jogos, como pensar nos incentivos e na consequente matriz de resultados, colocar­‑se no lugar dos concorrentes antes de tomar decisões, entender a diferença entre um jogo de uma só interação e de repetidas e muito mais. Posso dizer até que esses insights não têm origem exclusiva na Teoria dos Jogos e que qualquer um poderia tê­‑los ao estudar outras disciplinas, como Economia e Estratégia. Entretanto, muitos conceitos sobre tomadas de decisão, competição e coo‑ peração estão todos agrupados na Teoria dos Jogos, facilitando o aprendizado sobre o pensamento estratégico. Na verdade, observe que a Teoria dos Jogos é um estudo for‑ mal. Incorporá­‑la é tão útil quanto incorporar todos os outros estudos formais, como Economia, Filosofia ou Psicologia. Quanto mais conceitos você inclui em seu background, mais fará associações e analogias e poderá tomar melhores decisões.

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REFERÊNCIAS

Indicações de leitura

Nas livrarias e na internet há uma infinidade de livros es‑ pecializados sobre Teoria dos Jogos, Estratégia, Economia e Teoria de Decisões. Alguns deles estão nas Referências Biblio‑ gráficas deste livro. Com tantas opções, fica mais fácil escolher quando recebemos indicações. Afinal, você provavelmente não tem tempo de ler todos. Por isso, fiz esta lista dos livros que considero os melhores. Deixei os títulos em inglês quando não encontrei a versão em português.

Livros sobre Teoria dos Jogos com menos formalismo O livro Thinking strategically, de Avinash K. Dixit e Barry J. Nalebuff, é um dos clássicos que abordam a essência da Teoria dos Jogos por meio de anedotas. Posteriormente, uma segunda 253

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edição foi revisada e ampliada, e os autores mudaram o título para The art of strategy. Outro livro clássico e obrigatório é A evolução da cooperação, de Robert Axelrod, que explora bem a estratégia Olho por Olho. Para quem gosta de detalhes históricos apresentados de forma bem didática, recomendo Prisoners’ dilemma, de William Poundspone. Uma publicação bem­‑humorada sobre o dia a dia da Teoria dos Jogos é Rock, paper, scissors: game theory in everyday life, de Len Fisher. Um livro bem curto e de fácil compreensão é Game Theory: a very short introduction, de Ken Binmore. Recomendo o livro The complete idiot’s guide to game theory, de Edward C. Rosenthal, pois é bastante didático e abrangente. Uma publicação com várias anedotas é Game­‑changer, de David McAdams. O livro Prática na teoria, de Raul Marinho, proporciona uma leitura interessante com a adaptação do tema para o al‑ truísmo recíproco e aplicações no cotidiano e nos relaciona‑ mentos.

Livros mais técnicos sobre Teoria dos Jogos Games of strategy, de Avinash K. Dixit, Susan Skeath e David Reiley, é um ótimo livro, bastante completo, geralmente utili‑ zado em aulas de Administração, Economia e MBA. Teoria dos jogos, de Duilio de Avila Berni e Brenda P. M. Fernandes, Teoria dos jogos, de Ronaldo Fiani e Teoria dos Jo‑ gos, de Jean Max Tavares, são livros­‑textos em português. 254

I ndicaç õ es de leit u ra

Livros sobre economia ou estratégia Muitos livros não tratam exclusivamente da Teoria dos Jogos, mas possuem capítulos que ajudam a entender seus conceitos. Recomendo: The cartoon introduction to economics, de Grady Klein e Yoram Bauman, que apresenta uma introdução bem­‑humorada e didática sobre o funcionamento da Teoria dos Jogos. 
 A estratégia e o cenário dos negócios, de Pankaj Ghema‑ wat, aborda a necessidade de entender melhor os concorrentes para poder aplicar a Teoria dos Jogos. Principles of economics, de Robert H. Frank, Ben Bernanke, Kate Antonovics e Ori Heffetz, possui um capítulo muito didá‑ tico e preciso para iniciantes.
 Introdução à economia, de Glenn Hubbard e Antony Pa‑ trick O´Brien, é parecido com o livro citado acima, mas possui versão em português.

Livro sobre incentivos e tomadas de decisão O seu kit de ferramentas mental em Teoria dos Jogos não ficará completo se você não agregar mais conhecimento sobre seus concorrentes. Por isso, é importante saber o máximo sobre os incentivos deles e como eles pensam. O clássico Freakonomics, de Stephen J. Dubner e Ste‑ ven D. Levitt, retrata bem como incentivos influenciam comportamentos. Microeconomics and behavior, de Robert H. Frank, analisa o comportamento das pessoas sob a ótica econômica.

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No livro Negociando racionalmente, de Max H. Bazer‑ man, você encontra vários modelos de decisão voltados para a negociação com uma mistura de racionalidade e armadilhas cognitivas. Outros títulos do mesmo autor bastante comple‑ mentares são Processo decisório e O gênio da negociação.

Referências na web Uma completa referência sobre o tema está no site Stanford Encyclopedia of Philosophy, página sobre Game Theory, atua‑ lizada por Don Ross. Disponível em: . Para dados históricos, uma boa coletânea de fatos sobre o tema ao longo dos anos é o site A chronology of Game Theory, por Paul Walter. Disponível em:

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Sobre o autor

Fernando Barrichelo é engenheiro pela Escola Politéc‑ nica da Universidade de São Paulo, com pós­‑graduação em Ad‑ ministração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e Mas‑ ter in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Atua como executivo de uma grande empresa de meio de pagamentos, com passagens por outras companhias nos segmentos financeiro e industrial. Sua paixão por Teoria dos Jogos teve início na época de MBA, quando se aprofundou no tema e recebeu dois reconhecimentos: melhor assistente de professor do ano nesta disciplina e melhor projeto na disciplina de estratégia ao incorporar a Teoria dos Jo‑ gos como um elemento importante para executivos de empresas. A partir daí começou a pesquisar várias publicações sobre Teoria dos Jogos e sua ligação com o pensamento estratégico e 263

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aplicações nos ambientes empresariais e cotidiano das pessoas. Publicou seus artigos de forma segmentada em seu site até reuni­‑los neste livro com o objetivo de aprofundar e estruturar a disciplina para insights em cenários de competição e coope‑ ração. Está disponível para palestras sobre o tema. Para falar com o autor, escreva para [email protected] ou acesse www.barrichelo.com.br.

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Agradecimentos

Para que este livro chegasse até esta versão, muitas pessoas contribuíram, às quais gostaria de agradecer. Como escrevi na dedicatória, grande parte deste ideal foi motivado pelos exem‑ plos e ensinamentos de meus pais, Luiz Ernesto e Sônia Barri‑ chelo. Minha esposa, Luciana Barrichelo, exerceu papel decisivo no incentivo e, principalmente, sendo paciente em todos os meus momentos de reclusão. Agradeço aos meus professores da Carnegie Mellon Uni‑ versity, Robert A. Miller, Vesna Prasnikar e Jeffrey R. Williams, com os quais tive os primeiros contatos com Teoria dos Jogos de forma mais sistemática. Agradecimento especial a dois colegas com os quais mantive longas conversas. Israel Nogueira da Gama Orenstein, fanático por Teoria dos Jogos, foi um grande parceiro com quem, durante 265

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quase 10 anos, discuti muitas ideias sobre a aplicação do tema. Mario Henrique Martins, fanático pelo papel das emoções nas decisões, foi o parceiro com quem aprendi e incorporei elemen‑ tos psicológicos e menos racionais nas tomadas de decisão. Agradeço também a minhas duas revisoras, Gizah Garcia Leal e Lucimara Leal, com quem discuti bastante a adaptação dos conteúdos ao público geral, deixando o texto mais fluído e acessível.

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Índice remissivo

A

Ameaças críveis, 151, 198 Aquecimento global, 140 Árvore de decisões, 46 Atalhos mentais da teoria dos jogos, 33, 35 Aumann, Robert (opiniões) o que a teoria dos jogos está tentando conquistar, 219 para atingir a paz não se pode fazer concessões, 227 Autointeresse, 80 Avaliação de cenários, roteiro, 61 Axelrod, Robert, 116

B

Bastidores das negociações, 65

C

Coloque-se no lugar do adversário, 48 Companhias aéreas, 72 Competição, lógica, 43­‑95 Competidores na mesma rua, 173 Componentes da situação estratégica, 195 Concorrente, o que ele está pensando, 74 Conhecimento comum, 54, 75 Construção edifício mais alto, 52 nova fábrica, 56 Cooperação, lógica, 97­‑145

D

Decisão estratégica, 20, 29, 195 267

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modelos, 31 interdependentes, 29 Desenhando o jogo correto, 71 Dilema escola infantil, 67 gorjeta, 126 ponte, 25 prisioneiros, 101, 197 social, 135, 143, 198 Disputa de mercado, 28 Divisão da conta de um restaurante, 137

E

Economia comportamental, 76 Equilíbrio de Nash, 106, 191, 203, 205 Equilíbrio ineficiente, 107 Escalada irracional, 167 Escolhas, 20 certeza, 20 incerteza estratégica, 22 probabilística, 22 Estratégia para aumento de lucro, 28 Estrategista, caixa de ferramenta, 33 Eu corto, você escolhe, 177

F

Free riders, 135, 137

I

Incentivos, 68 esquemas, 70 268

Indiana Jones e a teoria dos jogos, 63 Irracionalidade, 88 como parte do jogo, 196 explicação racional, 90

J

JC Penney, 129 Jogo direita e esquerda, 45 divisão do bolo, 177 localização do sorveteiro, 173 repetitivo, 125 sequencial, 53 ultimato, 157

L

Lapsos de racionalidade, 93 Lei Cidade Limpa, 114 Leilão do dólar, 167 Lógica das decisões, 17

M

Matriz de resultados, 102 Medição individual, 138 Modelos de decisão, 31 Modelos simplificados, 33

N

Nash, John, 30, 106, 182, 203­ ‑217, 227, 229 Navios queimados, 151

O

Olho por olho, dente por dente, 116

Índice remissivo

P

Par ou impar, 22 Paradoxo do chantagista, 163 Pensamento estratégico, 38 Pensar por antecipação, 37 Pense à frente e raciocine para trás, 45, 195 Pergunta de Garrincha, 24 Prevendo os próprios lapsos de racionalidade, 93

R

Racionalidade, definição, 87 Racionalizando a irracionalidade, 85 Regulador central, 104 Rinocerontes e free riders, 144 Roteiro para avaliação de cenários, 61 Rubinstein, Ariel (opiniões), 231, 235, 239, 240 estudos básicos e aplicações, 232 interesse pela teoria dos jogos, 231 papel da teoria dos jogos em relação a outras disciplinas, 234

S

Situações estratégicas, 29

T

Taxista e a teoria dos jogos, 77 Tema unificador, 37 Teoria dos jogos, 29 atalho mental, 33, 35 como insight cognitivo, 190 definição, 29 dez grandes lógicas oriundas, 195 dificuldades, 181 pensamento estratégico, 38 principais lógicas, 193 uso, 231 utilidade, 235 Trade­‑off, 21 Tragédia dos comuns, 135

U

Uma mente brilhante, cena do bar, 205

V

Verdadeiros incentivos do outro, 65, 196

269

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