Estratégias Educativas do Movimento LGBT de Caruaru: Um relato de experiência das ações do coletivo Lutas e Cores

May 27, 2017 | Autor: Cleyton Feitosa | Categoria: Educação, Direitos Humanos, Movimentos LGBT
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LAGE, Allene Carvalho.

Anais do II Seminário Internacional do Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina: Educação, Gênero e Sexualidade na América Latina / Allene Carvalho Lage / Emerson Silva Santos / Filipe Antonio Ferreira da Silva. - Caruaru, 2016. Volume 1. 479 f.: il. ISSN (2448-1300) Agência Brasileira de ISSN. Título. 1. Educação, Movimentos Sociais e Epistemologias. 2. Educação, Gênero e Diversidade Sexual. 3. Educação, Gênero e Relações Étnicos-Raciais. 4. Gênero, Corpos e Sexualidades.

CDD: 376

EXPEDIENTE

Título: Educação, Gênero e Sexualidade na América Latina Coordenação Geral: Allene Carvalho Lage Comissão Científica: Dra Allene Lage, Dra. Anna Luiza Martins de Oliveira, Dr. Gustavo de Oliveira, Dr. Mário de Faria Carvalho, Dr. Marcelo Miranda, Ms. Andrezza Nogueira, Ms. Ariene Gomes de Oliveira, Ms. Fernando Cardoso, Ms. Katherine Lages, Ms. Rafael Vieira Comissão de Bolsistas: Adriel Rodrigues do Nascimento, Amanda Raylla de Lima, Amauri Martins Bezerra Neto, Ana Carolina Reis Emília, Filipe Antonio Ferreira da Silva, Graziela Bezerra da Silva, Graziella Mercury de Macêdo, Jessica Priscila Garcia de Souza, Joais Martins Silva, Kelveni Deivid de Lima Silva, Kesia Oliveira de Menezes, Leticia Taisa da Silva, Lucielma Josefa da Silva, Marciano Antonio da Silva, Maria de Fátima Rodrigues Duarte, Rayanne Martins Ferreira, Regina Celly Clemente Silva, Ricelio Regis Barbosa da Silva Moura, Rosy Marry Mayara dos Santos Alves, Tamires Karen Eloi Chagas, Vanusa do Nascimento Feitosa. Comissão de Apoio: Ariene Gomes de Oliveira, Edima de Morais, Maria Elizabete Silva, Emanuely Arco Íris, Márcia de Godoy, Maísa dos Santos Farias, Otávio Rubino (Prema), Sérgio Rêgo, Vandete Neves. Grupos de Trabalho: GT – 1: Educação, Movimentos Sociais e Epistemologias Coordenadores: Dra. Allene Lage, Ms. Rafael Vieira e Ms. Andrezza Nogueira GT – 2: Educação, Gênero e Diversidade Sexual Coordenadores: Dr. Mário de Faria Carvalho e Ms. Fernando Cardoso GT – 3: Educação, Gênero e Relações Étnicos-Raciais Coordenadores: Dra. Anna Luiza Martins de Oliveira e Dr. Gustavo de Oliveira GT – 4: Gênero, Corpos e Sexualidades Coordenadores: Dr. Marcelo Miranda e Ms. Katherine Lages Instituição Promotora: Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina/ UFPE/CAA. Instituições Apoiadoras: Universidade Federal de Pernambuco/Campus Acadêmico do Agreste, Pró Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós Graduação em Educação Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco,

Secretaria Especial da Mulher e Direitos Humanos da Prefeitura de Caruaru, Marcha Mundial das Mulheres, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Movimento da Mulher Trabalhadora Rural, Fraternidade Feminina Ana Meri. Período de Realização: 16, 17 e 18 de Setembro de 2015. Local de Realização: Universidade Federal de Pernambuco/Campus Acadêmico do Agreste. Rodovia BR-104, Km 59, s/n - Nova Caruaru, Caruaru - PE, 55002-970. Organização dos Anais: Allene Carvalho Lage, Emerson Silva Santos, Filipe Antonio Ferreira da Silva.

PROGRAMAÇÃO

Dia 16/09/2015 · 17h00min - Credenciamento · 19h00min - Mesa de abertura/ Mística · 19h30min - Conferência de Abertura: Mulheres Inconvenientes. Profa. Dra. Olga Viñuales (Universidade de Barcelona) Dia 17/09/2015 · 14h00min. – 16h30min - GTs – Apresentação de Trabalhos Orais · 17h00min. – 18h30min - Mesa redonda: Direitos Públicos e Econômicos e o Imaginário Feminino Moderadora: Mestranda Emanuely Arco Íris Debatedores: Dr. Mário de Faria Carvalho, Ms. Andrezza Nogueira e Ms. Katherine Lages · 19h30min. – 21h00min - Mostra de arte e movimento: Corpos Descolonizados. Coordenação: Mestrandos Otávio Rubino (Prema) e Márcia de Godoy Dia 18/09/2015 · 14h00min. – 16h30min - GTs – Apresentação de Trabalhos Orais · 17h00min. – 18h30min - Mesa redonda: Diversidade Sexual e Direitos Humanos na Escola Moderador: Mestrando Sérgio Rêgo Debatedores: Dra. Anna Luiza Martins de Oliveira, Ms. Rafael Vieira e Ms. Fernando Cardoso · 19h30min - Conferência de Encerramento: Trajetórias e Conquistas dos Movimentos Feministas de PE. Moderadora: Dra. Allene Lage Debatedores: Representantes de Movimentos Feministas de Pernambuco

SUMARIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................10 RESUMOS EXPANDIDOS GT 01 - EDUCAÇÃO, MOVIMENTOS SOCIAIS E EPISTEMOLOGIAS ..........12 Uma epistemologia psicoanalítica ...............................................................................13 Da margem ao centro: o feminino como objeto de estudo da historiografia........................18 Estratégias educativas do movimento lgbt de caruaru: um relato de experiência das ações do coletivo lutas e cores..............................................................................................................26 “Eu era feminista e não sabia: a importância da educação popular na formação política feminista” ...................................................................................................................................31 Lutas dos movimentos sociais campesinos por uma formação continuada de professoras (es) do campo especifica e diferenciada: um estudo a partir os dispositivos legais .............34 MAB: Princípios freireanos para a ação transformadora .....................................................38 Memórias de mulheres participantes no movimento estudantil na década de 1990: gênero e história oral .............................................................................................................................53 “Meninos do sol” o resgate da cidadania através de práticas culturais ...............................56 “Não se nasce mulher, torna-se mulher”: um olhar reflexivo para o processo de empoderamento das mulheres à luz dos estudos feministas ....................................................59 O 'outro' como sujeito gerador: axiomas epistemológicos da experiência do núcleo de pesquisa outras economias .........................................................................................................62 Por um olhar transdisciplinar do movimento feminista: o homem como terceiro termo incluído. .......................................................................................................................................66

RESUMOS EXPANDIDOS GT 02- EDUCAÇÃO, GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL .................................71 Afeminados: as antígonas da atualidade ..................................................................................72 Diversidade sexual nas escolas: a educação como instrumento de garantias constitucionais. ......................76 Educação de gênero e sua necessidade no ensino básico. .........................................................79 Educação e sexualidade na escola .............................................................................................82 Escola: espaço de construção de conhecimento e equidade, gênero e diversidade sexual ......85 Extensão universitária, gênero e educação em direitos humanos: diálogos a partir do projeto escola legal ..................................................................................................................................88

Gênero e diversidade sexual: reflexões a partir do chão da escola no município de caruarupe .................................................................................................................................................92 “Ideologia de gênero”, discursos conservadores e possíveis caminhos para a retomada da prática feminista nas escolas. .....................................................................................................96 Mulheres/mães de filhos com deficiência e a sua inserção no social: uma análise a luz da teoria do discurso de laclau e mouffe ........................................................................................99 O papel da escola frente à questão da homofobia ...................................................................103 Percepção do estudo de gênero na música mulheres: um convite à imaginação sociológica..................................................................................................................................106 Políticas de educação, gênero e sexualidades na américa latina: um estudo sobre as conquistas políticas brasil, chile e Uruguai .............................................................................109 Relações de gênero e sexualidade e o não-dito nas aulas de física de uma escola da cidade de gravatá/pe: um relato de experiência ......................................................................................111 Relações de gênero e sexualidade no âmbito do estágio supervisionado II. ..........................115

RESUMOS EXPANDIDOS GT 03 - EDUCAÇÃO, GÊNERO E RELAÇÕES ÉTNICOS-RACIAIS ................120 As relações de gênero e etnicidade nos espaços escolares: recortes de diários de campo. ...121 As retratações raciais e étnicas de mulheres negras na cultura nordestina .........................126 Cotas raciais nas universidades federais: uma análise das ações afirmativas da lei 12.711/12 ....................................................................................................................................................130 Humanização do parto e do nascimento: reflexões a partir das questões étnico-raciais. ....133 Mulher na capoeira: reflexões acerca do preconceito no redulto familiar ................136 Um olhar decolonizador sobre a representação do/a negro/a na contemporaneidade: um estudo feito a partir dos objetos fotografados na feira de caruaru-PE. ................................140

RESUMOS EXPANDIDOS GT 04 - GÊNERO, CORPOS E SEXUALIDADES ..................................................143 A atuação das mulheres no grupo guerrilheiro urbano argentino “montoneros” ...............144 Cidadania trans: o que a academia tem produzido sobre essa temática na área de saúde? ....................................................................................................................................................148 Corpos em questão: uma análise sobre o debate acerca do reconhecimento das trans como sujeitos do feminismo ...............................................................................................................152 “Eu não mereço ser estuprada”: uma análise crítica do discurso sobre percepção da identidade feminina ..................................................................................................................155 Gênero e ordem compulsória no pensamento de judith butler: reflexões para pensar identidades ................................................................................................................................158 Heranças de preconceito de gênero contra a mulher no século XXI .....................................161

Mídia, gênero e direitos humanos: sobre a (re) produção do corpo feminino ......................164 O corpo drag queen de jovens como expressão desestabilizadora dos pares dicotômicos (macho-fêmea, homem-mulher, heterossexual- homossexual) .............................................167 O corpo feminino e sua representação na mídia .....................................................................171 O mais além da anatomia - a paternidade no filme transamérica ..........................................174 “Pode ser gay, mas tem que ser discreto”: refletindo sobre machismo e masculinidade no segmento lgbt ............................................................................................................................177 Relações de gênero e a construção da identidade de gênero na educação infantil ...............180

“Santa na rua e puta na cama”: uma análise da normatização e controle corporal feminino através do amor romântico, na comunidade shalon, em sobral ...............183 Sobre o corpo produzido pela mídia: estereótipos femininos ...................................186 Transexualidades e serviço social: desafios, possibilidades e contribuições. .......................188

TRABALHOS COMPLETOS GT 01 - EDUCAÇÃO, MOVIMENTOS SOCIAIS E EPISTEMOLOGIAS ..........191 Estratégias educativas do movimento lgbt de caruaru: um relato de experiência das ações do coletivo lutas e cores ............................................................................................................192 O 'outro' como sujeito gerador: axiomas epistemológicos da experiência do núcleo de pesquisa outras economias .......................................................................................................211 Lutas dos movimentos sociais campesinos por uma formação continuada de professoras (es) do campo específica e diferenciada: um estudo a partir dos dispositivos legais ...................228 “Meninos do sol” o resgate da cidadania através de práticas culturais ................................244 Memórias de mulheres participantes no movimento estudantil na década de 1990: gênero e história oral ...............................................................................................................................257 Da margem ao centro: o feminino como objeto de estudo da historiografia ........................271

TRABALHOS COMPLETOS GT 02 - EDUCAÇÃO, GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL ..............................288 O papel da escola frente à questão da homofobia ...................................................................289 Gênero, sexualidade e educação: outros [?] olhares sobre o espaço escolar ....................................................................................................................................................304 Homens usando saia: a moda-militância questionando papéis de gênero numa sociedade sexista e patriarcal ....................................................................................................................319 Educação e sexualidade na escola ...........................................................................................334 Relações de gênero e sexualidade e o não-dito nas aulas de física de uma escola da cidade de gravatá/pe: um relato de experiência ......................................................................................350 Gênero e diversidade sexual: reflexões a partir do chão da escola no município de CaruaruPE ..............................................................................................................................................364

TRABALHOS COMPLETOS

GT 03 - EDUCAÇÃO, GÊNERO E RELAÇÕES ÉTNICOS-RACIAIS ................379 Humanização do parto e do nascimento: reflexões a partir das questões étnico-raciais. .,,,380 As retratações raciais e étnicas de mulheres negras na cultura nordestina .........................394 Mulher na capoeira: reflexões acerca do preconceito no redulto familiar ...........................402 Cotas raciais nas universidades federais: uma análise das ações afirmativas da lei 12.711/12 ....................................................................................................................................................413 Um olhar decolonizador sobre a representação do/a negro/a na contemporaneidade: um estudo feito a partir dos objetos fotografados na feira de Caruaru-PE. ...............................428 As relações de gênero e etnicidade nos espaços escolares: recortes de diários de campo. ...445

TRABALHOS COMPLETOS GT 04 - GÊNERO, CORPOS E SEXUALIDADES ..................................................459 O mais além da anatomia: a paternidade no filme transamérica ..........................................460 ANEXOS ..................................................................................................................................476

APRESENTAÇÃO A educação na atualidade tem demandado muitos desafios sobre as questões que afetam diretamente o cotidiano das salas de aulas e tem exigido esforço no sentido de contemplar e tratar pedagogicamente problemáticas que a escola não pode mais se omitir em trabalhar.

Questões como as relações de gênero e de sexualidade, sexismo, machismo e misoginia, diversidade sexual e LGBTfobia, relações étnico-raciais, e as diversas formas de racismo e de intolerância religiosa têm sido temas recorrentes dentro da escola, e são a expressão das principais problemáticas das sociedades contemporâneas.

A maior visibilidade dos movimentos feministas, LGBT e negro, entre outros, tem contribuído para fazer com que o debate sobre estes temas se articulem e se encontrem em um lugar comum onde academia, movimentos sociais e grupos sociais diversos construam diálogos, formas de enfrentamentos e novas compreensões.

Educação, Gênero e Sexualidades, vistos de maneira integrada, tem sido um tema complexo, desafiante e recorrente em vários encontros científicos de educação, e os GTs referentes a estas temáticas tem sido muito concorridos; o que demonstra o interesse da educação, em compreender melhor estes temas e assim, pensar novas pedagogias para o enfrentamento de situações que causam preconceitos e constrangimentos dentro dos espaços educativos.

Na perspectiva dos/as docentes, a discussão sobre Educação, Gênero e Sexualidades denota por um lado uma necessidade urgente de formação e pelo outro lado um avanço no interesse e estudo de educadores/as, já que estas questões têm emergido com muita força na sala de aula, exigindo conhecimento para lidar com as situações e para responder as questões postas em sala de aula pelos estudam, que visam esclarecer suas dúvidas e curiosidades.

Neste sentido, o II Seminário Internacional do Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina da UFPE/CAA, definiu o tema Educação, Gênero e Sexualidades na América Latina, como proposta de debate dentro da educação, de maneira a criar um espaço de encontros, partilhas e convergências sobre o tema, como estratégia formativa e dialógica sobre a construção de conhecimentos sobre estes temas. Assim, o Seminário teve início com a discursão sobre “Mulheres Inconvenientes” com a participação das professoras doutoras Olga Viñuales da Universidade de Barcelona em diálogo com a Allene Lage dos Programas de Pós-graduação em Educação Contemporânea e de Direitos Humanos, na perspectiva de desconstruir o quadradismo, que por séculos condicionou o comportamento das mulheres, assim como o seu acesso à educação.

Em sua Programação houve ainda espaços para debates outros, com mesas redondas que discutiram temas convergentes com a nossa proposta epistemológica em torno das questões sobre Educação, Gênero e Sexualidades. Essas temáticas se traduziram nas mesas redondas “Direitos Públicos e Econômicos e o Imaginário Feminino” e “Diversidade Sexual e Direitos Humanos na Escola”.

Outro ponto forte do Seminário Internacional foi a apresentação de trabalhos resultantes de pesquisas e de experiências educativas sobre os temas que organizados em quatro GTs, que foram os seguintes: GT 1: Educação, Movimentos Sociais e Epistemologias; GT 2: Educação, Gênero e Diversidade Sexual; GT 3: Educação, Gênero e Relações Étnicos-Raciais e GT 4: Gênero, Corpos e Sexualidades O Seminário foi finalizado com a Conferência “Trajetórias e Conquistas dos Movimentos Feministas de PE” onde vários movimentos e coletivos feministas participarão.

Até 2017, quando realizaremos III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO OBSERVATÓRIO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA – UFPE/CAA Profª Dra. Allene Carvalho Lage

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RESUMOS EXPANDIDOS

GT – 1: Educação, Movimentos Sociais e Epistemologias

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UMA EPISTEMOLOGIA PSICANALÍTICA DAS SEXUALIDADES PERVERSAS Rafael Lima Vieira1

A perversão é um fenômeno sexual, político, social, físico, trans-histórico, estrutural, presente em todas as sociedades humanas (ROUDINESCO, 2007). Somente agora somos capazes de enxergar o quanto vivemos uma sociedade que deveria ser considerada perversa. Por dois motivos somos capazes de defender essa afirmação: 1. Por que tudo que escapa à norma é perversão; 2. Por que a histórica norma sexual tem dado espaço a expressões da sexualidade que escapam ao entendimento lógico do esquema corpo-gênero-sexualidade. A perversão não é algo que estaria no campo da normalidade ou do desejável moralmente. O recurso à noção de perversão nunca deixou de se fixar sobre a sexualidade em suas dissidências, em suas fugas do utilitarismo da reprodução. Portanto, independente das reconstruções teóricas no interior dos estudos psicanalíticos, a perversão acompanha aqueles que arriscam viver fora do que a civilização determinou como útil e vivível (BUTLER, 2015a; 2015b). Dizer que antes de Freud a perversão era considerada uma patologia não coloca pessoas perversas num patamar de bom viver, pois a trindade “perversão, neurose e psicose” se configura como as eternas anomalias do nosso aparelho psíquico. O que se pode dizer em favor da psicanálise é que tem havido certa relativização das perversões no tempo e no espaço a fim de reconfigurá-las diante das demandas civilizacionais.

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Mestre em Educação Contemporânea pelo Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco (2013). Membro do Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina (UFPE-CAA). E-mail: [email protected]

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A abjeção das sexualidades parece-nos o efeito de uma causa que tem origens facilmente conhecidas. Foi a psicanálise que construiu uma estrutura determinante para o reconhecimento das perversões e das pessoas perversas. Fazemos, a partir daqui, um estudo acerca dos saltos epistemológicos que as teorizações psicanalíticas operaram ao circunscrever certas faces da sexualidade como perversas enquanto apontava outras enquanto normais. 1. Sigmund Freud, em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (FREUD, 1976) aponta a origem da perversão na infância. “Perversidade polimorfa” é a denominação que o limitado vocabulário de Freud à época permitiu chamar a capacidade do ser humano em possuir várias formas de obter prazer. Sendo da condição humana a inexistência de um objeto de desejo fixo, Freud identifica na busca incessante do objeto de desejo uma característica saudável do ser humano, mas apenas na medida em que essa sexualidade perversa polimorfa está destinada ao direcionamento da libido de modo a não perverter a ordem social vigente. A perversão aparece não como uma ampliação da sexualidade infantil – que é potencialidade - mas como a fixação do desvio – que é patologia (VALAS, 1990). 2. Entretanto, existe em um segundo momento, um importante salto epistemológico, um movimento de diferenciação entre a perversão e as neuroses e psicoses. Agora a perversão começa a ser entendida como o negativo da neurose; isto é; dois fenômenos psíquicos distintos utilizados como recurso a uma mesma manifestação do aparelho psíquico: se o neurótico tenta esconder de todas as formas possíveis sua transgressão, buscando maneiras de criar uma persona atraente à sociedade o mesmo não acontece ao perverso, que se configura como aquele que se expõe sem medo, vergonha ou culpa. Foi a partir daí que começamos a identificar as perversões como relativas ao tempo e ao espaço, ou seja, o perverso é o transgressor das normas sociais e morais vigentes. Sabendo-se que, estas mesmas normas são sempre criadas artificialmente, com

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interesses políticos, econômicos, pessoais, etc., percebemos o perverso como aquele que denuncia a artificialidade da conduta humana, a normatização interessada. 3. O terceiro constructo teórico de definição da perversão diz respeito às teorizações em “Fetichismo”. Roudinesco e Plon (1998) vão nos chamar a atenção pela forma como mostram que Freud denomina de fetichista todas as formas de perversão (FREUD, 1976). Assim, a pessoa perversa encontrava uma solução para o reconhecimento e ao mesmo tempo a negação do complexo de castração. O que Freud avança é em dizer que o fetiche é uma escolha de objeto, não um sintoma, por isso não causa sofrimento; afastando a ideia de que a perversão seria uma maneira de impor o prazer aos olhares dos outros. O que aparece como perversão na atualidade parte das contribuições de autores como Judith Butler (2008) que reconhece a proliferação de performances de gênero não categorizáveis, e Michel Foucault (1984) que identifica, a partir do século XVIII a proliferação de discursos sobre o sexo que intencionam criar uma normalidade sexual e uma grande margem de identificações sexuais periféricas. As críticas psicanalíticas parecem ir de encontro ao que esses autores revelam. Temos em Macary-Garipuy um grande expoente da crítica à teorização foucaultiana e butleriana. Essa crítica é claramente de caráter ético e político, pois o autor deixa evidente que reconhece os estudos citados como um fortalecimento do sujeito pós-moderno, ou melhor, um sintoma da crise de identidade que assola o contemporâneo (MACARYGARIPUY, 2006). Vera Maria Flores também sustenta pesadas críticas associando negativamente os sujeitos da política Queer, empreendida por Judith Butler, à perversão. Para isso, Flores (2010), faz uma leitura da perversão como transgressão dos limites colocados ao sujeito através da afirmação do impossível; recusa, portanto, da morte e da castração. A teoria queer seria “uma forma contemporânea de laço social que se sustenta privilegiadamente, se não exclusivamente, no mecanismo perverso da Verleugnung” (FLORES, 2010, p. 132).

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É importante termos em mente que a psicanálise se transforma em um quadro de referência sempre importante para definirmos o que é normal do que é patológico. A proposição teórica de Judith Butler, por exemplo, está no enfrentamento da questão da soberania psicanalítica para definição e qualificação de identidades sexuais. As dissidências apontadas por Berenice Bento (2006) provam em certa medida que a articulação teórica e clínica feita pelos psicanalistas para autorizar ou não a readequação sexual é, na maioria das vezes, falha. Mesmo a iniciativa bem intencionada de autores como Sáez (2004), Bauzá (2010), Dean (2006) e Braustein (2007) que tentam mostrar a necessidade de aproximação teórica psicanalista de vertentes contemporâneas como a Teoria Queer ainda se mostram frágeis, pois a questão a ser enfrentada está nas origens epistemológicas da própria psicanálise materializadas em noções cristalizadas como: gozo, corpo, sexo, sexualidade, entre outras.

REFERÊNCIAS BAUZÁ, Juan. Sexuation et théorie queer: identité et exclusion sexuelle. 2010. Disponível em: http://www.litura.org/barcelone_bauza. Acesso em: 13/09/2015. BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. BRAUNSTEIN, Nestor. Gozo. São Paulo: Escuta. 2007. BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2008. ______. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2015a. 16

______. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica. 2015b. DEAN, Tim. Lacan et La théorie queer. Eres – Cliniques méditerranéennes, n. 74, p. 61-78, 2006. FLORES, Vera Maria Pollo. A perversão e a teoria queer. Tempo psicanalítico, v. 42.1, p. 131-148, 2010. FREUD, Sigmund. [1905]. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Obras completas, ESB, v. VII. Rio de Janeiro: Imago. 1976. FREUD, Sigmund. [1914]. Sobre o narcisismo: uma introdução. Obras completas, ESB, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago. 1976. MACARY-GARIPUY, Pascale. Le mouvement queer: des sexualités mutantes? Psychanalyse 2006/3, n. 7, p. 43-52, 2006. ROUDINESCO, Elisabeth. La part obscure de nous-même. Une histoire des pervers. Paris: Editions Albin Michel, 2007. SÁEZ, Javier. Teoría queer y psicoanálisis. Madrid: Editorial Sintesis, 2004. VALAS, P. Freud e a Perversão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 1990.

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DA MARGEM AO CENTRO: O FEMININO COMO OBJETO DE ESTUDO DA HISTORIOGRAFIA Sérgio Antônio Silva Rêgo

O presente artigo visa possibilitar uma maior análise com relação a inserção dos estudos sobre gênero e história das mulheres na historiografia contemporânea. A chamada Nouvelle Histoire é umas das ferramentas utilizadas para essa mudança de perspectiva e inserção das relações de gênero como objeto de estudos e busca de emancipação dessa categoria. As décadas de 1960-1970 são fundamentais para uma maior investigação e publicação (seja acadêmica ou através dos meios de comunicação de massa existentes no momento) de trabalhos sobre a temática, porém, não somente nesse momento. Mas, sobretudo, a partir dele os estudos sobre gênero adquiriram maior notabilidade, dimensão e profundidade epistêmica, atravessando as fronteiras e ocupando espaço de grande reflexão e atuação no meio acadêmico. Movimentos de ação política, tal como o movimento feminista, em suas mais variadas vertentes, busca tomar esse espaço de discursão e produção de um saber que busque a valorização e a emancipação das mesmas. Diversas são as propostas de análise empreendidas pela história das mulheres, abordagens que vão desde o historicismo até aquelas que discutem a relações de fluidez de identidade, assim como as relações de homo afetividade e investigações sobre uma história dos homens. Para tanto, nos utilizamos de uma metodologia baseada na investigação bibliográfica acerca da constituição desse processo e dos discursos criados em torno dessa temática. Buscando analisar uma diversidade de teóricos(as), teorias e, ainda, nos utilizando de uma análise de conteúdo para alcançarmos nossos resultados preliminares expostos aqui, percebemos que há uma dinâmica nas problemáticas sobre a história ou histórias das mulheres e questões com relação a identidade/estereótipo e sua representação, valorização, trabalho, corpo, vida cotidiana, participação política e produção de saberes. Compreendendo que o processo científico pode sofrer (e sofre) interferências e torna-se mais dinâmico e assim conseguir ampliar a concepção com 18

relação a mudança social empreendida pelos estudos sobre gênero a partir de diversas outras concepções epistemológicas e metodológicas que surgem ao longo do processo histórico, reconfigurando-se, reinterpretando-se, absorvendo e servindo de inspiração a demais propostas de interpretação do pensamento. A constituição da ciência Moderna como paradigma dominante foi apenas um dos elementos para que as mulheres fossem invisibilizadas de várias formas, assim como tantos outros segmentos sociais. Então, o estudo sobre gênero, permeando suas múltiplas dimensões, oferece-nos uma gama de abordagens onde podemos perceber que ainda é um terreno pouco explorado, porém extremamente fértil, transformando a dinâmica de produção de saberes e novos olhares sobre as relações outrora estabelecidas e definidas como exemplares. O nascimento de uma história voltada à emancipação feminina como agente modificadora é celebrada por diversas áreas do conhecimento, pois as mesmas iriam buscar compreender a complexidade de relações de sujeitos, a interdisciplinaridade e produzir novos problemas quebrando com o conceito cristalizado produzido e mantido como modelo dominante a séculos. Desde o início, a efervescência de métodos, a pluralidade de conceitos entre outros elementos serve também como crítica aos estudos sobre gênero, fazendo com que o mesmo reconfigure-se, e busque responder a novas demandas, percebendo que as sociedades estão em constante modificação e exigem novas e cada vez mais respostas a demandas que surgem. Os estudos denominados como pós-coloniais são fontes de grande produção para uma maior amplitude da temática vivenciada, seja numa perspectiva micro ou macro, regional ou mundial. O cânone tradicional da ciência passa a ser questionado gerando novos e amplos debates acerca do próprio papel que a ciência, como uma das produtoras de saber e não a única a fazê-lo, pode empreender. Contudo isso, percebemos que a ideia de histórias das mulheres é algo que deve ser cada vez mais ampliado, pois uma episteme feminista criou-se e contribuir ao fomento do debate possibilitando mudanças significativas na vida de diversas pessoas.

PALAVRAS-CHAVE: Gênero, teoria da história, trabalhos femininos.

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ESTRATÉGIAS EDUCATIVAS DO MOVIMENTO LGBT DE CARUARU: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DAS AÇÕES DO COLETIVO LUTAS E CORES Cleyton Feitosa Pereira2 Emerson Silva Santos3 Desde o seu surgimento no Brasil, na década de 1970, o movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) tem atuado no enfrentamento à homofobia (SIMÕES e FACCHINI, 2009) e na busca incessante por dignidade, direitos e cidadania. Para isso, o movimento tem se utilizado de diversas estratégias e ferramentas que possibilitem a construção de uma sociedade menos hostil e que respeite os direitos humanos da população LGBT. Entendemos homofobia conforme Borrillo (2010) disserta cujas reflexões apontam para um fenômeno social construído historicamente que expressa relações de poder, ou seja, mais do que uma mera violência física dotada de um ódio irracional, a homofobia funciona como um marcador violento que hierarquiza relações e sujeitos/as, se articula com a cultura e com outros conceitos como a heteronormatividade e a heterossexualidade compulsória (COLLING, 2014). Considerando o campo da Educação como sendo de grande importância na formação dos indivíduos, não por acaso, esse campo tem sido apontado como um dos mais estratégicos para a população LGBT (JUNQUEIRA, 2009). Aqui incluída a Educação não formal, pois quando falamos de educação compreendemo-la como um campo amplo que possibilita intervenções para além do interior das salas de aula com bem pontua Brandão (1981). O presente trabalho visa apresentar um breve relato de experiência das estratégias educativas do Coletivo LGBT Lutas e Cores de Caruaru, Pernambuco. Para Gil (2008), o relato de experiência possibilita que os/as pesquisadores/as relatem suas experiências e

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Licenciado em Pedagogia e Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Membro do Lutas e Cores. Email: [email protected]. 3 Bacharel em Administração Pública pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT de Pernambuco. Membro do Lutas e Cores. Email: [email protected].

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vivências associando-as com o saber científico. É válido ressaltar que nós, os autores desse texto, também compomos o Lutas e Cores e participamos intensamente da formulação e execução das ações do grupo. O Lutas e Cores surgiu na cidade de Caruaru no início de outubro de 2014 a partir do desejo de um agrupamento de pessoas em construir uma organização que reunisse indivíduos/as LGBT em torno de uma agenda política que fortalecesse a cidadania desse segmento na cidade. Sua organização interna é estruturada de forma horizontal, sem que exista uma direção nos moldes tradicionais de organizações da sociedade civil, sobretudo das Organizações Não-Governamentais, um dos braços do modelo neoliberal, que se organizam de maneira vertical e, muitas vezes, unilateral (composto por um presidente, sendo este, em geral, homem, secretários e diretores). A preocupação com a horizontalidade do grupo se deu também em virtude de parte de seus membros já terem participado de espaços hierarquizados que flertam com o autoritarismo e com a baixa capacidade de diálogo.

Figura 1 - Panfletaço no Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia

Entre os objetivos do Lutas e Cores, destaca-se o desenvolvimento de uma prática política coletiva e atuante que atenda aos anseios de seus membros no campo da igualdade de direitos e da justiça social, enfrentando a homofobia e as discriminações diversas que se interseccionam (lesbofobia, transfobia, racismo, machismo, capacitismo, xenofobia, classismo, etc.). Este objetivo guarda estreita relação com a forma horizontal com que tentamos nos organizar haja vista que os diversos anseios só conseguem ganhar 27

centralidade na medida em que todos e todas tem direito à voz e ao convencimento de tais demandas.

Figura 2 - Coletivo Lutas e Cores na I Intervenção Cultural do Orgulho LGBT de Caruaru

Com vistas a atingir este objetivo, os/as ativistas que compõem o Lutas e Cores desenvolvem uma variedade de ações na cidade de Caruaru como a realização de reuniões (ora em espaços públicos, ora em espaços fechados, considerando a condição de “armariamento”4 de seus membros), panfletaços, intervenções nas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter) participações em conferências, formações de servidores/as públicos/as, espaços de interlocução com o Estado, diálogo e fiscalização do Poder Público, beijaços, rodas de diálogo, campanhas, mesas redondas, entrevistas e participações em programas da imprensa local, entre outras.

Para entender o “armário”, sua dinâmica e efeitos, ler “A Epistemologia do Armário” de Eve Sedgwick (2007). 4

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Figura 3 - Página do Lutas e Cores no Facebook - mirando formas alternativas de comunicação e democratização da mídia

Desta forma, buscamos sempre empregar um caráter pedagógico nas diversas intervenções realizadas vislumbrando transformações significativas, pois uma das nossas inspirações teóricas é Paulo Freire e a sua visão politizadora da Educação e ao mesmo tempo pedagógica da ação política. Por isso, mesmo nas atividades mais lúdicas que desenvolvemos, a exemplo da I Intervenção Cultural no Dia Internacional do Orgulho LGBT, onde promovemos shows de drag queens, música e poesia, buscamos estabelecer uma relação de ensino e aprendizagem com os atores e atrizes que se envolvem com o grupo: tanto na formação política dos membros do coletivo como nas pessoas externas a ele que contactamos. Como Freire bem ensinou: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.

Palavras-Chave: Lutas e Cores. LGBT. Educação.

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GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008. JUNQUEIRA, Rogério Diniz. “Aqui não tem gays nem lésbicas”: estratégias discursivas de agentes públicos ante medidas de promoção do reconhecimento da diversidade sexual nas escolas. Bagoas, vol. 3, n. 4, pp. 171-189, jan./jun., 2009. Disponível em: . Acesso em: 08/08/2015. SIMÕES, Júlio Assis; FACCHINI, Regina. Na Trilha do Arco-Íris: Do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009.

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“EU ERA FEMINISTA E NÃO SABIA”: A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO POPULAR NA FORMAÇÃO POLÍTICA FEMINISTA Marília Nascimento5 Resumo O presente projeto tem como temas centrais de reflexão: educação popular e movimentos sociais, no qual objetiva trabalhar, investigar e analisar a relação das práticas pedagógicas feministas no processo de formação político das mulheres pertencentes a grupos inseridos no movimento de mulheres e feminista da Região Metropolitana do Recife. Nesse sentido, utilizará como aparato teórico, as contribuições de Brandão (1984), Gohn (1992), Louro (1997), Freire (2014), Hooks (2013) e Sardemberg (2006).

A premissa básica é que a educação como instrumento socializador dos indivíduos permite que os movimentos sociais, especialmente os populares, aparados pela perspectiva freiriana de educação popular possam formar politicamente seus integrantes. A educação popular é uma prática político-pedagógica que visa à conscientização, libertação e transformação dos indivíduos pertencentes às classes populares para que eles possam também transformar a realidade em que estão inseridos. A educação popular surge em 1950, mas tem seu ápice nas décadas de 1970 e 1980. Contudo, começa a perder força a partir da década de 1990. Influenciado por essa perspectiva e objetivando interferir e transformar a ordem social, política e cultural existente (a ordem patriarcal), o movimento feminista por volta de 1960 nos Estados Unidos, desenvolveu práticas político-pedagógicas feministas, que tem por objetivo formar indivíduos, tanto homens quanto mulheres, através de uma educação nãosexista e antirracista de modo a promover conscientização crítica no que se refere as desigualdades de gênero existentes na ordem patriarcal afim de superá-las e contribuir para o processo de transformação para uma sociedade livre de opressões e com equidade entre os gêneros. 5

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (081) 9 97413653 / [email protected]

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De acordo com Sardenberg (2004), as práticas políticos-pedagógicas podem também serem nomeadas de “pedagogias feministas” que englobam um conjunto de princípios, práticas, métodos com distintas abordagens e que por isso não há como falar em pedagogia feminista no singular. Neste projeto centramos atenção para a Pedagogia Feminista inserida na abordagem pós-estruturalista, na qual leva em consideração as estruturas de opressão e privilégios a nível individual e coletivo. Nesse sentido, o objetivo é aprofundar a reflexão e a análise, sobre a importância da formação política de mulheres baseadas na aplicação da pedagogia feminista em relação a construção da identidade feminista, construção de uma cultura política voltada para a ação coletiva. O campo de análise se concentrará nas mulheres que participaram do processo de formação política do Projeto Cirandas, realizado pelo SOS Corpo- Instituto Feminista para Democracia através do estudo documental existente no Instituto e das diversas bibliografias. E posteriormente com a realização de entrevistas semiestruturadas com as mulheres integrantes desse Projeto. Com base numa análise rápida do documento de Sistematização do Projeto Cirandas, no qual registra dois dias de Oficina com as mulheres com o objetivo de expor uma proposta de um livro escrito por elas contando a história e as lutas de cada grupo de mulheres e realização de dinâmicas de como contar uma história. Através da leitura desse material foi possível perceber que a maioria das mulheres ao se apresentarem e contarem um pouco da sua história, pelas suas posturas e ações já eram feministas, mas só após a entrada na militância e passarem por processo de formação política se reconheceram enquanto feministas. O que mostra a relevância da pedagogia feminista no processo de construção da identidade feminista e do seu reconhecimento. Apesar de não ter sido o foco da oficina refletir sobre a prática pedagógica utilizada - autorreflexão - foi possível identificar algumas características dessa prática na fala das mulheres, como por exemplo, a questão de falar sobre o que pensa sobre os mais diversos temas a partir das suas próprias experiências, ao mesmo tempo que esse processo de fala e reflexão são também influenciados pelas experiências das outras mulheres ajudando no processo de reconhecimento mútuo permitindo construir um processo de autonomia e empoderamento importantíssimo para a concepção da luta feminista não representativa, mas sim, coletiva. 32

Sendo assim, pretendo desenvolver criticamente essas questões no projeto de mestrado e assim contribuir para o campo de estudo dos movimentos sociais feministas e da pedagogia feminista. Palavras-chave: feminismo, educação popular, formação política

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LUTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS CAMPESINOS POR UMA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORAS(ES) DO CAMPO ESPECIFICA E DIFERENCIADA: UM ESTUDO A PARTIR OS DISPOSITIVOS LEGAIS

Isaias da Silva6 Janssen Felipe da Silva7 Resumo: Este artigo é fruto da pesquisa de iniciação cientifica- PIBIC, financiada pelo CNPq intitulada: Formação Continuada das(os) Professoras(es) das Escolas Localizadas nos Territórios Rurais do Município de Caruaru-PE. A referida investigação está sendo desenvolvida no Núcleo de Formação Docente do Centro Acadêmico do Agreste na Universidade Federal de Pernambuco – NFD/CAA/UFPE. Tem como foco, compreender que Perspectivas de Educação do Campo orientam a Formação Continuada das(os) professoras(es) que atuam nas escolas localizadas nos territórios rurais do Sistema de Ensino do Município de Caruaru-PE. Desse modo, propomos apresentar um recorte dessa pesquisa, focando a conquista dos Movimentos Sociais Campesinos, na luta por uma Educação no/do Campo, quando lutam por Dispositivos Legais que reconheçam a necessidade de pensarmos uma Educação voltada para a realidade dos povos campesinos. Nesse sentido, nos voltamos para a discussão de uma Formação Continuada de professoras(es) que atuam nas escolas do campo específica e diferenciada. Pontuamos que essa bandeira de luta é levantada pelos Movimentos Sociais do Campo (povos do campo). Assim, este texto presenta como objetivo geral: compreender o que dizem os Dispositivos Legais da Educação do Campo sobre Formação Continuada das(os) professoras(es) dos Territórios Rurais. Para tanto evidenciamos: a) identificar dentre os

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Graduando em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste / CAA-UFPE, Bolsista/PIBIC-CNPq. E-mail: [email protected] 7 Professor doutor, integrante do Núcleo de Formação Docente na Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste / CAA-UFPE. PPGEDUC- CAA/ PPGEDU-CE. Orientador. E-mail: [email protected]

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Dispositivos Legais que normatizam a Educação do Campo quais fazem menção sobre Formação Continuada das(os) Professoras(es); b) identificar e caracterizar os Tipos, os Sujeitos, os Princípios da Formação Continuada de professoras(es) descritas nos Dispositivos Legais. A lente teórica utilizada centra-se nos Estudos Pós-coloniais Latinoamericanos, enfocando os conceitos de Colonialização/Colonialismo, Racialização, Racionalização, Colonialidade e seus eixos: Poder, Saber, Ser e Natureza (QUIJANO, 2005; WALSH, 2008), Diferença Colonial, Pensamento de Fronteira, Desobediência Epistêmica (MIGNOLO, 2005), Interculturalidade e Educação Intercultural (WALSH, 2008; TUBINO, 2004, 2005). Nos debruçamos sobre as categorias teóricas: a) Educação do Campo, no que se refere os Paradigmas da Educação Rural Hegemônico e da Educação do Campo Crítico (ARROYO, 2012; CALDART, 2012; CARVALHO, FAUSTINO, 2012; FERNANDES, 2002; SILVA, TORRES, LEMOS, 2012; SILVA et al, 2014) e b) Formação Continuada de professoras(es) (SANTOS, 2014; ARROYO, 2010; SILVA, ALMEIDA, 2010). Esta pesquisa se insere na Abordagem Qualitativa, pois intencionamos aprofundar as relações entre os dados obtidos na investigação e seus significados (MINAYO, 2010). Assim, pontuamos que este estudo, pauta-se em uma Pesquisa Documental (GIL, 2006). Realizamos um levantamento dos Dispositivos Legais que normatizam a Educação do Campo a nível nacional, nos sites do Ministério de Educação (MEC) e Conselho Nacional de Educação (CNE). Nesta pesquisa fizemos uso da Análise de Conteúdo, via Análise Temática (BARDIN, 2011; VALA, 1990). A escolha das fontes de pesquisa obedeceu aos seguintes critérios trazidos por Bardin (2011): a regra da exaustividade; a regra da representatividade; a regra da homogeneidade e a regra da pertinência. As análises evidenciam a importância da mobilização/protagonismo dos Movimentos Sociais Campesinos na constituição dos mecanismos legais vigentes que delineiam a política específica e diferenciada para a educação escolar ofertada em territórios

campesinos.

Tais

reivindicações/mobilizações

visam

contestar

a

subalternização e o silenciamento que os povos do campo foram/são submetidos, pelo padrão de poder urbanocêntrico. Concluímos também que os Movimentos Sociais do Campo objetivam uma Formação Continuada especifica e diferenciada, rompendo com as amarras coloniais manifestada pela Colonialidade e seus eixos: do poder, saber, ser e 35

natureza. Os Dispositivos Legais advogam por uma perspectiva outra de Formação Continuada que reconhece e valida os povos/territórios como sujeitos epistêmicos. Nesse sentido, o processo formativo contínuo da(os) professoras(es) deve ser pensado dialogando com a realidade dos territórios campesinos. Assim, vislumbramos que os dispositivos legais mesmo advogando uma Formação Continuada de professores(es) específica e diferenciada que se estruture enquanto, um processo continuo que aconteça concomitantemente a atuação das(os) professoras(es), evidencia a necessidade dos povos do campo (Movimentos Sociais) lutarem para garantir uma Formação que reconheça as especificidades dos territórios campesinos. Palavras-chave: Formação Continuada; Dispositivos Legais; Movimentos Sociais Campesinos. Referências: ARROYO, M. G. Educação do Campo: Movimentos Sociais e Formação Docente. Revista Marco Social, Educação do Campo, Rio de Janeiro: Instituto Souza Cruz; Rio de Janeiro, RJ. v. 12, n. 12, jan. pp.12-15. Disponível em: http://www.marcosocial.com.br/sites/default/files/revista_marco_social_12.pdf Acesso em: 05 jul. 2015. ARROYO, M. G. Formação de Educadores do Campo. In: CALDART, R.S. et al. (org). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular. 2012.p.359-365. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. 1977. CALDART, R. S. Educação do Campo. In: CALDART, R.S. et al. (org). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular. 2012. p.257-26. CARVALHO, E. J. G. de; FAUSTINO, R. C. (org). Educação e Diversidade Cultural. 2. Ed., Maringá: Eduem. 2012 FERNANDES, B. M. Diretrizes de uma caminhada. In: KOLLING, E. J. et al. Educação do Campo: identidades e Políticas Públicas. Brasília: Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo. 2002. GIL, A. Ca. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Ed. Altas S.A. 2008. MIGNOLO, W. Cambiando las éticas y las políticas delconocimiento: la lógica de la colonialidade y la postcolonialidadad imperial. Revista Tristestópicos, Coimbra, 2005. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. – 12. ed. – São Paulo: Hucitec, 2010. 36

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MAB: Princípios freireanos para a ação transformadora. Autora: Fábia Roseana Souza Oliveira Faculdade Maurício de Nassau – Caruaru/PE [email protected]

Resumo O presente trabalho propõe uma analise sobre a formação política dos militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) frente ao modelo de sociedade vigente. Em especial busca analisar a formação dos militantes no contexto da matriz da educação popular e como cultivam um pensamento de caráter revolucionário e transformador na sociedade. No seu projeto político/pedagógico, o MAB defende a luta do povo e a transformação ideólogica dos seus integrantes, cultivando bandeiras de lutas alicerçadas pela Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire. Por tanto, busca a organização social como processo de luta e de libertação da classe popular, historicamente oprimida. Por isso, o protagonismo deste movimento está ligado à emancipação política e humana das pessoas atingidas, que tem seus direitos humanos violados. Para a construção do trabalho foi utilizado pesquisa bibliográfica e análise documental. Palavras chaves: MAB – Educação Popular – Formação política

MAB: Trajetória do movimento

O Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB oficialmente foi criado na década de 1970 no contexto da ditadura militar, pois nesse período houve restrição dos direitos civis e políticos. Entretanto, diversos segmentos da sociedade se mobilizaram contra o regime que se instalou no país. Movimentos de lutas, ligados aos setores populares como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o próprio Partido dos Trabalhadores (PT) foram criados nesse período de repressão, mas também de lutas sociais.

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A década de 70 foi marcada também pela primeira grande crise mundial do petróleo onde surgiu a necessidade de buscar novas fontes renováveis de energia, então os países que foram atingidos pela crise tiveram que encontrar uma nova fonte que substituísse o petróleo, com isso estudos apontaram que as gerações de energia renovavam seria a melhor alternativa para driblar a crise energética. Neste cenário, a empresa Eletrobrás passa a realizar estudos nos rios e bacias hidrográficas brasileiras para viabilizar a implantação de usinas hidroelétricas, ao mesmo tempo em que começa a construção das usinas os projetos para deslocamento das comunidades ribeirinhas são abandonados, entra em cheque a luta dessas pessoas por assentamentos dignos, pois a as comunidades que foram diretamente atingidas com as construções foram deslocada para áreas impróprias para habitação, não levando em consideração seus costumes e sua cultura. Assim acontece o processo de criação do Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB.

Posteriormente, na década de 1990 com o governo de Fernando Collor de Melo, seguido pelo governo Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso trouxeram uma avalanche de acontecimentos, entre eles a hegemonia do neoliberalismo e a onda de privatização, que consequentemente aumentou as desigualdades sociais, desemprego e o corte de gastos sociais. (MAB, 2002) De acordo com Anderson (1995, apud , SADER e GENTILLI) o modelo neoliberal trouxe inúmeras consequências para o pais:

[...] elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desempregos massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. (1995, p. 3) Com o avanço do modelo neoliberal com seu tripé de – focalização, privatização e descentralização – a energia passa a ser uma mercadoria com objetivação meramente da garantia do lucro, criminalizando e sucumbindo as reivindicações contra a implantação das hidroelétricas e luta pelos direitos dos atingidos que são violados. O setor energético 39

com sua política privatista e terceirizada tendo como mérito o lucro tende a precarizar o trabalho dos funcionários gerando índices alarmantes nesse setor e consequentemente ocasionando a morte de muitos, ou seja, as privatizações pioram e viola a qualidade de vida dos eletricitários. De tal forma, pode-se fazer uma interligação do início da articulação dos militantes com a hegemonia do capitalismo no Brasil, o que gera grandes mobilizações no setor rural na tentativa dos trabalhadores de se articular para lutar contra a égide neoliberal, do capitalismo excedente, sobretudo nas construções das hidroelétricas para atender as demandas de consumo da sociedade brasileira. Essa organização política dos trabalhadores dá início a criação do movimento social que levanta sua bandeira contra a ordem vigente e dominante no país. O processo de intensificação da industrialização (década de 70) abre as portas para a entrada de capital estrangeiro no país, gerando transformações não apenas de caráter econômico, mas também sociais e políticos. A participação popular nos processos de lutas, sobretudo, com a ação organizada dos movimentos sociais em busca de uma redemocratização dos direitos aponta possibilidade de transformação. (MAB, 2008) Os problemas do campo se tornaram mais visíveis a partir da ação dos movimentos sociais, como o MST e o MAB. As bandeiras de lutas defendidas por esses movimentos vão além de tentar romper com as conseqüências do capital e suas novas formas de ordenamentos econômicos e sociais. Neste sentido, a formação de um pensamento político dentro do MAB, com a proposta de organizar o povo para lutar e se articular contra todos os impactos emergentes deste novo cenário brasileiro, destaca três importantes instrumentos: formação, organização e luta. Assim, o movimento se organiza e cria programas políticopedagógicos com cursos de formação para os militantes com o objetivo de trabalhar uma processo de formação voltado a ação política na sociedade. (MAB, 2002)

A educação popular inserida no MAB

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A ótica da educação popular se entrelaça com a matriz pedagógica do MAB na perspectiva de propor uma prática educativa onde a coletividade possibilita aos seus sujeitos participantes, uma troca mutua de experiências, sejam elas adquiridas no seu cotidiano ou as que o sujeito adquire ao decorrer de vida. Em meados dos anos 40 nasce na América Latina as primeiras experiências a cerca da educação popular, porém com o objetivo de ser uma extensão da educação formal, voltada para a parcela população considerada oprimida, as quais estavam situadas nas periferias das cidades e na zona rural, essa proposta educativa limitava-se a cumprir o que era preconizado pela sociedade moderna . Paludo (2006, p.02) enfatiza o nascimento da educação popular em meio a América Latina, para ele: A origem mais ampla da Educação Popular (EP) está vinculada aos Movimentos Sociais Populares concretos de resistência do povo na América Latina. Ela nasce e se firma como teoria e práticas educativas alternativas às pedagogias e práticas tradicionais e liberais, vigentes em nossos países, que estavam a serviço da manutenção das estruturas de poder político, exploração da força de trabalho e domínio cultural. Por isso mesmo, nasce e constitui-se vinculada ao empoderamento organização e protagonismo dos trabalhadores do campo e da cidade, visando à transformação social. (Paludo, 2006, p.02) Paulo Freire, com o intuito de cultivar sua perspectiva ideológica e revolucionária em um método pedagógico eficaz, propondo uma transformação na realidade dos sujeitos. Buscando inspiração no povo nordestino,um povo rico culturalmente porém marginalizado pelas classes dominadoras. Toda essa riqueza cultural , fez com que Freire desenvolvesse um método capaz de fazer com que os sujeitos se tornassem atuantes, livres capazes de se tornar alunos e professores uns dos outros em uma troca mútua de conhecimento, indo de encontro a educação formal bancária. Com o período de pós guerra mundial fazia-se necessário propor princípios democráticos, ao mesmo tempo buscava-se a implementação das políticas de educação de base que não fosse limitada a alfabetização da população pobre , mais que também estivessem a serviço do ajustamento social no mundo moderno. (PEREIRA, 2010) 41

A educação popular tem uma proposta de transformação de realidade, porém que os responsáveis por essa transformação sejam os sujeitos, pois são eles que são os principais interessados na mudança social, política e ideológica da sociedade. Freire (1979) aponta que só será possível uma legitima transformação depois que os sujeitos passassem por um processo de conscientização , pois através dela que os sujeitos terão plena consciência de sua realidade, como ele destaca: A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação – reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico.É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece...’’ (FREIRE , 1979 , p. 15) A liberdade é um principio visto por Freire como sendo uma peça chave para a libertação do povo que vive uma emergente opressão pela classe dominadora, a opressão que faz o que o povo se acomode, o medo de assumir sua luta por liberdade faz com que os sujeitos se tornem indivíduos ameaçados e oprimidos , como mostra FREIRE (1988) : Os oprimidos, contudo, acomodados e adaptados, “imersos” na própria engrenagem da estrutura dominadora, temem a liberdade, enquanto não se sentem capazes de correr o risco de assumi-la.E a temem, também, na medida em que, lutar por ela, significa uma ameaça, não só aos que a usam para oprimir, como seus “proprietários” exclusivos, mas aos companheiros oprimidos, que se assustam com maiores repressões. Quando descobrem em si o anseio por libertar-se, percebem que este anseio somente se faz concretude na concretude de outros anseios.Enquanto tocados pelo medo da liberdade, se negam a apelar a outros e a escutar o apelo que se lhes faça ou que se tenham feito a si mesmos, preferindo a gregarização à convivência autêntica. Preferindo a 42

adaptação em que sua não liberdade os mantém à comunhão criadora, a que a liberdade leva, até mesmo quando ainda somente buscada. (FREIRE, 1988 , p. 22)

O sujeito liberto é um sujeito autentico, desalienados , ativos socialmente capazes de serem agentes transformadores de uma nova realidade. FREIRE (1988) aponta que o processo de libertação é semelhante um nascimento pois enquanto o sujeito é oprimido ele está prezo aquela realide , sem perspectiva de melhora, porém quando ele se torna um sujeito livre se assemelha a um nascimento, social , político e ideológico, por isso não basta ser livre , é necessário que o sujeito se entregue a práxis libertadora. Com tudo Freire destaca : A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela, superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. (FREIRE, 1988 , p. 22) Em meados dos anos 50 uma discussão foi levantada. Questionava-se o modelo de educação o qual era oferecido às classes populares, e começou a evidenciar-se a medida que os educadores questionavam as práticas educativas que estavam sendo adotadas na educação de Jovens e Adultos – EJA. Com tudo as campanhas educativas, adquiriram novos contornos, pois os educadores estavam verdadeiramente preocupados com o nível da consciência critica que estavam sendo apresentadas aos educandos. Tendo em vista toda a preocupação que rodeava os educadores, no final da década de 50 foi realizado o II Congresso Nacional de Educação que se tornou um momento onde os participantes eram convidados a refletir sobre a necessidade de uma autenticidade e compromisso com a formação da consciência critica que estava sendo construída, fundamentada nas práticas Freireanas que serviram de referência para o desenvolvimento de um processo educativo onde o objetivo principal era formar homens construtores e protagonistas de sua existência humana. As experiências Freireanas na cidade de Recife – PE foram muito promissoras e revolucionárias como mostra PEREIRA (2013): 43

As experiências educativas desenvolvidas por Paulo Freire a partir de 1955 em Recife no SESI (Serviço Social da Indústria), no MCP (Movimento de Cultura Popular) e no Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento das suas formulações teóricas acerca da concepção da prática educativa à serviço da libertação dos oprimidos. A sua atuação no SESI consistiu num trabalho de integração entre pais, dirigentes e alunos da instituição. Estas experiências provocaram questionamentos em relação à prática educativa e a preocupação em construir estratégias de ação que possibilitassem o diálogo entre o conhecimento sistematizado e as experiências do contexto sóciohistórico e cultural das classes populares. (PEREIRA, 2013)

Ainda na cidade do Recife , já na década de 1960 , sob a administração do então prefeito Miguel Arraes, contando com a iniciativa de artistas, intelectuais e estudantes universitários foi criado o Movimento de Cultura Popular do Recife – MCP, que trazia consigo uma proposta inovadora, seu objetivo era conscientizar a população Recifense através da alfabetização e da educação de base totalmente ligada a educação popular.não a dúvidas a cerca da importância do MCP para a cultura popular como sendo um instrumento que a educação popular usou para promover a cultura do povo e assim instruir a população a uma formação crítica do povo, além desse período ter sido determinante para a construção e consolidação do método de alfabetização Freireana como mostra PEREIRA (2013): Foi um período marcante para o exercício da educação popular, que defendia nos seus princípios a formação crítica através da promoção da cultura do povo, envolvendo trabalho intelectual como instrumento de sistematização das experiências populares. Este período fértil de cultura e de educação popular também foi o tempo de construção e consolidação do método de alfabetização de Paulo Freire, que consistiu na elaboração de uma proposta de alfabetização a ser realizada em curto período de tempo, inovadora e barata, voltada para adultos das classes populares. PEREIRA (2013, p. 90-91)

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O caráter da educação popular é um caráter político que atribui ao o homem a capacidade de compreensão crítica para analisar e tomar decisões interligadas ao seu engajamento político na sociedade, por isso faz parte da matriz pedagógica do Movimento dos Atingidos por Barragens, pois os militantes precisam obter esse caráter critico que a educação popular transmite, e através da perspectiva revolucionária e com isso lutar por uma sociedade igualitária, promovendo uma revolução social transformadora , para chegarmos a uma emancipação humana. A utopia da emancipação humana só é possível através de uma prática educativopolítica eficaz, promissora e ilimitada, como destaca Freire (1995, apud , PEREIRA, 2013): Não posso reconhecer os limites da prática educativo-política em que me envolvo se não sei, se não estou claro em face de a favor de quem pratico. O a favor de quem pratico me situa num certo ângulo, que é de classe, em que diviso o contra quem pratico e, necessariamente, o porquê pratico, isto é, o próprio sonho, o tipo de sociedade de cuja invenção gostaria de participar (1995, p. 47). Com o eixo principal de instauração de uma educação que tem como objetivo defender e incentivar o posicionamento do adulto não alfabetizado no meio social e político em que ele vive, ou seja, no seu contexto real, o MAB trás a educação popular como uma coluna que embasa, encoraja e capacita seus militantes, levando-os a fortalecer a perspectiva libertadora e humanizadora do movimentos que foram trazidas por Paulo Freire. Corrêa (2007) estudando os processos educativos do MAB, destaca que a pedagogia dos povos atingidos trás uma perspectiva de que o conhecimento do mundo é primordial para solidificação das ideologias e bandeiras de luta do movimento, além de dar ao militante um protagonismo de trabalhado em cada militante, fazendo com que haja conquistas e possibilidades de transformação societária. Com isso, é possível afirmar que a pedagogia do MAB trás um caráter reivindicatório a cerca de direitos e de novos caminhos para uma base societária solidificada que atenda a realidade exposta pela luta dos atingidos. Para Corrêa (2007) é necessário entender: 45

[...]importância da Pedagogia do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB-NORTE), para a construção de caminhos de educação e desenvolvimento territorial do campo na região, que expressem novas territorialidades de inclusão, de sustentabilidade e de multiculturalidade. (2007, p. 41) Dentro da lógica dos movimentos soicais na América Latina é necessário que haja uma percepção de que uma educação que tem como sua base, o autoritarismo onde a totalidade dos indivíduos é expressamente negada, onde o individuo é transformado em coisa, essa educação não trás edificação e sim alienação, pois é negada o seu saber, sua cultura ,seu existir e sua condição de ser humano. As experiências trazidas pela educação dentro do MAB é uma vivência real, comprovando que a práxis freireana é eficaz e promissora. Correa( 2007) relata a experiência que ocorre na cidade de Tucuruí - PA, onde MAB possui um projeto pedagógico em conjunto com o Ministério de Educação e o Ministério de Minas e Energia com mediação do consócio Eletronorte. A autor assevera que o primeiro projeto de AJA do MAB aprovado foi em 2004 e posteriormente, no final de 2005 foi aprovado o segundo projeto e ao decorrer do ano de 2006, o qual foi tomado por referência

[...] Esta pesquisa conta com (07) sete sujeitos21, sendo: um (01) diretor-coordenador geral da regional Norte do Movimento; um (01) coordenador, vinculados ao Coletivo de Educação do MABNORTE; dois (02) formadores/as; uma (01) alfabetizadora; e dois (02) educandos. A escolha desses sujeitos seguiu o critério de participação em níveis diferenciados do processo educativo do Movimento, a fim de poder captar melhor, diversa e amplamente os saberes e representações sociais dos diversos sujeitos presentes no processo educativo. A escolha desses sujeitos tomou como base os critérios de: gênero, étnico, geracional e tempo de vivência no processo educativo do Movimento. (CORREA, 2007 p.43) As práticas educativas desenvolvidas dentro do movimento, busca fortalecer uma ideologia política, tendo como referencial a educação popular e contribuindo para uma 46

organização coletiva efetiva, visando a formação de sujeitos críticos e que lutem por de fato uma emancipação humana onde haja de fato

uma sociedade sem opressão e

igualitária.

A formação política e suas finalidades no mundo capitalista

A formação política dos militantes do MAB se dá no contexto histórico de privatização e égide do capital, onde as ideologias difundem-se em um processo de luta dos atingidos contra o modelo de sociedade vigente.O MAB dispõe de uma estrutura organizacional para garantir a efetividade da sua luta a nível nacional, por isto, existem grupos de bases distribuídas por todo o Brasil que garantem a existência e a divulgação do movimento. Estes grupos são o alicerce, a força e a organização do movimento, que existe para esclarecer, alertar e mobilizar as pessoas, atingidas ou não pelas barragens, para a luta a favor dos direitos da população. Os militantes do MAB em sua maioria são aqueles que moram nas comunidades atingidas e estão dispostos a lutar pela causa, famílias que são atingidas diretamente ou todos aqueles que dependem economicamente da comunidade atingida para viver ou do próprio rio. O processo de formação de liderança política dos militantes é feito a partir da orientação da igreja católica (CPT- Comissão Pastoral da Terra) e Luterana, atuação das escolas sindicais, formação técnica e política, visando a implantação da estratégia do Movimento. As influencias religiosas estão presentes no movimento através de símbolos, das caminhadas pela libertação e rituais que marcam as ações dos atingidos e posteriormente fez com que o sindicalismo fosse incorporado para organização do MAB. Este processo é marcado pela necessidade de organização, visando a construção de uma nova sociedade, como destaca Ferreira (2012): O processo de formação estava estruturado em cursos de finais de semana, dispersos, sem continuidade a médio e longo prazo. Os temas trabalhados tinham como foco a exploração e o domínio do capital sobre a sociedade junto com a necessidade de organização dos povos oprimidos para combatê-lo, uma vez que visavam à construção de uma nova sociedade. (FERREIRA, 2012, p.134) 47

A década de 1980 foi um período onde o sindicalismo teve grande influencia na formação políticas dos atingidos, surgem os cursos oferecidos para os já militantes, lá debatiam temas como o modelo social vigente e forma de atuação frente às organizações sociais. Nos anos seguintes, o eixo de debate se expande e a formação política se embasa em formações técnicas, para os militantes frente as mobilizações sociais que tivessem conhecimento político e ideológico. A partir deste momento, os militantes se aprofundam na literatura de Marx para a formação de um pensamento que compreendesse a realidade e buscando se inserir nas discussões do novo mundo para a implementação de um projeto popular. FERREIRA (2012) pontua que:

[...] a realidade dos atingidos por barragens exige mudanças sociais de base, necessárias não apenas para o desenvolvimento do campo, mas da sociedade brasileira, o MAB (2005) identificou a necessidade de criar espaços de educação próprios, nos quais as lutas organizadas pelo Movimento fossem ressignificadas em estudos e reflexões que possibilitassem, além da construção da consciência de classe, que os atingidos pudessem recuperar a humanidade que lhes foi roubada com a subida as águas das barragens. (FERREIRA, 2012, p.136) O MAB ao buscar construir um espaço para educação dos militantes, afirma que é necessário assumir um papel social que enfrente a cultura dominante, servindo como instrumento não meramente para compreender o modelo vigente, mas que garanta o acesso a informações e conhecimentos para enfatizar um novo modo de percepção em busca de um projeto social que vigore os direitos dos atingidos. Dentro do MAB existem princípios norteadores de condutas para organizar e orientar a vida dos atingidos, são ele: 1) dignidade e protagonismo; 2) organização nacional; 3) elaboração de um modelo energético alternativo e popular; 4) direção coletiva; 5) articulação política e solidariedade; 6) orientação socialista; 7) auto-sustentação financeira; 8) avaliação e planejamento permanente. Estes princípios sustentam a ideologia política aos militantes e aos grupos de bases. Nesta direção, os processos de 48

formação política elevam a consciência dos militantes e tornam enfáticas as estratégias e programas para garantir a permanência do movimento a nível nacional. O movimento preconiza que é de fundamental importância o conhecimento ideológico da militância, baseados na perspectiva marxista para compreender, agir e transformar a realidade a qual estão inseridos. Então, para que haja uma consolidação de idéias a curto, médio e a longo prazo o MAB aponta objetivos que deverão ser seguidos para concretização da mobilização, são eles: 1) fortalecer a luta do movimento enquanto parte da classe trabalhadora; 2) formar militantes com clareza da estratégia do movimento e com capacidade de ação na tática; 3) ter presente valores socialistas; 4) criar as condições para fortalecer a consciência de classe; 5) criar pertença ao MAB e compromisso com a luta da classe; 6) contribuir na unidade ideológica do MAB; 7) proporcionar espaços de formação para a juventude; e 8) realizar estudos de temas que contribuam no caráter ideológico e político individual e coletivo das pessoas (MAB, 2009). A partir desses objetivos e princípios o movimento propõe construir uma consciência coletiva enraizados no desejo de transformação e implantação de uma hegemonia que leve em consideração a sociedade civil, construindo uma identidade política a cada militante. É na formação política que o MAB transforma o pensamento e desejo individual em uma identidade coletiva. Dentro do movimento existem ainda as atividades para a formação dos militantes proporcionando a ampliação do conhecimento da realidade entre os participantes das atividades de formação. Entendendo que a emancipação política é a chave para a emancipação humana, os militantes se engajam para lutar conscientemente para que seja efetivado os direitos a favor dos atingidos e que estes direitos por sua vez sejam concretizados na vida real para os que sofrem com o atual modelo social e suas consequências. Um marco para o processo de formação política do MAB é quando os militantes passam a elabora cartilhas preparatórias para as atividades e ações o que enfatiza a busca por qualificar os conhecimentos sobre os temas dos debates.

Considerações finais 49

Apesar de o modelo econômico vigente tentar desmobilizar os movimentos sociais, é notório que o MAB consegue se articular para enfrentar os problemas sociais e lutar pela democratização dos direitos, a partir de uma compreensão crítica da exploração do capitalismo na égide da globalização os militantes ampliam seus conhecimentos com um plano de formação política que organize o povo ao propósito de juntar forças visando à construção de uma sociedade democrática. Neste sentido, o MAB passou a se dedicar a formação de sujeitos políticos com iniciativas de autoconsciência e organização dos militantes. Segundo Ferreira (2012, p.124) “nesse processo de formação, o MAB ao formar, também foi se formando à medida que os atingidos por barragens passavam por diferentes graus de consciência política coletiva” No processo de formação dos militantes, nota-se a importância e a necessidade de entender e se articular ao processo de luta contra a expansão do capitalismo e a transformação da energia em uma mercadoria. Desta forma, o movimento objetiva a construção de uma consciência de sujeitos ativos, capazes de se mobilizar na sociedade civil e não apenas como meras vitimas do sistema. Com essa nova postura do MAB, a formação política dos militantes tem como base o tripé: organização – formação e luta. O amadurecimento político do MAB está interligado com a conscientização dos atingidos quanto cidadão de direitos a partir de uma educação própria do movimento social no momento de capacitação dos sujeitos. A intencionalidade da formação política do MAB assumiu a necessidade de construção de um projeto social transformador tendo como protagonistas o saber do povo, podemos dizer que os militantes construíram uma força contra os princípios impostos pelo moderno modo de produção, possibilitando a construção enquanto grupo social e coletividade, baseados em valores socialistas. Para conseguir concretizar e efetivar os diretos dos atingidos é preciso que o MAB, enquanto pensamento político, considere a educação como base à luta entre as classes sociais e como um processo permanente de formação/transformação humana.

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MEMÓRIAS

DE

MULHERES

PARTICIPANTES

NO

MOVIMENTO

ESTUDANTIL NA DÉCADA DE 1990: GÊNERO E HISTÓRIA ORAL Palavras- chave: Memória Social, História Oral e Gênero . Mayris de Paula Silva8 Viviane Melo de Mendonça9 A pesquisa teve como objetivo um estudo teórico sobre a memória social e a metodologia de história oral. Essa análise entendeu a mulher como sujeito histórico, político e social por meio dos relatos de memória que as apresentaram como atuantes no movimento estudantil, na universidade e em outros espaços denominados como hierarquicamente “espaços masculinos”. As principais referências para o desenvolvimento desse trabalho foram os estudos feministas, estudos de gênero e autores como Joan Scott, Michel Foucault, e autoras que compreendem seus estudos entre mulheres/gênero e história oral como Daphne Patai, Guacira Lopes Louro e Ecléa Bosi com abordagem pela memória social. A narrativa e a oralidade feminina não eram valorizadas histórica e publicamente. A mulher era destinada somente ao espaço privado. A metodologia utilizada para o estudo das memórias sociais foi a de História Oral Temática composta por vários temas e faz um recorte que delimita os temas a serem abordados, possui um roteiro e a memória direciona os fatos de real importância para o sujeito ao contar sua história. Essa pesquisa é qualitativa que de forma expressiva e coerente aborda as histórias, memórias femininas, biografias narradas por mulheres em seu movimento e que transformam suas histórias pessoais. A história oral, como metodologia tem o trabalho de recuperar a relação sujeitohistória- política, relação essa vivenciada também pelas minorias, antes pouco utilizada por se tratar das relações subjetivas que os sujeitos estabelecem com o mundo, muitas vezes somente investigada na esfera do privado. A tensão criada entre privado e o público, abre espaço ás discussões da memória que essa metodologia apresenta como base da construção das subjetividades dos sujeitos a partir de suas experiências vividas em um

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Graduada em Pedagogia e mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos- campus Sorocaba. E-mail: [email protected] 9

Professora Associada do Departamento de Ciências Humanas e Educação e da Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos- campus Sorocaba. E- mail: [email protected]

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determinado momento (espaço/ histórico) e ao contar suas histórias faz se o resgate do significativo guardado em suas lembranças. A história oral não supõe a busca de verdades para serem referenciadas com a história oficial. A grandeza de seu caminho está em apresentar como a história é significada e dá significado ao sujeito. Nesse sentido, a narrativa e memória tornam- se história. As narrativas adquirem forma ao serem relatadas, contadas e lembradas, faz relação com o tempo, não por acidente, mas por estarem alinhadas as vivências históricas dos sujeitos. Nesse estudo se ressalta a importância da memória e da oralidade feminina para a compreensão das relações de gênero presentes no movimento estudantil na perspectiva da memória, estudos feministas e de gênero. Foram realizadas quatro entrevistas com mulheres, entre 18 e 23 anos, atuantes no movimento estudantil, residentes no Estado de São Paulo. A metodologia permitiu vislumbrar uma série de possibilidades contidas em suas histórias. Os temas foram direcionados de maneira que compreendeu de que modo às temáticas feministas e de gênero entraram no movimento estudantil, bem como que a memória social das mulheres desvela sua participação nesses espaços que são marcados pela atuação masculina e outro tema que esteve imbuído em seus relatos, quais as trajetórias da educação política que estas mulheres percorreram na universidade. As histórias relatadas nessa pesquisa se organizaram nos seguintes temas como participação, gênero e educação. As histórias centraram- se nos seguintes tópicos a) Contexto politico e econômico da década de 1990, o pós- ditadura, a expansão das políticas neoliberais no sistema educacional brasileiro, o sucateamento das universidades públicas em detrimento da política neoliberal de ampliação das universidades privadas; b) O movimento estudantil brasileiro e a participação dos partidos políticos em sua formação; c) A mulher no movimento estudantil, na política e em espaços públicos. Esse trabalho de memória individual e coletiva ao mesmo tempo, desvela cada história como única e verdadeira, e todas as histórias assinaladas por um plano público e político são marcadas por essas experiências pessoais e coletivas e se constroem da maneira como se apresenta o movimento estudantil e como essas transformações aconteceram de modo prático em suas subjetividades. Concluiu- se em todos os relatos referentes à participação da mulher no movimento estudantil brasileiro da década de 1990, revela-se como um espaço masculinizado e 54

hierarquizado. Temas relacionados às questões de gênero, não tinham sido considerados relevantes nas discussões políticas dentro do movimento estudantil e na educação universitária. A memória social dessas mulheres traz suas experiências femininas e fazem o caminho de forma subjetiva e prática, como mulheres atuantes nos espaços políticos e públicos de maneira a subverter a opressão.

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“MENINOS DO SOL” O RESGATE DA CIDADANIA ATRAVÉS DE PRÁTICAS CULTURAIS Palavras-chave: Movimentos sociais, crianças em situação de rua, cultura. SANTOS, Naially Sabrine10 Esse artigo compreende um estudo realizado no movimento social GAMR – Grupo de Apoio à Meninos de Rua, em Gravatá – PE que realiza ações educativas e de reintegração social utilizando meios culturais em trabalho pedagógicos, com a finalidade em desenvolver habilidades artísticas e educativas em crianças e adolescentes que se encontram em situação de rua na cidade. O GAMR traz ao longo de vinte e quatro anos uma experiência bem sucedida de educação para crianças e adolescentes que vivem em situação de rua, através da cultura se tornou possível um acesso mais eficaz da criança/adolescente em se reconhecer como cidadão portador de direitos e deveres e como um ser transformador de sua realidade. Preocupada com a situação das crianças e jovens da região. Crianças exercendo funções não provenientes a elas, trabalhos ilícitos e sofrendo violência nas ruas, crianças essas que deveriam estar exercendo seu papel de cidadãos estudando e se desenvolvendo assim como assegura o Ministério Público, mas, no entanto, estão a cada dia se distanciando da sua infância e cidadania, perdendo oportunidades únicas de terem um desenvolvimento pleno. Inquieta com essas questões a organização adota como metodologia a contribuição do trabalho pedagógico com a cultura popular na identificação da cidadania. Com o resgate da cultura local, seu trabalho e estudo, se tornam um forte aliado nessa jornada da reformulação da cidadania. Como são crianças/adolescentes em situação de rua, onde muitos não tiveram oportunidade de ter seu desenvolvimento infantil da forma mais adequada, sendo restringindo da formação de sua identidade de criança, sem alguma ou nenhuma perspectiva de desenvolvimento pelo e sadio em sua fase da vida importante

10

Pedagoga pela UFPE/CAA [email protected]

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para a base de uma boa convivência social, esse aspecto desenvolvido juntamente com a cultura traz com força a questão dos valores pertinentes para a sociedade. A proposta geral que orienta esse estudo é conhecer o modo de como a cultura pode ser trabalhada pedagogicamente para a contribuição da concepção da cidadania em crianças e adolescente em situação de rua e subsequente identificar os principais desafios em incluir os meninos e meninas em situação de rua sociedade, analisar as principais dificuldades em desenvolver a consciência da cidadania em meninos e meninas em situação de rua, analisar a contribuição do trabalho pedagógico com a cultura popular na construção da identidade. Um estudo centrado no foco explicativo e exploratório, com os dados coletados através de entrevistas, observações e diário de campo, foram organizados e estudados segundo o método de Análise de Conteúdo e os preceitos do método do Caso Alargado. Na análise foi possível estabelecer uma ligação dialética constituída pelo movimento dos seus atores sociais junto com a proposta pedagógica oferecida pela ONG e sua contribuição para a vida de cada sujeito atendido pela organização e sua representação na sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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“NÃO SE NASCE MULHER, TORNA-SE MULHER11”: UM OLHAR REFLEXIVO PARA O PROCESSO DE EMPODERAMENTO DAS MULHERES À LUZ DOS ESTUDOS FEMINISTAS Marciano Antonio da Silva12 Vanusa do Nascimento Feitosa13 RESUMO: O presente artigo busca refletir acerca das principais contribuições do movimento feminista no processo de empoderamento das mulheres, entendendo que estas foram historicamente inferiorizadas, subalternizadas e silenciadas, tendo seus direitos negados nos diversos espaços. Dessa maneira, entendemos que na medida em que denunciam as ações que ferem com a integridade da(s) mulher(es), o movimento feminista traz para o campo social um debate acerca daquela(s) que foram historicamente invisibilizadas, oprimidas e que tiveram seus direitos negados na conjuntura social, política, visto que a lógica patriarcal restringiu e direcionou papéis e espaços específicos para as mesmas. Louro (1997) retrata que “Tornar visível aquela que fora ocultada foi o grande objetivo das estudiosas feministas desses primeiros tempos” (LOURO, 1997, p.17). Neste sentido, acreditamos que pensar as questões que emergem acerca do movimento feminista é imprescindível para que assim possamos compreender como se configurou todo o percurso das mulheres na sociedade até chegar os dias de hoje, atentando que esse processo foi marcado principalmente pela denúncia e resistência feminista diante das categorizações machistas e patriarcais colocadas ao longo da história. Para tanto, embasado nas teorizações postas por Louro (1997), Teles (1997), Gaspari (2003) e Beauvier (1970) trazemos algumas reflexões acerca das questões que permeia o campo do movimento feminista. Elencamos como objetivo geral do nosso trabalho: Compreender as principais contribuições das teorias feministas no processo de

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A frase mais conhecida da obra de Simone de Beauvier “O Segundo Sexo”, e que se tornou uma das frases de maior representatividade do enfoque que movimento feminista apresentava na época. 12 Graduando em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco. Email: [email protected] 13 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco.Email:[email protected]

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empoderamento das mulheres. Quanto à metodologia utilizada, dialogando com Gil (2008) e Severino (2007), trazemos uma abordagem do tipo qualitativa, pois compreendemos que tal abordagem nos possibilita uma compreensão acerca do nosso objeto de pesquisa, assim como também nos utilizamos de procedimentos da pesquisa bibliográfica. Mediante o desenvolvimento do nosso trabalho, percebemos que imerso nas lutas travadas no decorrer do processo histórico o movimento feminista enquanto organização liderada por mulheres que não aceitavam as condições que lhe eram impostas, as formas de submissão e opressões recebidas, passaram a denunciar as relações de patriarcado que cooperavam para a subalternização da(s) mulher(es), na medida em que legitimavam diversos estereótipos que atuavam na construção de uma representação errônea das mesmas. Dessa maneira, a partir do desenvolvimento de suas respectivas ações, o movimento feminista enquanto categoria de luta e reivindicação pelos direitos da(s) mulher(es), caracteriza-se em particular pelo seu processo nas construções críticas e reflexivas de sua própria teoria, o que influenciou não só a história do próprio movimento como também a crescente necessidade de se repensar as relações de natureza social e histórica. Assim, a partir dos avanços alcançados e das lutas desencadeadas pelo movimento feminista, diversas conquistas foram obtidas, o que evidenciou novas abordagens em torno de questões que implicavam diretamente na luta travada pelas feministas. Louro (1997) destaca que o movimento feminista “[...] além das preocupações sociais e políticas irá se voltar para as construções propriamente teóricas” (LOURO, 1997, p.15). Sendo assim, percebemos que o respectivo movimento ultrapassa o campo prático que consiste principalmente nas denúncias e manifestações diante das desigualdades sofridas e chega ao campo teórico, o qual é pensado enquanto instrumento para capacitar e empoderar as mulheres, pois percebe-se a necessidade de problematizar as construções que foram socialmente construídas e legitimadas como sendo verdades universais, assim como trazer tais problematizações para os espaços acadêmicos, visto que esses foram historicamente negados o acesso às mulheres. Sendo assim, entendemos que o processo de empoderamento se dá na medida em que as mulheres se reconhecem como possuidoras de uma identidade própria e legitima, fazendo-as se (re)conhecer enquanto sujeito de direito, tendo enquanto princípio sua liberdade e autonomia feminina. 60

Para tanto, tal processo de empoderamento evidencia a resistência mediante as atitudes preconceituosas que estão atreladas por estereótipos negativos que foram socialmente construídos, por compreender que tais mecanismos são legitimadores da cultura machista e patriarcal e que cooperam para sua subalternização, silenciamento e opressão.

Palavras-chave: Movimento Feminista. Mulher(es). Empoderamento.

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Valéria

Leoni.

A

importância

da

mulher.

Disponível

em Acesso em 11 de agosto de 2015. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007. TELLES, V. Direitos Sociais: Afinal de que se trata? USP. São Paulo, 1996. Disponível em



Acesso em 11 agosto de 2015.

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O 'OUTRO' COMO SUJEITO GERADOR: AXIOMAS EPISTEMOLÓGICOS DA EXPERIÊNCIA DO NÚCLEO DE PESQUISA OUTRAS ECONOMIAS Cristiano de França Lima14

Resumo:

Entender a configuração de práxis pedagógicas em desenvolvimento, fora do âmbito da escolaridade, coloca-nos diante das complexidades dos processos educacionais que se preocupam em não reduzir o social ao empírico objetivável, bem como em escapar dos modelos duais modernos de leitura e interpretação da realidade (ciência/senso comum;

sujeito/objeto;

avançado/primitivo;

desenvolvido/subdesenvolvido;

emoção/racionalidade; centro/periferia; eludido/popular etc.). O presente trabalho analisará a experiência e vivência de pesquisadores e estudantes pertencentes ao Núcleo de Pesquisa Outras Economias (NOEs) na sua dinâmica de pesquisa, estudo e ações, buscando compreender as complexidades desta e os seus principais axiomas epistemológicos. O fato deste núcleo se posicionar, no que podemos chamar de entrelugares, por habitar em um 'território de fronteiras', ou seja, constituir-se organicamente em uma cooperativa e, ao mesmo tempo, em uma universidade, leva-me a recorrer ao conceito de “desconstrução” do filósofo Jacques Derrida, como caminho para empreender um sistema de pensamento sempre aberto, que não se sedimenta em uma fórmula ou em um método. Por isto, o esmero de não esboçar, no escopo deste trabalho, categorias e conceitos fechados e que revistam-se de uma tentativa totalizante e unificadora de explicar o que está em exercício, em experimentação, em vivência por aqueles pesquisadores e estudantes. É assim que a reflexão que será tecida, se apoiará, entre outros, no pensamento do autor mencionado, pois para ele, o real sempre escapa a qualquer conceitualização. 14 Professor Substituto da Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa Outras Econominas/LATOS/UFF. Doutor em Sociologia. E-mail: [email protected]

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Adentrar na experiência do NOEs coloca-nos a exigência de despir-nos da ideologia tão em voga na contemporaneidade: “o outro só é aceitável enquanto se submete à imagem de todo que é introjetada; o outro que interroga e desestabiliza é abominável” (FILHO, 2014, p. 34). O 'outro' na dinâmica deste núcleo, evade-se de um simples pronome indefinido, para ganhar definições, perfis, identidades e reconhecimento enquanto singularidade em interação (coexistência) com a multiplicidade de singularidades. Há, portanto, uma disposição ao outro: “a abertura aos outros e sentir os efeitos provocados por eles em nós” (NOEs, 2012, p.8). Partindo dessa premissa, põe-se em curso uma “pedagogia da(s) pluralidade(s)” (FRANÇA LIMA, 2014) que além de assentar-se naquela disposição, requisita uma sensibilidade e abertura à outras epistemologias do ver, julgar e agir “com” este outro indivíduo-sujeito. Tal pedagogia pressupõe o conhecimento produzido a partir da subjetividade para entender a realidade pela sensibilidade. Não se trata, aqui, do reconhecimento da superioridade de uma forma de conhecer em relação a(s) outra(s), antes em reconhecer a particularidade de cada uma. Logo, ao que parece, no interior da dinâmica de ser/estar do NOEs falar de ciência, enquanto forma de conhecer, só tem sentido no plural, não no singular. A pedagogia da(s) pluralidade(s), pela qual o NOEs tem vindo a se (con)formar enquanto sujeito de saber em movimento entrelugares, fundamenta-se em quatro pilares: a experiência, a circularidade, a pluralidade e o aprender/fazer juntos. Estes podem ser delineados na própria vivência dos seus membros no 'fazer conhecer' a realidade que os cerca, bem como nos princípios que balizam a forma de ser/estar enquanto coletivo 'entre' o movimento social e a universidade. Partindo do pilar da experiência, é possível identificar uma premissa no 'fazer conhecer' do núcleo: a sensibilidade como uma possibilidade humana de reflexão sobre a realidade, sobre o outro. É neste prisma que é possível entender, logo na missão do núcleo, descrita em seus princípios, o uso da palavra amor – “tem como objetivo a transformação social através da construção de relações entre as pessoas e de formas de organização pautadas por valores que caminham na direção do amor...” (NOEs, 2012, p.5). Na lógica da pedagogia da(s) pluralidade(s), é possível conjeturar, o amor não se refere

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simplesmente a um comportamento sentimental, antes uma forma inteligível da realidade, da vida, do mundo, do outro. Tal 'fazer conhecer' pleiteia a revisão e problematização do papel do pesquisador, (con)formado numa narrativa totalizante e universalizante da ciência moderna. Este, na dinâmica e vivência daquele núcleo, tem como exigência e desafio de reconhecer o outro como si mesmo, enquanto sujeito gerador de conhecimento, bem como, de questionamentos sobre a própria prática e ação da pesquisa científica. Será possível pressupor que o NOEs, habitando um entrelugares, coloca em exercício uma forma de pensar/conhecer que busca viver entre lógicas e dinâmicas diferentes? O intento de esboçar possíveis respostas a esta indagação, e ao fazer jus à dinâmica do núcleo, levou-me a optar pela utilização de Metodologias não Convencionais (MnC) “que visam propiciar a produção do conhecimento interativo; que pretendem valorizar as competências reais dos sujeitos envolvidos em cada processo” (GIANNELLA, 2009, p.14). Ao utilizar as MnC, poderei empreender a análise dos relatos portadores de experiência do grupo de estudantes – localizado na cidade de Vitória de Santo Antão, zona da mata pernambucana – vinculado ao NOEs, como fonte privilegiada de saber sobre o mundo social que o cerca.

Palavras-chave: NOEs, Sujeito Gerador, Pedagogia(s) da(s) Pluralidade(s).

Referências bibliográficas

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POR UM OLHAR TRANSDISCIPLINAR DO MOVIMENTO FEMINISTA: O HOMEM COMO TERCEIRO TERMO INCLUÍDO. Grasiela Augusta Morais Pereira de Carvalho15

Resumo: A redução do complexo ao simples é uma afronta à diversidade e uma negação ao tecido de acontecimentos, tornando-nos o que Edgar Morin (1991) chamava de seres de inteligibilidade cega. A transdisciplinariedade seria o que dissolve e opera sobre os discursos homogeneizantes realizando suas modificações na ciência a cultura (SANTOS, 2005). Neste contexto de transgressão, o pensamento feminista atua em prol da ruptura do paradigmas dominante dos espaços sociais (privado/reprodutor e público/produtor) estabelecidos para os gêneros (masculino/feminino), sobre a lógica que as limitações impostas aos sexos e as posições de cada gênero eram, eminentemente, uma construção cultural. A concepção do movimento feminista, diante de sua complexidade, exige, pois, um olhar integrado entre disciplinas, “em que a transgressão da disciplina, a transdisciplina-ridade, possa compreender os fenômenos sem o limite disciplinar” (NETO, 2010, p.31). Desta forma, restam absolutamente evidentes os novos e funcionais contornos que a associação do feminismo com o pensamento transdisciplinar podem fazer surgir. Porém, como se verá adiante, o que se propõe é, à medida da transdisciplinariedade, superar os limites dos debates que se desenvolvem no âmbito dos estudos de gênero, propondo um novo olhar sobre a(s) masculinidade(s) e, ainda, tornar evidentes os pontos em comum entre os homens, transdiciplinariedade e movimento feminista. Resta claro que “a participação das mulheres no campo do trabalho, do avanço da tecnologia no campo da sexualidade, da pluralidade de papéis e identidades sexuais, da redefinição do papel de pai, da maior preocupação com o corpo e com a estética” (PERETTI; NOGOSEKE; SOUZA, 2011, p.4) operaram como causas para a operacionalização da crise do ser masculino. A quebra do paradigma de que apenas 15

Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), Mestranda do Curso de PósGraduação em Educação, Culturas e Identidades (PPGECI) ([email protected]).

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haveria um jeito de ser homem ou ser mulher habilita a dinâmica fundada na multiplicidade de formas de ser e existir. Assim, o feminismo possibilitava a abertura do campo das subjetividades e identidades também da masculinidade. Para a compreensão da quebra do padrão de masculinidade necessita-se apreensão do conceito de masculinidade hegemônica que significa “um padrão de práticas [...] que possibilitou que a dominação dos homens sobre as mulheres continuasse”, onde a hegemonia “significava ascendência alcançada através da cultura, das instituições e da persuasão” (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013, p.245). Se por um lado a ruptura do pensamento linear apresenta-se como objetivo para a transdisciplinariedade em relação a sua força operadora sobre a construção do conhecimento, por outro, a ruptura da visão binária e linear do gênero e seus papeis na sociedade, apresenta como propósito de atuação do feminismo. Desta feita, o apontamento em direção ao novo conduz como norte tanto para o feminismo como para a transdisciplinariedade – que não se operam por meio de exclusões – sendo ambas as propostas operacionalizadas por meio da transgressão e da revolução. Apoiados na proposta de evitar uma visão unidimensional do movimento feminista, e sob a tônica do terceiro termo, a simplicidade das posições binárias (A e não-A) cede espaço para a complexidade, permitindo perceber as relações para além das suas simplicidades. No que concerne ao movimento feminista e o terceiro incluído, a participação do homem atuaria na ruptura da lógica feminista clássica. Ademais, para que se realize uma prática transdisciplinar se faz necessário diálogo, evitando, assim, que haja a redução ontológica dos gêneros que nega a perspectiva da identidade e suas especificidades e alteridades. O intento dos estudos de gênero, em sua concepção mais complexa, combinando com a transdisciplinariedade da perspectiva proposta, é a promoção de modificações na dicotomia entre os gêneros, alertando a evidente noção de que tais estudos não se propõem, somente, a tratar do renascimento dessa nova mulher, mas também “pretendem chamar atenção para o fato de que, de maneira simultânea, é preciso que os homens aceitem participar da construção de uma nova masculinidade” (PERETTI; NOGOSEKE; SOUZA, 2011, p.5). Assim, o acolhimento dos homens em movimento sociais promotores de igualdade entre os gêneros, que aceitem a desconstrução do padrão da masculinidade, evidencia o papel essencial da hospitalidade na atitude transdisciplinar, a 67

medida

em

que

“sem

a

hospitalidade,

fatalmente

cairemos

na

inter

ou

multidisciplinaridade” (NETO, 2010, p.39). A sugestão proposta, portanto, é deslocar as mulheres da condição de vítima e os homens da condição de algoz; que atualmente se mostram como lugares estáveis e imutáveis. Evidenciar a ligação havida entre homens, feminismo e a transdisciplinariedade é trazer para o debate o homem como parte do projeto do feminismo; respeitando, certamente, a representatividade, o poder de decisão e voz das mulheres, sob a tônica de operar a ideia de construção conjunta de um projeto em prol da sociedade, sem separatismo, comprovando que o feminismo não é uma luta contra os homens, mas, evidentemente, contra as desigualdades impostas pelo patriarcado e reafirmadas pelo machismo. Palavras-chave: Transdisciplinaridade. Feminismo. Homens. Referências bibliográficas: CONNELL, Robert W.; MESSERSCHMIDT, James W.. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, mai. 2013. Disponível em: . Acesso em: 20 Jul. 2015.

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RESUMOS EXPANDIDOS

GT – 2: Educação, Gênero e Diversidade Sexual

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AFEMINADOS: AS ANTÍGONAS DA ATUALIDADE. Rafael Santana de Souza Graduando em Design pela Universidade Federal de Pernambuco [email protected] Prof. Dr. Mário de Carvalho (orientador) [email protected] RESUMO O triste desfecho da famosa passagem mitológica de Antígona e Édipo, de Sófocles, ainda hoje é percebido com inquietação pelos leitores. Tal reação é consequência de uma formação socialmente construída que não aceita a prática do incesto. Em seu livro “El grito de Antígona” Judith Butler analisa o mito grego, questionando os reais motivos (em nível metafórico) que levaram Antígona a mortal punição. Essencialmente, a autora compara Antígona aos indivíduos que na contemporaneidade desconstroem sem seus cotidianos o conceito de família tradicional, gênero e sexualidade, pois assim como Antígona, eles negam a ordem social e consequentemente recebem sanções sociais por isso. (BUTLER, 2001; 2003; BULFINCH, 2015; CASTRO, 2015) Em “Objetos do desejo” Forty expõe em sua analise histórica que em meados do século XIX as mulheres possuíam participação quase nula na vida política, e, portanto, cabia a elas apenas o papel social de mãe e esposa. O autor também afirma que o design neste período passou a criar padrões de diferenciação para produtos masculino/feminino de forma bastante acentuada. O que é bem intrigante se compararmos os mesmos produtos aos que eram usados por homens e mulheres no período do barroco e do rococó, ou seja, os séculos XVII E XVIII, onde tais diferenças não eram tão marcantes. A descrição feita (com base também em romances da época) e documentada com imagens presentes na obra, é de que os produtos masculinos eram “duros e grosseiros” quanto que os femininos eram “delicados e refinados”. (LAVER, 2009; FORTY, 2013) Mas o que estava por trás da estética “delicada” e “grosseira” era a ideia de que o homem era forte, dominante e tinha como principal qualidade a não suscetibilidade, a vida emocional. Quanto a mulher, era considerada fraca, passiva e emotiva, tais 72

características faziam delas inferiores ao homem não só fisicamente, mais racionalmente também. Os romances publicados nesta época reforçavam tais características “naturais” que se acreditavam existir entre os sexos. E segundo Forty, ao fazer referência ao romance de Elizabeth Gaskell, “Esposas e filhas”, as personagens femininas são descritas como sensíveis e “suscetíveis a doenças” e os homens eram racionais e “dedicados a causa maior”, um deles é médico, porém um dos personagens do sexo masculino é descrito como “incapaz de superar as emoções” este personagem morre no final da história. (FORTY, 2013) Judith Butler em “Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade” afirma que a sociedade machista e patriarcal em que vivemos é fundamentada pela “heterossexualidade compulsória” e pelo “falocentrismo” onde o modelo considerado como correto é o do indivíduo do sexo masculino e heterossexual. Portanto, todos os indivíduos que não estejam dentro desse padrão estão sujeitos ao regime de poder que os “dominantes” acreditam possuir. Tais valores são encontrados no imaginário das pessoas a ponto de criar regimes de diferenciação dentro da comunidade LGBT. Por exemplo: Como é possível explicar o preconceito sofrido por homossexuais do sexo masculino considerados “afeminados” por outros homossexuais também do sexo masculino que se consideram “não afeminados”? (BUTLER, 2003) Não raramente, temos dramas românticos no cinema envolvendo casais homossexuais. Em 2005 “Brokeback Mountain” ou o “Segredo de Brokeback Mountain” (título no Brasil), dirigido por Ang Lee, em 2005, conta estória de dois vaqueiros do oeste dos Estados Unidos que se apaixonam, porém casam-se com mulheres, encontram-se e desencontram-se em um complexo relacionamento entre os anos de 1963 e 1981. No final do longa, o vaqueiro mais “sensível” dos dois é assassinado violentamente. Outro filme, também do mesmo gênero dirigido por James Bolton, “Dream Boy”, 2008, conta a estória de um adolescente que está no ensino médio e se muda pra uma cidade pequena do interior dos estados unidos no final da década de 70. Chegando lá, ele se apaixona por um garoto que é filho do pastor da igreja local (que namora uma garota). No final do filme o garoto recém-chegado é estuprado e brutalmente assassinado pelos amigos do seu namorado que descobrem que eles tinham um relacionamento homoafetivo. 73

Permitindo-nos a analisar os dois longas pela dimensão mítica, podemos inferir que nos dois casos os personagens que são “punidos” não o são somente por serem homossexuais, mas por representarem a figura “feminina” da relação que tinham com seus parceiros. Nos dois filmes, os que foram “poupados” do “castigo” apresentavam o emocional, considerado pela sociedade o do “macho” e do “homem” dominante e que poderiam passar por heterossexuais. As duas estórias mostram como determinadas sociedades toleram comportamentos desde que eles não sejam declarados. Tais constatações comprovam que o discurso de Butler ao afirmar que a sociedade cria e consequentemente diferencia homens de mulheres por meio de crenças pautadas em “performances culturais” associadas a um "fato natural" está correta. E aqueles que não se enquadram no modelo homem heterossexual não gozam dos mesmos direitos de forma justa e igualitária. (BUTLER, 2001; 2003)

Palavras-chave: Antígona, gênero, afeminado.

REFERÊNCIAS

BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Trad. David jardim. Rio e janeiro: Agir, 2015. FORTY,Adrian. Objetos de desejo: Design e sociedade desde 1750. Trad. Pedro Maia Soares. 2. ed .São Paulo: Cosac Naify, 2013. LAVER, James. A roupa e a moda uma história concisa. São Paulo: Companhia das letras, 2011. MENDES, Valerie, HAYE, Amy. A moda do século XX. São Paulo: Martins Fontes, 2009. PITTA, Danielle Perin Rocha. Iniciação à teoria do imaginário de Gilbert Durand. Rio de Janeiro: Atlântica, 2005. 74

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. BUTLER, Judith. El grito de Antígona. Trad. Esther Oliver. Barcelona: El Rourc Editorial, S.A., 2001. MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.

Fontes eletrônicas CASTRO,

Susana

de.

http://revistacult.uol.com.br/home/2014/01/queerificando-

antigona/ acessado em 07 de agosto de 2015 as 04h10min.

Filmografia Dream Boy (Dream Boy). Direção James Bolton. Estados unidos. Mettray Reformatory Pictures, 2008, 90min. Drama romântico. O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain). Direção Ang Lee. Estados Unidos, Canadá. Focus Features e Paramount Pictures, 2005, 134min. Drama romântico.

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DIVERSIDADE SEXUAL NAS ESCOLAS: A EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS Jessyka Barbosa da Silva16 Priscilla Emmanoella do Nascimento Borba²

Palavras-chave: gênero, sexualidade, educação

A Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988, em seu artigo 6º estabelece que a educação é um direito de todos e ainda que deve-se oferecer condições para acesso e permanência escolar, sendo obrigatoriamente garantidos pelo Estado. Entretanto, essa não é nossa realidade, pesquisas científicas vindas dos mais diversos campos disciplinares mostram que grupos específicos da população são continuamente afastados da escola. Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) compõem um grupo populacional que tem seu direito fundamental à educação violada, ocorrendo, altas taxas de evasão escolar. Ficando assim, a mercê de diversos tipos de discriminação levando a violência física e psíquica. Em razão de tal problema ser totalmente ignorado, existe uma invisibilidade deste tema, onde órgãos governamentais ainda não dispõem de indicadores que possam medir o tamanho estatístico dessa exclusão escolar. No Brasil, a educação inclusiva está amparada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que assegura o direito à escola a todos (brasileiras ou estrangeiras residentes no País), sem discriminar negativamente singularidades ou características específicas de indivíduos ou grupos humanos. O objetivo desse trabalho é possibilitar uma discussão sobre o reconhecimento da importância do ensino como viés para o enfrentamento de situações relativas à discriminação homoafetiva, ou qualquer outra forma, de violência Graduada em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca. Pós-graduanda em Direito do Trabalho – Faculdade Damásio de Jesus. e-mail [email protected] - ² Graduada em Direito- Centro Universitário do Vale do Ipojuca. Pós-graduanda em Direito do Trabalho – Faculdade Damásio de Jesus. e-mail [email protected] 16

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sofrida por esses grupos de indivíduos. É através desse reconhecimento que seremos capazes de combater toda e qualquer formas de violência e preconceito, lembrando que por muitas vezes estas são reflexos de referência familiar, tendo em vista que a referência de formação enquanto pessoa ocorre por meio dos conhecimentos que adquirimos no convívio com outros atores sociais. Quando nascemos já somos inseridos em um contexto pré-determinado pela identidade cultural ao grupo que fazemos parte. Desse modo, estamos aptos à aquisição de informações para trilhar o nosso caminho. Segundo consta no Livro de Conteúdo Gênero e Diversidade na Escola (2009): O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios, como “certos” ou errados”, feios” ou bonitos”, normais” ou anormais” os comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até negando sua humanidade. Tal conceito traz para reflexão, as formas de violência , e discriminações de gênero que são causas para processos de exclusão escolar. Não podemos conviver com essa violência muito menos aceita-lá. É preciso, que exista políticas de conscientização, e maior enfretamento dessas problemáticas. Infelizmente, a solução encontradas por estes indivíduos, que são diariamente “agredidos”, é simplesmente, na maioria da vezes, aceitar a exclusão e anular-se como pessoa diante das injustiças sócias. Assim, dentro desse contexto, a diversidade é um termo utilizado para definir as múltiplas expressões da sexualidade e permite demonstrar que não existe um padrão que possibilite definir o envolvimento afetivo e sexual de um indivíduo em relação ao outro. Assim, a necessidade de debater sobre diversidade na escola justifica-se pela possibilidade dos diferentes atores institucionais transmitirem, refletirem e orientarem a comunidade escolar. Reforçando, todas as ideias, agindo e exigindo que o direito à educação seja assegurado a qualquer cidadão e para isso ser concretizado, há a necessidade de implantações de políticas de combate às desigualdades de gênero e sexualidade garantindo o exercício da cidadania. Dessa maneira, devemos ser conscientes de que a escola , trabalhando em conjunto com demais fontes de construções sociais, têm uma parcela imensa de contribuição para desenvolvimento do individuo e sua formação. De tal modo, pensar em preparar o indivíduo para exercer cidadania é refletir questões que propiciem a qualidade de vida do ser humano enquanto sujeito capaz de ter a liberdade de decidir 77

sobre a sua própria sexualidade ou que tipo de atividade deseja desenvolver, independentemente de seu gênero ou opção sexual. Portanto, á escola como instituição formadora de opinião e com o dever de formar o aluno para a cidadania, deve ser uma fonte aliada ao combate ao preconceito e a discriminação contra a pessoa humana, e ainda ser o propulsor ao combate de toda essa intolerância. Assim conclui-se que a evasão escolar vem sendo indiferente e invisível aos olhos do poder público, onde este ignora um direito constitucional inerente a pessoal humana e de certa forma alimenta ainda mais este cenário no passo que não institui políticas de combate ao preconceito e violência no âmbito educacional, violando e desprezando esta parte ainda excluída da sociedade. Referências Bibliográficas: 

CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual: essa nossa (des)conhecida. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.



CORRÊA, Mariza. Os crimes da paixão. São Paulo: Brasiliense, 1981.



COSTA, Jurandir Freire. Inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo, Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.



FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade, v. 1: A vontade de saber. 11. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988.



BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.



BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996

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TÍTULO: EDUCAÇÃO DE GÊNERO E SUA NECESSIDADE NO ENSINO BÁSICO. AUTORA: LUANNA ROBERTA DA SILVA17 RESUMO O contexto educacional no Brasil assim como na maioria dos países esta correlacionado a historia da discriminação de gênero, nossa formação enquanto sociedade é marcada pelo patriarcalismo, constituição que influencia diretamente a educação formal no país, a qual é marcada pela exclusão feminina. Após a revolução de 1930, surgem às primeiras medidas educacionais que tinham como público-alvo as massas, movimento o qual facilitou a entrada das mulheres na vida escolar, embora somente com a criação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira) de 1961, essa garantia foi finalmente efetivada, nesse contexto a discussão sobre a desigualdade era restringido somente ao acesso igualitário entre meninas e meninos, ainda não se discutia as relações de gênero, movimento esse que vem ter sua intensificação a partir da década de 90 com as chamadas medidas neoliberais. O termo gênero utilizado nessa pesquisa parte da conceituação de gênero proposta por Lauretis e Butler, onde Butler diz que. “O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado, (...) tem de designar também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos” (2010,p.25). É a partir do contexto teórico elaborado por Butler que o termo ideologia de gênero se configura perante o social, desde então o termo foi utilizado em conferencias propostas pela ONU e também em outros ambientes, ate chegar ser pensada como proposta para um novo modelo de ensino, o qual trataria questões como identidade de gênero, orientação sexual, a distribuição de materiais didáticos que promovam a igualdades de gênero da educação básica ate o ensino superior. A pesquisa teve como objetivo geral compreender como os profissionais da educação e os graduandos de pedagogia entendem a educação de gênero, trazendo como específicos a possibilidade de refletir a cerca dos conceitos dos profissionais da educação e graduandos de pedagogia e verificar como as instituições escolares trabalham a temática 17

Estudante do Curso de Psicologia da Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns. [email protected]

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de gênero com os alunos. Para tal adotamos o método qualitativo que possibilita uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números (MINAYO, 2007). Uma vez que, este tipo de abordagem permite uma compreensão dos aspectos subjetivos que alicerçam a ação humana. No primeiro momento desta pesquisa foi realizado um levantamento de cunho bibliográfico com o intuito de direcionarmos nossa argumentação. No segundo momento delimitaremos o nosso campo de pesquisa sendo que essa será dividida em etapas. 1° Etapa: consistiu em um levantamento a respeito de estudos realizados em ambientes escolares, a fim de compreender sua relação com a temática de gênero; 2° Etapa: consistiu na aplicação de um questionário semiestruturado, esse que será entregue a dois grupos, o primeiro formado por professores da educação básica do município de Jupi e o segundo grupo será formado por estudantes do curso de graduação em Pedagogia. 3° Etapa: Fase destina à análise e a interpretação dos resultados obtidos no questionário, buscando a relação entre a teoria e a pratica. O resultado obtido a partir da aplicação dos questionários aos dois grupos pesquisados, deu-se em momentos distintos, o questionário foi montado a partir de perguntas que consideravam sua formação acadêmica, o tempo na instituição de ensino, como era a dinâmica institucional, qual o seu entendimento sobre a temática gênero, se enquanto profissional de educação elas visualizavam a necessidade de se trabalhar a partir dessa proposta de considerar as crianças em uma fase de desenvolvimento em relação ao seu gênero. Obtivemos como respostas algumas posturas contrarias a educação de gênero no ensino básico, mas também há professores que defendam essa perspectiva de ensino como possibilidade de se repensar as questões sociais. O modelo do questionário apresentado ao grupo de estudantes de graduação em Pedagogia seguiu o mesmo modelo dos aplicados as professoras, as respostas obtidas nesse grupo também se deram de forma opostas, duas entrevistadas relatam apoiar essa nova modalidade de ensino como possibilidade de melhoria na desigualdade de gênero, as demais entrevistadas relaram não possuir conhecimentos o suficiente para opinar a respeito do tema. Diante das respostas obtidas nos questionários, podemos perceber que a proposta de se trabalhar a educação de gênero nas escolas é viável, embora está tenha que percorrer um caminho árduo nessa 80

implementação, essa inviabilidade momentânea em relação a essa proposta talvez ocorra pela dificuldade que a sociedade ainda tem de refletir a cerca das desigualdades de gênero, ate porque essas desigualdades quase nunca são comtempladas na elaboração de politica públicas educacionais, dificultando assim o acesso a esses temas. Palavras chaves: Educação, gênero, ensino básico. REFERÊNCIAS. BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da identidade. Tradução Renato Aguiar. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. LAURETIS, T. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, B.H. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf MINAYO MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. Rio de Janeiro: Abrasco; 2007

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EDUCAÇÃO E SEXUALIDADE NA ESCOLA João Henriques de Sousa Júnior18

Resumo A educação da sexualidade faz parte da educação global do ser humano e, como tal, deve ser tratada com o mesmo cuidado que qualquer aspecto da educação da nossa juventude nos deve parecer (CUNHA, 2000). Nesta mesma linha de raciocínio, Santos (1999) aborda que a escola precisa ser o espaço em que a criança e o jovem compreendam a sua sexualidade como um todo e não como uma atividade à parte de seu cotidiano. Segundo Suplicy et al. (1999), a Educação Sexual é um processo formal e informal, sistematizado que se propõe a preencher lacunas de informação, erradicar tabus, preconceitos e abrir a discussão sobre as emoções e valores que impedem o uso dos conhecimentos, onde cabe também propiciar uma visão mais ampla, profunda e diversificada acerca da sexualidade. Sabendo-se que, por definição, a sexualidade de um indivíduo são as preferências, predisposições ou experiências sexuais, na experimentação e descoberta da sua identidade e atividade sexual, num determinado período da sua existência. A importância da escola no contexto da educação sexual pode ser compreendida a partir das diversas pesquisas recentes que apontam o início da vida sexual ativa em idades cada vez mais cedo, coincidindo justamente com o período escolar. Muller (2009) afirma que, segundo pesquisas do Ministério da Saúde, os jovens brasileiros do sexo masculino costumam se iniciar sexualmente por volta dos quinze ou dezesseis anos, enquanto que as garotas brasileiras têm a sua primeira relação sexual aos dezesseis ou dezessete anos. Coutinho (2001) afirma que os jovens estão insatisfeitos com a forma como a orientação sexual é fornecida pela família e pela escola. Isto porque, na grande maioria das escolas as informações sobre educação sexual, ainda hoje, são fornecidas nas aulas

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UPE. Especialista em Ensino de Biologia. [email protected]

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de ciências e biologia, abordando apenas a parte fisiológica e de forma insuficiente e bem superficial. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997) - Orientação Sexual, escolas que tiveram bons resultados com a educação sexual relatam resultados como aumento do rendimento escolar, devido ao alívio de tensão e preocupação com questões da sexualidade e o aumento da solidariedade e do respeito entre os alunos. Para crianças menores relatam que informações corretas ajudam a diminuir a angústia e agitação em sala de aula. “(...) E quem são, afinal os responsáveis por uma educação sexual que permita uma visão consciente da sexualidade (...) claro que os primeiros e principais responsáveis são os pais (...). E quem são os adultos que, pelo menos em tese, deveriam aliar-se aos pais nessa difícil tarefa de educar? Os professores, claro!” (SAYÃO, 1997). Teles (1992) afirma que os professores encarregados de educação sexual na escola devem ter autenticidade, empatia e respeito. Isto porque, se o lar está falhando neste campo, cabe à escola preencher lacunas de informações, erradicar preconceitos e possibilitar as discussões das emoções e valores. Quando se ensina uma disciplina complexa como essa, é importante que o educador esteja ciente de que não se deve emitir seus próprios juízos de valores e opiniões como verdade absoluta. Sampaio (1996) esclarece que a educação sexual não se refere apenas a passar informações sobre o ato sexual (cuidados, higiene, entre outros), mas também todo o conceito do contato pessoa/pessoa, da transmissão de valores, atitudes e comportamentos que envolvem este momento. Por este motivo, é necessário preparar os educadores para poderem passar o conhecimento correto, e, principalmente, observar se estes educadores estão preparados psicologicamente para falar sobre sexualidade, uma vez que a maioria nunca fez nenhum tipo de curso sobre o assunto. Ainda há muito que se fazer para que no decorrer dos próximos anos a sociedade consiga lidar com a diversidade existente dentro das sexualidades, sem preconceitos e tabus. 83

Palavras-chave: educação sexual, sexualidade, escola.

Referências: COUTINHO, M.F.G. Adolescência: uma abordagem prática. Editora Atheneu. São Paulo. 2001. CUNHA, I.M. In Boletim n.º 15 da Associação de Professores de Biologia e Geologia, 2000. MULLER, L. Altos papos sobre sexo, dos 12 aos 80 anos. Editora Globo. São Paulo. 2009. SANTOS, S. S. Matriculando o corpo na escola: o diálogo da educação física com as outras disciplinas. In: RIBEIRO, M. O Prazer e o Pensar. Editora Gente. São Paulo. 1999. SAMPAIO, S. Educação sexual para além dos tabus. UFBA. Salvador. 1996. SAYÃO, R. Saber o Sexo? Os problemas da informação sexual e o papel da escola. In: AQUINO, J.G. (org). Sexualidade na Escola. Summus. São Paulo. 1997. SUPLICY, M. et al. Sexo se aprende na escola. Olho d'Água. São Paulo. 1999. TELES, M.L.S. Educação, a revolução necessária. Vozes. Petrópolis. 1992. _______. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ministério da Educação. Brasília. 1997.

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ESCOLA: ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO E EQUIDADE, GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL Jessica Fernandes Sales da Silva19

RESUMO As questões de gênero vão surgir atreladas aos movimentos sociais da década de 1960, que lutava por liberdade de expressão da sexualidade e as questões de gênero notada pelo domínio masculino. Neste momento histórico o Brasil vivenciava a Ditadura Militar, no qual a liberdade de expressão foi limitada e a repressão política. Será através do movimento feminista na década de 1970 que se iniciará a discussão de gênero, diversidade sexual, orientação sexual e entre outras temáticas. Com relação à conceituação de gênero, diversidade sexual e orientação sexual, no qual gênero é construído nas relações de poder e sociais, históricas, culturais e políticas de homens e mulheres. O termo diversidade sexual está sendo utilizado de forma ampla nas áreas de políticas públicas, movimentos sociais e educação, com sentido de multiplicidade e singularidade, onde procura exibir que todos fazem parte da diversidade sexual e de gênero. A orientação sexual se refere ao norteamento do desejo afetivo e erótico, onde esse desejo poderá ser único, ao sexo oposto, a pessoas do mesmo sexo ou de ambos os sexos. No Brasil a educação inclusiva está assegurada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que ampara o direito à escola a todos os sujeitos, sem discriminação das particularidades e características de cada sujeito. No Plano Nacional de Educação, de 2001 (Lei nº 10.172), que surgiu em um período em que a sociedade estava em mobilização social, com um caráter conservador a respeito das temáticas referentes a gênero, orientação sexual e diversidade sexual, mesmo sendo elaborado no momento em que as desigualdades de gênero e a indispensabilidade de superá-las envolviam de suma importância o espaço de discussão na sociedade. Mesmo com o Plano Nacional de Educação não se colocando aos temas de gênero, sexualidade,

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Assistente Social Centro de Referência Especializado de Assistência Social-Municipal, Projeto: Para mudar, é preciso agir: prevenção e enfrentamento ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescente. E-mail [email protected]

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diversidade sexual e orientação sexual, apenas refletindo acerca do direito dos gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e transgênicos. Na educação começa aos poucos implantar a equidade de gênero, identidade de gênero, diversidade sexual, orientação sexual e acabar com o sexismo e ao preconceito que está inserido na escola, pois será na mesma que, em destaque, a sala de aula, um lugar privilegiado para semear a cultura de conhecimento das diversas identidades relativas às diferenças. Questionando, problematizando, criticando as relações de poder, hierarquias sociais, na qual estas hierarquias geram exclusão, tentando manter esta rotina da escola. Deste modo, a escola passa a ser um espaço de construção de conhecimento formando cidadãos, tornando a escola uma referencia para o respeito, dialogo e o convívio com a diversidade. Mas a escola e a sala de aula também produz diferenças, desigualdades e preconceitos, desde do seu inicio que ela delimita espaços, lugares de cada sujeito, divisão de classes, raça, religião, etnia e gênero. Aos poucos as escolas vão inserindo as discussões sobre preconceito, diversidade sexual e gênero, mesmo ainda as relações de poder estão atreladas a dominação patriarcal no Nordeste, a educação tem reconhecido a importância do tema, no qual a discussão de gênero e diversidade sexual ainda não é colocada como pauta significativa nos currículos escolares. as orientações que são passadas para os currículos com relação as temáticas de gênero, diversidade sexual e orientação sexual, é numa perspectiva de Direitos Humanos a desenvolver ações educativas ou socioeducativas, façam com que estas temáticas sejam trabalhadas na escola. Neste entendimento, incluir as questões relacionadas a gênero, diversidade sexual e orientação sexual no currículo é trabalhar para que educadores(as) e educandos(as) insiram em sua rotina diária, tanto no âmbito escolar, mas na sociedade como um todo, atitudes e comportamento críticos frente as temáticas envolvidas neste texto, os educadores(as) podem exercerem de forma lúdica, atividades que garanta a equidade. PALAVRAS-CHAVE Gênero, diversidade sexual, escola REFERÊNCIAS

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DUARTE, Ana Maria Tavares; BARROS, Ana Maria; BAZANTE, Tânia Maria Goretti Donato (org). Gênero em Debate: dialogando sobre educação, inclusão social e direitos humanos. Recife: Ed. Dos Organizadores, 2014 HENRIQUES, Ricardo; BRANDT, Maria Elisa Almeida; JUNQUEIRA, Rogêrio Diniz; CHAMUSCA, Adelaide (ogr). Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos. Cadernos SEDAC4. Ministério da Educação. Brasília, maio de 2007 JUNQUEIRA, Rogério Diniz (org). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2009 LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pósestruturalista. Petrópolis, Rio de janeiro: Vozes, 1997 LOURO, Guacira Lopes; MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e Educação. Rer. Estad. Fem. [online] vol.9, n, 2. 2001 NARDI, Henrique Caetano; SILVEIRA, Raquel da Silva; MACHADO, Paula Sandrine (org). Diversidade Sexual, Relações de Gênero e Políticas Públicas. Porto Alegre, Sulina, 2013 SANTOS, Ângela Maria dos; FRANÇA, Eva Auxiliadora; MATEUS, Gisele Marques; OLIVEIRA, Leize Lima de. Orientações Curriculares para Educação em Direitos Humanos, Gênero e Diversidade Sexual. Superintendência de Diversidades Educacionais Gerência de Diversidades. Secretaria de Estado de Educação. SEDUC. s/a. Disponível em acesso em 9 de agosto de 2015

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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, GÊNERO E EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: DIÁLOGOS A PARTIR DO PROJETO ESCOLA LEGAL Camila Elsa da Silva20 Theremara Thayana Costa e Silva21 Fernando da Silva Cardoso22 RESUMO A escola tem passado por inúmeras transformações na contemporaneidade, em decorrência de mudanças sociais e econômicas. Essas mudanças também trazem consigo problemas diversos, como a desestrutura familiar, problemas de desigualdades sociais, racismo, preconceitos à diversidade, violência e outros fenômenos sociais que atingem diretamente a sociedade, inclusive a escola. Estas situações trazem consequências para o ambiente escolar onde este, que deveria ser um lugar de formação de conhecimento, passa a ser palco de conflitos fomentados na intolerância e no desrespeito ao outro, casos de falta de fraternidade e compreensão, que trazem consigo, como consequência, a violência escolar. Para incentivar a melhoria no convívio escolar o Governo do estado de Pernambuco criou o Projeto Escola Legal que atua, entre as cidades atendidas, na cidade de Caruaru, através da extensão universitária, visando a promoção da convivência na escola a partir de princípios dos direitos humanos, busca aproximar a universidade da sociedade, transformando problemas escolares em ações e discussões a favor de uma cultura de paz na escola. Assim, este presente resumo pretende discutir as contribuições do Projeto Escola Legal para a inserção da educação em direitos humanos na escola, em específico, quanto ao tratamento das questões de gênero nesses espaços. Essa discussão partirá do aporte teórico fornecido por Benevides (2009), Zenaide (2006), Carvalho e Cardoso (2013) e Miskolci (2012) e a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, com base nos quais buscaremos compreender a importância da extensão

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Graduanda em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP. Aluna extensionista no Projeto Escola Legal. Email: [email protected] 21 Graduanda em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP. Aluna extensionista no Projeto Escola Legal. Email: [email protected] 22 Orientador. Mestre em Direitos Humanos – UFPE. Professor do Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP.

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universitária quanto ao tema da diversidade de gênero na formação educacional. O Projeto Escola Legal atua de modo a reintegrar na comunidade escolar práticas de respeito ao outro partindo do princípio da igualdade e da fraternidade, procurando desmistificar discursos de ódio, preconceito e exclusão de uma minoria (rotulada de “diferente” aos olhos da sociedade como um todo). No cotidiano das ações desta política, é comum observar-se discursos prontos sobre relações afetivas entre pessoas, jovens e adolescentes, em sua maioria, que se declaram ser totalmente contra a homossexualidade demonstrando uma ideia violenta de como perceber a orientação sexual de cada uma. Através de intervenções do Projeto Escola Legal sobre a discussão dessa temática, os eixos de atuação desta política se dão de modo a perceber a ausência de tolerância e respeito ao outro e sua diferença, o que os ideias humanistas do Projeto tentam ressignificar. O Projeto Escola Legal possui o desafio de lidar com ideais heteronormativos presentes na escola, trazendo a possibilidade de reflexão sobre as múltiplas expressões humanas, promovendo as diferenças, trazendo a oportunidade de um convívio pacífico e sadio com o outro. Para tal, o ensino dos direitos humanos na escola desenvolvido por essa política é fundamental já que trata-se das diferenças humanas, tratando a violência a essa situação com base em preceitos dos direitos humanos. Esse discurso nas escolas fomenta o exercício da educação em direitos humanos, expondo que a escola é um espaço estratégico para a construção de um pensar fraterno, garantindo-se dignidade e igualdade a todos que fazem parte da escola. O Projeto Escola Legal vem humanizar as relações em seus mais complexos paradoxos, e a questão de gênero é um ponto central. Desmistificar a ideia pré-estabelecida de que o outro que não é igual a mim tem que ser tratado de modo reconhecedor. Nas ações da política, entende-se que a discriminação é desumana, e que a diversidade sexual é tão comum na sociedade quanto as etnias e/ou culturas, de que é fundamental que essa diferença deixe de ser abominada pela sociedade, causando violências para essas pessoas que sofrem diariamente com o preconceito discriminação nos espaços escolares. Dentre os diversos eixos trabalhados, o Projeto Escola Legal reconhece que as questões de gênero devem ser reconhecidas, inseridas no convívio social de modo adequado e respeitoso. Ainda, que a escola pode significar em um ambiente ao desenvolvimento da cidadania de gênero, na qual o ensino de valores da educação em 89

direitos humanos é um ponto chave. Assim, a prática da extensão universitária é fundamental para o desenvolvimento desse olhar humanístico em favor das minorias, especialmente aqueles por questões de gênero, e, no contexto mais amplo, para o exercício da educação em direitos humanos, condição fundamental para se garantir a dignidade e a diversidade humana socialmente. A prática extensionista não garante apenas a prevenção às violências na escola, mas também promove os direitos humanos, previne novas situações de violência, mobiliza a universidade e a sociedade a socializarem-se e agregarem debates que são de interesse de todos. Assim, a atuação das instituições de ensino superior e a instrumentalização de políticas educacionais como o Projeto Escola Legal são de grande valia para a sociedade, funcionam como balizadores para o atendimento às demandas sociais. A partir do Projeto Escola Legal e suas práticas nas escolas, em favor da diversidade de gênero e da educação em direitos humanos, podese alcançar uma comunidade escolar menos conflituosa e mais humanizada. Assim, concebemos a importância de projetos que, assim como o Projeto Escola Legal, levem os direitos humanos ao conhecimento de diversos espaços formativos, construindo uma geração mais consciente, respeitosa e reconhecedora das diversidades e diferenças humanas. Palavras-chave: Extensão universitária. Direitos humanos. Gênero.

REFERÊNCIAS BENEVIDES, Maria Victoria. A cidadania ativa. São Paulo: Ática, 1991. CARVALHO, Mario de Faria; CARDOSO, Fernando da Silva. A extensão universitária como mecanismo de afirmação dos direitos humanos: aproximações entre a universidade e a sociedade e a sociedade civil no projeto escola legal no município de Caruaru-PE. Anais do V Coloquio Interamericano sobre Educación en Derechos Humanos, Goiânia, 2013. 90

MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. 2. ed. São Paulo: Autêntica. Coleção cadernos de diversidades, 2012. ZENAIDE, M. de N. Tavares. A extensão universitária em direitos humanos. In: _____; et al. A formação em direitos humanos na universidade: ensino pesquisa e extensão. João Pessoa: Editora da UFPB, 2006.

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GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL: REFLEXÕES A PARTIR DO CHÃO DA ESCOLA NO MUNICÍPIO DE CARUARU-PE José Ronaldo da Silva23 Isaias da Silva24 Jaiane Suelem da Silva25 RESUMO: Este artigo versa sobre a discussão de gênero e diversidade sexual no espaço escolar. Esse debate coloca em questão os processos de silenciamentos dessas temáticas na sociedade, bem como a naturalização das diferenças entre homens e mulheres. Nesse sentido, firmou-se um saber sobre a sexualidade e a identidade de gênero em que qualquer expressão que se distancie dos padrões heterossexuais e assim “naturais” é considerada “anormal”. Nesse tocante, evidenciamos a escola e, em particular, a sala de aula, como um espaço-tempo privilegiado para promoção de reflexão-ação voltadas para o reconhecimento da pluralidade das identidades sexuais e de gênero. Partindo do pressuposto que existe um discursão sobre gênero e diversidade sexual no espaço escolar, mesmo que seja circunscrita nos componentes curriculares. Para realização dessa pesquisa apresentamos a seguinte questão política e epistêmica: como vem sendo desenvolvido os trabalhos sobre gênero e diversidade sexual no chão da escola? Assim adotamos como objetivo geral: Compreender como vem sendo desenvolvido os trabalhos sobre gênero e diversidade sexual no chão da escola. Como objetivos específicos temos: a) identificar as concepções de gênero e diversidade sexual apresentados pelas (es) professoras(es); b) identificar as práticas pedagógicas realizadas em sala de aula que

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Graduando em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste / CAA-UFPE. E-mail: [email protected] 24 Graduando em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste / CAA-UFPE, Bolsista/PIBIC-CNPq. E-mail: [email protected] 25 Graduanda em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste / CAA-UFPE. E-mail: [email protected]

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tratem sobre gênero e diversidade sexual. A discussão teórica que fundamenta essa pesquisa encontra-se sistematizada a partir de duas categorias teóricas: 1) Gênero (BARROS, DUARTE, 2014; BUTLER, 2003; CAVALEIRO, 2010; DINIS, CAVALCANTI, 2008; LOURO, 2004; SANTOS, SANTIAGO, 2014; SCOTT, 1995) e 2) Diversidade Sexual (BUTLER, 1999; CHAUÍ, 1987; JUNQUEIRA, 2009; RHENRIQUES et al., 2007; ROHDEN, 2009). O campo empírico em que se ocorreu essa pesquisa foi uma escola pública municipal localizada no município de Caruaru-PE, contou com a colaboração de quatro professoras(es) que atuam em turma do ensino fundamental- anos iniciais (1ª ao 5º ano). A forma de construir e tratar o objeto da pesquisa aproximou-a da Abordagem Metodológica de Pesquisa Qualitativa (MINAYO, 2010). A coleta de dados se deu através da observação (VIANNA, 2003), técnica que nos oportuniza coletar dados de natureza não verbal e a entrevista semiestruturada (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008) que nos possibilita aprofundar temas peculiares sem lançar mão de uma padronização de questionamentos. Como procedimento de análise dos dados coletados/produzidos utilizamos a Análise de Conteúdo via Análise Temática (BARDIN, 2011; VALA, 1990). O procedimento de análise passou pelas seguintes fases apresentadas por Bardin (2011): a) Pré-análise; b) Exploração do material e c) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Esse procedimento, nos possibilita descobrir os núcleos ou indicadores de sentidos que partem das categorias teóricas, que atrelado a abordagem teóricas oportuniza-nos a fazer inferências sobre os dados que emergem no decorrer da pesquisa. As análises realizadas nos levam a concluir que a compreensão acerca de gênero e diversidade sexual apresentada pelas(os) professoras(es) apontam para a relevância da discussão desses temas, que centram-se na concepção do respeito a diferença existente na sociedade. É recorrente nas falas das(os) professoras(es) que a identidade de gênero e a diversidade sexual necessitam ser reconhecidas e que a escola necessita ser esse espaço de discussão que possa contribuir para que possa reconhecer as diferenças e assim superar os preconceitos existentes principalmente para com aquelas(es) que têm uma orientação sexual diferente. Os dados apontam também, para a invisibilidade das temáticas de gênero e diversidade sexual nos nas salas de aulas pesquisadas, essa ausência se justifica-se nos nas falas das(os) sujeitas(es) por não terem 93

formação especifica para tratar essas discussões na sala de aula. Assim, é possível inferirmos que apesar da importância que vem sendo atribuído a esta temática atualmente, existe também uma ausência, no que se refere a formação inicial de professoras(es). Concluímos que dos quatro sujeitas(os) pesquisadas(os) apenas uma(o) delas(es) participaram de discussões sobre essa temática em sua formação universitária. No que se refere as práticas pedagógicas realizadas em sala de aula, pontuamos que a temática de gênero e diversidade sexual é apresentado esporadicamente e centra-se na discussão, que se restringe aos componentes curriculares e tem como material de apoio o livro didático. Finalizamos esse artigo apontando para a necessidade de aprofundarmos as discussões sobre gênero e diversidade sexual, nos espaços formativos das(os) professoras(es) e no trabalho realizado no chão da escola. De modo que possamos construir um espaço escolar democrático que reconheça as identidades de gênero e a diversidade sexual, sem distinção/preconceitos. Palavras- chave: Gênero; Diversidade Sexual; Escola.

REFERÊNCIAS: BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa. Edições 70, 2011.

BARROS, A. M. de; DUARTE, A. M. T. Pesquisa em gênero e educação no Agreste de Pernambuco: o lugar do estudo de gênero na educação municipal. In: DUARTE, A. M. T; BARROS, A. M; BAZANTE, T. M. G. D. (org). Gênero em Debate: dialogando sobre educação, inclusão social e direitos humanos. V.1- Recife: Ed. Dos Organizadores, 2014. p. 53-70. BUTLER, J. Problemas de gênero – feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. BUTLER, J. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. IN: LOURO, G. L.(org.), O Corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. CAVALEIRO, M. C. Feminilidades homossexuais no ambiente escolar: ocultamentos e discriminações vividas por garotas. Tese (Doutorado), São Paulo: USP-FEUSP, 2010. 94

CHAUÍ, M. Repressão sexual. Essa nossa (des)conhecida, SP: Brasiliense, 1987. DINIS, N. F; CAVALCANTI, R. F. Discursos sobre homossexualidade e gênero na formação em pedagogia. Pro-posições, Campinas, v.19, n. 2 (56), p. 99-109, maio/ago. 2008. MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2010. JUNQUEIRA, R. D. (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, SECAD, UNESCO, 2009 LANKSHEAR, C; KNOBEL, M. Pesquisa Pedagógica- do projeto à implementação. Porto Alegre: Artmed, 2008.

LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação – uma perspectiva pós-estruturalista. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. RHENRIQUES, R et al. Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos. Brasília, maio, 2007. ROHDEN, Fabíola. Gênero, sexualidade e raça/etnia: desafios transversais na formação do professor. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 136, p. 157-174, jan./abr. 2009. SANTOS, M.do C. G; SANTIAGO, M. E. Educação e inclusão: as contribuições das abordagens de gênero na formação de professores/as e prática pedagógica. In: DUARTE, A. M. T; BARROS, A. M; BAZANTE, T. M. G. D. (org). Gênero em Debate: dialogando sobre educação, inclusão social e direitos humanos. V.1- Recife: Ed. Dos Organizadores, 2014. p.71-90. SCOTT, J. W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, jul./dez., p. 71-99, 1995. VALA, J. A análise de Conteúdo. In: SILVA, A. S.; PINTO, J. M. (org.). Metodologia das Ciências Sociais. 4. ed. Porto: Edições Afrontamento, 1990, pp. 101-128. VIANNA, H. M. Pesquisa em Educação: a observação. Brasília: Plano Editora, 2003.

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Autora: Leila Saraiva Pantoja26

Resumo: “IDEOLOGIA DE GÊNERO”, DISCURSOS CONSERVADORES E POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A RETOMADA DA PRÁTICA FEMINISTA NAS ESCOLAS.

Palavras -chave: Conceitos de Gênero, Ofensiva Conservadora, Feminismo e Práticas Pedagógicas

A introdução do termo gênero enquanto substituto do termo sexo foi, sem dúvida, uma das grandes contribuições das teorias feministas para o pensamento social, trazendo à tona uma série de debates nos círculos acadêmicos, em especial nas ciências humanas e sociais. A percepção do gênero enquanto constructo social, negando uma visão biologizante das experiência humana, abriu portas para o repensar de papéis ocupados tradicionalmente por mulheres e homens, assim como expandiu o leque possível de identidades sexuais e afetivas, refletindo tanto sobre vivencias não-hegemônicas em nossa sociedade como sobre experiências de significação de gênero vividos em outras comunidades. Enquanto contribuição de uma corrente teórica que não se restringe às cátedras das universidades, mas que também ocupa e é formulada por coletivos, organizações e movimentos sociais, a discussão de gênero é também fundamental nos discursos políticos de movimentos feministas e LGBTT. A possibilidade de desconstruir a visão naturalista da nossa organização social patriarcal a partir dessas reflexões, constitui ponto central de formações, oficinas e elaborações de bandeiras desses dois movimentos. Foi essencialmente por meio da atuação desses atores sociais que os conceitos de gênero se esprairam e conquistaram alguns espaços em políticas públicas, escolas e debates.

26 Bacharel em Antropologia pela Universidade de Brasília, atual mestranda em Antropologia no mesmo departamento (DAN/UNB). Professora de educação infantil por profissão e militante do Movimento Passe Livre-DF. E-mail: [email protected]

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Na atual conjuntura, no entanto, a discussão sobre o uso do termo “gênero” tem recebido uma série de ataques, vindos especialmente de setores cristãos conservadores organizados, como as conhecidas “bancadas evangélicas” - presente tanto na Câmara Federal como nas municipais – e organizações que circulam em torno de Pastores como Silas Malafaia e Padres como Pe. Paulo Ricardo. Assim, temos presenciado uma reação forte e articulada contra as (possíveis) conquistas dos movimentos LGBTT e feministas, na qual a discussão entre o caráter dado ou natural da família, da sexualidade, maternidade, etc tem sido feita por um viés totalmente distinto do levado anteriormente e, porque não dizer, de forma fundamentalmente falaciosa. Se, por um lado, as críticas ao que esses setores chamam de “ideologia de gênero” encontram pouco eco dentro da academia, podemos perceber que elas tem muita ressonância em outros espaços de poder, como as já mencionadas câmaras legislativas e as próprias igrejas. Assim, o discurso religioso acerca do gênero tem resultado em muito mais que artigos e publicações, mas em implementação de políticas públicas e em descriminação institucional para quem não segue o “manual da família tradicional brasileira.” O caso do Distrito Federal é exemplar do poder que esse discurso tem conquistado atualmente. Ao analisarmos, por exemplo, a votação do Plano Distrital de Educação (PDE), percebemos que a principal articulação em torno do Plano se deu ao redor do uso ou não dos termos “discriminação de gênero” e “diversidade sexual” no documento. É a primeira vez na história do Distrito Federal que um plano como o PDE é elaborado, consistindo essencialmente em um diagnóstico da educação no DF e da formulação de 21 metas educacionais a serem alcançadas nos próximos 10 anos. A formulação do PDE seguiu as orientações de seu equivalente nacional, o Plano Nacional de Educação, e contém uma série de medidas (necessárias e) bastante custosas aos cofres públicos brasilienses. Na discussão levada a cabo na Câmara Legislativa, no entanto, a polêmica girou essencialmente ao uso dos termos vinculados à questão de gênero e as questões orçamentárias passaram longe de debate, mesmo dentro da alegada crise finaceira vivida pelo DF desde o final do ano passado.

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Com o plenário repleto de manifestantes, a maioria deles contra a inserção da “Ideologia de Gênero” nas escolas, a Câmara votou pela derrubada do uso de termos como “identidade de gênero”, “orientação sexual”, “diversidade sexual” que, segundo uma das deputadas, são “imprecisos e foram substituídos pela erradicação de qualquer forma de discriminação”. As comemorações da bancada evangélica com o resultado da votação foram efusivas, demonstrando a importância da pauta para esse setor: “O DF dá um grande passo, valorizando a família e a vida contra a ideologia”, afirma um de seus membros. Esta vitória, no entanto, não foi suficiente para os setores conservadores. Ao final do semestre parlamentar e a toque de caixa, a Câmara Legislativa do DF aprovou ainda a definição de família enquanto “união entre homem e mulher” e instituiu uma política de “valorização da família”, que inclui conteúdo escolar específico e a celebração nas escolas do “dia nacional da valorização família” - 21 de Outubro. Essa decisão ainda não foi referendada ou recusada pelo Executivo. Diante deste cenário, este trabalho pretende analisar o discurso cristãoconservador sobre a chamada “Ideologia de Gênero”. A partir do caso específico do Distrito Federal, que parece se configurar enquanto uma tendência nacional, busco entender as narrativas religiosas sobre as formulações feministas de gênero e sexualidade. Por fim, considerando a importância desta instituição na nossa sociedade, a pesquisa procura também pensar caminhos para a atuação feminista, teórica e prática, dentro espaço escolar, apesar da ofensiva conservadora que estamos vivenciando.

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MULHERES/MÃES DE FILHOS COM DEFICIÊNCIA E A SUA INSERÇÃO NO SOCIAL: UMA ANÁLISE A LUZ DA TEORIA DO DISCURSO DE LACLAU E MOUFFE Raianny Kelly Nascimento Araújo27 Ribbyson José de Farias Silva28

Este artigo propõe discutir as problemáticas vivenciadas pelas famílias que possuem filhos com deficiência, a fim de perceber as condições que são “postas”, principalmente as mulheres/mães, de formas biológica e socialmente constituídas. Dessa maneira objetiva-se compreender quais os papéis e experiências das mães, atentando para as questões de gênero/maternidade e os mecanismos de exclusão social dos sujeitos com deficiência. Este objetivo geral desvela-se nos seguintes objetivos específicos: identificar os papéis e experiências das mães de filhos com deficiência; analisar as relações de gênero e maternidade e apontar os mecanismos de exclusão social das mulheres e dos filhos com deficiência. Nos utilizaremos das contribuições da Teoria do Discurso, proposta por Laclau e Mouffe para entendermos os processos de subjetivação e as constituições discursivas que constroem os padrões de gênero a serem seguidos, entendemos ainda que é por meio dos discursos que o processo de exclusão e segregação social que acomete as mães e os filhos com deficiência na sociedade contemporânea. Com o intuito de atender a estes objetivos faz-se necessário a compreensão histórica e contextual do papel da mulher na família e na sociedade, sendo preciso refletir sobre as relações de gênero e às relações entre homens e mulheres. A perspectiva de gênero faz com que possa se estabelecer uma atenção às diferenças e especificidades femininas e masculinas, observando as questões sociais, políticas e representativas de homens e mulheres na sociedade atual. Sendo assim é possível estabelecer nas relações

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Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste/Mestranda/ [email protected] 28 Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste/Mestrando/ [email protected]

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de gênero existentes em cada contexto à condição e os papéis desempenhados pela mulher/mãe. Este trabalho é de cunho qualitativo e baseia-se em uma pesquisa bibliográfica em livros e revistas eletrônicas embasados em teóricos da área, tendo por intuito discutir o lugar da mulher/mãe de filhos com deficiência. Nessa perspectiva Ribeiro (1999, p.32) aponta que: “[...] a construção de gênero esteve sempre diretamente ligada à história familiar e social das mulheres, sendo que esta fez com que historiadores, antropólogos e sociólogos passassem a substituir a categoria de papéis sociais, priorizando pela diferença biológica de homens e mulheres”. Assim, historicamente, percebe-

se que é no lar que se atribui uma função mais abrangente, e se delega à mulher um papel de mantenedora de educação e valores morais. Dessa forma acredita-se que as questões de gênero, se estabelecem como um padrão social, “um modelo” a ser seguido, que consequentemente sofre influências do contexto social especifico, pois, de acordo com Ribeiro (1999, p.33), “gênero não se refere apenas às relações familiares, mas inclui e engloba as relações sociais que implicam interações entre o masculino e o feminino, e vice-versa”. Esse padrão a ser seguido é incorporado no imaginário social através dos discursos, pois para Laclau (2013) o sujeito é atravessado pelo discurso, isso faz com que as hegemonias se estabeleçam e provoquem os processos de exclusão e segregação social. A partir da segunda metade da década de 1960, começaram a surgir os movimentos feministas e, a seu modo, cada um lutou pela igualdade das relações de gênero. Possibilitando o surgimento da consciência feminista, que sua vez, coloca-se como um processo coletivo que se acontece no interior das relações de gênero, materializando-se nas práticas sociais de (re)conhecimento do papel da mulher, não apenas como provedora do lar, mas como cidadã. Contudo ainda percebe-se que as relações de gênero se estabelecem com o intuito de demonstrar e afirmar as desigualdades socioculturais existentes entre homens e mulheres, causando relações de dominações e submissões impostas historicamente. Dessa maneira, concordamos com Welter (2008), quando afirma que “a história revela que a mulher, após o fim do matriarcado, na maioria das vezes ocupou um lugar 100

de inferioridade, sendo excluída de espaços públicos, relegada à reprodução e confinada ao espaço doméstico. (WELTER, 2008, p.102). Esta confinação ao espaço doméstico faz com que estas mulheres fiquem segregadas do social e reserva para elas apenas a ordem da casa e a educação dos filhos e, quando esse filho é especial a responsabilidade se alarga e impede que por vezes, projetos de vidas possam ser concretizados pelas dificuldades postas pela necessidade. Apesar de ter havido evoluções quanto às conquistas da mulher no mercado de trabalho e das formas de se conceber as relações de gênero, ainda segundo Welter (2008), [...] “ainda hoje se encontram resquícios do passado através da sustentação da posição subalterna da mulher na família e no lar onde, como “dona-de-casa”, permanece única responsável pelas tarefas domésticas, e ao cuidado que se refere ao marido e principalmente aos filhos.” (WELTER, 2008, p.105) É possível afirmar que a questão da mulher/mãe ainda é fortemente influenciada pelas representações de gênero e pelas imposições sócias e culturais estabelecidas historicamente, além disso, acreditamos que os processos discursivos, embasados numa cultura machista e heteronormativa, submetem às mulheres a categoria de “segundo sexo”, retirando das mesmas a sua atuação no social enquanto sujeitos de direitos.

Palavras-chave: Gênero. Maternidade. Inclusão Social.

Referências GOUVEIA, R.; ISMAEL, E. e CAMINO, L. Equidade de Gênero e Diversidade Sexual. In: Gênero, diversidade sexual e educação: conceituação e práticas de direito e políticas públicas. Gentle, I.; Zenaide, M.N. e Guimarães V. (Orgs.) . João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008. LACLAU, E. A Razão Populista. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013. RIBEIRO, Maria Salete. A questão da família na atualidade. Florianópolis: Ioesc, 1999.

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WELTER, I.: CETOLIN, S.; TRZCINSKI, C. e KELLICETOLIN, S. Gênero, maternidade e deficiência: representação da diversidade. In: Revista Textos & Contextos. Porto Alegre v. 7 n. 1 p. 98-119. 2008.

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O PAPEL DA ESCOLA FRENTE À QUESTÃO DA HOMOFOBIA Rayssa Laênny Silva Chapoval29 Josenilda Maria da Silva Chapoval30 (orientadora) Katherine Lages Costanti31 Introdução: O presente trabalho visa analisar o papel que a escola pública ocupa no que tange ao enfrentamento das diversas formas de discriminação, violência ou mesmo, da própria homofobia. Neste sentido, os dispositivos 205, 227 ambos provenientes da carta magna, falam respectivamente sobre o direito à educação como um dever de todos, atuam de forma concorrente o Estado, a família e a sociedade a fim de que a escola possibilite o pleno desenvolvimento da pessoa, como também o preparo para o exercício da cidadania, o artigo 227 reitera o dever conjunto da família, Estado e sociedade em assegurar à criança e o adolescente à plena dignidade e o respeito. Desta forma, Azevedo citado por Lakatos, descreve que a educação é, portanto, um processo social de que não é possível ter uma compreensão bastante nítida se não procurarmos observá-lo na multiplicidade e diversidade dessas forças e instituições que concorreram ao desenvolvimento da sociedade. Acrescenta o sociólogo Lenhard, o processo de socialização identificado por um lado ajuda indivíduo a adquirir personalidade pessoal e, por outro lado, este torna membro da sociedade e portador da sua cultura. Logo, há uma concordância entre o texto normativo e os pensamentos dos sociólogos, a escola é parte da sociedade e por esta razão não pode excluir as diversas formas de ser, sejam estas formas situadas em qualquer tocante das várias características que o ser humano possa ter. Seguindo a mesma linha, os dados catalogados pela Secretaria de Direitos Humanos do governo federal, destaca que nos anos de 2011-2012 somente no Estado de Pernambuco houve 270 e 228 respectivamente violações referentes à atitude de cunho homofóbico, estes dados dão suporte à necessidade imprescritível que todo ambiente de caráter público esteja atento à Graduanda em Direito pela Associação Caruaruense de Ensino Superior – ASCES, pesquisadora do Núcleo de Estudo sobre gênero – NUGEN, [email protected]. 30 Graduanda em Letras Espanhol pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, [email protected]. 31 Possui graduação em Direito, é mestra em Ciência da Informação pela UFPB, mestra em Direitos Humanos pela UFPB. Atualmente é professora dos cursos de Administração Pública e Direito da ASCES, também, Secretária pela secretaria da Mulheres e Direitos Humanos de Cararu. [email protected]. 29

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promoção e divulgação sobre esta violência que, por vezes, se mostra silenciosa por ter como sujeito no polo passivo do crime um grupo em situação de vulnerabilidade, ou seja, de certa forma, é legitimo o ato violento contra os grupos que estão em situação de invisibilidade. Entretanto, a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, constituem objetivos fundamentais da República, logo, todo e qualquer espaço tem o dever de promover a possibilidade de convivência entre as diversas formas de ser. Neste sentido, há de lembrar que a escola ocupa o papel de qualificar os alunos para o mercado de trabalho e, não menos importante, qualificar o aluno como cidadão em prol de uma sociedade melhor. Objetivo: Fomentar o debate entre professores, pais e alunos acerca da diversidade sexual, como também demostrar através de dados que expõe a taxa de violência pela homofobia. A fim de, mostrar que independentemente da orientação sexual, a homofobia é um ato que atinge sobre a dignidade da pessoa humana. Metodologia: A partir de estudos que estão interligados temos como primazia o texto constitucional, artigos 205 e 227, revisão de literatura das obras, sociologia geral co-autoria Lakatos e Marconi, o que é a sociologia? Mendras, os dados colhidos pela Secretaria de Direitos Humanos (20112012). Considerações finais: Por fim, busca uma reafirmação do papel social o qual compete à escola, uma vez que é dever constitucional assegurar as crianças e aos adolescentes e, portanto a uma sociedade futura ausência de crimes ou violações aos direitos humanos que tenham como motivo tolher o exercício da sexualidade de outrem. O cumprimento do princípio dignidade da pessoa humana deve ser identificado e praticado no ambiente escolar a fim de construir uma sociedade cidadã, que se respeite, mesmo não comungando da mesma confissão religiosa, classe socioeconômica, gênero, ou orientação sexual, o fato é que para uma melhor convivência de fato entre os seres humanos, deve-se existe ao menos uma possibilidade de comunicação entre os diversos movimentos e setores da sociedade em exercer os direitos inerentes à espécie. Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Homofobia. Escola democrática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Maria de Andrade. Sociologia geral. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2011. 104

LENHARD, Rudolf. Sociologia geral. 2. Ed. São Paulo: Pioneira, 1973. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violenciahomofobica-2011-1. Acesso em 03/08/2015. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violenciahomofobica-ano-2012. Acesso em 03/08/2015. MENDRAS, Henri. O que é a sociologia?. 1. Ed. São Paulo: Manole, 2004. Constituição Federal. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 03/08/2015.

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PERCEPÇÃO DO ESTUDO DE GÊNERO NA MÚSICA MULHERES: UM CONVITE À IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA. Josemar Medeiros da Silva32

Resumo Este artigo foi desenvolvido a partir da necessidade de enveredar nas discussões em torno das relações de gênero no âmbito escolar propondo uma abordagem didática que, no momento, não continha no livro adotado pela escola. A análise de conteúdo foi o recurso utilizado para despertar a “imaginação sociológica” do corpo discente, utilizando como material de pesquisa a música Mulheres (1995), interpretada por Martinho da Vila. Tomou-se como diretriz os documentos oficiais que legitimam e estruturam a educação escolar no território nacional, deste modo, a exegese partiu para a identificação do cumprimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCNEM e também, das Orientações Curriculares do Ensino Médio que prevê a formação de cidadãos com compromisso ético citando a escola como condição essencial a inclusão e democratização das oportunidades no Brasil constituindo-se em um exímio convite a uma educação de qualidade e a uma sociedade mais igualitária. Deste modo, pleiteia-se adentrar nos estudos de gênero, buscando apoio na disciplina de Sociologia acreditando que a educação é o acesso para o combate e enfrentamento contra ao chauvinismo masculino e fortalecimento a diversidade de gênero presente na contemporaneidade. Para delimitar a discussão e adentrar no campo de estudo das Ciências Sociais este artigo tencionou em apontar vieses que contribuíssem para o enriquecimento da aprendizagem desta vertente científica que ainda necessita de ser corporificada no currículo do ensino médio. Partindo deste pressuposto buscamos destacar três pontos da teia social em que 32

Professor da rede pública e estudante do Mestrado Profissional em Ciências Sociais ofertado pela Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ. Graduado em Ciências Sociais (UFRPE) com Licenciatura Plena em Sociologia (UFRPE) e com duas especializações: Gestão Escolar (UNICAP) e Fundamentos da Educação (UEPB). E-mail: [email protected]

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este estudo propõe contribuir para o entrelaçamento deste tecido sociológico: 1) A perspectiva do ensino da Sociologia no ensino médio; 2) As possibilidades e os efeitos da educação sobre a identidade e as relações sociais; 3) A construção de uma educação voltada ao enfrentamento de atitudes (pré)conceituosas. Para tanto, dialogamos com Helleieth Saffioti (1987), com seus estudos relacionados às questões de gênero; buscando apoio em Fátima Quintas (2005), que também delineou pesquisas em torno desta temática. No intuito de apreender essas três dimensões problematizadas a partir da letra da música, a leitura de Theodor Adorno e a relação da música com a Sociologia foi imprescindível permitindo assim, relacionar um estudo de cunho sociológico buscando apoio na música popular brasileira, em específico, na música Mulheres (1995) de autoria de Toninho Geraes e interpretada por Martinho da Vila, objetivando em trabalhar o conceito de Gênero, desmembrando-a da ideologia de categorização de sexo para um olhar mais amplo, para isso, apoiar-se na compreensão dos conceitos de identidade e de representação social tornam-se imprescindíveis, assim como, perceber a preponderância da segunda natureza na identificação social do indivíduo desmistificando a falácia de uma ordem natural no comportamento do homem e da mulher, também faz parte deste artigo. Possibilitando assim, enfocar o elo que aproxima o conhecimento sociológico e a educação em consonância com a noção do estudo sobre as relações de gênero, a partir de um estranhamento proporcionado pelas discussões em torno das questões de gênero durante as aulas de Sociologia. Neste intento, explicitamos as possibilidades de reflexão de representação social a partir das perspectivas individual e coletiva, bem como o conceito de gênero na perspectiva das políticas públicas. Estes procedimentos nos permitem identificar as relações sociais construídas a partir da imaginação sociológica permitindo estabelecer pontos de aproximação ou divergência sobre o estudo de gênero fomentando a compreensão de como essas reflexões contribuem para a formação do corpo discente. Metodologicamente, assumimos abordagem qualitativa e os resultados refletem a realidade da sociedade atual, evidenciando que embora haja uma tomada de consciência em relação à perspectiva e ao estudo de gênero, muito ainda se precisa avançar na construção de novos paradigmas que permitam rupturas com comportamentos e linguagens preconceituosas e sexistas. 107

Palavras-chave: Igualdade de gênero. Papel social. Poder. Política Pública.

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POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO, GÊNERO E SEXUALIDADES NA AMÉRICA LATINA: UM ESTUDO SOBRE AS CONQUISTAS POLÍTICAS BRASIL, CHILE E URUGUAI __________________________________________________________ Márcio da Silva Lima33 CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE – UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO RESUMO É sabido que em muitos países, os gays e as lésbicas não estão imunes a sentimentos homofóbicos. O ódio da sociedade contra os homossexuais é um dos grandes desafios políticos no século atual. A questão da homofobia tem provocado inúmeros debates na ambiência acadêmica e nos diversos setores da sociedade. É um tema complexo e que juridicamente tem cada vez mais galgado espaço nas pautas governamentais. Vejamos o caso brasileiro liderando o ranking mundial de mortes violentas contra essas minorias sexuais. Neste cenário muitas iniciativas tem surgido nos últimos anos, no que se refere às políticas propostas para Educação, Gênero e Sexualidades na prevenção e o enfrentamento de ações homofóbicas no Brasil e em outros importantes países latinos, como Uruguai e o Chile. O mote primordial de nossa análise são as políticas públicas propostas para Educação, Gênero e Sexualidades para o enfrentamento do fenômeno da homofobia em países latino-americanos, particularmente, no Brasil, Chile e Uruguai. Sendo assim, o nosso objetivo principal refere-se à conjectura das pautas das políticas públicas nas áreas de Educação, Gênero e Sexualidades, a partir de uma reflexão sobre as aproximações e distanciamentos das leis propostas em cada país estudado. É sabido que as demandas de reivindicações e lutas das minorias sexuais têm exercido forte influência na elaboração de políticas públicas para implementar e assegurar o direito a livre

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Márcio da Silva Lima é mestrando em Educação Contemporânea UFPE/CAA. e-mail: [email protected]

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expressão sexual. Nessa perspectiva, os estudos sobre gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros têm consubstancializado um campo de pesquisa e intervenção dos mais dinâmicos das últimas décadas. Tal fato segue uma tendência global que visa combater as formas de exclusão, silenciamento, opressão, marginalização, discriminação e preconceitos que historicamente incidem contra a comunidade LGBTs – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais. Outra questão importante é a que se referem ao estudo das sexualidades. Exatamente por isso, para discutimos as sexualidades e as orientações sexuais teremos que relacioná-las com os aspectos políticos na América Latina. Pesquisar sobre a área da Educação, Gênero e Sexualidade a partir de uma concepção crítica de política é importante e necessária para promover as práticas comprometidas com o rompimento de mitos, tabus e preconceitos relacionados às sexualidades. Desta forma o presente estudo parte da nossa vontade de estudar as leis brasileiras, chilenas e uruguaias e o esforço epistemológico para compreender as questões de Educação, Gênero e Sexualidades, que ganham mais relevâncias quando analisamos o fenômeno social da homofobia e suas implicações. A dimensão educativa no tocante será também outro ponto privilegiado do nosso estudo, discutindo as práticas educativas/docentes sugeridas via políticas públicas para promover o respeito entre os homens e fomentar noções de cidadania. Outro ponto interesse é a análise histórica de como a escola tem se posicionado mediante as questões como homofobia, gênero e sexualidades. As autoridades latino-americanas têm incessantemente, nos últimos anos, tomado medidas no sentido de eliminar as discriminações e violências que continuam sendo perpetradas contra homossexuais. Tal constatação demonstra que a favor da tolerância em relação às minorias estão às leis elaboradas por governos que visam aperfeiçoar o combate eficazmente contra manifestações discriminatórias em seus territórios, e também, signatários de acordos internacionais com semelhantes interesses. Contudo, as minorias sexuais ainda padecem de ações violentas e discriminatórias na grande maioria dos países latinos. Palavras chave - Educação, Gênero e Sexualidades na América Latina.

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RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE E O NÃO-DITO NAS AULAS DE FÍSICA DE UMA ESCOLA DA CIDADE DE GRAVATÁ/PE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA. Ribbyson José de Farias Silva34 Raianny Kelly Nascimento Araújo35 RESUMO Nos últimos anos, tem-se verificado no campo educacional, um investimento em atividades de formação continuada de professores/as e a implementação de políticas públicas em torno dos temas “diversidade sexual”, “enfretamento da homofobia”, “equidade de gêneros”. Pesquisas nesta área (OLIVEIRA, 2009; NOVENA, 2004; LOURO, 1995; 2001; MISKOLCI, 2007) salientam diversos eventos que contribuíram para desencadear um processo de revisão no posicionamento heteronormativo tradicionalmente assumido pelas instâncias educacionais no Brasil: a maior visibilidade das comunidades de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros - LGBT. No entanto, alguns fatos ainda preocupam. A maioria dos cursos de formação docente não possui em seus currículos componentes curriculares abordando o tema da diversidade sexual. Uma pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO (2004) demonstrou, que cerca de 60% dos/das docentes entrevistados/as – de um total de 5 mil – consideravam inadmissível uma pessoa manter relações homossexuais. Novena (2004) percebeu que a representação social da homossexualidade na escola está associada à ideia de anormalidade e a concepções essencialistas. Abramovay, Castro e Silva (2004), numa pesquisa realizada em treze capitais brasileiras e no Distrito Federal, apontaram dados graves: 25% dos alunos entrevistados disseram que não gostariam de ter amigos homossexuais; muitos professores são coniventes com a discriminação e o preconceito e consideram as ações e o uso da linguagem pejorativa como “brincadeiras” ou “coisas sem importância”. Na pesquisa de Tavares (2006), com concluintes das licenciaturas da UFRPE, a homofobia surge predominantemente na fala 34

Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste/Mestrando/ [email protected] 35 Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste/Mestranda/ [email protected]

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dos participantes, por vezes disfarçadas por posicionamento de tolerância. A Física pode ser considerada uma ciência socialmente construída. É muito comum, por exemplo, se associar comportamentos, roupas, sentimentos, profissões, ao gênero masculino e ao feminino. Tradicionalmente, inclusive, atribui-se a área de exatas ao gênero masculino e a de humanas ao feminino. Através das minhas vivências pessoais, profissionais e acadêmicas é possível perceber, entre os professores de físicas e alunos/as, que existem certas resistências, limites e processos de negação com relação a presença de sujeitos que assumam outras identidades de gênero, que fogem as concepções hegemônicas de gênero. Dessa forma, de acordo com Louro (2001), é preciso lutarmos por uma Pedagogia Queer, uma educação comprometida com as relações sociais e com a justiça, voltada para o reconhecimento das culturas, identidades e diferenças. Com este estudo almejamos conhecer como um professor de física e os alunos de uma escola da cidade de GravatáPE, lidavam com a presença de um sujeito homossexual ao decorrer das aulas. Estamos fundamentados no conceito de gênero, em uma perspectiva pós-estruturalista, como sendo historicamente, socialmente, culturalmente construído na relação do sujeito consigo e com o outro. (LOURO, 2001; MEYER, 2010) e na Teoria do Discurso proposta por Laclau e Mouffe (2001), onde o discurso é um sistema de significados e práticas sociais, construído, historicamente, que constitui as identidades dos sujeitos e objetos , e não há distinção entre o discursivo e extra-discursivo36. Esta pesquisa consistiu em um relato de experiência que descreve aspectos vivenciados pelo autor, na oportunidade de um estágio curricular obrigatório no curso de Física-Licenciatura, acompanhando uma sala de aula. Trata-se de um olhar qualitativo (LUDKE e ANDRÉ, 1986), que abordou a problemática desenhada a partir de métodos descritivos e observacionais. O corpus do relato foi constituído a partir das coletas feitas em um diário de estágio e a observação participante em uma sala do EJA nas aulas de física. Pelas observações e descrições (escritas no diário) realizadas nesta turma, percebeu-se que, surpreendentemente, tanto o professor quanto os alunos da turma se relacionavam com o estudante que se identificava

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Para Laclau e Mouffe, a construção discursiva não se restringe apenas ao que se refere ao escrito ou ao falado, não tendo, pois, uma concepção estritamente linguística do discurso.

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como homossexual de forma, aparentemente, tranquila e sem alguma reação homofóbica, mas sempre de maneira engraçada e sempre se referiam ao mesmo através de brincadeiras. Sales(2006) ao analisar os discursos não-ditos racista, ressalta que os discursos podem ser elaborados dentro de uma diversidade de recursos tais como silêncios, implícitos, denegações, discursos oblíquos, figuras de linguagem, trocadilhos, chistes, frases feitas, provérbios, piadas e injúria racial, microtécnicas de poder, funcionando como um registro informal e passional. Estes discursos estão dentro do que o autor chama de cordialidade racial, que por um lado a funciona como uma redução das distâncias sociais, por outro lado, funciona como uma forma de defender a paz e as ordens sociais, de modo a manter o status quo da sociedade, impendido que as relações se apresentem em espaços públicos. Dessa forma, percebeu-se que para os alunos/as e o professor a utilização de termos pejorativos para se referir ao aluno homossexual, através de piadas, frases, trocadilhos, ou seja, pelo discurso não-dito, não e considerado uma forma de violência simbólica ou algum tipo de preconceito. Palavras-chave: Física, Gênero , Teoria do Discurso.

REFERÊNCIAS ABROMOVAY, M.; CASTRO, M.; SILVA, L. B. Juventudes e Sexualidade. Brasília: UNESCO, 2004. LACLAU, E.; MOUFFE, C. Hegemony and Socialist Strategy: towards a radical democratic politics. Londres: Verso, 2001. LOURO, G.L. Teoria Queer: uma política pós-identitária para a educação. Estudos Feministas. 2, p. 541-553, 2001. LOURO, G. L. Produzindo sujeitos masculinos e cristãos. In: VEIGA-NETO, A. (Org.) Crítica Pós-estruturalista e Educação. Porto Alegre: Sulina, 1995. LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MEYER, D. S. Gênero e educação: teoria e política. In: LOURO, G. L.; FELIPE, J.; GOELLNER, S. V. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 2010. 113

MISKOLCI, R. A Teoria Queer e a questão da diferença. In: Cadernos de atividades e resumos do 16º Congresso de Leitura do Brasil (16º COLE), v. 1. p. 1-19. Campinas: ALB Associação de Leitura do Brasil, 2007. NOVENA, N. P. A Sexualidade na Organização Escolar: narrativas do silêncio. 2004. 255f. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004. OLIVEIRA, A.L.A.R.M. O discurso pedagógico pela diversidade sexual e sua (re)articulação no campo escolar. 2009. 271f. Tese de Doutorado em Educação, do Centro de Educação da UFPE, Recife, 2009. SALES, R. Democracia racial: o não-dito racista. Revista de sociologia da USP, v. 18, n. 2. p. 229-258. TAVARES, l. B. Deixem que digam, que pensem, que falem: a homofobia na visão dos formandos de licenciatura da UFRPE. 2006. 89 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.

UNESCO. O perfil dos professors brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam. São Paulo: Moderna, 2004.

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Relações de gênero e sexualidade no âmbito do estágio supervisionado II. Autora - SOUZA, Jessica Priscila Garcia dei Co-Autor - SILVA, Filipe Antônio Ferreira da² Orientadora – LAGE, Allene de Carvalho³ É recorrente escutarmos expressões do tipo “isso é coisa de menino” ou “isso é coisa de menina”. Esse exemplo, apesar de simples, aponta para as tendências que são perceptíveis em nosso cotidiano, as quais naturaliza as diferenças entre masculino e feminino, como se estas fossem de ordem biológica. Desta maneira, o presente artigo toma por eixo discursivo os embates atribuídos às questões de gênero e sexualidade nas escolas, no âmbito da educação no Ensino Fundamental II, buscando entender como as crianças externalizam suas preferências e como essas mesmas preferências estão calcadas por normas de comportamentos estabelecidos pelo padrão heteronormativo vigente. Trazemos como objetivo geral do nosso artigo, conhecer o modo como alunos e alunas expressam no cotidiano do Ensino Fundamental através de imagens do corpo humano, diferenças e aproximações nas relações de gênero e sexualidade. E como objetivos específicos: identificar as práticas que o/a docente usa para suscitar em sala de aula essa temática. Compreender as questões de gênero e sexualidade com as meninas e os meninos por meio de jogos e brincadeiras. Descrever como o conceito de gênero é vivenciado pelos meninos e meninas em sala de aula. Desta maneira nossa problematização está envolta aos conceitos que permeiam o imaginário da criança à existência de brincadeiras próprias para meninos e brincadeiras próprias para meninas e como seus corpos se comportam diante dessas expressões de gênero. Com vistas ao desenvolvimento deste trabalho embasamos nossa análise a partir de uma perspectiva de uma Pesquisa Qualitativa e no Estudo de Caso, convencional uma vasta exposição dos dados obtidos, que se intensificam permitindo assim, que o pesquisador obtenha recursos suficientes para alcançar os objetivos da pesquisa. Embasamo-nos a partir do método do Caso Alargado (SANTOS, 1983, p. 45) que consiste, segundo este autor, “em alargar a realidade através de um caso particular estudado e estender as conclusões desse estudo a casos mais amplos. Não se trata de mera generalização, mas 115

sim de encontrar singularidades e elementos estruturais em comuns que unam o caso conhecido aos não-conhecidos”. Além de entrevistas semiestruturada e a realização de atividades com os/as pequenos/as que nos possibilitou descrever e avaliar o modo como à questão do gênero e da sexualidade é considerada pelos/as mesmos/as. Tais metodologias contam com a participação de crianças do Ensino Fundamental, a professora de Ciências da turma e uma auxiliar de sala, sendo realizada em uma escola particular situada no Centro de Caruaru, agreste pernambucano. Desse modo é colocado em pauta a necessidade de uma forma reflexiva de ensinar às crianças do terceiro ano do Ensino Fundamental, sem necessariamente dizer-lhes o que cabe ou não como comportamento de menino ou de menina, bem como, propor uma reflexão acerca de como tratar e desarraigar preconceitos já observados em sala de aula, estes muitas vezes, já trazidos de suas casas e perpetuados na escola. Uma vez que, as problemáticas que envolvem os discursos de gênero e sexualidade nem sempre foram ou são encontradas em sala de aula. Espaço esse, que pressupõe que os indivíduos, agentes desse âmbito, estejam sujeitos a oportunidades de aprendizagem e troca de saberes, oportunizando discussões e problemáticas postas na sociedade. LOURO (1997) discute que “as diferentes instituições e práticas sociais são constituídas pelos gêneros”, portanto, mesmo que a discussão de gênero e sexualidade não estejam presentes em sala de aula, estas são inerentes ao espaço escolar, significando, pois, “que essas instituições e práticas não somente fabricam os sujeitos como também são, elas próprias, produzidas, portanto, por representações de gênero, étnicas, sexuais e classe” (Ibid). Dessa forma, as práticas e experiências vivenciadas em sala de aula imprimem marcas nos meninos e meninas, causando intencionalidades, por muitas vezes despercebidas pelos/as docentes. A partir da realidade encontrada em campo torna-se perceptível as dificuldades encontras pelos professores e professoras ao colocar em pauta a discussão de gênero e sexualidade, pois problematizar as aprendizagens a cerca destas discussões no espaço escolar e principalmente em sala de aula sempre se mostrou sinônimo de resistência. Contudo é justamente nesses espaços tidos como formadores, que meninos e meninas vivenciam as suas primeiras relações de gênero, e a externalizam a partir de falas, brincadeiras e das relações sociais estabelecidas neste âmbito. Concordamos nesse sentido com Louro 116

(1997, p. 61) quando esta afirma que “gestos, movimentos, sentidos, são produzidos no espaço escolar e incorporados por meninos e meninas, tornando-se parte de seus corpos. Ali se aprende a olhar e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar; se aprende a preferir”. A discussão das questões de gênero no Ensino Fundamental busca e possibilita uma educação mais igualitária, que respeita a criança na construção de suas identidades e que favoreça, desde as primeiras relações, a constituição de pessoas sem práticas sexistas.

Palavras-chave: Educação, Movimentos Sociais, Gênero e diversidade sexual.

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RESUMOS EXPANDIDOS

GT – 3: Educação, Gênero e Relações Étnicos-Raciais

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AS RELAÇÕES DE GÊNERO E ETNICIDADE NOS ESPAÇOS ESCOLARES: recortes de diários de campo. Mirthis Yammilit da Conceição Almeida37 (UFPE-CAA, GESTOR, LEAN) e-mail: [email protected] Erica Patrícia do Nascimento38 (UFPE-CAA) e-mail: [email protected] RESUMO O presente texto é fruto do (re)visitamento aos diários de campo de quatro pesquisas desenvolvidas pelas autoras durante a graduação em pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco, no Centro Acadêmico do Agreste (UFPE-CAA), através da experiência com os componentes curriculares: Pesquisa e Prática Pedagógica I e o Estágio Supervisionado I. Partindo do entendimento de que este instrumento se constitui como poderosa ferramenta metodológica, colocando em evidência diversas realidades escolares, buscou-se delimitar a construção deste trabalho analítico a partir dos registros dos diários que tratavam (in)diretamente das relações étnicas e de gênero. O lócus das pesquisas foram escolas publicas, nas quais, as autoras desenvolveram pesquisas individuais nos anos de 2013 e 2014. Com objetivo de: analisar como se davam as relações entre alunas negras e demais alunos no período em que os diários foram escritos. As pesquisas foram realizadas da seguinte forma: (PPP1, autor 1 e autor 2, e Estágio 1, autor 1 e autor 2) totalizando em quatro pesquisas e quatro diários, cada estudo foi desenvolvida numa escola pública diferente, sendo duas pesquisas referentes a cidade de Sairé-PE (PPP1 e estágio1 do autor1) e as outras duas na cidade de Santa Cruz do Capibaribe-PE, em duas escolas de ensino fundamental para a PPP1 e duas de educação infantil para o Estágio 1 . O uso da ferramenta metodológica referente ao diário de campo foi fundamental para a discussão de gênero e etnicidade proposta no presente texto e com isso, passamos a conhecer, identificar e analisar nos espaços escolares as relações sociais

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Graduanda em Pedagogia pela UFPE-CAA, membro do Grupo de pesquisa GESTOR- Pesquisa em Gestão da Educação e Políticas do Tempo Livre, membro do grupo de pesquisa LEAN- Laboratório de Estudos Antropológicos, Gestão do Centro Acadêmico de Pedagogia (Movimento Estudantil). E-mail: [email protected] 38 Graduanda em Pedagogia pela UFPE-CAA E-mail: [email protected]

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explícitas e implícitas no trato com as alunas negras a partir da perspectiva materialista histórica dialética. Como temas das pesquisas realizadas tem-se “a materialização de conteúdos que contemplam a educação para as relações étnico-raciais”. fundamentada na obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, que encontra respaldo legal na lei 10.639∕03, as três temáticas, por conseguinte, estiveram ligadas a ao uso da ludicidade na prática do professor e suas implicações. O interesse pela temática étnico racial surge no âmbito das lutas de classe e dos Movimentos Sociais Negros que pretendem uma educação mais justa e o reconhecimento de diversos fatores, sejam eles históricos, geográficos, sociais, econômicos e etc, relacionadas diretamente ao debate de gênero e a necessidade de um feminismo negro. Que combata as opressões sofridas historicamente pela mulher negra, comumente com os problemas escolares descritos nos diários como a auto-negação em ser menina negra, as transições capilares como saída para o bullying, as tentativas de invisibilidade das meninas negras na escola, a exclusão das meninas negras nos espaços de brincar, o repúdio com as bonecas negras na educação infantil tidas como feias e nojentas, a exclusão das meninas negras em situações de ciranda em que os demais colegas se negaram a pegar em suas mãos, a escola como um (des)lugar entre outras questões registradas nos diários. Do mesmo modo que os dispositivos legais que cunham a obrigatoriedade do ensino da história e cultura dos afrobrasileiros não tornam obrigatório a formação regular e continuada dos professores a cerca da temática, comumente, não se tem uma lei que obrigue um ensino feminista na escola, sendo essas questões marginalizadas nos espaços escolares. Nesse sentido, pensar uma educação antirracista para que os indivíduos se reconheçam e assumam uma identidade socialmente positiva, buscamos desenvolver esse texto como uma contribuição para a discussão de gênero e etnicidade nos espaços escolares. Vale destacar que os conteúdos sobre os quais eram tratadas as temáticas étnicas ocorriam de maneira conceitual e sutil como, por exemplo: “Senzala - casa dos escravos, onde eles comiam, descansavam e em algumas vezes faziam festas típicas.”; “Escravos- Pessoas que trabalhavam sem receber um salário, geralmente negros.”; “Moenda- instrumento usado para moer a cana.”. Negligenciando alguns fatores como a opressão simbólica, violência física, usurpação de bens e da dignidade dos Negros e Negras, não atendendo assim os 122

objetivos da lei 10.639/08, Nem Tampouco da luta dos Movimentos Sociais Negros e Feministas que durante décadas objetivam uma educação crítica e uma história contada pelos oprimidos. Desse modo, é nítida a importância desse debate e do reconhecimento desses agentes na sociedade, ressaltando sua contribuição no âmbito da economia, da política e da cultura na sociedade brasileira, os resultados dessa análise apontam a necessidade de um enquadramento temático na formação profissional e continuada dos professores. O estudo nos direciona a concluir que a existência de uma política pública que legalize e incentive o ensino é pouco útil diante da falta de formação especifica para os professores em qualquer nível de ensino, inclusive as leis que criminalizam o racismo não impedem que as crianças desde a educação infantil sofram essa violência, por isso é necessário a formação de professores e essa discussão de gênero e etnicidade na escola, haja vista que os professores são indispensáveis para essa formação moral e cidadã na combatividade das opressões.

Palavras-Chave: Educação; Relações de gênero e etnicidade; Espaço Escolar. Referências: ANJOS, Rafael Sanzio Araújo. A África, a Educação Brasileira e a Geografia. . In: Educação anti-racista; caminhos abertos pela Lei Federal nº. 10.639/03. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, pp. 167-184 BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnicoraciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília: MECSECAD/SEPPIR /INEP, 2004. __________. Lei 10639, 9 de janeiro de 2003. Disponível em: 8 Acessado em: 15/08/2013 BRITTO, Clovis Carvalho. Mulheres negras em movimento: rizomas da negritude e do

feminismo?.

Revista

Cadernos

de

Pagu

2012,.Disponível

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AS RETRATAÇÕES RACIAIS E ÉTNICAS DE MULHERES NEGRAS NA CULTURA NORDESTINA Ricelio Regis Barbosa da Silva Moura* Maria Aline Santos da Silva** INTRODUÇÃO Esse trabalho foi resultado de uma experiência na feira de artesanato da cidade de Caruaru-PE. Em que observamos as retratações raciais e étnicas de mulheres negras nas peças de arte expostas na feira pelos artesãos para comercialização e apreciação com o público. As discussões relativas ao preconceito e discriminação de gênero, raça/etnia, classe social, entre outras. É uma questão histórica, que está arraigada na sociedade. Diante desse cenário, temos a educação como um fator importante para oferecer a sociedade novos olhares, construir e desconstruir conhecimentos. Assim, os futuros/as professores/as buscam informações e conhecimentos estratégicos para a compreensão e o combate do preconceito e da discriminação raciais nas relações pedagógicas e educacionais das escolas. (CAVALLEIRO, 2000). Assim, tão importante quanto ter conhecimento estratégico para lidar com o preconceito de gênero, raça/etnia, entre outros. Em sala de aula, é preciso reconhecer o racismo nos mais diversos ambientes. Segundo Munanga (2005): “[...], não podemos esquecer que somos produtos de uma educação eurocêntrica e que podemos, em função desta, reproduzir consciente ou inconscientemente os preconceitos que permeiam nossa sociedade” (p. 15). Assim historicamente as mulheres foram excluídas e privadas de direitos básicos para viver livre na sociedade. O que fez surgir a luta pela equidade de direitos entre gêneros. Para Felippe (2009): “falar em condição de exclusão e de violência para as mulheres implica, por inferência direta saber das mulheres negras em pior situação! Situação que se evidencia na discriminação salarial; na não oportunidade”. (p. 16). Se ser mulher é difícil na sociedade patriarcal e machista, a mulher negra ainda é mais difícil. Assim temos como pergunta: Como são retratadas as mulheres negras na cultura nordestina através das peças de artesanato da feira de Caruaru-PE?

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Para responder essa pergunta temos como objetivo geral: Analisar como são retratadas as mulheres negras na cultura nordestina através das peças de artesanato da feira de CaruaruPE. E como objetivos específicos: 1) Conhecer como são retratadas as mulheres negras na cultura nordestina através das peças de artesanato na feira de Caruaru-PE. 2) Identificar os papeis e os lugares/espaços que as mulheres negras tem na sociedade retratadas pelas as peças de arte. METODOLOGIA Nosso estudo teve como abordagem a pesquisa qualitativa que “o grosso da analise é interpretativa”. (STRAUSS e CORBIN, 2008, p. 23). E como tipo o estudo de caso. Segundo Yin (2005): “Em geral, os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam em questões do tipo “como” e “por que”. (p. 19). Assim procuraremos atender aos objetivos: 1) conhecer como são retratadas as mulheres negras na cultura nordestina através das peças de artesanato na feira de Caruaru-PE. Utilizamos da observação participante. Por ser “um processo utilizado pelo o pesquisador observador de uma situação da sociedade, que ele tem um contato direto com os indivíduos”. (MINAYO, 2008, p.70). 2) identificar os papeis e os lugares/espaços que as mulheres negras tem na sociedade retratadas pelas peças de arte. Utilizamos dos registros fotográficos realizado das peças de artesanato da feira. Por fim utilizamos a analise de conteúdo. Para Bardin: “[...] aparece como um conjunto de técnicas de analise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. (BARDIN, 2004, p. 33). RESULTADOS Podemos notar na feira de artesanato as teias de sustentação do patriarcado e colonialismo presentes nas peças de arte ao retratar as mulheres negras. É explicito que elas são vítimas de uma dupla violência, por serem mulheres e negras. Mesmo que se tenha leis que defendam as mulheres e a raça/etnia. Entretanto elas não garante a efetivação das mesmas. Inúmeras peças mulheres negras são colocadas como submissas aos desejos dos homens, e das mulheres brancas. Retratadas fazendo algum serviço/trabalho relacionado ao cuidado dos outros, seja a família, o/a patrão/a, seu marido. Vistas socialmente como 127

inferior as mulheres brancas, que são mostradas em profissões de maior prestígio social. Enquanto as mulheres negras são retratadas sempre trabalhando, na cozinha, costurando, carregando potes na cabeça, nos braços, como escravas, ou pré-dispostas ao sexo, em posições sexuais, com seus órgãos genitais expostos, e mesmo quando vestidas, posicionadas de forma apelativa para o sexo. Notamos que quanto mais negra a cor de sua pele, mais elas estão com poucas ou sem alguma roupa. CONCLUSÃO Conhecer as retratações dos sujeitos, no caso: as mulheres negras na nossa cultura, permite perceber códigos e regras que, geralmente passam “despercebidos” por nossos olhares e tornam-se “representações” corriqueiras e cotidianas. Pelo motivo de ser uma questão sútil, ou mesmo pelo fato de ter se naturalizado, os preconceitos e a violência contra alguns grupos de indivíduos, como as mulheres negras, foram desde sempre colocados à margem das discussões, tratadas como questões inferiores, invisibilizados pelo estado, instituições sociais e sociedade. Assim as mulheres negras são marcadas pelo apelo sexual e, por sua virilidade para o trabalho.

Palavras chave: Educação. Gênero. Raça e Etnia.

REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Edições 70, LDA. 2004. CAVALLEIRO, E. S. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2000. FELLIPE, A. M. Feminismo Negro: Mulheres Negras e Poder: Um enfoque contra hegemônico sobre gênero. Acervo, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 15-28, jul/dez 2009. MINAYO, M. C. DE. S. (organizadora) DESLANDES, S. F. GOMES, R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes. 2008 MUNANGA, K. Superando o racismo na escola. 2ª edição revisada / Kabengele Munanga, organizador. – [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

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STRAUSS, A. e CORBIN, J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Tradução: Luciane de Oliveira da Rocha. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. 3ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.

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COTAS RACIAIS NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS: UMA ANÁLISE DAS AÇÕES AFIRMATIVAS DA LEI 12.711/12 Jason Pereira da Silva da Filho39 Rayana Maria Borba Correia e Sá40 Julliany Valério da Silva Santos41 Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP/Devry

Resumo: O Brasil por seu processo de colonização sofreu um grande processo de miscigenação, na qual, várias culturas foram trazidas por vários motivos, com isso o Brasil passou por diversos momentos na sua história e com a imigração de vários povos construiu a nação brasileira. Onde grande parte da população é parda ou negra, porém a discriminação racial ainda é grande, executada em decorrência da cor da pele das pessoas, na maioria dos casos os brancos discriminam os negros, sendo a discriminação racial chamada de racismo (MATTOS, 2013). O racismo é realizado com diversos sujeitos da sociedade, em alguns casos causam maior comoção social, como nos casos em que envolvem pessoas públicas, como apresentadores de programas da televisão ou jogadores de futebol. Uma das consequências do racismo foi o desencadeamento do ciclo de exclusão dos negros no país, colocando-os em situação de vulnerabilidade social e pessoal, o que é facilmente perceptível quando se observa os moradores das favelas nos centros urbanos de diversas capitais, ou os detentos do sistema carcerário (MATTOS, 2013). Ao longo dos anos o povo afro-brasileiro conquistou alguns direitos, sendo um deles as cotas raciais nas Universidades, assegurada pela Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, no entanto as cotas raciais já eram presentes na Universidade de Brasília (UnB) que foi a primeira Universidade a utilizar o sistema de cotas, implantadas em 2004, possuindo uma forma diferente das cotas asseguradas na Lei 12.711, em relação ao seu público alvo, onde direciona as cotas apenas para os negros, e em relação a porcentagem onde resguarda 20% (vinte por cento) das vagas para os candidatos cotistas

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Acadêmico de Direito, do Centro Universitário do Vale do Ipojuca (UNIFAVIP/Devry). E-mail: [email protected] 40 Acadêmica de Psicologia, do Centro Universitário do Vale do Ipojuca (UNIFAVIP/Devry). E-mail: [email protected] 41 Preceptora em Psicologia e Supervisora da Extensão Universitária Interdisciplinar Escola Legal do Centro Universitário do Vale do Ipojuca (UNIFAVIP/Devry). E-mail:[email protected]

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(UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2015). Este estudo pretende analisar as ações afirmativas presentes na Lei 12.711, tornando-se necessário para a pesquisa a observação da realidade das Universidades brasileiras no tocante aos estudantes negros, buscando debater sobre os objetivos das cotas raciais. Com a criação da Lei formaram-se grupos favoráveis e contrários às cotas, o que viabiliza estudos relacionados com as cotas, que tenham o intuito de proporcionar argumentos embasados em conhecimentos científicos para estes debates. Para isto o estudo utiliza a abordagem qualitativa, por permitir ao sujeito vários posicionamentos em relação ao objeto, e o estudo bibliográfico, por ser realizada a análise de material já elaborado analiticamente, como os livros e artigos científicos (GIL, 2002). Utilizando o citado método para a análise dos materiais coletados em diversas fontes, como livros e artigos científicos de teóricos especialistas na área. A Lei 12.711/2012, inicialmente dita à reserva de vagas para estudantes que cursaram de forma integral o ensino médio em escolas públicas, criando cotas para esses estudantes, que historicamente tiveram dificuldade em ter acesso ao ensino superior, tanto nas instituições públicas como nas instituições privadas, porém a lei expressa as cotas apenas para as Instituições Federais de Ensino Superior. Posteriormente a lei apresenta as cotas raciais, aqui se destaca a exigência de proporcionalidade entre os autodeclarados pretos, pardos e indígenas que realizam o processo seletivo e a população de mesma característica na Unidade Federativa, no caso das Universidades Federais, os estados-membros, levando em consideração o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A lei não especifica mecanismos, para coibir a participação de alunos que tentam burlar o sistema de cotas, se autodeclarando negros, quando não são, na prática são utilizados estereótipos para a classificação dos estudantes em determinada raça (AZEVEDO, 2005). Destacasse aqui a aplicação das cotas raciais e do procedimento a ser utilizado, como a proporcionalidade anteriormente apresentada, também para as Instituições Federais de Ensino Técnico de nível médio, sendo tal conteúdo apresentado no artigo 5º da lei. Outro elemento da Lei 12.711 é o prazo de dez anos, contados da sua publicação para que o Poder Executivo promova uma revisão do programa de um modo geral. Por fim identifica-se a necessidade da expansão de ações afirmativas que proporcionem capacitação aos negros, como as cotas raciais, mas também outras que possam acabar com a necessidade das cotas no futuro, capacitando-os para que consigam competir em igualdade com estudantes de outras escolas e/ou regiões, essas outras ações podem ser mais simples como no caso da localização das escolas públicas de qualidade, levando em consideração os locais, onde a população fosse a maior parte negra ou parda, como as comunidades espalhadas nas capitais brasileiras (FRY, MAGGIE, 2004).

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Palavras-Chave: Cotas Raciais, Ensino Superior, Racismo.

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Cota racial e jargão policial na Universidade: para onde vamos? Horizontes Antropológicos. n. 23. Porto Alegre, 2005, p. 222-224. Disponível em: Acesso em: 08 jul. 2015. FRY, Peter; MAGGIE, Yvonne. Cotas raciais – construindo um país dividido? Econômica. v. 6, n. 1. Rio de Janeiro, 2004, p. 153-161. Disponível em: Acesso em: 05 jul. 2015. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa, 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Entenda a evolução das cotas na UnB. Disponível em: Acesso em: 08 jul. 2015.

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HUMANIZAÇÃO DO PARTO E DO NASCIMENTO: REFLEXÕES A PARTIR DAS QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS Bruna Nascimento de Melo42 Juliene Tenório de Albuquerque43 Resumo: O presente trabalho é resultado de reflexões realizadas no âmbito do trabalho de conclusão da disciplina Relações Étnico-Raciais e do Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social da Faculdade Asces, voltados para análise do processo de implementação da Política de Humanização do parto e do nascimento no Hospital Jesus Nazareno de Caruaru. A utilização da pesquisa qualitativa vem utilizando as seguintes técnicas de pesquisa: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e entrevista semiestruturada com a equipe técnica do referido hospital. Sabemos que a temática da humanização do parto e nascimento vem sendo problematizada, desde a década de 70, pelo movimento feminista, na luta pelo reconhecimento das mulheres como sujeitos e protagonistas de suas vidas e histórias, na humanização do parto e garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Se, por um lado, importantes avanços foram conquistados, a partir da criação de legislações e políticas públicas para garantir esse direito, porém, mesmo com os avanços de tais políticas e legislações, por outro, as pesquisas indicam que muitas mulheres continuam sendo submetidas à violência obstétrica dentro dos serviços de saúde. Ressaltamos, contudo, que este tipo de violência atinge de forma mais intensa as mulheres negras revelando práticas racistas e a presença do racismo institucional nos serviços de saúde interferindo no acesso e na qualidade do atendimento de assistência ao parto e ao nascimento. De acordo com o Relatório Saúde Brasil, em 2005, 62% das mães de nascidos brancos referiram ter passado por sete ou mais consultas no pré-natal, enquanto que nas mães de nascidos pardos, este percentual foi de 37%; as mulheres grávidas negras morrem mais de causas maternas, a exemplo da hipertensão própria da gravidez, que as brancas; o risco de uma criança preta ou parda

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Graduanda 8° Período de Serviço Social pela Associação Caruaruense de Ensino Superior e Técnico – ASCES. E-mail: [email protected]. 43 Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Docente e Coordenadora do curso de Serviço Social da Faculdade Asces. E-mail: [email protected].

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morrer antes dos cincos anos por causas infecciosas e parasitárias é 60% maior do que uma criança branca (BRASIL, 2007). Os dados obtidos na pesquisa Desigualdades raciais, Sociodemográficas e na Assistência ao Pré-natal e ao Parto, realizadas no período de 1999 a 2001, revelam que a peregrinação em busca de atendimento foi de 31,8% entre as negras, 28,8% nas pardas e 18,5% nas brancas; a anestesia foi amplamente utilizada para o parto vaginal nos dois grupos, porém a proporção de puérperas que não tiveram acesso a esse procedimento foi maior entre as pardas, 16,4% e negras, 21,8%; em relação a estar com o companheiro ou familiar na ida para a maternidade, as gestantes pardas se assemelham às brancas, ficando as de cor preta em condição desfavorável, tendo 4,9% delas chegado desacompanhadas. A variável "tipo de prestador" reforça a desigualdade no acesso ao serviço de saúde entre brancas, pardas e negras (LEAL, CUNHA & GAMA, 2005). Tais dados materializam as questões colocadas pelo movimento negro, em especial, pautadas pelas mulheres negras, de que o racismo é algo presente no processo histórico e social da formação brasileira e que, ao analisarmos o acesso aos direitos e os casos de violência, o recorte de raça/etnia precisa ser observado. O racismo reafirma no dia a dia as práticas sociais e discursivas influenciando a vida, o funcionamento das instituições, das organizações e também as relações entre as pessoas. É condição histórica e traz consigo o preconceito e a discriminação, e que acometem de maneira dupla as mulheres, também vitimadas pelo machismo e pelos preconceitos de gênero (BRASIL, 2007, p.30). Neste aspecto, o reconhecimento de que a saúde da população negra tem características que conferem disparidades no que diz respeito às condições de saúde, seja do ponto de vista individual ou coletivo, e a proposta de promoção da equidade para efetivação do direito humano à saúde dessa população, o Conselho Nacional de Saúde aprovou, no dia 10 de novembro de 2006, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (SANTOS & SANTOS, 2013, p. 564). Mesmo com a criação de tais políticas públicas voltadas para a humanização do Parto e Nascimento, contamos com a questão do racismo institucional o qual é resultado de um processo histórico vivido em nosso país. A assistência ao parto é frequentemente vista como uma forma de violência contra as mulheres. Os preconceitos presentes na formação dos profissionais de saúde e na organização dos hospitais fazem com que as frequentes violações dos direitos humanos 134

e reprodutivos das mulheres sejam incorporadas e passem a fazer parte da rotina “normal” da assistência. (REDE FEMINISTA DE SAÚDE / DOSSIÊ, 2002). Concluímos, desta forma, que a problematização e a reflexão das questões de gênero e étnico-raciais são imprescindíveis na formação dos/as profissionais das diversas áreas, em especial, da saúde na perspectiva de garantia de direitos e condições equitativas das mulheres nos serviços de saúde. Palavras-chave: Política de Saúde. Humanização do Parto e do Nascimento. Questões Étnico-Raciais. Referências

BRASIL, Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, 2007. Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial. Dossiê Humanização do Parto / Rede Nacional Feminista de Saúde. Direitos Sexuais e Direitos

Reprodutivos.

São

Paulo,

2002.

Disponível

em:

LEAL, GAMA & CUNHA. Desigualdades raciais, sociodemográficas e na Assistência ao pré-natal ao parto 1999-2001. Ano 2005 MELO, Bruna Nascimento. Humanizar o Parto e o Nascimento a partir da experiência do Hospital Jesus Nazareno. Caruaru: Faculdade Asces, 2015. (Projeto de Pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso). SANTOS, Josenaide Engracia & SANTOS; Giovanna Cristina Siqueira. Narrativas dos profissionais da atenção primária sobre a política nacional de saúde integral da população negra. 2013

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MULHER NA CAPOEIRA: REFLEXÕES ACERCA DO PRECONCEITO NO REDULTO FAMILIAR Risonete Rodrigues da Silva44 Samuel Pereira da Silva Junior45 Ana Maria Tavares Duarte46

Resumo: Este trabalho origina-se a partir de uma atividade como parte dos requisitos avaliativos da Eletiva Educação e Inclusão Social, ofertada no Curso de Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/CAA. Tal tema causou muitas inquietações nos possibilitando posteriormente pesquisar acerca da inclusão de mulheres na capoeira. A pesquisa foi realizada no 1º semestre de 2014 com o grupo Associação Liberdade Capoeira (nome fictício) situado na periferia na cidade de Caruaru. O mesmo é uma extensão do grupo do mestre Gordon (nome fictício) localizado na cidade de Belo Jardim – PE. Este trabalho irá abordar questões de preconceito que a mulher capoeirista sofre por seus familiares, principalmente por parte do pai, mãe e esposo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Tendo como tema: mulher na capoeira: reflexões acerca do preconceito no reduto familiar. Questão problema: Quais os entraves enfrentados pela mulher na sua própria família, ao decidir que irá participar de um grupo de capoeira, onde a maioria dos integrantes são do sexo masculino? Assim, partimos do pressuposto: que a mulher sofre preconceito por parte de alguns de seus familiares, principalmente por parte do marido e do pai, quando participa de grupos de capoeira, por vivermos em uma sociedade machista e preconceituosa, e por se tratar de uma dança/luta na qual a maioria dos participantes são homens negros, e que envolver muito gingado. Tendo como objetivo geral: Analisar como a mulher capoeirista é vista por seus familiares e pela sociedade

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Graduanda em Pedagogia na Universidade federal de Pernambuco – centro acadêmico do Agreste – UFPE/CAA. E-MAIL [email protected] 45 Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela ESA-PE. E-MAIL: [email protected]. 46 Profª Adjunta III da Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste – UFPE/CAA. E-mail [email protected]

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marcada por herança de um sistema machista patriarcal. Específicos: I - conhecer a realidade da mulher capoeirista que participa da Associação Liberdade Capoeira (nome fictício); II - Identificar as principais contribuições da capoeira para o empoderamento da mulher que vem quebrando paradigmas ao optar por esse esporte. III – Identificar qual a relevância da capoeira na questão de gênero e nas relações étnico-raciaias. Teoricamente o estudo estar ancorado em: Minayo (2013), Lakatos (2010), Oliveira (2009); Bordieu (2012); Freire (1967); entre outros teóricos. Com o intuito de obter confirmação ou refutação de nosso pressuposto, acima citado, no nosso percurso metodológico entrevistamos (04) homens capoeiristas, (06) mulheres capoeiristas, (04) homens e (06) mulheres ambos não praticantes da capoeira, totalizando (20) sujeitos. Além de vídeos, documentários e relatos pessoais. O estudo foi realizado no primeiro semestre de 2014 e o critério de escolha do campo se justifica por uma família onde quase todos da casa são capoeiristas com exceção do pai, residirem próximo de nossa casa, o que causou certa inquietação. Os resultados mostram que a Associação Liberdade Capoeira, desenvolve um trabalho de conscientização e afirmação ético-racial, valorizando o negro e a mulher como sujeito de direito, além de desenvolver um trabalho educacional voltado a história movimento capoeirista e a parte disciplinar exigida pela capoeira como esporte. Essas atividades são desenvolvidas com crianças, adolescentes, jovens e adultos da comunidade, inclusive participa deste projeto um aluno com síndrome de down. Hoje, a capoeira é patrimônio cultura e está presente em associações, escolas, mesmo assim, seus integrantes, principalmente as mulheres ainda sofrem muito preconceito como podemos observar nas falas dos sujeitos entrevistados. “ Meu marido não deixava eu frequentar as rodas de capoeira, porque era um lugar que tem muito homem”. (Mulher, monitora de capoeira, 2014); “Muitas jovens que entram na capoeira desde criança, depois de casadas sai, por causa do marido ou até mesmo dos familiares e amigos que acham capoeira é coisa de homem”. (Lider e Mestre de Capoeira, 2014); “Eu sou outra mulher depois da capoeira, antes eu vivia com depressão, sofrendo com meu marido e achando que eu não valia nada, mas meu filho e meu sobrinho que são monitores de capoeira me incentivaram a dançar a capoeira e hoje sou monitora. Ganhei confiança, auto-estima, ganhei voz e principalmente conquistei o direito de controlar minha própria vida, pois a capoeira é 137

mudança pessoai e cultural”.(Monitora de 50 anos, 2014). Desta forma, podemos concluir que nosso pressuposto foi confirmado, ou seja, que a mulher sofre preconceito por parte de alguns de seus familiares, principalmente por parte do marido e do pai, quando participa de grupos de capoeira. Os alunos contribuem com uma pequena quantia para manutenção da associação, quando alguém do grupo está passando por alguma dificuldade financeira, os componentes se reúnem e tentam suprir essa dificuldade. Compreendemos que a capoeira não é apenas uma dança, vai mais além é um jogo e uma luta; luta esta que serve para a defesa e afirmação cultural do indivíduo e o empoderamento da mulher. É importante frisar que a Constituição Federal (artigo 5º, inciso I) garante a igualdade entre os gêneros. Entretanto, apesar da igualdade formal, ainda há um longo caminho a ser percorrido para a materialização deste dispositivo constitucional.

Palavras-chave: Mulher, Capoeira, Preconceito Familiar.

Referências BORDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad.: Maria Helena Kühner. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.

BRASIL. Lei nº 12.288/ 2010. Estatuto da Igualdade Racial. Brasília, DF, 2010.

BRASIL. Lei nº 10.639/ 2003. Diretrizes Curriculares para Educação das relações étnicoraciais.

DUARTE, Ana Maria Tavares; BARROS, Ana Maria de; BAZANTE, Tânia Maria Goretti Donato. Gênero em Debate: Dialogando sobre educação, inclusão social e direitos humanos. Vol. 1. 1. ed. Recife: Ed. Dos Organizadores, 2014. 138

FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 1. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

História da capoeira: origem da palavra capoeira, cultura afro-brasileira, lutas, funções sociais, como começou a capoeira, proibição, transformação em esporte nacional, os estilos http://pt.wikibooks.org/wiki/Capoeira/Hist%C3%B3ria acessado em 22/02/2014.

MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade / Suely Ferreira Deslande; Romeu Gomes; Maria Cecília de Souza Minayo (organizadora). 33. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

OLIVEIRA, Josivaldo Pires e; LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. Capoeira identidade e gênero: Ensaios sobre a história social da capoeira no Brasil. Salvador: UFBA, 2009

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UM OLHAR DECOLONIZADOR SOBRE A REPRESENTAÇÃO DO/A NEGRO/A NA CONTEMPORANEIDADE: UM ESTUDO FEITO A PARTIR DOS OBJETOS FOTOGRAFADOS NA FEIRA DE CARUARU-PE. Jaciana de Holanda Silva47 Maria Girlene Callado da Silva48 Maria de Fátima Rodrigues Duarte49 O presente trabalho propõe discutir as relações étnico-raciais, tomando novos direcionamentos no que se refere a essa temática. Ainda há muitas resistências a essa abordagem, pelo fato da herança colonial se apresentar ainda de forma tão perversa. Nessa direção é necessário refletir como o/a negro/a tem sido tratado em nossa sociedade, e um dos caminhos que nos levaram a pensar sobre isto, foi o de articular as nossas discursões realizadas em sala de aula na disciplina eletiva: tópicos especiais em educação - racismo e educação para as relações étnico-raciais, disciplina esta, estudada no curso de Pedagogia UFPE-CAA, em que eram discutidos assuntos acerca dessa temática. Deste modo tomando como objeto de estudo a representatividade do/a negro/a nos objetos da feira de Caruaru-PE, a nossa pesquisa realizada no ano de 2015, em que objetiva-se: Analisar como o/a negro/a são retratados nas imagens e objetos vendidos nas feiras. A) Perceber como a lógica colonizadora ainda perpassa a nossa sociedade. B) Compreender a luta dos/as negros/as para alcançar seu lugar de direito. Para tanto usamos uma abordagem qualitativa que por sua vez enfatiza a necessidade de se penetrar no universo conceitual dos sujeitos, esta valoriza o processo interativo entre sujeitos e objeto. Nesse percurso também fizemos uso da pesquisa etnográfica que como diria SEGOVIA 1988 “O método etnográfico tem a finalidade de desvendar a realidade através de uma perspectiva cultural” isto é, o mesmo busca compreender os significados atribuídos pelos próprios sujeitos ao

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Universidade Federal de Pernambuco-Centro Acadêmico do Agreste, graduanda em Pedagogia. E-mail: [email protected]. 48 Universidade Federal de Pernambuco-Centro Acadêmico do Agreste, graduanda em Pedagogia. E-mail: [email protected]. 49 Universidade Federal de Pernambuco-Centro Acadêmico do Agreste, graduanda em Pedagogia. E-mail: [email protected].

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contexto e a sua cultura a qual estão inseridos. Nossa base teórica fundamentada em: BRASIL (2004), BRITO (2011), CARNEIRO (2005), Estatuto da igualdade racial, Lei n° 12. 288, de 20 de julho de (2010), FERREIRA e SILVA (2003), GOMES (2005), Lei Federal nº 10.639/03, QUIJANO (2005), SEGOVIA (1988). No tratamento dos dados elencamos cinco categorias, a primeira que faz uma análise sobre a erotização doa negro/a, a segunda apresenta traços do patriarcado que perpassa a nossa sociedade, a terceira fala sobre a religião e o/a negro/a, a quarta faz inferências sobre o lugar social que o negro ocupa na sociedade, principalmente, no espaço econômico, tecendo comentários sobre o trabalho, e na quinta parte mostramos uma análise sobre como a sociedade tem embranquecido o negro. Como resultados, identificamos no decorrer da nossa pesquisa que a reafirmação da concepção colonizadora eurocêntrica ainda estar presente de maneira evidente em nossa sociedade, onde se alimenta uma visão estereotipada desses povos, nos quais vivem a margem de uma hierarquia social que discrimina e nega suas raízes culturais e seus valores humanos. Povos esses que são obrigados a não reafirmar suas identidades culturais, simplesmente porque são considerados como grupos étnicos inferiores não tendo o direito a ascensão social, pois o branco colonizador continua no poder colonizando sua cultura, seus conhecimentos e negando a diversidade que existe em nosso meio social. Percebemos ainda que o negro continua sendo retratado como um ser escravizado, que ficou preso no passado e não acompanhou a evolução da sociedade. São representados através de figuras de maneira distorcida da realidade, e por vezes ocupam os piores espaços sociais e econômicos, aqueles mais desfavorecidos, humilhantes e desumanos. Em vista desses resultados, consideramos que não basta ficar somente em teorizações, é preciso com urgência uma mudança na forma de olhar para estes sujeitos a começar pelos currículos escolares que trazem em si uma presença da herança colonial ainda preocupante. Sendo assim, são importantes as reflexões e apontamentos dessa visão etnocêntrica do conhecimento, ampliando o currículo, trazendo para ele a diversidade cultural, racial e social, cabendo a escola inserir atividades que proporcionem uma contribuição sobre tudo históricocultural. Fizemos desta proposta de pesquisa uma experiência muito significante e a

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tornamos um convite, a quem se interessar por aprofundamentos outros com ações e reflexões em torno dessa discursão. Palavras-chave: Negro, Sociedade, Decolonização. REFERÊNCIAS BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. BrasíliaDF. Outubro, 2004.

BRITO, José Eustáquio de. Educação das Relações Étnico-Raciais: desafios e perspectivas para o trabalho docente, 2011. CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. São Paulo, n.8. 2005. FERREIRA, Michele Guerreiro ;SILVA, Janssen Felipe da. Educação das Relações Étnico-Raciais e as possibilidades de decolonização dos currículos escolares: 10 anos da Lei nº10.639/2003, 2013. GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre Relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In. Edgardo Lander (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. Setembro, 2005. SEGOVIA Herrera, M. Risco e segurança do trabalho desde o ponto de vista de um grupo de trabalhadores de uma agência de distribuição de energia elétrica. In: ENCONTRO

INTERAMERICANO

DE

PESQUISA

QUALITATIVA

EM

ENFERMAGEM, I. São Paulo. Trabalhos. São Paulo, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, 1988. p. 63-9.

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RESUMOS EXPANDIDOS

GT – 4: Gênero, Corpos e Sexualidades

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A ATUAÇÃO DAS MULHERES NO GRUPO GUERRILHEIRO URBANO ARGENTINO “MONTONEROS” Amanda Monteiro Diniz Carneiro

Resumo: O presente trabalho tem como objeto analisar a atuação das mulheres no grupo de esquerda da Argentina, denominado Montoneros, no período de 1960 a 1979. O grupo se organizou em fins dos anos de 1960. Nesse sentido, é importante ressaltar que a formação do grupo, sofreu, além de influências específicas do contexto da Argentina, influências externas que moldaram a identidade do grupo. Partindo desse princípio, podemos destacar como influencia externa, a urgência revolucionária trazida pela Revolução Cubana, principalmente no que se refere à luta armada. Como influências internas podemos destacar as manifestações no seio da Igreja, em que muitos jovens lutaram contra a exploração e a pobreza, e o próprio Peronismo que também influenciou no processo de formação desse grupo e de outros que também surgiram nesse período. O grupo Montoneros foi um dos mais importantes do período. Era constituído, em sua maioria, por jovens que tinham a pretensão de transformar a Argentina em um país socialista, defendiam o anti-imperialismo e o fim do capitalismo. De maneira geral, seus principais objetivos eram o desenvolvimento nacional, a justiça social e o poder popular. O grupo atuava em assaltos a bancos e sequestros, especialmente em acampamentos militares, com o objetivo de arrecadar dinheiro e armas, que segundo eles, seriam usados para a construção de uma nação livre, justa e soberana. Assassinaram importantes lideranças políticas como Pedro Eugênio Aramburu, (presidente da Argentina no período de 1955 a 1958. Tal presidente defendia uma forte repressão em relação ao peronismo, sindicatos e trabalhadores.) e membros da Segurança Nacional, como o Major Júlio Argentino de Valle Larrabure. Em 1974 o grupo Montoneros entrou para a 

Graduada em História e mestranda em Ciências Humanas pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) Campus Diamantina-MG. E-mail: [email protected]

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clandestinidade. Com isso surgiram muitas dificuldades, tais como a falta de recursos e, sobretudo, a diminuição do contato político com as massas, entre outros problemas. Entretanto, as dificuldades se intensificaram ainda mais com o golpe militar de 24 de março de 1976, que levou à derrocada do governo de Isabel Perón. Nas décadas de 1960 e 1970 muitas mulheres jovens se envolveram na luta política, Norma Arrostito, a Gaby, como era chamada, foi um dos exemplos de atuação feminina nesse período. Junto com ela, podemos citar Antônia Canizo, Amanda Peralta, Marta Bazan, entre outras. Entretanto, por serem mulheres, em muitos casos, não alcançaram espaços de direção ou desenvolviam tarefas ditas “femininas”. Dessa forma, buscamos então, discutir a inserção de algumas dessas mulheres e mostrar de maneira geral, como atuavam nos espaços masculinizados nesse período. O estudo da atuação das mulheres, principalmente em grupos políticos que se denominam revolucionários, torna-se fundamental para problematizar os referidos espaços masculinizados da política, e principalmente para pensarmos nas atuações e posicionamentos políticos de mulheres e homens que, muitas vezes, reforçavam e reproduziam uma visão machista presente na sociedade. O fato de afirmarem-se revolucionários não os eximia de reproduzir diversos espaços de dominação da sociedade. Além de tudo isso, devemos pensar as mulheres, de forma diferenciada em relação aos homens, na medida que assumiam duas posições de resistência ao mesmo tempo, a primeira era a resistência a uma sociedade machista, que só aprovava a atuação feminina em espaços privados (nos seios familiares cuidando de afazeres domésticos) e a segunda a resistência ao sistema político instaurado. Dessa maneira, ser mulher militante era uma tarefa extremamente difícil, entretanto, isso não impedia a inserção e luta das mulheres nos mais diferentes grupos militantes e espaços públicos. Contudo, poucos estudos discutem sobre a condição feminina nos espaços políticos, como por exemplo, nos partidos, sindicatos, etc, durante esse período. Geralmente, debates são realizados sem diferenciar a questão de gênero, seus impactos e diferenças na militância e no interior das organizações políticas. Nesse contexto, este trabalho, busca novas perspectivas para pensar as mulheres como personagens históricos, principalmente no movimento popular e no jogo político na Argentina.

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Palavras-chave: Mulheres; atuação; montoneros. Referências BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1997. COSSE, Isabella. Pareja, sexualidad y familia en los años sesenta. Buenos Aires: Siglo XXI, 2010. Documentos Montoneros. Captado em: http://www.elortiba.org/docmon.html. Acesso: 26 jun. 2015. ETULAIN, Carlos Raul. A esquerda e o peronismo. 336 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e ciências Humanas, Campinas, 2001. GARATEGARAY, Martina. Montoneros Leales a Perón: Notas Sobre la Juventud Peronista Lealtad. Revista electrónica de la Asociación Española de Americanistas. Disponível em: < http://revistas.um.es/navegamerica/issue/view/11421>. Acesso em: 22 jun 2014 GARCIA, Marco Aurélio. O Gênero da Militância: Notas sobre as Possibilidades de Uma Outra História da Ação Política. Biblioteca Digital Unicamp, 1997. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2014. GASPARINI, Juan. Montoneros. Final de Cuentas. La Plata, 1999. GILLESPIE, Richard. Soldados de Perón: Los Montoneros. Buenos Aires: Grijalbo S.A., 1998. . LANUSSE, Lucas. Montoneros. El mito de los 12 fundadores. Buenos Aires: Ediciones B Argentina S.A., 2005. LARRAQUY, Marcelo. Fuimos Soldados: Historia Secreta de la Contraofensiva Montonera. Buenos Aires: Aguilar, 2006. PIGNA, Felipe. La Política en los 70. Revista El Historiador. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2014. ROCHA, Maria Marina de Lira. Uma onda de lama e sangue ameaça cobrir a República: Os discursos sobre a violência no governo de Isabelita Perón (junho de 1975- Março de 1976). 2011. 207f. Dissertação de Mestrado. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, UFF, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2014. 146

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CIDADANIA TRANS: O QUE A ACADEMIA TEM PRODUZIDO SOBRE ESSA TEMÁTICA NA ÁREA DE SAÚDE? João Luís da Silva50; José Gonçalves Alves Neto51; José Wellington Carneiro52 Resumo Introdução: a categoria teórica ‘cidadania’ se materializa principalmente através da efetivação de direitos e deveres dos mais diversos grupos populacionais existentes na sociedade. Cada população possui suas demandas específicas e com a transgênera (composta por travestis e transexuais) não é diferente, embora, ainda hoje, esse segmento tenha muitos dos seus direitos ceifados. Daí surge a ideia de ‘transcidadania’, que é o direito à dignidade, inclusão e respeito às pessoas trans. Atualmente, o Brasil passa por um momento em que essa temática se apresenta como pauta constante no debate sobre a promoção de direitos. Nesse debate, a comunidade acadêmica mostra-se muito importante, visto que, a partir de uma visão científica do tema, as pessoas transgêneras podem alcançar o respeito dos outros cidadãos e o cumprimento de garantias básicas, tal qual a saúde, que, no Brasil, passou a ser entendida como um direito social a partir da Constituição de 1988. Objetivo: o presente trabalho tem como propósito avaliar como a produção científica, na área da saúde, tem abordado a temática da cidadania trans. Metodologia: trata-se de um estudo exploratório, no qual foram realizadas buscas na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS - http://brasil.bvs.br), através do método integrado, dos seguintes termos ‘cidadania trans’, ‘cidadania travestis’ e ‘cidadania transexuais’, que constassem nos títulos, assuntos ou resumos dos trabalhos disponibilizados nessa plataforma. A BVS inclui dados das bibliotecas e centros de documentação das áreas especializadas da Rede Brasileira de Informação em Ciências da Saúde. Por esse motivo, os dados disponibilizados na BVS representam um importante indicador da produção

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Professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE – CAA) / Doutorando em Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP); [email protected]. 51 Graduando em Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE – CAA); [email protected]. 52

Graduando em Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE – CAA); [email protected].

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científica sobre temas específicos, como por exemplo, a cidadania de pessoas transgêneras. Somado a isso também foram realizadas buscas sobre os termos presentes no site Descritores em Ciências da Saúde (DeCS - http://decs.bvs.br) para se referir a essa população, bem como às questões de saúde relacionadas a esse grupo populacional. Resultados e discussão: foram encontradas apenas onze produções científicas, tendo sido publicadas entre os anos de 1993 e 2010. Esse quantitativo evidencia que ainda existe pouca literatura abordando a cidadania trans na área de saúde. Tal panorama indicia que grande parte das necessidades de saúde e realidades das pessoas transgêneras permanece no anonimato acadêmico. Quanto à natureza das publicações encontradas na BVS, 36% são artigos científicos, 36% são monografias, 19% são teses e 9% estão no formato de livro. Dois desses materiais foram produzidos nos anos 1990 e os outros nove datam dos últimos quinze anos, havendo uma maior presença de publicações da última década. Ao analisar os temas trabalhados nessas publicações, é possível perceber uma heterogeneidade de tópicos relacionados à população transgênera e ao exercício da cidadania. Alguns tinham em comum o impacto dos determinantes sociais na vida desse grupo, como pode ser percebido nos estudos que apontam a ligação da transfobia à marginalização, à evasão escolar e ao subemprego. Além disso, o termo ‘cidadania’ foi explorado pelos autores ao relatarem como se dá o exercício desta para as transexuais e travestis, quais seus direitos e o que pode ser feito para mudar algumas situações de opressão que constituem obstáculos para a vivência plena de direitos humanos. Contudo, nos estudos encontrados, existe uma expressiva ausência de temas importantes para a área de saúde que deveriam ser chamados ao debate científico, como por exemplo, a desburocratização do uso nome social, as terapias de hormonização (incluindo aquelas via automedicação e seus riscos), as famílias transparentais, os crimes motivados por transfobia, entre outros. Esse cenário reforça a certeza de que certas nuances ainda são esquecidas pela produção acadêmica da área. No tocante aos descritores encontrados no DeCS, foi possível observar que não há indexação do termo ‘Cidadania Trans’, ou seja, essa expressão não está catalogada e, portanto, não existe no DeCS, o que aponta a invisibilidade desse tema como categoria teórica. Contudo, foram encontradas as seguintes palavras indexadas para se referir a essa temática ‘Pessoas Transgênero’, 149

‘Serviços de Saúde para Pessoas Transgênero’, ‘Procedimentos de Readequação Sexual’, ‘Identidade de Gênero’ e ‘Transexualismo’. Este último termo, em especial, aponta o quão patologizantes ainda podem ser as percepções hegemônicas da área de saúde na abordagem desse objeto. Conclusões: apesar do pequeno quantitativo de publicações sobre a cidadania trans na área da saúde, é importante reconhecer que existe um aumento crescente destas. Contudo, é importante que as pesquisas passem a adotar uma abordagem que confira não só visibilidade a essas questões, mas também proponham soluções que atendam as necessidades de saúde dessa população, através de medidas que garantam uma maior inclusão social. Isso porque os trabalhos produzidos dentro das instituições de ensino superior e pesquisa servem como importante base científica para a elaboração de políticas e ações de saúde. Assim, será possível amplificar a voz dessa população e fazer com que ela seja ouvida não somente dentro das faculdades, mas também em hospitais, escolas, postos de trabalho e todos os outros setores sociais. Palavras-chave: Cidadania; Pessoas Transgênero; Identidade de Gênero. Referências AQUINO, E. M. L. Gênero e saúde: perfil e tendências da produção científica no Brasil. Rev Saúde Pública 40: 121-32, 2006. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Título VIII – Da Ordem Social, Seção II – Da Saúde – artigo 196200, 1988. BRASIL. Ministério da Saúde. Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde. Portaria n° 675/GM/2006. Revogada pela Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 mar. 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 2836, de 1° dezembro de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política nacional de saúde Integral LGBT). 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Brasília: 1. ed., 1. reimp. Ministério da Saúde, 2013. 32 p. ISBN 978-85-334-144-5. 150

PEREIRA, E. D. S. Participação social e a construção da equidade em saúde: o Conselho Nacional de Saúde e Direitos da População - LGBT. 2011. 90 f. Dissertação (Mestrado em Política Social), Universidade de Brasília, Brasília, 2011. VIANNA, C. O movimento LGBT e as políticas de educação de gênero e diversidade sexual: perdas, ganhos e desafios. Educação e Pesquisa (USP. Impresso), p. 00-00, 2015. VIEGAS, C. M. A. R.; RABELO, C. L. A.; POLI, L. M. Os Direitos Humanos e de personalidade do transexual: prenome, gênero e a autodeterminação. Rev Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 110, mar 2013.

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CORPPOS EM QUESTÃO: UMA ANÁLISE SOBRE O DEBATE ACERCA DO RECONHECIMENTO DAS TRANS COMO SUJEITOS DO FEMINISMO Indira Corban Brito Guerra53 A categoria “mulher(es)” surge no seio do pensamento feminista como identidade coletiva capaz de reunir em torno de si uma experiência compartilhada, agregar interesses e objetivos comuns e dessa forma constituir o sujeito em torno do qual o feminismo se organiza. Embora pareça obvia a afirmativa de que as mulheres são o sujeito em nome e em prol do qual o feminismo está articulado, esta afirmação esconde atrás de si os grandes impasses e tensões que tem marcado teórica e politicamente o feminismo contemporâneo e dado contornos a uma de suas mais importantes querelas na atualidade: as questões em torno da constituição do sujeito político na relação com o signo identitário mulher(es). Embora sob o que chamamos feminismo abrigue-se uma gama bastante diversa de abordagens e perspectivas, é possível afirmar que por muito tempo o pensamento feminista compreendeu as mulheres como classe homogênea e estável, orientando toda a sua construção teórica e política a partir desta conceitualização. Aos poucos – e a partir da convergência de múltiplas forças – estes pressupostos foram sendo problematizados e o rompimento com o essencialismo e o universalismo que dominavam a construção do “ser mulher” e orientavam o tratamento da experiência como algo homogêneo são ganhos indiscutíveis (MARIANO, 2005, MENDES, 2002; PISCITELLI, 2004). No contexto do Brasil, desde o início do século XXI novos sujeitos tem se aproximado do campo feminista em busca de reconhecimento político frente a este movimento e reivindicado a sua incorporação e legitimação neste espaço de atuação. Dentre estes segmentos de novos sujeitos estão as transexuais, grupo ao qual atribuo um caráter particularmente desafiador e sobre o qual pretendo me debruçar neste trabalho. (ADRIÃO, 2008; MELO, 2008). A demanda das transexuais por reconhecimento político (re)abriu um campo de discussões que tem ocupado um lugar de grande importância e tomado um espaço cada vez maior no feminismo, tanto na sua esfera teórica, quanto nas suas pautas políticas. Esta questão tem adentrado a academia, os encontros, conferências, 53

Mestranda pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB [email protected]

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articulações, fóruns etc. colocando o feminismo frente a dilemas que, embora novos, revisitam antigos impasses e trazem de volta velhas questões: o que afinal significa “ser mulher”? Quais são os elementos estabilizadores desta identidade? Que formas de ser mulher estão sendo consideradas na política representacional e identitária feminista? Entendendo o feminismo como um campo de disputas onde a categoria mulher(es) está em permanente negociação, e considerando: 1) a centralidade do significante “mulher(es)”; 2) a importância dos debates em torno da constituição do sujeito e de sua(s) identidade(s) para o desenvolvimento teórico e político do feminismo; e 3) os desafios lançados pela recente aproximação das transexuais; esta pesquisa tem como objetivo central analisar - desde os subsídios trazidos pelas reformulações do conceito de gênero e, especialmente, a partir das contribuições de Judith Butler - as tensões em torno da categoria “mulher(es)” no debate sobre o reconhecimento das transexuais como sujeitos do feminismo, no contexto do Feminismo específico do Movimento Feminista de Pernambuco (PE), a partir de instituições integrantes do Fórum de Mulheres de Pernambuco (FMPE). Através de entrevistas semiestruturadas como interlocutoras chave, o trabalho buscou analisar o que se entende por “ser mulher” neste contexto e quais os elementos constitutivos dessa categoria; compreender como o limite entre ser e não ser mulher é construído nesse debate; bem como entender como as noções de “mulher” são posicionadas nos argumentos, gerando posições contrárias e favoráveis ao reconhecimento das transexuais como sujeitos do feminismo. Palavras-chave: mulher(es); feminismo; transexuais REFERÊNCIAS ADRIÃO, Karla Galvão. “Encontros do feminismo: uma análise do campo feminista brasileiro a partir das esferas do movimento, do governo e da academia”. Tese (Doutorado interdisciplinar em Ciências Humanas) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2008.

BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Tese (Doutorado em Sociologia) - Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, Brasília. 2003. 153

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 3º ed. 2010. MARIANO, Silvana Aparecida. “O sujeito do feminismo e o pós-estruturalismo”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 3, p. 483-505. 2005. MELO, Erica. “Feminismo: velhos e novos dilemas, uma contribuição de Joan Scott”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 31, p. 553-564. 2008. MENDES, Mary Alves. “Estudos feministas: entre perspectivas modernas e pósmodernas”. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, 18 (2), p. 225-237, jul./dez. 2002. MISKOLCI, Richard. “A Teoria Queer e a Sociologia: o desafio de uma analítica da normalização”. Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n. 21, p. 150-182, jan./jun. 2009. NICHOLSON, Linda. “Interpretando o gênero”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 09- 41. 2000. PISCITELLI, Adriana. “Reflexões em torno do gênero e feminismo”, in Claudia de Lima Costa e Simone Pereira Schmidt (orgs.), Poéticas e Políticas Feministas. Florianópolis, Editora Mulheres, pp. 43-66. 2004 NICHOLSON, Linda. “Interpretando o gênero”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 09- 41. 2000. SCOTT, Joan Wallach. “Gênero: uma categoria útil para a análise histórica”. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.

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“EU NÃO MEREÇO SER ESTUPRADA”: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO SOBRE PERCEPÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA Thaiza de Carvalho dos Santos54

Resumo Neste estudo, reflito sobre o papel da mulher na sociedade e sobre como determinados discursos revelam as diferentes relações que se estabelecem entre a forma como as mulheres estão se percebendo e como a sociedade percebe a sua sexualidade. Objetivando, desta forma, pensar sobre a representação da mulher na sociedade brasileira, no tocante ao seu corpo e a sua sexualidade. Para isso, analiso dois textos, a saber: Gráfico 24 “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacada”, da pesquisa sobre Tolerância Social à Violência Contra as Mulheres, realizada pelo Ipea e publicada no SIPS, em março de 2014 e o texto da campanha “Eu não mereço ser estuprada”, publicado na rede social Facebook em 27 de março de 2014, escrito pelo jornalista Nana Queiroz em resposta ao resultado da pesquisa sobre violência contra a mulher do Ipea. Estes textos tratam de um ponto importante para a compreensão da identidade e da sexualidade feminina, objeto deste estudo. Mostram que o papel feminino, relacionado a sua identidade é dependente de condições como vestimentas e comportamento, impostas por uma sociedade historicamente machista. Indicam que existe um padrão discursivo na atribuição do status da mulher na sociedade brasileira e que, apesar das graduais mudanças legais e sociais, ainda se verifica a hegemonia masculina no que tange ao gozo da liberdade sexual feminina. Compreendendo que o conceito de identidade é importante para a afirmação social de um sujeito, Raiol (2014) fundamenta que a sexualidade feminina define o modus de ser da mulher. Para Woodward (2013) a identidade é relacional, e que a diferença se estabelece por marcações simbólicas relativas a outras identidades. Nesta relação, a identidade da mulher está intrinsecamente relacionada à masculina a partir de condições sociais e materiais que historicamente delinearam o papel 54

Mestranda em Linguística na área de Linguagem e Sociedade, Universidade de Brasília. [email protected]

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da mulher na sociedade como “inferior” ao do homem. O corpo deixa de ser visto como objeto do outro para ser símbolo de defesa, de ideais, crenças. O corpo é uma forma de ser, nele estabelecemos fronteiras que nos definem, logo o corpo também fundamenta nossa identidade. Neste sentido, os textos que ora analiso representam imediatamente duas formas divergentes de percepção do corpo feminino e da sexualidade da mulher nesta sociedade globalizada. É desta divergência que trato, no intuito de compreender como se identifica a mulher e sua sexualidade na sociedade brasileira. Historicamente, a mulher vem sendo representada como esposa e mãe. Na condição de esposa a mulher estava a serviço do marido e seu corpo era propriedade dele. Aqui a sexualidade estava relacionada a concepção, emergindo seu segundo papel: o de mãe. Vê-se, deste modo, que a mulher não é sujeito de si, nem de seu corpo, ao contrário, ela é paciente da vontade do marido e objeto de procriação. Percebo, ao fim deste estudo que as relações entre homens e mulheres, mesmo com o advento da globalização e da modernização está impregnada com ideias e crenças passadas, uma delas de que os principais papéis da mulher é o de ser mãe e esposa, e que sua plenitude acontece apenas na concepção de uma vida. Por seu caráter linguístico e social, neste trabalho coaduno com os preceitos teóricos da Análise de Discurso Crítica (ADC), considerando o discurso como um modo de ação, uma maneira que as pessoas podem agir sobre o mundo e, especialmente, sobre os outros e também “um modo de representação”, ou seja, como um sujeito representa o mundo e outros sujeitos sociais, segundo Fairclough (1999, 2003). Também serão utilizados estudos de Raiol (2013, 2014) e Vieira (2005), além das contribuições de Woodward (2013) sobre identidade. A categoria de análise desta pesquisa considerará os aspectos discursivo-textuais propostos por Fairclough (1999, 2003), a saber: Identificação (construção da identidade e identificação dos atores sociais); Intertextualidade (relações semânticas-gramaticais) e Interdiscursividade.

Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica. Sexualidade Feminina. Violência Sexual.

Referências Bibliográficas 156

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GÊNERO E ORDEM COMPULSÓRIA NO PENSAMENTO DE JUDITH BUTLER: REFLEXÕES PARA PENSAR IDENTIDADES55 Roberta Rayza Silva de Mendonça56

RESUMO O presente resumo busca analisar e refletir sobre a ideia de “gênero” discutida por Judith Butler (2010) em sua obra “Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade”, observando o que autora alude ser a concepção de “ordem compulsória”. Assim, traremos a Teoria Queer ao debate como forma de pensarmos sobre as identidades contemporâneas. Nosso objetivo é compreender e refletir sobre como essa “ordem compulsória” implica na não aceitação do outro, visto como diferente, que incide no fortalecimento de binarismos e no fomento de preconceitos, especialmente por questões de gênero, nos dias de hoje. Trata-se de um estudo exploratório e descritivo (GIL, 2009 ano?), que visou realizar uma interpretação destes conceitos a partir dos elementos bibliográficos existentes. Butler (2010) faz um estudo sobre gênero e sexo, observando que o gênero é algo que se constrói culturalmente, através de experiências, gostos e escolhas do indivíduo, e o sexo seria um fator biológico, ou se nasce homem, ou se nasce mulher. Problematizando o gênero, que para ela não decorre naturalmente do sexo, Butler (2010) rompe com o que vem a chamar de “ordem compulsória”. O que ela define como sendo “ordem compulsória” é justamente o padrão, que existe entre sexo-gênero-desejo, padrão este que é esperado e cobrado pela sociedade desde o momento em que se descobre o sexo do bebê. Ao fugir deste padrão, o indivíduo, dificilmente será aceito em todos os grupos sociais, rompe com uma “identidade hegemônica”. Pensada como uma teoria que se preocupa apenas com questões sobre sexualidade, a Teoria Queer vai além, se depara com conflitos referentes à religião, idade, cor ou qualquer característica que venha a segregar/classificar o sujeito, o que, ao nosso ver, incide na ideia de “identidade”. Teoria 55

Este estudo é parte de uma pesquisa mais ampla a qual desenvolvemos atualmente no nosso trabalho de conclusão de curso em Direito, o qual relaciona a Teoria Queer na análise sobre o pensamento jurídico acerca da adoção. 56 Graduanda em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca. Email: [email protected]

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pós-estruturalista e pós-identitária, acredita que identidades são múltiplas e arbitrárias, múltiplas porque existem diversas, e arbitrárias porque quando o sujeito se identifica em determinado grupo, ele deixa de vivenciar outras experiências, é normatizado por padrões hegemônicos e heteronormativos. Entretanto, observa-se que estas identidades devem ser respeitas, a diversidade é o ponto das ideias sobre gênero no pensamento queer. Butler (2010) nos fala de uma “performatividade”, observando que nossos corpos não livres, são “corpos abjetos”, apenas reproduzem um discurso de poder, que tenta padronizar a sociedade, encaixando-os em um padrão heteronormativo, repetidamente construído, para que o indivíduo seja aceito, e uma vez que este sujeito não está dentro de tais padrões, não é acolhido pela sociedade. No que diz respeito à “ordem compulsória”, Butler (2010) defende que não deve existir um padrão entre sexo-gênero-desejo, pois, o fato de que se nasce homem ou mulher não deve predeterminar o gênero, tampouco o desejo. Ao discutir essas ideias, a autora dialoga com uma concepção de identidade livre. É essa ordem, preestabelecida pela sociedade e seus costumes, que Butler (2010) critica, pois, uma vez que essa ordem, socialmente aceita, deve ser respeitada, estamos negando ao ser humano o direito de escolha, direito de viver outras experiências, e assim, estamos tornando esse sujeito heteronormativizado, estamos padronizando um modelo de identidade. O corpo, objeto passível dessa performance a que Butler (2010) se refere, é quem projeta o discurso de poder reforçado pela sociedade, discurso este que diz que deve haver uma coerência entre sexo, gênero e desejo, ou seja, a “ordem compulsória” que deve ser seguida para que o indivíduo heteronormativizado seja reconhecido socialmente. Trabalhando a ideia de que o gênero é culturamente construído, e que não deriva necessariamente do sexo, o corpo, então, seria o que dá vida a essa performance a qual Butler (2010) se refere. O corpo projeta o gênero através de uma encenação, portanto, uma vez que o gênero está sendo performativizado, o sexo não necessariamente define o gênero, que por sua vez não irá definir o desejo ou identidade. Prins e Maastricht (2002) em entrevistarem Judith Butler, questionando quanto ao que ela entende como sendo a “abjeção do corpo”, é possível percebermos que a autora se esquiva quanto a exemplificar seus conceitos, pois, para ela, eles podem mudar a depender do contexto ao qual estão inseridos, reforça sua ideologia fluida de identidades, e afirma a autora que “discursos, na verdade, habitam 159

corpos. Para ela, eles se acomodam em corpos; os corpos na verdade carregam discursos como parte de seu próprio sangue”, reforçando seu pensamento de que o corpo não é livre, e que ele representa, através da performance, esse discurso. Assim, podemos entender que o conceito de gênero que Butler (2010) apresenta é o gênero socialmente construído, rompendo a ideia de que deve existir um padrão identitário, uma “ordem compulsória” enquanto regra socialmente aceita, entre sexo-gênero-desejo. E que o corpo abjeto, que para ela “não se restringe de modo algum a sexo e heteronormatividade”, é um corpo que está atrelado ao discurso de poder socialmente construído.

Palavras-chave: Gênero. Ordem compulsória. Identidades.

REFERÊNCIAS BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. PRINS, Baukje; MEIJER, Irene Costera. Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 155167, Jan. 2002.

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HERANÇAS DE PRECONCEITO DE GÊNERO CONTRA A MULHER NO SÉCULO XXI Stella Monteiro do Nascimento57

RESUMO: O presente artigo busca refletir acerca do processo histórico das mulheres na sociedade, entendendo fatores que implicam diretamente no modo como as mulheres são colocadas na atualidade. A mulher, que muitas vezes é datada como o sexo frágil, com o tempo foi mostrando o contrário, mudando e conquistando seu lugar de sujeito desejante e atuante no mundo. Durante a Idade Média, as mulheres eram vistas como seres inferiores aos homens. A mulher era considerada perigosa, pois acreditava-se ser ela a responsável pela existência dos pecados, por isso sofria as dores do parto e a dominação do homem, que tinha o direito de castigá-la (Guerreiro, 2011). A mulher portanto fazia parte da escala dos excluídos da sociedade, assim sendo sempre repreendida, e nunca ouvida. A mulher era vista dessa forma por ser associada à personagem bíblica “Eva”. Eva, no Livro dos Gênesis, é a responsável por Adão comer o fruto proibido, e considerada a culpada pela perdição de Adão, mesmo não o tendo forçado a tal. Nos castigos dados por Deus, o homem foi condenado a trabalhar para conseguir alimento e a mulher coube a dor do parto, a restrição sexual e a submissão ao homem. (Moura, 2014) Até o século XVII, só se reconhecia um modelo de sexo, o masculino. A mulher era concebida como um homem invertido, desta forma, entendida como um sujeito menos desenvolvido na escala da perfeição metafísica. No século XIX a mulher passa de homem invertido ao inverso do homem, ou sua forma complementar. (Silva et al., 2005) A asseguração da cultura, do pensamento alheio, da sociedade e da religião, podem impor a maneira que cada sujeito deve se portar diante da sociedade, mas nunca impedir de ser e lutar por aquilo que realmente se é, e deseja, foi justamente isso que aconteceu com o sujeito mulher, não baixou a cabeça e fez valer sua voz e força reinvindicando seus direitos, mostrando sua capacidade, autoridade e competência, tanto quanto o sexo oposto. A partir do século

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Graduanda em Psicologia pela UNIFAVIP/DEVRY. E-mail: [email protected]

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XVIII inicia-se o processo de reivindicações para a conquista dos direitos da mulher, a luta por direito ao voto foi a primeira delas, o direito da mulher de votar, foi tornando-se aos poucos aceito nos países, mas no Brasil foi aceito somente no ano de 1920, e concretizado apenas em 1933. (CUNHA, 2013) As mudanças no Brasil ocorriam a cada instante, no século IXX o Brasil torna-se república, e no século XX com a Primeira e Segunda Guerra Mundial as mulheres passaram a ter participação ativa nos negócios da família e outros tantos, já que os homens apresentavam-se aos campos de batalha.(Moura, 2014). Esse direito e outros tantos deram ênfase e lugar a mulher que hoje não se estabelece só como cuidadora e esposa, passando a fazer parte do mercado de trabalho e tendo acesso a escolaridade, mostrando que toda a classe deve ser tratada de forma igual e não inferior, e mesmo diante de tantos preconceitos e culturas que a colocam numa posição paciente, tanto na história da evolução quanto nos dias de hoje a mulher foi e tem tido um papel fundamental na sociedade. Porém ainda hoje no século XXI é visto com frequência mulheres em posições preconceituosas, seja na família, onde muitas vezes o filho homem dispõe de mais autoridade que a filha mulher, ou ainda a esposa que ausentase do trabalho para cuidar dos filhos, visto que cuturalmente o papel de cuidadora foi estabelecido como seu e não do sexo masculino; no trabalho, que em algumas ocasiões existe um certo olhar de preconceito quando a mulher ocupa um lugar de autoridade, superioridade; na música, onde muitas vezes as letras degrinem a imagem da mulher, e até nas próprias piadas, como: “mulher no volante, perigo constante”. Esse lugar em que a mulher foi colocada muitas vezes é tão imposto que passa a ser uma verdade para ela, dessa forma torna-se alienada socialmente e psiquicamente. Naturalmente, quem partilha o delírio jamais o percebe. (Freud, 1939).Conhecendo hoje o potencial da mulher percebese que a inferiorização da mesma não foi um fator merecido, mas apenas a realização de um ideal cultural, cultura essa que poderia ter tomado outros rumos com a evolução do tempo, mas que ainda é percebida no cenário da nossa sociedade. Atenua-se para o pensamento de que muitas vezes as pessoas necessitam colocar o outro numa posição baixa para sentir-se mais perceptível e valorizado. Visto que o homem na antiguidade era tido como o sujeito mais importante da constituição social e familar, sendo assim, mais importante que o sujeito mulher. Por isso torna-se contraditório afirmar viver numa 162

sociedade desenvolvida, quando na verdade obtem-se ainda sujeitos com pensamentos preconceituosos, tidos como inapropriados a época que nos encontramos. Contudo, temse como objetivo geral: Compreender os mecanismos históricos que cooperam para o preconceito de gênero da mulher no século XXI.

Palavras-chave: Mulher. Sociedade. Preconceito.

REFERÊNCIAS

SILVA, Glauce Cerqueira Corrêa da; SANTOS, Luciana Mateus; TEIXEIRA, Luciane Alves; LUSTOSA, Maria Alice; COUTO, Silvio César Ribeiro; VICENTE, Therezinha Alves; PAGOTTO, Vânia Pereira Fagundes. A mulher e sua posição na sociedade: da antiguidade

aos

dias

atuais.

Disponível

em:

.Acesso em: 15 ago. 2015 CUNHA, Carolina. Direitos femininos: Uma luta por igualdade e direitos civis. Disponível em: http://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/direitosfemininos-uma-luta-por-igualdade-e-direitos-civis.htm. Acesso em: 15 ago. 2015 FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias e outros textos. (1930-1936); tradução São Paulo César de Souza _ São Paulo: Companhia das Letras, 2010. GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. GUERREIRO, Thales Araújo. Tempo de história, 7º ano. – 1. ed. – São Paulo: Editora do Brasil, 2011. MOURA, Laiana Carla de. Aspectos sócio-histórico-culturais envolvidos no fenômeno de culpabilização da vítima em casos de violência contra a mulher – Caruaru: UNIFAVIP, 2014.

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MÍDIA, GÊNERO E DIREITOS HUMANOS: SOBRE A (RE)PRODUÇÃO DO CORPO FEMININO Nara Larissa Silva Leite58 Fernando Cardoso59 RESUMO Este artigo visa apresentar alguns resultados sobre um estudo maior em andamento, nosso Trabalho de Conclusão de Curso que vem sendo construído no âmbito da Especialização em Educação em Direitos Humanos na Universidade Federal de Pernambuco, o qual possui como objetivo analisar a reprodução do corpo feminino na mídia brasileira. Tratase de um estudo exploratório, que busca compreender os discursos midiáticos sobre o corpo feminino. Busca-se, a partir da pesquisa mais ampla, perceber os implícitos e os mecanismos de tais discursos através da discussão sobre a relação entre a mídia brasileira e a autonomia da mulher em relação ao seu corpo. Para tanto, pretendemos neste resumo já apresentarmos algumas percepções teóricas trazidas por autores como Louro (2000), Foucault (2010), Scott (1990), Butler (2008), Thompson (2011), além das ideias mencionadas na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) sobre esses aspectos mencionados. Através das noções apresentadas por estes autores, pretende-se discutir as representações sobre o corpo feminino na mídia impressa, debatendo momentos históricos brasileiros a partir da temática que perpassam desde a década de 60, e os discursos acerca da pílula anticoncepcional, e o início do debate sobre a descriminalização do aborto; passando pelos dias atuais, trataremos à luz deste referencial sobre o Caso Geisy Arruda, que em 2009 envolveu-se num escândalo devido ao uso de um vestido curto numa faculdade privada na cidade de São Paulo em 2009; e a situação de Ingrid Migliorini, brasileira que leiloou sua virgindade em 2014 e tornou-se alvo de críticas. Esses casos marcam, na nossa concepção, diferentes abordagens sobre o corpo da mulher. Todos esses casos foram bastante evidenciados pela mídia brasileira e

Graduada em Pedagogia - UFPE- CAA. Pós-graduanda em Educação em Direitos Humanos – UFPE, [email protected]. 59 Professor Orientador do curso de Pós-graduação em Educação em Direitos Humanos – UFPE. Mestre em Direitos Humanos – UFPE. Especialista em Direitos Humanos – UFCG. Bacharel em Direito – UNIFAVIP, [email protected]. 58

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internacional, no entanto, muitos jornais impressos foram responsáveis pela circulação de um discurso sexista que define as decisões sob o corpo feminino enquanto poder patriarcal e heteronormativo, além de julgar as mulheres progressistas, que detém poder sobre seus corpos, como imorais diante dos padrões sociais. Pretendemos construir nesse estudo o conceito de patriarcalismo midiático. Jornais como “O Globo” e “A Folha” foram escolhidos para esta análise e são veículos que estamos analisando, por se tratar de uma mídia impressa com forte circulação em nosso país e, por apresentarem, historicamente, um conteúdo bastante tendencioso sobre a temática de gênero. Portanto, trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, instrumentalizada a partir da técnica de análise documental, que está, atualmente, observando tais aspectos acima tratados e relacionando-os de acordo com os aspectos teóricos estudados. Para a compreensão dos implícitos nesses casos, estamos utilizando enquanto instrumento analítico, a Análise do Discurso, trazida por Orlandi (2009) que permite dar sentido às palavras, compreendendo-as de acordo com o mecanismo ideológico que as sustenta. Como este estudo está em andamento, ainda não obtivemos resultados finais, mas, parcialmente, nossas análises levam a compreender que as mídias impressas estudadas apresentam um discurso

patriarcalista

que reproduz

massivamente na sociedade mensagens

sexistas/machistas que dificultam que as mulheres assumam um discurso voltado as suas vontades em relação aos seus próprios corpos. Vemos também que isso é resultado de uma cultura pautada em fundamentalismos religiosos, subjugação feminina e subalternização da mulher na sociedade, que garante que a mulher é um ser inferior e submisso ao homem, “construindo” o seu corpo público. Por fim, nossas premissas até aqui levantadas indicam que o direito fundamental de autonomia, de ser possuidora de seu corpo, às mulheres, é negado e reconstruído a partir de um pensamento machista que subverte a condição feminina, a representação que a mídia submete ao corpo feminino é marcada pela heteronormatividade e necessita urgentemente de uma mudança social que permita a ascensão da mulher, construindo um caráter de igualdade dos gêneros, respeitando cada ser de acordo com sua identidade sexual.

Palavras-chave: Corpo feminino, mídia e direitos humanos. 165

REFERÊNCIAS BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade; Trad. Renato Aguiar. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2008. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ONU, 1948. FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. 20ª. ed. São Paulo: Edições Graal, 2010. GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa Social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos. 8ª Ed. Campinas: Pontes Editores, 2009. SCOTT, Joan – “Gênero: uma categoria útil de ser análise histórica”, in Revista Educação e Realidade, vol. 16, n 2, Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, jun./dez. de 1990. THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Ed. Vozes, 2011.

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O CORPO DRAG QUEEN DE JOVENS COMO EXPRESSÃO DESESTABILIZADORA DOS PARES DICOTÔMICOS (MACHO-FÊMEA, HOMEM-MULHER, HETEROSSEXUAL- HOMOSSEXUAL SILVA, Filipe Antonio Ferreira da60 SANTOS, Emerson Silva61 MELO, Liana de Queiroz62.

Palavras-chave: Corpo; Identidade; Subjetividade.

O presente artigo é fruto de um ensaio fotográfico sobre a problemática da identidade homossexual de jovens perante desdobramentos dicotômicos de macho-fêmea, homem-mulher e heterossexual-homossexual. O ensaio resultou em 10 imagens que visibilizam e problematizam dispositivos normatizadores dos gêneros, subjetividades e dos corpos, teve a produção do fotógrafo Ubiratan Egito e foi protagonizado por um grupo de jovens Drag Queens. Temos como objetivo geral mapear as experiências relativas a lógica do corpo colonizado de um grupo de jovens homossexuais de Caruaru. Juntamente com os objetivos específicos de elencar se há desconstruções desses pares dicotômicos e identificar entre esses jovens a noção de paródia corporal. Foram essas as intenções e os desejos expressos em luz, forma e cor no ensaio fotográfico “O corpo Drag Queen” de jovens como expressão desestabilizadora dos pares dicotômicos (macho-fêmea, heterossexual-homossexual). Experiência construída e vivenciada pelos autores deste artigo e os jovens envolvidos, sendo seus corpos engendrados por meio de um processo pedagógico de condensação de sentidos das relações simbólicas instituídas na prática social dentro de um cenário capitalista e heternormatizante. A perspectiva do fotógrafo Graduando de Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco – Campus Acadêmico do Agreste – Núcleo de Formação Docente, atualmente Bolsista do Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina. E-mail: [email protected]. 61 Graduado em Administração Pública na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Conselheiro Estadual dos Direitos da População LGBT de Pernambuco. Email: [email protected]. 62 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, especialista em Gestão pública pela Universidade de Campinas. Atualmente é Gerente de Direitos Humanos na Secretaria da Mulher da Prefeitura de Caruaru 60

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produziu e enlaçou não apenas um mero trabalho, mas a transformação de sua própria postura social em relação aos jovens fotografados, entrelaçando dor e luta contra os valores sociais, misóginos, racistas, homofóbicos e de higienização dos corpos, conceitos esses trazidos por Butler (1993) em “Cuerpos que inportam”. Entretanto, os corpos abjetos dentro desses contextos, como na fala Butler (1993), apresenta as fissuras no próprio sistema e realizam, assim, sua resistência. A apresentação de dez imagens visibilizando e desmistificando os dispositivos agenciadores do gênero, subjetividades e dos corpos, podem gerar novas possibilidades de manifestações do coletivo ali representado. As fotos vêm exacerbar os discursos normativos e transformar as performatividades em uma criação político-artística, desestabilizando a linha tênue entre masculino-feminino. Embasamos nossa análise a partir de uma pesquisa qualitativa exploratória (GIL, 2008) que usou a teoria Queer e análise do ensaio fotográfico (grupo focal) como base epistemológica e metodológica. A escolha pelo grupo focal foi orientada por vários aspectos conceituais da técnica que caracterizam o presente método como pertinente para a realização da pesquisa que possibilita a discussão sobre uma determinante temática. Tal método permite captar as diferentes visões, via fotografia, sobre as categorias de sexo, gênero e sexualidade pelos homossexuais masculino do coletivo de Drag Queens de Caruaru. O termo Queer significando tradicionalmente “esquisito” no seu início era usado como uma forma de estigmatizar indivíduos que não correspondiam à heterossexualidade compulsória e naturalizada (GAMSOM, 2010; LOURO, 1997, 2001, 2008, MISKAOLCI & SIMÕES, 2007; VITERI, SERRANO E VIDAL-HORTIZ, 2011.). Essa expressão conotava desonra, degeneração, pecado, perversão, anormalidade, geralmente era relacionada à homossexualidade ou a qualquer forma de desvio e ameaça a ordem social estabelecida. A reflexão que a teoria Queer explorou foi marcada pela atenção crítica à suposta neutralidade de saberes e práticas, ao trazer à luz pressupostos moralizantes que frequentemente revelaram-se marcados por intuitos de normalização sexual-social. A sociedade historicamente traz o entendimento do sexo como algo determinado naturalmente, reforçando o binarismo de gênero e a heterossexualidade como as únicas 168

expressões sadias no campo da sexualidade. Dessa maneira, a teoria Queer problematiza e denuncia a inteligibilidade social constituída compulsoriamente por meio dos pares dicotômicos (homossexual-heterossexual), ou seja, a existência da heterossexualidade (normal e sadia) está vinculada ao homossexual como sendo anormal e doente. Esse binário homo-hétero é percebido como instrumento de ordem social, e não apenas de uma comunidade específica (GAMSOM, 2010; MSKOLCI, 2007). É nessa perspectiva subversiva da cultura dominante eurocêntrica e heterossexualizada que apresentamos esse ensaio fotográfico do corpo Drag Queen. Entende-se que as fotos possuem um caráter político indenitário no emponderamento do corpo, possibilitando outros valores e criando outras atitudes sociais que resignifiquem as relações preestabelecidas e as diferenças. O ensaio fotográfico resultou numa agência dos corpos, no sentido maior de desestabilizar, de ser uma produção artística e cultural que foge dos padrões estabelecidos do que é normatizado e colonizado. Nesse sentido, a experiência do ensaio fotográfico “O corpo Drag Queen” demonstrou que os corpos e suas produções apresentam subjetividades, uma vez que jovens homossexuais transformaram seus corpos, a partir da utilização de vestimentas, sapatos, maquiagens e acessórios, passando a assumir uma identidade Drag Queen.

Referências Bibliográficas

BUTLER, Judith. Cuerpos que importan. Sobre los límites materiales y discursivos del «sexo». Buenos Aires: Paidós. 2002 [1993].

GAMSON, Joshua. As sexualidades, a teoria queer e a pesquisa qualitativa. In: DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvonna S. [et. al.]. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed, 2010.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

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LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista, Petrópolis: Vozes, 1997.

________. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

________. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2008

MISKOLCI, Richard. Teoria queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

MISKOLCI, Richard; SIMÕES, Júlio Assis. (Org.). Cadernos Pagu: quereres. Campinas: Unicamp, 2007.

VITERI, Maria Amelia; SERRANO, José Fernando; VIDAL-ORTIZ, Salvador. Como se piensa lo “queer” en América Latina? ÍCONOS, v.139, 20

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TÍTULO: O CORPO FEMININO E SUA REPRESENTAÇÃO NA MÍDIA. AUTORA: LUANNA ROBERTA DA SILVA63 CO-AUTORA: JÉSSICA SILVA NASCIMENTO64 RESUMO A percepção a cerca do corpo feminino teve seu surgimento a partir da entrada das mulheres no mercado de trabalho, pois é a partir dessa nova dinâmica social que o corpo é desvelado ao mundo, passando a ser considerado objeto de desejo, através do movimento do desejar, a figura do corpo feminino é inserido em veículos de comunicação, os quais tinham por objetivo vender produtos através do poder exercido pelo corpo das mulheres, corpo esse que já vem com um modelo estético pré-definido o qual sacia os anseios da sociedade e serve como modelo pra os indivíduos. Nosso corpo não é simples e nem tampouco se remete a nossa forma biológica, este é complexo e cheio de significados os quais foram instaurados no processo histórico da humanidade, é pensando nesse processo histórico que Michel de Certeau (1982) relata, “cada sociedade tem seu corpo, assim como ela tem sua língua”. Diante da colocação de Certeau pensamos o corpo feminino na sociedade atual, esse que se vê em meio a padrões sugeridos, os quais tem uma via de acesso muito eficiente, conseguindo algumas vezes uma mudança de comportamento na classe feminina. O que percebemos com a mudança desse comportamento é a banalização da beleza feminina, classe essa que passa a consumir um ideal de beleza que para a grande maioria é difícil de ser alcançado, pois o ideal vendido pela mídia está correlacionado simplesmente com valores e imagens simbólicos, os quais não fazem jus à realidade da beleza feminina, conforme Kellner relata que, “a propaganda está tão preocupada em vender estilos de vida e identidades socialmente desejáveis, associadas a seus produtos, quanto em vender o próprio produto – ou melhor, os publicitários utilizam constructos simbólicos com os quais o consumidor é convidado a identificar-se para tentar induzi-lo a usar o produto anunciado”. (Kellner, 2001: 324). Diante dessas colocações está pesquisa trás como objetivo geral a busca por relatar como 63

Estudante do curso de Psicologia da Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns. [email protected] 64 Graduada em Psicologia pela Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns. [email protected].

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os corpos femininos são postos pela mídia e sua relação com o dia-a-dia das mulheres. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, definida por Haguete como, “as metodologias qualitativas... enfatizam as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e de sua razão de ser” (1995, p.63), está foi dividida em etapas, onde a primeira parte foi à realização de uma pesquisa bibliográfica, a segunda etapa consistiu na aplicação de um questionário a um grupo de seis adolescentes com idade entre 14 e 16 anos, com o intuito de conhecer a perspectiva delas a cerca do corpo feminino representado na mídia, a terceira etapa foi destinada a analise das respostas obtidas nos questionários, no qual buscamos estabelecer uma relação entre o corpo feminino da mídia e o corpo feminino das mulheres reais. Para podermos descrever as respostas obtidas nos questionários, precisamos primeiro compreender como este foi elaborado, o questionário trouxe apenas três perguntas norteadoras, a primeira consistiu em saber, se elas se consideravam bonitas, a segunda pergunta foi a respeito dos sentimentos delas em relação às mulheres que aparecem nas revistas e são vistas como o padrão de beleza ideal, a terceira consistia em saber se esse padrão de beleza representava a mulher do dia-a-dia, a partir dessas perguntas surgiu uma roda de conversa com as adolescentes. Os resultados obtidos a partir dessas perguntas foram diversas, quando questionadas a cerca da sua própria beleza as respostas foram diversas, duas delas se consideravam bonitas, as demais disseram que não gostam das suas aparências e que se pudessem mudaria algumas coisas para ficarem mais belas, quando questionadas a respeito da beleza vendida pelas revistas, duas das adolescentes disseram que buscam diariamente adequar-se aos padrões ditados pela moda, três delas consideram esse ideal de beleza muito opressor e que não tem pretensões de segui-los, a outra adolescente disse que não se interessa pela moda ditada nas revistas e, portanto não têm sentimentos relacionados a esses padrões, as respostas da terceira pergunta foram mais similares, pois todas consideraram que o padrão de beleza vendido pela mídia não representa a mulher do dia-a-dia. Diante das respostas obtidas no questionário podemos perceber que o ideal de beleza vendido pela mídia não representa a classe feminina, mesmo que esse ideal seja entendido como uma imposição social, a cultura do corpo está em um momento de grande visibilidade nos meios de comunicação e um dos seus maiores problemas é a ausência de discussão a cerca de quando essa cultura 172

trás malefícios diários a saúde das mulheres. O corpo feminino tem que ser uma construção singular e não meramente um objeto de desejo, como é colocado por Sant’Ana o corpo é “Memoria mutante das leis e dos códigos de cada cultura, (...)o corpo não cessa de ser ré-fabricado ao longo do tempo, pois o corpo é ele próprio um processo”, dessa forma não podemos limitar o corpo feminino aos meros caprichos da indústria midiática. Palavras chaves: Mídia, corpos femininos, ideal de beleza.

REFERÊNCIAS: BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1995. CERTEAU, M. Histoires du Corps, Espirit, n.62, Fevereiro de 1982, p.180. GHILARDI-LUCENA, Maria Inês. Representações do Feminino. Campinas/SP: Átomo, 2003. HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis: Vozes, 1995 KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru, SP: EDUSC, 2001. SANT’ANA, D. B. “Apresentação”, in: Politicas do corpo, São Paulo, Estação Liberdade, 1995.

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O MAIS ALÉM DA ANATOMIA - A PATERNIDADE NO FILME TRANSAMÉRICA JOSÉ KLEBERSON RODRIGUES DE ALMEIDA ANANIAS65 O que é um pai? – A experiência inaugural de Freud com a Psicanálise infantil contribuiu até onde foi possível para uma melhor compreensão sobre o universo da criança, bem como da influência exercida pelos seus genitores na constituição de seu psiquismo. Dado o crescente debate acerca da realização de cirurgias de transgenitalização, bem como da compreensão contemporânea da família como um núcleo onde se desenvolvem e se apreendem os mecanismos necessários ao desenvolvimento do sujeito não necessariamente de matriz heterossexual e mononuclear, o presente trabalho discorre sobre as concepções de paternidade no filme Transamérica, articulando-a com as discussões propostas pela obra freudiana, a partir da problematização do modelo fálicoedípico. Compreendemos, portanto, o exercício da paternidade tal como a Psicanálise nos aponta, qual seja, uma Função Simbólica cuja importância está muito mais no próprio exercício do que no sujeito que a exerce. Desse modo, apreendemos a Paternidade como um exercício que pode e deve ser exercida pelos cuidadores em geral, inclusive o pai (com minúscula). Faço essa ressalva para diferenciar junto com a Psicanálise, a Paternidade da paternidade sendo o Pai com maiúscula, o exercício correspondente exatamente a essa função que nos referimos neste trabalho, enquanto o pai (com minúscula) é o equivalente ao sujeito que encarna a função. Este trabalho pretende não apenas versar acerca do exercício da Paternagem por parte dos transexuais, mas mobilizar a comunidade em geral a respeito da referida temática, uma vez que a contemporaneidade nos leva a repensar a constituição dos sujeitos sexuados mais além dos binarismos e do Two sex model, categorias do séxulo XVIII e XIX que visavam a nomenclatura dos sujeitos a partir de suas performances sexuais e o enquadramento do Desejo Sexual dentro de nosologias, que definiriram os limites entre uma sexualidade dita normal e outra dita patológica. Para tanto vamos nos dedicar a estudar os três volumes da História da Sexualidade, de Michel Foucault (1984,1986,1988) e os textos de Thomas Laqueur

Psicólogo do Centro de Referência em Assistência Social de Cachoeirinha – Pernambuco, com Especialização em Psicopedagogia Institucional. Email: [email protected] 65

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(2006), especialmente Inventando o sexo, texto que é referência no estudo da temática. Inicialmente, percorreremos historicamente os movimentos de psiquiatrização que possibilitaram o surgimento da categoria transexual como tal para em seguida nos debruçarmos na psicanálise de Freud (1905-1929), Lacan (1973) e psicanalistas contemporâneos como Joel Dor (2002), Jorge Forbes (2013), Leda Guimarães (2012) e Joel Birman (2013) com o intuito de investigar acerca das contribuições que a psicanálise forneceu a respeito do fenômeno da Transexualidade. Em seguida, vamos nos debruçar no filme Transamérica, com o intuito de investigar as implicações das cirurgias de transgenitalização no exercício da Paternidade, bem como discutir acerca da Paternidade em evidência nesta trama fílmica. Finalmente, vamos nos dedicar a textos de filósofos contemporâneos e estudiosos dos Gêneros, tais como Judith Butler, Michel Foucault e Berenice Bento, com o intuito de lançar uma crítica a modernidade na sua forma de compreender o fenômeno transexual e o exercício das paternagens. Comungamos deste modo, com Judith Butler (2004) quando propõe que a sexualidade seja vista como Performática, isto é, como uma prática inerente aos sujeitos, mas que não pode e nem deve defini-los como tal, uma vez que o sujeito, qualquer que seja, é muito mais além do que os fenômenos que promove, e não deve ser enquadrado apenas neles. Bento (2006) acredita que todos os sujeitos, icluindo suas performances sexuais e seus corpos, sempre escaparão a toda e qualquer tentativa de classificação, normatização ou enquadramento. Entendendo que o desejo revela-se discursivamente construído e, que, a transexualidade constitui uma das manifestações possíveis da sexualidade, espera-se contribuir para relativização do tradicional modelo de familiar nuclear, bem como elucidar dúvidas a respeito do fenômeno da transexualidade, evidenciando a existência desses sujeitos e a constituição de suas famílias, bem como dar subsídios necessários aos profissionais que trabalham ou estudam esta temática. Palavras-chave: Transexualidade, Psicanálise, Paternidade.

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Referências ARAN, Marcia. A transexualidade a gramatica normativa do sistema sexo-gênero. In: ágora. [Rio de janeiro] v. IX n.1 jan/jun 2006 p.49-63. ARAN, Márcia; ZAIDHAFT, Sérgio; MURTA, Daniela. Transexualidade: corpo, subjetividade e saúde coletiva. In: Psicologia & Sociedade, vol 20, n 1, jan-abril, 2008, p. 70-76. CASTEL, Pierre-Henri. Algumas reflexões para a cronologia do fenômeno transexual. (1910-1995). In: Revista Brasileira de História, 21 (41), 2001, pp.77-111. DARÓ, Beatriz Rall. CARVALHO, Paulo Roberto de. Família e poder no século XXI: Apontamentos sobre uma transformação institucional. 13º Encontro Regional Sul da Abrapso. O clamor nas ruas: as demandas e as práticas da psicologia social. 25 a 27 de setembro de 2014. Anais de Congresso. FRIGNET, Henri. O transexualismo. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2002. FOUCAULT, Michel. Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988. FOUCAULT, Michel. Microfisica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. FOUCAULT, Michel. O sexo verdadeiro. In: Ditos e escritos V: ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2000. MILLOT, Catherine. Extrasexo: ensaio sobre o transexualismo. São Paulo: Escuta, 1992. OLIVEIRA, Marcos de Jesus. Apropriações políticas dos corpos: construção de si, gênero e sexualidade no discurso psicanalítico contemporâneo sobre a transexualidade. In: Fazendo Gênero 9, Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. 23 a 26 de agosto de 2009.

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“PODE SER GAY, MAIS TEM QUE SER DISCRETO”: REFLETINDO SOBRE MACHISMO E MASCULINIDADE NO SEGMENTO LGBT

Gutierrez Alves Lôbo¹66 Zuleide Fernandes de Queiroz²

Resumo: Encontramos na página da Revista Fórum a crônica “Machista e bicha, crônica de uma morte em vida”. Com muita felicidade a mesma vem tratar de questões fundamentais acerca da forma como a sociedade e os indivíduos do segmento em tela vêm percebendo o debate em torno do machismo presente nas práticas e discursos dentro desta população. O masculino e o feminino são construções sociais e culturais heteronormativas, iniciadas desde a infância nas várias relações e instituições sociais, cabe frisar que há indivíduos que não se enquadram em nenhum dos dois gêneros. Neste sentido, são produzidos modelos do que é ser homem e mulher em sociedade, e quais os comportamentos são socialmente aceitos. Cria-se, então, um ideário de masculinidade, em que os homens devem ser sempre fortes, brancos, machos e heterossexuais. De acordo com Boris apud Stoller (2002), a primeira atividade de um verdadeiro homem é nunca ser uma mulher, por isso, há uma negação de toda e qualquer expressão de feminilidade. O referido trabalho tem como questão central refletir como esse machismo se estende nas práticas e discursos dentro do próprio segmento LGBT. Para isso, buscou-se fazer uma revisão bibliográfica a partir de alguns teóricos que tem se debruçado sobre o estudo das temáticas gênero, diversidade sexual e masculinidade. De acordo com Bordieu (2014), a dominação masculina é tão forte que se estende as relações entre pessoas com a mesma orientação afetivo-sexual, ou seja, alguém tem que fazer o papel de ativo, o macho da relação e alguém tem que comportar-se como o passivo, a fêmea. Assim, a regra seria que

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Graduado em Serviço Social. Especialista em Direito das Famílias pela Universidade Regional do Cariri – URCA ([email protected]) ² Pós Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora Associada da Universidade Regional do Cariri – URCA ([email protected])

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um homossexual masculinizado, que expressa comportamentos e atitudes discretos, que não “dar pinta”, jamais poderia manter uma relação afetivo-sexual com outro que fosse feminilizado, que é “afetado”, como é dito socialmente. Esses questionamentos nos permitem refletir sobre o machismo e as desigualdades por ele produzidas que se fazem presentes no próprio grupo social em questão, muitas vezes internalizadas e reproduzidas. Cabe ressaltar que o machismo é um esquema ideológico, social, cultural e político que concebe o masculino heterossexual como maior e melhor, dessa forma, os indivíduos que não se enquadram e “transgridem” esse modelo estão suscetíveis de sofrer os preconceitos e represálias da sociedade. É importante pontuar nesse momento que concebemos a violência homolesbotransfobica não apenas como a violência física ou assassinato desses indivíduos, mais como a violência verbalizada, através do ódio e repulsa aos mesmos. O que se torna mais complexo é quando os indivíduos desse segmento internalizam a opressão, negando em muitas situações sua identidade de gênero. Segundo Boris (2002, p. 156), um dos participantes da sua pesquisa afirma “Talvez fosse, pra mim, mais fácil se eu fosse mulher e estivesse andando com meu namorado numa via pública, né? Aí, não: dois homens caminhando juntos como namorados, eu me sinto inadequado.” A referida fala evidência à intolerância social diante da homossexualidade e como os espaços públicos são heteronormativos, causando desconforto aos sujeitos com alguma orientação sexual “diferente” da construída como normal, ao mesmo tempo, nos faz questionar se o indivíduo vive de forma saudável com seu corpo e sua identidade de gênero. Outro entrevistado denuncia “Eu tive mesmo que assumir a minha homossexualidade, mesmo, e assumi, mas esse assumir não significa sair por aí desmunhecando [...]”. Essa compreensão deixa claro como o machismo é marcante nas relações sociais e afetivo sexuais de gênero, desmunhecar nesse recorte seria apresentar traços de feminidade, o que é extremamente condenado pelos homossexuais masculinizados, nos levando a pensar como se tornam abissais as relações entre os feminilizados e os masculinizados no interior da própria população LGBT. Segundo Silva (2006), essa masculinidade heterossexual apresenta sinais de crise nos dias atuais, apontando dentre outros elementos, a saída da mulher para o mundo e relações de trabalho e uma possível “feminilização do masculino”, através da crescente visibilidade que vem 178

tendo à homo bissexualidade, especificamente no universo dos homens, tendo como exemplo as drag-queens, travestis e transexuais como figuras que representam as possíveis novas subjetividades masculinas. Acredita-se ser necessário superar esta visão machista e unilateral acerca das relações sociais de gênero, entendendo que existem múltiplas expressões da sexualidade, isto significa romper com as construções sociais e preconceitos sobre o masculino e o feminino, sobretudo no segmento LGBT. Não reproduzir a ideologia machista é abrir caminho para a construção de novas relações afetivo-sexuais livres de preconceitos e estereótipos.

Palavras Chaves: Machismo, gênero, homossexualidade.

Referência Bibliográfica: BORIS, Georges Daniel Bloc. Falas de homens: a construção da subjetividade masculina. São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secult, 2002. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução Maria Helena Kuhner. 12 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

LONGO. Fabricio. Machista e bicha, crônica de uma morte em vida! Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/osentendidos/2015/04/22/machistabicha/. Acesso 5 de agosto de 2015. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. Ed. 23ª. São Paulo: Cortez, 2007. SILVA, Sergio Gomes. A crise da masculinidade: Uma crítica à identidade de Gênero e à literatura masculinista. Revista Psicologia, ciência e profissão, 2006 (1), p. 118-131.

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RELAÇÕES DE GÊNERO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Ricardo Tenório Rodrigues

Este resumo apresenta um trabalho realizado entre julho e novembro de 2012, na conclusão do curso de pedagogia, no CESAC – Centro de Ensino Superior na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, interior de Pernambuco. O trabalho intitulado “As Relações de Gênero e a Construção da Identidade de Gênero na Educação Infantil” de escolas das redes pública e privada. O estudo foi realizado para dar respaldo às problemáticas que surgem na escola, mas, especificamente, na modalidade da educação infantil em saber como são construídas as identidades de gênero de meninas e meninos. Para isso, nosso objetivo foi observar como os profissionais dessas instituições trabalhavam as questões relacionadas à identidade de gênero, apresentando uma análise e reflexão sobre os comportamentos e as atitudes das professoras acerca das questões relacionadas aos estereótipos, mostrando que as instituições escolares possuem uma forte influência na construção da identidade do sujeito, influencia qual perpassa os valores estereotipados da sociedade. A natureza metodológica da pesquisa foi iniciada em sua fase exploratória, ainda no 4ª período, na disciplina de Educação Infantil, na graduação do curso de pedagogia e, conseguinte, de forma qualitativo-descritiva devido à subjetividade do estudo com observações de campo não participantes. Embora o sujeito da pesquisa fosse a docente, não deixamos de observar também, a atitude, comportamento e brincadeira nos momentos recreativos protagonizados pelas crianças. Utilizamos questionários abertos para coleta dos dados, dessa forma, as professoras tiveram mais liberdade em expressarse, sem que se sentissem limitadas em marcar uma ou outra opção, analisando-os, com a técnica de análise dos conteúdos. As categorias apresentadas nos resultados da análise a priori foram: concepção do conceito de gênero; orientação recebida na formação acadêmica; ação das professoras em sala de aula sobre as relações de gênero; situações vivenciadas em sala de aula com alunos em que estão presentes relações de gênero; atividades planejadas considerando as relações de gênero e percepção das professoras de 180

situações cotidianas em que as crianças apresentavam relações de gênero. Obtivemos, nas posterioris das docentes, as subcategorias, sendo o conceito de gênero: de natureza biológica e sociológica, conforme os teóricos apontaram. A maioria das professoras afirmou que não necessitavam de orientação acadêmica. As ações provindas das relações de gênero na sala limitavam-se à conversa, observação e orientação. As situações vivenciadas pelas docentes foram por meio de brinquedos e brincadeiras, uso das cores, sexualidade, divisão de tarefas e preconceitos. O grupo se dividiu em relação às atividades planejadas considerando gênero, houve um grupo que confirmou essa preocupação e outro que não considerava nas suas aulas haver esse cuidado. Todas afirmaram que as percepções na sala de aula sobre o surgimento de relações de gênero se dava por meio de brinquedos/brincadeiras e uso das cores. Nas observações às quais não participamos das cenas em sala de aula analisamos os seguintes elementos sobre ações que denotassem casos de relações de identidade de gênero: movimentos corporais, aula de balé, formação de filas de (meninos e meninas), uso das cores, formação de grupos do mesmo sexo, atitudes das docentes em relação às crianças e apresentação da capoeira. Os resultados obtidos apontaram que as professoras não consideravam a relevância da construção da identidade de gênero para contribuição dos significados das crianças, as quais não possuíam uma organização pedagógica e metodológica para se trabalhar essa questão, imperando as atividades tradicionais. As concepções sobre a temática em discussão, em relação às professoras, provinham de sua cultura e da forma como foram educadas. As mesmas compreenderam gênero como sendo atributos aos papeis sociais e de natureza biológica. Ficaram evidentes os estereótipos em relação às brincadeiras e brinquedos, as atividades e atitudes de algumas profissionais à concordância de papéis preestabelecidos e moldados socialmente, os quais referiam-se ao preconceito, desigualdade de gênero, reportando na construção da identidade infantil.

Palavra Chave: Gênero. Identidade. Estereótipos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico: elaboração de trabalhos na graduação – 10. Ed. – São Paulo: Atlas, 2010. 181

ANETE, Abramowicz& MORUZZI, Andrea Braga. O plural da infância: aportes da sociologia – São Carlos: EDUFScar, 2010. 118p. – (coleção UAB – UFS car). AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola – São Paulo: Contexto, 2006. BARDIN, L. Análise do Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. BERENICE, B. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexuais. Rio de janeiro: Garamond, 2006. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil – Brasília: MEC/SEF, 1998. BRYAM, Robert, LIE, John & HANLY, Cynthia Lins et al. Sociologia: sua bússola para um novo mundo. São Paulo, Thompson, 2006. 609 páginas. DINIZ, Glaucia. Gênero e Psicologia: Questões teóricas e praticas. Revista psicologia. 2003. Brasil 1 (2), 16 (21). FINCO, Daniela. Relações de gênero nas brincadeiras de meninos e meninas na educação infantil. Pro-Posições. V14, n3 (42) – Set./dez. 2003. Disponível em: http://mail.fae.unicamp.br/~proposicoes/textos/42-dossie-fincod.pdf ______, Daniela. Brincadeiras, invenções e transgressões de gênero na educação infantil. Revista Múltiplas Leituras, v.3 n.1, p.119-134, jan.jun. 2010. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.../1908 GOMES, Carla Rezende. scientia plena vol. 3, num. 5 2007 (art. 1b) LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia cientifica – 7. Ed. – São Paulo: Atlas, 2010. LOURO, Guacira L. Gênero, sexualidade e Educação: um debate contemporâneo na educação. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007 MARTINS, Gilberto de Andrade & LINTZ, Alexandre. Guia para elaboração de monografias e trabalhos de conclusão de cursos. - 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2007. RICHARDSON, Roberto Jarry& PERES, José Augusto de Souza (et al). – 3. Ed. – 12. Reimpr. – São Paulo: Atlas, 2011. SAYÃO, Deborah T. A construção de identidade e papéis de gênero na infância: articulando temas para pensar o trabalho pedagógico da educação física na educação infantil. Pensar a prática 5, 1-14, Junho/Julho, 2001-2002. Disponível em: Acesso em: agosto de 2011. SILVA, Rafael Bianchi. Desenvolvimento e comportamento humano: Pedagogia. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009.

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“SANTA NA RUA E PUTA NA CAMA”: uma análise da normatização e controle corporal feminino através do amor romântico, na comunidade Shalon, em Sobral/CE Maria Aline Sabino Nascimento67

Este trabalho tem como objetivo analisar e problematizar o controle dos corpos femininos e masculinos na contemporaneidade, buscando entender como se instituem práticas sociais específicas à grupos sociais determinados. Desse modo, buscar-se-á como, através de uma construção social que padroniza, delimita e normatiza ações, condutas e percepções, formas de se relacionar, elabora-se condutas esperadas à sujeitos específicos. A pesquisa terá como grupo empírico a comunidade carismática denominada Shalon, vinculada a religião católica, no município de Sobral/CE. Essa padronização e controle são amparados por um padrão de forma de amor sancionado por um discurso religioso e cultural. Essa forma de amor, denominado amor romântico, estabelece de forma coercitiva e cultural uma necessidade de relacionamentos, porém dentro dos padrões que atendam a determinados requisitos – heteronormatização de casais, controle da vida sexual, submissão nos comportamentos - levando mulheres, principalmente, aos limites dos padrões do que denominam de feminilidade, controlando seus desejos sexuais, para que estas assumam o papel de boas esposas, como menciona Herrera (2012). Baseado nesse discurso, é colocado para mulher um papel de progenitora, dessa forma estabelecendo a necessidade de santificação por parte da mesma, ou seja, proibindo-a de certos comportamentos – vida sexualmente ativa fora do leito conjugal, a existência de mais de um parceiro e homossexualização da sua forma de se relacionar – tidos como profanos por parte deste mesmo discurso, e exigindo outros como cuidado, mansidão, habilidade materna. Com os avanços dos movimentos sociais, nesse caso nos ateremos ao movimento feminista, há um aumento de criticidade e desconstrução de alguns processos sociais, eles têm a capacidade de construir ciclos na história, assim como

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Acadêmica de Ciências Sociais – Licenciatura, da Universidade Vale do Acaraú – UEVA, Centro de Ciências Humanas – CCH, Sobral/CE. Bolsista do PIBID subprojeto Ciências sociais. E-mail: [email protected]

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teoriza GOHN (2006).

Os movimentos socais forjam mudanças no contexto de

dominação, dessa forma, práticas sociais são questionadas, as formas de se relacionar e de amar, por exemplo, se tornam pacíficas de críticas e a problematização dessas formas torna-se inevitável, pois essa visão crítica é impulsionada pelas ondas dos novos movimentos sociais. Surge então a necessidade de algumas questões: A quem serve essas formas de se relacionar? Quem sai do padrão dessa forma de amor, como fica? Porque há essa necessidade de se casar? Porque três pessoas que se amam e convivem bem juntas não podem casar-se? Porque mulheres se esforçam tanto para arranjar um parceiro? Porque pessoas aguentam casamentos falidos durante tantos anos? Visto o vasto campo que temos de pesquisa na sociedade, como estratégica metodológica, foi escolhido um grupo específico para tratar dessas formas de controle dos corpos femininos.

A comunidade carismática Shalon pertencente a igreja Católica. Essa

comunidade é localizada na cidade de Sobral-CE, possui cerca de 150 membros, com idade de 18 a 40 anos. Estes recebem a denominação de consagrados e dedicam toda sua vida para obra da evangelização. Há os outros membros participam da comunidade de outras formas, em grupos divididos pela sua facha etária, grupos de oração, atividades e eventos da comunidade. O grupo é sustentado por doações e atividades de finanças dos próprios membros. Para isso foi usado a metodologia de entrevistas etnográficas e semiestruturadas com um grupo focal (comunidade carismática Shalon). A entrevista semiestruturada traz a vantagem de o pesquisador poder fazer mudanças nas perguntas, pré-definidas, durante o diálogo. Essas perguntas são abertas, feitas por um diálogo informal e passíveis de mudanças, para melhorar a pesquisa e se adequar as circunstâncias que a entrevista fornece. As perguntas seguem um roteiro pré-estabelecido, de perguntas gerais, que envolvam a temática Lakatos e Marconi (2003). O pesquisador precisa ter habilidade de analisar o grau indutivo da resposta presente e ter domínio das expressões corporais, não deixando transparecer aceitação ou negação da resposta dada pelo entrevistado (DUARTE, 2002). Com as entrevistas fez-se uma relação entre o discurso religioso que corrobora com uma ordenação social, influenciada por um sistema econômico, político e ideológico, para a manutenção de um caráter de propriedade dos corpos. 184

Como resultado dessa pesquisa pode-se perceber como essas práticas sociais são naturalizadas em um grupo específico, através de um processo de construção baseado em normas e crenças tradicionais e religiosas. Ao responder as entrevistas os entrevistados sempre mencionam que as características essenciais para a mulher é que devem entender e preservar suas habilidades e talentos nas atividades maternas e matrimoniais, mediadoras e gerenciais, sensibilidade e senso de cuidado aguçado, como por exemplo, cuidado com o lar, com o marido e não fornificação (prática sexual antes do casamento). Baseando estes comportamentos em versos bíblicos que demandam o que se tem por feminilidade, tais como “Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo (Efésios 5:22,23). Este trabalho teve como objetivo muito menos dar respostas prontas e acabadas e muito mais problematizar tais práticas, normas e padrões. Nascendo a possibilidade de outras pesquisas a partir da mesma temática.

Palavras-chave: padrões de comportamento, controle, forma de amor.

Referências: GÓMEZ, C H. Los Mitos Románticos en La Cultura Occidental. Madrid: Editora Colección, 2012. 38 p. v. 10. GOHN, M.G. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. Editora Loyola. 5º edição: abril de 2006. 383 p. LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. DUARTE, R. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educar, Curitiba: UFPR, n. 24, p. 213-225, 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 agosto de 2015.

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SOBRE O CORPO PRODUZIDO PELA MÍDIA: ESTEREÓTIPOS FEMININOS Jessyka Barbosa da Silva68 Priscilla Emmanoella do Nascimento Borba²

RESUMO É latente na sociedade contemporânea uma intensificação do culto ao corpo e das violências desse discurso sobre a mulher, sobre o qual pessoas apresentam e têm uma crescente preocupação com a imagem e a estética. Do mesmo modo, percebe-se que, cada vez mais, a mídia está presente no cotidiano das pessoas, exercendo influência nos seus modos de agir e de viver. Desta feita, busca-se discutir nesse resumo sobre as vinculações sobre os estereótipos da beleza e o quanto é vulnerável a posição disposta à mulher pela mídia. Buscaremos pensar sobre questões como: Há nos dias de hoje um processo de midiatização da figura feminina? Que aspectos são denotados pela mídia em relação à imagem do feminino? Problematizando este cenário, podemos citar o considerável número de horas que os indivíduos se dedicam a construí suas imagens em redes sociais, e de como a mídia em geral tem incitado a massificação da vida cotidiana nesses espaços. Observa-se também, que tal prática, vem tomando proporções gigantescas, colocando-se em alerta toda e qualquer classe social, pois se usa de discursos, por muitas vezes, vazios, de uma busca incansável pelos padrões do ser e de conviver, especialmente quanto a estereótipos, muitos deles de midiatização do feminino, no mais negativo dos sentidos. A mídia e seu discurso nos dias de hoje polariza e cria diferenciações, conceitos de certo ou errado, de belo ou feio, normal e diferente, adjetivações negativas e negadoras da diversidade, principalmente em relação à mulher, em momento que reivindicamos tantas diversidades e culturas. Os padrões da mídia em relação à mulher ou as tornam invisíveis e/ou estereotipadas. A mídia tem explorado e usado mecanismos que permitem uma inversão discursiva negativa sobre a imagem e o corpo feminino. A alienação ao culto da perfeição do corpo perfeito, do cabelo, da pele, nem sempre é algo tão simples de ser Graduada em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca. Pós-graduanda em Direito do Trabalho – Faculdade Damásio de Jesus. e-mail [email protected] – ² Graduada em Direito - Centro Universitário do Vale do Ipojuca. Pós-graduanda em Direito do Trabalho – Faculdade Damásio de Jesus. e-mail [email protected] 68

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obter, a discurso midiático ora exclui ora nega essas questões, especialmente em relação às mulheres negras. É perceptível, que os parâmetros estabelecidos são apenas de condições de aceitabilidade social de aspectos hegemônicos da figura da mulher, nunca daquelas pertencentes a grupos minoritários. A televisão e outros meios de comunicação exibem sempre imagens de corpos femininos brancos e magros, ditos como perfeitos. Programas, peças publicitárias, novelas, filmes e etc, são espaços hegemônicos de estereótipos femininos. A percepção do corpo feminino é dominada pela existência de um vasto arsenal de imagens visuais e técnicas que investem na transformação corporal, projetando corpos perfeitos para sociedade, de modo que não basta ser saudável: há que ser belo, jovem, estar na moda e ser ativo (FIGUEIRA, 2005, p. 2). Graças ao discurso midiático, vivemos nos últimos anos frente a incontestável redescoberta do prazer a partir de feminino, voltamos a conceber o corpo feminino como um objeto. Há que se pensar: Como construir um discurso midiático na perspectiva de gênero? Com que perspectivas de mídia dialogar nesse processo? Como articular a diversidade de gênero e seus aspectos em meios de comunicação de massa dominados por grupos historicamente patriarcais? Essas são questões que pretendemos discutir na apresentação deste texto. Mais que conclusões, este texto pretende apresentar inquietações ao pensar acerca desta questão que é a reprodução do feminino nos espaços midiáticos. Palavras-chave: Gênero. Corpo. Mídia. Bibliografia FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade - a vontade de saber. Rio de Graal, 1993.

Janeiro:

FIGUEIRA, Márcia. A revista “Capricho” como uma pedagogia cultura: Saúde, beleza e moda. IN: XIV Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. RS: Porto Alegre, 2005. LE BRETON, D. A Sociologia do Corpo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. MATTOS, Rafael. A Sociologia do Corpo é a Sociologia da Educação Física. Rio de Janeiro, RJ, 2010.

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TRANSEXUALIDADES E SERVIÇO SOCIAL: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E CONTRIBUIÇÕES. Henrique da Costa Silva69 Heider Victor Cabral de Moura2

Esse artigo tem o objetivo de refletir sobre a conjuntura brasileira que envolve questões relativas a transexualidade. Nele serão apontados caminhos e desafios a ser tecido na intenção de se construir um horizonte de emancipação e que não tenha o corpo como parâmetro de legitimidade. Assim, a proposta desse artigo é fazer uma breve reflexão acerca das Transexualidades e possíveis contribuições que o Serviço Social pode oferecer diante das sucessivas negligencias de direitos a essa população. A transexualidade é uma possibilidade indenitária experenciada pelo menos desde a Antiguidade, ela, dentre outras maneiras, pode ser percebida como uma identidade de gênero que não tem como determinantes aspectos meramentes biológicos. Todavia, é no bojo da modernidade que percebemos uma maior tentativa de compreensão e domesticação desta, em especial no “lócus” das ciências médicas e psi, através de uma engenharia cientifica na busca por desenvolver a “ciência sexual” (FOCAULT, 2014), capaz de dar respostas e criar mecanismo de controle aos corpos. Do pecado à loucura, a transexualidade foi e continua sendo vivenciada sob a égide de uma dura e repressora norma de gênero que estabelece que o ser humano, para ter sua inteligibilidade garantida, é preciso manter-se ligado a tríade que sustenta a cisheteronormatividade: é preciso ter uma genitália, que esta seja condizente com o gênero que lhe foi atribuído e suas práticas sexuais devem ser sempre realizadas com sexo/gênero oposto, uma verdadeira tentativa de domesticação dos corpos.

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Estudante de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista CNPq pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero, Culturas e Ciências. Estagiário no Núcleo de Acolhimento as Pessoas Trans do Hospital das Clinicas de Pernambuco. Email: [email protected] 2 Estudante de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco. Estagiário do Núcleo de Acolhimento as Pessoas Trans do Hospital das Clinicas de Pernambuco. Email: [email protected] 188

A domesticação dos corpos produzem dispositivos de controle e repressão, de maneira diferenciada, para todas aquelas pessoas que ousadamente tentam subverter as normas do gênero (BUTLER, 2012). Sendo assim, a violência, em suas diferentes esferas, é um efeito vivenciado de maneira não rara por esses sujeitos, fato que pode ser percebida a partir dos dados da Associação Brasileira de Travestis e Transexuais – ANTRA, que denunciam que somente 2013 foram mortas e mortas cerca de 120 pessoas Trans no Brasil. Sabendo que o Brasil é o país que mais mata Travestis e Transexuais no Mundo e que Pernambuco é o Estado campeão em mortes desse tipo. A partir desses dados, fica evidente que a transexualidade/travestilidade ainda encontram vários entraves na busca por

uma

cidadania

plena.

O

desconhecimento,

a

arrogância

e

os

fundamentalismos/essencialismo contribuem sobremaneira para o reforço ao preconceito. A transfobia é uma vilã que aterroriza a vida desses sujeitos, colocando-os em um cotidiano repleto de vivências marcadas pelo sofrimento e violência. A difícil inserção das pessoas Trans nas diversas instituições, inclusive nas especializadas em serviços destinados a essa parcela da população, é reflexo da violência institucional criada como sanção e destinada aqueles “corpos estranhos” que habitam essa atmosfera. Ou seja, passando pela família e compreendendo a escola, que são em geral os primeiros espaços de socialização da maioria dos seres humanos, essas pessoas são frustradas em suas expectativas de convivência, as relegando a somar ao aterrorizante número de 90% do total de pessoas Trans que vivem na prostituição, segundo dados ANTRA. Diante dessa desfavorável conjuntura, faz-se necessário uma ação profissional crítica e contestadora, que consiga subverter essa lógica cisnormativa e suas repercussões na vida dos sujeitos. Desse modo, o Serviço Social, que tem como horizonte político a defesa dos direitos humanos e o combate à opressão, tem um papel significativo na construção de outra ordem social, provocando e propondo, a partir de uma intervenção crítica e criativa, uma nova ótica no que diz respeito a relações sociais. Assim, nesse campo de disputa, o Serviço Social tem um papel fundamental na construção de mecanismos que consigam alcançar os anseios dessa população, garantindo o acesso às políticas e subvertendo a lógica controladora e biologizante das questões, as substituindo por uma intervenção que arraste para o campo social as possibilidades de teorizações e ações. O Serviço Social, a 189

partir do seu Código de Ética (1993) e das diversas normativas da categoria é possível perceber seu posicionamento diferenciado com relação a diversas outras áreas de saberes, o que torna o trabalho dessas/es profissionais estratégicos para conquista de direitos na perspectiva de emancipação do sujeito, se contrapondo ao olhar patologizante que é permeado por uma ideia de vigilância e controle. Assim, esse artigo busca problematizar a atual condição das Pessoas Trans, em especial no que diz respeito à inserção das instituições, e apontar quais possibilidades e limites a ser enfrentados na busca por uma pedagogia que não tenha a intenção de doutrinar os corpos. Desse modo, o Serviço Social, a partir de sua compreensão de que “o desejo não é domesticável” (ZATZMAN, 1999) e reconhecendo como legitima as várias possibilidades de identidades de gênero, tem uma tarefa necessária no que diz respeito à construção de pontes de resistência diante da ofensiva regulatória dos corpos. Palavras Chaves: Transexualidades; Controle dos Corpos; Serviço Social

REFERÊNCIAS: BUTLER, Judith. Actos performativos y constitución de género: unensayo sobre fenomenología y teoría feminista. Disponível em: ______. Código de ética da/o Assistente Social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. – 10ª- ed. rev. e atual. – [Brasília]: Conselho Federal de Serviço Social, [2012]. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: a vontade de saber. 1ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014. ZALTZAMAN, N. “Do sexo oposto”. In: Ceccarelli, P.R. (Org). Diferenças Sexuais. São Paulo. Escuta, 1999.

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TRABALHOS COMPLETOS

GT – 1: Educação, Movimentos Sociais e Epistemologias

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ESTRATÉGIAS EDUCATIVAS DO MOVIMENTO LGBT DE CARUARU: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DAS AÇÕES DO COLETIVO LUTAS E CORES Cleyton Feitosa Pereira70 Emerson Silva Santos71 RESUMO: O campo da educação tem se apresentado como um dos espaços prioritários para atuação do Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT). Não só a educação formal tem recebido essa atenção, mas as próprias estratégias empreendidas pelo movimento LGBT carregam em si muitos processos educativos, configurando-se como ações de Educação em Direitos Humanos. Dentro dessa perspectiva, o presente trabalho visa apresentar um breve relato de experiência das estratégias educativas do Coletivo LGBT Lutas e Cores de Caruaru-Pernambuco. Os recursos metodológicos utilizados por esse trabalho foram a abordagem qualitativa e estudo do tipo descritivo. As análises e discussões desse relato de experiências indicam que as ações protagonizadas pelos/as ativistas do Coletivo Lutas e Cores estão carregadas de sentidos educativos que buscam difundir saberes, conceitos e construir uma cultura de respeito à diversidade e de direitos humanos.

Palavras-Chave: Educação. Direitos Humanos. Movimento LGBT.

INTRODUÇÃO

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Licenciado em Pedagogia e Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Membro do Lutas e Cores. Email: [email protected]. 71 Bacharel em Administração Pública pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT de Pernambuco. Membro do Lutas e Cores. Email: [email protected].

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Desde o seu surgimento no Brasil, na década de 1970, o movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) tem atuado no enfrentamento à homofobia e na busca incessante por dignidade, direitos e cidadania (SIMÕES e FACCHINI, 2009). Para isso, o movimento tem se utilizado de diversas estratégias e ferramentas que possibilitem a construção de uma sociedade menos hostil e que respeite os direitos humanos da população LGBT. Entendemos homofobia conforme Borrillo (2010) disserta, cujas reflexões apontam para um fenômeno social construído historicamente que expressa relações de poder, ou seja, mais do que uma mera violência física dotada de um ódio irracional, a homofobia funciona como um marcador violento que hierarquiza relações e sujeitos/as, se articula com a cultura e com outros conceitos como a heteronormatividade e a heterossexualidade compulsória (COLLING, 2014). Borrilo também considera violências específicas direcionadas contra mulheres lésbicas e pessoas trans nominando lesbofobia e transfobia como tipos de homofobia específica (2010). Nesse sentido, discordamos de seu posicionamento por entender que a lesbofobia e a transfobia não se constituem como variantes ou apêndices da homofobia, mas tratam-se de violências com um arcabouço bem próprio: diferentemente da homofobia, a lesbofobia articula a discriminação voltada contra pessoas que se atraem por pessoas do mesmo sexo e gênero e o machismo (que não reconhece a autonomia das mulheres muito menos os seus direitos sexuais). Já a transfobia opera por meio do ódio contra as identidades de gênero não cisnormativas, ou seja, atua contra aquelas pessoas que rompem com o gênero que lhes foi designado compulsoriamente por causa do sexo. Todos esses fenômenos e conceitos, produzidos no bojo das lutas do Movimento Feminista e LGBT, além da produção teórica crítica elaborada nas universidades e centros de pesquisa, produziram um conjunto de saberes. Como se sabe, a ciência e a educação possuem forte relação na medida em que a educação formal trabalha com a difusão dos conteúdos produzidos pela ciência. No entanto, a escola, através dos seus programas, projetos e currículos, seleciona o que é considerado válido dentro de suas concepções de mundo (através dos Projetos Políticos Pedagógicos) e o que não deve ser trabalhado nesse espaço educativo. 193

Considerando o campo da Educação como sendo de grande importância na formação dos indivíduos, não por acaso, esse campo tem sido apontado como um dos mais estratégicos para a população LGBT (JUNQUEIRA, 2009). Aqui incluída a Educação não formal, pois quando falamos de educação compreendemo-la como um campo amplo que possibilita intervenções para além do interior das salas de aula com assinala Brandão (1981). Desse modo, o Movimento LGBT tem desenvolvido uma educação outra, nãohegemônica, alternativa, por meio de práticas educativas diferenciadas que ensinam (e aprendem) através de processos dialógicos, interventivos e criativos, com o objetivo de difundir os seus saberes, conceitos e construir uma cultura de respeito à diversidade. O presente trabalho visa apresentar um breve relato de experiência das estratégias educativas do Coletivo LGBT Lutas e Cores de Caruaru, Pernambuco.

DISCUSSÃO TEÓRICA

Movimento LGBT

Para fins de caracterização do Movimento LGBT, nos reportaremos a Simões e Facchini (2009), para quem

O desabrochar de um movimento homossexual no Brasil se deu no final da década de 1970, com o surgimento de grupos voltados explicitamente à militância política, formados por pessoas que se identificavam como homossexuais (usando diferentes termos para tanto) e buscavam promover e difundir novas formas de representação da homossexualidade, contrapostas às conotações de sem-vergonhice, pecado, doença e degeneração. Considerando tais características – de aglutinar pessoas dispostas a declarar sua sua homossexualidade em público e que se apresentavam como parte de uma minoria oprimida em busca de alianças políticas para reverter essa situação de preconceito e discriminação -, podemos dizer que o movimento político em defesa da homossexualidade no Brasil já completou trinta anos. O marco consagrado nessa historiografia particular é a formação do grupo Somos, em São Paulo, em 1978, na mesma época em que era lançado o Lampião, jornal em formato tablóide que se voltava para um enfoque acentuadamente social e político da homossexualidade, assim como de

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outros temas políticos afins e até então considerados “minoritários”, como o feminismo e o movimento negro (SIMÕES e FACCHINI, 2009, p. 13).

A trajetória do ativismo LGBT no Brasil é permeada por mudanças e reconfigurações substanciais motivadas tanto pelas dinâmicas internas da militância quanto pelos fatores sociais externos, como as próprias reconfigurações do Estado brasileiro ou fatos e tratativas internacionais no âmbito dos direitos humanos LGBT. O fato é que este movimento social, por meio de sua organização política, tem desenvolvido forte incidência em distintos setores da sociedade, como descrevem Júlio Simões e Regina Facchini:

As reinvidicações do movimento LGBT tem ganhado maior visibilidade atualmente, a ponto de suscitar projetos de lei em todos os níveis do Legislativo, assim como a formação de Frentes Parlamentares em âmbito nacional e estadual. Suas estratégias se diversificaram de modo a incorporar a demanda por direitos através do Judiciário, o esforço pelo controle social da formulação e implementação de políticas públicas, a produção de conhecimento em âmbito acadêmico, a formação de igrejas para homossexuais, setoriais em partidos políticos e, não menos importante, a construção de alternativas de política lúdica, como as próprias paradas e a organização de saraus, festivais, e mostras de arte, assim como a apropriação de manifestações já bem mais antigas na chamada “comunidade”, como concursos de Miss Gay ou Miss Trans (SIMÕES e FACCHINI, 2009, p. 18).

De fato, mais que nunca, é possível vislumbrar a politização das identidades sexuais e de gênero em diferentes campos da sociedade, incluindo a mídia, significativo setor produtor de visibilidade. É importante também reconhecer que a definição de Movimento LGBT também é algo aberto, inconcluso e em disputa, seja no ativismo, seja na academia. Colling (2015), por exemplo, após realizar estudo com ativistas desse movimento em países como Argentina, Chile, Espanha e Portugal tece um conjunto de características que conformariam o Movimento LGBT (e os confrontam com o que ele chama de Ativismos das Dissidências Sexuais e de Gênero ou Ativismo Queer). 195

Dentre as características apontadas, em uma perspectiva crítica, o Movimento LGBT atua enfaticamente na conquista de marcos legais como a do matrimônio igualitário, leis antidiscriminação (com caráter punitivo) e de identidade de gênero (aquelas que permitem a mudança de nome civil de pessoas travestis e transexuais). O autor critica essa ênfase nos marcos legais, pois para ele, os preconceitos nascem na cultura e por isso seria mais interessante atuar estrategicamente através de políticas e produtos culturais, uma vez que as leis modificam timidamente práticas preconceituosas (COLLING, 2015). Dando sequência à descrição, o Movimento LGBT “tenta forçar todas as pessoas não-heterossexuais e não-cisgêneras a se enquadrar em uma das identidades da sigla LGBT” (COLLING, 2015, p. 240), rejeitando aquelas que não possuem uma identidade fixa e homogênea ou que possuem identidades transitórias e fluidas. O Movimento LGBT, na tentativa de angariar direitos e respeito, flerta com valores heteronormativos72, legitimando e fortalecendo princípios e práticas que estão na base da opressão sexista como a monogamia, a discrição e a negação de sujeitos/as e práticas mais dissidentes da heterossexualidade e da cisgeneridade (COLLING, 2015). Além disso, o Movimento LGBT se caracteriza também pela sua forma de organização de cunho associativista, hierárquico, com a presença de um ou uma coordenadora, que lança mão de interlocuções com diferentes setores da sociedade de maneira menos transgressora (como notas, ofícios, comunicados ou abaixo-assinados) do que as compreendidas como atos de desobediências civil (COLLING, 2015). Como é possível observar, há diferentes visões e definições sobre o Movimento LGBT e suas estratégias de ação política. Poderíamos trazer outras compreensões, mas não é esse o objetivo desse texto. Na verdade, trouxemos essas duas compreensões, uma mais descritiva e outra mais crítica, para apresentar ao/à leitor/a menos familiarizado/a que o campo do Movimento LGBT, assim como o dos estudos e pesquisas sobre gênero

O conceito de heteronormatividade é explicado por Colling e Nogueira: “...na heteronormatividade todas devem organizar suas vidas conforme o modelo heterossexual, tenham elas práticas sexuais heterossexuais ou não. Com isso entendemos que a heterossexualidade não é apenas uma orientação sexual, mas um modelo político que organiza as nossas vidas” (COLLING e NOGUEIRA, 2015, p. 182). 72

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e sexualidade, são arenas em permanente disputa de sentidos, de projetos, de práticas e aspirações. Para efeitos de compreensão desse texto, importa entender que o Movimento LGBT é um movimento rico, plural, composto por uma infinidade de sujeitos/as e práticas que visam, de um modo ou de outro, modificar o campo da cultura, efetivar e ampliar direitos e superar o quadro de violências motivadas pela discriminação e ódio contra aqueles/as que escapam às normas hegemônicas de gênero e de sexualidade, historicamente construídas no tecido social.

Educação e Movimentos Sociais

A educação é um fenômeno presente desde que o ser humano existe. Seja nas instruções, no como fazer ou ser. Os Séculos se passaram e a educação mudou bastante em sua essência. Houve uma divisão social do saber, ou seja, ensino para ricos e ensino para pobres, respectivamente os que iam comandar e os que seriam comandados, sendo hoje utilizada principalmente como estratégia para formar mão-de-obra trabalhadora para as indústrias fortalecidas com a ascensão do modelo econômico capitalista. Ora, sendo assim os Movimentos Sociais não poderiam aceitar esse modelo controlador, tendencioso e opressor de educação. Uma de suas lutas é a educação diferenciada. Diferenciada em muitos sentidos, seja na metodologia, no currículo, nas relações e, claro, nas intenções políticas de formação. Que sujeito pretende-se formar? Um sujeito alienado e apolítico que não se afirma, não se emancipa e contribui para as desigualdades sociais ou um sujeito politizado, participante, protagonista de sua história e de sua comunidade, que exerce sua cidadania e luta por seus direitos? No caso dos movimentos sociais a segunda opção é uma das suas bandeiras de luta. A história dos movimentos sociais e revolucionários demonstra que a educação e a cultura sempre foram um ponto central de seus programas e, como as lutas latino-americanas recentes têm propugnado, a educação é uma prática social crucial para o resgate classista dos trabalhadores (LEHER, 2007, p. 28).

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Neste sentido, a escola formal que o Estado provê às pessoas é acusada e recusada pelos movimentos sociais como máquinas do governo que visam controlar e formar trabalhadores/as para o mercado consumista. Os movimentos sociais lutam por justiça social, neste caso a transformação social é uma urgência, uma necessidade. Sendo assim, lutam por uma educação útil e transformadora que contenha conceitos e conteúdos úteis à vida das pessoas subalternizadas. Construir cidadãos éticos, ativos, participantes, com responsabilidade diante do outro e preocupados com o universal e não com particularismos é retomar as utopias e priorizar a mobilização e a participação da comunidade educativa na construção de novas agendas. Essas agendas devem contemplar projetos emancipatórios que tenham como prioridade a mudança social, que qualifiquem seu sentido e significado, que pensem alternativas para um novo modelo econômico não excludente, que contemplem os valores de uma sociedade em que o ser humano é centro das atenções e não o lucro, o mercado, o status político e social, o poder em suma. A educação não-formal é um campo valioso para construção daquelas agendas e para dar sentido e significado às próprias lutas no campo da educação, visando a transformação da realidade social (GOHN, 2007, p. 53, grifo nosso).

Em Pedagogia da Indignação Paulo Freire diz acreditar na capacidade de reflexão do ser humano e de sua ação transformadora perante o domínio das estruturas econômicas, científica e tecnológicas. Para ele: O fato mesmo de se ter ele mesmo tornado apto a reconhecer quão condicionado ou influenciado é pelas estruturas econômicas o fez também capaz de intervir na realidade condicionante. Quer dizer, sabe-se condicionado e não fatalistamente submetido a este ou àquele destino abre o caminho à sua intervenção no mundo. (FREIRE, 2000, p. 27)

Esta reflexão de Freire justifica a existência dos Movimentos Sociais ao responsabilizar o humano como interventor das injustiças sociais existentes. Deste modo, não cabe mais ao governo, a Deus ou qualquer segunda instância agir por ele, garantindo ao sujeito humano tomar as rédeas e seguir a trajetória que ele bem escolher: ser um sujeito oprimido ou ser liberto das dominações impostas pelos que estão no poder, e assim libertar 198

o opressor também. Freire também vai justificar os movimentos sociais em Pedagogia do Oprimido quando afirma

Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmo, superando, assim, sua “conivência” com o regime opressor. (FREIRE, 1994, p. 29)

Nesta colocação é perceptível a importância da organização social para poder lutar pelos seus interesses e contra as injustiças existentes no mundo. Uma ação individual não significaria muito, mas uma ação coletiva possui força suficiente para quebrar as amarras colocadas pelas forças dominantes e conservadoras que desejam permanecer e manter o sistema num status quo, sem modificações, sem justiça social. É importante observar as artimanhas utilizadas pelos sistemas dominantes para individualizar as pessoas, pois eles perceberam o poder que há numa ação coletiva e sua capacidade transformadora. Sendo assim, são cada vez mais freqüentes as ações individuais que não geram muito retorno e quando geram beneficiam somente ao pleiteador. Parafraseando o autor de Educação e Mudança “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1994, p. 29). Os movimentos sociais no contexto da luta e da resistência se apropriam de um fazer pedagógico necessário para suas demandas de transformação da situação conflitiva e consequentemente se apropriam e difundem conhecimentos e metodologias que ora se aproximam, ora se distanciam das metodologias educacionais tradicionais, mostrando-se inovadoras. Nesta direção Lage (2009) aponta que Uma territorialidade subalterna e submissa forja no cotidiano da luta outra territorialidade, desta vez rebelde, construída nos espaço da luta, entre as estratégias e os processos de resistência, na medida em que o novo sujeito político se forma por meio da tensão entre democracia e exclusão social. Esta nova construção é político e também pedagógica, pois constrói não apenas o militante, mas também o ator coletivo e um conjunto de conhecimentos que estão a subsidiar as análises das experiências mais inovadoras no campo da educação, da sociologia e política. (...)

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Esta luta política tem levado os movimentos sociais também a se apropriarem do saber científico e a reinventarem metodologias sociais em campos historicamente afastados de qualquer possibilidade de acesso, como o da educação. Nesta direção os movimentos sociais têm priorizado para além de suas estratégias de ação mais visíveis - ocupações, marchas, greves - uma política da educação, na qual visa transformar e melhor qualificar suas organizações, considerando o fato de que, dentro de um movimento social, a educação tem efeito multiplicador (LAGE, 2009, p. 68 e 69)

Face a isto é que os movimentos sociais tem sido campo de estudos de pesquisadores da educação como ricos espaços pedagógicos e que podem, ainda, contribuir de maneira certeira nos espaços onde a pedagogia tradicional ainda é utilizada e perpetrada. Neste sentido, a autora indica de maneira indireta que o fenômeno educativo não prescinde de uma sala de aula com cadeiras enfileiradas e um quadro negro para se fazer e estar presente, mas que ela se encontra em todo e qualquer espaço onde haja promoção e difusão de conhecimento e de saberes.

METODOLOGIA

A abordagem qualitativa foi a proposta metodológica que utilizamos para este trabalho. Na compreensão de Gonsalves “A pesquisa qualitativa preocupa-se com a compreensão, com a interpretação do fenômeno, considerando o significado que os outros dão às suas práticas, o que impõe ao pesquisador uma abordagem hermenêutica” (GONSALVES, 2003, p. 68). Para Creswell (2007), a pesquisa qualitativa utiliza materiais e métodos múltiplos e diversos, interativos e humanísticos, nesse sentido, este tipo de pesquisa não é estritamente pré-configurada, possibilitando, assim, a flexibilização das questões de pesquisa, da coleta de dados, bem como seu refinamento. Ainda conforme Creswell (2007) a pesquisa qualitativa é essencialmente interpretativa, na medida em que considera o momento sociopolítico e histórico vivenciado, analisando os fenômenos de maneira holística, priorizando estudos com uma visão mais ampla. Em relação ao seu objetivo este é um estudo descritivo. Na compreensão de Gil, a pesquisa descritiva tem como “objetivo primordial a descrição das características de 200

determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis” (2008, p. 28). Para Gil (2008), o relato de experiência possibilita que os/as pesquisadores/as relatem suas experiências e vivências associando-as com o saber científico. É válido ressaltar que nós, os autores desse texto, também compomos o Lutas e Cores e participamos diretamente da formulação e execução das ações do grupo.

ANÁLISES E RESULTADOS

O Lutas e Cores surgiu na cidade de Caruaru em outubro de 2014 a partir do desejo de um agrupamento de pessoas em construir uma organização que reunisse indivíduos/as LGBT em torno de uma agenda política que fortalecesse a cidadania desse segmento na cidade. Sua organização interna é estruturada de forma horizontal, sem que exista uma direção nos moldes tradicionais de organizações da sociedade civil, sobretudo das Organizações Não-Governamentais, um dos braços do modelo neoliberal, que se organizam de maneira vertical e, muitas vezes, unilateral (composto por um presidente, sendo este, em geral, homem, secretários e diretores). A preocupação com a horizontalidade do grupo se deu também em virtude de parte de seus membros fundadores já terem participado de espaços hierarquizados que flertam com o autoritarismo e com a baixa capacidade de diálogo interna. Entre os objetivos do Lutas e Cores, destaca-se o desenvolvimento de uma prática política coletiva e atuante que atenda aos anseios de seus membros no campo da igualdade de direitos e da justiça social, enfrentando a homofobia e as discriminações diversas que se interseccionam (lesbofobia, transfobia, racismo, machismo, capacitismo, xenofobia, classismo, etc.). Este objetivo guarda estreita relação com a forma horizontal com que tentamos nos organizar haja visto que os diversos anseios só conseguem ganhar centralidade na medida em que todos e todas tem direito à voz e ao convencimento de tais demandas.

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Com vistas a atingir este objetivo, os/as ativistas que compõem o Lutas e Cores desenvolvem uma variedade de ações na cidade de Caruaru como a realização de reuniões (ora em espaços públicos, ora em espaços fechados, considerando a condição de “armariamento”73 de parte de seus membros), panfletaços, intervenções nas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter) participações em conferências, formações de servidores/as públicos/as, espaços de interlocução com o Estado, diálogo e fiscalização do Poder Público, beijaços, rodas de diálogo, campanhas, mesas redondas, entrevistas e participações em programas da imprensa local, entre outras. Desta forma, buscamos sempre empregar um caráter pedagógico nas diversas intervenções realizadas vislumbrando transformações significativas, pois uma das nossas inspirações teóricas é Paulo Freire e a sua visão politizadora da Educação e ao mesmo tempo pedagógica da ação política. Por isso, mesmo nas atividades mais lúdicas que desenvolvemos, a exemplo da I Intervenção Cultural no Dia Internacional do Orgulho LGBT, onde promovemos shows de drag queens, música e poesia, buscamos estabelecer uma relação de ensino e aprendizagem com os atores e atrizes que se envolvem com o grupo: tanto na formação política dos membros do coletivo como nas pessoas externas a ele que contactamos. Como Freire bem ensinou: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. A partir de agora, ilustraremos algumas das ações do Lutas e Cores visando demonstrar o caráter educativo de suas intervenções. O primeiro registro trata-se da reunião de fundação do grupo. Como estratégia de mobilização, criamos um grupo no aplicativo Whatsapp chamado “Coletivo LGBT de Caruaru”, um nome provisório, e incluímos algumas pessoas conhecidas que sabíamos que pautavam no seu cotidiano ou nos seus perfis nas redes sociais assuntos ligados à cidadania e a igualdade social da população LGBT. É válido compartilhar que nem todas as pessoas incluídas desejaram permanecer no grupo e que outra chegavam a confundir a natureza daquele espaço, confundindo com outros grupos já existentes de trocas sexuais. No entanto, à medida que fomos explicando para as pessoas presentes o objetivo daquele

Para entender o “armário”, sua dinâmica e efeitos, ler “A Epistemologia do Armário” de Eve Sedgwick (2007). 73

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grupo virtual, a dinâmica coletiva foi se aprimorando até que marcamos o primeiro encontro off-line74 e fundamos “oficialmente” o então Lutas e Cores, nome este sugerido por Emerson Santos, membro do coletivo e coautor deste artigo, o que foi acatado pelos presentes. É interessante ainda falar um pouco sobre o que buscamos expressar com o nome escolhido “Lutas e Cores”. A palavra “Lutas” visa demonstrar que é um grupo composto por pessoas que expressam uma orientação ideológica de esquerda, ou seja, são imbuídos e imbuídas de um projeto político aos moldes do que Dagnino (2006) chama de “Projeto Democrático-Participativo), cujos princípios são a transformação social e cultural, a ampliação da participação social e o aprofundamento da democracia. Buscamos dizer que o Lutas e Cores é um grupo que possui um corte ideológico à esquerda, o que significa que terá dificuldades em aglutinar sujeitos/as com um pensamento conservador e afinado

aos princípios fundamentalistas e neoliberais, características da direita brasileira. Já a Figura 1 - Reunião de Fundação do Lutas e Cores. Local: Pátio Público da Prefeitura de Caruaru. Data: 30 de Outubro de 2014.

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Expressão que significa fora do ambiente virtual.

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palavra “Cores” flerta com a bandeira do arco-íris do Movimento LGBT e com a perspectiva da diversidade e diferença. Assim, o nome “Lutas e Cores” significa um grupo organizado em torno da luta LGBT, de esquerda. Ao longo de sua atuação, os ativistas coletivo Lutas e Corem têm empreendido uma série de ações e estratégias, como já mencionado neste texto. Para fins de organização desse trabalho, dividimos as ações do grupo a partir de três categorias: reuniões internas, interlocução e fiscalização do poder público e intervenções sociais.

Reuniões Internas

Nessa categoria, estamos considerando os encontros off-line, presenciais, em um determinado espaço privado ou púbico. As reuniões do Lutas e Cores não são organizadas a partir de um calendário fechado e pré-estabelecido. Ao contrário, são convocadas sempre que o grupo avalia existir uma pauta de discussão que não deve ser debatida exclusivamente através dos grupos virtuais. Apesar de não contar com um calendário fixo, em média, as reuniões internas presenciais do Lutas e Cores ocorrem mensalmente, sendo possível a realização de mais de uma reunião durante o mesmo mês. Como estratégia de aglutinar o maior número possível de ativistas, as reuniões internas são realizadas em espaços públicos como parques e praças, mas também em espaços privados como na sede do Sindicato dos Professores de Pernambuco (SINPRO) em Caruaru, compreendendo a situação de armariamento de alguns/mas LGBT, principalmente aqueles/as que estão chegando no grupo e que, em sua maioria, são jovens e moram com seus pais e mães.

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Figura 2 – Reunião de Formação Política ministrada por Rafael Vieira, mestre em Educação (UFPE/CAA). Local: Sede do Sindicato dos Professores de Pernambuco em Caruaru. Data: 15 de Novembro de 2014.

Por princípio, as reuniões internas ocorrem para possibilitar uma discussão, planejamento e organização das atividades e ações do Lutas e Cores, entretanto, essas reuniões também objetivam a formação social e política dos/as ativistas do grupo visando à construção do empoderamento individual e coletivo. Nesse sentido, o caráter educativo é um elemento central nas reuniões, tendo em vista que, seja dialogando sobre o planejamento das ações do coletivo, ou mesmo participando de um momento de formação política, os/as ativistas do Lutas e Cores estão envolvidos/as em um processo dialógico, interativo e educativo, permeado por discussões que os/as permitem enxergar o seu lugar de oprimido/a numa sociedade homofóbica e heteronormativa, mas também em construção e em disputa. A utopia é outro elemento intrínseco à constituição do Lutas e Cores.

Interlocução e Fiscalização do Poder Público

As ações de interlocução e fiscalização junto ao poder público compreendem a formação de servidores públicos, participação em conferências de políticas públicas (conferências de Saúde, Juventude, Mulher, Pessoas com Deficiência, Assistência Social, Direitos Humanos, LGBT) para reivindicar e estabelecer prioridades de políticas públicas, presença em rodas de diálogo convocadas pelo poder público, fiscalização da 205

controle e monitoramento das políticas, pressão sobre o poder legislativo em matérias envolvendo a cidadania LGBT como no caso da votação do Plano Municipal de Educação pela Câmara de Vereadores, entre outras.

Figura 3 – Participação de ativistas do Lutas e Cores na 3° Conferência Municipal de Juventude de Caruaru. Local: Escola Municipal José Florêncio Neto - Professor Machadinho. Data: 29 de Agosto de 2015.

Por meio da interlocução e fiscalização junto ao poder público, o caráter educativo do Lutas e Cores se expressa de diferentes maneiras, na medida em que ele é interno e externo ao coletivo. É interno, à título de ilustração, quando os/as sujeitos/as ativistas do grupo participam das atividades e ações, apresentam as demandas coletivas da população LGBT, disputam a arena pública e depois levam os eventos ocorridos nas conferências, por exemplo, para as reuniões internas. Não temos dúvidas de que as vivências protagonizadas pelo Lutas e Cores transformam as subjetividades das pessoas envolvidas e, em consequência, transformam o mundo em que vivem. O caráter educativo é também externo quando os/as ativistas do Lutas e Cores são convidados/as a ministrarem formação para servidores públicos municipais sobre políticas públicas para a população LGBT e ensinam através das intervenções democráticas, ocupando o espaço público e politizando a identidade, a sexualidade e os gêneros.

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Figura 4 – Formação continuada intitulada "Políticas Públicas Municipais para a População LGBT" voltada para servidores/as da Prefeitura de Caruaru. Local: Secretaria de Participação Social da Prefeitura de. Data: 07 de Abril de 2015.

Intervenções Sociais

Nessa categoria estão inseridas as ações realizadas pelo Lutas e Cores que não estão restritas internamente ao grupo, ações que são coordenadas e protagonizadas pelo Lutas e Cores que tem por objetivo o diálogo e a participação de outros/as atores/as sociais. Nessa direção, o grupo intervem por meio da realização de manifestações como beijaços, entrevistas e participações em programas da imprensa local, panfletaços, participações em congressos, rodas de diálogo e mesas redondas à convite de universidades, atividades culturais, interlocução com outros movimentos sociais, intervenção nas redes sociais virtuais (Facebook, Twitter, Instagram, Youtube), etc. Desde a fundação do Lutas e Cores, diversas intervenções sociais foram organizadas pelos/as ativistas que compõem o grupo. Destacamos a realização da “Roda de Diálogo Mães Pela Igualdade”, que contou com a presença de Eleonora Pereira, integrante do Movimento Mães Pela Igualdade, um coletivo formado por mães de LGBT que sofreram algum tipo de violação de direitos. A roda de diálogo possibilitou o debate sobre violência homofóbica, acolhimento familiar dos/as indivíduos LGBT e desconstrução de preconceitos relacionados às identidades LGBT.

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Figura 5 – Panfletaço no Dia Municipal de Combate à Homofobia. Local: Avenida Agamenon Magalhães, Caruaru-PE. Data: 17 de Maio de 2015.

Entre as intervenções sociais do Lutas e Cores também merecem destaque a organização da “I Intervenção Cultural LGBT no Dia do orgulho LGBT”, e a participação na mesa redonda "Visibilidade Trans no Agreste Pernambucano: Cidadania, Identidade e Emancipação", promovido pela Prefeitura de Caruaru e o Observatório de Movimentos Sociais na UFPE/CAA. O caráter educativo das intervenções sociais em que o Lutas e Cores promove ou participa se expressa através da formação, sensibilização e desconstrução dos preconceitos, sobretudo da homofobia e da heteronormatividade, além da promoção do respeito à diversidade sexual e de gênero e de uma cultura dos direitos humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação construída pelos movimentos sociais LGBT contém características que nos dão pistas de concepções inspiradas em Paulo Freire. Retomando o objetivo deste trabalho de apresentar um breve relato de experiência das estratégias educativas do Coletivo LGBT Lutas e Cores de Caruaru-Pernambuco, discutimos como são produzidas e quais são as finalidades das ações e atividades promovidas pelo coletivo. O viés educativo da militância exercida pelo grupo se expressa por meio de atividades que ora tem um caráter mais lúdico, ora atuam de forma mais reivindicatória. 208

Nessa direção, os processos educativos promovidos pelo Lutas e Cores se dão de forma criativa, incidindo em espaços sociais com públicos diversos, compreendendo que é preciso dialogar e educar para construção de uma sociedade que respeite as diferenças. Face à quantidade de ações desenvolvidas desde a sua fundação, compreendemos que esse trabalho não apresenta todas as vivências e práticas educativas do Lutas e Cores. Investigações futuras, partindo de outras perguntas e utilizando diferentes referenciais teórico-metodológicos poderão revelar outros elementos e estratégias educativas do Movimento LGBT de Caruaru-Pernambuco. Aproveitamos para divulgar a fan page do Lutas e Cores que preserva toda a memória e o acumulado de experiências do grupo75. Por fim, como autores e, sobretudo, membros participantes do grupo, gostaríamos de dizer que o Lutas e Cores é um coletivo inconcluso, em construção e aberto, tanto a pessoas quanto a contribuições e estratégias que minimizem a violência e promovam a cidadania da população LGBT. Nos preocupamos com o sentido pedagógico atribuído a sua existência. Por isso, colaborações e construções coletivas sempre serão bem-vindas para o aprimoramento das ações e construção de um mundo mais justo, igual e livre. REFERÊNCIAS BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O Que é Educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. COLLING, Leandro; NOGUEIRA, Gilmaro. Relacionados mas diferentes: Sobre os conceitos de homofobia, heterossexualidade compulsória e heteronormatividade. In: RODRIGUES, A.; DALLAPICULA, C.; FERREIRA, S. R. S. (Orgs.). Transposições: lugares e fronteiras em sexualidade e educação. Vitória: EDUFES, 2014. COLLING, Leandro. Que os outros sejam o normal: tensões entre movimento LGBT e ativismo queer. Salvador: EDUFBA, 2015. CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: Métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3 ed. Porto alegre: Artmed, 2010. FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. 29ª ed. ______, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. 17ª ed. 75

www.facebook.com/lutasecores. Acesso em: 15 de Junho de 2016.

209

GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008. GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais, Políticas Públicas e Educação. In: JEZINE, Edineide; ALMEIDA, Maria de Lourdes Pinto (Orgs.). Educação e Movimentos Sociais: Novos olhares. Campinas, SP: Alínea, 2007. JUNQUEIRA, Rogério Diniz. “Aqui não tem gays nem lésbicas”: estratégias discursivas de agentes públicos ante medidas de promoção do reconhecimento da diversidade sexual nas escolas. Bagoas, vol. 3, n. 4, pp. 171-189, jan./jun., 2009. Disponível em: . Acesso em: 08/08/2015. LAGE, Allene Carvalho. Orientações Epistemológicas Para Pesquisa Qualitativa em Educação e Movimentos Sociais In: Anais do IV Colóquio Internacional de Políticas e Práticas Curriculares, 2009, João Pessoa. IV Colóquio Internacional de Políticas Práticas Curriculares: Diferenças nas Políticas de Currículo. João Pessoa: UFPB, 2009. v. 1. p. 1-18. LEHER, Roberto. Educação Popular como estratégia Política. In: JEZINE, Edineide; ALMEIDA, Maria de Lourdes Pinto de (Orgs.). Educação e Movimentos Sociais: Novos olhares. Campinas, SP: Alínea, 2007. SIMÕES, Júlio Assis; FACCHINI, Regina. Na Trilha do Arco-Íris: Do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009.

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O 'OUTRO' COMO SUJEITO GERADOR: AXIOMAS EPISTEMOLÓGICOS DA EXPERIÊNCIA DO NÚCLEO DE PESQUISA OUTRAS ECONOMIAS* Cristiano de França Lima76 Resumo: A escrita desse trabalho tem como objetivo delinear nuances do processo pedagógico vivenciado no Núcleo de Pesquisa Outras Economias (NOEs). O termo pedagogia da(s) pluralidade(s) é cunhado na tentativa de legitimar esse processo que fundamenta-se em cinco pilares: experiência, circularidade, pluralidade, temporalidade e aprender/fazer juntos. Tal pedagogia tende a perceber os sujeitos individuais e coletivos e suas realidades compostos por diversos elementos, ou seja, por “categorias de diferenciação” que os constituem. Por conseguinte, reflete em um posicionamento, um modo de agir que compromete o sujeito a um pensar plural, uma vez que o direciona a abandonar estruturas de conhecimentos/pensamentos tradicionais e fixas da ciência moderna. A utilização de metodologias não convencionais tornou possível a análise da experiência do grupo de estudantes vinculado ao NOEs, como fonte privilegiada de sentidos e significados para o empreendimento aqui proposto. Palavras-chave: NOEs, Pedagogia da(s) Pluralidade(s), Experiência/Sentido, Pensar Plural. Breves notas sobre o Núcleo de Pesquisa Outras Economias (à guisa de introdução) A experiência levada a cabo pelos membros do Núcleo de Pesquisa Outras Economias (NOEs) coloca-nos diante das complexidades dos processos pedagógicos que se preocupam em não reduzir o social ao empírico objetivável, bem como em escapar dos

* Agradeço à colega Carolina Leão e ao colega Júlio Andrade pelas profundas reflexões oportunizadas sobre o que venho chamando de pedagogia da(s) pluralidade(s), o que proporcionou condições plausíveis para a elaboração desse trabalho. 76 Professor substituto da Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa Outras Econominas/LATOS/UFF. Doutor em Sociologia. E-mail: [email protected]

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modelos duais modernos de leitura e interpretação da realidade (ciência/senso comum; sujeito/objeto;

avançado/primitivo;

desenvolvido/subdesenvolvido;

emoção/racionalidade; centro/periferia; eludido/popular etc.). O NOEs tem sua origem, em meados de 2009, quando pesquisadores e pesquisadoras estavam, na época, a cursar pós-graduação stricto sensu na universidade de Coimbra, Portugal, especificamente no Centro de Estudos Sociais, e em outras instituições de ensino desse país. Atualmente, o núcleo está institucionalmente vinculado ao Laboratório de Estudos em Trabalho, Organizações e Sociedade (LATOS) da Universidade Federal Fluminense. Também tem uma atuação consolidada no estado de Pernambuco, por via de um grupo de estudantes de graduação em Pedagogia, que foi e/ou são alunos e alunas de um dos pesquisadores do núcleo em uma instituição privada de ensino, na cidade de Vitória de Santo Antão, neste estado.77 No decorrer de aproximadamente dois anos, este grupo de estudantes tem vindo a se consolidar enquanto parte orgânica do NOEs, assumindo seus princípios e valores. Neste fazer-se enquanto parte desse, o grupo tem desenvolvido dispositivos pedagógicos que vão dão contornos a um processo pedagógico particular, a partir do qual vai se formando e se constituindo enquanto sujeito coletivo. Delinear os nuances desse processo pedagógico é o objetivo do presente trabalho. O que segue nas linhas abaixo é um construto coletivo do NOEs, pois é a experiência levada a cabo por todos e todas membros deste que torna possível a análise e escrita desse trabalho. Fazendo jus ao jeito de ser e estar do núcleo e aos achados do estudo, a leitura do que segue deve ser metaforicamente um trabalho de arqueologia: identificar os vestígios dos variados contributos dados a finalização do artigo. Pedagogia da(s) Pluralidade(s): fragmentos de um “quase-conceito”

77 O grupo é constituído por 11 jovens, em sua maioria graduandos do curso de pedagogia. Apesar do grupo ter origem na cidade de Vitória de Santo Antão, PE, os jovens são de diferentes municípios desse estado. O grupo tem ganhado visibilidade naquela cidade por promover minicursos e oficinas de temáticas variadas no campo da pedagogia.

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O termo pedagogia da(s) pluralidade(s) foi cunhado na tentativa de legitimar o processo organizacional e pedagógico vivenciado/experimentado por pesquisadores, pesquisadoras e estudantes no Núcleo de Pesquisa Outras Economias (NOEs). Uma experiência que, como discuti em trabalho anterior, se constitui não apenas na produção do conhecimento por informações decodificadas em teorias preexistentes, mas na relação iminente das experiências/sentidos e epistemologia. Logo, o par experiência/sentido torna-se fonte de relatos portadores de vivência enquanto forma privilegiada de conhecer/saber sobre o mundo social. Pedagogia, na perspectiva abordada neste artigo, compreende os “processos em que se formaram e formam como sujeitos sociais, éticos, culturais, de pensamento e aprendizagem” (ARROYO, 2014, p. 10/11). O que aqui é analisado, tem como pressuposto que os pesquisadores, as pesquisadoras e estudantes do NOEs, balizado/as por um conjunto de princípios78 – elaborados por eles e elas mesmos – enquanto coletivo, reinventam dispositivos e processos pedagógicos pelos quais se formam e se fazem sujeitos de experiências outras (plurais). Tais processos o/as levam a repensarem-se e a repensar a ciência, o conhecimento, os paradigmas de saber/conhecer e as próprias experiências/sentidos. Esses processos pedagógicos da dinâmica e organização do NOEs, pelos quais este tem vindo a se (con)formar, fundamentam-se nos seguintes pilares: a experiência, a circularidade, a pluralidade, a temporalidade e o aprender/fazer juntos.79 Estes ganham contornos na própria (con)vivência dos seus membros no 'fazer conhecer' a realidade que os cerca, bem como nos princípios que balizam a forma de ser/estar enquanto coletivo 'entre' o movimento social e a universidade (entrelugares). Considerando esses pilares e a própria dinâmica do núcleo tratada anteriormente,

78 Ao longo dos anos 2010 a 2012, o grupo de pesquisadores e pesquisadoras lograram formular um conjunto de princípios básicos regentes da prática e vivência do núcleo. Em um documento de doze páginas descrevem a identidade, as características, a missão, os valores em que acreditam e pelos quais se pautam. 79 Vale salientar que o pilar temporalidade foi acrescentado a partir das reflexões feitas pelos pesquisadores e pesquisadoras sobre o artigo de minha autoria “NOEs: por uma práxis pedagógica da(s) pluralidade(s) e da disposição ao outro” apresentado no II Seminário Internacional Culturas e Desenvolvimento, realizado em Chapecó, Santa Catarina, entre os dias 14 e 16 de maio de 2014.

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já nos indica o quanto é difícil o intento de conceituar aqueles processos pedagógicos sem incorrer no risco de (i) reduzirmos a experiência, e como consequência, desperdiçála e (ii) enquadrarmos aqueles em categorias e noções totalizantes e unificadoras da pluralidade de sentidos e vivências. Entretanto, não podendo abrir mão de conceitos, sigo o caminho de Derrida (2008), em elaborar um termo – “quase-conceito” – que não traz “em si nenhuma definição precisa, definitiva, mas que funcionam, numa cadeia de remetimentos, do mesmo modo como funcionariam os conceitos” (HADDOCK-LOBO, 2014 p. 26). Nesta linha de raciocínio, o termo pedagogia da(s) pluralidade(s) assinala dimensões de sentidos que, por vezes, não cabem em interpretações que intentam ser apresentadas como consistentes. Dessa abordagem, tal pedagogia orienta-se pela crítica epistemológica do discurso linear e lógico da ciência moderna, propondo a formulação de saberes numa inter e pluri-culturalidade (FRANÇA-LIMA, 2014). Esta formulação exige uma urgência da busca de novas ferramentas analíticas para compreender a realidade e os sujeitos nesta/desta. Amplia-se, desse modo, a forma como se olha para o outro e sua realidade: olhase para os sujeitos de forma relacional e articulada. Aproxima-se, dessa maneira, da noção de interseccionalidade que apreende a realidade e os sujeitos por meio de conceitos ou marcadores sociais variados, contrário às análises através de um ou outro conceito isoladamente.80 A pedagogia da(s) pluralidade(s) tende a perceber os sujeitos individuais e coletivos e suas realidades compostos por diversos elementos, ou seja, por “categorias de diferenciação” que os constituem. “As categorias de diferenciação não são idênticas entre si, mas existem em relações íntimas, recíprocas e contraditórias. Nas encruzilhadas dessas contradições é possível encontrar estratégias para a mudança [...]” (PISCITELLI, 2008, p. 268). Diante do exposto, a pedagogia da(s) pluralidade(s) é trazida também para ser

80 O conceito de interseccionalidade foi cunhado e difundido por feministas negras nos anos de 1980, constituindo-se em uma ferramenta teórico-metodológica fundamental para ativistas e teóricas feministas comprometidas com análises que desvelam os processos de interação entre relações de poder e categorias de classe, gênero e raça em contextos individuais e coletivos. Para maior aprofundamento ver Piscitelli, 2008.

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refletida como um posicionamento, um modo de agir que compromete o sujeito a um pensar plural. “O reconhecimento da pluralidade de formas de vida, interpretações da realidade social e do mundo, de saberes, de práticas sociais e pedagógicas […], bem como de lugares e formas de opressão, marginalização e subalternização, etc., configura-se em uma atitude e comprometimento político [...]” (FRANÇA-LIMA, 2014, p. 7).81 Abro parênteses para explicitar que o termo pensar aqui é compreendido à luz de Bondía: “pensar não é somente 'raciocinar' ou 'calcular' ou 'argumentar', como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece” (2002, p. 21).82 O pensar plural se impõe como um desafio permanente, uma vez que direciona o sujeito a abandonar estruturas de conhecimentos/pensamentos tradicionais e fixas da ciência moderna. Consiste, portanto, em direcionar-se às fronteiras das formas de conhecer/saber, deixando-se contaminar por outros paradigmas de saber, de ser e de estar no mundo. É um pensar fronteiriço – aqui apoio-me na noção de “pensamento crítico de fronteira”, do argentino Walter Mignolo, por designar este enquanto “resposta epistémica do subalterno ao projecto eurocêntrico da modernidade [sic.]” (GROSFOGUEL, 2008, p. 138). Segundo Grosfoguel, este pensamento trata-se de uma “resposta crítica aos fundamentalismos, sejam eles hegemónicos ou marginais [sic.]” (id., p.117). Requisitando um pensamento plural, a pedagogia da(s) pluralidade(s) integra a ideia de “desconstrução” de Derrida, por ser esta “um gesto de pensamento que pretende mostrar a violência autoritária de um sistema fechado que se apresenta como única maneira de compreensão do real [...]” (HADDOCK-LOBO, 2014, p. 25). Nos meandros desse pensamento, é mister, como nos indica Arroyo (2014), estudar os processos em que se formaram e formam os sujeitos sociais, uma vez que esses são inseparáveis dos contextos e das relações sociais e de poder em que estes foram e são segregados. Estudando esses processos, poderemos empreender a desmistificação da universalidade da ciência moderna, contribuindo para o reconhecimento que os nossos conhecimentos

81 A pluralidade, na perspectiva do NOEs, não se reduz apenas a um fenômeno compreensível pelo intelecto, mas é algo que se vive, se experimenta (FRANÇA-LIMA, 2014). 82 Grifos do próprio autor.

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são, sempre, situados. (HARAWAY, 1988). A pedagogia da(s) pluralidade(s) tendo como postulado que todo conhecimento é situado, faz eco aos intelectuais e estudioso/as do chamado Terceiro Mundo (DUSSEL, 1977; MORAGA e ANZALDÚA, 1983; MIGNOLO, 2000) que denotam que sempre falamos a partir de um determinado lugar situado nas estruturas de poder. Segundo Grosfoguel, esta questão diz respeito ao “lugar geopolítico e corpo-político do sujeito que fala” (2008, p. 119), ou seja, do lugar epistêmico. O autor ainda chama-nos a atenção para o “facto de alguém se situar socialmente no lado oprimido das relações de poder não significa automaticamente que pense epistemicamente a partir de um lugar epistémico subalterno.” (id., 5). Em suma, a pedagogia da(s) pluralidade(s), enquanto processos pedagógicos situados numa determinada experiência, pleiteia a revisão e problematização do papel do/a pesquisador/a (con)formado/a numa narrativa totalizante e universalizante da ciência moderna. O/a pesquisador/a, alicerçado/a por esta pedagogia, tem como exigência e desafio de reconhecer o outro – sujeito situado – como si mesmo, enquanto sujeito gerador de conhecimento, bem como, de questionamentos sobre a própria prática e ação da pesquisa científica levada a cabo por ele/a. Ao se colocar aberto/a a estes questionamentos, dispõem-se à novas e outras percepções e olhares, ampliando a forma uni-versal para a pluri-versal de aprender e produzir conhecimento. A experiência e o sentido do 'outro' na Pedagogia da(s) Pluralidade(s) A pedagogia da(s) pluralidade(s), partindo do que foi tecido anteriormente, prende-se à experiência dos membros do NOEs de si com o “outro”, com o mundo, estando e sendo nele sujeito de experiência(s). Remonta-se a uma experiência situada, localizada. Experiência aqui se traduz na noção dada por Raymond Williams (1979) como uma “estrutura de sentimentos”, isto é, uma maneira de viver em um determinado tempo e espaço. Logo, aquela não se trata aqui de um empirismo, mas de “possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque […]” (BONDÍA, 2002, p. 24). Para Bondía (2012), apoiando-se em Walter Benjamin, a experiência é cada vez 216

mais rara na modernidade. Nesta, segundo o autor, o excesso de informação cancela as possibilidades de experiência. Tal qual a informação, o mesmo sucede com a opinião: vivermos numa “sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível. A experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião. […] a opinião, como a informação, converteu-se em um imperativo” (BONDÍA, 2002, p. 22). As experiências não podem ser apreendidas deslocadas dos sentidos que emergem das mesmas, por isto aqui me refiro sempre ao par experiência/sentido. Este par torna-se um caminho possível para (re)elaboração teórico-prática que ultrapassa as formas absolutas, unidimensionais e inabaláveis de conhecer a si mesmo e o outro. Em outas palavras, a experiência e o sentido consubstanciam uma práxis de outro modo de viver. Dessa forma, a imprevisibilidade do outro implica na admissão da impossibilidade de haver uma única forma de conhecer todos os elementos ou fatores que constituem a realidade. Na pedagogia da(s) pluralidade(s), o outro é compreendido como sujeito que é apoderado pelo que lhe acontece, que lhe transforma, sendo receptível às experiências que lhe acontecem (BONDÍA, 2002). Sujeitos de saberes das experiências/sentidos plurais. Contudo, por não estarmos livres da influência de pedagogias ligadas às “hierarquias de classe, sexuais, de género [sic.], espirituais, linguísticas, geográficas e raciais do 'sistema-mundo patriarcal/capitalista/colonial/moderno'” (GROSFOGUEL, 2008),83 não é, para nós, uma tarefa fácil pensar de forma plural o outro e sua realidade. Mas, tem que ser algo constantemente perseguido, almejado. Por vezes, imbuídos da crença totalizante do paradigma epistêmico da modernidade, acreditamos que toda a realidade deve e pode ser cientifizada - o que consiste na supremacia dos canônes da ciência moderna. Como olhar para o outro e sua realidade sem a preocupação de cientifizá-lo? Sem o tornar mero objeto passível de uma racionalidade instrumental? O par experiência/sentido, nos contornos como é

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Grifos do próprio autor.

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compreendido neste trabalho, poderá fornecer caminhos para distanciarmos da mera objetividade científica ao referirmos e estudarmos o outro e sua realidade ou mesmo a nós próprios. A experiência, como uma disposição de sentidos na permissão de se fazer tocar, mudar pela imprevisibilidade do outro, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo […] (BONDÍA, 2008, p. 19).

Destarte, nos impele a 'ser mais subjetivos' ao olhar e pensar o outro e sua realidade, visto que balizados por formas epistêmicas totalizantes e universais tendemos a ser mais objetivos ao compreender e interpretar o outro. A pedagogia da(s) pluralidade(s) reivindica um olhar e pensar 'com' o outro, levando-nos a recorrer o princípio da educação popular, tão bem abordado na perspectiva freireana, a dialogicidade. Esta favorece, segundo Guedes, “o pensar críticoproblematizador das condições existenciais e implica uma práxis social na qual ação e reflexão estão dialeticamente constituídas (2015, p. 91). É no processo dialógico de compreensão 'com' o outro que poderemos perceber as múltiplas e heterogêneas hierarquias de formas de subalternização em que tanto nós quanto os outros sujeitos estamos enredados.84 A experiência e o sentido sendo fontes de conhecimento, “não são passíveis de serem diretamente representados por outros externos à experiência vivida, a não ser pelo próprio sujeito da experiência” (FRANÇA-LIMA, 2014, p.11), logo, apenas este pode falar dos sentidos e significados das experiências vivenciadas que lhe afetam, tocam e interpelam. Dessa maneira, a objetividade, a neutralidade e a imparcialidade características do fazer científico – na esteira da modernidade – não têm fundamentos e coerência na pedagogia da(s) pluralidade(s). “O saber da experiência é um saber que não

84 No trabalho anterior em que tratei, pela primeira vez sobre a pedagogia da(s) pluralidade(s), partindo dos processos pedagógicos do NOEs, afirmei que esta solidifica-se na interação com linguagens diferenciadas na produção do saber e no estabelecimento de conexões em rede e na atenção para o que há de complementaridade nesta rede (FRANÇA-LIMA, 2014).

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se pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna […] ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria.” (BONDÍA, 2002, p. 17). Percurso metodológico: reinventando o fazer pesquisador O fazer-se do grupo de estudantes do NOEs impulsiona a utilização de novos métodos, novas técnicas de análise e pesquisa que não tendem a privilegiar os que dominam e controlam os códigos e instrumentos da racionalidade positivista da ciência. Assim, tal qual o processo pedagógico pelo qual os membros do NOEs têm vindo a se formarem, a construir suas identidades, suas características e seus valores, reapropriamse – aprendendo/fazendo juntos – de formas negligenciadas pelos cânones da ciência moderna. Música, poesia, ouvir as histórias do cotidiano de cada um/a (partilhando como cada um está) são dispositivos pedagógicos em potencial à inteligibilidade e reflexão da/na (con)vivência da realidade; são instrumentos que consolidam o olhar e o sentir a presença do outro. As chamadas Metodologia não Convencionais (MnC) “que visam propiciar a produção do conhecimento interativo; que pretendem valorizar as competências reais dos sujeitos envolvidos em cada processo” (GIANNELLA, 2009, p.14), foram e são adequadas para apreensão da experiência do NOEs, no esforço da escrita desse trabalho. As próprias reuniões do grupo, e também da coordenação do mesmo, foram e são o chão fundante para a análise aqui empreendida. O fato das reuniões sempre estarem acompanhadas por uma música ambiente – propiciando (i) a aprendizagem de se fazer ouvir e de falar, sem imposição; (ii) a concentração de todos e todas à coletividade e (iii) a descontração em um ambiente familiar e amigável –, permite o resgate da sensibilidade como fonte de perceber o outro com sua presença. A sensibilidade ganhou, portanto, nesta pesquisa um papel central, visto que ao permitir-me à imprevisibilidade do grupo de estudantes, logrei não apenas interpretar as falas, os silêncios, os barulhos de cada um/a na elaboração da análise, mas, palavreando Giannella e Moura, pude abrir-me “a possibilidade de enxergar outros mundos possíveis” 219

(2009, p. 38). As conversas coletivas e individuais, formais e informais, com os membros do grupo, foram fontes de relatos de experiências singulares e plurais que me forçaram a (re)aprender a pensar, a argumentar, a ouvir, a saber que nem tudo deve ser dito ou escrito, mas sentido e vivenciado. Por isso, as vezes, a anotação ou a tentativa do registro do que estava sendo observado (ouvido e visto), tornava-se fugidia, perturbando, dessa forma, a minha 'linguagem organizada pela ciência'. As brincadeiras, as risadas, a partilha do cotidiano – com seus dilemas sociais, familiares, culturais etc. – , a música e tantos outros, foram instrumentos metodológicos privilegiados na fase empírica dessa pesquisa (que teve seu recorte temporal compreendido de 2014 a meados de 2015). Tornaram-se essenciais por representar o 'tudo que vem antes' (vivência, experiência, sensações, aprendizado) da elaboração final do presente trabalho. Nessa (con)vivência, sentimentos de pertenças e subjetividades foram se condensando no meu fazer pesquisador, levando-me a uma performance distinta do pesquisador como mero observador. Fui assumindo o status de “testemunha articulada”, como bem denota Nunes, “uma testemunha de processos e acontecimentos posicionada num terreno […] a noção de testemunha está associada à ideia da transmissão de uma experiência que passa por um envolvimento sensorial [...]” (2001, p. 325).85 Subjetividades outras e o pensar plural no fazer conhecer do NOEs: uma experiência local A experiência do grupo de estudantes vinculado ao NOEs me parece interessante e curiosa por, no primeiro momento, levar-me a indagar o que motiva a jovens graduandos e graduandas a se disporem a constituir um grupo de estudo fora do âmbito da instituição educacional em que estão vinculados? Visto que não recebem bolsas acadêmicas ou outras formas de recursos financeiros para dedicarem tempo às reuniões, atividades de

85

Grifo do próprio autor.

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formação etc. Para maioria deles e delas, o grupo tem sido a primeira experiência de vivência em um coletivo organicamente estruturado,86 apesar de participarem de instituições religiosas (em sua maioria católicas). Sendo assim, o grupo ganha significados e sentidos aspiracionais ou referenciais. Em outras palavras, o grupo assume uma função intermediária na vida desses e dessas jovens. É frequente, nas conversas com estes e estas, ouvirmos afirmações do tipo: “o que tenho aprendido aqui me ajuda na relação em minha casa”; “me tem ajudado a entender muitas coisas da minha vida, do que passo”. Alguns dos jovens expressam que o grupo tem os ajudado a repensar outros aspectos de suas vidas, por exemplo, a vida conjugal e a religiosa. O momento constitutivo das reuniões do grupo que é chamando de “como cada um/a está” – em que consiste que cada um e uma dos membros falem como se sentem, como estão diante de suas vidas, de suas atribuições etc. – oportuniza a emergência da sensibilidade ao outro; momento da materialização da disposição ao outro, de permitiremse serem tocados e transformados pelo que acontece com o outro. É uma instância de reflexão e da interação com outras linguagens e dimensões do aprender. É neste momento, em particular da reunião, que o outro, sujeito de experiências singulares e plurais, evade-se de um simples pronome indefinido, para ganhar definições, perfis,

identidades

e

reconhecimento

enquanto

singularidade

em

interação

(coexistência/convivência) com a multiplicidade de singularidades ali presentes. Tem-se a oportunidade de conhecer a vida, a realidade, o outro, não a partir de técnicas e métodos racionais, sistêmicos e instrumentais, mas por via da subjetividade/sensibilidade da presença do outro. A (con)vivência desses e dessas jovens, balizada pelos princípios e valores que os guiam, o/as conduzem a aprender com a diversidade de temporalidades e territorialidades coexistentes na dinâmica do grupo. O que fazer com aqueles e aquelas jovens que chegam sempre atrasados e atrasadas às reuniões, devido a distancia de onde vivem e das

86 Refiro-me organicamente estruturado por ter o grupo, por fazer parte orgânica do NOEs, ter um conjunto de princípios e valores pelos quais se guia, bem como ter uma organicidade interna constituída por equipes de trabalhos e de coordenação.

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condições materiais de acesso a transportes públicos? O que fazer com quem, devido às prioridades familiares – filhos, maridos, pais – não podem ter um mesmo desprendimento que outros para assumir certas atribuições e tarefas? Estas questões e outras mais, no cotidiano do grupo, foram se configurando no cuidado com as formas de exclusão. Excluir alguém por não ter a mesma disponibilidade ou por ter crenças religiosas distintas; por não ter acesso facilitado à internet ou mesmo à operadora de telefone móvel comumente mais usada, entre outros fatores, passa a ser um elemento da experiência desses e dessas jovens no (re)pensar o processo pedagógico pelo qual se (con)formam no grupo. Tal processo levou-os a ter que conhecer a diversidade de relações de dominação, subalternização e de poder em que cada um e uma está inserido/a. Orientando-os a encontrar dispositivos que possibilitem e garantam a participação de todos e todas, a circulação das informações, a partilha equitativa dos saberes e das oportunidades etc. Desde o início de 2014, o grupo veio costurando, no fazer/aprender juntos, novas dinâmicas de (con)vivência com o outro, que distanciasse da ideologia tão em voga na contemporaneidade: “o outro só é aceitável enquanto se submete à imagem de todo que é introjetada; o outro que interroga e desestabiliza é abominável” (FILHO, 2014, p. 34). O outro, na perspectiva do grupo (do NOEs), é um sujeito gerador de conhecimento e de questionamento às escolhas, opções e ao olhar de cada um e do próprio coletivo. O momento “como cada um/a está” nas reuniões do grupo traduz num dispositivo pedagógico que centra-se no tempo e espaço de possibilidades da/na acessibilidade da experiência/sentido do outro não como mera representação, mas como experiência iminente. Processo que traz a insurgência de um 'olhar da presença'. 87 O outro se faz presente com suas experiências, seus sentidos e significados, seu corpo (que carrega as marcas dessas experiências e desses sentidos). Os dispositivos pedagógicos (re)elaborados no cotidiano da (con)vivência do grupo,88 além de trazer uma percepção do outro como sujeito gerador, evidenciam (i) a 87 Partindo da dinâmica do grupo, utilizo a expressão olhar da presença remetendo-nos à impossibilidade de empreendermos uma análise, uma pesquisa, uma leitura de mundo sem levar em conta que não estamos sós, que (con)vivemos no mundo e o mundo partilhado. 88 A recitação de poesias e/ou leituras de textos literários, acompanhado de reflexão; a música ambiente ns reuniões; o lanche e almoço coletivo; a cotização financeira para as despesas do grupo; a sistematização das reuniões e das atividades, entre outros, são dispositivos pedagógicos desenvolvidos ao

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alteridade dos próprios membros do grupo. Ou seja, o/as jovens do grupo vão assumindo um discurso de suas alteridades em face das várias relações (afetivas, institucionais, educacionais, religiosas etc.) em que estão imbricado/as;89 (ii) a identificação enquanto comunidade – que ultrapassa a mera compreensão de grupo – pois resgatam a ideia comunitária para as relações estabelecidas internamente, e (iii) o conhecimento elaborado e produzido está indissociável a uma práxis transformadora das atitudes e modo de vida dos próprios membros do grupo. A experimentação da práxis pedagógica levada a cabo pelo grupo de estudantes vinculado ao NOEs tem como expediente a sensibilidade como uma possibilidade humana de reflexão sobre a realidade, sobre o outro. Neste expediente, torna-se possível compreender o uso da palavra amor, descrita em seus princípios, 90 não apenas como um comportamento sentimental, mas como um paradigma inteligível da realidade, da vida, do mundo, do outro. Dessa maneira, o processo pedagógico, aqui denominado por pedagogia da(s) pluralidade(s), impele aos membros do grupo e/ou do NOEs, a serem testemunhas da pluralidade enquanto tempo/espaço de possibilidades; tempo/espaço de sujeitos que, com sua presença, agem e suscitam mudanças, transformações. Uma pedagogia que abandona a narrativa e o discurso da impossibilidade.

Três chaves possíveis para um pensar plural – à guisa de considerações finais

longo dos anos 2014 e 2015. Devido ao limite do texto, aqui ressalto apenas o dispositivo como cada um/a está. 89 Como consequência desse assumir, estes e estas têm vindo a estudar em suas monografias e trabalhos de conclusão de curso, as suas próprias realidades e contextos. Para exemplificar, destaco as pesquisas de duas jovens opinaram a estudar os contextos de formação de professores do campo e a educação do campo, uma vez que tais questões tocam em problemas reais vivenciados por elas. 90 A palavra amor é mencionada duas vezes no documento Princípios do NOEs. Na missão: Temos como objetivo a transformação social através da construção de relações entre as pessoas e de formas de organização pautadas por valores que caminhem na direção do amor, da convivência humana e do respeito a todas as formas de vida (NOEs, 2012, p. 5). E na descrição da característica coletividade: Para além de estarmos juntos com pessoas com as quais sentimos afinidades, consideramos igualmente importante a abertura ao convívio com as diferenças, na busca de convivências com base na vida, no amor e no ser (id., 10).

223

Para encerrar este trabalho, formulo três chaves que, acredito, abrem reflexões e aportes ao aprofundamento do processo pedagógico – aqui denominado de pedagogia da(s) pluralidade(s) –, vivenciado pelo NOEs. Com base ao que aqui desenvolvi, espero que as chaves sirvam como provocações para uma leitura e discussão dos axiomas epistemológicos da experiência desse núcleo, em especial, o grupo de estudantes. As chaves estão como esboços iniciais, para serem, assim, discutidas, revisitadas, atestadas, modificadas e criticadas. Chave 1. A crítica ao paradigma científico moderno perpassa por dois problemas, por um lado, epistemológico, por outro, metodológico. Os paradigmas científicos da modernidade que assumem um ponto de vista universalista, neutro e objetivo, apresentam-se, na atualidade, com dois problemas, um de natureza, epistêmica, e outro, metodológico. Tais paradigmas sustentam epistemologicamente as hierarquias de classe, sexuais, de gênero, espirituais, territoriais e raciais. Temos testemunhado a insurgência epistemológica: outros paradigmas de conhecimento estão se tornando visíveis, ganhando contornos nos estudos pós-coloniais, culturais (epistemologias feministas, dos povos andinos, das comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas etc.). Entretanto, é preciso elaborar críticas sobre as metodologias da produção do conhecimento, visto que estas foram amplamente moldadas no âmbito dos paradigmas hegemônicos eurocêntricos. A natureza do problema metodológico, nas ciências modernas,

prende-se ao locus epistêmico privilegiado por estes paradigmas, a

universidade. Pois, é neste espaço que se formula um pensamento monocultural que renega a presença de outros sujeitos, construtores e portadores de outros saberes. É preciso que este locus reconheça outras metodologias e epistemologias dos movimentos sociais, de grupos sociais subalternizados etc., propiciando contornos para um locus pluriversitário do conhecimento. Chave 2. Todo conhecimento é marcado por rastros de experiências e sentidos singulares. O reconhecimento cientificista do saber é monolítico e meritocrático. Não se coloca em evidência todo o trabalho coletivo de pessoas que a seu tempo e espaço contribuíram 224

epistemologicamente na elaboração do conhecimento validado pela ciência. As experiências de povos, de sujeitos no registro, no relato, na elaboração dos achados e outras instâncias do processo de produção do conhecimento são negligenciadas. Tem-se apenas visibilidade o cientista e/ou pesquisador devidamente credenciado pelo paradigma das ciências modernas no processo. Apagam-se, dessa forma, as marcas de outros sujeitos no processo. Todo conhecimento é fruto de contributos variados ao longo da história da humanidade, logo, é preciso dar voz e visibilidade às marcas deixadas no conhecimento. Torna-se crucial para o pensamento plural identificar e certificar a presença dessas outras vozes, dessas outras marcas no conhecimento sistematizado e instrumentalizado. Logo, o pesquisador e a pesquisadora, estudante, embalado/a pela pedagogia da(s) pluralidade(s), em seu desafio de pensar plural, mapear os rastros deixados por grupos, pessoas, culturas ao longo do processo de produção de um saber/conhecimento. Aqui encontramos portas para que acima tratei de olhar da presença. Chave 3. A própria experiência como relatos e registros de saberes e conhecimentos. Pelos cânones das ciências modernas, a experiência 'comum' da vida não tem parâmetros científicos para ser reconhecida como conhecimento. Longe dessa perspectiva, o pensar plural exige um olhar distinto sobre as experiências comuns e o cotidiano. Os mecanismos, as formas encontradas pelas pessoas e ou coletivos sociais na luta cotidiana pela vida e/ou sobrevivência, são frutos de elaboração/trabalho intelectual. Estabelecer um outro olhar sobre esses mecanismos e formas alternativas, seja no âmbito individual ou coletivo, torna-se mister para a desconstrução de uma visão eurocêntrica do outro e de sua realidade. É preciso olhar a realidade por outras lentes, isto é, por categorias analíticas próprias de nossa realidade, de nosso contexto, ajudando na apreensão do cotidiano enquanto tempo e espaço da possibilidade. Referências bibliográficas ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/La Frontera: The new mestiza. San Francisco: 225

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LUTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS CAMPESINOS POR UMA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORAS(ES) DO CAMPO ESPECÍFICA E DIFERENCIADA: UM ESTUDO A PARTIR DOS DISPOSITIVOS LEGAIS Isaias da Silva91 Janssen Felipe da Silva92 Resumo: Este artigo é fruto da pesquisa de iniciação cientifica- PIBIC “Formação Continuada das(os) Professoras(es) das Escolas Localizadas nos Territórios Rurais do Município de Caruaru-PE”, financiada pelo CNPq. Nesse texto, objetivamos compreender o que dizem os Dispositivos Legais da Educação do Campo sobre Formação Continuada das(os) professoras(es) dos Territórios Rurais. Para tanto evidenciamos: a) identificar dentre os Dispositivos Legais que normatizam a Educação do Campo quais fazem menção a Formação Continuada das(os) professoras(es); b) identificar e caracterizar os Tipos, os Sujeitos, os Princípios da Formação Continuada de professoras(es) descritas nos Dispositivos Legais. A lente teórica utilizada centra-se nos Estudos Pós-coloniais Latinoamericanos (QUIJANO, 2005; MIGNOLO, 2005; WALSH, 2008). Para analisar os dados fizemos uso da Análise de Conteúdo, via Análise Temática (BARDIN, 2004; VALA, 1990). Desse modo, as análises evidenciam que Dispositivos Legais apontam para uma Formação Continuada que tenha como referência os povos do campo e seus territórios. Palavras-chave: Formação Continuada; Dispositivos Legais; Movimentos Sociais Campesinos.

INTRODUÇÃO: Neste artigo propomos estabelecer uma interlocução entre Educação do Campo e Formação Continuada de Professoras(es), a partir dos Dispositivos Legais da Educação do Campo. Esse estudo é fruto da pesquisa de iniciação cientifica- PIBIC “Formação 91

Graduando em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste / CAA-UFPE, Bolsista/PIBIC-CNPq. E-mail: [email protected] 92 Professor doutor, integrante do Núcleo de Formação Docente na Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste / CAA-UFPE. PPGEDUC- CAA/ PPGEDU-CE. Orientador. E-mail: [email protected]

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Continuada das(os) Professoras(es) das Escolas Localizadas nos Territórios Rurais do Município de Caruaru-PE”, financiada pelo CNPq. A referida investigação está sendo desenvolvida no Núcleo de Formação Docente do Centro Acadêmico do Agreste na Universidade Federal de Pernambuco – NFD/CAA/UFPE. Tem como foco, compreender que Perspectivas de Educação do Campo orientam a Formação Continuada das(os) professoras(es) que atuam nas escolas localizadas nos territórios rurais do Sistema de Ensino do Município de Caruaru-PE. Propomos apresentar um recorte dessa pesquisa, focando a conquista dos Movimentos Sociais Campesinos, na luta por uma Educação no/do Campo, quando lutam por Dispositivos Legais que reconheçam a necessidade de pensarmos uma Educação voltada para a realidade dos povos campesinos. Nesse sentido, nos voltamos para a discussão de uma Formação Continuada de professoras(es) que atuam nas escolas do campo específica e diferenciada. Pontuamos que essa bandeira de luta é levantada pelos Movimentos Sociais do Campesinos. Assim, este texto presenta como objetivo geral: compreender o que dizem os Dispositivos Legais da Educação do Campo sobre Formação Continuada das(os) professoras (es) dos Territórios Rurais. Para tanto evidenciamos: a) identificar dentre os Dispositivos Legais que normatizam a Educação do Campo quais fazem menção a Formação Continuada das(os) Professoras(es); b) identificar e caracterizar os Tipos, os Sujeitos, os Princípios da Formação Continuada de professoras(es) descritas nos Dispositivos Legais. A lente teórica utilizada centra-se nos Estudos Pós-coloniais Latino-americanos, focando os conceitos de Colonialização/Colonialismo, Racialização, Racionalização, Colonialidade e seus eixos: Poder, Saber, Ser e Natureza (QUIJANO, 2005; WALSH, 2008), Diferença Colonial, Pensamento de Fronteira, Desobediência Epistêmica (MIGNOLO, 2005), Interculturalidade e Educação Intercultural (WALSH, 2008). Assim, pontuamos que, frente às imposições de um padrão de poder colonial urbanocêntrico93, desconsidera-se a necessidade de pensar em processos formativos para

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Evidenciamos que esta lógica colonial perversa, toma o urbano, como modelo único e válido, negando e subalternizando os territórios rurais e as identidades dos povos campesinos.

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professoras(es) que tomem como lócus de enunciação os territórios e os povos campesinos, os legitimando enquanto sujeitos de direitos (LEMOS, 2013). Atrelado a Abordagem teórica dos Estudos Pós-coloniais Latino-americanos, nos debruçamos sobre as categorias teóricas: a) Educação do Campo, no que se refere os Paradigmas da Educação Rural Hegemônico e da Educação do Campo Crítico (ARROYO, 2012; CALDART, 2012; 2012; SILVA et al, 2014) e b) Formação Continuada de Professoras(es) (SANTOS, 2014; ARROYO, 2010; SILVA, ALMEIDA, 2010). Esta pesquisa se insere na Abordagem Qualitativa, pois intencionamos aprofundar as relações entre os dados obtidos na investigação e seus significados (MINAYO, 2010). Com enfoque na Pesquisa Documental (GIL, 2006). Realizamos um levantamento dos Dispositivos Legais que normatizam a Educação do Campo a nível nacional, nos sites do Ministério de Educação (MEC) e Conselho Nacional de Educação (CNE). Nesta pesquisa fizemos uso da Análise de Conteúdo, via Análise Temática (BARDIN, 2004; VALA, 1990). Assim, visando situar as(os) leitoras(es) de como encontra-se estruturado o referente artigo. Evidenciamos que o mesmo está organizado da seguinte forma: a) Referencial Teórico; b) Metodologia; c) Os Tipos, os Sujeitos e os Princípios da Formação Continuada de professoras(es) descritas nos Dispositivos Legais; e d) Considerações Finais. REFERENCIAL TEÓRICO: Nesta seção, realizamos um diálogo sobre Educação do Campo, evidenciando os Paradigmas Educacionais que à alicerçam e coexistem conflitivamente nos Territórios Rurais (ARROYO, 2012; LEMOS, 2013; WANDERLEY, 2001, SILVA et al, 2014), com as discussões que vem sendo tecidas no campo das políticas e práticas de Formação Continuada de professoras(es) (SILVA; ALMEIDA, 2010; SANTOS, 2014). Esse diálogo se constitue sob à lente Teórica dos Estudos Pós-coloniais Latino-americanos (QUIJANO, 2005; MIGNOLO, 2005, MALDONADO-TORRES, 2007; WASLH, 2008),

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por questionar assim, o lugar e não-lugar, imposto aos colonializados, bem como a condição de ser inferior, imposta aos povos campesinos e a seus territórios. Assim, compreendemos que a Colonialização/Colonialismo, cunhado na Racialização, processo que toma a ideia de raça como elemento determinante na difusão de uma nova organização social moderna/colonial, e na Racionalização ao legitimar quem são os sujeitos produtores de conhecimentos. Consegue resistir após a independência das Colônias, deixando suas Heranças Coloniais94 que se mantém pelo viés da Colonialidade, que segundo Maldonado-Torres (2007. p. 131) La colonialidad se refiere a un patrón de poder que emergió como resultado del colonialismo moderno, pero que en vez de estar limitado a una relación formal de poder entre dos pueblos o naciones, más bien se refiere a la forma como el trabajo, el conocimiento, la autoridad y las relaciones intersubjetivas se articulan entre sí, a través del mercado capitalista mundial y de la idea de raza.

Diante deste, padrão de poder colonial, evidenciamos que os territórios rurais e seus povos, foram inferiorizados e silenciados, pelos cânones urbanocêntricos, que se autodenomina superior. Desse modo, forja-se um processo de Formação Continuada de professoras(es) que tem como referência o território urbano, por se ancorar na Colonialidade. O processo da Colonialidade se manifesta pelas vias do Poder, Saber, Ser (QUIJANO, 2005) e Natureza (WALSH, 2008). A Colonialidade do Poder estipula um padrão de dominação dos povos que se autodenominam superiores e subalternizam os demais, pelo viés de raça, gênero, território, padrão social dentre outros. Na Colonialidade do Saber, é legitimada uma razão/forma de produzir conhecimento eurocêntrica que se autodeclara válida e universal, inferiorizando as demais formas de epistemologias. Assim, essas manifestações desembocam na Colonialidade o Ser, onde as vítimas da dominação colonial, passam a internalizar a condição do não-ser, do não-sujeito de referência. Frente a essas manifestações, Walsh (2008) sinaliza para a Colonialidade da Natureza, que se caracteriza pela exploração da natureza em nome do progresso e do 94

Compreendemos as Heranças Coloniais enquanto relações sociais que mantiveram a lógica imposta pela Colonização/Colonialismo (MIGNOLO, 2005).

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desenvolvimento. Nesse viés a(o) camponesa(ês) é visto como “sujeitos naturais”, desse modo podem ser explorados, enquanto mão-de-obra barata. Assim, ao nos questionarmos sobre os Paradigmas Educacionais que se forjaram/forjam nos Territórios Rurais e coexistem conflitivamente (SILVA et al, 2014). Salientamos que o Paradigma da Educação Rural Hegemônico, ao se constitui no silenciamento dos territórios e saberes dos povos do campo, tem como base a Colonialidade, que perversamente institui o território urbano, seus sujeitos e suas epistemologias como superiores e modelos a serem seguidos, inferiorizando assim os territórios e os povos campesinos. Paradigma esse que reforça a ideia de Território Rural “visto sempre como a fonte de problemas –desenraizamento, miséria, isolamento, currais eleitorais etc” (WANDERLEY, 2001, p.31). Nessa tessitura, este Paradigma funda-se na perspectiva da Interculturalidade Funcional que oficializa a diferença, mas não busca romper com as estruturas de poder/dominação que as alicerçam. O reconhecimento das diferenças entre os povos dos territórios rurais e urbanos, se configuram em uma lógica assistencialista (ARROYO, 2010) na tentativa silenciar os movimentos de lutas dos povos que foram/são subjugados. Para isso, visam propiciar uma Formação Continuada que legitime as culturas eurocentradas/urbanocêntricas, e não questionem as Heranças Coloniais, presentes na sociedade. No entanto, evidenciamos que frente às forças de dominação impostas pela Colonialidade, ocorre o processo de Decolonialidade (WALSH, 2008), que representam às resistências dos povos inferiorizados, que lutam propositalmente pelos lócus de enunciação. É nessa direção que o Paradigma da Educação do Campo estrutura-se, buscando romper com a lógica urbanocêntrica e evidenciando uma educação que coloca como protagonistas os povos dos territórios rurais. Essa forma outra de educação, contribui para pensarmos em uma Formação Continuada Pluridimensional, que leve em consideração as diversas dimensões: cultural, acadêmica, política, emocional dentre outras que constitui o ser professor, uma formação continuada que “possibilite a construção de uma postura docente crítica, criativa,

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transformadora e reflexiva, que considere as demandas da sociedade e do desenvolvimento escolar” (SILVA; ALMEIDA, 2010, p.14). Assim, o Paradigma da Educação do Campo associa-se a Interculturalidade Crítica, na medida em que buscam a partir do diálogo conflitivo, desafiar a invisibilidade das culturas e identidades dos povos colonizados, questionando e rompendo com as estruturas de poder (WALSH, 2008). Dessa forma, possibilita afirmar e valorizar, sujeitos outros, territórios outros e formas outras de produzir conhecimentos. Nesse sentido, evidenciamos que os Movimentos Sociais Campesinos, constituem-se em quanto uma força impulsionadora, desse processo decolonial quando por exemplo, reconhecem a Educação do/no Campo como prática social ainda em processo de constituição histórica [...] constitui-se como luta social pelo acesso dos trabalhadores do campo à educação (e não a qualquer educação) feita por eles mesmos e não apenas em seu nome. A educação do Campo não é para nem apenas com, mas sim, dos camponeses, expressão legítima de uma pedagogia do oprimido (CALDART, 2012, p. 261).

Desse modo evidenciamos que, pensar em um processo de Formação Continuada de professoras(es) das escolas do campo é ter como referência as lutas dos movimentos sociais (ARROYO, 2012) que lutam para que os povos e seus territórios tornem-se atores centrais/referências do seu processo formativo. METODOLOGIA Esta pesquisa se insere na Abordagem Qualitativa, pois intencionamos aprofundar as relações entre os dados obtidos na investigação e seus significados (MINAYO, 2010). A partir dessa abordagem foi possível analisar os Dispositivos Legais da Educação do Campo estabelecendo relações com a(as) finalidade(es) da Formação Continuada de professoras(es). Assim, pontuamos que este estudo, pauta-se em uma Pesquisa Documental. Desse modo, reconhecemos que “a pesquisa documental apresenta uma série de vantagens. Primeiramente, há que se considerar que os documentos constituem fonte rica e estável de dados” (GIL, 2006, p. 46). Nesse sentido, reconhecemos os Dispositivos Legais da Educação do Campo, como fontes ricas de dados que nos contribuem compreender e 233

situar a discussão sobre Educação do Campo e Formação Continuada de professoras(es) que atuam em Escolas do Campo, nas esferas macro e micro, uma vez que estes documentos são referências de nível local e nacional. Para atender aos objetivos da referente pesquisa, traçamos o seguinte percurso metodológico: 1) identificação da Legislação específica que normatiza a Educação do Campo. Esta etapa ocorreu mediante a consultas, nos sites do Ministério da Educação (MEC) e Conselho Nacional de Educação (CNE). A partir dessa pesquisa constituímos o quadro 1: Quadro 01- DISPOSITIVOS LEGAIS DA POLÍTICA NACIONAL PARA EDUCAÇÃO DO CAMPO Legislação referente à Educação do Campo LEI N. 9394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. PARECER CNE/CEB N. 36 DE 4 DE 12 DE 2001. LEI 10.172, DE 9 DE JANEIRO DE 2001. PARECER CNE/CEB N°: 21/2002 RESOLUÇÃO CNE/CEB N. 1, DE 3 DE ABRIL DE 2002. PARECER CNE/CEB Nº: 1/2006 PARECER CNE/CEB N.23, DE 12 DE SETEMBRO DE 2007. PARECER CNE/CEB N.3, DE 18 DE FEVEREIRO DE 2008. RESOLUÇÃO Nº 2, DE 28 DE ABRIL DE 2008. RESOLUÇÃO CEE/PE N°2 DE 31 DE MARÇO 2009 RESOLUÇÃO CEE-PE/ CEB Nº 2, DE 28 DE MAIO DE 2009.

DECRETO 6755, DE 29 DE JANEIRO DE 2009.

Assunto Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Solicita análise da possibilidade de reconhecimento nacional das Casas Familiares Rurais Institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Dias letivos para a aplicação da Pedagogia de Alternância nos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA) Consulta referente às orientações para o atendimento da Educação do Campo. Reexame do Parecer CNE/CEB nº 23/2007, que trata da consulta referente às orientações para o atendimento da Educação do Campo. Estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. Institui diretrizes, normas e princípios para a Educação Básica e suas Modalidades de Ensino nas Escolas do Campo que integram o Sistema de Educação do Estado de Pernambuco. Fixa as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública, em conformidade com o artigo 6º da Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, e com base nos artigos 206 e 211 da Constituição Federal, nos artigos 8º, § 1º, e 67 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e no artigo 40 da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -CAPES no

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PARECER CNE/CEB N. 7, DE ABRIL DE 2010. RESOLUÇÃO Nº 4, DE 13 DE JULHO DE 2010. DECRETO 7352, DE 4 DE NOVEMBRO DE 2010. Fontes: http://portal.mec.gov.br

fomento a programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA.

A partir desses dados; 2) buscamos identificar dentre os Dispositivos Legais da Educação do Campo, quais fazem menção a Formação Continuada de professoras(es), a fim de analisarmos a(as) finalidade(es) da Formação Continuada de professoras(es) descritas nos referidos documentos. Nesse sentido, pontuamos que esta pesquisa adotou como procedimento de análise de dados a Análise de Conteúdo, via Análise Temática (BARDIN, 2004; VALA, 1990), possibilitando assim compreendermos os núcleos de sentidos presentes nos enunciados. Assim, a referida análise segue as regras apresentadas por Bardin(2004): a) exaustividade (reúne todos os dados passíveis de análise, aqui em especial os Dispositivos Legais da Educação do Campo); b) representatividade (refere-se à parte significativa de dados que permitam uma generalização dos resultados); c) homogeneidade (desrespeito as singularidades de critérios de escolha de dados, enfatizando o acesso e as técnicas de coleta) e d) pertinência (trata-se da função dos documentos propostos a análise enquanto fontes precisas de informação, referente ao objeto e objetivo da pesquisa que nesse caso é sobre a Formação Continuada das(os) professoras (es) dos Territórios Campesinos).

OS TIPOS, OS SUJEITOS E OS PRINCÍPIOS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORAS(ES) DESCRITAS NOS DISPOSITIVOS LEGAIS Nesta seção, apresentamos os resultados que emergiram a partir da análise documental dos Dispositivos Legais da Educação do Campo, tendo um olhar específico para os tipos, os sujeitos e os princípios da Formação Continuada de professora(es). Nesse sentido, evidenciamos que tais Dispositivos Legais, são frutos das tensões e provocações dos Movimentos Sociais Campesinos, “que lutam por soberania educacional e por 235

territorialização ou defesa de território material (terra) e imaterial (conhecimento)” (MUNARIM, 2011, p.62). A partir da análise dos Dispositivos Legais específicos do Campo, evidenciamos que estes documentos, centra-se em uma cosmovisão de campo que é “mais do que um perímetro não urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana” (BRASIL, 2001, p.1). Desse modo, a partir dos Dispositivos Legais sobre Educação do Campo, identificamos que 9 (nove) deles fazem menção a Formação Continuada de professoras(es) que atuam em escolas dos Territórios Rurais. Esses dispositivos estão descritos no Quadro 2:

QUADRO 02 - CORPUS DOCUMENTAL Legislação referente à Educação do Campo

Assunto

PARECER CNE/CEB N. 36 DE 4 DE 12 DE 2001.

Propõe a elaboração das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo

RESOLUÇÃO CNE/CEB N. 1, DE 3 DE ABRIL DE 2002. PARECER CNE/CEB N.23, DE 12 DE SETEMBRO DE 2007. RESOLUÇÃO Nº 2, DE 28 DE ABRIL DE 2008. RESOLUÇÃO CNE/ CEB Nº 2, DE 28 DE MAIO DE 2009.

Institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.

DECRETO 6755, DE 29 DE JANEIRO DE 2009. PARECER CNE/CEB N. 7, DE ABRIL DE 2010. RESOLUÇÃO Nº 4, DE 13 DE JULHO DE 2010.

Consulta referente às orientações para o atendimento da Educação do Campo.

Estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. Fixa as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública, em conformidade com o artigo 6º da Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, e com base nos artigos 206 e 211 da Constituição Federal, nos artigos 8º, § 1º, e 67 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e no artigo 40 da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica.

Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica.

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DECRETO 7352, DE 4 Dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de DE NOVEMBRO DE Educação na Reforma Agrária - PRONERA. 2010. Fontes: http://portal.mec.gov.br

Nesse sentido, evidenciamos que os referidos Dispositivos Legais, encontram-se ao longo desse texto, codificados em: Parecer 36/2001 (D.L-01), Resolução 1/2002 (D.L.02), Parecer 23/2007 (D.L.-03), Resolução 2/2008 (D.L.-04), Resolução 2/2009 (D.L.05), Decreto 6755/ 2009 (D.L.-06), Parecer 7/2010 (D.L.-07), Resolução 4/2010 (D.L.08), Decreto 7352/2010 (D.L.-09). A partir das análises desses documentos podemos evidenciar que a Formação Continuada de professoras(es) que atuam nas escolas dos Territórios Rurais, centram-se na Perspectiva da Educação do Campo. Pois, advogam por uma formação que seja contextualizada, que tenha como referência os Territórios Campesinos e que tem de ser assumida como compromisso integrante do projeto social, político e ético, local e nacional, que contribui para a consolidação de uma nação soberana, democrática, justa, inclusiva e capaz de promover a emancipação dos indivíduos e grupos sociais (D.L.-07).

Diante disso podemos inferir que a partir dessa compreensão, a Formação Continuada centra-se uma perspectiva outra, que se distância do modelo colonial/urbanocêntrico. Essa perspectiva contribui para desconstruir a “imagem de que a escola no campo, tem que ser apenas a escolinha rural das primeiras letras. A escolinha cai não cai, onde uma professora que quase não sabe ler, ensina alguém a não saber quase ler” (ARROYO, 1999, p.11). No que se refere aos Tipos da Formação Continuada, é evidenciada nos Dispositivos Legais três concepções, a Formação Continuada enquanto, Programa (D.L01; D.L-02; D.L.-05; D.L.-07; D.L.-08), Políticas (D.L-02) e em quanto Cursos (D.L.-06; D.L.-07). A formação enquanto Programa é voltada para o aperfeiçoamento profissional, inclusive em nível de pós-graduação. Destacando também que a formação inicial, nos cursos de licenciatura, não esgota o desenvolvimento dos conhecimentos, saberes e habilidades referidas, razão pela qual um programa de formação continuada dos profissionais da educação será contemplado no projeto político-pedagógico” (D.L.-08).

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A Formação Continuada enquanto, Políticas (D.L-02) que será de responsabilidade o Sistema de ensino, “habilitando todos os professores leigos e promovendo o aperfeiçoamento permanente dos docentes no país” (D.L-02). O terceiro tipo compreende a Formação Continuada das (os) profissionais do magistério enquanto, Cursos (D.L.-06; D.L.-07) que ocorrerá por meio de cursos presenciais ou cursos à distância, compreendidos enquanto “cursos de atualização, aperfeiçoamento, especialização, mestrado ou doutorado” (D.L.-06). Assim, pontuamos a luta dos Movimentos Sociais do Campo por uma Formação Continuada, “com as devidas e permitidas adaptações, mais ou menos elásticas” (ARROYO, 2012, p. 359). Levando em consideração as várias dimensões do ser professor (SILVA, ALMEIDA, 2010) ao pensar seu processo formativo, propondo perspectivas Outras de pensar a formação das(os) professoras(es), distanciando-se da perspectiva colonial, partindo “la necesidad de trascender epistemológicamente, es decir, de descolonizar el canon y la epistemología occidentales” (GROSFOGUEL, 2006, p. 20). Em que pese os Sujeitos da Formação Continuada, identificamos e caracterizamos os sujeitos a quem as formações destinam-se, que nos Dispositivos Legais aparecem com as seguintes nomenclaturas “Profissionais da educação” (D.L-01; D.L-02); “Os professores leigos” (D.L-02); “Professores e pessoal de magistério de apoio ao trabalho docente” (D.L-03; D.L-04). Assim, o processo formativo dessas(es) profissionais necessita reconhecer a(o) professor(a) “como autor e ator de sua prática pedagógica” (SILVA; ALMEIDA, 2010, p. 14). Nesse aspecto, não pode-se perder de vista a concepção de educador(a) evidenciada por Caldart (2002, p. 24) que nos ajudam compreender quem são os sujeitos que essa formação destina-se para nós é educador aquele cujo trabalho principal é o que fazer e o de pensar a formação humana, seja ela a escola, na família, a comunidade, o movimento social [...]; seja educando as crianças, os jovens, os adultos ou aos idosos. [...]Por isso defendemos com tanta insistência a necessidade de políticas e de projetos de formação das educadoras e dos educadores do campo.

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Convém aqui ressaltar também, os Sujeitos que são responsáveis por ofertar da Formação Continuada para as(os) professoras(es) das Escolas do Campo. No Dispositivo Legal (D.L-02), fica evidenciado que os Sistemas de Ensino, de acordo com a Lei nº 9394/96 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, serão responsáveis para desenvolver políticas de formação. Já a Formação Continuada que se constitue enquanto Cursos de atualização, aperfeiçoamento e especialização serão fomentados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. (D.L.-06). Nessa mesma perspectiva, ainda no mesmo Dispositivo Legal (D.L.-06) que Institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências, determina que O atendimento às necessidades de formação continuada de profissionais do magistério dar-se-á pela indução da oferta de cursos e atividades formativas por instituições públicas de educação, cultura e pesquisa, em consonância com os projetos das unidades escolares e das redes e sistemas de ensino (D.L.-06).

Em relação aos princípios da Formação Continuada presentes nos Dispositivos Legais aqui analisados, pontuamos que um dos princípios está descrito no seguinte trecho: “deverá considerar sempre a formação pedagógica apropriada à Educação do Campo e às oportunidades de atualização e aperfeiçoamento do pessoal comprometido com as especificidades dessa modalidade de educação” (D.L-03; D.L-04). Esse princípio da Formação Continuada está diretamente interligado ao Princípio Pedagógico do papel da escola enquanto formadora de sujeitos articulada a um projeto de emancipação humana95. Assim, a Educação do Campo “deve compreender que os sujeitos possuem história, participam de lutas sociais, sonham, têm nomes e rostos, lembranças, gêneros, raças e etnias diferenciadas” (RAMOS; MOREIRA; SANTOS, 2004, p. 37). Nesse viés evidenciamos que esse Princípio, visa romper com o caráter urbano das escolas

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RAMOS, MOREIRA, SANTOS (2004) evidencia esse princípio como um dos Princípios da Educação do Campo.

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do campo, que são pensadas pelos sujeitos urbanos, tendo como referência o território urbano (SILVA; TORRES; LEMOS, 2012). Alinhada à perspectiva que o processo formativo das(os) professoras(es) devem levar em consideração as especificidades da Educação do Campo, bem como as necessidades de funcionamento da escola do campo, como evidencia o Dispositivo Legal (D.L-09) que dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. Esse Dispositivo Legal, em seu Art. 5º ao referenciar a formação de professores para Educação do Campo, enfatiza que obedecerá os princípios e os objetivos Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação e dentre eles, destacamos que § 2º A formação de professores poderá ser feita concomitantemente à atuação profissional, de acordo com metodologias adequadas, inclusive a pedagogia da alternância, e sem prejuízo de outras que atendam às especificidades da educação do campo, e por meio de atividades de ensino, pesquisa e extensão. § 3º As instituições públicas de ensino superior deverão incorporar nos projetos político-pedagógicos de seus cursos de licenciatura os processos de interação entre o campo e a cidade e a organização dos espaços e tempos da formação, em consonância com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação. (D.L-09).

Dessa maneira, os princípios que fundamentam a Formação Continuada das(os) Professoras(es) do Campo, aproximam-se do Paradigma da Educação do Campo e da Interculturalidade Critica, por considerar: a) a realidade do campo de atuação das(os) professoras(es); b) a importância do diálogo e interação entre campo e cidade e, c) os saberes culturais, epistêmicos e políticos dos povos campesinos. Tomando assim, “a Diferença Colonial como elemento de problematização da realidade e possibilitando o diálogo entre os diferentes povos” (SILVA et al 2014, p. 26) para pensar a Educação do Campo e a Formação Continuada das professoras (es), por um processo formativo específico e diferenciado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das análises realizadas, atentando a nosso objetivo norteador que visou compreender o que dizem os Dispositivos Legais da Educação do Campo sobre Formação 240

Continuada das(os) professoras (es) dos Territórios Rurais. Podemos considerar os seguintes elementos: a) o protagonismo dos Movimentos Sociais Campesinos, que advogam por uma Educação do Campo específica e diferenciada, enquanto Lei/Direito; b) uma proposta de Formação Continuada que visa o aperfeiçoamento de professoras(es) levando em consideração os elementos que constituem seu campo de atuação. Podemos considerar também, os movimentos de lutas e tensões travados pelos Movimentos Sociais Campesinos, frente a uma estrutura societal urbanocêntrica que negou/nega suas identidades. Nesse sentido, ressaltamos que através das lutas/vozes desses sujeitos, as questões referentes à educação escolarizada, vem ganhando uma configuração cunhada em uma cosmovisão que reconhece as especificidades dos povos do campo. Desse modo, podemos ressaltar que a conquista dos Dispositivos Legais para a Educação é fruto dessas mobilizações. Os Movimentos Sociais Campesinos ao reivindicarem, por uma Educação do Campo que seja pensada e vivida pelos seus sujeitos, si distância do Paradigma da Educação Rural Hegemônico. Passando assim, a reconhecer e lidar com as diferenças que os constituem, sem assimetrias. Em se tratando da Formação Continuada de professoras(es) presente nos Dispositivos Legais, compreendemos que a mesma assume relevância no que se refere o trato com a educação escolarizada realizada nos territórios campesinos. Assim, a Formação Continuada que é advogada nos Dispositivos Legais, se constitui enquanto um espaço epistêmico de contestação das Heranças manifestas pela Colonialidade. Desse modo, os Dispositivos Legais, determinam que a Formação Continuada de professoras(es) que atuam no território campesino, seja específica e diferenciada, que tome como referência os povos do campo e seus saberes.

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ARROYO, M. G. Educação do Campo: Movimentos Sociais e Formação Docente. Revista Marco Social, Educação do Campo, Rio de Janeiro: Instituto Souza Cruz; Rio de Janeiro, RJ. v. 12, n. 12, jan. 2010.pp.12-15. Disponível em: http://www.marcosocial.com.br/sites/default/files/revista_marco_social_12.pdf Acesso em: 05 jul. 2015. ARROYO, M. G. Formação de Educadores do Campo. In: CALDART, R.S. et al. (org). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular. 2012.p.359-365. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. 2004. CALDART, R. S. Educação do Campo. In: CALDART, R.S. et al. (org). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular. 2012. p.257-26. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Ed. Altas S.A. 2008. GROSFOGUEL, R. La Descolonización de la Economía Política y los Estudios Postcoloniales: transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. Tabula Rasa. Bogotá - Colombia, enero-junio. Nº.4: 2006, pp. 17-48. LEMOS, G. T. Os saberes dos povos campesinos tratados nas práticas curriculares de escolas localizadas no território rural de Caruaru-PE. 2013. 185 f. Dissertações (Mestrado em Educação) - Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013. MALDONADO-TORRES, N. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Org.). El giro decolonial. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007. MIGNOLO, W. Cambiando las éticas y las políticas delconocimiento: la lógica de la colonialidade y la postcolonialidadad imperial. Revista Tristestópicos, Coimbra, 2005. MINAYO, M. C. S. O desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. – 12. ed. – São Paulo: Hucitec, 2010. MUNARIM, A. Educação do Campo no cenário das políticas públicas na primeira década do século 21. Em Aberto, Brasília, v. 24, n. 85, abr. 2011, p. 51-63.

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“MENINOS DO SOL” O RESGATE DA CIDADANIA ATRAVÉS DE PRÁTICAS CULTURAIS SANTOS, Naially Sabrine96

Resumo: As crianças e adolescentes estão repletos de políticas públicas que os protegem e estipula leis para que seu desenvolvimento como cidadão seja estabelecido da melhor maneira possível. Porém, nem sempre todas as crianças e adolescentes são beneficiados, muitos são forçados a abandonar a escola e viver pelas ruas de sua cidade. Muitas vezes executando trabalhos não provenientes a eles, estando exposto a violência, assedio e drogas. Pensando nisso o GAMR – Grupo de Apoio a Meninos de Rua surgiu, com o intuito de uma pedagogia voltada para esse público a instituição oferece aulas e apoio através da cultura, com o empenho de oferecer meios para que esses sujeitos possam ter a oportunidade de transformar sua realidade. Palavras-chave: Movimentos sociais, crianças em situação de rua, cultura. I.Introdução É fato que a criança no contexto atual da sociedade não é mais vista como um adulto em miniatura que só ocupava o espaço físico sem nenhuma interferência ou contribuição a sociedade. Enquanto essa ideia era irrevogável no período da idade média, segundo Ariès (2006), hoje em dia chega a parecer absurdo a concepção de infância e criança que se tinha naqueles tempos, pois essa noção se torna muito mais ampla e delicada nos dias atuais. Tendo a criança como cidadão de direitos e deveres que cuja trajetória de vida deve ser respeitada e zelada por todos aos quem convive e as cerca.

96

Pedagoga pela UFPE/CAA [email protected]

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É dever de o Ministério Público zelar pela integridade da criação e da formação física, intelectual, emocional e entre tantas outras necessárias a esse período da vida do cidadão criança e adolescente. Para isto foi desenvolvido exclusivamente para essa faixa etária que corresponde à infância e a adolescência o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, como lei na constituição federal substituindo o extinto Código de Menores. Essa criação tornou-se um marco para os direitos da criança e do adolescente no Brasil, por trazer em sua base a doutrina de proteção integral, com o reforço do princípio da criança e do adolescente como prioridade absoluta e instituindo o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGD). Entretanto, mesmo com o ECA atuando a mais de vinte anos no país com a finalidade de promover uma perspectiva de vida digna e com respeito, contendo o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente que assegura, vigia e pune quem não estabelecer o cumprimento das leis em relação à criança e o adolescente, é visível o descaso que o poder público e toda a sociedade ainda têm com essas crianças. Não é difícil encontrar na fala de pessoas que convivem com crianças em casa que “as crianças enchem de alegria e felicidade uma casa”, encontrar na fala de qualquer senhor ou senhora que” os jovens são o futuro do mundo”, ou até mesmo na canção de um músico que “pra ser homem tem que ter a grandeza de um menino”. Se a alegria, a esperança, a pureza entre outras tantas qualidades das crianças e dos jovens são representadas e admiradas pela a sociedade, porque então a cada dia percebe o descaso que a sociedade tem pelos mesmos, privando-os das necessidades básicas essencial ao bom desenvolvimento integral. A cada dia, infelizmente, se torna mais comum a imagem de crianças sujas, maltratadas, mal alimentadas e mal amadas nos centros e nas periferias das grandes e pequenas cidades, pois essa situação não se restringe a apenas aos movimentados centros urbanos, mas em toda sociedade. Crianças exercendo funções não provenientes a elas, trabalhos ilícitos e sofrendo violência nas ruas é cada dia mais comum de se encontrar, crianças essas que deveriam estar exercendo seu papel de cidadãos estudando e se desenvolvendo assim como assegura o Ministério Público, mas, no entanto, estão a cada

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dia se distanciando da sua infância e identidade, perdendo oportunidades únicas de terem um desenvolvimento pleno. Com isso nos surgiu o questionamento ao qual nos propomos a refletir: Como a cultura pode ser trabalhada pedagogicamente para a contribuição da concepção da cidadania em meninos e meninas em situação de rua? Para buscar respostas para nosso questionamento foi traçado o seguinte objetivo: Conhecer o modo de como a cultura pode ser trabalhada pedagogicamente para a contribuição da concepção da cidadania em meninos e meninas em situação de rua. A partir desse objetivo principal surgiram questões que proporcionou o surgimento de tais objetivos específicos; identificar os principais desafios em incluir os meninos e meninas em situação de rua sociedade, analisar as principais dificuldades em desenvolver a consciência da cidadania em meninos e meninas em situação de rua e analisar a contribuição do trabalho pedagógico com a cultura popular na construção da identidade. II.Crianças em situação de rua, cultura, movimentos sociais A criança em situação de rua é vista inicialmente pela sociedade como crianças em situação de risco, situação essa que impossibilita que o seu desenvolvimento (físico, intelectual, emocional entre outros) ocorra como esperado para sua faixa etária, de acordo com a cultura a qual está inserida. Mas como uma criança se insere em uma situação de risco? A princípio se idealiza uma criança em situação de risco como pertencente a uma estrutura familiar desordenada que impulsiona a criança a um desenvolvimento irregular. “O(A) menino(a) de rua não é fruto, mas vítima da marginalidade, produto da sociedade que o gerou, para quem ela não tem projeto de vida algum, no sentido de crescimento humano” (GRACIANI, 2007, p.93). O(A) menino(a) em situação e rua não pode ser visto como um marginal social e sim como um cidadão oprimido e excluído do contexto social a que pertence, tendo como base o modelo infanto-juvenil proposto pela classe dominante. Modelo esse que reproduz a questão do desenvolvimento baseados na integração da infância e

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adolescência ao meio social por vias do cumprimento de regras estabelecidas para a sociedade. Desta forma as crianças e jovens que não sigam esse modelo estabelecido estão cometendo um desvio social, assim como afirma Graciani (2007): O “desvio social”, no sentido de conduta negadora estrita, de formas de comportamento anti-social em aberta contradição com valores reprovados pela sociedade, constitui um dos aspectos centrais de analises importantes das teorias sociológicas que estudam e interpretam o modelo das sociedades desenvolvidas. Nessa perspectiva, chamada “integração social”, “consensual” ou de “equilíbrio” (em contraposição ao enfoque do “conflito”), a sociedade é considerada como ordem social que se fundamenta na ordem moral (GRACIANI, 2007. P.108, 109).

O modelo ao qual os grupos de crianças que vivem em situação de rua estão inserido foge aos padrões estabelecidos pela sociedade, sendo marginalizados e excluídos do meio social. Crianças essas que muitas vezes não possuem nenhum tipo de instrumento digno de terem essa situação refeita, neste enfoque Graciani (2007) ressalta: Essa grupalização de crianças e adolescentes experimenta nas ruas o repudio social que o confina em estereótipos e estigmas que identificam sua pobreza com o vício e acumulam sobre sua pessoa toda a classe de imagens pejorativas de incapacidade e maldade, culpando-os por sua própria sorte. Desse modo, eles são privados do espaço social de que necessitam para ter ilusão e esperança, para poderem crer em si mesmos e verem a vida como uma realização de sua pessoa, da capacidade de superação, e não como um estado contínuo de defesa que supera sua capacidade humana e os colocam em um estado permanente de inferioridade (GRACIANI, 2007, p.110, 111).

Com isso se percebe o tamanho da precariedade nos atendimentos, responsabilidades e importância que não se tem as crianças que vivem em situação de rua. Sendo tratado como “não crianças” e sim como possíveis marginais ou pessoas sem capacidade de terem um desenvolvimento humano de acordo com os níveis de convivência estabelecidos pela sociedade. Desta forma se tornando não apenas vitimas da violência social, mas também, atores da própria violência a qual é forçado a se inserir. As contribuições culturais podem contribuir com a integração entre os diversos indivíduos de uma sociedade. Com essas misturas pode-se perceber que é de grande valia para o desenvolvimento de um povo apontando suas tradições, crenças e costumes passados de pais para filhos. Neste contexto se torna útil relatar o conceito antropológico de cultura popular do autor Laraia cultura popular “é este todo complexo que 247

inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis costumes ou qualquer outra de capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (LARAIA, 2004, p.25).

Segundo o argumento do autor, pode-se perceber que todo agrupamento e convívio social tem como papel social a transmissão, até mesmo de forma espontânea, do conceito de cultura se que expande. A criança desde quando nasce já esta inserida em um meio cultural por todos aqueles que a rodeiam, um bom exemplo de cultura seria a língua que a criança aprende a falar, o modo com quem aprende a se vestir dentre outros atributos que lhes são ensinados com o cotidiano, no Estatuto da Criança e do Adolescente está sancionado um artigo onde deixa claro: Art. 58 - No processo educacional respeitar-seão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura. Existem limitações que são objetivamente determinadas pela idade: uma criança não está apta para exercer certos tipos de atividades próprias de adultos, da mesma forma que um velho já não é capaz de realizar algumas tarefas. Estes impedimentos de correm geralmente da incapacidade do desempenho de funções que dependem da força física ou da agilidade, como os referentes a guerra, a caça etc (LARAIA, 2007 p. 81).

A criança desde quando nasce já está inserida em um meio cultural por todos aqueles que a rodeiam. A cultura pode contribuir para riqueza e complexidade da inserção do sujeito na sociedade a qual pertence. Com as crianças em situação de rua pode-se dizer que tenham uma cultura própria, já que a sociedade os repudiam e ignoram, é perceptível que os mesmos construam sua própria cultura, capaz de demonstrar sua ideologia, comportamentos e particularidades. Como afirma Huidobro citado por Graciani (2008): A educação popular busca a criação de uma nova hegemonia, (...) tem seu ponto de partida na cultura popular, que, em que se pese possuir núcleos dinâmicos, é uma cultura dominada, (...) busca a constituição do povo como sujeito político, o que supõe o transito de classe econômica para classe política; (...) estabelece um tipo de relação pedagógica entre educadores e educandos, que, evitando a manipulação, promove a direção consciente e a vontade política (HUIDOBRO, apud. GRACIANI, 2008 p.63 ).

As crianças em situação de rua ao se unirem começam a formar a consciência de sua cultura em seu meio social, construindo o sentido político de sua atuação perante a sociedade, se impondo como cidadão possuidor de direitos. Como se percebe no texto Freire citado por Graciani (2008): 248

No ato mesmo de responder aos desafios que lhe representa seu contexto de vida, o homem se cria, se realiza como sujeito, porque esta resposta exige dele reflexão, critica, invenção, eleição, decisão, organização, ação... (FREIRE, apud. GRACIANI, 2008 p.56).

A ação que Freire ressalta diz respeito à cultura popular posta em prática, esclarecendo e educando através de ações próprias capazes de fortalecer seus costumes que entram em contradição a cultura dominante.

III.Caminhos seguidos... Com a finalidade de compreender como se dá a atuação do campo empírico foi utilizado o modo de pesquisa do tipo qualitativa, a qual nos proporciona uma melhor compreensão das questões centrais do estudo proposto. Desenvolvida através do tipo de estudo exploratório e explicativo utilizamos como técnica de coleta a observação e a entrevista. Para essas ricas informações não serem desperdiçadas, sendo concebidas sem uma sistematização apropriada para o estudo, foram utilizados de várias fontes de técnicas de coleta imprescindíveis para um melhor aproveitamento dessas informações. A príncipio, foi utilizado da observação direta a qual nos possibilita uma visão do meio social do qual é estudado utilizando de todos os meios cabíveis para identificar a situação vivenciada “que a observação nada mais é do que o uso dos sentidos com vistas a adquirir os conhecimentos necessários para o cotidiano” (GIL, 2010 p.100). A observação participante foi necessária, pois de acordo com Minayo (1993): Definimos observação participante como um processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador de uma situação social, com a finalidade de realizar uma pesquisa cientifica. O observador, no caso, fica em relação direta com seus interlocutores no espaço social da pesquisa, na medida do possível, participando da vida social com eles, no eu cenário cultural, mas com a finalidade de colher dados e compreender o contexto da pesquisa (MINAYO, 1993 p. 70).

Utilizando-se das características que a análise de conteúdo proporciona ao estudar o caso, “se torna capaz de um estudo mais preciso e eficaz, assimilando a mensagem em suas diversas características, a análise de conteúdo visa manipular mensagens e testar indicadores que permitam inferir sobre uma realidade diferente daquela da mensagem.”(RICHARDSON, 2011 p.230).

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IV.Acompanhando o movimento . Essa organização traz ao longo de sua trajetória uma marca de luta e sucesso estampados na alma de cada um que faz parte desta historia. Um caso comovente de perseverança e esperança no outro e inclusive nas crianças que se encontravam “esquecidas” pelo poder público. O GAMR – Grupo de Apoio a Meninos de Rua traz ao longo de vinte e três anos uma experiência bem sucedida de educação para crianças que vivem em situação de rua, que através da cultura se tornou possível um acesso mais eficaz da criança em se reconhecer como cidadão portador de direitos e deveres e como um ser transformador de sua realidade. A princípio a organização sofreu de vários tipos de preconceitos e barreiras impostas, dificuldades estas que foram enfrentadas e solucionadas em um clima de união e força de vontade por todos que acreditavam (e acreditam) na capacidade de fazer uma sociedade melhor. Tendo mudanças nas localizações e na forma pedagógica de atuação o GAMR foi aos poucos percebendo as características fundamentais para um bom aproveitamento pedagógico dessas crianças. E aos poucos se adequando as formas de ensino mais gratificantes e que traziam melhor resultado para o campo em questão. Com isso, com esse ímpeto em questionar a sociedade, em formar o conceito de cidadania, em valorizar a cultura e dar um sentido a vida e mostrar as crianças em situação de rua da região que elas são capazes, que elas tem um sentido e um compromisso perante a sociedade, por esses e outros motivos que o GAMR tem em sua atuação, cada vez mais, uma grande importância na vida dessas crianças e jovens que enxergam neles um cidadão com futuro promissor e capazes de modificar sua realidade, construindo um mundo melhor.

IV. I. Crianças em situação de rua Infelizmente é cada vez mais comum presenciar nas ruas das cidades cenas capazes de causar conflitos e questionamentos em qualquer um que veja que a cada dia a quantidade de crianças que vivem nas ruas e delas tirando seu sustento crescer, em relação a isso a sociedade generaliza e denomina esse grupo como se fosse pertencente a outro mundo, um mundo que não é deles ou que supostamente não tenha nenhuma ou qualquer responsabilidade denominando de crianças de rua. Mas há uma questão que diferencia 250

essas crianças, como Neto explicita: Meninos de rua são aqueles que moram na rua, que vivem na rua. Já os meninos em situação de rua são aqueles que tem uma casa, tem um lugar pra voltar, mas tiram seu sustento da rua, tiram o dinheiro da rua, guardando carros ou carregando frete. (NETO, Coordenador financeiro. Diário de campo. 21/03/11) Com essa explicação que João Neto nos deu em conversa informal proporcionou uma diferenciação entre crianças de rua e crianças em situação de rua. Percebesse a principio que essa situação se dá por uma situação econômica excludente que impossibilita uma natureza de vida digna e respeitosa por todos na sociedade, que as formas de como as políticas públicas se estabelecem gera uma desigualdade que acaba por excluir economicamente e culturalmente essas pessoas, gerando bases familiares disformes do espelho social que se impõe. Percebemos isso no relato de Neto: Muitas crianças vem de famílias desestruturadas e vivem mais na rua do que na sua casa e o GAMR, tem quase a função da família para eles, conversam com eles, tem os horários para as refeições, tem livre acesso onde a organização está sempre de portas abertas e que muitas vezes o GAMR se torna sua primeira casa. As crianças que vem na sua maioria como são vindas de uma base familiar complicada, acabam chegando aqui com problemas, mas ao longo do trabalho eles se acalmam e se sentem mais confiantes em si mesmos. (NETO, Coordenador financeiro. Diário de campo 04/04/11) Através desse relato se compreende que uma família com base desestruturada decorrente das políticas públicas e por todo um contexto excludente ao qual estão inseridos acaba por reproduzir esse modo de vida em suas crianças, nos quais muitas vezes foram quase obrigados a viverem desse modo, por falta de oportunidades ou mesmo por desestímulos ou/e preconceitos sofridos. Essa forma de ver a família não como causadora da situação das crianças estarem na rua e sim como mais uma vítima de todo o contexto se ver bem clara nas palavras de Luis monitor das aulas de violão: Eles chegam com muito estresse na família, a mãe dessa galerinha ai não educa não, esse é um dos problemas do GAMR, um dos desafios do GAMR também, em transformar essa galera, que é só nós, a gente não tem uma ajuda também, a família não coopera. Se a gente 251

trabalhasse aqui e em casa a família também incentivasse, mas não incentiva não,a gente chega aqui joga uma conversa, ajuda, aconselha e quando chega em casa é tudo ao contrario, é raro a mãe dessa galerinha entender o que a gente quer fazer com eles, mas até mesmo porque elas não tiveram essa oportunidade. (LUIS, Professor de violão. Diário de campo 10/06/11) Com a necessidade de uma mudança ou mesmo de um alivio imediato na situação familiar muitas vezes a própria família impulsiona que a criança vá para o mundo das ruas como evidencia Edson em seu comentário durante a entrevista: Infelizmente a gente sabe que a família é muito imediatista então ele prefere ver o menino trazendo quinze reais para casa do que está na escola porque o ta na escola pode trazer muito mais do que quinze reais mas no futuro e eles querem o presente eles querem imediato. Porque de fato a gente acredita que o menino pode mudar mas se a família não acompanhar a mudança coletivamente ele acaba ficando perdido, acaba ficando no meio do caminho porque ele ver aqui uma coisa errada mas em casa tida como certa, então é um conflito ai bem grande (EDSON, Coordenador pedagógico.Diário de campo 27/06/11) Dessa maneira, muitas vezes sem outras expectativas de vida as crianças vão sendo inseridos nesse mundo, não que seja da vontade deles, como se percebe no seguinte relato extraído através de conversa informal com uma das crianças do projeto: Na rua a gente não faz nada que preste, só aprende o que não presta. (TIAGO, Criança do projeto. Diário de campo 07/06/11). Percebesse a insatisfação da criança no modo de como se vive nas ruas, há outro relato que sistematiza bem esse aspecto e como a família tenta se engajar para a mudança dessa realidade: Não gosto de ficar não rua não, aqui é melhor, na rua só arruma briga e confusão foi meus irmãos que me trouxe pra cá também, eles participam daqui também, e tão a mais tempo do que eu, ai eles vem e eu também venho. (DANIEL, Criança do projeto.Diário de campo 07/06/11) Portanto tem-se uma tentativa de criar uma nova realidade. Entretanto o estereótipo que a rua traz, fornece à sociedade a visão de que as crianças em situação de rua são marginais ou como não-crianças, como se fossem culpadas por esse modo de vida. E essas crianças encontram no GAMR o apoio e o espaço para serem realmente o que 252

são, crianças, vendo isso no relato de Edson: Objetivo era criar um espaço lúdico onde os meninos que viviam nas ruas de Gravatá pudessem pra ser criança, pois nas ruas onde eles viviam onde trabalhavam, tendo que levar comida para casa não era vida de criança. (EDSON, Coordenador pedagógico. Diário de campo 27/06/11). Repercutindo na vida e nos valores formados em cada criança como se percebe na fala de Daniel em conversa informal: O povo daqui é mais legal, conversa com a gente não fica botando de castigo, sem brincar, eles conversa com a gente, diz que a gente ta errado, é muito legal aqui. (DANIEL, Criança do projeto. Diário de campo 07/06/11). Portanto se identifica que a situação de rua imposta pela sociedade dominante acaba por interferir tanto no acompanhamento familiar como na própria construção da cidadania, pois dessas crianças que vão se tornar a mais nova sociedade. IV. II. Cultura popular A mistura dos povos que seguem ao longo dos anos proporcionou um fato excepcional, ou seja, essa mistura de povos, de culturas que se torna perceptível a olho nu e que enriquece cada vez mais a compreensão de vida de cada lugar, tornando uma grande aprendizagem e uma propagação em outras localidades. Esse envolvimento dos povos fornece base para a solidificação da cultura de um povo, com suas características básicas e únicas capazes de toda formação do individuo, em relação a valores, crenças, costumes entre outras tantas necessárias. Nesse enfoque Edson cita que: A gente acredita que a cultura ela não é um fim, mas é um meio, então é através da cultura, através do processo inclusive educativo pedagógico, então é através da cultura a gente pode repassar valores, pode repassar princípios que eles vão usar no dia-a-dia pra vida no futuro eles podem ser um cidadão melhor através da cultura, eles podem se conhecer ou até se reconhecer um pouco melhor, um pouco mais, e lógico é, vão construindo um mundo mais humano. (EDSON, Coordenador

pedagógico. Diário de campo 27/06/11) Perante isso, se dá conta da importância da cultura para a valorização de um povo, e do resgate continuo diante das novas transmissões de cultura que surgem ao longo do tempo, como Neto cita em uma conversa informal: A gente procura trabalhar com eles a 253

cultura popular da região e do próprio bairro, da realidade desses meninos, procurando resgatar a raiz cultural que às vezes tendem a se perder com o passar dos anos. E desse jeito a gente percebeu que eles se interessavam mais, e é melhor pra eles porque eles resgatam valores da sua própria cultura. (NETO, coordenador financeiro. Diário de campo. 21/03/11)

Nessa perspectiva que Neto traz a de reconhecimento através da cultura, resgate de valores e conceitos básicos para a formação do sujeito Luis é a favor quando comentou que: Através da cultura, através disso eles aprendem um monte de coisas, tanto na educação como no jeito de viver mesmo, é muito bom pra eles esse lance de cultura. Que faz parte do mundo deles, pra eles entenderem de onde veio e não ter vergonha e ter orgulho da raiz deles . (LUIS,

Professor de violão. Diário de campo 10/06/11 ). É notável a compreensão das crianças em relação a cultura e ao sentimento de envolvimento nessa cultura, como Neto cita em uma de suas conversas conosco: Depois que eles começam a participar do GAMR eles se sentem orgulhosos e começam a si próprio denominar e se apresentar, como por exemplo, Tiago do GAMR, eles se sentem pertencentes à

instituição. (NETO, coordenador financeiro. Diário de campo. 21/03/11). Com essa auto-afirmação no espaço, e de denominação reformulada como pertencente a esse grupo social se entende o sentido de identidade fornecida com essa prática, e que está se tornando de grande valia a modo se construir uma nova identidade a partir dessa convivência, que se percebe no dialogo de Luis: É melhor trabalhar com eles com essas letras porque fazem parte do mundo deles,eles se reconhecem nas letras e elas falam muito deles e da historia de vida de cada um. (LUIS, professor de violão.. Diário de campo. 19/04/11).

Portanto percebesse o cuidado que a organização tem ao se trabalhar a cultura e a formação do individuo, usando de artefatos concretos e de fácil acesso a mensagem que se tenta passar é compreendida de forma simples e eficaz. Como Maciel traz bem em seu relato: É dá essa identidade, hoje a gente trabalha com pífano, rabeca, maracatu e mostrar que é uma cultura que não está tão distante deles, assim como eles dançam hip-hop no meio da rua o povo dançava mazurca antigamente, dançava ciranda, então a gente tenta mostrar isso a

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importância da cultura para identidade de um povo.” (MACIEL, Professor de maracatu. Diário de campo, 28/06/11).

Com isso se torna essencialmente eficaz o trabalho coma cultura para o reconhecimento de sua identidade, em relação ao meio em que convive e as práticas que lá exerce. V. CONCLUSÕES Foi possível conhecer o modo de como a cultura pode ser trabalhada pedagogicamente utilizando o maracatu, a mazurca, a capoeira resgatam valores da sua cultura, para a contribuição da concepção da cidadania em meninos e meninas em situação de rua, modo esse que percebemos que não sé é capaz do dia para a noite, e sim com atitudes simples e continuas, através de conversas, de muito respeito e compreensão, essas crianças vão, aos poucos se situando na sociedade, se percebendo como “gente”, como cidadãos possuidores de direitos e deveres, capazes de transformar sua realidade e das pessoas com o qual convivem. Que a cultura trabalhada de forma singular, com uma metodologia desenvolvida essencialmente para compreender a diversidade e o respeito das identidades ao qual são pertencentes da organização, com a auto-estima refeita se forma a compreensão que se é importante perante a sociedade e que através de um trabalho digno com excelente qualidade, que através desse trabalho são reconhecidos como cidadãos e aos poucos conquistando seu espaço, e o melhor de cabeça erguida e com orgulho da sua base e de sua origem.

REFERÊNCIAS ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2 ed. Rio de Janeiro, 2006 BAZÍLIO, Luiz Cavalieri; KRAMER, Sonia. Infância, educação e direitos humanos. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2006 GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2010

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GRACIANI, Maria Stela Santos. Pedagogia social de rua: análise e sistematização de uma experiência vivida. São Paulo: Cortez : Instituto Paulo Freire, 1997. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 27 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1993 RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2011 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os Conflitos Urbanos no Recife: O Caso do "Skylab". In: Revista Crítica, nº 11, maio, p. 9-59. Coimbra: CES, 1983. VALA, Jorge. A análise de conteúdo. In: PINTO, José Madureira, SILVA, Augusto Santos (org.) Metodologia das ciências sociais. 11 edição. Porto: Afrontamento, 1986

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MEMÓRIAS DE MULHERES PARTICIPANTES NO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA DÉCADA DE 1990: GÊNERO E HISTÓRIA ORAL RESUMO Mayris de Paula Silva97 Viviane Melo de Mendonça98 Resumo: A pesquisa teve como objetivo um estudo teórico e prático sobre a memória social e a metodologia de história oral. Essa análise entendeu a mulher como sujeito histórico, político e social por meio dos relatos de memória que as apresentaram como atuantes no movimento estudantil, na universidade e em outros espaços denominados como hierarquicamente “espaços masculinos”. Esse trabalho procurou ouvir mulheres do movimento estudantil paulista na década de 1990 para relatarem suas histórias. Foram realizadas quatro entrevistas de história oral temática. As memórias relatadas durante as entrevistas dão visibilidade ao contexto político da década, aos contextos da vida social e da universidade e questões de gênero sem relevância de discussão. Buscou- se compreender a participação feminina ao longo da história e do movimento estudantil e, sobretudo a reinvenção da mulher por meio da luta feminina para subverter os espaços de opressão. Palavras- chave: Memória Social, História Oral e Gênero.

INTRODUÇÃO

As principais referências para o desenvolvimento desse trabalho foram os estudos feministas, estudos de gênero e autores como Joan Scott, Michel Foucault, e autoras que compreendem seus estudos entre mulheres/gênero e história oral como Margateth Rago, Daphne Patai, Guacira Lopes Louro e Ecléa Bosi com abordagem pela memória social. Buscou- se compreender de que modo às temáticas feministas e de gênero entraram no movimento estudantil, bem como o que a memória social de mulheres desvela sobre a participação feminina nesses espaços que são marcados pela hierarquização e atuação masculina. A narrativa e a oralidade feminina não eram valorizadas histórica e

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Graduada em Pedagogia e mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos- campus Sorocaba. E-mail: [email protected] 98

Professora Associada do Departamento de Ciências Humanas e Educação e da Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos- campus Sorocaba. E- mail: [email protected]

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publicamente. A mulher era destinada somente ao espaço privado, aos afazeres domésticos, ao cuidado da casa, marido e filhos. A tensão criada entre privado e o público, abre espaço ás discussões da memória, considerando a mulher como detentora do material bruto da memória que fora designado como seu papel social. Deixamos claro que esse foi um papel representado pelas mulheres burguesas, pois as mulheres pobres participavam de outras formas diferentes da atuação masculina no mundo público. A metodologia apresentada nesse trabalho toma como base a construção das subjetividades femininas a partir de suas experiências vividas em um determinado momento (espaço/ histórico) e ao contar suas histórias faz se o resgate do significativo guardado em suas lembranças. Aquilo que é significativo permanece ativo, intacto ou completamente alterado pela construção social da memória. Temos dificuldade de considerar como fatos reais o que não foi testemunhado por todos. Por isso muitos acontecimentos perdem-se ou são omitidos, pois não costumam ser objetos de conversa entre os indivíduos. Assim, a memória quando evocada torna-se uma forma de conservação ou elaboração do passado e, assim, faz-se história de pessoas com o mundo, não somente a relação do mundo com as pessoas. Dessa forma, os homens se constituem com sua prática e subjetividade para vivenciar seus contextos (BOSI, 1994). O trabalho realizado pretende contribuir para os estudos do movimento estudantil brasileiro na perspectiva da memória, estudos feministas e de gênero. A história oral não supõe a busca de verdades para serem referenciadas com a história oficial. A grandeza de seu caminho está em apresentar como a história é significada e dá significado ao sujeito. Nesse sentido, a narrativa e memória tornam- se história. As narrativas adquirem forma ao serem relatadas, contadas e lembradas, faz relação com o tempo, não por acidente, mas por estarem alinhadas as vivências históricas dos sujeitos. Nesse estudo se ressalta a importância da memória e da oralidade feminina para a compreensão das relações de gênero presentes no movimento estudantil na perspectiva da memória, estudos feministas e de gênero. [...] Não há vidas sem sentidos, e não há histórias de vida sem significado. Existem apenas histórias de vida com as quais nós (ainda) não nos preocupamos e cujas revelações (incluindo aquelas de estonteante trivialidade) permanecem, por essa razão, obscuras (PATAI, 2010, p. 19).

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Esses relatos perpassam pelas lembranças e suas histórias são significadas juntamente com suas trajetórias ao pensar, recordar, remontar em suas memórias aquilo que foi vivenciado e temos como metodologia, a história oral para representar esses acontecimentos não revelados pela história oficial. Essa pode ser definida em três gêneros distintos: tradição oral, história de vida, história oral temática. Optamos pela história oral temática, pois, segundo Freitas: Com a História Oral temática, a entrevista tem caráter temático e é realizada com um grupo de pessoas, sobre um assunto específico. Essa entrevista –que tem característica de depoimento – não abrange necessariamente a totalidade da existência do informante. Dessa maneira, os depoimentos podem ser mais numerosos, resultando em maiores quantidades de informações, o que permite uma comparação entre eles, apontando divergências, convergências e evidências de uma memória coletiva, por exemplo (FREITAS, 2001, p. 5).

A metodologia utilizada para o estudo das memórias sociais foi a de História Oral Temática composta por vários temas e faz um recorte que delimita os temas a serem abordados, possui um roteiro e a memória direciona os fatos de real importância para o sujeito ao contar sua história. Essa pesquisa é qualitativa que de forma expressiva e coerente aborda as histórias, memórias femininas, biografias narradas por mulheres em seu movimento e que transformam suas histórias pessoais. A história oral, como metodologia tem o trabalho de recuperar a relação sujeito- história- política, relação essa vivenciada também pelas minorias, antes pouco utilizada por se tratar das relações subjetivas que os sujeitos estabelecem com o mundo, muitas vezes somente investigada na esfera do privado. A narrativa e a oralidade feminina não eram valorizadas histórica e publicamente, essas mulheres ao contar essas histórias pessoais, trazem à luz os relatos que tratam do esquecimento e mostram a importância da memória individual e coletiva para compor fatos não considerados como oficiais e que, ao serem considerados, contrastam com a história:

[...] Aplicada à memória coletiva, essa abordagem irá se interessar, portanto, pelos processos e atores que intervêm no trabalho de constituição e de formalização das memórias. Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a História Oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à “Memória oficial”, no caso a memória nacional (POLLAK, 1992, p. 4).

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Essa pesquisa em história oral temática faz um recorte, pois possui temas que conduzem a entrevistada a abordar o tema a ser relatado, levando-a a fazer um exame de sua memória para se direcionar aos fatos de real importância, recontando sua história. Todos os temas com abordagem teórica foram postos em significação por mulheres que participaram do movimento estudantil na década de 1990. A cada entrevista, novas questões e temas surgiram sendo significados pelas histórias relatadas, sendo cada história entendida como única, apresentadas por relatos individuais e com significações coletivas. Foram realizadas quatro entrevistas com mulheres, entre 18 e 23 anos (idades de seu ingresso na universidade) e atuantes no movimento estudantil, residentes no Estado de São Paulo. O recorte espacial foi feito para retratar o movimento estudantil paulista. A metodologia permitiu vislumbrar uma série de possibilidades contidas em suas histórias. Os temas foram direcionados de maneira que compreendeu de que modo às temáticas feministas e de gênero entraram no movimento estudantil, bem como que a memória social das mulheres desvela sobre sua participação nesses espaços que são marcados pela atuação masculina e outro tema que esteve imbuído em seus relatos, quais as trajetórias da educação política que estas mulheres percorreram na universidade e ao longo de suas trajetórias femininas. As histórias relatadas nessa pesquisa se organizaram nos seguintes temas como participação, gênero e educação. A cada entrevista uma indicação era feita por cada participante, entre elas a opção de indicação na forma como cada mulher atuava no movimento e de que forma suas memórias poderiam contribuir para a consecução da pesquisa. O testemunho oral tem sido amplamente considerado como fonte de informação sobre eventos históricos. Ele pode ser encarado como um evento em si mesmo e, como tal, submetido a uma análise independente que permite recuperar não apenas os aspectos materiais do sucedido como, também, a atitude do narrador em relação a eventos, à subjetividade, à imaginação e ao desejo que cada indivíduo investe em sua relação com a história (PORTELLI, 1993, p. 41 apud FREITAS, 2001, p. 30).

Esse trabalho de memória individual e coletiva desvela, ao mesmo tempo, cada história como única e verdadeira, e todas as histórias assinaladas por um plano público e político são marcadas por essas experiências pessoais e coletivas e se constroem da 260

maneira como se apresenta o movimento estudantil e como essas transformações aconteceram de modo prático em suas subjetividades. As histórias centraram- se nos seguintes tópicos: a) Contexto politico e econômico da década de 1990, o pós- ditadura, a expansão das políticas neoliberais no sistema educacional brasileiro, o sucateamento das universidades públicas em detrimento da política neoliberal de ampliação das universidades privadas. A partir de seus relatos apresentou- se o contexto histórico e político da década de 1990, uma breve consideração sobre o pós- ditadura e a expansão do neoliberalismo como ferramenta de base educacional, período no qual a universidade brasileira passa por essa política juntamente com a sociedade, sendo esvaziada de todos os direitos e políticas públicas e de direitos aos cidadãos. O neoliberalismo classifica-se como uma política que visa às práticas econômicas, que apresenta o bem-estar humano como individual, ou seja, a liberdade vem acompanhada da capacidade humana de produzir sozinho, capacidades individuais e empreendedoras de produção de si próprio como forma de capitalizar os processos de desenvolvimento humano. O neoliberalismo propõe uma recriação do liberalismo, essa original corrente que entende o homem como constituído por sua “natureza humana”. Segundo esta concepção, o homem seria naturalmente dotado de atributos que precederiam ontologicamente a criação humana, seriam de origem natural e se desenvolveriam para sua existência em sociedade. A educação no contexto do Estado neoliberal tem papel importante na relação com o capital, devido a uma força motora de ascensão, de crescimento social, ao qual somente a educação garante – pelo esforço próprio do indivíduo reduzido somente ao ambiente do mercado de trabalho – a formação de mão-de-obra, não atuando como formadora de relações humanas. A Educação Superior na década de 1990 foi regida pela racionalização organizacional e pela busca de novos sistemas de gestão, outras formas de administrar, que correspondam a um determinado padrão. Assim, a administração das universidades públicas passa a ser orientada pela busca de resultados, pela descentralização, flexibilização e competitividade, por um plano estratégico, enfim. Nesse sentido, a 261

expansão da Educação Superior no Brasil tinha como regras os sistemas de planejamento e avaliação de resultados, o que comportou a lógica empresarial com as ideologias de modernização produtiva e grande inovação tecnológica, resultantes do processo da globalização sustentando as bases para uma Educação Superior mercadológica para atender ao mercado e se adequar aos “tempos modernos”, deliberando um desenvolvimento econômico para o Ensino Superior privado e não a expansão da educação pública e de qualidade: Os princípios da racionalidade legal, burocrática e econômica voltados ao desenvolvimento e à modernização embasaram o projeto de reforma do Ensino Superior apontando para um modelo que permitisse a expansão do sistema universitário brasileiro via iniciativa privada. Sob o regimento da economia de mercado e sem uma evolução proporcional do fundo público através das instituições públicas (federais, estaduais e municipais), o crescimento do setor público do Ensino Superior foi significativamente inferior ao da iniciativa privada, no período de 1990-2006, segundo dados do INEP (1991-2007) (TAVARES, 2012, p. 82).

A educação superior, com as reformas implantadas, passa a ter como alicerce uma forte expansão das universidades particulares, universidades com fins lucrativos e cujas centralidades fundamentais são a racionalidade econômica e avaliação do sistema (TAVARES, 2012). A expansão da educação superior privada traz vários benefícios à economia do país, como apresentado e defendido pelos implantadores da política neoliberal. O aumento de universidades particulares contribuiu para o aquecimento e desenvolvimento econômico gerando empregos, movimentando diversas áreas (alimentação, moradia, transportes, entretenimento, saúde) e outras áreas que fornecem insumos básicos para o sistema educacional. O Estado torna-se detentor de benefícios, com o recebimento de impostos, já que essas instituições são consideradas empresas comerciais pela circulação de renda. Mas essa expansão não garante a permanência dos alunos nas universidades privadas, de modo que muitos deles adentravam ao Ensino Superior mas não chegavam a terminar a graduação por falta de recursos financeiros, pelo não pagamento das mensalidades e, muitas vezes, pela não inserção direta ao mercado de trabalho, uma das justificativas das políticas de cunho neoliberal que sustentava o acesso direto da educação superior ao mercado de trabalho. 262

Mesmo com esses “atributos” mencionados acima, fica claro que o acesso e a permanência de alunos ao Ensino Superior público nesse período não é de interesse desse tipo de governo, pois não é de interesse político e econômico ampliar o ensino universitário público, tanto a nível federal quanto estadual. As universidades existentes passaram por um total descaso, escassez em políticas públicas que abarcassem a educação superior, sendo esse período marcado por greves referentes ao reajuste salarial de professores e técnico-administrativos, à aquisição financeira para a melhora na infraestrutura das universidades, ao investimento em Ensino, Pesquisa e Extensão, que no momento é precário, e à falta de recursos para o investimento em mestrados e doutorados, o que faz com que se reduza o período de estudos em pós- graduação. Tudo o que foi mencionado em vista da produção em menor tempo e com geração de lucro, o que faz com que a educação passe de um bem social para um bem comercial. b) O movimento estudantil brasileiro e a participação dos partidos políticos em sua formação. Esse movimento aparece descrito por suas lutas locais (dentro da universidade) e extra- locais e suas convergências e divergências relacionadas aos partidos políticos, em que os partidos políticos se apresentam em seu passado, presente e futuro, acompanhando o movimento estudantil e a sociedade. Os partidos políticos não se desenvolvem aquém da sociedade, assim, entram em relação com outros elementos que compõem os sistemas políticos. São processos longos os de sua criação, a depender do contexto histórico vivido, pois eles nascem tanto do enfrentamento político como de regimes em decadência, monárquicos ou burgueses, elementos esses que determinaram sua existência como instrumento de organização e luta (PAIVA, 2013). Os partidos políticos não nasceram prontos e acabados, são construções ao longo dos anos, compostos em diversas classes e que podem ser referidos como parâmetros de esquerda, centro e direita99.

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Os partidos políticos são instituições ou organizações constituídos por atores políticos de bases políticas e eleitorais. Os partidos de direita e esquerda costumam apresentar diferenças ideológicas e são muitas vezes colocados de lados opostos. Os partidos relacionados ao centro têm referências ideológicas parecidas, tentam buscar um certo equilíbrio, um certo equilíbrio social, mas não são contrários à hierarquia, por exemplo.

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Para o movimento estudantil, a presença dos partidos políticos caminhou com sua história e esteve presente em sua organização como movimento. O movimento estudantil, ao olhar do contexto político e econômico em meados dos anos de 1990, enfraqueceu-se e a explicação disso decorre da matrícula dos estudantes nas universidades particulares, de modo que o contexto da época demonstra a expansão das universidades privadas. Os estudantes não vivenciavam a universidade em sua totalidade, somente como campo de busca de emprego e melhoria de vida, ideologias presentes na política neoliberal. Outros estudantes participantes do movimento estudantil dizem-se, por sua vez, apartidários por não quererem uma disputa de “aparelhamento”, ou seja, de ideologias partidárias que muitas vezes brigam entre si e não constroem uma luta pelos direitos e espaços estudantis, considerando que esses espaços tornam-se institucionalizados, fechados por bandeiras que não reivindicam o direito de todos. O problema é lutar somente pelo partido tornandoo uma corrente de pensamento partidária e se esquecendo de todo o resto, de toda a luta social e estudantil. c) A mulher no movimento estudantil, na política e em espaços públicos insere as histórias abordadas pelas entrevistadas em suas inclusões no movimento estudantil. Esse trabalho de memória individual e coletiva ao mesmo tempo, desvela cada história como única e verdadeira, e todas as histórias assinaladas por um plano público e político são marcadas por essas experiências pessoais e coletivas e se constroem da maneira como se apresenta o movimento estudantil e como essas transformações aconteceram de modo prático em suas subjetividades. Os relatos dessas mulheres marcam o dito pela história oficial, e muitas vezes o não dito pela história oficial, ao pensarmos na grandeza desses relatos pessoais carregados pelas memórias das depoentes, pela ousadia de mulheres tecendo uma história, uma história de movimento político e social. Ao se pensar a mulher na política e nos espaços políticos, faz-se uma desconstrução universal do ser mulher, pois são várias as construções e representações do feminino. Esse feminino apresenta- se de maneira plural e suas manifestações são múltiplas, são diversas formas que se aplicam à construção do ser mulher, portanto. Da mesma forma, o espaço político como espaço de representação feminina torna-se plural, pois são variados os tipos de militância política, os tipos de ambientes políticos e suas 264

formas de fazer política. Ao se refletir sobre a mulher na militância do movimento estudantil, faz-se relação do feminino em locais políticos e, assim, como se dá a representação das mulheres na política. O espaço político é como o espaço público historicamente representado por homens, enquanto a mulher reservava-se o espaço privado, os cuidados da casa, do marido, dos filhos, da família. Mesmo a mulher sendo responsável pela casa, continuava numa obscura falta de autonomia sobre si e sobre o mundo público, como já apontado. Os discursos de dualidade em se representar as mulheres ora como dóceis em seu espaço privado, ora como selvagens no espaço público, refletem a busca da mulher por seu espaço, em meio a essa avalanche de discursos sobre o que é a mulher, antes pouco falada, esquecida, hoje lembrada em vários aspectos que buscam depreciar sua imagem, mas em poucos momentos atenta-se para saber da mulher seus pensamentos em relação à sua figura pública, como se veem, como sentem, etc. O mais importante com isso tudo não é destacar a presença das mulheres feministas e das mulheres não feministas, o importante é a presença da categoria mulher nesses espaços de representação política. Ao se pensar a política e o sujeito da política como sendo masculino faz-se a interpretação de “gênero” descrita por Joan Scott. Mais uma vez retomamos essa autora, que propõe o gênero como uma categoria analítica histórica, sendo o gênero tomado como elemento constituído na interação das relações sociais como forma de diferenciar os sexos, não de forma biológica, mas de forma social e, assim, o primeiro modo a dar significado às relações de poder instituídas socialmente. A categoria analítica de gênero apresentada pela autora articula-se, então, por construções históricas e culturais ao longo do tempo e que se encontram disponíveis no campo da cultura a todos os seres. Essas representações sociais tornam-se significativas e dotadas de tais formas dependendo da maneira com que os sujeitos apropriam-se e dão significados a elas, segundo a autora: (...) A alta política, ela mesma, é um conceito de gênero porque estabelece sua importância decisiva de seu poder público, as razões de ser e a realidade da existência da sua autoridade superior, precisamente graças à exclusão das mulheres do seu funcionamento. O gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político foi concebido, legitimado e criticado. Ele se refere à oposição masculino/feminino e fundamenta ao mesmo tempo seu sentido. Para reivindicar o poder político, a referência tem que parecer segura e fixa fora de qualquer construção humana, fazendo parte da ordem natural ou divina.

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Desta forma, a oposição binária e o processo social das relações de gênero tornam- se, os dois, parte do sentido do poder, ele mesmo. Colocar em questão ou mudar um aspecto ameaça o sistema por inteiro (SCOTT, 1989 p. 27).

O gênero para Scott é atribuído às relações sociais, valores e crenças estabelecidas pelas pessoas, e dentro dessas relações constituem-se relações de poder, relações de disputa em um dado campo social, em que algumas representações são legitimadas e significadas, conforme o sentido social atribuído ao gênero. Assim, vários atores participam desse processo de disputa de significações para manter o controle o que, para a autora, faz parte do jogo de conflitos e tensões políticas. A condição política feminina passou e passa por diversas transformações, juntamente com as questões de gênero, pois a mulher tornou-se parte da história e demonstra por meio da política novas formas de participação e atuação, o que torna-se visível por meio da reestruturação das relações de gênero e da contínua luta por uma igualdade política e social. A mulher, ao longo de sua trajetória histórica, instituiu novos modos de se pensar o feminino para sua liberdade, em que sai do espaço privado e avança ao mundo público, retira suas amarras, se liberta dos antigos modelos e busca novos modos de subjetivação para sua construção subjetiva e prática do ser mulher. A mulher, antes era resguardada ao espaço privado pelo confinamento de seus corpos e mentes, e ao longo da história resiste e liberta-se para lançar-se às relações de jogos de poderes se construindo com suas vivências no espaço público, conquistando seu espaço, tornando-se “mulher pública” e livre. A subjetividade feminina, ao passar por esses exercícios, toma forma e conteúdo, molda-se com as experiências e suas vivências, a mulher se autogoverna e torna-se promotora de suas ações concretas no mundo. A presença feminina nos movimentos sociais foi e é bastante forte, isso desmente a afirmação da não participação feminina na política, muitas vezes apontada pela falta de interesse da mulher pela política. A mulher se faz presente nas inúmeras reivindicações de classe, gênero, raça pela busca de seu espaço social e de afirmação como mulher. Dentro desse contexto de participação da mulher em espaços públicos, resgatouse a memória dessas mulheres que engajaram-se no movimento estudantil. A vivência no

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movimento estudantil permitiu a participação feminina de forma ampla, construindo-se uma identidade de mulher atuante para cada uma delas. Essas mulheres colocaram-se em diversas lutas pelo movimento, dentro e fora da universidade, dentro do contexto político e econômico que apresentava-se como excluso a todos e onde as lutas internas caracterizavam a manifestação pela garantia de uma educação de qualidade em seus espaços universitários. Assim como o texto de Joan Scott (1989), que faz a análise do gênero como uma categoria útil, se faz uma análise histórica e social a partir deste viés, em que sua análise se daria da forma com que o conceito de gênero inclui na história as experiências das mulheres. Como apresentado, uma nova história prescreve novos questionamentos surgidos para apresentar esse novo “objeto de pesquisa”, se é assim que podemos chamálo: Ademais, e talvez o mais importante, o “gênero” era um termo proposto por aquelas que defendiam que a pesquisa sobre mulheres transformaria fundamentalmente os paradigmas no seio de cada disciplina. As pesquisadoras feministas assinalaram muito cedo que o estudo das mulheres acrescentaria não só novos temas como também iria impor uma reavaliação críticas das premissas e critérios do trabalho científico existente. ‘Aprendemos’, escreviam três historiadoras feministas, ‘que inscrever as mulheres na história implica necessariamente a redefinição e o alargamento das noções tradicionais do que é historicamente importante, para incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva quanto as atividades públicas e políticas. Não é exagerado dizer que por mais hesitante que sejam os princípios reais de hoje, tal metodologia implica não só em uma nova história das mulheres, mas em uma nova história’ (...) (SCOTT, 1989, p. 3,4).

O termo gênero amplia, portanto, as discussões entre o feminino e o masculino, suas pesquisas dão ênfase aos estudos das mulheres, as colocam em primeiro plano sem deixar o homem subordinado ou hierarquizado como é de costume pelos historiadores que o fazem até hoje relegando a presença feminina à margem da história oficial. A metodologia de história oral, ao trabalhar com a memória e as relações dos seres no mundo, traz significado à fala dessas mulheres entrevistadas. Ainda, entende-se o papel de pesquisadora como um meio de colocar em evidência pública as vozes femininas, pois, como mulheres que somos, entendemos o espaço feminino de luta e o relato de atuação no movimento estudantil traz sentido a essa subjetividade feminina nos diversos campos hierarquizados pela lógica masculina de poder. 267

A pesquisa buscou entender como mulheres tiveram sua significação e (re)significação em busca da liberdade, como atuantes de um movimento estudantil, movimento esse gerido pelo outro (homens) e como sua e a partir de suas experiências, construíram suas subjetividades, colocando-as em meio ao movimento no qual se reinventaram diante de lutas (que outras mulheres perpassam atualmente) para resistir e transformar o espaço hegemônico masculino. Concluiu- se em todos os relatos referentes à participação da mulher no movimento estudantil brasileiro da década de 1990, revela-se como um espaço masculinizado e hierarquizado. Temas relacionados às questões de gênero, não tinham sido considerados relevantes nas discussões políticas dentro do movimento estudantil e na educação universitária. A memória social dessas mulheres traz suas experiências femininas e fazem o caminho de forma subjetiva e prática, como mulheres atuantes nos espaços políticos e públicos de maneira a subverter a opressão.

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DA MARGEM AO CENTRO: O FEMININO COMO OBJETO DE ESTUDO DA HISTORIOGRAFIA Sérgio Antônio Silva Rêgo100

RESUMO O presente artigo visa possibilitar uma maior análise com relação a inserção dos estudos sobre gênero e história das mulheres na historiografia. Compreendendo que a mesma pode sofrer interferências e tornar-se mais dinâmica e assim conseguir ampliar a concepção com relação a mudança social empreendida pelos estudos sobre gênero.

PALAVRAS-CHAVE Gênero, historiografia, teoria da história, trabalhos femininos.

INTRODUÇÃO

As mulheres foram marginalizadas ou até mesmo invisibilizadas durante bastante tempo pela história, ou seja, o feminino não era objeto de estudo dessa ciência que tinha como ponto principal à figura dos “grandes homens” da humanidade, num conceito historicista. (LÖWY, 2010), (PERROT, 2005), (SCOTT, 2008) e (DUBY, 2013). Entretanto existem exceções que escreviam incluindo-as em textos, mais como já dissemos são raras estas obras. (BADINTER, 2003) e (SMITH, 2003). Baseando-nos em escritos de Scott (1992) fica evidenciado que a história das mulheres tal como conhecemos hoje não era nem se quer mencionada na antiga forma de

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Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste (PPGEduC – UFPE – CAA). Pós-graduado em Epistemologia e história pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (FAFICA) e graduado em história pela mesma instituição. E-mail: [email protected].

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se fazer ou estudar este saber, a história tradicional, pois o verdadeiro interesse dessa ciência era a política, dessa forma observa-se os acontecimentos ditos marcantes, o local onde se fazia história (REIS, 2000), (REIS, 2006), (LE GOFF, 1982) e (DUBY, 1993). Após a implementação dos Annales, essa prática toma outra conotação e amplitude, possibilitando assim analisar outros contextos. Esta introdução começou a ocorrer durante a denominada terceira geração da escola historiográfica francesa Annales. Esta escola iniciou-se a partir do pensamento de jovens historiadores, Bloch e Febvre, em romper com o velho ideal de se estudar este saber, uma história que era dirigida/guiada pelos historiadores que se baseavam em puros acontecimentos e fonte meramente escritas num reprodutivismo epistêmico. Há neste momento, durante a década de 1920, mais precisamente 1929, uma nova publicação que trás novas formas de ver a história como sendo dinâmica, e produzida pela humanidade, não mais pelos “grandes personagens da história”, aqueles que produziram “grandes feitos”, pois neste momento é que entra outras figuras, entre elas a mulher. É bom nos localizarmos temporalmente, pois em 1949 Beauvoir, pensadora feminista francesa, publica O Segundo Sexo e abala com as velhas tradições de observação. O movimento feminista está agora enveredando por conquistar mais espaços, e essa era uma conotação generalizada, não apenas ligada a concepção historiográfica. Mas, uma boa nova forma de conceber a ciência, e com ela, o papel desenvolvido pelas mulheres. Com o surgimento do inovador pensamento trazido pelos Annales é que se consegue colocar um pouco em prática a chamada história total, que foi um ideal, buscando para abranger uma maior universalidade de temas/discussões. Pensada por Braudel, a histoire totale afirmava que tudo era história, e trazia consigo o interesse de evidenciar os excluídos da história, os objetos de estudo postos à margem até aquele momento. Os historiadores anteriores dos Annales haviam sido citados pelas feministas por deixarem a mulher fora da história, ou mais exatamente, por terem perdido a oportunidade de incorporá-la à história de maneira mais integral, já que haviam obviamente mencionado as mulheres de tempo em tempo... (BURKE, 1997, p. 80).

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Com este processo é que surgem os vários tipos de história e quase tudo vira elemento de análise desta ciência, como, por exemplo, a cozinha, a loucura, os povos indígenas e as mulheres que eram incluídas em alguns textos, a não ser os textos das ditas “grandes mulheres” (rainhas e mulheres da alta sociedade) como figura secundária, isto quando aparecia nos textos, pois considerando que todo texto trás consigo a subjetividade do(a) seu(sua) autor(a) e pergunta-se qual o pensamento daquelas pessoas que escreviam esses relatos e por que não incorporar as mulheres? A resposta é fácil, a figura da mulher era discriminada pelos homens, pois são consideradas mais fracas e incapazes ou mesmo inábeis para qualquer tarefa que não seja a criação de seus(suas) filhos(as) e cuidar de suas casas e maridos, então qual seria o objetivo de evidenciar esse tipo de figura se a história, assim como a geografia, pensada e produzida durante o século XIX, e não se limitando apenas a este século, era descrita como uma ciência que servia para enaltecer os países, as instituições ou alguns indivíduos (BURKE, 1980), (BURKE, 1997), (DOSSE, 1992). A concepção de feminilidade era reproduzida pelos cientistas da época. Rejeitando, ou mesmo, subjugando o pensamento de emancipação feminina. A arraigada presença do patriarcalismo buscando homogeneizar, sedimento o sexismo e aprofundando a distância de novas abordagens.

A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO FEMININO DA CIÊNCIA DURANTE A MODERNIDADE Comte foi um dos grandes críticos dos historiadores que tentavam fazer alguma mudança, pois como a história havia passado, por conta das teorias ligadas ao positivismo implementadas por ele, para o status de ciência acadêmica, saber institucional, também devia se ater somente ao ambiente público, a esfera em que era reservada aos homens. Para ele há uma “‘inaptidão radical do sexo feminino para o governo, mesmo da simples família’, em virtude da ‘espécie de estado infantil contínuo’ que caracteriza o sexo feminino”’. (COMTE Apud PERROT, 1992, p. 178). É uma crítica ferrenha, pois ele sabia que o que restava da sociedade para as mulheres era ambiente de suas casas e não poderem nem ser reconhecidas pela educação de seus filhos já era muito, e ele queria retirar até isto delas. 273

Como podemos observar durante estas primeiras análises de nosso texto, esta imagem da mulher não é fruto somente do pensamento de Comte, é, entre outros elementos, uma herança cultural que leva este ranço durante vários séculos de processamento histórico e historiográfico. Essa construção é denominada como patriarcado (FREYRE, 2002), (CONNELL, 1990). O que motivou os historiadores dos Annales a romperem com a história tradicional, foi uma necessidade do campo da historiografia em não permanecer, ou não ser representada por apenas formas de pensar de pessoas que detinham o poder político e econômico, e por isso faziam história. Tanto Bloch quanto Febvre acreditavam que a história precisava de outros elementos, elementos esses que os seres humanos, que não são capazes de serem previsíveis, necessitam para contar sua história (BLOCH, 1997), (BRAUDEL, 1972), (CERTEAU, 2011). Conseguiram esses elementos em outras ciências, ciências próximas à história, ou até mesmo ciências diferentes a ela, que será tratado mais adiante. Os estudos de alguns historiadores dos Annales mudam da base econômica para outros aspectos tais como: a mulher, o cotidiano da vida privada, a criança, a história vista de baixo, os estudos étnicos e a micro história, os micro poderes, as mentalidades, a história cultural e etc. Podemos pensar que muito dessa guinada numa forma de pensamento ocorreu também pela contextualização histórica no momento. A maior característica da terceira geração dos Annales é sua fragmentação. Segundo nossas leituras, podemos dizer que a mesma contém elementos da dita pósmodernidade, mais não pode ser caracterizada como sendo pós-estruturalista (FOUCAULT, 1979), (FOUCAULT, 1988). O crescimento da produção historiográfica, ao contrário de esgotar as possibilidades, abriu um campo movediço de controvérsias, instaurando um debate fértil. Todavia, é necessário superar a fase inicial de tornar visíveis as mulheres, abrindo a possibilidade de se recobrar a experiência coletiva de homens e mulheres no passado em toda sua complexidade, bem como procurar um aprimoramento da bagagem conceitual e metodologia que permita recuperar os mecanismos das relações sociais entre os sexos e as contribuições de cada qual ao processo histórico. (MATOS, 1996, p. 98).

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É só nesta fase que os Annales abre-se para a inclusão de mulheres, mulheres historiadoras. Há pouco mais de três décadas, é que a produção historiográfica que era destinada ao estudo da mulher começou a ser publicado, por isso, é um campo tão vasto. Embora haja uma necessidade tão urgente de “contar” essas histórias, a chamada história das mulheres (e não somente de mulheres) recebe críticas por não abrir tanto espaço a análise de outras categorias no estudo de gênero, tais como: a homossexualidade e os homens (SIMONET, 2003), (BUTLER, 2003). E não só as mulheres escreviam a sua história, mais também vários historiadores entre eles, destaca-se, Duby. Essa nova perspectiva de inclusão de mulheres foi influenciada pela revolução sexual que ocorreu na segunda metade do século XX. E outra característica é que os livros produzidos pelos historiadores dos Annales não tinham algum vínculo com a política local algo que era sempre feito quando se escrevia a história das mulheres com o intuito de aprisionar ainda mais a sua ideologia, desta forma os Annales também contribuíram para a queda deste tabu. A historiografia atual investe neste tema que foi tão mal visto durante anos, as relações de poder existentes entre homens e mulheres, pais e filhas sociedade machista, patriarcal, sexista, são os objetivos que mais interessam aos historiadores da temática. Por sua vez este estudo é denominado estudo de gênero (SCOTT, 1992), (SCOTT, 1995), (SCOTT, 2008), (HARDING, 1996), (SMITH, 2003), (RAGO, 1998), (SOIHET e PEDRO, 2007), que não se limita apenas aos estudos das relações femininas com a sociedade, mais também masculina e alguns estudos versam sobre temáticas homossexuais, em grande medida sobre as identidades construídas. Bruxas, pagãs, Evas, Marias, donzelas, prostitutas, sindicalistas, intelectuais, pobres, rainhas, camponesas, operárias, todas elas passam a ser objeto da história, em seus vários aspectos, agora não somente o lar é o objeto das análises, não somente o documento escrito e registrado é fonte de investigação histórica, a historiografia deste século irá fomentar uma busca por novas fontes de análise, de investigação, de compreensão de um passado que muitas vezes fora nebuloso, e a partir dele, de sua descrição, é que fundamentamos nossas concepções históricas. A ambivalência entre

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público e privado é analisada. Assim como, as relações de poder e participação do feminino. Segundo nossas leituras, os pensadores escrevem aquilo que eles têm como verdade, então tomemos como paradigma de análise a relação da deformação de um julgamento durante a Idade Média com uma dada mulher sendo considerada uma herege, por bruxaria, entre outros crimes que ela pode ter cometido; a partir dos altos do Tribunal da Inquisição subentende-se que esta era uma criatura adoradora do “demônio”, por cultuar as forças da natureza, aquilo que os homens não conheciam, por conta de seu letramento, então deixemos claro que há um objetivo em escrever e para quem lê aquilo que está sendo escrito (LAGE, 2008a), (LAGE, 2008b), (HARDING, 1993), (HARDING, 1996), (BRANDÃO, 2002), (LÜDKE, 2009), (GATTI, 2007), fruto de uma concepção uniformizadora de ciência, empreendida, sobretudo, com o advento da modernidade. Poucos foram os trabalhos que objetivaram estudar, ou possuir a mulher, ou mulheres, como centro da temática, por exemplo, Michelet (século XIX). (SOIHET, 1997, p. 275-276). Nos Estados Unidos e na França foram implantados cursos, pesquisas e estudos institucionalizados que ajudaram, durante as décadas que os movimentos feministas tiveram uma maior propagação, de suas ideias, a difundir este campo de estudo da história. “Não se podendo afirmar que as relações entre os sexos sejam vistas como uma questão fundamental da história”. (SOIHET, 1997, p. 277). 101 Na medida em que enveredamos por novas concepções e reflexões sobre o feminismo na história, buscando, fundamentalmente, ampliar olhares e ideias, pois mediante essa ótica é que a urgência da construção/criação de uma história das mulheres foi necessária, ficara notória a prática discriminatória que o saber de Clio relegara às mulheres, o seu papel secundário, o seu sentido privado (nesse sentido privado como recluso).

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Cf. Textos da pensadora Elizabeth Banditer que irá afirmar o mito do amor materno entre outras discussões da sociedade patriarcal. BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. – Tradução de Waltenser Dutra. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

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O ato de desvelar uma outra possibilidade de diálogo com essa categoria se deve, sobretudo, a organização de grupos de mulheres, que lutavam pelo seu espaço, como produtoras de uma sociedade. Juntava-se a estas mulheres diversas concepções de feminino em nossa sociedade, pobres, sindicalistas, políticas, jornalistas, intelectuais, entre outras para romperem este paradigma. É neste instante que a história atende aos interesses do seu tempo, a emergência da historiografia em analisar os marginalizados, por concepções filosóficas que alicerçavam as correntes historiográficas, fora cumprida e o espaço torna-se próprio. Houve uma reforma na ciência, pois nas ciências sociais as feministas, através de suas análises, objetivaram uma outra espacialidade, com novas simbologias (PINSKY, 2009). Procurando outras formas de manifestação de poderes, desejos e prazeres. Essa ruptura trouxe outras abordagens à política, por sua mais nova transversalidade de temas, o que denominamos em educação de interdisciplinaridade. Novas problemáticas surgiram. Com isso não queremos dizer que houve uma revolução, pois... Não faz sentido supor que o feminismo acadêmico vencerá suas disputas internas gerando uma única teoria a partir da qual seja possível deduzir o verdadeiro significado dos eventos ou simplificar os problemas. Esperar que tal ocorra é negar a própria história do feminismo, cuja riqueza principal reside precisamente na pluralidade. Na melhor e mais saudável das hipóteses, este corpus permitirá a articulação e organização da complexidade, modificando a realidade social. (YANNOULAS [et.al.], 2001, p. 432).

A maior inovação que o feminismo trouxe à ciência, que Schienbinger (2001) suscita, é a noção de reavaliação das relações de gênero e a ciência em si. Evidenciando o saber histórico Bourdieu destaca que os agentes e instituições devem ser destacados, observando temporalidades e constituições para assim quebrar as relações de dominação masculina nestes âmbitos. (BOURDIEU, 2003, p. 101). Não podemos falar de uma história da mulher, temos que falar sobre as histórias das mulheres, pois este elemento de análise está, certamente inserido num contexto mais amplo, como, por exemplo: etnias, credos, civilizações, ou seja, possuem diversos caminhos, uma pluralidade de olhares acerca deste elemento histórico, a mulher passa a ser sujeito formador e transformador do processo histórico. 277

Joan Scott nos trás essa percepção, advinda de outras historiadoras, sobre a proposição da escrita de uma história das mulheres. “Aprendemos”, escreviam três historiadoras feministas, “que inscrever as mulheres na história implica necessariamente na redefinição e no alargamento das noções tradicionais do que é historicamente importante, para incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva, quanto as atividades públicas e políticas. Não é exagerado dizer que, por mais hesitantes que sejam os passos iniciais, esta metodologia implica não apenas em uma nova história das mulheres, mas em uma nova história”. (SCOTT, 1995, p. 3).

Foram de suma importância a chamada história cultural e história das mentalidades, que se preocuparam com as “identidades coletivas de uma ampla variedade de grupos sociais: os operários, camponeses, escravos, as pessoas comuns” (SOIHET, 1997, p. 275) e com a interdisciplinaridade, enfatizada pelos historiadores, pós Annales, é que a história se alia a métodos e conhecimentos de outras ciências, principalmente da antropologia, para munir-se de conhecimento sobre esta temática. Além disso, os chamados estudos pós-coloniais trazem uma significativa contribuição para o alargamento epistêmico, desde os fins dos anos 1970 com uma rica produção que avolumasse mais e mais. (MIGNOLO, 2007), (QUIJANO, 2000), (HALL, 2003), (SANTOS, 1989), (SANTOS, 2004), (SANTOS, 2011). Esta é uma das relevâncias do estudo das relações de gênero em nosso país, ampliar os horizontes de pesquisa e não se limitar a uma bibliografia estrangeira, os(as) historiadores(as) brasileiros(as) já possuem obras bastante ricas com relação ao tema, nas três esferas de pesquisa/análise que mencionamos anteriormente.102 Histórias são escritas, e na medida em que novos(as) historiadores(as) se interessam e criam novas temáticas, novos problemas vão sendo trazidos à luz, nesse momento para a necessidade de se dar voz a estes(as) atores sociais. Mentalidades, culturas, visões de história que tornam cada vez mais alternativas de mudança de paradigmas, para uma melhor compreensão dos fatos analisados/investigados. História das mulheres, do corpo, do poder, das instituições que exercem este poder, não mais

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Sendo fontes de intenso destaque as produzidas pelas seguintes autoras: Maria Lacerda de Moura, Nísia Floresta, Ivone Gebara, Rose Marie Muraro, Guacira Lopes Louro, Margareth Rago, Mary Del Priore entre outras tantas.

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centrado no perfil econômico, ou mesmo político, administrativo, que “regia” de certa forma a história, por suas várias vertentes de explicação (positivismo, historicismo, marxismo, nova história). O século XX fomentou outras discussões que até aquele momento não haviam sido incluídas na pauta de assuntos, de quaisquer movimentos que fossem. A história como filha de seu tempo dará arcabouço teórico para estas discussões. Disciplinas como sociologia, antropologia, filologia, geografia, filosofia, entre outras irão facilitar e auxiliar no diagnóstico de dados coletados, para uma melhor procura de vestígios de outros elementos, que por sua vez poderiam estar ocultos num dado momento, mais depois revelar-se-iam. (VEYNE, 1983), (ELIAS, 1994), (BOURDIEU, 2004), (LÖWY, 2010). A análise historiográfica sobre a pesquisa de gênero se faz necessário a partir do momento em que as novas práticas de investigação histórica são convidadas a responder sobre as identidades coletivas e suas raízes, com isso a emergência de pesquisas procurando fundamentar o feminino na história, e sua profunda contribuição como agente social. Houve durante o século XIV a publicação de uma enciclopédia que tratava puramente da história de mulheres, rainhas e da alta nobreza. E esta não foi um fato isolado, claro que com relação às enciclopédias que já foram publicadas com os “grandes personagens” da humanidade este número se torna mais insignificante. Para isso Schiebinger (2001) nos traz um pouco desta história. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, muitas mulheres retomam seus estudos e começam a trabalhar para fortalecer suas aspirações, enquanto segmento social. Na década de 1970, entretanto, em meio a um movimento das mulheres em maturação e numa época em que cada vez mais feministas assumiam posições de poder na história e na ciência, o estudo da história das mulheres na ciência decolou. Mulheres cientistas contribuíram com autobiografias refletidas fornecendo relatos de primeira mão de sua luta para deixar uma marca na ciência. Historiadores forneceram biografias de mulheres cientistas que aprofundaram a obra herdada do século XIX. Esses livros chamam a atenção para mulheres excepcionais que desafiaram a convenção para reivindicar uma posição proeminente num mundo essencialmente masculino e também analisam as condições que aumentaram ou diminuíram o acesso de mulheres aos meios de produção científica. Sem formação apropriada e acesso a bibliotecas, instrumentos e redes de comunicação, é difícil para qualquer um

279

– homem ou mulher – fazer contribuições significativas ao conhecimento. (SCHIEBINGER, 2001, p. 58-59).

A crise do paradigma dominante de nossa realidade se dá mediante a atuação de grupos de pessoas que procuram novas alternativas de pensamento, influenciando assim novas formas de ver o mundo, e também as ciências, assim sendo as perspectivas trabalhadas

pelos(as)

historiadores(as).

Revisando

assim,

os

papéis

sociais

desempenhados pelos(as) mesmos(as). Mediante as leituras dos textos de Santos (1989, 2004, 2011) percebemos que há uma grave crise paradigmática, e ele ainda afirma que a mesma é irreversível do ponto de vista da retomada, mais ela traz em si elementos de uma outra criação. Esta crise de ideias se dá conforme a solicitação de respostas não as encontra mais, a crise do paradigma dominante irá trazer outras alternativas de investigação epistemológicas. Uma história das mulheres, com os rigores exigidos pela academia, só poderia ser escrita mediante a participação das mesmas no universo acadêmico, desde muito tempo. Muitas vezes, os rigores acadêmicos podem coibir a produção e divulgação de determinados saberes por não estarem de acordo com os padrões exigidos pela mesma. Durante a Idade Média pontuam-se as mulheres que frequentaram ou mesmo lecionaram nas mesmas. Servindo como modelo para o processo de colonização empreendido no continente americano, principalmente na América Latina. As mulheres foram negligenciadas durante muito tempo na atmosfera científica também, embora, através de nossas leituras vislumbramos fatos isolados em que houve uma certa participação feminina. A proeminência de universidades e academias, hoje, não nos deve levar a superestimar sua importância no passado. Nos séculos XVII e XVIII, a ciência era um empreendimento jovem forjando novas instituições e normas. A exclusão de mulheres não era uma conclusão inevitável. Diversos acessos ao trabalho científico eram disponíveis às mulheres antes da formalização rigorosa da ciência no século XIX. Em consequência, muitas mulheres estavam formadas e preparadas para ocupar seu lugar nas ciências. Nos anos iniciais da revolução científica, mulheres de alta estirpe eram encorajadas a saber algo sobre ciência. (SCHIEBINGER, 2001, p. 64).

280

Smith sugere que a história das mulheres foi recebida, por uma parcela dos historiadores, como algo necessário, transformador. Mesmo em meio à objetividade e imparcialidade pretendida pela ciência, e como não, também a historiografia Ocidental. Imaginava-se, contudo, que a racionalidade e a imparcialidade da profissão acabariam por permitir às descobertas da história das mulheres e às realizações das historiadoras sua total influência e dignidade na academia. Enquanto isso, alguns homens historiadores saudavam o surgimento e o desenvolvimento da história das mulheres e, mais tarde, da história dotada de gênero, como uma correção de rumos. (SMITH, 2003, p. 14).

Na historiografia Ocidental, o desenvolvimento de uma história das mulheres se deu mediante a necessidade das mesmas passarem de um estágio de amadorismo (SCOTT, 2008), imposto, muitas vezes, pelo conservadorismo acadêmico, com relação ao feminino e sua produção científica, para um outro estágio de profissionalização, quando as academias abrem-se, após muito empenho de grupos de mulheres, para a sua entrada, principalmente na segunda metade do século XX. As mulheres amadoras, com seu público leitor ardente, desaparecem da historiografia; longe de informar história, elas parecem estagná-la. A história social e cultural, sobretudo quando voltada para as preocupações e questões femininas da vida cotidiana, passam a ter pouco valor. Independentemente de quantas marcas características a história social possa ter ocasionalmente, a política e os homens que escrevem sobre ela são “o feijão com arroz” da grande história. No entanto, quando vistas como produto de forças intelectuais e culturais que entrelaçaram historiografia com gênero, as biografias dos grandes historiadores homens – aqueles que escreveram sobre política – ajudam a explicar como passamos a exaltar o historiador homem e a menosprezar ou até mesmo suprimir a obra histórica das mulheres. (SMITH, 2003, p. 156).

Evidencia-se após este comentário de Smith que a historiografia Ocidental relegou um segundo plano as suas historiadoras, menosprezando seus trabalhos, como amadoras, e em um dado período, “apagando” sua atuação enquanto produtoras de conhecimento histórico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O feminismo surge como um movimento reformista, entre outras faces que possui, em meados do século XIX, com várias reivindicações e vai se reestruturando, se rediscutindo, se reinventando, buscando ampliar suas epistemes e abordar diversas 281

problemáticas levantas ao longo do processo histórico. Em grande medida as últimas décadas do século XX foram especialmente importantes para esse processo. As primeiras historiadoras do século XIX, estudavam as mulheres mais pobres, assim sendo, encaminhavam-se para a história dos marginalizados, notadamente numa perspectiva marxista. (LÖWY, 2010). E ainda sobre alimentação, crianças, perspectivas que marcavam as suas vidas, como a ligação à família. Essas historiadoras ainda não se assumiam como mulheres “normais” (mães, donas de casa), pois poderiam despertar os olhares dos grandes historiadores, e com isso iniciam o momento das mesmas serem apenas amadoras do saber. As mulheres historiadoras profissionais, em contraste com outras mulheres de classe média e a maior parte das amadoras, não eram casadas. Sua condição de “solteironas” era cada vez mais notada, à medida que o século 20 avançava. Enquanto os homens historiadores profissionais usavam uma retórica de trabalho e de sustento característica da classe média heterossexual em relação à sua erudição, e enquanto arregimentavam os esforços, de uma equipe de companheiros para pesquisar e escrever história, tais benefícios não existiam para realçar a situação profissional das mulheres. (SMITH, 2003, p. 396).

Percebemos que o envolvimento de mulheres, nos espaços públicos, de nossa história se deu de forma muito silenciosa. O movimento feminista irá possuir força em meados de 1850, quando as mulheres passam a escrever e divulgar suas ideias/concepções. Até esse momento pontuava-se, na historiografia brasileira, a participação, neste aspecto, das mulheres (HAHNER, 2003), (PINTO, 2003). Com isso o movimento cresceu até conseguir o direito de voto em 1934, no governo de Vargas, sem discussões legadas a sua realidade enquanto sujeitos sociais. O movimento caiu em um obscurantismo, sendo apenas retomado, com maior ênfase, em 1975, como afirma Teles. Só mais recentemente, a partir de 1975, com a instauração do Ano internacional da Mulher, as brasileiras retomaram o movimento feminista, atuando em grupos de estudos e programando jornadas de luta e campanhas de mobilização. Integradas com os movimentos democráticos, as feministas brasileiras engrossaram fileiras nos movimentos pela anistia, por liberdades políticas e por uma constituinte livre e soberana. (TELES, 2003, p. 14).

São destacadas nesse processo a criação de Associações de Estudos, como, por exemplo, a ANPUH (Associação Nacional dos Professores Universitários de História) a 282

ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), e outras do tipo. Novas discussões, ampliações de publicações acadêmicas (destacando-se as revistas PAGU, da Unicamp, LABRYS, Estudos Feministas, da Universidade Federal de Santa Catarina), fóruns de discussões, publicação de teses e dissertações, criação de cursos entre outros. A criação de grupos de estudos e mobilização social como o SOS Corpo, em Recife, que preocupa-se em realizar estudos sobre o cotidiano feminino, possibilitando assim uma ampliação de debate sobre o tema, em suas mais distintas áreas de pesquisa, tais como: o cotidiano da mulher no meio rural, a relação entre feminino e o convívio com as camadas pobres no meio urbano, entre tantas outras. O caminho está aberto, seja pela ciência, ou por outro meio, o que verdadeiramente importa é lutar para romper estas barreiras que estão impostas. Por isso a importância dos estudos das relações entre os gêneros, ser tão urgente em nossa realidade sócio histórica para uma busca de desconstrução do paradigma dominante. REFEREÊNCIAS BADINTER, Elisabeth. Émile, Émile: a ambição feminina no século XVIII. – Tradução Celeste Marcondes – São Paulo: Discurso Editorial: Duma Dueto: Paz e Terra, 2003. BLOCH, Marc. Introdução à História. – Lisboa: Publicações Europa-América, 1997. – (Coleção Fórum da História, vol. 28). BORDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. – Tradução Denice Barbara Catani. – São Paulo: Editora Unesp, 2004. _______________. A dominação masculina. – Tradução Maria Helena Kühner. – 3ª Edição. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. BRANDÃO, Zaia. Pesquisa em educação: conversas com pós-graduandos. – Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2002. BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais. – Tradução Carlos Braga e Inácia Canelas, Lisboa. Editora Presença, 1972. 283

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TRABALHOS COMPLETOS

GT – 2: Educação, Gênero e Diversidade Sexual

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O PAPEL DA ESCOLA FRENTE À QUESTÃO DA HOMOFOBIA

Katherine Lages Constanti Rayssa Laênny Silva Chapoval Josenilda Maria da Silva Chapoval

RESUMO

O presente trabalho visa analisar o papel que a escola pública ocupa no que tange ao enfrentamento das diversas formas de discriminação, violência ou mesmo, da própria homofobia. Neste sentido, encontra-se respaldo através do texto constitucional, pensamentos da sociologia quanto a educação e o processo de socialização, os dados da Secretaria de Direitos Humanos de forma geral e a pertinente ao estado de Pernambuco, juntamente com as considerações de Paulo Freire acerca de uma educação formal na mesma medida da educação popular. Por fim, o texto busca questionar a problemática acerca da transformação da escola como um ambiente democrático, com maior variedade de sentidos e posições, afirmando, entretanto, o exercício da democracia de fato.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais. Homofobia. Escola democrática.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa analisar o papel que a escola pública ocupa no que tange ao enfrentamento das diversas formas de discriminação, violência ou mesmo, da própria homofobia. Neste sentido, os dispositivos 205, 227 ambos provenientes da carta magna, falam respectivamente sobre o direito à educação como um dever de todos, atuam de forma concorrente o Estado, a família e a sociedade a fim de que a escola possibilite o pleno desenvolvimento da pessoa, como também o preparo para o exercício da cidadania, o artigo 227 reitera o dever conjunto da família, Estado e sociedade em assegurar à criança e o adolescente à plena dignidade e o respeito. 289

Desta forma, Azevedo citado por Lakatos, descreve que a educação é, portanto, um processo social de que não é possível ter uma compreensão bastante nítida se não procurarmos observá-lo na multiplicidade e diversidade dessas forças e instituições que concorreram ao desenvolvimento da sociedade. Acrescenta o sociólogo Lenhard, o processo de socialização identificado por um lado ajuda indivíduo a adquirir personalidade pessoal e, por outro lado, este torna membro da sociedade e portador da sua cultura. Logo, há uma concordância entre o texto normativo e os pensamentos dos sociólogos, a escola é parte da sociedade e por esta razão não pode excluir as diversas formas de ser, sejam estas formas situadas em qualquer tocante das várias características que o ser humano possa ter. Seguindo a mesma linha, os dados catalogados pela Secretaria de Direitos Humanos do governo federal, destaca que nos anos de 2011-2012 somente no Estado de Pernambuco houve 270 e 228 respectivamente violações referentes à atitude de cunho homofóbico, estes dados dão suporte à necessidade imprescritível que todo ambiente de caráter público esteja atento à promoção e divulgação sobre esta violência que, por vezes, se mostra silenciosa por ter como sujeito no polo passivo do crime um grupo em situação de vulnerabilidade, ou seja, de certa forma, é legitimo o ato violento contra os grupos que estão em situação de invisibilidade. Entretanto, a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, constituem objetivos fundamentais da República, logo, todo e qualquer espaço tem o dever de promover a possibilidade de convivência entre as diversas formas de ser. Neste sentido, há de lembrar que a escola ocupa o papel de qualificar os alunos para o mercado de trabalho e, não menos importante, qualificar o aluno como cidadão em prol de uma sociedade melhor. Objetivo do trabalho é fomentar o debate entre professores, pais e alunos acerca da diversidade sexual, como também demostrar através de dados que expõe a taxa de violência pela homofobia. A fim de, mostrar que independentemente da orientação sexual, a homofobia é um ato que atinge sobre a dignidade da pessoa humana. 290

A partir de estudos que estão interligados temos como primazia o texto constitucional, artigos 205 e 227, revisão de literatura das obras, sociologia geral coautoria Lakatos e Marconi, o que é a sociologia? Mendras, os dados colhidos pela Secretaria de Direitos Humanos (2011-2012). Por fim, busca uma reafirmação do papel social o qual compete à escola, uma vez que é dever constitucional assegurar as crianças e aos adolescentes e, portanto a uma sociedade futura ausência de crimes ou violações aos direitos humanos que tenham como motivo tolher o exercício da sexualidade de outrem. O cumprimento do princípio dignidade da pessoa humana deve ser identificado e praticado no ambiente escolar a fim de construir uma sociedade cidadã, que se respeite, mesmo não comungando da mesma confissão religiosa, classe socioeconômica, gênero, ou orientação sexual, o fato é que para uma melhor convivência de fato entre os seres humanos, deve-se existe ao menos uma possibilidade de comunicação entre os diversos movimentos e setores da sociedade em exercer os direitos inerentes à espécie.

DISCUSSÃO TEÓRICA

O trabalho busca diante da análise dos dispositivos constitucional, embasamento sociológico sobre a educação e a pedagogia de Paulo Freire frente ao conceito de educação popular, identificam que a escola é um ambiente democrático e, como tal, deve transformar a sociedade futura com base em princípios constitucionais a fim de visibilizar os grupos vulneráveis são vítimas de violações na sociedade atual. A constituição Federal de 1988 marcou o momento histórico pós-ditadura atingindo a legitimidade através da própria sociedade que clamava por justiça social e democracia. A sociedade necessitava aparar as arestas as quais desde o início do Brasil república foram negligenciadas pelo Estado, os grupos de vulneráveis tais como, mulheres, negros, jovens, crianças, idosos, prostitutas e todo o movimento LGBTT, nunca tiveram espaço para políticas públicas que afirmassem estes grupos com os direitos 291

inerentes a cada pessoa humana, muito pelo contrário, a exclusão e o processo de tornar invisível estes grupos foi construído, afirmado pela elite brasileira, sempre. Entretanto, nos anos após a promulgação da Constituição Federal foram de extrema instabilidade governamental e, desta forma, os direitos e garantias inerentes a todo brasileiro não puderam ser concretizados por falta de políticas públicas afirmativas, as quais dariam visibilidade aos diversos atos de violência contra os grupos vulneráveis, mas principalmente, ao movimento LGBTT. Neste sentido, durante o governo do Partido dos Trabalhadores/PT a pauta dos Direitos Humanos foi analisada, a fim de que a proposta do debate à inclusão fosse realizada e cumprida de forma satisfatória. Logo, houve a maior ideia sobre como efetivar os direitos civis às pessoas do movimento LGBTT, ensinar a democracia dentro do ambiente escolar, uma vez que é função da escola pública, segundo a magna carta promover meios para que a sociedade futura seja formada com uma noção de igualdade efetiva.

PERTINÊNCIA CONSTITUCIONAL

Diante do contexto constitucional, é pertinente citar os dispositivos 205 e 227, os quais conceituam a educação como um direito e um dever, que a sociedade juntamente com o Estado e a família tem, a obrigação de atender aos dilemas sociais, a fim de que a sociedade futura cumpra efetivamente os princípios constitucionais, afastando preceitos violentos, cruéis ou opressores, são eles:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-

292

los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO ATRAVÉS DA ESCOLA

Atrelado aos artigos da norma suprema, sociólogos que estudam acerca da importância da educação através da escola defende que há um processo de autoajuda quanto à presa em efetivar direitos e saberes. É sabido que o ambiente escolar é um terreno fértil para posições diversas, e desta forma, adentrar ao patamar sobre o que é viver em democracia. Segundo Lenhard, o ser humano deve passar irremediavelmente pelo processo da socialização e pontua que socializar significa: Por um lado, adquirir personalidade pessoal e, por outro lado, tornar-se membro da sociedade e portador de sua cultura, colaborando para a sua perpetuação. Assim o socializar-se envolve dois aspectos: o individual e o cultural; a socialização envolve a aprendizagem de técnicas, a aquisição de conhecimentos, a aceitação de padrões de comportamento social e a interiorização de valores. Desse modo, esse processo nunca se completa de forma definitiva, a não ser com a morte; no curso normal da vida, à medida que a criança passa pelos vários estágios, da adolescência à velhice, deve ajustar-se continuamente a novas condições de vida e de atividade.

Desta forma, cabe à escola diante do processo dual que é a socialização, apontar diretrizes para que o cidadão que está sendo formado entenda que o espaço público é um local diverso, possuindo inúmeros sentidos, várias ideologias que devem ser respeitas ao ponto que haja uma convivência onde todos os diferentes respeitam o ponto que o outro difere, mais também, protege o direito deste outro de expressar-se, mesmo havendo disparidade de pensamento. Para o autor, Fernando de Azevedo, a educação é um processo social, assevera o autor:

A educação é, portanto, um processo social de que não é possível ter uma compreensão bastante nítida se não procuramos observá-lo na multiplicidade e diversidade dessas forças e instituições que concorrem ao desenvolvimento da sociedade. Só por abstração é que podemos isolá-lo do sistema de revelações e instituições sociais e, ainda quando a educação adquire uma forma mais definida ou uma estrutura (escola, sistemas escolares), não é possível compreender o sistema pedagógico, senão colocando-o em seu lugar, no conjunto do sistema social em que se organizou e a que serve, como uma

293

das instituições destinadas a assegurar a sua unidade, o seu equilíbrio e o seu desenvolvimento.

A sociedade representada nesse sentido pela escola deve buscar elementos a fim de conseguir através de uma escola com a participação doa agentes ativos da sociedade civil organizada, a própria família, para com a conjectura atual das escolas frente à omissão ao apresentar o crime da homofobia.

AS VIOLAÇÕES ENQUANTO DADOS

Neste sentido, visando legitimar ainda mais a tese da escola como um espaço de socialização, os dados da Secretaria de Direitos Humanos Presidência da República (SDHPR) por missão de desenvolver políticas públicas de enfrentamento ao preconceito e à discriminação contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT). Tal missão é executada pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (SNPDDH) por intermédio das coordenações-gerais de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. A Coordenação Geral de Promoção dos Direitos LGBT tem a responsabilidade de coordenar a elaboração e implementação dos planos, programas e projetos relacionados aos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais em âmbito nacional. É também competência da Coordenação a articulação de ações pró-LGBT junto aos demais órgãos da Administração Pública Federal. Já a Coordenação Geral do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT presta apoio logístico e institucional à atuação desse órgão colegiado. Acompanhe nessa área as ações referentes ao tema da Secretaria, cujas atribuições incluem, entre outras: 

Coordenar os assuntos, as ações governamentais e as medidas referentes à promoção e defesa dos direitos da população LGBT; 294



Coordenar as ações de implementação, monitoramento e aperfeiçoamento dos centros de referência em direitos humanos da população LGBT;



Coordenar a produção, a sistematização e a difusão das informações relativas à população LGBT; e



Propor e incentivar a realização de campanhas de conscientização pública, visando à inclusão social da população LGBT.

Através da SDHPR conseguiu realizar uma análise quantitativa acerca dos crimes de origem homofóbica que ocorreram no Brasil, para uma melhor compreensão da realidade brasileira foram desenvolvidos 2 (dois) documentos no que tange a incidência dos crimes homofóbicos para responder os dilemas, tais como, “qual região do país que mais promove a cultura homofóbica?” ou “Como são esses crimes?” e, dessa forma, o Governo Federal produziu o relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2011 e o relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2012. Acerca destes relatórios pode-se pontuar algumas características e a impreterível necessidade de afirmar os Direitos Humanos ainda na escola. O relatório defende: Os Direitos Humanos de todas as brasileiras e brasileiros merecem igual respeito e consideração do Estado. Tornar esse ditame constitucional realidade, exige, primeiramente conhecimento a respeito da pluralidade e diversidade de nossa população. Por isso, esse relatório com dados de violações tão graves aos Direitos Humanos de parcela significativa de nossa população deve ser exaltado. Ele nos retrata parte da violência sofrida pela população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – LGBT, mas que agride toda a sociedade. Para enfrentarmos essa triste realidade é essencial a conhecermos profundamente, identificando suas vítimas e algozes, suas ocorrências e características. A luta e mobilização da população LGBT garantiu importantes avanços para à cidadania e fortalecimentos dos direitos nos últimos anos, como criação do Conselho Nacional de Combate a Discriminação – CNCD/LGBT, a aprovação de inúmeras leis estaduais e municipais estabelecendo multas e sanções às situações de discriminação, e o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da união estável entre pessoas do 295

mesmo sexo. Entretanto, ainda temos também muitos desafios a enfrentar até a garantia da cidadania plena para todas e todos. É nosso compromisso enfrentar todas as formas de violência e discriminação a que esta população é diuturnamente submetida. Para esse enfrentamento, lançamos esta pesquisa pioneira sobre os números da homofobia no Brasil em 2011. Tanto o Estado brasileiro, quanto o movimento social, podem, a partir de agora, com estas informações em mãos demonstrar a gravidade da situação e a urgência em lidar com ela. Paralelamente a isso, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República estrutura a criação de Comitês Estaduais de Enfrentamento a Homofobia para, em parceria com os poderes locais e a sociedade civil, elaborar ações e políticas para lidar com as ocorrências homofóbicas e, especialmente, para ações destinadas a evitá-las.

Importante ressaltar esta pesquisa só contou com a colaboração fundamental de outros órgãos do Governo Federal, como a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e o Ministério da Saúde, além de inúmeras secretarias de segurança pública dos estados que enviaram seus dados sobre violência homofóbica. A obtenção dos dados sobre homofobia só foi possível pela existência de políticas estabelecidas pelo Governo Federal para recebimento de informações, como o Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, os Dados da Ouvidoria da Saúde e do Disque Direitos Humanos (Disque 100). O Disque Direitos é um serviço de referência essencial neste relatório, pois além de fornecer a maior parte dos dados, encaminha todas as denúncias recebidas para a apuração dos órgãos competentes no intuito de assegurar a proteção da vítima e a responsabilização do perpetrador da violação. É de se ressaltar, que agregamos estudos anexos com informações provenientes de 11 Secretarias de Segurança Pública e o número de homicídios publicados na mídia (dados horográficos). Como resta latente, nosso intuito foi o de disponibilizar o maior número de informações possíveis para instrumentalizar todos os atores atuantes para a concretização da cidadania da população LGBT. Que este documento sirva como instrumento para o enfrentamento da lesbo, homo, bi, transfobia e seja um chamado para a realização dos Direitos Humanos desta 296

população. Uma das maiores riquezas do Brasil é sua diversidade, portanto, preservá-la é nosso dever e nossa vocação. Foi constatado quais os tipos de violações mais comuns, a quantidade e a porcentagem Tipo de violação N %103 Tipo de violência Violência psicológica Discriminação Negligência Violência sexual Violência institucional Abuso financeiro e econômico / violência patrimonial Outros Tortura Exploração do Trabalho infantil Trabalho escravo Não informado TOTAL

Quantidade 2891 1516 466 337 166 99

Porcentagem 42,5 22,3 6,8 4,9 2,4 1,5

56 15 4

0,8 0,2 0,1

3 95 6809

0 1,4 100,0

Esta tabela é importante para ressaltar 2 fatores, o primeiro fator a ser analisado é: A urgência de divulgação destes dados, uma vez que, mostram de forma probatória que a violência e as violações existem contra os integrante do movimento LGBTT. Já o segundo fator é uma consequência do primeiro e expõe, a escola como um dos meios de controle social deve advertir aos alunos enquanto formação de cidadãos o caráter criminoso em violar a integridade humano do outro. A educação promovida com base no respeito, é papel sim, da escola. A Tabela traz os tipos de violação reportados durante o ano de 2011. Pode-se verificar que violências psicológicas foram as mais reportadas, com 42,5% do total, seguidas de discriminação, com 22,3% e violências físicas, com 40 15,9% do total de violações denunciadas. Ressalte-se também o significativo número de negligências (466 violações) e violências sexuais (com 337).

103

Tabela 1. Tipo de violação N %.

297

Os primeiros dados oficias sobre violência homofóbica no Brasil, referentes ao ano de 2011, permitem que se conheça as diferentes configuração regionais, estaduais e municipais concernentes a denúncias de violações de Direitos Humanos da população LGBT realizadas junto ao poder público federal 14 e às violações veiculadas na mídia (jornais, revistas, Internet, rádio e televisão). Tal nível de especificação permite acessar diferentes realidades, tanto no que concerne ao número de violações efetivamente cometidas contra a população LGBT quanto no que diz respeito aos diferentes acessos estaduais e municipais ao conhecimento acerca da existência e operacionalidade das vias de denúncia. A ausência ou pequeno número de denúncias de violação ou de violações reportadas em determinada localidade não significa a ausência de violações nos cotidianos de sua população LGBT, mas pode se relacionar ao pouco conhecimento acerca dos serviços de denúncia, aos diversos graus de 14 Junto ao Disque Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, aos órgãos específicos voltados ao público LGBT desta Secretaria, à Central de Atendimento à Mulher da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República e à Ouvidoria do SUS. Não informado; 48,60% Feminina 2,50% Travesti 1,80% Masculina 47,10% 73 mobilização de movimentos sociais e aos diferentes níveis de sensibilização das imprensas locais para a temática LGBT. Nesse sentido, o objetivo desta seção não é classificar estados em mais ou menos homofóbicos, mas permitir que governos municipais, estaduais e cidadãos interessados possam conhecer a magnitude de sua realidade local no que diz respeito a violações denunciadas ou noticiadas na mídia. Quanto a visualização das violações de maneira segmentada pelos estados federados, analisara os dados diante do Estado de Pernambuco, o qual no ano de 2011 houveram 270 casos de violação aos Direitos Humanos por meio dos crimes de caráter homofóbico, apesar do número ser relativamente baixo quando pensado que os dados 298

foram colhidos através de todo ano, entretanto não há evidencia de uma quebra de pensamento ou um ruptura quanto a estes dados, outro quesito, é que os 270 casos pontuados foram levado ao Estado, há incontáveis violações dia após dia que nem sequer chegam ao conhecimento do Estado. Por isso, assevero, a escola é o lugar mais propenso para a transformação por meio do debate democrático.

A EDUCAÇÃO POPULAR E O INCENTIVO À CRÍTICA FRENTE ÀS RELAÇÕES DE PODER

O pedagogo Paulo Freire, estudioso da educação, trocou conhecimento e desta forma de ensino em que o próprio professor também aprende ao ensinar, surge a importância de criticar a rigidez com que as crianças e jovens são tratados pela escola formal, uma rela ausência de relação com a realidade. Mas, no que se trata a educação de jovens através da própria educação popular, e ela quer dizer: A Educação Popular se constitui como “um conjunto de atores, práticas e discursos que se identificam em torno de algumas ideias centrais: seu posicionamento crítico frente ao sistema social imperante, sua orientação ética e política emancipatória, sua opção com os setores e movimentos populares, sua intenção decontribuir para que estes se constituam em sujeitos a partir do alargamento de sua consciência e subjetividade, e pela utilização de métodos participativos, dialógicos e críticos.

Ou seja, a educação popular é o reconhecimento do conhecimento empírico objetivando uma melhor inteiração com a sociedade, a qual da o suporte necessário. E neste sentido, o ser humano ao momento que propõe-o a escola como meio e forma de conseguir ascensão social engana-o por deixar de trabalhar diversos outros fatores da vivencia humana, tais como as estruturas e a formação de poder, as estruturas hierarquizadas e legitimadas pelo Estado e a sociedade. A educação, passa a ser um mercado, o técnico deve predominar acima das questões menos relevantes, entretanto são estas que sustentam toda uma sociedade e não há nenhum incentivo ao menos pelo questionamento através da escola. Logo, quando a escola perde (se é que algum dia já teve) o seu caráter fomentador da discussão e basta se preocupar somente com o vestibular, há neste caso, a omissão ao texto constitucional que menciona a competência 299

da escola deve ser também educar enquanto cidadão está negando o processo de socialização dos alunos, está negando ao pensamento crítico. A Educação popular inspira uma nova cultura política, que representa o aprofundamento e a difusão dos mecanismos da democracia participativa, bem como dos valores e das práticas da cidadania ativa. Trata-se de um “novo modo de governar”, na expressão de Gilberto Carvalho (In: BRASIL, SR/PR, 2011), uma metodologia de governo e de exercício do poder que gera uma cultura democrática, transformando o cotidiano das vivências das pessoas. É o Estado implantando um programa de governo. As políticas públicas podem ser estatais ou governamentais. Uma política pública é “de Estado” quando é mais estrutural e “de Governo”, quando é mais conjuntural. O Estado tem a obrigação de entender a escola como um espaço democrático, a fim de que todos tem a possibilidade de buscar a autonomia. É através do questionamento as estruturas de poder hierarquizadas, autoritárias, que adentram pelo tempo, que poderá ser possível criticar a forma como se está hoje. Ou seja, é interessante a toda uma sociedade o incentivo do pensamento crítico, ora, mas se o Estado é formado por uma estrutura hierarquizada, não será lógico que o próprio Estado fomente a discussão acerca da validade das hierarquias dentro do ambiente escolar. Neste momento, não imagina o quanto que maléfico pode ser pra toda uma sociedade sustentada apenas por uma única ideologia baseada na indústria cultural. As relações de poder, sejam elas de qualquer ordem, podem e devem ser questionadas eu qualquer modelo estatal, mas, mais precisamente quando o Estado possui forma de democrática. Não há dúvida, o melhor lugar para promover

o debate

questionamento, é a escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado através da projeção nas escolas públicas deve observar, promover e fomentar a discussão acerca dos grupos vulneráveis, mostrando os números quanto a incidência de violência, os tipos de violação. Enfim, não podemos perder nosso discurso. 300

A tentação é abandoná-lo por falta de ouvintes dentro e fora do governo. O rumo já foi dado por Paulo Freire no passado: “estar dentro e fora do Estado”. Não dá para ficar só “fora”, na crítica externa, política ou acadêmica, embora essa crítica seja também muito importante. A crítica de fora exerce um papel importante para mudar o dentro. Isso foi reconhecido por Lula no governo: acolhia a crítica dizendo que sem essa pressão de fora não conseguiria certo avanços dentro. Sem a luta de fora as muitas lutas de dentro não seriam viáveis. Mas, a luta no interior do Estado é imprescindível. A escola como um ambiente viável ao debate político, crítico e construtivo de toda uma sociedade, deve adentrar, perpassar os sentidos do comodismo, as escolas devem suportar as disputas, fomentar as divergências de opinião e diante das possíveis divergências possibilitar a resolução de qualquer conflito através de uma postura humana, respeitando o outro como ser humano e sujeito de direitos inerentes a figura da pessoa humana, ou seja, a partir dos dilemas sócias visualizar dirimir a lide por meio do próprio diálogo. Desta forma, o texto constitucional normatiza posturas que o Estado e a sociedade deve cumprir estando sujeitos a coerção estatal a fim de que se faça cumprir um preceito constitucional. Os pensamentos de Lenhard e Fernando Azevedo acerca do processo de socialização da pessoa humana, o espaço para educação permeia todo ambiente social, inclusive a escola, a sociologia legitima a escola como um espaço a construir e reconstruir por meio de um debate. Já os dados apresentados através dos relatórios (2011-2012) chegam a conclusão de que a violência e as violações existem e devem ser trabalhada na escola, como uma forma de projetar as dificuldades que a sociedade atual têm em respeitar o próximo “diferente”, como também, fomentar nos jovens estudantes sentimento de igualdade frente ao diferente a fim de construir uma sociedade futura que efetive direitos dos demais, direitos de todos os humanos. Logo, não há uma fórmula mágica ou acabada a respeito da melhor forma para que a sociedade seja construída através da reeducação, reconstrução, mas principalmente, deve existir possibilidade de crítica, fomento ao pensamento crítico, construído e reconstruído. As relações estruturais de poder enfrentam dia-a-dia questões acerca dos novos modelos de gênero, e devem ser apresentadas pela própria escola, a fim de que as 301

relações de poder atuais acaba por legitimar aos de violência contra a comunidade LGBTT por entender muito diferente do que deve ser, ou seja, para existir de fato a construção de uma sociedade equitativa, deve existir uma criticidade maior dos papéis sociais e de poder frente as estruturas hierarquizadas. Por fim, a escola deve negar o seu aspecto totalmente formal (características das instituições criadas para lapidar, acabar com o questionamento crítico), atrelado ao conhecimento empírico, a uma educação popular perante Paulo Freire. A escola é mais, é um ambiente inovador, propenso à construção de uma nação miscigenada tornando-a mais isonômica. O Estado deve perpassar estas situações, o argumento para a reconstrução da sociedade através da escola é a urgência por respostas de longo e médio prazo (objetivando efetividade, necessita de tempo hábil) para o cumprimento de políticas públicas eficazes. Pessoas estão morrendo. Pessoas estão sendo violadas, dia-a-dia e o único argumento para estes absurdos atos é o repúdio ao diferente. E desta forma, não constrói nada de novo, somente formas de alienação de uma sociedade baseada integralmente em pensamentos demagogos, respeitando valores morais individuais os quais atacam, ferem os Direitos Humanos inerentes a todo o coletivo. A comunidade, movimento LGBTT solicita atenção e respeito. A sociedade futura tem presa da reconstrução da sociedade presente, a sociedade futura é tudo o que não somos, é um perfil dos profissionais que não temos, é a noção de igualdade que não pregamos, é o respeito que não valorização, é a efetivação dos direitos da pessoa humana, e é, sem dúvida nenhuma, um projeto que visa o respeito à vida.

REFERÊNCIAS

GADOTTI, Moacir. Estado e Educação popular: Desafios de uma política nacional. http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-2011-1 http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012 LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Maria de Andrade. Sociologia geral. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2011. LENHARD, Rudolf. Sociologia geral. 2. Ed. São Paulo: Pioneira, 1973. 302

MENDRAS, Henri. O que é a sociologia?. 1. Ed. São Paulo: Manole, 2004. Paterman, C. (1995). El contrato sexual. Barcelona: Anthoropos.

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GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: Outros [?] olhares sobre o espaço escolar Denise Cristina Canal104 Jean Carlo Pizzoli105 Thiago Steemburgo de Paula106 Edson Carpes Camargo107

Resumo Este estudo tem por objetivo apresentar como e o que pensam @s professor@s que atuam na Educação Básica das escolas situadas na região da Serra Gaúcha sobre as relações de gênero. Como processo metodológico optou-se pela realização de entrevistas semiestruturadas com quatro professor@s dos Anos Finais do Ensino Fundamental. Os resultados foram estruturados e categorizados para serem analisados conforme a análise de conteúdo, proposta por Bardin (2009). As respostas demonstraram que, apesar dos debates constantes abordando as relações de gênero, esta temática ainda carece de maior enfrentamento por parte de toda a sociedade. Portanto tratar de sexualidade na escola de educação básica torna-se essencial, pois ainda temos, enquanto professor@s, uma noção de que os 'padrões sociais estabelecidos' são os que devem ser seguidos. Contudo, @s alun@s que se apresentam na escola hoje, são sujeitos da diversidade, da diferença, quebrando todos os padrões que até então estavam estabelecidos.

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Bolsista do projeto de extensão Gênero e Sexualidade na escola. Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Câmpus Bento Gonçalves. [email protected] 105 Bolsista do projeto de extensão Gênero e Sexualidade na escola. Acadêmico do curso de Licenciatura em Física no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Câmpus Bento Gonçalves. [email protected] 106 Voluntário do projeto de extensão Gênero e Sexualidade na escola. Acadêmico do curso de Licenciatura em Pedagogia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Câmpus Bento Gonçalves. [email protected] 107 Doutor em Educação. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Câmpus Bento Gonçalves. [email protected]

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Palavras-chave: Relações de gênero. Educação. Diversidade.

Introdução Conviver na sociedade atual requer uma visão ampla das situações que cercam a vida humana. As mudanças e a inserção de novos conceitos na organização social que está posta gera uma série de questionamentos e dúvidas que desestabilizam as certezas do senso comum. Os estudos e debates acerca da identidade de gênero e da sexualidade são alguns dos calos no pé da sociedade, que continua querendo esconder as diferenças e impor certa “normalidade” ao modo de vida da humanidade. A visão limitada desta diversidade gera uma gama de gestor@s públicos que centram suas ações políticas na massa, sem questionar se elas englobam a tod@s. Esta perspectiva restrita gera discriminação, preconceito e ataques de ódio contra quem não se enquadra na heteronormatividade. Ainda existem os estereótipos, modelos criados historicamente para definir que a mulher deve ser dócil, prendada e passiva, e o homem, para ser considerado macho, tem que ser agressivo, firme e grotesco. Esses modelos impostos pela sociedade apesar de parecerem ter um cunho machista, também são muito popularizados pelas mulheres, especialmente as mães, que insistem na educação de seus filhos e filhas em usar as frases “homens não choram” e “sente-se como uma mocinha”. Pode parecer inocente, mas ao ensinar isso aos filhos e filhas elas continuam dando força a ideia de inferioridade das mulheres. Com isso cresce o preconceito, se um homem for mais sensível, menos racional, então será considerado homossexual, assim como uma mulher mais direta e “despachada” corre o risco de ser tomada como mulher macho. Ainda levando em consideração a educação d@s filh@s, ainda ouvem-se muitas mães dizendo para @s filh@s “contarei tudo ao seu pai quando chegar”, ou seja, é a mãe que educa as crianças, mas o pai que detém a autoridade, isso de fato faz com que seja impossível mostrar a criança seus limites. 305

A educação é o modo de ampliar conhecimentos e encurtar a distância entre estes assuntos e a população. Diante disso, nota-se a necessidade de ampliar as discussões sobre esta temática na escola, pois são situações que fazem parte do cotidiano dos estudantes, que inúmeras vezes sofrem preconceito, porque as pessoas a seu redor sentem dificuldades em tratar com esta diversidade. Por isso, este estudo tem como objetivo identificar como professor@s dos anos finais do Ensino Fundamental das escolas públicas localizadas na região da Serra Gaúcha compreendem as relações de gênero que se estabelecem na escola, bem como se apresentam as diversas sexualidades.

Discussão Teórica

Para @s educador@s deste século, urge pluralizar conhecimentos e pensar a escola além da sala de aula, pois é neste espaço que as diferenças e dificuldades se manifestam. O espaço educativo necessita de sujeitos da experiência, que tenham coragem de tomar decisões e vontade de experimentar. É incapaz de experiência “o sujeito que se põe, se opõe, se impõe ou se propõe” (LARROSA, 2004, p. 161) porque a ele nada atravessa, nada acontece, nada lhe toca. Esses sujeitos da experiência precisam estar abertos ao novo, às diferenças, às pluralidades manifestadas na prática docente. Enquanto sujeitos históricos e culturais, educador@s e educand@s, estão em permanente processo de humanização e integração, aprendendo a pensar e a refletir sobre as suas experiências. Dessa reflexão contínua, resulta a vontade de mudança, de leitura crítica da realidade e de percepção emancipatória de sujeito. Enquanto educador@s, é saliente pensar a formação pedagógica como um dilema a ser desnudado a partir da concepção de prática e de teoria que são assumidas frente ao processo pedagógico. Diante disso, urge a necessidade de problematizar no ambiente escolar as relações de gênero e sexualidade, possibilitando um novo olhar para os sujeitos contemporâne@s. Dentre as análises sobre gênero, aquela que relaciona os fatores biológicos ao conceito de gênero remonta aos primeiros estudos quando o assunto são as relações de 306

gênero. Na década de 1960, momento em que desponta a segunda fase do feminismo, uma corrente muito forte considerou o gênero como a distinção entre masculino e feminino, tomando por base os fatos da biologia. Neste cenário, Nicholson (2000) menciona a existência do “fundacionismo biológico”, no qual coexistem corpo, personalidade e comportamento em relações consideradas como acidentais em contraposição ao determinismo biológico, ou seja, que a biologia determina os aspectos da personalidade e do comportamento. O “fundacionismo biológico” se afasta do determinismo por permitir que os dados biológicos coexistam com os aspectos da personalidade. Dessa forma, o fundacionismo biológico tornou-se um obstáculo à verdadeira compreensão das diferenças entre homens e mulheres, generalizando o conceito de identidade sexual e vinculando-a ao que é específico de uma determinada cultura. Contudo, tanto determinismo como fundacionismo ainda relacionam o gênero às questões biológicas, contribuindo para o que é chamado de naturalização dos gêneros, baseados nas concepções biologizantes de ser homem e ser mulher, resultando na construção de papéis dicotomizados. Frente a isso estão as representações de masculino e feminino que, para Carvalho & Tortato (2009), são determinadas socialmente para homens e mulheres, baseadas em uma visão dicotômica e binária, em que aparecem, em contraposição, estereótipos, como racionalidade/sensibilidade, dominação/passividade, cérebro/coração, público/privado. A superação da concepção dualista torna-se essencial para que sejam possíveis outros pensares sobre as relações de gênero, como o faz Giffin (2006) ao problematizar a natureza androcêntrica da ciência salientando a importância de que o “movimento de mulheres [...] almejou um autoconhecimento e uma transformação do lugar das mulheres: uma proposta de saber e poder” (p. 636). A autora afirma ainda a capacidade das mulheres de transformarem a ordem social vigente por meio da nomeação da própria opressão como um ato de poder e de objeção, pois “esse sujeito oprimido tanto dominado como tendo o poder da contestação é um sujeito não-binário por excelência” (idem). Joan Scott (1995) em seu artigo clássico denominado Gênero: uma categoria útil para análise histórica, critica @s historiador@s que se propuseram a contar a história das 307

mulheres, mas não se distanciaram das abordagens tradicionais das ciências sociais, acarretando uma abordagem essencialmente descritiva para o que se considera gênero. Ao apresentar uma abordagem histórica para a necessidade que se tem de buscar sempre um significado para as coisas. Scott traça o seu discurso acerca do conceito de gênero fazendo recortes relevantes sobre o uso inadequado do conceito e o modo como esteve relacionado a traços de caráter ou traços sexuais. Nesse sentido, a autora salienta que a utilização do termo gênero é recente, “como uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos” (p. 72), abandonando a ideia, assim como o faz Linda Nicholson, de que o determinismo biológico é o principal responsável pela distinção entre homens e mulheres, pois, ao debater sobre a condição da mulher, torna-se necessário debater também sobre a condição do homem, uma vez que ambos estão envolvidos em uma noção relacional de gênero. Sendo assim, sexo refere-se aos aspectos biológicos, às diferenças físicas que caracterizam os atributos feminino e masculino, enquanto o gênero se refere aos componentes de ordem social, correspondendo a um conjunto de papeis culturalmente aceitos como masculinos e femininos. Daí que tratar de sexualidade na escola de educação básica, torna-se necessário, pois ainda temos, enquanto professor@s, uma noção de que os 'padrões sociais estabelecidos' são os que devem ser seguidos e mantidos. Contudo, @s alun@s que se apresentam na escola hoje, são sujeitos da diversidade, da diferença, quebrando todos os padrões que até então estavam estabelecidos. Metodologia

Optou-se pela metodologia de pesquisa qualitativa, considerada capaz de conseguir integrar o significado e a intenção como pertencentes às estruturas e relações sociais, sendo que o método qualitativo é aplicado no estudo de crenças, percepções e opiniões de indivíduos acerca de seus afazeres e suas construções sociais. A abordagem qualitativa permite a criação de novos conceitos e categorias ao estudar um grupo particular, além de um entendimento profundo entre as ligações entre os elementos pertencentes ao grupo de estudo. A metodologia qualitativa é caracterizada por uma sistematização do conhecimento que progride até um entendimento lógico do objeto 308

estudado. Dentro desta metodologia existem várias técnicas de analisar os dados, sendo que neste estudo foi escolhida a análise de conteúdo, que para Bardin (2009) é enquanto método um conjunto de técnicas de análise de comunicações, seja ele por meio de falas ou textos, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos na descrição dos conteúdos comunicados. Na pesquisa qualitativa a elaboração de uma pergunta traz consigo uma certa complexidade e exigência de método, tendo por necessidade compreender as realidades visíveis e também as invisíveis que podem se colocar nas “entrelinhas” do texto. Inicialmente, neste estudo, verificou-se que poderiam ser feitas entrevistas semiestruturadas com professor@s do Ensino Fundamental, contendo questões que fizessem com que os entrevistados tivessem liberdade de falar suas opiniões e experiências acerca dos temas de gênero e sexualidade dentro do âmbito escolar. Oito questões foram construídas pel@s pesquisador@s, abordando as relações de gênero e sexualidade com que @s professor@s se deparam na escola, a fim de perceber como os sujeitos entrevistad@s percebiam estas relações. Tomando por base a análise de conteúdo proposta por Bardin (2009), foram coletados os dados obtidos nas entrevistas realizadas com 4 professor@s de escolas públicas, os quais concordaram em participar assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Est@s professor@s ministram aulas nos seguintes componentes curriculares: Educação Física, Matemática, Ciências e História. Após esta etapa, as respostas foram analisadas e organizadas em quatro categorias, sendo elas: aprendizagem; diferenças; a importância de estudar gênero e sexualidade na escola e gênero e sexualidade na escola enquanto possibilidade. Na categoria aprendizagem procurou-se estudar se @s professor@s entrevistad@s percebem alguma diferença de desempenho nas suas matérias por serem meninos ou meninas. Nas diferenças foi pesquisado o que os professor@s observam e opinam sobre diferenças reais e aparentes entre os gêneros. Quando se fala da importância de estudar gênero, foram analisadas as opiniões d@s entrevistad@s sobre estudar este tema na escola, tentando identificar o porquê de suas opiniões. Na última categoria, sexualidade na escola enquanto possibilidade, perguntou-se para @s professor@s se entendiam que o tema poderia ser ensinado na escola e o que fariam para incluir este tema em suas aulas. 309

Análise dos Resultados

Heleieth Saffioti, ao escrever O poder do macho (1987), traz para o campo de debate uma análise sobre o papel da mulher na sociedade e como se constituem as diferenças de gênero e como se dá a construção do machismo no mundo moderno, o qual define os papéis sociais atribuídos às diferentes categorias de sexo. Ou seja, ela toma por base a classe social das mulheres e faz o comparativo com o papel que as mesmas exercem na sociedade. Existem vários tipos de mulheres, as que têm um emprego fixo e ainda assim conciliam com o trabalho doméstico, as que apenas trabalham em casa e quando questionadas sobre seu emprego afirmam ser ‘do lar’ e as que trabalham fora de casa e tem uma domestica para os trabalhos do lar. A todas elas compete a tarefa de cuidar da educação d@s filh@s, socialmente falando existe a naturalização deste processo, ou seja, assim como é natural a mãe conceber uma vida, é natural que se dedique a socialização dest@s filh@s. Mas é preciso tomar cuidado com essas objeções e é de extrema importância compreender como a naturalização destes processos socioculturais de discriminação contra a mulher constitui o caminho mais fácil e curto para legitimar a “superioridade” dos homens. Muitos são os argumentos utilizados para justificar a inferioridade da mulher em relação ao homem, a força física é um exemplo, já que, via de regra, os homens são mais fortes que as mulheres. Quanto à inteligência, a probabilidade de um indivíduo ser mais ou menos inteligente não depende de seu gênero e sim do meio em que ele se desenvolveu. Nesta parte, serão apresentados os principais resultados decorrentes das entrevistas realizadas. Para isso, as respostas foram classificadas em quatro categorias, das quais tratarão sobre as diferenças (ou não) nas aprendizagens e nas organizações, além de falar sobre a importância e a possibilidade de debater este assunto na escola.

Aprendizagem 310

Uma das questões pertinentes que foi explorada é quanto à percepção d@s professor@s acerca das diferenças na aprendizagem dos meninos e das meninas. A professora Camila108 entende que “de um modo geral percebo que há diferença. Eu não diria no nível da aprendizagem, por que nos termos da capacidade de aprendizagem eu não vejo diferença, eu vejo na questão do interesse essa diferença”. A professora Maria compartilha o entendimento de que não há diferenças na questão de aprendizagem, mas coloca que o professor pode afirmar questões preconceituosas “fazendo com que muitas vezes essa diferença entre meninos e meninas aconteça porque nós não queremos fazer diferente.” Professora Carla demonstra que em seu componente curricular as diferenças seriam mais de estímulos do que propriamente de aprendizagem. Os meninos sendo mais estimulados fisicamente, teriam mais facilidade na aula de Educação Física:

Diferença tem em nível de aprendizagem, como minha área é mais educação física, então eu fico focada mais na parte motora, então a diferença assim logicamente os meninos tem muito mais habilidade, muito mais força mas é porque eles provavelmente são mais estimulados também. A qualidade física deles é melhor desenvolvida de uma forma geral, generalizando, claro que tem exceções meninos que não brincam muito tem uma dificuldade a mais na execução das atividades, da interação social e tudo o mais, então depende muito do estímulo sim, mas na parte física os meninos em geral são mais desenvolvidos que as meninas. (Carla)

Porém, segundo ela, as meninas têm mais facilidade para interagir e trabalhar em grupo: “na questão social as meninas são mais avançadas, tanto que não brigam e conseguem trabalhar melhor no coletivo do que os meninos que são mais competitivos e um pouco mais individualistas. A maturação social, emocional das meninas parece muito mais evoluída.” O professor João comenta sobre uma importante questão acerca dos comportamentos entre meninos e meninas em certo espaço.

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Neste estudo, visando manter o anonimato d@s participantes, foram atribuídos nomes fictícios. Assim sendo, a professora de História será chamada de Camila, a de Ciências de Maria, a de Educação Física de Carla e o professor de Matemática de João.

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No quesito aprendizagem não influencia, só alguns trabalhos por exemplo que precisam da participação de todos, que é manual, que precisa tocar, aí as vezes quando tu tens esse grupo misto, o menino tá mexendo e a menina acaba se retraído um pouco mais em participar, aí acaba interferindo também no progresso do grupo. (João)

Algumas situações mostram a dificuldade das meninas colocarem-se a frente do grupo. Sociedades machistas reforçam estes comportamentos de submissão da mulher, e o consenso social estipula o seu lugar neste grupo. Ainda reafirmam questões de incapacidade do sexo feminino em adentrar as atividades ditas masculinas. Conforme Camargo, Zanchetti e Cisco (2015, p.269):

A constituição da sociedade com base no conceito patriarcal, reforça o discurso de que as mulheres não teriam capacidade de realizar atividades até então direcionadas ao gênero masculino. Com isso, tanto nas instituições de ensino quanto no mercado de trabalho, ainda existem pessoas reproduzindo o discurso de que as mulheres encontram mais dificuldade do que os homens para executar tarefas que exijam raciocínio lógico.

Esta reprodução dos conceitos da sociedade patriarcal por parte da escola é uma das maiores barreiras para que ocorra uma revolução na estrutura do grupo dominante. O espaço escolar é o mais importante espaço de transformação social e precisa iniciar as mudanças de atitude.

Diferenças

Conforme Saffioti (1987), nas empresas, nos sindicatos, e nas inúmeras formas de trabalho que existem no Brasil, existe a discriminação da mulher, que poucas vezes aparece diante de classes de ordem dos sindicatos, por exemplo, a elas ainda cabe o serviço doméstico, ou quando se destina a trabalhar em uma empresa, devem ficar satisfeitas com um salário inferior ao do homem. Ainda temos a mulher negra que sofre discriminação em dobro, por ser mulher e pela cor de sua pele. A autora cita também a diferença de como as mulheres são tratadas e de seus papéis nas diferentes classes sociais, e como a mídia valida isso, pois sempre se vê a mulher negra interpretando uma empregada pobre, ou uma moça negra que por ser considerada mais sensual do que a 312

mulher de cor clara, é desejo sexual dos poderosos homens brancos, ou seja, a mulher seja em qualquer circunstância sempre está sob o poder do homem, sempre considerada inferior e incapaz. O patriarcado-racismo-capitalismo é um meio de dominação/exploração que constitui basicamente a sociedade moderna capitalista, mas sabe-se que esse sistema não beneficia ninguém, pois essa consolidação do poder do macho branco e adulto desumaniza ao resto da população, o que prejudica não somente @s marginalizad@s, mas também o próprio homem, que não percebe muitas vezes os malefícios desse comportamento. Os grupos de estudos e trabalhos mistos, com meninos e meninas, em sala de aula são alvo de polêmica quanto a sua eficácia. [...] quando existe meninas e meninos juntos no grupo parece que anda mais, funciona melhor do que um grupo só de meninos, mas quando o grupo é só de meninas funciona, funciona melhor de um modo geral. Claro, eu digo assim, quando eu falo, eu digo na maioria dos casos, não dá para generalizar. (Camila)

Para a professora Carla as diferenças são visíveis no modo de trabalhar e no foco de cada gênero. As meninas têm uma visão mais global, são mais organizadas, elas conseguem se organizar melhor para entender o contexto da situação do problema para assim conseguir resolver, os meninos são muito mais práticos para executar, as meninas querem entender mais o que acontece. (Carla)

Enquanto alguns encontram essa diferença, outros veem com naturalidade e espontaneidade essa união, que proporciona crescimento e construção de conhecimento: Não percebo, até porque não sou eu que escolho os grupos. Eu sempre deixo que eles escolham. Por que eu faço isso? Eu acho que quando a gente deixa que o aluno escolha com quem ele quer trabalhar [...] ele escolhe com quem ele se acerta, com quem ele tem afinidade. E eu vejo que eles acabam fazendo esse grupo misto, e se eles fazem por eles esse grupo misto é porque eles têm afinidade. (Maria)

Esta liberdade possibilita uma dinâmica que gera maior interesse e participação dos alunos, esquecendo as diferenças entre meninos e meninas, evidenciadas em grupos homogêneos. 313

Gênero e sexualidade na escola: a importância Após os debates que o PNE tem propiciado acerca do estudo da identidade de gênero, alguns professores entendem a importância de debater o assunto, mas veem dificuldades para tanto: Não tenho conhecimento aprofundado sobre isso. É importante se trabalhar essa questão, mas a minha dúvida seria de como se faria isso em sala de aula, porque eu acredito que muitos professores também não estão preparados para trabalhar com isso, porque assim, eu tenho muitos colegas que tem preconceito nesse sentido. (Camila)

Outra questão pertinente é a desconsideração das opiniões da parte interessada, os alunos, que em momento algum foram ouvidos, tampouco fizeram parte dos debates: Eu não ouvi eles (os alunos) dizerem que não querem essa discussão dentro da sala de aula, né? Eles que tinham que dizer, não os pais deles. Eles tinham que dizer, “‘paiê’, [...] não, mas a profe falou sobre isso. A profe não tá ensinando ninguém lá, um menino a ser menina ou meninas a ser meninos, ela está nos ensinando a nos respeitar”. Eles querem ouvir, eles querem conversar sobre isso, eles querem perguntar, eles querem. Eles adoram, eles sentem curiosidade e além das curiosidades eles ainda se sensibilizam. (Maria)

Para a professora Carla a questão deve ser debatida para que se desmistifiquem algumas construções sociais que estão interiorizadas: Acho que tem que avaliar o porquê que isso te faz assim, por que que te provoca essa reação, qual o problema, o que que te choca né? Então um exemplo que eu sempre gosto de usar, então choca mais um homem beijando outro homem do que um homem matando outro homem? Quem que fez o que errado? “Ah, o homem que mata”, mas por que não choca? Por que que é normal violência? Porque é cotidiano, por que é uma coisa que tu visualiza mais e que caba a ser normal, então a partir do momento que começar a ser mais normal, isso aqui não vai chocar tanto.

As reflexões acerca destas temáticas sociais enriquecem e transformam o fazer pedagógico, proporcionando significado e conexão com a realidade. Adentrar o debate

314

durante as aulas pode modificar as linhas de pensamento e os conceitos que @s estudantes carregam através da sua construção cultural e social.

Gênero e sexualidade na escola: a possibilidade

Atributos como cor e sexo são racionalmente utilizados para a intensificação da dominação-exploração, ao modelo do dominador macho, branco, adulto e rico deve-se acrescentar a característica heterossexual, que não admite a homossexualidade, pois esta está fora dos padrões. A mulher, o índio, o negro, o mulato, o homossexual, o bissexual constituem contingentes que, por definição, não poderiam aspirar às posições de mando, conforme os ditos patriarcais. Debater na escola as questões de gênero e sexualidade é uma possibilidade de construir um ambiente de respeito e consciência que pode transformar as relações da sociedade. @s professor@s divergem quanto ao conceito de possibilidades de trabalhar este assunto dentro de qualquer disciplina. A primeira professora percebe a importância deste trabalho, mas tem dificuldades em visualizar a aplicação prática desta proposta:

Acho que muitos professores não estão preparados para trabalhar, não sei se eu mesma estaria preparada, pois não sei como é que isso seria trabalhado, se seria trabalhado em todas as disciplinas, em que momento. Porque, por mais que a gente saiba da importância de trabalhar estas questões de mundo, eu acho difícil um professor de matemática, digamos parar, para trabalhar uma questão assim. (Camila)

Já a professora Maria entende que: Eles (os alunos) querem se tornar seres humanos melhores, eles querem aceitar as diferenças e é o nosso papel oferecer pra eles essa oportunidade deles falarem. A possibilidade da ciência, ou de qualquer outra disciplina que se disponha, da história, geografia, língua portuguesa, matemática discutir esses assuntos está inserido, por que a aula não é copiar do quadro.

É claro que esta visão ampla deste processo dialógico que proporciona a construção de conhecimento vem de uma formação específica da pesquisada: “Vocês 315

estão falando com uma profe que pesquisou sobre isso, então para mim as coisas são mais fáceis, talvez para os meus colegas nem tanto”.

Considerações Finais

No momento em que o homem entender que também ele é prejudicado pelas discriminações praticadas contra as mulheres, a supremacia masculina estará ameaçada. O papel da educação nesse processo de destruição do modelo de dominação é bastante influente. O conteúdo ensinado em sala, a história oficial, difere muito das vivências tanto de alun@s quanto de professor@s, vivências estas chamadas de história real. Estes conteúdos por sua vez eram transmitidos por métodos autoritários, que impediam a discussão, pois quanto mais ignorantes em relação a história real se formassem @s estudantes, melhor para o regime ditatorial. Seres treinados somente para obedecer às ordens superiores, não sabem tomar decisões e temem situações que exijam capacidade de deliberação. Contudo apenas as pessoas capazes de discutir e decidir estão apt@s a mudar algo, é por isso que professor@s e alun@s devem construir juntos as aulas, discutindo vivências e apresentando situações, já que tanto os mestres quanto os estudantes pertencem a distintas classes sociais.

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HOMENS USANDO SAIA: A MODA-MILITÂNCIA QUESTIONANDO PAPÉIS DE GÊNERO NUMA SOCIEDADE SEXISTA E PATRIARCAL

Robson Guedes da Silva109 - UFPE

RESUMO

O intuito desse trabalho é evidenciar o uso de saia por homens como uma modamilitância, tendo por objetivo questionar os papéis de gênero contidos nesta sociedade sexista e patriarcal. O mesmo também problematiza os sujeitos tidos como afeminados que assumem em seus corpos a subalternidade e militam com o corpo, tornando-o um texto que milita e educa. O trabalho se utiliza de entrevistas realizadas com estudantes universitários que usam saia, a fim de perceber as concepções e desafios que os mesmos possuem e encontram ao usá-la, o mesmo também se utiliza de oficinas pedagógicas realizadas com alunos de uma escola estadual da cidade do Recife-PE, partindo do compartilhamento do resultado das entrevistas com os universitários que usam saia, perceber as concepções dos alunos sobre as expressões de gênero e a importância de uma educação emancipatória que descontrua estereótipos e preconceitos que são encontrados diariamente na sociedade e reproduzidos na escola.

Palavras-chave: escola; práticas pedagógicas; emancipação; expressões de gênero.

INTRODUÇÃO

Entender que historicamente várias culturas tinham vestes e costumes típicos de suas determinadas regiões nos levam a refletir e problematizar como nos vestimos e nos comportamos na atualidade. Todavia, quando nos orientamos da premissa de que as questões de gênero interferem de forma latente no modo como nos vestimos e nos comportamos, é no lócus de uma sociedade patriarcal e sexista que vemos esses controles se mostrarem de forma mais veemente.

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Graduando em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco-Campus Recife. E-mail: [email protected]

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Não obstante, os corpos que se propõem a quebrar esses paradigmas impostos, acabam a partir disso, tendo em si uma postura política e emancipatória, que questiona a construção desses conceitos e desses modos de se vestirem, podendo assim denominar de uma moda-militância; observa-se, então, que vários homens cisgênero se emancipam nesta sociedade patriarcal, e trazem para suas vestes o uso da saia, problematizando e descontruindo nos discursos uma antiga afirmação estereotipada e completa de preconceitos mil: “isso é roupa para mulher e não para homem”. É preciso também refletir sobre a hermenêutica dos corpos, sobre a percepção das subalternidades nos mesmos, e mais que isso: os fatores pelos quais a perfomatividade se faz presente. O presente trabalho objetiva em fazer uma reflexão e problematização de homens usando saias, trazendo suas realidades de militância para o espaço escolar tido e evidenciado como excludente, preconceituoso e normativo. É sabido, porém, que as afirmações sexistas são ensinadas no dia a dia familiar, social e legitimadas na educação escolar, tendo assim a escola o papel de também repensar os papéis de gênero reproduzidos nela, para a partir disso, realmente formar alunos críticos e emancipados de preconceitos e de estereótipos construídos e introjetados nesta sociedade sexistapatriarcal. É importante também, problematizar as concepções de corpo, como afirma Louro (2000, p. 10;11):

Os corpos ganham sentindo socialmente. A inscrição de gêneros- feminino e masculino- nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura. [...] Os corpos são significados pela cultura e, continuamente, por ela alterados.

Num contexto cultural, em que o patriarcado e o sexismo imprimem nos corpos um padrão hegemônico de modos de se vestir e de moralidade, se percebe diante disso corpos que se constituem de formas não padronizadas, e partindo desse pressuposto, esses corpos denominaremos como corpos perfomativizados a partir do que Butler (2000) chama de “perfomatividade queer”. E ao refletirmos isso, podemos relacionar aos corpos considerados subalternos, que são os afeminados e femininos, excluídos e categorizados 320

a objetificação. Trazendo essas questões para o espaço escolar, e novamente reiterando a escola como lugar de reprodução social, podemos evidenciar a importância de relacionar as questões de gênero neste referido espaço com as vivências da moda-militância, problematizando os corpos subalternos como instrumentos de emancipação. Como objetivos deste estudo nos propomos através de oficinas pedagógicas, realizadas com alunos de uma escola estadual da cidade do Recife-PE, relacionar as vivências e desafios de estudantes universitários que usam saia como moda-militância, a fim de questionar os papéis de gênero impostos nesta sociedade sexista patriarcal, além de dialogar com autores sobre a “perfomatividade queer”, a força dos discursos na legitimação de preconceitos dentro e fora do ambiente escolar, além de perceber o corpo como texto emancipador.

DESCONSTRUIR PAPÉIS DE GÊNERO: UMA QUESTÃO DE EDUCAÇÃO

A escola, em seu cotidiano, tenta transformar as diferenças em equivalência, impõe um padrão, categoriza, e, não obstante, exclui. Porém, essa dita exclusão não é veiculada de forma explícita, a instituição escolar possui uma postura de convite, mas precisamos problematizar: que tipo de convite a escola faz aos corpos por ela não aceitos? Ela convida tais corpos ditos subalternos a se retirarem de seus espaços. E, partindo desse pressuposto, neste aspecto do estudo, queremos discutir a forma excludente das escolas com os corpos masculinos que possuem expressões de gênero femininos, corpos comumente chamados de afeminados, dentro do espaço escolar historicamente, como afirma Silva (2005, p: 92):

Os estereótipos de gênero estavam não apenas amplamente disseminados, mas eram parte integrante da formação que se dava nas próprias instituições educacionais. O currículo educacional refletia e reproduzia os estereótipos da sociedade mais ampla [...]. De forma similar, os estereótipos e os preconceitos de gênero eram internalizados pelos próprios professores que inconscientemente esperavam coisas diferentes de meninos e meninas.

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Observar que historicamente esses estereótipos foram de forma latente introjetados no dia-a-dia escolar, nos faz refletir sobre quantos convites a escola já direcionou a tais corpos. Precisando assim refletir sobre a importância de problematizar o currículo das unidades de ensino, visto que “o currículo é, entre outras coisas, um artefato de gênero: um artefato que, ao mesmo tempo, corporifica e produz relações de gênero” (SILVA, 2005, p. 97). É importe evidenciar que o currículo pode ser visto como um importante instrumento nas desconstruções dos preconceitos e estereótipos ou até mesmo na legitimação dos mesmos, pensar uma práxis escolar com um modelo emancipador é também pensar um modelo novo de currículo, visto que é notório e sabido que a escola, como aparelho ideológico do estado, reproduz as opressões contidas dentro dele no meio social. Perceber o currículo oculto emancipador, possibilita uma nova práxis pedagógica, não obstante, tais práticas curriculares de desconstruções de estereótipos de gênero permitem aos corpos que pela escola historicamente não são aceitos, a se empoderarem neste mesmo espaço através de uma educação que corrobore, para perceber a importância da emancipação através do corpo como um texto que milita e constantemente descontrói.

EDUCANDO PARA EMANCIPAR

A educação emancipatória permite a aquele que por ela passa, o desprender-se de estereótipos e perceber o quanto a sociedade dita e constrói preconceitos, os discursos que sucedem no cotidiano das relações de poder legitimam, e de certa forma, determinam o que deve ser considerado como comum e dito aceitável ou não, e podemos afirmar a partir disso que até o modo como nos vestimos é determinado pela forma e força dos discursos. Como afirma Foucault (2014, p. 110) “o discurso veicula e produz poder; reforça-o, mas também o mina, expõe, debilita e permite barrá-lo”. Podemos afirmar que o mesmo discurso que produz preconceito poderá ser o mesmo que o desconstrói. Vemos que, diariamente no ambiente escolar, os discursos

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ditos pedagógicos carregam etnocentrismos e variados preconceitos. É a partir disso que podemos questionar o papel emancipador que da escola perdeu em sua essência. Trazendo para as questões de gênero, a escola produz várias dicotomias, e tais dicotomias legitimam preconceitos. Trazer a moda militância para a realidade da escola, onde de forma mais latente esses preconceitos se legitimam com coisa simples, como o ato de se vestir, corrobora para um profundo diálogo e problematização para as questões de gênero no que concerne o se vestir e a educação como instrumento de emancipação. Todavia, é preciso analisar o que compreendemos como emancipação, evidenciar sua importância e necessidade no cotidiano escolar. Vários espaços sociais, inclusive a escola, são subsidiados de normas e regras de controle aos sujeitos e aos diversos aspectos que os mesmos compõem, e nesses espaços, corpos que não condizem com o que é e está prescrito nestes referidos como normal, ou homogêneo, são tratados de forma excludente. Sobre os corpos e as regras

[...] Butler destaca que as normas são as que materializam o sexo e que esse processo de materialização se faz possível pela reiteração, repetição obrigada das normas. Isso mostraria que a materialização do sexo, do corpo não implica determinismo – tampouco, de início voluntarismo –, porque não é de nenhum modo e nunca completa, já que se exige persistir nesse processo repetitivo de materialização. O corpo materializado não se ajusta de todo às normas [...]. (DÍAZ, 2013, p. 43).

Perceber corpos perfomativizados, compostos de um currículo novo, subalterno e não prescrito em regras, diretrizes e muito menos na normatividade imposta desta sociedade patriarcal, evidencia que os corpos que se concatenam neste sentido, são convidados pela escola a se retirarem do espaço da mesma, assim como também a sociedade faz com os corpos que militam e lutam para existir, corpos queer. Dando ênfase a realidade escolar, Louro (1997, p. 5) afirma que “diferenças, distinções, desigualdades ... A escola entende disso. Na verdade a escola produz isso”. Não obstante a emancipação, neste espaço deveria tender a ser latente e da mesma forma ser inerente às concepções de saber-fazer deste espaço escolar.

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Não obstante, a partir das reflexões e problematizações já postas, é preciso significar o caráter de emancipação que assumimos e nos referimos ao decorrer deste estudo, que é a concepção de emancipação como desconstrução, crítica as normas e ao modelos ditos e impostos. Como afirma Díaz (2013, p. 460) “a crítica às normas é uma ação que supõe colocar em risco o próprio eu: na crítica às normas criticamos, inevitavelmente, dimensões de nosso próprio eu!”. Compreendemos que é a partir dessas críticas às nossas dimensões e descontruindo as marcas do patriarcado, do sexismo e das normatividades contidas nelas, chegamos ao que se concerne como emancipação.

CORPOS SULBALTERNOS: TEXTOS QUE MILITAM E EDUCAM

É sabido que o patriarcado sempre agiu de forma excludente com qualquer corpo que não condissesse com sua exigida masculinidade hegemônica, desde os corpos femininos até aos afeminados, sempre foram excluídos e subalternizados ao longo da nossa história. Corpos sem vez e sem voz. Sobre isso, Spivak (2010, p. 66;67) afirma que:

a construção ideológica de gênero mantém a dominação masculina. Se no contexto da produção colonial, o sujeito subalterno não tem história e não pode falar, o sujeito subalterno feminino está ainda mais profundamente na obscuridade.

Partindo desse pressuposto, reconhecer esses corpos silenciados como corpos militantes, traz a indagação sobre como os mesmos percorrem esse caminho de militância sem voz ao longo da história. É preciso primeiro, perceber esses corpos como textos, e mais que isso, dar notoriedade ao que compõe esse sistema de construção social constituinte de cada um deles. Preciado (2015, p. 26) fala que:

O sistema sexo/gênero é um sistema de escritura. O corpo é um texto socialmente construído, um arquivo orgânico da história da humanidade como história da produção-reprodução sexual, na qual certos códigos se naturalizam, outros ficam elípticos e outros são sistematicamente eliminados e riscados.

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A visão de corpos como textos sociais nos permite tomar novamente a discussão de Butler sobre o que ela chama de “perfomatividade queer”, ou seja, a força política que esses sujeitos assumem em seus corpos não precisando necessariamente da voz e do discurso para veicular suas posturas emancipatórias. Preciado (2015, p. 28) fala também que:

Dessa maneira, por exemplo, sapatona passa de um insulto pronunciado pelos sujeitos heterossexuais para marcar as lésbicas como “abjetas”, para se transformar posteriormente, em uma autodenominação contestadora e produtiva de um grupo de “corpos abjetos” que, pela primeira vez, tomam a palavra e a reclamam sua própria identidade. (grifos do autor).

É nesse sentindo que se evidencia tal força política, a de trazer para o corpo a subalternidade que emancipa. Não obstante, os corpos que se atrevem a usar saias num contexto de sociedade que padroniza e categoriza os modos de vestir, são, antes de tudo, agentes desta mesma ação emancipatória, não com um viés de padronizar novamente e tornar natural o ato de um homem cisgênero usar saia, mas sim subalternizar tal, tornando problemático, performático e político, o uso da saia nesses corpos.

METODOLOGIA

Esta pesquisa qualitativa, teórico-empírica, nutriu-se de entrevistas estruturadas com três universitários que usam saias como forma de militância e uma oficina pedagógica realizada com dez alunos do ensino médio, de uma escola pública estadual da cidade do Recife-PE. Como afirma Rena (2014, p. 49;50) nos propomos na metodologia das oficinas pedagógicas:

articular técnica/estratégias com a postura pedagógica crítico-transformadora, que viabilizaria a “dinâmica do grupo”, oferecendo as condições para construção de uma consciência de grupo. Esse sentimento de pertença a um grupo é necessário ao enfrentamento do desafio que significa rever valores, atitudes e normas da cultura, até então aceitos e introjetados. (grifos do autor).

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A partir dos resultados das entrevistas com os universitários militantes, discutimos os desafios que eles encontraram ao usar a saia no seu cotidiano, bem como as concepções de militância em relação ao uso da mesma. Não obstante, com oficinas pedagógicas, analisamos as concepções dos alunos quanto aos papéis de gênero construídos e introjetados neles, a partir de uma educação familiar historicamente sexista-patriarcal. Desta ótica, foram discutidas as construções históricas e sociais dos preconceitos e dos papéis de gênero, como por exemplo, as questões da masculinidade e da virilidade, bem como o modo como se vestiram os homens ao longo da história. Salientando a importância da desconstrução dos preconceitos e a importância de uma educação emancipatória.

MODA MILITÂNCIA PARA QUESTIONAR PADRÕES

Observando a necessidade de discutir a moda-militância neste estudo, foram entrevistados três estudantes universitários, a fim de saber suas concepções sobre o uso da saia por eles, como da mesma forma os desafios que eles encontraram ao usar a saia no cotidiano. Primeiro, foi perguntado o motivo pelo qual usam saia, os três entrevistados responderam da seguinte forma:

Primeiro porque é uma delícia para andar de skate, mas sempre me senti bem usando algumas roupas de minha mãe e de minha avó por questão de gosto simplesmente, até entender que fazendo isso eu não estava apenas contemplando minhas vontades próprias, mas também estava questionando padrões (históricos, sociais, culturais) que me proibiam de sentir-me à vontade através de estereótipos de "masculino e feminino". E, a partir de então, peguei mais gosto ainda, pois essa experiência de liberdade com uma simples peça de roupa, me possibilitou romper diariamente com tais estigmas machistas e intolerantes que a sociedade se utiliza de forma a reproduzir a manutenção da ordem, de um sistema patriarcal que mata gente todo dia. (ENTREVISTADO 1). Para a instigar a sociedade em geral, a questionar e refletir sobre os padrões de gênero e o sexismo imposto pela coerção e formação moral que sofremos. (ENTREVISTADO 2). Por acreditar que é apenas mais uma peça de roupa. Porque não, tê-la em meu armário? Porque não usaria? (ENTREVISTADO 3).

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É percebido, partindo das respostas dos entrevistados, o significado que a saia assume no cotidiano social desses corpos. É preciso da mesma forma, salientar o caráter performativo que já é assumido pelos mesmos ao trazer para o corpo o ato militante de questionar padrões e papéis de gênero que também cotidianamente são impostos e introjetados neste patriarcado em que se encontra, e sempre se encontrou historicamente nossa sociedade ocidental. Evidenciar, dentro de uma sociedade heteronormativa que categoriza, impõe e regula as formas do desejo, bem como as expressões de gênero e tudo mais que afastar-se do que sempre foi dito por ela como normal e aceito, nos faz saber as variadas formas de preconceitos que essa normatividade traz aos corpos que saem desta regulação histórica do que é ser macho e das roupas que esse “macho” deve ou não usar. Neste sentindo, Butler (2000, p. 44) afirma que:

A heterossexualização do desejo requer e institui a produção de oposições discriminadas e assimétricas entre “feminino” e “masculino”, em que estes são compreendidos como atributos expressivos de “macho” e de “fêmea”. A matriz cultural por meio da qual a identidade de gênero não decorre do sexo e aqueles em que as práticas do desejo não “decorrem” nem do “sexo” nem do “gênero”. (grifos do autor).

Chegamos então, numa parte importante deste estudo, partindo do que Butler (2000) afirma sobre como a identidade e expressões de gênero não decorrem do sexo biológico. É preciso entender deste modo, a diferença entre sexo biológico e gênero para só assim perceber que as expressões de gênero não decorrem de uma normatividade que nos foi imposta ao longo dos tempos. Sobre isso, Jesus (2012, p. 6) diz que:

Sexo é biológico, gênero é social. E o gênero vai além do sexo: O que importa, na definição do que é ser homem ou mulher, não são os cromossomos ou a conformação genital, mas a auto-percepção e a forma como a pessoa se expressa socialmente.

Partindo desse pressuposto, os homens que usam saia no simples ato de vesti-la trazem uma pertinente problematização à sociedade sexista que sempre relacionaram questões de gênero aos sexos biológicos, corroboram para a percepção de que as 327

expressões de gênero vão além de suas orientações sexuais e identidades de gênero, e mais que isso: militam por uma necessária morte ao que é normativo, imposto e patriarcal. Todos esses pontos como gênero, identidade de gênero, sexo biológico e expressões de gênero permutam um grande dispositivo de relações de poder que se chama sexualidade, e com isso podemos concordar com Foucault (2014, p. 115) quando afirma que a sexualidade é um:

[...] dispositivo histórico: não a uma realidade subterrânea que se apreende com dificuldades, mas a grande rede de superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação do discurso, a formação do conhecimento, o reforço dos controles e das resistências encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias do saber e dos poderes.

Os discursos, a intensificação dos prazeres, o modo de se vestir, tudo perpassa a sexualidade em suas grandes relações, bem como também é sabido que a sociedade sempre tentou controlar os corpos que como algo sempre e tão somente a reprodução e sua heteronormatividade. Partindo da premissa desse controle dos corpos que sempre ocorreu ao longo de vários séculos, perguntamos aos entrevistados se já sofreram algum tipo de discriminação e preconceitos por estarem usando saia, os três estudantes universitários responderam da seguinte forma:

Sim, o estranhamento começou dentro de casa, com o próprio medo de minha mãe, por exemplo, não querer que eu saísse de casa preocupada com o que poderiam fazer comigo na rua; também pelos olhares inferiorizantes em filas de banco, e às vezes, até com as “piadinhas” homofóbicas e “receosas” de colegas próximos. (ENTREVISTADO 1). Sofri em vários episódios de preconceito, sofro ainda e sofrerei muito mais, mas não me importo; se a gente não botar a cara no sol vão nos engolir! (ENTREVISTADO 2). Sim. Sempre escuto comentários, recebo olhares de reprovação. Nunca fui agredido fisicamente pelo ato. (ENTREVISTADO 3).

Os desafios dos corpos subalternos que performatizam o “queer” em seu cotidiano, trazem à tona de forma latente, as variadas dicotomias contidas e veiculadas 328

em nossa sociedade, como também as consequências delas como, por exemplo, o preconceito. Fomos ensinados a sermos dicotômicos por natureza, um elemento superior a outro, claro que essa “natureza” também é fruto de uma construção social, e como pode haver toda uma construção, também pode haver uma precisa e necessária desconstrução. Sobre isso Louro (1997, p. 31) afirma que:

A dicotomia marca, também, a superioridade do primeiro elemento. Aprendemos a pensar e nos pensar dentro dessa lógica e abandona-la não pode ser tarefa simples. A proposição de desconstrução das dicotomias − problematizando a constituição de cada polo, demonstrando que cada um na verdade supõe e contém o outro, evidenciando que cada polo não é uno, mas plural, mostrando que cada polo é, internamente, fraturado e dividido − pode-se constituir numa estratégia subversiva e fértil para o pensamento.

Romper com as dicotomias é um desafio trazido ao corpo por aqueles que, fugindo do binarismo heteronormativo que foi atribuído às expressões de gênero, usa saia e denota que a militância dos corpos também é de suma importância para a desconstrução dos preconceitos desta sociedade sexista patriarcal. Vale salientar que o intuito daqueles que usam saia não é de normatizar o uso da mesma, mas de subalternizá-la e torná-la uma militância constante só o ato de vesti-la. Ao desconstruir a polarização dos gêneros, em que o “macho” deve usar e abusar de sua masculinidade, não podendo conter nele nenhum traço e jeito feminino, nem a saia; corrobora para uma nova compreensão de emancipação, na qual a mesma assume um aspecto muito pertinente no que se concerne a respeito às diferenças.

ESCOLA: LUGAR DE DESCONSTRUIR PAPÉIS?

É de suma pertinência trazer para o espaço escolar as problematizações sobre questões de gênero, visto que diariamente as relações de poder dentro deste espaço se norteiam pelas mesmas. Desta ótica, trazemos a uma escola estadual da cidade do RecifePE, os resultados das entrevistas feitas com os três jovens universitários sobre o uso da saia como uma moda-militância. É fato que temos uma educação que pouco prioriza 329

trabalhar as pluralidades no que se concerne a educação sexual, tema considerado transversal pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), e tendo em vista que problematizar as questões de gênero é uma das temáticas neste processo de educação, perguntamos aos dez alunos participantes da oficina denominada “Desconstruir pra se construir”, sobre o que eles entendiam a cera de expressões de gênero, as respostas mais similares foram as seguintes: Acho que é quando as pessoas se comportam com maneiras femininas ou masculinas, homem e mulher. (Reposta de cinco alunos). Gênero é quando a pessoas nascem homem ou mulher, ou vice versa. (Reposta de três alunos) Quando tem jeito de expressar como mulher ou homem, de acordo com o seu sexo. (Reposta de dois alunos)

Da mesma forma, após mostrar aos alunos fotos de homens usando saia, e explicando que os mesmos utilizavam de forma militante, foi perguntado se usariam saia para também questionar papéis de gênero, as resposta similares foram as seguintes:

Não usaria por medo, as pessoas iriam zombar de mim, sofreria preconceito. (Reposta de cinco alunos). Usaria sim, só teria que ignorar as piadas preconceituosas. (Reposta de dois alunos).

Podemos, a partir das respostas dos alunos, evidenciar o quanto a escola ainda legitima estereótipos e preconceitos, como também a mesma não trabalha uma educação que emancipe os que dela usufruem. Durante a oficina, foi perceptível nos alunos a necessidade de desconstrução, como por exemplo, a necessidade de levá-los a desconstruir a lógica de que sexo biológico e gênero estavam estreitamente relacionados, bem como desmitificar que as expressões de gênero não estão relacionadas intrinsicamente com as orientações sexuais. Desmitificar essas lógicas contidas na sociedade e reproduzidas nas unidades de ensino colabora para uma extraordinária efetivação de uma educação emancipatória. Não obstante, é pertinente também,

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evidenciar a concepção de desconstrução que assumimos nesta pesquisa. Louro (1997, p. 32) fala que:

A desconstrução trabalha contra essa lógica, faz perceber que essa oposição é construída e não inerente e fixa. A desconstrução sugere que se busquem os processos e as condições que estabeleceram os termos da polaridade. Supõe que se historicize a polaridade e a hierarquia nela implícita.

A escola pode assumir em seu currículo, práticas emancipatórias que possibilitem aos estudantes o senso crítico de problematizar as drásticas ações preconceituosas dessa sociedade sexista e patriarcal, que diariamente exclui e inferioriza corpos que assumem diariamente a práxis de existir e resistir, não com intuito de serem aceitos e normatizados, mas de subalternizar uma sociedade que silencia os subalternos. A moda-militância traz, aos estudantes, uma pertinente reflexão de como as questões de gênero interferem no modo como eles se vestem, ou até mesmo o binarismo desnecessário que as roupas são obrigadas a ter. Não distante disso, os corpos perfomativizados dentro do espaço escolar, subalternizam e questionam os demais sobre o que nos é diariamente imposto, categorizado e obrigatório e como já sabemos a escola convida esses corpos a dela se retirar. Como afirma Louro (1997, p 58) “a escola delimita espaços. Servindo-se de símbolos e códigos, ela afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui. Informa o “lugar” dos pequenos e grandes, dos meninos e meninas”. É preciso, partindo desse pressuposto, repensar o modelo de educação que a escola diariamente reproduz, e podermos mais uma vez, a partir disso, evidenciar a importância de uma educação emancipatória, ou seja, que desconstrua os estereótipos e preconceitos contidos e reproduzidos nesta sociedade sexista e patriarcal. Também se faz necessário ressalvar que os corpos que na escola estão, precisam também, passar pelo processo de desconstrução e assumir a postura de um corpo emancipado, fazendo com que seja um texto que milita e educa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 331

Entende-se a tamanha importância de se problematizar os papéis de gênero tanto de forma militante nos espaços sociais, quanto de forma pedagógica no cotidiano escolar. Além de saber o importante papel da escola nas desconstruções desta sociedade patriarcal, como também, o modo como a mesma reproduz os variados preconceitos contidos na sociedade dentro de seus muros. Também se evidenciou os desafios encontrados pelos jovens que usam saia de forma militante, em que um simples tecido lhe categoriza a ser sujeito passivo de preconceitos e até de violências, sejam elas simbólicas ou não. Não obstante, os corpos ditos e tidos como subalternos por terem expressões de gênero que não estão de acordo como o binarismo imposto nesta sociedade patriarcal, podem, através de uma educação emancipatória, assumir em si, nos mesmos corpos excluídos, a militância, que em sua práxis descontrói uma hegemonia e problematiza a inutilidade da prática contínua de categorização, padronização e concepções preconceituosas de estereótipos. Por fim, perceber que os corpos perfomativizados que de forma emancipatória usam saia, assumem em seus corpos, textos que problematizam uma normatividade imposta e hegemônica, e corroboram para uma desconstrução de concepções estereotipadas e efetivação de uma sociedade subalternizada.

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EDUCAÇÃO E SEXUALIDADE NA ESCOLA João Henriques de Sousa Júnior110

Resumo: A sexualidade é algo inerente ao ser humano e se desenvolve desde os seus primórdios. Ao atingir a adolescência, um dos períodos mais intensos da vida, o jovem busca a todo o momento, a satisfação pessoal e caso não tenha recebido uma correta orientação pode se tornar vulnerável a diversas problemáticas. Dessa forma, este trabalho tem como objetivo identificar a relação existente entre a educação e a sexualidade no ambiente escolar como favorecimento na formação do jovem. Para tanto, foi realizada uma revisão sistemática de literatura integrativa. Os resultados foram apresentados em duas etapas: a importância que a família tem ao debater o tema da sexualidade em casa, e a importância da escola em estar preparada a atender a esses jovens. Por fim, a revisão integrativa permitiu identificar evidências científicas da importância do debate acerca da sexualidade, para uma melhoria na conscientização dos jovens.

Palavras-chave: Sexualidade, Educação, Família, Escola.

Introdução

A educação da sexualidade faz parte da educação global do ser humano e, como tal, deve ser tratada com o mesmo cuidado que qualquer aspecto da educação da nossa juventude nos deve parecer (CUNHA, 2000). Nesta mesma linha de raciocínio, Santos (2005) aborda que a escola precisa ser o espaço em que a criança e o jovem compreendam a sua sexualidade como um todo e não como uma atividade à parte de seu cotidiano. No tocante à realidade escolar, é sabido que a escola precisa ser o espaço em que a criança e o jovem compreendam a sua sexualidade de forma holística e não como uma atividade a parte de seu cotidiano. Santos (2005) afirma que é necessário educar e não

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UPE. Especialista em Ensino de Biologia. [email protected]

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apenas informar os alunos quanto a questões de sexualidade. Educar, porque, segundo o autor, é mais complexo que ensinar, pois trata-se de um processo contínuo e rotineiro. O mesmo autor ainda ressalta o fato de que os adolescentes têm acesso a muitas informações e, de fato, sabem de diversas coisas, mas, em contrapartida, aparentam não demonstrar ter propriedade sobre o que fazer com tantas informações. Suplicy et. al. (1999) consideram importante ressaltar o valor de uma prática educacional que esteja inserida no contexto sociocultural, psicológico, afetivo e religioso, visando compreender as diferenças de cada indivíduo em seus valores familiares. Ainda segundo os autores, a educação sexual é um processo formal e informal, sistematizado que se propõe a preencher lacunas de informação, erradicar tabus, preconceitos e abrir a discussão sobre as emoções e valores que impedem o uso dos conhecimentos, onde cabe também propiciar uma visão mais ampla, profunda e diversificada acerca da sexualidade. A importância da escola no contexto da educação sexual pode ser compreendida a partir das diversas pesquisas recentes que apontam o início da vida sexual ativa em idades cada vez mais cedo, coincidindo justamente com o período escolar. Muller (2009) afirma que, segundo pesquisas do Ministério da Saúde, os jovens brasileiros do sexo masculino costumam se iniciar sexualmente por volta dos quinze ou dezesseis anos, enquanto que as garotas brasileiras têm a sua primeira relação sexual aos dezesseis ou dezessete anos. Assim sendo, conforme todo o exposto, o presente trabalho busca compreender e evidenciar, através de diversas literaturas já existentes na academia, a importância da promoção e do debate da relação entre a educação e a sexualidade no ambiente escolar, ressaltando também a importância da parceria entre família e escola para a real eficácia da mesma.

Discussão Teórica

A temática da educação sexual ainda é um dos temas que mais repercutem e polemizam, mesmo com o passar dos anos e o avanço científico da sociedade. Por este

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motivo, nesta seção serão apresentadas algumas das principais contribuições de pesquisadores acerca do tema em questão. Quero, Silva e Braga (2011), afirmam que ao longo dos anos a temática da educação sexual vem ganhando um espaço maior no que diz respeito à formação dos indivíduos, em especial às crianças, pois vários pesquisadores, pedagogos e pessoas ligadas à educação, de forma geral, tem se interessado por tal, já que comprovadamente existe uma ligação direta entre sexualidade e desenvolvimento equilibrado do individuo. Dessa forma, em se tratando do ambiente escolar, Camargo e Ribeiro (1999) pontuam que a escola brasileira hoje, ainda apresenta e gera algumas polêmicas com relação à educação sexual da criança e do adolescente. As autoras enfatizam o fato de que, para muitos, as questões sexuais levantas na escola não são algo sadio por supostamente tenderem a estimular precocemente a sexualidade da criança. Por outro lado, elas apontam que existem outros que consideram ser este conhecimento extremamente significativo para proporcionar aos jovens o entendimento sobre a vida sexual. Elas também levantam o ponto de que já existem, em outras literaturas, estudos que afirmam que este trabalho de conscientização na escola, ou mesmo em casa, não estimula nem antecipa a idade do primeiro contato sexual.

A educação sexual nas escolas tem como objetivo fundamental, contribuir para que os alunos e alunas possam viver suas sexualidades de forma mais emancipatória, mais prazerosa, mais afetiva. Esse tema vincula-se ao exercício da cidadania na medida em que se propõe a trabalhar o respeito por si e pelo outro, ao mesmo tempo busca garantir direitos básicos a todos, como a saúde, a informação e o conhecimento, elementos fundamentais para a formação de cidadãos responsáveis e conscientes de suas capacidades, de seus direitos, de seus deveres. (AQUINO & MARTELLI, 2012, p.10).

Corroborando com o pensamento de Aquino e Martelli, os autores Camargo e Ribeiro (1999) constatam que é possível perceber que toda a problemática ainda gerada pela sociedade sobre a educação sexual deveria ser superada, dando à família e à escola espaço para um debate consciente sobre o assunto, uma vez que há a ausência de 336

informação em nossa sociedade, onde a sexualidade é apresentada na TV e em diversos outros lugares de uma maneira um pouco deturpada. Segundo Biancon (2011), verifica-se que a sexualidade humana figura como um dos temas mais inquietantes e, quase sempre, mais evitados na sociedade em geral e principalmente no âmbito da comunidade escolar. Entretanto, a escola é a cada momento convocada a enfrentar as transformações sociais e o impacto dessas mudanças sobre os padrões de comportamento humano, no que tange à sexualidade. É primordial que sejam discutidos os princípios da educação sexual, nos diversos âmbitos sociais, a fim de conduzir a formação do ser humano. No que se refere à família, Foucault (apud BRAGA, 2002) afirma ser ela um espaço de sobrevivência e evolução da criança, pois servirá como base para o individuo tornar-se um adulto saudável. Com isso, é possível perceber que é da família o papel fundamental no que se refere ao desenvolvimento da sexualidade infantil e no qual se deve proporcionar um ambiente sexual positivo. Orth (1971) levanta o ponto de que a família é entre outras coisas, uma instituição sexual (nasce de uma união sexual responsável). E esta condição deve ser clara e evidente. A criança deve ver, de modo constante, que os pais formam um casal afetuoso, que se dispensam atenções mútuas, que se tratam com confiança e que se comunicam carinhosamente. Devem perceber que existe entre os pais intimidade real e profunda. E com isso, já vai se formando no indivíduo os primeiros conceitos da sexualidade. Por isso afirma-se que a família é o local de primeiro contato e de onde vão ser tiradas as referências para a formação sexual do indivíduo. No que diz respeito à convivência entre as crianças no ambiente escolar, Aquino e Martelli (2012) fazem ressalvas importantes a serem destacadas:

Na escola, a convivência entre as crianças possibilita diferentes aprendizagens, as quais favorecem a socialização e internalização de novas crenças, novos comportamentos, novas formas de relacionamentos, como também a vivência com outras culturas e experiências em torno de diferentes aspectos, dentre eles, a sexualidade. (AQUINO & MARTELLI, 2012, p.6)

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Corroborando com este pensamento, Camargo e Ribeiro (1999) afirmam que a escola é uma das instituições encarregadas de transmitir cultura e formas de comportamento aceitas pela sociedade, mas pode ser, e geralmente é, também um espaço de questionamentos desses comportamentos. Dessa forma, apesar de estar atualmente esfacelada por uma série de motivos, o ambiente escolar contém espaços de resistência, em que a criatividade e a sensibilidade representam possibilidades de problematização de seu papel. Complementando a parte da família, uma vez que a escola sozinha não é capaz de formar integralmente o cidadão, Inocêncio e Oliveira (2011) afirmam que a escola deveria, já que os pais não possuem informações o suficiente, ensinar como lidar com alguns sentimentos e como agir em algumas situações as quais, com certeza, enfrentarão mais para frente. Viana (2007), ainda sobre a falta de informação quanto à educação sexual da família, afirma que alguns acreditam que a educação sexual deva ser responsabilidade da família, principalmente por lidar com questões complexas e que tratam da intimidade. Entretanto, ela não tem capacidade para isso. Para o autor, faltam informações, falta diálogo sincero entre seus membros e, pior, ela também acha este assunto bastante constrangedor, refletindo, dessa forma, sua sexualidade mal formada. Ribeiro (1999) coloca que o trabalho de educação sexual na escola deve ter uma leitura pedagógica e ser desenvolvido de acordo com as técnicas educativas. Com isso, o papel da escola deve ser discutir diferentes tabus, preconceitos, atitudes em nossa sociedade relacionada à sexualidade. Afirma que o professor não deve ditar normas do certo ou o errado, ou impor valores com as crianças. Ele levanta também a importância de a educação sexual dar-se início desde a educação infantil, pois desta forma o professor terá a oportunidade de planejar suas ações. Segundo Triviños (1992), é papel dos professores contribuir e realizar através da ação, um processo de transformação da realidade na qual estão inseridos. E assim é com a sexualidade e educação sexual. Tanto que os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000) reafirmam essa possibilidade:

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O professor transmite valores com relação à sexualidade no seu trabalho cotidiano, na forma de responder ou não às questões mais simples trazidas pelos alunos. É necessário que o educador tenha acesso à formação específica para tratar de sexualidade com crianças e jovens na escola, possibilitando a construção de uma postura profissional e consciente no trato desse tema. O professor deve entrar em contato com questões teóricas, leituras e discussões sobre as temáticas específicas de sexualidade e suas diferentes abordagens; preparar-se para a intervenção prática junto aos alunos e ter acesso a um espaço grupal de supervisão dessa prática, o qual deve ocorrer de forma continuada e sistemática, constituindo, portanto, um espaço de reflexão sobre valores e preconceitos dos próprios educadores envolvidos no trabalho de Orientação Sexual (BRASIL, 2000, p.123). Vale a ressalva de que deve haver um preparo do professor neste processo, pois é ele quem atuará como figura de integração do assunto entre os educandos. Então, faz-se necessário que o olhar trate não só dos aspectos de preparação técnica, mas também dos valores, ética, sentimentos e uma ação mais humanizada, na busca pela cidadania (BUENO, 1997; FREIRE, 1970; 1983; 2003). É também isso o que acreditam Inocêncio e Oliveira (2011), ao afirmarem que situações como a primeira transa, os meios contraceptivos, demonstrações de carinho deveriam ser ensinadas pelas escolas. Ou seja, para eles, a escola deve parar de somente ensinar o órgão reprodutor durante as aulas de ciências ou biologia e ensinar o subjetivo, em aulas específicas de Educação Sexual. É notório que já é de conhecimento dos adolescentes os métodos contraceptivos. Todavia, existem ainda muitos casos de contágio de DST’s e gravidez na adolescência, pois existe uma lacuna entre esse conhecimento e o uso dos contraceptivos (JARDIM et al., 2003). Cabe então, uma nova análise sobre o que está sendo e como estão sendo repassadas essas informações para o jovem. Evidentemente, mesmo que sejam entendidas como tabu por uma grande parcela da sociedade, as questões sexuais não podem ser tratadas às escondidas ou até mesmo depois do individuo se tornar um adolescente ou até mesmo um adulto.

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A orientação sexual visa à aprendizagem sobre a sexualidade ao longo da vida, através da família, religião, comunidade, livros ou mídia. A educação sexual é prioritariamente, uma competência da família, pois tem papel central na formação da identidade de gênero e no desempenho dos papéis sexuais de seus filhos (RAPOSO, 2004; JARDIM e BRETAS, 2006). No que se refere à família, em especial os pais, tem participação direta nesta formação, já que ela é permeada desde o nascimento até a fase adulta e que toda observação e constatação deve ter sua adequada relevância e de como as instituições de ensino abordam certos assuntos relacionados ao tema. Além disso, faz-se necessário uma orientação voltada para a educação sexual ou de como lidar com a mesma. (QUERO, SILVA e BRAGA, 2011) Outra instituição que interfere no desenvolvimento de uma educação sexual – que tem papel diferente do da família nesse contexto, mas que são complementares uma à outra – é a escola, pois além de exercer ação direta sobre os educandos, é um ambiente social em que o indivíduo passa grande parte de sua vida, favorecendo relações interpessoais (ALTMANN, 2001). Por entender esses motivos, no âmbito escolar, em 1998 o MEC elaborou o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (RCNEF) no qual oferece um material sistematizado à ação pedagógica sobre Educação Sexual. A partir daí, o Governo passou a reconhecer a sexualidade como parte inerente da formação social e de desenvolvimento da criança e, a família com papel o fundamental para desenvolver o mesmo juntamente à escola. (QUERO, SILVA e BRAGA, 2011). É interessante constar que a sexualidade humana deve ser abordada em qualquer âmbito, em qualquer disciplina, inclusive fora dos conteúdos programáticos, pois possui importantes aspectos biológicos, sociais e interpessoais (BRASIL, 1994; ALTMANN, 2001). No que diz respeito à importância do debate da educação sexual nas escolas, Coutinho (2001) afirma que os jovens estão insatisfeitos com a forma como a orientação sexual é fornecida nestes ambientes. Isto porque, na grande maioria das vezes, nas escolas, as informações sobre educação sexual, ainda hoje, são fornecidas exclusivamente 340

nas aulas de ciências e biologia, e restringem-se à abordagem apenas da parte fisiológica dos órgãos sexuais e, ainda assim, são tratadas de forma insuficiente e bastante superficial. Há de se levantar o fato de que é no período escolar, que compreende as fases da infância e da adolescência, que os indivíduos estão passando por um processo de formação de identidade, construção de conceitos e valores, e isso inclui a questão das relações de gênero (SILVA & LAGE, 2013). De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997) - Orientação Sexual, escolas que conseguiram alcançar bons resultados com a inclusão da educação sexual relatam benefícios tais como o aumento do rendimento escolar, devido ao alívio de tensão e preocupação com questões da sexualidade e o aumento da solidariedade e do respeito entre os alunos, uma vez que a promoção do respeito e da igualdade independente das questões de gênero, fazem parte destes programas. Para crianças menores, os PCN’s relatam que informações corretas ajudam a diminuir a angústia e agitação em sala de aula. A relevância do tema da educação sexual no ambiente escolar é tanta que muitos autores buscam a todo momento levar a discussão deste tema para a literatura acadêmica, ressaltando a importância dos educadores neste processo e, de certo modo, tentando abrir o diálogo com a sociedade visando favorecer a quebra das barreiras sociais que ainda existem nesta abordagem. “(...) E quem são, afinal os responsáveis por uma educação sexual que permita uma visão consciente da sexualidade (...) claro que os primeiros e principais responsáveis são os pais (...). E quem são os adultos que, pelo menos em tese, deveriam aliar-se aos pais nessa difícil tarefa de educar? Os professores, claro!” (SAYÃO, 1997).

Teles (1992) afirma que os professores encarregados de educação sexual na escola devem ter autenticidade, empatia e respeito. Isto porque, se o lar está falhando neste campo, cabe à escola preencher lacunas de informações, erradicar preconceitos e possibilitar as discussões das emoções e valores.

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Quando se ensina uma disciplina complexa como essa, é importante que o educador esteja ciente de que não se deve emitir seus próprios juízos de valores e opiniões como verdade absoluta. Sampaio (1996) esclarece que a educação sexual não se refere apenas a passar informações sobre o ato sexual (cuidados, higiene, entre outros), mas também todo o conceito do contato pessoa/pessoa, da transmissão de valores, atitudes e comportamentos que envolvem este momento. Por este motivo, é necessário preparar os educadores para poderem passar o conhecimento correto, e, principalmente, observar se estes educadores estão preparados psicologicamente para falar sobre sexualidade, uma vez que a maioria nunca fez nenhum tipo de curso sobre o assunto.

Metodologia

Para este trabalho foi realizado um levantamento de informações através de uma revisão sistemática e integrativa de diversas bibliografias atuais, sendo elas: livros, artigos científicos nacionais e internacionais, e revistas específicas. Os dados foram selecionados a partir de uma análise de banco de dados na internet através de artigos indexados no período de 1970 a 2015. Revisão sistemática da literatura é definida por Galvão, Sawada e Trevizan (2004) como uma compilação da produção científica sobre determinado tema em um dado momento, utilizando-se um método reproduzível. Ao mesmo tempo, pode-se integrar esse conceito com o de Atallah e Castro (1998) que complementam ser uma metodologia reprodutível, que evita esforços duplicados dos pesquisadores, mas que também possibilita detectar lacunas de conhecimento e uma rápida atualização, além de auxiliar a tomada de decisões políticas.

A revisão integrativa da literatura consiste na construção de uma análise ampla da literatura, contribuindo para discussões sobre métodos e resultados de pesquisas, assim como reflexões sobre a realização de futuros estudos. O propósito inicial deste método de pesquisa é obter um profundo entendimento de um determinado fenômeno baseando-se em estudos anteriores. É necessário seguir padrões de rigor metodológico, clareza na

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apresentação dos resultados, de forma que o leitor consiga identificar as características reais dos estudos incluídos na revisão. (MENDES, SILVEIRA & GALVÃO, 2008, p.760).

A revisão integrativa é definida por Cooper (1989) como a mais ampla modalidade de pesquisa de revisão, por ser um método que agrupa os resultados obtidos de pesquisas primárias sobre o mesmo assunto, com o objetivo de sintetizar e analisar esses dados para desenvolver uma explicação mais abrangente de um fenômeno específico. Para a realização deste trabalho, foram seguidas as cinco etapas descritas por Cooper (1989) para o modelo de revisão bibliográfica integrativa: formulação do problema, coleta dos dados, avaliação dos dados coletados, análise e interpretação dos dados e apresentação dos resultados.

Considerações Finais

Frente a todo o exposto nesta revisão de literatura, fica evidente que a temática da sexualidade é parte intrínseca do ser humano e, como tal, não deve ser tratada com receios e tabus, muito menos com preconceito. Dessa forma, faz-se necessário estar presente na escola, em diversos momentos do desenvolvimento escolar, principalmente por corresponder a um momento de interação, não apenas entre professor e aluno, mas também dos alunos entre si. É notório que os alunos, garotos ou garotas, anseiam por discussões como estas afim de que sejam supridas suas curiosidades e dúvidas principalmente no tocante à prevenção de doenças e gravidez, além das questões de autoestima, normalidade física, etc. A educação para a sexualidade desempenha um papel importante no desenvolvimento do indivíduo como pessoa, pois contribui não somente para o entendimento de suas questões pessoais, mas também na compreensão da diversidade e pluralidade da sexualidade. A promoção deste conhecimento visa, principalmente, fortalecer no aluno tomadas de decisões que sejam assertivas em sua vida, não apenas 343

melhorando o seu desempenho escolar, mas também diminuindo situações de vulnerabilidade que poderiam vir a ter em determinadas situações. O tema da educação sexual ainda é relativamente polêmico e, sua importância tanto no ambiente familiar quanto no escolar, levanta a ressalva de que, apesar de recentemente ser tão amplamente debatida, a educação e orientação sexual continua sendo um grande tabu para muitos, e isso acaba por influenciar diretamente no modo como os jovens atuais encaram a sexualidade. A questão da sexualidade, no geral, deve ser tratada e demonstrada de forma adequada a todos, longe de preconceitos e receios que possam vir a levar a criança, o adolescente ou o jovem a adquirir traumas que carregarão pelo resto da vida. O caminho a ser utilizado para desenvolver a educação sexual deve-se dar sempre com espontaneidade, liberdade e aceitação das diferenças individuais, tanto para o educador quanto para o educando. É possível, então, perceber a necessidade de constituírem-se novos pensamentos e estratégias de repasse de informações importantes e seguras tanto na família quanto na escola, a fim de prevenir problemas originados do desenvolvimento da sexualidade na adolescência tais como infecções e/ou doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, entre outros. Assim, o professor é peça fundamental também como um educador sexual. Pois, para muitos alunos, este profissional é a única pessoa com quem eles podem contar para ampliar seus conhecimentos sobre esta temática e desenvolver uma nova visão sobre fatos que, às vezes no seu meio social, podem ser tratados como sem importância para a vida deles, como é o caso da decisão sobre a primeira vez, o uso do preservativo como única fonte de prevenção, a ingestão de pílulas e outros tipos de anticoncepcionais com a finalidade de se evitar uma gravidez indesejada no período correspondente à adolescência, entre outros. Ainda há muito o que se fazer para que, no decorrer dos próximos anos, a sociedade consiga saber lidar com a diversidade existente dentro das sexualidades, e encará-las sem preconceitos e tabus, mas com respeito e liberdade.

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Por fim, pode-se destacar que a educação sexual só conseguirá ser completa e eficaz quando houver abertura para um diálogo claro e interessante por parte dos familiares, educadores e sociedade, desmistificando, assim, os tabus e conscientizando, de forma correta, a juventude atual, alertando para todas as problemáticas que a falta de conscientização no ato sexual pode resultar e propiciando um maior comprometimento com as questões sexuais.

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RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE E O NÃO-DITO NAS AULAS DE FÍSICA DE UMA ESCOLA DA CIDADE DE GRAVATÁ/PE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA. Ribbyson José de Farias Silva111 Raianny Kelly Nascimento Araújo112 Resumo: A ausência de componentes curriculares abordando o tema da diversidade sexual e a negação de outras identidades de gênero por parte dos alunos/as e dos/as profissionais da educação tem provocado preocupação. Assim, almejamos conhecer como um professor de física e os alunos de uma escola da cidade de Gravatá-PE, lidavam com a presença de um sujeito homossexual no decorrer das aulas. O corpus do relato foi constituído a partir de um estudo de caso, com coletas feitas em um diário de estágio e a observação participante em uma sala do EJA nas aulas de física. Fundamentamos-nos nas perspectivas da teoria queer (LOURO, 1995; 2001; MISKOLCI, 2007; BRITZMAN, 2001) e na teoria do discurso (Laclau e Mouffe, 2001). Percebeu-se que para os alunos/as e o professor a utilização de termos pejorativos para se referir ao aluno homossexual, através de piadas, frases, trocadilhos, ou seja, pelo discurso não-dito. Palavras-chaves: Discurso-Gênero e Sexualidade-Aula de Física Introdução No Brasil, atualmente, tem-se verificado no campo educacional, um investimento em atividades de formação continuada de professores/as e a implementação de políticas públicas em torno dos temas “diversidade sexual”, “enfretamento da homofobia”, “equidade de gêneros”. Pesquisas nesta área (OLIVEIRA, 2009; NOVENA, 2004; LOURO, 1995; 2001; MISKOLCI, 2007) salientam diversos eventos que contribuíram para desencadear um processo de revisão no posicionamento heteronormativo tradicionalmente assumido pelas instâncias educacionais no Brasil: a maior visibilidade

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Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste/ [email protected] Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste/[email protected]

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das comunidades de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros - LGBT. No entanto, alguns fatos ainda preocupam. A maioria dos cursos de formação docente não possui em seus currículos componentes curriculares abordando o tema da diversidade sexual. Uma pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO (2004) demonstrou, que cerca de 60% dos/das docentes entrevistados/as – de um total de 5 mil – consideravam inadmissível uma pessoa manter relações homossexuais. Novena (2004) percebeu que a representação social da homossexualidade na escola está associada à ideia de anormalidade e a concepções essencialistas. Abramovay, Castro e Silva (2004), numa pesquisa realizada em treze capitais brasileiras e no Distrito Federal, apontaram dados graves: 25% dos alunos entrevistados disseram que não gostariam de ter amigos homossexuais; muitos professores são coniventes com a discriminação e o preconceito e consideram as ações e o uso da linguagem pejorativa como “brincadeiras” ou “coisas sem importância”. Na pesquisa de Tavares (2006), com concluintes das licenciaturas da UFRPE, a homofobia surge predominantemente na fala dos participantes, por vezes disfarçadas por posicionamento de tolerância. A Física pode ser considerada uma ciência socialmente construída. É muito comum, por exemplo, se associar comportamentos, roupas, sentimentos, profissões, ao gênero masculino e ao feminino. Tradicionalmente, inclusive, atribui-se a área de exatas ao gênero masculino e a de humanas ao feminino. Através das minhas vivências pessoais, profissionais e acadêmicas é possível perceber, entre os professores de físicas e alunos/as, que existem certas resistências, limites e processos de negação com relação a presença de sujeitos que assumam outras identidades de gênero, que fogem as concepções hegemônicas de gênero. Tradicionalmente, inclusive, atribui-se a área de exatas ao gênero masculino e a de humanas ao feminino. Dessa forma, acreditamos que é relevante explorarmos em nosso estudo as relações entre a docência, gênero e diversidade sexual. Isso causou uma série de questionamentos sobre a relação entre um sujeito que assume uma identidade de gênero fora dos padrões normativos da sociedade, seus colegas de turma e o docente da componente curricular de física, de um forma geral: Que discursos sobre gênero são apresentados nas aulas de física pelos docentes? Como esses profissionais enxergam as diferentes identidades de gêneros emergentes no contexto escolar? E o que tem feito para 351

lidar com as diferenças de gênero e sexualidade? Qual a sua postura diante de colegas de profissão ou alunos LGBT? Diante desse contexto, de acordo com Louro (2001), é preciso lutarmos por uma Pedagogia Queer, uma educação comprometida com as relações sociais e com a justiça, voltada para o reconhecimento das culturas, identidades e diferenças. Com este estudo almejamos conhecer como um professor de física e os alunos de uma escola da cidade de Gravatá-PE, lidavam com a presença de um sujeito/aluno homossexual ao decorrer das aulas. Tais considerações apontam para a necessidade de contextos de formação docente que busquem, além de transmitir os conceitos básicos relacionados ao tema “educação, gênero e sexualidade”, desconstruir as práticas e dinâmicas já existentes e atuantes no campo escolar, em especial favorecendo o desenvolvimento da compreensão política e da capacidade crítica dos/as educadores/as diante do cenário em questão. Discussão Teórica Este estudo fundamenta-se nos estudos pós-estruturalistas que dialogam com a teoria do discurso proposta por (LACLAU; MOUFFE, 2001), na teoria queer (LOURO, 1995; 2001; MISKOLCI, 2007; BRITZMAN, 2001). Os estudos que dialogam com teorias queers têm possibilitado análises detalhadas dos dispositivos da sexualidade presentes no contexto escolar. Partem do pressuposto que o gênero é uma identidade construída num tempo e espaço específicos, se constitui por meio do corpo, de gestos e movimentos estilizados e cotidianamente repetidos criando-se uma “aparência de substância” em que os/as agentes sociais passam a acreditar (BUTLER, 2003). É produzido por práticas discursivas reguladoras que, especialmente nas escolas, têm servido para manter o dogma da heteronormatividade. Diversas pesquisas têm se destacado nesta área. Britzman (2001) numa reflexão sobre currículo e sexualidade ressalta que a estrutura escolar tem impedido uma abordagem ética e cuidadosa da sexualidade na educação. A autora afirma que a educação tem funcionado como um superego, tentando instalar a culpa todas as vezes que se pensa a sexualidade como forma de prazer. Na escola, diz ela, a sexualidade está sempre atrelada a discursos de pânico moral, de eugenismo e de higiene social. Como alternativa para esta situação, propõe que 352

sejam desenvolvidos currículos e práticas pedagógicas que concebam a sexualidade em movimento, como algo que se opõe às fronteiras, que não segue às regras da cultura. Este tipo de projeto exige professores/as críticos em relação aos posicionamentos de suas escolas, profissionais interessados em fazer com que os conteúdos pedagógicos interfiram na curiosidade dos/as alunos/as e promovam o desenvolvimento de relações mais igualitárias. Além disso, demanda educadores/as que se posicionem politicamente, que tenham consciência que sexualidade está relacionada com direitos civis. Britzman (1996), também aponta para necessidade de se proporcionar conhecimento sobre a sexualidade gay e lésbica durante a formação de professores/as e enfatiza que é preciso combater alguns mitos relacionados à homossexualidade, entre eles: 1) de que ao falar em homossexualidade estamos corrompendo os jovens; 2) de que os/as estudantes são muito novos para pensar sobre identidades LGBT; e 3) de que a sexualidade faz parte apenas do domínio privado. Nesse sentido, Miskolci (2007) aponta que a necessidade da Teoria Queer na área de Educação pode estar associada a uma processo de sensibilização por parte dos/as docentes compreendendo as influências, desde muito cedo, nas formas de se comportar, nos padrões de identidade e nas gramáticas morais aos estudantes. O autor ressalta ainda que esta teoria vai para além do respeito à diferença. Neste projeto nos baseamos em temáticas atuais, na qual relaciona educação, docência e a docência em física, partindo do pressuposto que sejamos professores/as formados em determinadas ou em processo de formação docente, é essencial integrar os/as educadores em situações que visem trabalhar as relações sociais, as identidades, que confronte suas noções iniciais sobre determinado tema com a literatura (noções científicas), que proporcione a emergência de um espaço onde os mesmos ensinam e aprendem uns com os outros e elaboram significados. Para Laclau (2000), nos estudos pós-estruturalistas devemos levar em consideração três aspectos: 1) Não é possível a objetividade na história, nem existe há possibilidade de encontrar algo que seja um fato social indiscutível. Portanto, para os pós-estruturalistas não existe um regime de verdade. Não há verdade na história, a história é sempre constituída por relações de poder e relações discursivas; 2) Não existe uma estrutura invariável, fechada na história, há sempre representações, há linguagens; e 3) Não se pode 353

considerar que exista na história uma racionalidade. Racionalidade que possa compreender aos fenômenos sociais e humanos em sua totalidade, porque não conseguimos acompanhar esses processos, e como diz o autor estes processos são contingentes, não estão dados, nem são estáticos. Oliveira, Oliveira e Mesquita (2013) aponta que a teoria pós-estruturalista do discurso tem proporcionado aos estudiosos, analistas e pesquisadores da área educacional artifícios relevantes para se investigar e conhecer as diversas identidades emergentes na contemporaneidade, as demandas, movimentos e atores sociais (p.1042). Dentro dessa concepção, percebemos o caráter anti-essencialista da teoria, que põe em xeque os modelos tradicionais de análise social e enfatiza o modo descentrado e plural das identidades. Nesse sentido, para compreendermos esta proposta de discurso, precisamos levar em consideração alguns pontos importantes: a pluralidade de posições que o sujeito pode ocupar nas sociedades contemporâneas; os antagonismos próprios das práticas sociais, visto que em sua concepção o social é ontologicamente político; o caráter aberto do social e finalmente a articulação das demandas particulares hegemonizadas por uma das identidades que configuram o sentido da realidade, sendo este sentido sempre inesgotável, o que o torna contingente e temporário. Segundo Oliveira, A. (2009), discurso pode ser entendido como um sistema específico de significados e práticas das sociedades, constituintes das identidades dos sujeitos e objetos, que são construídos ao longo de suas histórias. Ainda em consonância com a autora, o discurso não se restringe à fala ou escritos, é um conjunto de vários elementos fundamentais que se intercruzam como em um jogo. O discurso é o terreno primário no qual a realidade se constitui. Laclau e Mouffe (2001) ressaltam que não há distinção entre o discursivo e extra-discursivo, ou seja, a construção discursiva não se restringe apenas ao que se refere ao escrito ou ao falado, não tendo, pois, uma concepção estritamente linguística do discurso. Assim, podemos dizer que tudo é construído discursivamente. Sales(2006) ao analisar os discursos não-ditos racista, ressalta que os discursos podem ser elaborados dentro de uma diversidade de recursos tais como silêncios, implícitos, denegações, discursos oblíquos, figuras de linguagem, trocadilhos, chistes, frases feitas, provérbios, piadas e injúria racial, microtécnicas de poder, funcionando como um registro informal e passional. Estes 354

discursos estão dentro do que o autor chama de cordialidade racial, que por um lado a funciona como uma redução das distâncias sociais, por outro lado, funciona como uma forma de defender a paz e as ordens sociais, de modo a manter o status quo da sociedade, impendido que as relações se apresentem em espaços públicos. Esse não-dito apontado pelo autor, também pode-se perceber com relação a outros tipos de resistência, por exemplo, com o público LGTB. Sobre a teoria de Laclau, Mendonça (2012) nos diz que: A teoria do discurso é uma teoria política. O político, portanto, tem espaço privilegiado nesta proposta de análise. Aqui, “o político” deve ser percebido em toda a sua especificidade: para Laclau e Mouffe, constitui-se a partir de relações de poder medidas antagonicamente. Isso quer dizer que, se o social deve ser compreendido a partir de lógicas discursivas, essas lógicas devem ser analisadas a partir da ideia de discursos em luta, de discursos antagônicos. (MENDONÇA, 2012, p.207).

Nesse sentido, é preciso reconhecer o discurso heteronormativo presente no meio social, que invisibilisa os sujeitos LGBT, mas que não deixa de ser um sujeito político em si e que se constrói a partir dos discursos antagônicos. O processo de construção do discurso não é estável e está em constante movimento, permeado por grupos e práticas hegemônicas que concorrem entre si.

A existência de discursos ou identidades

normativas, na sociedade, é colocada em questão quando surge um novo discurso ou identidade que esteja fora do padrão, mostrando a fragilidade de um discurso completo em sua totalidade. Na nossa sociedade, ainda persiste um discurso que a docência, de forma geral, está associada à figura feminina, aquela mulher que cuida dos seus alunos e do ambiente escolar, como se fossem suas práticas domésticas de cuidar dos filhos e de sua casa. Por outro lado, conforme já dito anteriormente, o campo da docência nas ciências exatas (Física, Química e Matemática) é vista como um campo, majoritariamente, masculino, pois de acordo com os discursos emergentes na sociedade, para atuar nestas áreas de conhecimento é preciso ter inteligência e o homem é o principal ser dotado desta característica. Tais posicionamentos mostram a contingência das formações discursivas e as fissuras presentes em todo discurso/estrutura social: na física a docência é exercida por uma maioria masculina (ao contrário das demais áreas de conhecimento), porém, paulatinamente, este “espaço masculino” vem se “feminilizando” 355

e, inclusive, sendo marcado por outras identidades de gênero (p. e. as pessoas LGBT) que, influenciadas pelas políticas afirmativas e a luta pelos direitos humanos/civis de LGBT, passam a se revelar. Glynos e Howarth (2007) desenvolveram recentemente algumas reflexões e dicas práticas para o desenvolvimento de pesquisas fundamentadas na teoria de discurso de Laclau e Mouffe (2001). Os autores propõe um formato de investigação composta por três períodos interligados: 1) problematização - inicia-se com um levantamento de conceitos e de dados empíricos objetivando organizar as informações e aprofundar a compreensão considerando também as situações políticas; 2) Explicação Retrodutiva - explanação das condições que tornam o fenômeno possível; aprofundamento do conhecimento sobre o mesmo com base na elucidação política das lógicas sociais(diferença e equivalência) e fantasmáticas de formação, sustentação e transformação do fenômeno; 3) Persuasão (instrumental e constitutiva) e Intervenção - contexto de justificação (GLYNOS E HOWARTH, 2007) baseado no modelo positivista, esse contexto abrange o teste da hipótese em questão, sua confirmação de validade através do cumprimento de vários critérios; neste modelo a concepção do teste é elástica e dá-se por práticas de persuasão, no qual ocorrem mudanças que englobam os agentes estudados e a comunidade; esse exige um engajamento crítico, teórico, político e ético. Metodologia Nos aportamos numa abordagem qualitativa da pesquisa em educação. Ludke e André (2014) apontam cinco características gerais da pesquisa qualitativa: 1) A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento; 2) os dados coletados são predominantemente descritivos; 3) a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; 4) o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador e 5) a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo. Ressaltamos que estas características não devem ser vistas como regras, tendo em vista que, a própria compreensão do que é pesquisa qualitativa não é estática. Pretendemos, aqui, utilizar essa perspectiva de pesquisa, para investigar, construir e analisar os dados, almejando compreender o fenômeno abordado neste estudo. 356

De acordo com Martins (2004), as pesquisa qualitativas sugiram para que houvesse uma melhor delimitação do objeto de estudo e da necessidade de se (re)pensar sobre alguns princípios e procedimentos de investigação, com o intuito de trazer orientações mais adequadas para a apropriação de metodologias na investigação dos fenômenos sociais. Neste tipo de pesquisa leva-se em consideração a existência das relações dinâmicas existentes entre o sujeito e o mundo em que vivemos. O que significa dizermos que existe um elo entre mundo objetivo e o lado subjetivo do sujeito, que não podem ser transcritos, apenas, em dados estatísticos. Para alcançar os objetivos almejados, o corpus deste estudo foi constituído a partir de um relato de experiência que descreve aspectos vivenciados, na oportunidade de um estágio curricular obrigatório no curso de Física-Licenciatura, acompanhando uma sala de aula. Esta experiência está muito próxima ao que Ludke e André (2014) chamam de um estudo de caso. Segundo as autoras o estudo de caso tem um campo de trabalho mais específico, sempre bem delimitado e de contornos claramente definidos. Este tipo de estudo se destaca por se constituir numa unidade dentro de um sistema mais amplo. Ainda de acordo com as autoras Existem três fases no desenvolvimento de um estudo de caso: uma primeira aberta ou exploratória, uma segunda mais sistemática em termos de coleta de dados e uma terceira, com a análise e interpretação dos dados, seguidas da elaboração de um relatório. Dessa forma, as observações e descrições das aulas foram feitas em um diário de estágio e em uma sala do EJA nas aulas de física, de uma escola pública da cidade de Gravatá-PE. Para Ludke e André (2014) a observação constitui um dos principais instrumentos de coleta de dados nas abordagens qualitativas, que permite que o observador se aproxime da perspectiva dos sujeitos e se revela de extrema utilidade na descoberta de aspectos novos de um problema. Além disso, a observação permite a coleta de dados em situações em que é impossível estabelecer outras formas de levantamento ou outras formas de comunicação. A experiência direta funciona como um teste de verificação da ocorrência de um determinado assunto. O observador pode recorrer aos conhecimentos e experiências pessoais como complemento no processo de compreensão e interpretação do 357

fenômeno estudado. As autoras destacam alguns limites à técnica da observação: podem provocar, às vezes, alterações no ambiente ou no comportamento da população estudada e a de que o método leva em si a influência da interpretação pessoal. Em determinadas circunstâncias, o envolvimento pessoal do pesquisador na observação, presumindo, como esclarece o texto, que existe uma nítida divisão de trabalho entre pesquisador e coletores de dados, redundaria numa visão distorcida do problema ou numa parcialidade da realidade representada. Para utilização da observação, como técnica de levantamento de dados num determinado trabalho, deve-se determinar o grau de participação do pesquisador no trabalho de campo e a explicação do seu papel e dos propósitos da pesquisa junto aos sujeitos e quanto à forma da sua inserção na realidade. Análise dos resultados A análise deste estudo tem um caráter exploratório e descritivo. De acordo Gil (1999) a pesquisa exploratória é desenvolvida com o objetivo de proporcionar uma visão geral e aproximativa do fenômeno estudado, consiste numa primeira etapa de estudo com vistas a uma investigação futura mais ampla. Adotaremos uma análise de dados descritiva (GIL, 1999), na exposição dos discursos, sobre como um professor de física e alguns alunos/as de uma turma de EJA se relacionavam e conviviam com um aluno que se identificava com uma identidade homossexual. O período de observação aconteceu entre abril e junho de 2015. Podemos dizer que o sujeito que se identificava com uma identidade de gênero diferente das ditas normais na sociedade e tinha características subversivas quanto aos padrões masculinos normativos, o qual seus colegas e professor referiam-se sempre de forma irônica ou através de “brincadeiras”. Para Miskolci (2007) devemos reestruturar nosso pensamento, para não reproduzirmos os modelos e as estruturas sociais sobre a sexualidade e as identidades de gênero a partir de fatores limitados é no mínimo equivocado, uma vez que não muda em grande escala os paradigmas que circulam a sociedade. A seguir destacarei algumas falas que chamaram atenção durante minhas presenças nesse colégio: 358

“OH, Vera Verão vem aqui resolver isso pra gente. Tu sabe nada! (F1)” “A pessoa chega na escola, e vem essa Vera Verão tirar onda.(F2)” “Menina, tu estás pior que Felix, com essas pintas.(F3)” “Professor, deixa esse veado fazer a atividade. Para ver se ele sabe algo.(F4)” Nestas falas, proferidas pelos alunos/as ao dirigissem ao aluno homossexual, é possível perceber que eles/elas recorrem a uma figura da televisão que ficou conhecida pela sua atuação como sujeito homossexual, que tinha comportamentos dito afeminados e que utilizava roupas femininas. Essa necessidade das pessoas de trazerem uma figura do imaginário social, que atuava/fazia como/o ator/papel comediante (exemplo nas falas F1 e F2 na utilização do nome Vera Verão; e na fala F3 o nome Felix), reforça a ideia de Sales (2006) que existem vários recursos discursivos de discriminação tais como silêncios, implícitos, denegações, discursos oblíquos, figuras de linguagem, trocadilhos, chistes, frases feitas, provérbios, piadas e injúria racial, microtécnicas de poder, no nosso caso de discriminação as sujeitos LGBT. A ideia de imaginário é constituída através de imagens, de fantasias, de crenças, de ilusões, de impressões, de conceitos e preconceitos. É tão comum determinadas práticas cotidianas que as pessoas não refletem sobre a violência simbólica que podem cometer em algumas atitudes. Nas falas F1, F2 e F3 podemos perceber a utilização de piadas, e no não-dito a resistência de referirem ao sujeito homossexual pelo nome que o mesmo o reconhece. Além disso, está implícito uma serie de estereótipos e preconceitos que permeiam a sociedade. De acordo com Miskolci (2007) devemos desconstruir as ideias que permeiam a sociedade e proporcionar uma nova proposta que leva em consideração as minorias sexuais e de gênero em sua pluralidade e em diversidade sociocultural. Em F1 e F4 notamos a ideia de que o homossexual não tem conhecimento. Na fala F3 está presente o discurso de quê o sujeito pode ser gay, mas não pode ultrapassar os limites que a sociedade impõe, tem 359

ser comportado, pois se agir de determinada forma pode ficar vulnerável a escutar determinadas piadas e chistes, acompanhados de sorrisos e vaias. Como ressalta Sales (2006) o ridículo ou cômico é, assim, aquilo que quebra a expectativa gerada por dada situação ou contexto: o desajeitado, o estúpido, o louco, o anormal, o esquisito, o diferente (p.240). O que mais me surpreendeu foram atitudes do professor ao ver este sujeito sendo tachado de diversas nomenclaturas que parecem denegrir a imagem do mesmo, por se reconhecer como homossexual. O seu silenciamento, a negação do reconhecimento daquele sujeito em sala, reforça ainda mais a ignorância na formação dos professores, em especial os de física. Sales (2006) chama atenção para o seguinte: O “discurso silencioso” configura-se na forma mais forte de não-dito. Nesses casos, é muito difícil caracterizar a prática discriminatória a partir do comportamento

individual.

É

preciso

confrontá-lo

com

outros

comportamentos ou inseri-lo numa série divergente de comportamentos repetidos (práticas) [...] (SALES, 2006, p.244)

Em consonância com esta fala de Sales, Miskolci (2007) chama a atenção, em especial daqueles que são profissionais da educação, para a dinâmica da violência contra aqueles que adotam um gênero distinto do esperado, apontando que a questão é mais complexa que encontrar o modo correto de chamar alguém; é questionar o processo de classificação que gera o xingamento. Nesse sentido que (MISKOLCI, 2007; BRITZMAN, 1996; 2001) nos aponta a Teoria Queer como uma forma de romper com as lógicas binárias que resultam no estabelecimento de hierarquias e subalternizações, nos direcionando a uma crítica da normalização, da essecialização de discursos totalizantes, hegemônicos ou autoritários, como os discursos machistas heterossexuais. Considerações Finais Podemos concluir que apesar de vários estudos que discutam Educação, gênero e sexualidade, ainda está muito presente no contexto escolar o preconceito, a resistência e a negação de sujeitos LGBT. Embora essa crescente ideia contemporânea na busca de 360

uma desconstrução a heterossexualidade como natural e patriarcal; apesar desses esforços, prevalece a heterossexualidade como modelo, onde os próprios espações da educação corroboram para tais ideias. A escola, como instituição formadora, mostra-se, ainda, como um espaço generificado marcado por relações e representações de gênero. Desta forma, faz parte do cotidiano da mesma associar determinados comportamentos, sentimentos, profissões, ao gênero masculino ou ao feminino. Além disso, percebe-se que o Discurso não-dito, não é considerado uma forma de violência simbólica ou algum tipo de preconceito, por partes dos alunos/as e professor desta sala de aula, pois já é algo tão naturalizado que é melhor silenciar do que discutir politicamente as questões sobre gênero e sexualidade. Há uma invisibilidade dos homens e mulheres homossexuais dentro da escola, que os impedem de serem aceitos e respeitados, para que possam viver normalmente no meio da sociedade. Com isso, é possível perceber a necessidade de conscientização ou da vontade dos/as educadores/as: de transformação pessoal, questionamento da posição-de-sujeito, reconhecimento do papel político, compromisso com a justiça. Precisa-se também de espaço nas formações iniciais e continuadas para se discutirem a temática, bem como a criação de palestras, minicursos, oficinas entre outros. É preciso com que saibamos que os homossexuais têm inúmeras posições de sujeito na sociedade e na sua vida particular, portanto não podemos avaliar um homem ou uma mulher apenas por suas características sexuais ou pela sua orientação sexual, porque estaríamos desta maneira limitar a capacidade desse ser humano. Acreditamos que o estudo possibilitará a elaboração de um diagnóstico de como estes educadores e os alunos/as desta da rede pública do agreste pernambucano estão trabalhando com a questão da diversidade sexual e enfrentamento da homofobia, o que permitirá o desenvolvimento de outras ações nessa área. Este estudo aponta ainda para outros questionamentos como: Será que existem iniciativas dentro das escolas do Agreste Pernambucano para se discutir a diversidade sexual e as questões de gênero? Será que outros professores de física de Pernambuco enfrentam alguma dificuldade em lidar com esses sujeitos em sala de aula? Será que em outras regiões do nordeste são encontradas as 361

mesmas dificuldades do Agreste Pernambucano em relação à atuação docente na educação com relação a essas temáticas? Como estão sendo pensados os currículos para formação dos professores de Física? Referências ABROMOVAY, M.; CASTRO, M.; SILVA, L. B. Juventudes e Sexualidade. Brasília: UNESCO, 2004. BRITZMAN, D. P. Curiosidade, sexualidade e currículo. In: LOURO, G. L. (Org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. BRITZMAN, D. P. O que é esta coisa chamada amor: identidade homossexual, educação e currículo. Revista Educação e Realidade. V. 21, n. 1, jan/jun, p.71-96, 1996. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. LACLAU, E.; MOUFFE, C. Hegemony and Socialist Strategy: towards a radical democratic politics. Londres: Verso, 2001. LOURO, G.L. Teoria Queer: uma política pós-identitária para a educação. Estudos Feministas. 2, p. 541-553, 2001. LOURO, G. L. Produzindo sujeitos masculinos e cristãos. In: VEIGA-NETO, A. (Org.) Crítica Pós-estruturalista e Educação. Porto Alegre: Sulina, 1995. LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. Rio de Janeiro: EPU, 2 ed., 2014. MARTINS, H. H. T. S., Metodologia Qualitativa de Pesquisa. Universidade de São Paulo – Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 30, n. 2, p. 289-300, maio/ago. 2004. MENDONÇA, D. Antagonismo como identificação política. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012, pp. 205-228. MEYER, D. S. Gênero e educação: teoria e política. In: LOURO, G. L.; FELIPE, J.; GOELLNER, S. V. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 2010. MISKOLCI, R. A Teoria Queer e a questão da diferença. In: Cadernos de atividades e resumos do 16º Congresso de Leitura do Brasil (16º COLE), v. 1. p. 1-19. Campinas: ALB Associação de Leitura do Brasil, 2007. 362

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GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL: REFLEXÕES A PARTIR DO CHÃO DA ESCOLA NO MUNICÍPIO DE CARUARU-PE José Ronaldo da Silva113 Isaias da Silva114 Jaiane Suelem da Silva115

RESUMO: Esse artigo objetiva compreender como vem sendo desenvolvido os trabalhos sobre Gênero e Diversidade Sexual no chão da escola. Desse modo buscamos: a) Identificar as concepções de Gênero e Diversidade Sexual apresentados pelas (os) professoras (es); b) Identificar as práticas pedagógicas realizadas em sala de aula que tratem sobre Gênero e Diversidade Sexual. A discussão teórica centra-se em duas categorias teóricas: 1) Gênero (BARROS, DUARTE, 2014; BEAUVOIR, 1979; BUTLER, 2003; LOURO, 1997; SANTOS, SANTIAGO, 2014; SCOTT, 1995) e 2) Diversidade Sexual (BUTLER, 1999, 2014; DINIS, 2008; JUNQUEIRA, 2009; MELLO, GROSSI, UZIEL, 2009; SEFFNER, 2009). Para analisar os coletados utilizamos a Análise de Conteúdo, via Análise Temática (BARDIN, 2011; VALA, 1990). As análises realizadas nos levam a concluir que a compreensão acerca de Gênero e Diversidade Sexual apresentada pelas(os) professoras(es) apontam para a relevância da discussão desses temas, que centram-se na concepção do respeito a diferença existente na sociedade. Palavras-chave: Gênero; Diversidade Sexual; Escola.

INTRODUÇÃO:

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Graduando em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste / CAA-UFPE. E-mail: [email protected] 114 Graduando em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste / CAA-UFPE, Bolsista/PIBIC-CNPq. E-mail: [email protected] 115 Graduanda em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste / CAA-UFPE. E-mail: [email protected]

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Este artigo versa sobre a discussão de Gênero e Diversidade Sexual no espaço escolar. Esse debate coloca em questão os processos de silenciamentos dessas temáticas na sociedade, bem como a naturalização das diferenças entre homens e mulheres. Nesse sentido, firmou-se um saber sobre a sexualidade e a identidade de Gênero em que qualquer expressão que se distancie dos padrões heterossexuais e assim “naturais” é considerada “anormal”. Nesse tocante, evidenciamos a escola e, em particular, a sala de aula, como um espaço-tempo privilegiado para promoção de reflexão-ação voltadas para o reconhecimento da pluralidade das identidades sexuais e de gênero. Desse modo afirmamos que Pouco se sabe como o debate atual de gênero vem perpassando o currículo das escolas no Brasil, uma vez que é uma temática trazida pelos parâmetros curriculares nacionais de 1997 como um tema transversal, dada a origem histórica de nosso país, que ainda vem se mostrando conservadora e essencialmente patriarcal (DUARTE; BARROS; SANTOS, 2014, p.19).

Assim, justifica-se a relevância de discutirmos e aprofundarmos essas questões de Gênero e Diversidade Sexual no espaço da escola, tornando possível rever essa condição imposta a essas discussões historicamente que tendenciosamente induz a homogeneidade, silenciando assim as diferenças. Esse artigo parte do pressuposto que existe um discursão sobre Gênero e Diversidade Sexual no espaço escolar, mesmo que seja circunscrita nos componentes curriculares e/ou tratadas transversalmente como evidencia os parâmetros curriculares nacionais- PCN. Para realização dessa pesquisa apresentamos a seguinte curiosidade política e epistêmica: Como vem sendo desenvolvido os trabalhos sobre Gênero e Diversidade Sexual no chão da escola? Assim adotamos como objetivo geral: Compreender como vem sendo desenvolvido os trabalhos sobre Gênero e Diversidade Sexual no chão da escola. Como objetivos específicos temos: a) Identificar as concepções de Gênero e Diversidade Sexual apresentados pelas(os) professoras(es); b) Identificar as práticas pedagógicas realizadas em sala de aula que tratem sobre Gênero e Diversidade Sexual. O campo empírico em que se ocorreu essa pesquisa foi uma escola pública municipal localizada no município de Caruaru-PE, contou com a colaboração de quatro professoras(es) que atuam em turma do ensino fundamental- anos iniciais. A forma de construir e tratar o objeto da pesquisa aproximou-a da Abordagem Metodológica de 365

Pesquisa Qualitativa (MINAYO, 2010). Como procedimento de análise dos dados coletados/produzidos utilizamos a Análise de Conteúdo via Análise Temática (BARDIN, 2011; VALA, 1990). Diante do exposto e a título de organização, o artigo encontra-se subdivido nas seguintes seções: a) Referencial Teórico; b) Metodologia; c) Discussão e Resultados; e d) Considerações Finais.

REFERENCIAL TEÓRICO: Nesta seção propomos estabelecer um diálogo teórico sobre Gênero (BARROS, DUARTE, 2014; BEAUVOIR, 1979; BUTLER, 2003; DINIS, 2008; LOURO, 1997; SANTOS, SANTIAGO, 2014; SCOTT, 1995) e Diversidade Sexual (BUTLER, 1999; JUNQUEIRA, 2009, 2014; MELLO, GROSSI, UZIEL, 2009, SEFFNER, 2009), focando a escola, por compreendermos que a mesma é um espaço que deve evidenciar essa discussão, na tentativa de romper com os preconceitos e estereótipos forjados historicamente acerca da identidade de Gênero e a Diversidade Sexual. Assim, entendemos que construir um espaço democrático de igualdade e de justiça no ambiente escolar, dessa forma, passa necessariamente pelo debate da igualdade de gêneros e de respeito às diferenças, razão pela qual a escola deve ser protagonista na defesa dos direitos humanos (BARROS; DUARTE, 2014, p.68-69).

Nesse sentido, compreendemos que esse desafio proposto a escola, centra-se na luta pelo reconhecimento das diferenças. Consideramos que, além da importância desses temas serem pautas de discussão no espaço escolar, as práticas pedagógicas desenvolvidas sejam mais includentes (SANTOS; SANTIAGO, 2014). Assim, ao buscamos refletir sobre o conceito de Gênero, Louro (1997, p.23) evidencia que esse conceito passa a exigir que se pense de modo plural, acentuando que os projetos e as representações sobre mulheres e homens são diversos. Observa-se que as concepções de gênero diferem não apenas entre as sociedades ou os momentos históricos, mas no interior de uma dada sociedade, ao se considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe) que a constituem.

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Desse modo nos é possível afirmar que a discussão de Gênero aqui não centra-se em uma discussão biológica, pois como bem ressalta Beauvoir (1979, p. 24) “nascemos machos e fêmeas, e a cultura nos transforma em homens e mulheres”. Compreender que a identidade de Gênero se constrói na relação com o outro é importante para que possamos identificar quais elementos/critérios/comportamentos que vão se constituindo para determinar os Gêneros. “Basta que se observe como ao longo do nosso crescimento seremos apresentados aos brinquedos femininos e masculinos, gestos, maneiras de sentar, de falar com as pessoas, condutas de como é ser menino ou menino” (BARROS; DUARTE, 2014, p.59). É de fato essa construção cultural que vai determinando as identidades de Gênero, e os que não se enquadram nos moldes impostos pela heteronormatividade (LOURO, 1997) que é vivida e reconhecida como condição natural e legitima de expressão identitária de Gênero e sexual.

Nesse caso, as homossexualidades, se constituem

enquanto lógica desse desvio, aberração, doença, ação imoral, pecado. Nesse sentido, refletimos a contribuição da escola dessa lógica, pois como afirma Junqueira (2009, p.14) ao longo de sua história, a escola brasileira estruturou-se a partir de pressupostos fortemente tributários de um conjunto dinâmico de valores, normas e crenças responsável por reduzir à figura do “outro” (considerado “estranho”, “inferior”, “pecador”, “doente”, “pervertido”, “criminoso” ou “contagioso”) todos aqueles e aquelas que não se sintonizassem com o único componente valorizado pela heteronormatividade e pelos arsenais multifariamente a ela ligados – centrados no adulto, masculino, branco, heterossexual, burguês, física e mentalmente “normal”.

Diante disso, compreendemos que refletir sobre essas questões é primeiramente, garantir que o outro possa dizer-se, que seja reconhecido enquanto sujeito de direito e que logo a escola, como sendo esse espaço que também forma identidades (DUARTE; BARROS 2014) não venham reforçar as discriminações. Assim, Scott (1995, p.15) destaca que “por gênero me refiro ao discurso da diferença dos sexos. Ele não se relaciona simplesmente às ideias, mas também às instituições [...] e tudo o que constitui as relações sociais”. Desse modo fica explicito que a construção do ser homem e do ser mulher é simbólica que se constituem nas (inter)relações. 367

Ao refletir sobre a Diversidade Sexual, colocamos em questão a centralidade da heteronormatividade que historicamente foi utilizada como modelo para determinar sujeitos e sexualidades válidos. Partindo da compreensão que o sexo uma construção cultural como o Gênero (BUTLER, 2003), pontuamos que a problematização dessa temática no contexto educacional, representa para o/a docente certas dificuldades. Nesse sentido, Dinis (2008, p. 483-484) aponta que parece que a dificuldade da/do docente em tematizar a diversidade sexual também possa ser uma dificuldade em lidar com a sua própria sexualidade e com as múltiplas possibilidades de obter prazer. Ou seja, pensar a questão da homossexualidade pode ser um convite para que o/a educador/a possa olhar para sua própria sexualidade e pensar a construção histórico-cultural de conceitos como heterossexualidade, homossexualidade, questionando a heteronormatividade que toma como norma universal a sexualidade branca, de classe média e heterossexual.

A partir de tais compreensões destacamos que a escola, necessita constituir-se enquanto espaço-tempo que some forças para combater o preconceito e discriminação, advogando pela diferença de Gênero e sexual. Nesse sentido, Seffner (2009, p.124) evidencia que “o movimento social pela diversidade sexual tem interesse em ter a escola pública como um dos seus aliados, e, em particular, os professores e as professoras responsáveis pela formação de crianças e adolescentes” É fundamental compreendermos que a escola “deverá ter a preocupação de diferenciar claramente as noções de sexualidade e de gênero, pois são e se constituem em noções distintas ligadas a cada ser humano e a sua individualidade ou identidade pessoal” (BARROS; DUARTE, 2014, p.58). Assim, pontuamos a relevância da discussão de Gênero e Diversidade Sexual ganharem espaço no contexto da escola. Tornando esse espaço, lócus de enunciação das diferenças que constituem a sociedade. METODOLOGIA: O referente estudo apresenta uma abordagem de pesquisa preponderantemente qualitativa, (MINAYO, 2010) o que ajuda a refletir e articular as questões propostas para investigação. Segundo Denzin, Lincoln (2006, p.17) a pesquisa qualitativa é [...] uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao

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mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma série de representações [...], o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem.

A coleta dos dados ocorrerá por intermédio de dois procedimentos: a) observação, que nos possibilitou acompanhar em lócus elementos referentes a nosso objeto de pesquisa (VIANNA, 2003) e, b) entrevista semiestruturada que nos permitiu aprofundar questões específicas sem se remontar a uma padronização de questionamentos (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008). O campo empírico em que se ocorreu essa pesquisa foi uma escola pública municipal localizada no município de Caruaru-PE, contou com a colaboração de quatro professoras(es) codificadas no decorrer desse texto por P1, P2, P3 e P4 que atuam em turmas do ensino fundamental- anos iniciais. A presente pesquisa adotou como procedimento de análise de dados a Análise de Conteúdo, que busca a compreensão dos fatos para além do imediato, centrado na descoberta e o rigor da pesquisa (BARDIN, 2011). Desse modo, esta técnica se constitui como ferramenta de análise que se constitui pela rigorosidade da descrição para dar sustentação às interpretações e às inferências mais aprofundadas. O procedimento de análise passou pelas seguintes fases apresentadas por Bardin (2011): a) Pré-análise; b) Exploração do material e c) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Na primeira fase estabelecemos os primeiros contatos com o campo e os sujeitos da pesquisa, através da observação e das entrevistas semiestruturada. Na segunda fase codificamos os dados brutos em dados susceptíveis à análise mediante os temas e estruturantes eleitos que tendo sempre como norte nosso objeto de estudo (Gênero e Diversidade Sexual no espaço escolar). Na terceira fase realizamos as inferências e interpretações acerca do objeto de estudo tendo como base epistemológica nossos referenciais teóricos.

DISCUSSÃO E RESULTADOS: 369

A busca pela compreensão de como vem sendo desenvolvido os trabalhos sobre Gênero e Diversidade Sexual no chão da escola nos possibilitou o acesso às formas de organizar e sistematizar as concepções e as práticas pedagógicas das/os professoras/es sobre Gênero e Diversidade Sexual. Desse modo, pontuamos que a partir das observações e das entrevistas semiestruturadas que analisamos, nos foi possível identificar eixos que evidenciam o trato sobre Gênero e Diversidade no chão da escola. No que tange o estruturante Gênero, os dados evidenciam os seguintes núcleos de sentidos: a) Gênero não é biológico; b) Gênero é uma construção social e cultural e; c) Gênero define papéis sociais. Em relação ao estruturante Diversidade Sexual, foi possível identificar que o mesmo aparece como: a) Diversidade sexual não se limita ao sexo e, b) Diversidade Sexual, enquanto diferentes orientações sexuais. A partir dessas compreensões que emergem dos dados coletados com nossas/os sujeitos-colaboradoras/as da pesquisa, buscamos compreender também como vem constituindo-se nas práticas pedagógicas docentes o trato com as referidas temáticas – Gênero e Diversidade Sexual, no contexto da sala de aula. Desse modo, nos foi possível sistematizar esses dados em dois núcleos: a) Discussões nas disciplinas e, b) Atividades em grupo. Assim, pontuamos que nessa seção apresentamos cada um dos estruturantes e seus núcleos de sentidos que emergiram a partir de nossas análises, a luz do nosso referencial teórico, que nos possibilitaram atender o objetivo de nossa pesquisa. O núcleo de sentido, Gênero não é biológico, é evidenciado na fala da P2, quando a mesma enfatiza que Eu sei que a discussão de gênero não está voltada as questões biológicas, ninguém nasce com esse ou aquele gênero, temos que desmistificar essa compreensão. A escola precisa compreender isso, para não ajudar a reafirmar os determinismos biológicos e excluir as outras identidades de gênero, afirmando que só o hétero sexual que é referência (P2 ).

Nesse sentido, concordamos com a perspectiva adotada pela P2, que parte da compreensão que a identidade de Gênero se constrói mediante as relações sociais e culturais. No discurso apresentado, também pela P3, atrelasse a essa concepção quando enfatiza que “Quando estudei gênero na faculdade, sempre discutíamos que não se refere a elementos físico e biológicos” (P3). 370

Desse modo, compreendemos que “as diferenças entre homens e mulheres estão principalmente baseadas nas experiências culturais, não são diferenças naturais” (BARROS, DUARTE, 2014, p.53). Assim, é emergente que essa compreensão seja evidenciada nos espaços escolares, buscando romper com os estereótipos forjando entorno das identidades de Gênero. Ao refletirmos sobre os papéis e lugares atribuídos ao gênero feminino só é possível identificar o estereótipo de “ser frágil”, que lhe é fadado ao determinismo biológico (BEAUVOUR, 1979), em contraposição identificamos a figura do homem, o “ser voraz”, o que prover as coisas. Essa lógica perversa contribui para o silenciamento e a negação das diferenças de Gênero, tendo o gênero masculino como referência para pensar a sociedade. No que conserve o núcleo de sentido: Gênero é uma construção social e cultural, pontuamos que o mesmo dialoga com o núcleo anterior, ao evidenciar que o Gênero não parte do determinismo biológico. A P1 ao explicitar que As relações de Gênero se constroem e desenvolvem na sociedade, é uma construção que se dá na relação. É a partir da cultura de cada povo, sabe? Cada um tem um modo de ver e de ser que constitui a sociedade. A escola, a igreja, comunidade são nesses lugares que nós nos construímos. A gente ainda discuti pouco essas questões na escola, existem muitos tabus para superar (P1).

Diante disso, podemos compreender que as concepções de nossos sujeitos colaboradores/as, centram-se na perspectiva que a construção de Gênero de fato ocorre no seio das relações da sociedade, a partir dos elementos culturais que as constituem. Barros e Duarte (2014, p. 59) evidenciam que para compreendermos a construção de gênero, temos que olhar para cada sociedade em particular, cada uma delas tem uma dimensão específica para os gêneros. Basta que se observe como ao longo do nosso crescimento seremos apresentados aos brinquedos femininos e masculinos, gestos, maneiras de sentar, de falar com as pessoas, condutas de como é ser menino ou menina.

Sendo assim, compreender que o Gênero se funda no contexto sociocultural em que o sujeito está inserido. Desse modo é a partir dessa concepção que emerge o seguinte núcleo de sentido: Gênero define papéis sociais. Essa compreensão é recorrente na fala de nossos sujeitos. Nesse sentido, destacamos a fala da P3, quando enfatiza que

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muito do que sou hoje é devido ao meu gênero, ele determina os papéis que ocupamos na sociedade. O mundo se organizou assim, o gênero feminino representa o que? Um ser frágil já o masculino é forte e assim cada um ocupou um lugar na sociedade. O homem trabalha é superior e a mulher obedece, é quase nada, só cumpri ordens (P3).

Ganha evidência na fala da P3 que as relações de gênero, evidenciam os modos de vida e os papéis que os sujeitos ocupam na sociedade. Essa estrutura societal é regida pela sobreposição do gênero masculino entretimento do gênero feminino. Ao refletir sobre o termo gênero, Cruz (2009, p.112) nos diz que serefiere a las diferencias sociales entre varones y mujeres em todas las etapas del ciclo de vida que son aprendidas y, aunqueestán profundamente arraigadas em cada cultura, son cambiantes a través del tiempo, y tienen variaciones amplias tanto dentro como entre las culturas. El gênero determina los roles, el poder y los recursos para varones y mujeles em qualquier culturas.

Nesse sentido, chamamos a atenção para o trato dessa temática nos espaços formativos, a exemplo da escola por compreendermos que precisamos romper com os papéis que foram e são estabelecidos aos sujeitos meramente condicionados a seu gênero, sem levar em consideração suas reais potencialidades. A P2 evidencia que “o gênero masculino não é superior ao feminino, temos que compreender que as mulheres têm o mesmo potencial que os homens de realizar qualquer atividade, um não é superior ao outro”. Assim, destacamos que evidenciamos que “a escola não deverá reproduzir o currículo oculto da discriminação de gênero” (BARROS; DUARTE, 2014, p. 60). Evidenciamos uma relação equânime das diversas identidade de gêneros. Compreender a importância da escola nesse enfrentamento hegemônico do gênero é a reconhecer com uma aliada no combate ao preconceito e a discriminação. Nossos dados, em relação ao estruturante Diversidade Sexual, emergiu o seguinte núcleo de sentido: Diversidade sexual não se limita ao sexo. Essa compreensão é latente no discurso da P1 quando enfatiza que “Bom, vejo que a diversidade sexual não está voltada apenas ao sexo, o ato em sim melhor dizendo. Temos que pensar também na diversidade de valores, a identidade de cada sujeito, vai das identificações e preferências de cada um” (P1). 372

Dessa forma, destacamos que a compreensão apresentada pela P1, dialoga com a perspectiva de Junqueira (2009, p.369) As relações de gênero, como amplo processo de socialização, conformam identidades de gênero e sexuais. Assim, a noção de diversidade sexual é aqui empregada em referência a um conjunto dinâmico, plural e multíplice de práticas, formas e experiências multifariamente relacionadas a vivências, prazeres e desejos sexuais, vinculados a processos de (re)configurações, representações, manifestações e assunções identitárias, geralmente objetivadas em termos de identidades, preferências, orientações e expressões sexuais e de gênero.

No cerne dessa relação de Gênero e Diversidade Sexual, compreendemos que as identidades são construções sociais e culturais. É de fato nas relações que o ser humano se constitui e evidenciamos que a escola tem o papel de “garantir a efetiva inclusão da questão da diversidade sexual na pauta de estudos das escolas, e da inclusão e da permanência efetiva dos alunos e das alunas que manifestam orientação sexual diferente da heterossexual” (SEFFNER, 2009, p.135). As práticas desenvolvidas no contexto escolar, necessitam serem efetivadas levando em consideração o respeito as diferenças de gênero e sexual. Os dados também nos possibilitaram refletir sobre a Diversidade Sexual, enquanto diferentes orientações sexuais, esse núcleo de sentido é evidenciado na fala da P4 A gente ainda tem um certo preconceito com que tem uma orientação sexual diferente gays, Lésbicas, transexual [...]. Mas precisamos romper com isso é reconhecer as diferenças e respeitar. A diversidade sexual é o que orienta uma pessoa a gostar e desejar a outra, independente que seja homem com homem, mulher com mulher ou homem com mulher (P4).

É possível evidenciarmos que emerge no discurso da P4, necessitamos romper com os preconceitos acerca da diversidade sexual, compreendida aqui como orientação sexual. Nesse sentido evidenciamos que

esta expressão parece-nos a mais adequada quando se pretende descrever a atração sexual entre dois indivíduos, já que idéias como “opção”, “escolha” ou “preferência” sexual possuem um componente de vontade racional e deliberada que não faz parte das experiências sexuais e amorosas da maioria dos indivíduos modernos (MELLO; GROSSI; UZIEL, 2009, p. 165).

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Assim, compreendemos que ao trazer esta discussão no contexto da escola, precisamos evidenciar as práticas pedagógicas que dialoguem com as identidades de gênero e sexual. Pois evidenciamos que “a escola deve lutar para a formação de pessoas melhores que rompem com status preestabelecidos” (BARROS; DUARTE, 2014, p. 59). Desse modo, essa pesquisa buscou identificar as práticas pedagógicas realizadas em sala de aula que tratem sobre Gênero e Diversidade Sexual. Nesse sentido, nos foi possível identificar os seguintes núcleos de sentidos: a) Discussões nas disciplinas, e b) Atividades em grupo. Os dados evidenciam que as práticas pedagógicas sobre Gênero e Diversidade Sexual, aparecem no contexto pesquisado no âmbito das Discussões nas disciplinas, como fica evidente na fala a seguir da P2 Quando discuto e trabalhamos sobre esses assuntos, que confesso não são aprofundados é nas disciplinas mesmo [...]. Em português trago um texto para a gente discutir, em história e ciências também. Trabalhamos essas ideias que foram se construindo sobre o gênero e a diversidade sexual. Nós sabemos que é difícil discutir esses assuntos, mas aos poucos vamos conseguindo, afinal precisamos trazer para escola essas questões, e assim romper os estereótipos que a sociedade construiu, por exemplo entre as mulheres (P2).

Ao situar a discussão e o trabalho de Gênero e Diversidade Sexual no contexto escolar, aqui no contexto das disciplinas, pontuamos a relevância dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), lançados no final dos anos 90, trata esses temas de formas transversais. Desse modo, destacamos que “a intenção não era a criação de novas disciplinas, mas a incorporação dessas temáticas às existentes, incentivando professores das diversas áreas a tratarem dos assuntos eleitos” (MELO; GROSSI; UZIEL, 2009, p.175). É nesse sentido que evidenciamos o espaço-tempo dessas discussões, no seio das disciplinas que compõem o currículo escolar. Evidenciamos também, que as práticas pedagógicas que trazem elementos sobre Gênero e Diversidade Sexual, se materializam nas Atividades em grupo, que são desenvolvidas nas salas de aula. A esse respeito a P1 diz “eu costumo trabalhar em grupo com meus alunos, para que todos deixem de ter preconceitos sabe? E entender que todos

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somos diferentes independente de sua orientação sexual”. Desse modo, evidenciamos a importância da escola no trato com esses temas. Segundo Henriques (2007, p.44) a escola é um espaço decisivo para contribuir na construção de padrões sociais de relacionamentos democráticos pautados pelo reconhecimento e respeito à diversidade sexual, contra a violência, por meio da desmistificação e da desconstrução de representações sociais naturalizantes, estereotipadas e restritivas concernentes a todas as minorias, dentre elas, a população LGBT.

Assim, fica evidente que a escola pode ou não alimentar a inclusão social, quando busca reconhecer em suas perspectivas teóricas e práticas a diferença que constitue a sociedade. No decorrer de nossas observações, acompanhamos uma atividade realizada em grupo que nos possibilitou refletir como as questões de Gênero e Diversidade Sexual, pode ser trabalhada de forma transversal. No recorte do diário de campo, a seguir fica evidente essa proposta “uma atividade realizada na sala da P4, a mesma pergunta as/os alunas/os se meninos podem brincar com meninas. Em seguida pede para que elas/es escrevam brincadeiras e brinquedos que são de meninos e meninas. Depois desse momento, realiza uma conversa para desconstruir e refletir sobre a dicotomia meninos e meninas (DIÁRIO DE CAMPO, 2015).

Esse episódio nos possibilita inferir que a escola necessita ser pensada para formar pessoas, que possam questionar e refletir criticamente sua realidade, buscando romper/desmistificar os estereótipos que se forjam entorno das identidades de gênero.“Qual problema há no fato de meninas praticarem esportes? Lutas? Gostarem de videogames e de perfumes ou roupas masculinas? De gostarem do universo masculino? A escola necessita desafiar as meninas para as atividades ditas masculinas” (BARROS; DUARTE, 2014, p.60). Desse modo, destacamos que práticas pedagógicas como esta necessitam ser cada vez mais desenvolvidas, por compreendermos que nos possibilitam romper com os preconceitos e discriminações sobre as diferentes identidades de Gênero e sexual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A partir da referida pesquisa nos foi possível considerar que, os dados apontam, as discussões de Gênero e Diversidade sexual, são insipientes, contribuindo assim, para a invisibilidade de tais discussões nas salas de aula pesquisadas. Essa ausência justifica-se nas falas das(os) professoras(es) por não terem formação específica para tratar essas discussões. Assim, é possível inferirmos que apesar da importância que vem sendo atribuído a esta temática atualmente, existe também uma ausência, no que se refere a formação inicial das(os) docente. Concluímos também que das quatro professora(es) pesquisadas(os) apenas uma(o) delas(es) participaram de discussões sobre essa temática em sua formação superior. No que se refere as práticas pedagógicas realizadas em sala de aula, pontuamos que a temática de Gênero e Diversidade Sexual é apresentado esporadicamente, e quando são evidenciados, ocorrem de forma transversalmente no decorrer das atividades disciplinares, e o trato dessas questões ganham materialidade nas ações/atividades coletivas. Desse modo, finalizamos esse artigo apontando para a necessidade de aprofundarmos as discussões sobre Gênero e Diversidade Sexual, nos espaços formativos das(os) professoras(es) e no trabalho realizado no chão da escola. De modo que possamos construir um espaço escolar democrático que reconheça as identidades de Gênero e a Diversidade Sexual, sem distinção/preconceitos.

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TRABALHOS COMPLETOS

GT – 3: Educação, Gênero e Relações Étnicos-Raciais

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HUMANIZAÇÃO DO PARTO E DO NASCIMENTO: REFLEXÕES A PARTIR DAS QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS Bruna Nascimento de Melo116 Juliene Tenório de Albuquerque117 Resumo O texto apresenta reflexões sobre as desigualdades étnico-raciais no acesso e atendimento do parto das mulheres negra, sendo resultado de pesquisa monográfica de Serviço Social, dentre outras iniciativas, sobre o processo de implementação da Política de Humanização do parto e do nascimento no Hospital Jesus Nazareno de Caruaru. A pesquisa qualitativa é realizada utilizando a pesquisa bibliográfica e documental. A humanização do parto e do nascimento integra a luta pelo reconhecimento das mulheres como sujeitos e protagonistas de suas vidas e histórias, bem como na garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. Percebemos importantes avanços, a partir da criação de legislações e políticas para garantir esse direito, mas também a presença da violência obstétrica nos serviços de saúde, especialmente, direcionada as mulheres negras, revelando a presença do racismo institucional nos serviços de saúde interferindo no acesso e na qualidade do atendimento de assistência ao parto e ao nascimento. Palavras- Chave: Saúde da Mulher Negra; Política de Humanização do Parto e Nascimento; Racismo Institucional.

Introdução O presente texto tem como objetivo geral refletir sobre as desigualdades étnicoraciais no acesso e atendimento do parto das mulheres negras, sendo resultado de reflexões realizadas sobre a implantação da Política de Humanização do Parto e do Nascimento no Hospital Jesus Nazareno, em Caruaru, a partir da experiência de estágio 116

Aluna do curso de Serviço Social e integrante do Núcleo de Estudos de Gênero e Enfrentamento da Violência contra a Mulher Elma Novaes (NUGEN) da Faculdade ASCES. E-mail: [email protected]. 117 Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Coordenadora do curso de Serviço Social e integrante da Coordenação Colegiada do Núcleo de Estudos de Gênero e Enfrentamento da Violência contra a Mulher Elma Novaes (NUGEN) da Faculdade Asces. E-mail: [email protected].

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curricular, de trabalho da disciplina Relações Étnico-Raciais, da pesquisa monográfica de Serviço Social e das discussões no âmbito do Núcleo de Estudos de Gênero e Enfrentamento da Violência contra a Mulher Elma Novaes (NUGEN 118) da Faculdade Asces. Sabemos que a Política de Saúde tem como principal referência a Constituição Federal de 1988, que a concebe como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas que visem à redução de riscos de doenças, no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação, com base nos princípios da universalidade, integralidade e equidade para garantir a cidadania de todas(os) usuárias(os) do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 1998). O Brasil, ao dispor de uma população de maioria formada por mulheres, de acordo com o IBGE (2010), representam 51% da população, as têm como principais usuárias do SUS, conformando, portanto, um segmento social fundamental para as políticas de saúde, não apenas pela sua importância numérica, mas, especialmente, porque neste campo as históricas desigualdades de poder entre homens e mulheres implicam em forte impacto nas condições de saúde das mulheres. Outras variáveis como raça/etnia e situação de pobreza aprofundam ainda mais tais desigualdades e também necessitam ser consideradas na formulação, implementação e avaliação de estratégias de intervenção governamental na área. (CARDOSO, s.d). De acordo com o CFESS (2010), a Humanização o SUS é uma temática que surge com ênfase no final de 1990, tendo conseguido legitimidade a partir da 11ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília em 2000. Em 2001, com a criação do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar pelo Ministério da Saúde, a cultura de um atendimento humanizado na área da saúde passa a ser disseminado em diversas instâncias que integram o SUS. Em 2004, o programa é transformado na Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão no Sistema Único de Saúde- HumanizaSUS, 118

Criado em 2012, a partir da cooperação estabelecida entre a Secretaria da Mulher de Pernambuco e a Faculdade Asces. Inserido no Laboratório de Estudos, Políticas e Práticas Sociais (LEPPS), participam do núcleo os cursos de Serviço Social, Licenciatura em Educação Física, Enfermagem, Relações Internacionais e Odontologia.

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estabelecendo que a humanização consiste na “ valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores” (CFESS, 2010, p.10). Dentre os principais temas referentes à humanização no SUS se destacam a humanização do parto e do nascimento. De acordo com o Ministério da Saúde, a humanização do parto envolve muitas discussões o atual e desejado modelo obstétrico e neonatal, as “boas” práticas de atenção ao parto e ao nascimento, a inclusão da(o) enfermeira(o) obstétrica na cena e na realização dos partos de risco habitual, a importância e os desafios do exercício do direito a acompanhante de livre escolha da mulher, a função do homem na maternagem (paternagem) e de sua inclusão na cena do parto, os fóruns perinatais e movimentos sociais que tanto potencializam e atualizam políticas de saúde e redes de cuidado, dentre outros (BRASIL, 2014). As desigualdades e violências vivenciadas pela população negra no cotidiano são vivenciadas pelas mulheres no acesso, permanência e qualidade dos atendimentos na política de saúde, dos quais destacamos os que oferecem atendimento ao parto e nascimento. Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, lançada em 2009, 5,1% de mulheres brancas não receberam anestesia no parto normal, enquanto que nas negras o percentual aumentou para 11,1%. Enquanto 77,7% das mulheres brancas foram orientadas para a importância do aleitamento materno,s 62,5% das negras receberam a orientação. No que diz respeito ao acompanhamento na hora do parto, 46,2% tiveram esse direito e apenas 27,0% das negras exerceram o receberam (ALMEIDA, CARDOSO & MARINHO, 2011). Tais resultados são inaceitáveis em um país que pretende ter um sistema público de saúde universal, integral, publicamente financiado e, portanto, equânime, e revelam os desafios e necessidades para visibilidade destas questões de forma a garantirmos o fim do racismo institucional e a garantia de que as mulheres negras terão seus direitos de acesso, acompanhamento e cuidados assegurados.

1. A Política de Saúde e as normativas para o parto e o nascimento

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Integrando a proposta de humanização do SUS, a Política de Saúde da Mulher tem avançado no debate sobre a humanização e a qualidade da atenção em saúde, consideradas como condições essenciais para resolução dos problemas identificados, na satisfação das usuárias, no fortalecimento da capacidade das mulheres frente à identificação de suas demandas, no reconhecimento e reivindicação de seus direitos e na promoção do autocuidado (BRASIL, 2004, p. 59). A humanização implica, desta forma, em: (...) aprender a compartilhar saberes e reconhecer direitos. A atenção humanizada e de boa qualidade implica no estabelecimento de relações entre sujeitos, seres semelhantes, ainda que possam apresentar-se muito distintos conforme suas condições sociais, raciais, étnicas, culturais e de gênero. (BRASIL, 2014).

Essa humanização dessa ser efetivada pelos profissionais da saúde para que todas as usuárias do possam ter uma assistência humanizada, considerando-as como sujeitas de direitos. O Ministério da Saúde tem ampliado o debate sobre essa questão o que requer a compreensão das usuárias do Sistema Único de Saúde e dos(as) profissionais que fazem parte dele, cabendo às usuárias o acesso aos seus direitos conquistados historicamente, cabendo aos(às) profissionais implantá-los e efetivá-los numa perspectiva de reconhecimento desses direitos. No Brasil ao se falar em Saúde da mulher as primeiras políticas de saúde mais precisamente no século XX estão relacionadas às demandas relativas à gravidez e ao parto. Os programas materno-infantis, elaborados nas décadas de 30, 50 e 70, traduziam uma visão restrita sobre a mulher, baseada em sua especificidade biológica e no seu papel social de mãe e doméstica, responsável pela criação, pela educação e pelo cuidado com a saúde dos filhos e demais familiares (BRASIL, 2014, p. 15). Com o passar dos anos, houve a ampliação de tais programas o que possibilitaram o debate sobre A Humanização do Parto e do Nascimento, implicando na regulamentação de várias políticas públicas com a finalidade de garantir a humanização do parto, resgatar a autonomia da mulher e garantir os seus direitos sexuais e reprodutivos. O termo humanização está presente no debate da saúde pública no Brasil, com mais ênfase, no fim da década de 1990. Contudo, este movimento como poderíamos 383

chamar, começa a delinear seus traços já na década de 1950, recebendo influências e suas implicações da Declaração Universal dos Direitos Humanos; da defesa em prol da assistência ao parto humanizado – defesa na qual se identifica o movimento feminista como sujeito desse processo; da luta antimanicomial, e das demais críticas que vêm se juntar a essas, principalmente no que concerne ao modelo de assistência à saúde existente. (CONCEIÇAO, 2009). Muitos entendimentos e sentidos são atribuídos à humanização do parto e do nascimento. Daphne Ratter (apud PARTO DO PRINCÍPIO, 2011) elenca os seguintes sentidos atribuídos ao termo: a) Como legitimidade científica da medicina ou assistência baseada na evidência, orientando a prática pelo conceito de tecnologia apropriada e de respeito à fisiologia; b) Como a legitimidade política de reivindicação e defesa dos diretos das mulheres na assistência ao nascimento ou baseada nos direitos; c) Como resultado de tecnologia adequada na saúde da população, implicando na reivindicação de políticas públicas no sentido da legitimidade epidemiológica; d) Como legitimidade profissional e corporativa de um redimensionamento dos papéis e poderes dos atores intervenientes na cena do parto, deslocando a função de cuidador exclusivo no parto normal do cirurgiãoobstetra para a enfermeira obstetriz; e) Como legitimidade financeira dos modelos de assistência, ou seja, da racionalidade no uso de recursos; f) Como a legitimidade da participação da parturiente nas decisões sobre sua saúde, com melhora da relação profissional-usuária; g) Como direito ao alívio da dor, da inclusão para pacientes do SUS no consumo de procedimentos ditos humanitários e antes restritos às clientes do setor privado. Entendemos que a adoção de um ou outro significado resulta na legitimação de práticas discursivas e sociais nos processos de atendimento e cuidado das mulheres, bem como disputam a direção de práticas institucionais e políticas de saúde de humanização do parto e do nascimento. A compreensão e a disputa do significado da humanização como direito e da defesa da mulher como principal sujeito se torna ainda hoje um imperativo. O movimento feminista tem papel importante nessa luta pela humanização do parto. Na década de 70, o movimento constatava que a maternidade era vivida em 384

condições de opressão, mesmo quando havia uma escolha consciente. As mulheres se sentiam tratadas não como pessoas com novas necessidades, mas como embalagens para o feto, como uma pélvis assexuada, vigiada e submetida a intervenções institucionais – especialmente no campo da medicina. No Brasil, desde a década de 80 uma das frentes de luta do movimento de mulheres é a assistência ao parto. Para isso, o movimento produz material educativo em que propõe políticas públicas e utiliza o termo “humanização da assistência à gravidez e ao parto”. Reivindica as dimensões emocionais e sociais da maternidade, afirmando que “a gravidez não acontece só na barriga da gente”. Questiona o modelo médico centrado em uma concepção do corpo feminino como “defeituoso”, que trata o parto como um acontecimento patológico e arriscado, que utiliza tecnologia agressiva, invasiva e potencialmente perigosa. Ao contrário disso, o movimento feminista defende a maternidade como sendo uma atividade “voluntária, prazerosa, segura e socialmente amparada, em vez de uma experiência de sofrimento e vitimização. (REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE/ DOSSIÊ, 2002, p.23). Desde então, a partir da luta do movimento feminista no Brasil, o Ministério da Saúde vem desenvolvendo políticas públicas para garantir essa assistência humanizada. Em 1983, o Programa de Assistência Integral a Saúde da Mulher (PAISM), foi um marco nas Políticas relacionadas à saúde da Mulher, esse programa teve um importante papel para que se avançasse na Humanização do Parto. (BRASIL, 2004). Em 2004, o PAISM ganha status de Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher - PNAISM, com o objetivo de consolidar os avanços no campo dos direitos sexuais e direitos reprodutivos com a preocupação em aperfeiçoar a atenção obstétrica e o acesso ao planejamento familiar; melhorar a atenção nas intercorrências obstétricas e à violência doméstica e sexual; reduzir a morbimortalidade por causas previsíveis e evitáveis, a prevenção e o tratamento das doenças sexualmente transmissíveis incluindo o HIV/Aids; o câncer de mama e de colo de útero e o tratamento das doenças crônicas não transmissíveis. (BRASIL, 2013). No ano 2000, foi implantado o Programa de Humanização do Pré-Natal e do Nascimento (PHPN). Com princípios voltados para a humanização, o objetivo primordial 385

desse programa é assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento do pré-natal, da assistência ao parto e puerpério às gestantes e ao recém-nascido, na perspectiva dos direitos de cidadania. (BRASIL, 2002). Mesmo com os com o avanço da humanização do Parto e do Nascimento. Em 2005, o governo publicou a Portaria n° 1067, que instituiu a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal que tem como principal objetivo acolher a mulher desde o início da gravidez, assegurando, ao fim da gestação, o nascimento de uma criança saudável e o bem-estar da mulher e do recém-nascido. (BRASIL, 2005). A política também traz a importância de duas leis, são elas: a LEI Nº 11.108 de 07 de abril de 2005, que garante a toda gestante à presença de acompanhante durante o trabalho de parto e pós-parto imediato, bem como, a LEI Nº 11.634, de 27 de dezembro de 2007, que dispõe sobre o direito da gestante ao conhecimento e a vinculação à maternidade onde receberá assistência no âmbito do Sistema Único de Saúde. No ano de 2011, surge o novo modelo de assistência obstétrica e infantil chamado Rede Cegonha, operacionalizada pelo SUS e fundamentada nos princípios de humanização e assistência, com o objetivo de promover às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo, à atenção humanizada à gravidez, parto e puerpério e a criança o direito ao nascimento seguro, crescimento e desenvolvimento saudável (ALVES, 2014 apud BRASIL, 2011).

2. Desafios de acesso e atendimento das mulheres negras ao direito ao parto humanizado

Essas Políticas públicas representam um avanço na Política de Humanização do Parto e Nascimento. Mas é necessário considerar um recorde étnico racial, ao compreendermos que as mulheres negras não tem os mesmos acessos e atendimento das mulheres brancas. Para que se avançasse nessa temática em 2001 foi criado o documento Saúde da População Negra no Brasil, que consiste em uma sistematização do estado da arte e do campo da saúde, além de ampliar a compreensão da relevância das singularidades 386

pertinentes à saúde da população negra e da necessidade de apontar às políticas de saúde e ao cotidiano da saúde tais saberes (OLIVEIRA, 2002). As mulheres negras apresentam um menor acesso à assistência obstétrica. O relatório Saúde Brasil 2005: uma análise da situação de saúde apresenta informações e análises discriminadas segundo raça, cor e etnia, enfocando assistência pré-natal, tipo de parto, baixo peso ao nascer e análise dos dados referentes ao nascimento, incluindo morbimortalidade materno infantil, em âmbito nacional e regional (BRASIL, 2007). Esse estudo ainda verificou que 62% das mães de nascidos brancos referiram ter passado por sete ou mais consultas no pré-natal, para as mães de nascidos pardos foi de 37%. Ainda esse comprova que as mulheres grávidas negras morrem mais de causas maternas, a exemplo da hipertensão própria da gravidez, que as brancas. O risco de uma criança preta ou parda morrer antes dos cincos anos por causas infecciosas e parasitárias é 60% maior do que uma criança branca (BRASIL, 2007). Os dados obtidos na pesquisa Desigualdades raciais, Sociodemográficas e na Assistência ao Pré-natal e ao Parto, 1999 – 2001 revelou que: A peregrinação em busca de atendimento foi de 31,8% entre as negras, 28,8% nas pardas e 18,5% nas brancas. A anestesia foi amplamente utilizada para o parto vaginal nos dois grupos, porém a proporção de puérperas que não tiveram acesso a esse procedimento foi maior entre as pardas, 16,4% e negras, 21,8%. Em relação a estar com o companheiro ou familiar na ida para a maternidade, as gestantes pardas se assemelham às brancas, ficando as de cor preta em condição desfavorável, tendo 4,9% delas chegado desacompanhadas. A variável "tipo de prestador" reforça a desigualdade no acesso ao serviço de saúde entre brancas, pardas e negras. As mulheres de cor preta e parda são majoritariamente atendidas em estabelecimentos públicos, 58,9% e 46,9%, e nas maternidades conveniadas com o Sistema Único de Saúde (SUS), 29,6 e 32,0%. As brancas, ao contrário, quase a metade, 43,7%, tiveram seus partos realizados em maternidades privadas (LEAL, CUNHA & GAMA, 2005). Dados como esse reforçam que do Pré- Natal ao parto as mulheres grávidas negras permanecem em situação de maior violação de direitos e estão mais expostas a sofrerem violência obstétrica nos serviços de saúde. 387

A saúde da população negra tem sido objeto de políticas, pois possui características que conferem disparidades no que diz respeito às condições de saúde, seja do ponto de vista individual ou coletivo. A fim de promover a equidade no que diz respeito à efetivação do direito humano à saúde dessa população, o Conselho Nacional de Saúde aprovou, no dia 10 de novembro de 2006, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). Instituída pela portaria nº 992, de 13 de maio de 2009, tem como objetivo a promoção da equidade em saúde, em função de situações de risco, com vistas ao maior cuidado com a saúde da população negra ( SANTOS & SANTOS, 2013, p. 564). As pesquisas e o processo de construção de políticas sociais que contemplem os aspectos étnico-raciais expõem as manifestações do racismo, por meio de normas, comportamentos e práticas discriminatórias que vem sendo, ao longo da história, naturalizadas por um lado, e denunciadas por outro. As instituições, ao silenciar e negligenciar sua análise, as institucionalizam, restringindo o "acesso, das pessoas, de grupos raciais ou étnicos discriminados aos benefícios gerados pelo Estado e pelas instituições/organizações que os representam". O racismo, neste caso, é um dos determinantes do processo saúde-doença-cuidado e morte (BRASIL, 2011, p. 16).

3. Metodologia

O presente texto foi realizado a partir de uma pesquisa qualitativa pela possibilidade que ela apresenta de compreendermos os

“significados, motivos,

aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 1992, p.21). O método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam. [...] as abordagem qualitativas se conformam melhor às investigações 388

de grupos e segmentos delimitados e focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos atores, de relações e para análise de discursos e documentos.( ALVES, 2014, p.25 apud MINAYO,2010, p.57). Com relação às escolhas metodológicas, selecionamos os seguintes: 1) Pesquisa Bibliográfica; 2) Análise de documentos de domínio público. A pesquisa bibliográfica é um procedimento metodológico que oferece a possibilidade de orientar e buscar soluções para o estudo. Sob essa perspectiva, o conhecimento da realidade não é apenas a simples transposição dessa realidade para o pensamento, pelo contrário, consiste na reflexão crítica que se dá a partir de um conhecimento acumulado que gerará uma síntese, o concreto pensado (LIMA e MIOTO, 2007). Com relação ao uso de documentos de domínio público, ressaltamos que esta é uma técnica que deve ser apreciada e valorizada, visto que a riqueza de informações que deles podemos extrair e resgatar justifica o seu uso em várias áreas das Ciências Humanas e Sociais porque possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural (SILVA, ALMEIDA e GUINDANI, 2009, p.2). Os documentos utilizados foram as Políticas voltadas para a Humanização do parto e nascimento, assim como legislações referentes a essa humanização que foram elaboradas pelo Ministério da Saúde. A Política Nacional de Saúde Integral a População Negra e dados que foram resultado de estudos e pesquisas que comprovam a desigualdade no atendimento das mulheres gestantes brancas em relação às negras, além de ser destacado o racismo institucional o qual essas mulheres estão expostas.

4. Análise e Resultados

A análise das questões étnico-raciais no processo de humanização da humanização do parto e do nascimento revelou a importância de que, ao falar em saúde da população 389

negra, é preciso considerar o racismo que se reafirma no dia a dia, pela linguagem comum, se mantém e se alimenta pela tradição e pela cultura, influencia a vida, o funcionamento das instituições, das organizações e também as relações entre as pessoas. É condição histórica e traz consigo o preconceito e a discriminação, e que acometem de maneira dupla as mulheres, também vitimadas pelo machismo e pelos preconceitos de gênero ( BRASIL, 2007, p.30). Mesmo com a criação de tais políticas públicas voltadas para a humanização do Parto e Nascimento, resultado da luta do movimento feminista, contamos com a questão do racismo institucional o qual é resultado de um processo histórico vivido em nosso país. A assistência ao parto é frequentemente vista como uma forma de violência contra as mulheres. Os preconceitos presentes na formação dos profissionais de saúde e na organização dos hospitais fazem com que as frequentes violações dos direitos humanos e reprodutivos das mulheres sejam incorporadas e passem a fazer parte da rotina “normal” da assistência. (REDE FEMINISTA DE SAÚDE / DOSSIÊ, 2002). A Política Integral de Saúde da População Negra levanta duas questões com a finalidade de subsidiar identificação, a abordagem, o combate e a prevenção do racismo institucional: (...) a das relações interpessoais, e a político- programática. A primeira diz respeito às relações que se estabelecem entre dirigentes e servidores entre os próprios servidores e entre os servidores e os usuários do serviço. A segunda, a dimensão político- pragmática do racismo institucional é caracterizada pela produção e disseminação de informações sobre as experiências diferentes e/ou desiguais em nascer, viver, adoecer e morrer; pela capacidade de reconhecer o racismo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliação das potencialidades individuais; pelos investimentos em ações e programas específicos para a identificação de práticas discriminatórias; pelas possibilidades de elaboração e implementação de mecanismos e estratégias de não-discriminação, combate e prevenção do racismo e intolerâncias correlatadas – incluindo a sensibilização e capacitação de profissionais; pelo compromisso em priorizar a formulação e implementação de mecanismos e estratégias de redução das disparidades e promoção da equidade(BRASIL, 2007, p. 30).

As mulheres negras estão expostas a sofrerem violência institucional nos serviços de saúde, os quais deveriam ser um espaço de acolhimento humanizado. Sofrem violência por serem mulheres e pela cor de sua pele, o que constitui em racismo e violação de 390

princípios constitucionais de cidadania e dignidade da pessoa humana, conforme estabelece o artigo art 1º, inc. II e III da Constituição Federal de 1988. Considerações Finais As políticas de humanização do parto e nascimento representam um avanço na saúde da mulher gestante. O CFESS (2011) ressalta que, mesmo com os avanços históricos conseguidos como resultado do importante processo de luta do movimento feminista, do qual podemos computar significativas conquistas em relação aos direitos, legislações e políticas para as mulheres nos últimos 70 anos, o sistema capitalista patriarcal resiste em não sucumbir. Há um comportamento contundente da sociedade ainda machista, conservadora e fundamentalista em ignorar e ridicularizar os direitos das mulheres, não implementar legislações e políticas conquistadas e continuar subalternizando as mulheres, produzindo um cotidiano de violações e barbárie, demonstrado diariamente em estatísticas que nos revelam a dimensão do problema e nos causam profunda indignação. Essa situação torna-se de mais barbárie quando analisamos os dados e percebemos que além da questão de gênero, a presença do recorte de raça/etnia representado pelo o racismo institucional impõe as essas mulheres negras maior violação de direitos e condições desiguais no atendimento nos serviços de saúde. Concluímos, desta forma, que a problematização e a reflexão das questões de gênero e étnico-raciais são imprescindíveis na formação dos/as profissionais das diversas áreas, em especial, da saúde na perspectiva de garantia de direitos e condições equitativas das mulheres nos serviços de saúde.

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CFESS MANIFESTA. 3º Conferência Nacional de Políticas para as mulheres. Brasília: CFESS, 2011. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta2011_conf.mulheres-SITE.pdf>. Acesso em 07 de agosto de 2015. CONCEIÇÃO, Tainá Souza. A Política Nacional de Humanização e suas implicações para a mudança do modelo de atenção e gestão na saúde: Notas preliminares. SER Social, Brasília, 2009. Disponível em: < periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/viewFile/373/226> Acesso em 07 de agosto de 2015. Dossiê Humanização do Parto / Rede Nacional Feminista de Saúde. Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. São Paulo, 2002. Disponível em: Acesso em 07 de agosto de 2015. LEAL, GAMA & CUNHA. Desigualdades raciais, sociodemográficas e na Assistência ao pré-natal ao parto 1999-2001. São Paulo: Revista Saúde Pública vol.39, 2005. LIMA, Telma Cristiane Sasso de; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos Metodológicos na Construção do Conhecimento Científico: a Pesquisa Bibliográfica. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2007. Disponível em: Acesso em 10 de agosto de 2015. MINAYO, Maria Cecília. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec / ABRAS-CO, 1992. OLIVEIRA, Fátima. Saúde da População Negra. Cidade: Brasília. Editora, 2002. PARTO DO PRINCÍPIO. Dossiê da Violência Obstétrica: Parirás com dor. Brasília: Parto do Princípio, 2012. Disponível em: http://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf. Acesso em 28.10.15. SANTOS, Josenaide Engracia & SANTOS; Giovanna Cristina Siqueira. Narrativas dos profissionais da atenção primária sobre a política nacional de saúde integral da população negra. Rio de Janeiro: Saúde em debate, 2013. SILVA, Jackson Ronie Sá; ALMEIDA, Cristovão Domingos & GUINDANI, Joel Felipe. A pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Ano I – Número I. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS, 2009. 393

AS RETRATAÇÕES RACIAIS E ÉTNICAS DE MULHERES NEGRAS NA CULTURA NORDESTINA

Ricelio Regis Barbosa da Silva Moura¹ Maria Aline Santos da Silva²

Resumo Este presente trabalho foi resultado de uma experiência obtida na feira de artesanato da cidade de Caruaru-PE, por meio de uma atividade da disciplina eletiva: Educação e Racismo e Educação para as Relações étnico-raciais, ofertado no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco- Centro Acadêmico do Agreste. Nesse componente curricular uma das atividades propostas foi o passeio da turma na feira de artesanato de Caruaru-PE, em que os estudantes deveriam observar como são mostrados/(re)tratados/as as pessoas do segmento branco, negro e indígena. Assim neste trabalho observamos a visão social para com as mulheres negras na cultura nordestina, tomando como base para isso as peças de arte expostas na feira de Caruaru-PE pelos artesãos. Nesse sentindo podemos notar que as mulheres negras são vítimas de uma dupla violência, a violência de gênero e a violência de raça/etnia. Palavras-chave: Mulher negra. Preconceito. Raça e Etnia.

Introdução O presente trabalho foi resultado de uma experiência obtida na feira de artesanato da cidade de Caruaru-PE, por meio de uma disciplina eletiva: Educação e Racismo e Educação para as Relações Étnico-raciais, ofertada na grade do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco- Centro Acadêmico do Agreste, em que, nesse 394

componente curricular tivemos como uma das atividades propostas na disciplina, a visita com um passeio na feira de artesanato da cidade de Caruaru-PE. Nessa atividade proposta os estudantes deveriam observar como são vistos/as e (re)tratados/as conforme a visão da sociedade as pessoas dos segmentos branco, negro, e também os povos indígenas. Este trabalho é parte dessa atividade da disciplina. Dessa forma, neste trabalho optamos por tratar a visão das pessoas da cultura nordestina para com as mulheres negras, por sofrerem uma dupla violência de gênero e de raça e etnia. Assim procuramos observar nas peças de arte expostas na feira de Caruaru pelos artesãos, para comercialização e apreciação do público, tendo em vista que essas peças ficam expostas ao público em todo momento de funcionamento da feira. Nessa direção, sabendo dos preconceitos existentes de gênero e raça/etnia, direcionamos nossos olhares para saber como são (re)tratadas as mulheres negras na cultura nordestina, ou seja, como elas são vistas e quando são visibilizadas, como são passados seus valores e que estereótipos são criados e existentes para com a mulher negra em nossa sociedade. Escolhemos o termo retratadas e não representadas, por entender que as mesmas não podem ser representadas, visto que, cada pessoa possui singularidades e essências diferentemente umas das outras. Nessa direção, esse estudo tem como pergunta: Como são retratadas as mulheres negras na cultura nordestina através das peças de artesanato da feira de Caruaru-PE? Temos como objetivo geral: Analisar como são retratadas as mulheres negras na cultura nordestina através das peças de artesanato da feira de Caruaru-PE. E como objetivos específicos: 1) Conhecer como são retratadas as mulheres negras na cultura nordestina através das peças de artesanato na feira de Caruaru-PE. 2) Refletir o preconceito racial trazidos nos papeis e os lugares sociais que as mulheres negras são retratadas pelas as peças de artesanato.

Vestígios da Colonialidade

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Sabemos que as discussões relativas ao preconceito e discriminação de gênero, raça, etnia, classe social, entre outras, é uma questão histórica, que se perpetua e que está arraigada historicamente na sociedade. A ideia de superioridade e inferioridade foi o grande legado que o colonialismo deixou ate os dias de hoje. (QUIJANO, 2005). Ainda para Quijano: ...Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade Às relações de dominação impostas pela a conquista[...] os povos conquistados e dominados foram postos numa situação natural de inferioridade, e consequentemente também seus traços fenotípicos, bem como suas descobertas mentais e culturais. (QUIJANO, 2005, p. 227-228).

Assim os povos indígenas e africanos foram tratados pelos colonizadores na América do Sul, pelos traços fenotípicos, e culturais foram classificados como inferiores em relação aos invasores da “Terra prometida”. Desse modo, desde muito cedo as relações sociais construídas nessa ideia racial, produziu as desigualdades entre os diferentes grupo, gerando e fortalecendo cada vez mais, o preconceito e a intolerância para com o outro, o diferente. Nessa direção, como educadores, temos o papel na educação e uma possibilidade de modificar esses resquícios deixados pelo colonialismo, como o preconceito racial por exemplo, nesse sentido com e através da educação, podemos possibilitar a sociedade novos olhares para construção de novos conhecimentos e ideias, mesmo que aos poucos, apontar um novo olhar, um olhar descolonizado de nossa história conseguiremos avançar ao que diz respeito aos direitos humanos, ao ser o outro que foi colocado/a historicamente a margem da sociedade. Com a educação pode-se desconstruir preconceitos sobre outros sujeitos, gênero, culturas, raças/etnias, entre outros. Nesse sentindo, sabemos que tem professores/as que buscam informações e conhecimentos estratégicos para a compreensão e o combate do preconceito e da discriminação racial e de gênero existentes nas relações pedagógicas e educacionais nas escolas. (CAVALLEIRO, 2000). Nessa direção, assim, tão importante quanto ter conhecimento estratégico para lidar com o preconceito de gênero, raça/etnia, entre outros, em sala de aula, é preciso também reconhecer o racismo nos mais diversos ambientes, mesmo sendo esta uma tarefa um 396

pouco complicada, por ser, na maioria das vezes esse crime silenciado, naturalizado e também apresentar-se de forma sutil, isso acontece por termos uma visão ainda eurocêntrica, como afirma Munanga (2005): “[...], não podemos esquecer que somos produtos de uma educação eurocêntrica e que podemos, em função desta, reproduzir consciente ou inconscientemente os preconceitos que permeiam nossa sociedade” (p. 15). Como os preconceitos, hierarquização, dominação, e violência contidas de forma muitas vezes implícitas, ou explicitas no nosso cotidiano, bem como conseguimos ver também nas peças de artesanato a visita a feira, em que, muitos artesões ao produzirem suas peça, obviamente marcados e influenciados pela visão e requícios colonial e patriarcal, retratam as mulheres negras, ainda numa perspectiva que historicamente conhecemos, excluídas e privadas de direitos sociais básicos, como o direito de votar e ser votada, de liderança, ou o direito de escolha sobre se mesmas e de seu próprio corpo, entre outros. é notável toda essa herança presentes ainda nos dias atuais, mesmo que os movimentos sociais tenham conseguidos grandes avanço, como foi as conquistas do movimento feminista, o direito ao voto e serem votadas, o direito ao decidir sobre seu corpo, ainda infelizmente persiste na sociedade, mesmo que com algumas modificações, mas o preconceito de gênero e raça é presente nas relações sociais. Nesse meio de opressão surgir a luta pela equidade de direitos entre gêneros. Segundo Felippe (2009): “falar em condição de exclusão e de violência para as mulheres implica, por inferência direta saber das mulheres negras em pior situação! Situação que se evidencia na discriminação salarial; na não oportunidade”. (p. 16). Historicamente sabemos que as mulheres foram e ainda são privadas de diversos direitos e espaços, seja pelos aspectos culturais, regionais, impostos e criados pelo sistema patriarcal para com elas. O patriarcado ainda é muito forte e persiste em manter mesmo com o passar dos séculos. Sabemos que infelizmente para a mulher ainda é difícil de viver completamente bem em sociedade, tendo em vista que, a manutenção do sistema patriarcal hoje conhecido também como sistema machista, em que priva a liberdade completa da mulher, como também dita comportamentos, modos, formas e lugares apropriados as mulheres. Para a mulher negra, toda esse poder e violência, preconceito é ainda é mais pesado e difícil, pois ela sofre uma dupla discriminação, primeiro por ser mulher, sofre a 397

discriminação e violência de gênero e depois por ser negra, o que agrava mais essa violência sofrida, por pertencer a uma raça/etnia, uma cultura diferente e historicamente negada pela colonialidade.

Metodologia Nosso estudo teve como percurso metodológico a abordagem da pesquisa qualitativa por entender que: Com o termo “pesquisa qualitativa” queremos dizer qualquer tipo de pesquisa que produza resultados não alcançados através de procedimentos estatísticos ou de outros meios de quantificação. Pode se referir à pesquisa sobre a vida das pessoas, experiências vividas, comportamentos, emoções e sentimentos, e também à pesquisa sobre o funcionamento organizacional, movimentos sociais, fenômenos culturais e interação entre nações. Alguns dados podem ser quantificados, como no caso do censo ou de informações históricas sobre pesquisa ou objetos estudados, mas o grosso da analise é interpretativa. (STRAUSS e CORBIN, 2008, p. 23).

Sendo a pesquisa qualitativa porque pretendemos olhar as experiências ao comportamento dos sujeitos, buscamos compreender o seu contexto e as questões que surgiam em torno das desigualdades sociais existentes.

O tipo de estudo da pesquisa foi um estudo de caso. Segundo Yin: Em geral, os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam em questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real. (YIN, 2005, p. 19).

Seguindo esse percurso metodológico procuraremos atender aos objetivos da pesquisa que é: 1) conhecer como são retratadas as mulheres negras na cultura nordestina através das peças de artesanato na feira de Caruaru-PE. Para isso na coleta de dados foi utilizada 398

a observação participante “como um processo utilizado pelo o pesquisador observador de uma situação da sociedade, ele tem um contato direto com os indivíduos pesquisados para coletar dados e compreender o contexto pesquisado. Afetando-o e sendo afetado”. (MINAYO, 2008, p.70). E para alcançarmos o outro objetivo específico da pesquisa que é: 2) Refletir o preconceito racial trazidos nos papeis e os lugares sociais que as mulheres negras são retratadas pelas peças de artesanato. Utilizamos além de observações, registros fotográficos das peças de artesanato da feira. Por fim, fizemos uso da analise de conteúdo. Segundo Barbin: “[...] a analise de conteúdo aparece como um conjunto de técnicas de analise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens”. (BARDIN, 2004, p. 33).

Resultados Assim foi possível observamos enquanto estávamos em campo, ver que na feira de artesanato de Caruaru-PE, as teias de sustentação do patriarcado e colonialismo estão presentes, ora as vezes de forma explicitas, ora de forma implícitas apresentam-se nas peças de arte, que os artesãos fazem ao buscarem retratar mulheres negras. É explicito que as mulheres negras ao serem retratadas nas peças de artesanato são vítimas de uma dupla violência, primeiro por serem mulheres e depois por serem negras. Mesmo que se tenha leis que defendam as mulheres e a questão racial e de etnia, não se garante a efetivação dessas leis para os crimes de racismo, de violência física, violência psicológica, violência moral, violência sexual, violência patrimonial, cárcere privado, violência domestica, entre outros crimes, em que as mulheres são as maiores vítimas. Aqui procuraremos destacar algumas peças vistas na feira, e nelas percebemos que em inúmeras peças, as mulheres negras são colocadas em pior situação que as mulheres brancas, não que as mulheres brancas não sofram com o preconceito e discriminação, mas que as mulheres negras tem-se a na sua raça/etnia, cultura um agravante na sociedade. É gritante nas peças que as mulheres negras sempre estão retratadas como submissas aos desejos dos homens, e das mulheres brancas, sempre estão em posição como prestadoras 399

de algum serviço, sempre trabalhando, e a sua força de trabalho esta relacionada ao cuidado dos outros, da família, do/a patrão/a, de seu marido, e não desempenhando um trabalho para o cuidado de se mesma. As mulheres negras também são mostradas nas pescas de artesanato com uma posição social inferior em relação as profissões desempenhadas pelas as mulheres brancas, estas são mostradas em profissões de maior prestígio social, como médicas, veterinárias, executivas, entre outras profissões que também representa uma liderança para com o grupo. Enquanto as mulheres negras são retratadas sempre trabalhando na cozinha a serviço de/a seu/a patrão/a, costurando, carregando potes na cabeça, nos braços, algumas ainda mostradas como escravas, e também vistas como pré-dispostas ao sexo, como são mostradas em varias peças, colocadas em posições sexuais, com seus órgãos genitais expostos, e mesmo quando vestidas são posicionadas de forma apelativa para o sexo, estereotipadas, seis grandes e amostra, quadris largos, entre outras características físicas que nen sempre corresponde a todas mulheres negras. Notamos também que quanto mais negra a cor da sua pele, mais as mulheres nas peças estão com poucas ou sem alguma roupa. É chocante ver algumas peças que as coloca literalmente como objeto sexual do homem, como por exemplo uma peça bastante vendida, que é um cinzeiro, em que a mulher negra é colocada em uma posição sexual, e seu corpo nu é todo evidenciado, e o seu anus está para apagar o cigarro. Outra peça que gostaríamos de destacar aqui também refere-se a uma mulher e um homem nu, embora ambos estivessem bêbados na cena representada, o homem não esta ereto, mas a mulher esta colocada em uma posição sexual de forma apelativa, em que o vestido dela mostra toda suas partes intimas. O impressionante é termos descoberto que essas peças de mulheres e mulheres negras apelativas para o sexo, são as peças que mais vende na feira. Considerações Finais Conhecer como são as retratações das mulheres negras na nossa cultura, permite perceber os códigos e regras que, geralmente passam “despercebidos” por nossos olhares no nosso cotidiano, e tornam-se “representações” corriqueiras e que são cada vês mais 400

naturalizadas. Muitas vezes essa violência contra as mulheres e mulheres negras são apresentadas com um preconceito sutil, se naturalizando esses crimes dos preconceitos de gênero e raça/etnia, que os indivíduos sofrem no seu cotidiano, sujeitos outros, que foram desde sempre colocados à margem da sociedade e das discussões de seus próprios direitos. Percebemos que questões tão importantes como essas são tratadas como questões inferiores e invisibilizados pelo estado, instituições sociais e sociedade. Acarretando grandes problemas sociais, como as desigualdades sociais, que acaba por naturalizar essa violência de preconceitos e a discriminações para com as mulheres.

Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Edições 70, LDA. 2004. CAVALLEIRO, E. S. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2000. FELLIPE, A. M. Feminismo Negro: Mulheres Negras e Poder: Um enfoque contra hegemônico sobre gênero. Acervo, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 15-28, jul/dez 2009. MINAYO, M. C. DE. S. (organizadora) DESLANDES, S. F. GOMES, R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes. 2008 MUNANGA, K. Superando o racismo na escola. 2ª edição revisada / Kabengele Munanga, organizador. – [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. QUIJANO, Anibal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (Org.). A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e Ciências Sociais. Buenos Aires: CLACSO, 2005, p. 227-278. STRAUSS, A. e CORBIN, J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Tradução: Luciane de Oliveira da Rocha. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. 3ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. 401

MULHER NA CAPOEIRA: REFLEXÕES ACERCA DO PRECONCEITO NO REDULTO FAMILIAR

Risonete Rodrigues da Silva119 Samuel Pereira da Silva Junior120 Ana Maria Tavares Duarte121 Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste – UFPE/CAA. EMAIL [email protected]

Resumo: Este trabalho origina-se a partir de uma atividade da Eletiva Educação e Inclusão Social, ofertada no Curso de Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/CAA. No qual abordamos a questão de preconceito que a mulher capoeirista sofre por seus familiares, por parte do pai, mãe e esposo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Tendo como objetivo geral: Analisar como a mulher capoeirista é vista por seus familiares e pela sociedade marcada por herança de um sistema machista patriarcal. Bem como, identificar as principais contribuições da capoeira para o empoderamento da mulher que vem quebrando paradigmas ao optar por esse esporte. E qual a relevância da capoeira na questão de gênero e nas relações étnico-raciais. Na metodologia trabalhamos com a observação participante e com entrevistas. Os resultados mostram que a capoeira serve para a defesa e afirmação cultural do indivíduo e o empoderamento da mulher. Palavras-chave: Mulher, Capoeira, Preconceito Familiar. Introdução A questão de gênero tem sido tema de vários trabalhos acadêmicos por suscitar muitos questionamentos em todos os setores da sociedade. No curso de pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco no Centro Acadêmico do Agreste, pagamos a Eletiva Educação e Inclusão Social, onde foi abordado temas como: gênero, etnias, preconceitos, empoderamneto da mulher, entre outros. Assim, diante desses assuntos trabalhados, assistimos a uma apresentação de uma Roda de Capoeira. Durante esta apresentação tivemos relatos de algumas mulheres capoeiristas, o que nos causou muitas

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Graduanda em Pedagogia na Universidade federal de Pernambuco – centro acadêmico do Agreste – UFPE/CAA. Monitora da Eletiva Educação e Inclusão Social. E-MAIL [email protected] 120 Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela ESA-PE. E-MAIL: [email protected]. 121 Profª Adjunta III da Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste – UFPE/CAA. E-mail [email protected]

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inquietações nos possibilitando posteriormente pesquisar acerca da inclusão de mulheres na capoeira. Nos relatos, dessas capoeiristas (hoje monitoras de capoeira) essas mulheres sofreram humilhações, sendo alvo do preconceito, além de sentirem a falta de apoio e aceitação por porte de alguns membros de suas famílias, principalmente pelo pai, irmãos e esposo. Durante muito tempo a mulher era vista como sexo “frágil”, tal rotulação a definiam como “incapaz” de se manter sozinha, por falta de conhecimento e força. Mas após muita luta e resistência, a mulher vem ganhando espaço e quebrando paradigmas ultrapassados. Mesmo com esses avanços, há um longo caminho a ser percorrido para que essas conquistas estejam sempre presentes como ações de fato respeitosa e longe da dominação do masculino. Diante desses fatos, o nosso trabalho tem como tema: mulher na capoeira: reflexões acerca do preconceito no reduto familiar. Questão problema: Quais os entraves enfrentados pela mulher na sua própria família, ao decidir que irá participar de um grupo de capoeira, onde a maioria dos integrantes são do sexo masculino? Assim, partimos do pressuposto: que a mulher sofre preconceito por parte de alguns de seus familiares, principalmente por parte do marido e do pai, quando participa de grupos de capoeira, além da questão cultural, por vivermos em uma sociedade machista, preconceituosa, e por se tratar de uma dança/luta na qual a maioria dos participantes são homens negros, e que envolver muito gingado. Este trabalho tem como objetivo geral: Analisar como a mulher capoeirista é vista por seus familiares e pela sociedade marcada por herança de um sistema machista patriarcal. Que desencadeou os específicos: I - conhecer a realidade da mulher capoeirista que participa da Associação Liberdade Capoeira (nome fictício); II - Identificar as principais contribuições da capoeira para o empoderamento da mulher que vem quebrando paradigmas ao optar por esse esporte. III – Identificar qual a relevância da capoeira na questão de gênero e nas relações étnicoraciais.

A pesquisa foi realizada no 1º semestre de 2014. O critério de escolha do campo se justifica por uma família de capoeirista residirem próximo de nossa casa onde quase todos da casa são capoeiristas com exceção do pai, esta família faz parte do grupo Associação Liberdade Capoeira (nome fictício) situado na periferia na cidade de Caruaru 403

– PE. O mesmo é uma extensão do grupo do mestre Gordon (nome fictício) localizado na cidade de Belo Jardim.

Discursão teórica . Durante muito tempo a Capoeira no Brasil era proibida, mas ao longo dos anos essa barreira foi e está sendo quebrada, pois ainda há muito preconceito por parte da sociedade. A aceitação da capoeira pela sociedade ocorreu devido ao trabalho de divulgação da capoeira realizado por Manoel dos Reis Machado, o mestre Bimba, ao longo do século XX. A capoeira somente era utilizada como luta em caso de necessidade, como por exemplo nas fugas dos escravos e nas lutas dos quilombolas. Porém o fim da escravidão significou outra forma de sofrimento para os ex-escravos. Com a obrigatoriedade do regime assalariado de trabalho, os empresários passaram a dar preferência a imigrantes europeus e asiáticos em vez de contratar os ex-escravos, que passaram à condição de desempregados. A capoeira passou então a ser utilizada em brigas de rua. Algumas das grandes referências femininas de força, garra, coragem e segurança retratadas na história remetem-nos à década de 1940, quando se destacaram as famosas “Maria 12 Homens”, “Calça Rala”, “Satanás”, “Nega Didi” e “Maria Pára o Bonde”, mulheres que se fizeram passar por homens para poderem conviver no meio da malandragem das rodas da capoeira. (MENEZES, 2015). Oliveira (2009) afirma que “as mulheres que eram valentes e se metiam em brigas muitas vezes eram apresentadas como um mau exemplo a ser seguido, mas nem por isso eram apontadas como capoeiras”. Em pleno século XXI, ainda há pessoas que acham que capoeira é coisa de negro e de homem, mesmo vendo a participação de muitas mulheres inclusive como mestre e monitoras de capoeira. Muitos homens elogiam as mulheres que dançam capoeira, mas quando perguntamos se sua esposa ou filha poderia participar a resposta é imediata: “Não, risadas, isso não combina com minha filha e muito menos com minha esposa”. (Entrevista, homem branco que estava assistindo a apresentação, 2014).

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A capoeira se tornou a quinta manifestação cultural brasileira reconhecida pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Este título deve ajudar a preservar a prática não só no Brasil, mas também no mundo. Embora, esse título na prática não tenha surtido nem um efeito ao movimento dos capoeiristas de Belo Jardim e Caruaru. "O reconhecimento da roda de capoeira pela Unesco é uma conquista muito importante para a cultura brasileira. A capoeira tem raízes africanas que devem ser cada vez mais valorizadas por nós", (destacou a ministra interina da Cultura, Ana Cristina Wanzeler, que acompanhou a votação em Paris, 2014).

A cultura eurocêntrica ainda dominante persiste em apresentar a sua cultura como a única e a correta. As demais culturas que não se adéqua a esse padrão são consideradas inferiores, tratadas com desprezo, a cultura hegemônica impõe regras para todos os outros grupos, por isso existem muitas lutas de grupos culturais e movimentos sociais para firmar suas raízes na sociedade. No caso da capoeira se estendeu por grande parte do mundo, mesmo com o pouco incentivo dos governos essa cultura se mantém viva, é a preservação da identidade de um povo. Toda cultura é fragmentada, contestada internamente e possui fronteiras porosas. A busca de identidade representa uma luta existencial desesperada para criar um estilo de vida que pode ser sustentado pelo menos por um breve momento. (KUPER, 2002, p.302).

Para Montiel (2003:18), “cultura é uma elaboração comunitária mediante a qual os indivíduos se reconhecem, se auto- representam e assinalam significações comuns ao mundo que os rodeia”. Assim, as mulheres negras querem participar de rodas de capoeiras, como fruto de sua identidade, uma das maneiras de se auto representarem. Mas infelizmente existem barreiras quanto a questão de gêneros que essas mulheres enfrentam e principalmente dentro de sua família, que na maioria das vezes surge por parte do pai ou esposo. Segundo Saffioti,(1999) “A expressão violência doméstica costuma ser empregada como sinônimo de violência familiar e, não raramente, de violência de gênero”. Assim, a autora afirma que os limites entre quebra de integridade e obrigação de suportar o destino de gênero traçado para as mulheres como sujeição aos homens, sejam 405

pais, irmãos ou maridos são denominados como violência de gênero intrafamiliar, mas “a ruptura de integridades como critério de avaliação de um ato como violento situa-se no terreno da individualidade. Isto equivale a dizer que a violência, entendida desta forma, não encontra lugar ontológico”. Nesta mesma direção, Bordieu (2012) afirma que não podemos fingir dos fatos históricos de dominação masculina, mas enfrenta-los para que haja mudanças significativas. A maior mudança é o fato de que a dominação masculina não é fato indiscutível, mas um tema que vem ganhando espaço em toda sociedade. De todos os fatores de mudança, os mais importantes são os que estão relacionados com a transformação decisiva da função da instituição escolar na reprodução da diferença entre gêneros, tais como o aumento do acesso das mulheres à instituição, e correlativamente, à independência econômica e a transformação das estruturas familiares. (BORDIEU, 2012, pág.53)

Freire em sua obra Educação como prática da liberdade, traz a importância da instituição escolar como um dos fatores fundamentais para que haja mudanças, pois não podemos ficar passivo diante da violência do dominador. Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo reconhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. (FREIRE, 2014, pag. 43).

Desta forma, observa-se que o nível de escolaridade está associado com o empoderamento das mulheres. Pois, o efeito da educação possibilita aumento do potencial de geração de renda, da autonomia nas decisões pessoais, do controle sobre a própria fertilidade e da maior participação na vida pública. A constituição Federal, garante a igualdade entre os gêneros. Mas para que haja uma sociedade democrática e igualitária, fazse necessário a materialização das leis que garantem tais direitos, pois o ideal está muito aquém do real.

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Metodologia Com o intuito de obter confirmação ou refutação de nosso pressuposto, acima citado, no nosso percurso metodológico estamos ancorados em: Minayo (2013), Lakatos (2010), Oliveira (2009). Assim, entrevistamos (04) homens capoeiristas, (06) mulheres capoeiristas, (04) homens e (06) mulheres ambos não praticantes da capoeira, totalizando (20) sujeitos. Além de vídeos, documentários e relatos pessoais. O estudo foi realizado no primeiro semestre de 2014. Assim, esta pesquisa é de cunho qualitativa por entendermos que este procedimento de pesquisa, ajuda os pesquisadores a refletirem e articularem as questões propostas para investigação (MINAYO, 1994). Este estudo ocorreu através de observações, conversas informais e entrevistas estruturadas para a coleta de dados, pois como afirma André (1995): [...] A observação é chamada de participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetada. As entrevistas têm a finalidade de aprofundar. As questões e esclarecer os problemas observados. Os documentos são usados no sentido de contextualizar O fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas E completar as informações coletadas através de outras Fontes. (p.28).

.

Na pesquisa do tipo qualitativa fazemos uso de diversos instrumentos, os quais se

fazem necessários ao pesquisador para melhor compreensão de seu objeto de estudo. [...] como sendo um processo de reflexão a análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para a compreensão detalhada do objeto e seu contexto histórico e/ou segundo sua estruturação. Esse processo implica em estudos. Segundo a literatura pertinente ao tema, com observações, aplicação e análise de dados, que deve ser apresentado de forma descritiva (OLIVEIRA, 2007, p 37).

Nesta mesma direção, Lakatos (2010), afirma que essa abordagem trata- se de uma pesquisa que tem como premissa, analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano e ainda fornecendo análises 407

mais detalhadas sobre as investigações, atitudes e tendências de comportamento. Assim, os dados coletados por meio das entrevistas e da observação nos orienta a refletirmos sobre a realidade da mulher negra na capoeira. A partir dessas contribuições nos foi possível realizarmos algumas interpretações acerca da temática analisada.

Análise dos resultados Os resultados mostram que a Associação Liberdade Capoeira (nome fictício), desenvolve um trabalho de conscientização e afirmação ético-racial, valorizando o negro e a mulher como sujeito de direito, além de desenvolver um trabalho educacional voltado a história do movimento capoeirista, através de filmes, documentários e palestras. Além da parte disciplinar exigida pela capoeira como esporte. Essas atividades são desenvolvidas com crianças, adolescentes, jovens e adultos da comunidade, inclusive participa deste projeto um aluno com síndrome de down. Art. 1o. Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. (BRASIL, 2010).

Os capoeiristas da Associação Liberdada Capoeira, faz apresentações nas escolas, praças, Universidades e não cobram nada. Apenas com o objetivo de divulgar sua cultura, sua arte, sua dança e luta. Nessas apresentações podemos observar o trabalho pedagógico realizados pelos instrutores, pois os mesmos iniciam sua apresentação ministrando uma aula de história da capoeira, na qual aborda o tema dos negros escravizados, suas lutas e conquistas. Art. 26ªA da Lei9394/1996, permite que se valham da colaboração das com unidades a que a escola serve, do apoio direto ou indireto de estudiosos e o Movimento Negro, com os quais estabelecerão canais de comunicação, encontrarão formas próprias de incluir nas vivências promovidas pela escola. (BRASIL, 2004, pag. 8).

As mulheres capoeirista falam das dificuldades para convencer seus pais e esposos que capoeira é coisa de mulher também e como vem sendo respeitadas por meio dos 408

capoeiristas homens que dão o maior apoio para que as mesmas não desistam de seus sonhos. Não adianta ensinar só movimetos e musicas da capoeira. Ensimos todos e todas a tocarem os instrumentos musicais, ensinamos que todo capoeirista deve ter muita disciplina e que não devem usa a capoeira para brigar nas ruas. Ficamos felizes quando uma mulher se torna monitora, pois, sabemos que nós homens ainda somos machistas e preconceituosos. Trabalhamos também essa questão aqui na associação, pois conhecemos que a mulher tem os mesmos direitos que o homem. Se elas querem dançar capoeira, por que não? Uma aluna nossa casou e foi para São Paulo, o casamento não deu certo e ela estava passando dificuldades financeiras. Ai nos reunimos e compramos a passagem dela de volta e agora ela está refazendo sua vida. Está trabalhando e continua na capoeira. Este é só um exemplo que a capoeira é muito mais que a mistura de dança e luta. (Homem, lider da Associação de Capoeira, 2014).

Hoje, a capoeira são patrimônio cultura e está presente em associações, escolas, universidades e faz parte do curriculo escolar, visando o rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes meios de comunicação, contra os negros, o esclarecimento a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal; o combate à privação e violação de direitos. mesmo assim, seus integrantes, principalmente as mulheres ainda sofrem muito preconceito como podemos observar nas falas dos sujeitos entrevistados. “ Meu marido não deixava eu frequentar as rodas de capoeira, porque era um lugar que tem muito homem”. (Mulher, monitora de capoeira, 2014); Na fala dessa integrante, podemos perceber a submissão, pois antes não participava das rodas de capoeira porque o marido não permitia, vindo a participar depois que o mesmo autorizou. Para Bordieu (2012), a “dominação masculina seria uma forma particular de violência

simbólica, [...] uma relação desigual de poder comporta uma aceitação dos grupos dominados, não sendo necessariamente uma aceitação consciente e deliberada”. 409

“Muitas jovens que entram na capoeira desde criança, depois de casadas sai, por causa do marido ou até mesmo dos familiares e amigos que acham capoeira é coisa de homem”. (Lider e Mestre de Capoeira, 2014);

As feministas, quanto tratam do empoderamento, destacam como fundamentais as discussões sobre o poder. Partem do entendimento de que as relações de gêneros são relações de poder e que o empoderamento das mulheres é condição para a equidade de gênero. (CORDEIRO, 2006, p.150).

Nas falas desses integrantes do grupo de capoeira, vimos que o empoderamento das mulheres, devem ser uma ação coletiva para que haja uma construção de confiança, auto-estima, ganhar voz e principalmente conquistar o direito de controlar sua própria vida, pois o empoderamento implica em mudanças pessoais e culturais. “Eu sou outra mulher depois da capoeira, antes eu vivia com depressão, sofrendo com meu marido e achando que eu não valia nada, mas meu filho e meu sobrinho que são monitores de capoeira me incentivaram a dançar a capoeira e hoje sou monitora. Ganhei confiança, auto-estima, ganhei voz e principalmente conquistei o direito de controlar minha própria vida, pois a capoeira é mudança pessoal e cultural”.(Monitora de 50 anos, 2014).

Freire, (1967), afirma que “a educação se torna crítica a opressão real e luta a favor da liberdade. A ideia de liberdade só se torna completa quando se une as lutas reais a favor da liberdade”. Desta forma, a questão de gênero deve ser ensinada em casa e ter continuidade na escola, assim, quando os pais e educadores ensinam as Crianças que meninos e meninas devem ser respeitado, ter direitos, deveres e oportunidades iguais independente de ser do sexo masculino ou feminino.

Considerações finais Desta forma, podemos concluir que nosso pressuposto foi confirmado, ou seja, que a mulher sofre preconceito por parte de alguns de seus familiares, principalmente por 410

parte do marido e do pai, quando participa de grupos de capoeira. Os resultados mostram que a Associação Liberdade Capoeira, desenvolve um trabalho de conscientização e afirmação ético-racial, valorizando o negro e a mulher como sujeito de direito, além de desenvolver um trabalho educacional voltado a história movimento capoeirista e a parte disciplinar exigida pela capoeira como esporte. O grupo de Capoeira não tem apoio financeiro governamental. Alunos contribuem mensalmente com uma pequena quantia para manutenção da associação, quando alguém do grupo está passando por alguma dificuldade financeira, os componentes se reúnem e tentam suprir essa dificuldade. Compreendemos que a capoeira não é apenas uma dança, vai mais além é um jogo e uma luta; luta esta que serve para a defesa e afirmação cultural do indivíduo e o empoderamento da mulher. É importante frisar que a Constituição Federal (artigo 5º, inciso I) garante a igualdade entre os gêneros. Entretanto, apesar da igualdade formal, ainda há um longo caminho a ser percorrido para a materialização deste dispositivo constitucional.

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COTAS RACIAIS NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS: UMA ANÁLISE DAS AÇÕES AFIRMATIVAS DA LEI 12.711/12

Jason Pereira da Silva da Filho122 Rayana Maria Borba Correia e Sá123 Julliany Valério da Silva Santos124 Resumo: Ao longo dos anos, o povo afro-brasileiro conquistou alguns direitos, sendo um deles as cotas raciais nas Universidades Federais, assegurada pela Lei 12.711, de 2012. O estudo pretende refletir sobre as ações afirmativas presentes na Lei das cotas raciais, a luz de alguns teóricos, como Nancy Fraser (2006), Andreas Hofbauer (2006), Leonardo Avritzer e Lilian Gomes (2013). Que foram pesquisados e tiveram seus materiais analisados, com a utilização da abordagem qualitativa, por permitir diferentes posicionamentos do sujeito em relação ao objeto estudado (GIL, 1999); e a pesquisa bibliográfica para o levantamento do material analisado analiticamente. Com isso, foi verificado o caráter afirmativo da ação ou política pública, expressa na Lei 12.711, colocando as cotas raciais no ensino superior como um importante instrumento na luta contra o racismo, por inserir sujeitos excluídos socialmente dos ambientes acadêmicos.

Palavras-Chaves: Cotas Raciais, Ensino Superior, Racismo.

Introdução As cotas raciais são asseguradas pela Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, que trata de diferentes tipos de cotas, como as para alunos de escolas da rede de ensino pública, e cotas para escolas de ensino médio, com ensino técnico, não apenas para o ensino superior, no caso das Universidades.

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Acadêmico de Direito, do Centro Universitário do Vale do Ipojuca (UNIFAVIP/Devry). E-mail: [email protected] 123 Acadêmica de Psicologia, do Centro Universitário do Vale do Ipojuca (UNIFAVIP/Devry). E-mail: [email protected] 124 Preceptora em Psicologia e Supervisora da Extensão Universitária Interdisciplinar Escola Legal do Centro Universitário do Vale do Ipojuca (UNIFAVIP/Devry). E-mail:[email protected]

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Porém as cotas raciais já eram utilizadas por algumas instituições, como a Universidade de Brasília (UnB), desde 2004, como forma de política institucional de combate ao racismo, visando inserir uma maior quantidade de negros e negras, no ambiente acadêmico. Com estas conquistas de direitos do povo afro-brasileiro, assim como em várias outras, foram iniciados vários debates em torno das cotas, discutindo alguns aspectos, como: sua legalidade, seu caráter, se discriminatório ou não, visando refletir se gera ou não um desequilíbrio na competição que passa os candidatos às vagas em instituições públicas brasileiras. A inquietação, que levou ao estudo, surgiu da declaração de constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, impetrada pelo partido: Democratas; julgada improcedente, o que gerou ou nutriu os debates, em torno de alguns aspectos sobre as cotas raciais, como se elas possuem um caráter discriminatório. O estudo visa refletir as ações afirmativas da Lei 12.711/12, destacando o que for referente às cotas raciais nas Universidades Federais. Para tanto perpassa pela discussão sobre a chegada dos negros no Brasil, suas dificuldades na época pós-abolição da escravatura; as ações afirmativas; o Estatuto da Igualdade Racial, e por fim sobre a Lei de cotas raciais.

Discussão teórica Antes de iniciarmos a discussão sobre as cotas raciais, em sua legislação própria, já citada anteriormente, bem como outras, como o Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.288, de 2010, apresentamos uma fundamentação teórica a respeito da: chegada dos negros ao Brasil, as implicações pós-abolição da escravatura, e algumas conquistas; as ações afirmativas, discussão em torno dos direitos humanos, e das teorias do reconhecimento e da redistribuição.

O NEGRO EM DIFERENTES MOMENTOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA

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Segundo Mattos (2013), os europeus, para atingir os objetivos da exploração econômica das colônias na América, procuraram produtos que oferecessem uma produção em larga escala, se enquadrando nesse requisito a cana-de-açúcar, e com a chegada das plantações chegaram os escravos, o tipo de mão de obra utilizado na época para esse cultivo. Pela adaptação climática do cultivo, a expansão nas capitanias de Pernambuco e da Bahia foi consequência desta, o produto obtido a partir da cana-deaçúcar era o açúcar, exportado para Europa, principalmente para Lisboa e Porto, e no final do século XVI, era um dos principais produtos comercializados no mercado europeu. Ainda segundo Mattos (2013), apesar do tráfico de escravos destinados ao envio para o nordeste tenha direcionado suas buscas para as áreas da África Subsaariana, ao longo de alguns anos, os embarques em Angola e no Congo, predominaram. Com a descoberta do ouro, no fim do século XVII, em Minas Gerais e outras capitanias, pelos bandeirantes paulistas, que recebiam incentivos da Coroa Portuguesa para encontrar o cobiçado metal, e em suas viagens pelos sertões, capturavam os indígenas. Após a abolição do trabalho escravo, uma das maiores dificuldades dos negros foi a entrada no mercado de trabalho, chamado na época de livre, e o que dificultou mais ainda foi a implementação de uma política de “branqueamento” do povo brasileiro, organizada pelo governo brasileiro da época, influenciado pelos grandes fazendeiros, tal política visava a europeização do Brasil, através da eliminação das heranças culturais e biológicas africanas. Diante desse cenário, o negro passou a ser um empecilho para a elite brasileira, sendo colocado, por esta, fora do ideal para constituição da sociedade brasileira, acentuando essa discriminação com o auxílio do governo republicano para a imigração européia, aumentando ainda mais a dificuldade no acesso ao mercado de trabalho formal dos negros no Brasil (MATTOS, 2013). Diante dessa dificuldade, e das políticas desenvolvidas, restou aos negros livres, porém desempregados, os subempregos, atividades domésticas e outras tidas como secundárias, como carregamentos de mercadorias e limpezas das ruas (MATTOS, 2013). Além da exclusão relacionada ao emprego, teve a exclusão relacionada à moradia, decorrente da fragilidade da condição financeira, que tal exclusão se mostrou diante das localizações e condições da moradia, que eram: em regiões afastadas dos 415

centros e de tamanho pequeno, quando não precisavam ser divididas, chamadas na época de cortiços. Com organização e muita luta, os negros foram ganhando espaço no seguimento do movimento sociais, chegando a participar, por exemplo, da liderança do Movimento Operário em São Paulo (MATTOS, 2013). A representação do negro pela imprensa no período pós-abolição também foi outro problema, por estes projetarem o negro de forma depreciativa, e deixando de divulgar eventos de comunidades e organizações negras. Sendo uma alternativa, a criação de uma imprensa alternativa, criando seus próprios jornais, que era o tipo de veiculo com maior circulação da época, possuindo um viés reivindicatório, além do informativo, diante deste cenário, surgiram vários jornais, destacando aqui alguns, segundo Mattos (2013): A Pátria (1889), O Menelick (1915), O Alfinete (1918), O Kosmos (1922), Tribuna Negra (1928), Progresso (1928) e O Clarim da Alvorada (1928; MATTOS, 2013).

ALGUMAS REFLEXÕES EM RELAÇÃO ÀS AÇÕES AFIRMATIVAS

Segundo Hofbauer (2006), um dos maiores obstáculos para a implantação das ações afirmativas no Brasil, relacionadas à discriminação racial foi à negação da existência do racismo, pelo governo no cenário internacional, o que prevenia uma pressão internacional e deixando o racismo sem uma existência oficial. Destacando o governo de Fernando Henrique Cardoso, como um marco de visibilidade para o racismo, quando assumiu oficialmente a existência oficialmente, algo nunca feito. O que acarretou em preocupações por alguns setores, para a definição de estratégias para o combate ao racismo (HOFBAUER, 2006). Na questão de cor/raça, Hofbauer (2006) a discuti a partir das funções que os agentes desempenham dentro do sistema econômico, levando em consideração o aspecto econômico da discriminação. E ainda sobre o racismo, Hofbauer (2006), afirma que esse problema é um problema de perpetuação de mecanismos do passado, ao serem reproduzidos no presente,

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e que não tem nada haver com competição entre negros e brancos, e consequentes tensões raciais. Hofbauer (2006) divide os comentários em relação à tese de Hasenbalg (1979), primeiro faz referência aos novos significados e funções do racismo dentro das estruturas pós-abolição. Em seguida, destaca as práticas dominantes do grupo dominante, brancos, na subordinação dos dominados, negros, como reprodução do passado. Em relação ao debate do racismo, Hofbauer (2006), apresenta os comentários do senso comum como avanços consideráveis, para o debate sobre ações afirmativas, por cumprir o dever de explicitar a existência de um problema racial, porém tendo o debate, levando a dois caminhos. Primeiro, Hofbauer (2006), coloca a defesa de mitos sociais, pensamentos baseados nas convicções de senso comum, como as ações afirmativas geram desigualdades, sem que isso tenha um respaldo cientifico. Enquanto, de outro lado, a defesa de um grupo especifico. Apontando a ineficácia, quando estes “caminhos”, levam a formulação de convicções resistentes, não contribuindo para o desenvolvimento de outras reflexões, consequentemente não ocorrendo um aprofundamento nas questões relacionadas às causas e mecanismos das discriminações raciais. Segundo Piovesan (2006) as ações afirmativas podem ser interpretadas como políticas compensatórias, usadas para ajudar no combate as situações ocasionadas por um passado discriminatório, exercendo uma finalidade pública. Com tal finalidade, devem figurar com grupos discriminados por diversos motivos, como gênero, localização geográfica, raça-etnia, entre outros. Ainda segundo Piovesan (2006), as ações afirmativas tem ligação direta com democracia, que caso se confunda com igualdade, por tratar da implementação de direitos, pode impor desafios para a promoção da igualdade. Em relação às ações afirmativas, podem ser analisadas a partir do conceito de justiça de Fraser (2006), que para tratá-lo, faz uma exposição e um debate sobre injustiça, a dividindo em: injustiça econômica e injustiça cultural ou simbólica. A primeira, a injustiça econômica, trata da estrutura econômica, socialmente construída e mantida, que na medida em que incluiu alguns sujeitos, excluíram outros, 417

assim a injustiça é baseada no lugar em que ocupa nessa construção. A segunda, a injustiça cultural ou simbólica, tem relação com os padrões sociais de comunicação, interpretação e representação, que podem ser apontados como elementos constituintes de determinadas culturas, passando alguns integrantes de determinadas culturas por processos discriminatórios a partir de suas características, por isso, coloca: “Pessoas sujeitas à injustiça cultural e à injustiça econômica necessitam de reconhecimento e redistribuição” (FRASER, 2006, p. 233), diante de tal afirmação, segue o estudo com a apresentação das teorias e seus respectivos remédios. (FRASER, 2006). Para Fraser (2006), a teoria do reconhecimento, com o uso dos remédios transformativos, descontraem estruturas socialmente postas, buscando recriá-las, buscando reduzir a desigualdade social, sem estigmatizar determinadas classes, quando consegue alterar a situação vigente sem colocar determinada classe, que está em situação vulnerável, como privilegiada, proporcionando mais solidariedade do que reforçando ou criando competitividade. Enquanto que a teoria da redistribuição, também a partir de Fraser (2006), utiliza remédios afirmativos, para corrigir os efeitos injustos, de determinada construção social, porém mantendo-a, provocando uma união entre os remédios afirmativos e o multiculturalismo, quando propõe uma valorização de conceitos discriminados em meio a outros, com o intuito de compensar os efeitos sofridos, com isso pode gerar a diferenciação entre grupos ou classes. Avritzer e Gomes (2013) ressaltam as lutas negras por reconhecimento desde a introdução do sistema escravista no Brasil. Também apresentam algumas características fundamentais dos grupos que militam em favor da questão racial, como: a reeducação dos “brancos” brasileiros, buscando eliminar critérios racistas de comportamentos; a desconstrução dos estilos de vida subordinados dos negros; a formulação de métodos científicos com o objetivo de tratar do problema racial. Avritzer e Gomes (2013) defendem o tratamento da discriminação racial através do reconhecimento, buscando desconstruir elementos que reproduzam ou criam comportamentos racistas, e em concordância com isto, a desnaturalização do racismo, necessitando tal ação de uma amplitude a nível público e privado, em seguida, apontam 418

como outra fase fundamental para o processo de reconhecimento, a criação de relações jurídicas sobre o racismo, buscando uma construção de uma sociedade justa e plural (AVRITZER, GOMES, 2013).

Metodologia Para o seu desenvolvimento do estudo foi utilizada a abordagem qualitativa, por esta proporcionar ao sujeito vários posicionamentos em relação ao objeto, e a pesquisa bibliográfica, para coleta e análise, da bibliografia de autores referências na área (GIL, 1999). Sendo alguns materiais buscados em plataformas com acesso online, a partir das palavras-chaves: Ações Afirmativas; Racismo; Teoria Social; Brasil; Democracia; Teoria do reconhecimento; Relações raciais; Identidade; Multiculturalismo; Paridade; Participação; Teoria da Redistribuição.

Análise/ Resultados Segundo Piovesan (2006), o direito à igualdade deve ser buscado através de ações conjuntas por um objetivo em comum, no caso do objeto do estudo, as cotas raciais expressas na Lei 12.711/12, podem ser apontadas como ações conjuntas com a Lei 12.288/10, denominada de Estatuto da Igualdade Racial. Vamos refletir sobre, ainda que de forma breve, o Estatuto da Igualdade Racial, dando ênfase ás disposições introdutórias, e ao capítulo II que versa sobre o direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. Começando pelas disposições introdutórias, apresentada a seguir: Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada; II - desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública

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e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; III - desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;

Como afirma, Piovesan (2006), necessidade de haver uma igualdade entre os grupos da sociedade, para que aja a efetivação de uma sociedade democrática, com a garanti e proteção dos direitos humanos e com isso, haver o combate ao preconceito e a discriminação em relação a raça/etnia. Um importante ponto do estatuto, não só em seu aspecto jurídico, mas também, social, é a definição da população negra, utilizando como critérios os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou outros que adotem critérios semelhantes, destacando o critério da autodeclaração preta ou parda: IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;

Em seguida, apresenta a conceituação de políticas públicas e ações afirmativas, voltadas as questões raciais, sendo emblemática tal conquista, por esse aspecto orientador e motivador de outras mais que aconteceram e podem acontecer: V - políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais; VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.

Como apresentado anteriormente, Hofbauer (2006) apresentou uma espécie de estigma que carregam as ações afirmativas, sendo um dos motivos o senso comum em relação à elas, onde é afirmado que estas buscam oferecer um suporte desproporcional à determinado grupo. Em seguida, assegura o deve estatal e social, de garantia da igualdade em direitos a todo cidadão brasileiro, buscando combater discriminação em razão de etnia ou cor da pele, e especificando as atividades: Art. 2o É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro,

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independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.

Em consonância, com o apresentado a partir de Fraser (2006), aqui se tem uma situação de injustiça cultural ou simbólica, por ser promovida em decorrência da etnia ou cor da pele. Aqui elabora os meios que devem ser usados com prioridade para viabilizar a igualdade de oportunidades: Art. 4o A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de: I - inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social; II - adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa; III - modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica; IV - promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais; V - eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada; VI - estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos; VII - implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros. Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País.

Dessa forma, Piovesan (2006) afirma que as ações afirmativas está caracterizada na situação de um enfrentamento em relação as desigualdades sociais, associados a discriminação, podem ser ditas como um artifício para estas situações, obtendo uma atuação de forma publica para estes sujeitos em seu aspecto biopsicossocial.

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No capitulo II, denominado: Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer, localizado no Título II, Dos Direitos Fundamentais, o estatuto assegura o direito de participação da população negra em atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer, visando, entre outras questões, o fortalecimento do patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira, reforçando a ideia expressa no artigo 3º: Art. 9o A população negra tem direito a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer adequadas a seus interesses e condições, de modo a contribuir para o patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira. Art. 10. Para o cumprimento do disposto no art. 9o, os governos federal, estaduais, distrital e municipais adotarão as seguintes providências: I - promoção de ações para viabilizar e ampliar o acesso da população negra ao ensino gratuito e às atividades esportivas e de lazer; II - apoio à iniciativa de entidades que mantenham espaço para promoção social e cultural da população negra; III - desenvolvimento de campanhas educativas, inclusive nas escolas, para que a solidariedade aos membros da população negra faça parte da cultura de toda a sociedade; IV - implementação de políticas públicas para o fortalecimento da juventude negra brasileira.

No artigo 11, o Estatuto da Igualdade Racial, reforça a ideia da Lei 9.394/1996, onde é instituído o ensino obrigatório, na área de História, das culturas africanas, tendo o estatuto incluindo a história da população negra no Brasil: Art. 11. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil, observado o disposto na Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 1o Os conteúdos referentes à história da população negra no Brasil serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País. § 2o O órgão competente do Poder Executivo fomentará a formação inicial e continuada de professores e a elaboração de material didático específico para o cumprimento do disposto no caput deste artigo. § 3o Nas datas comemorativas de caráter cívico, os órgãos responsáveis pela educação incentivarão a participação de intelectuais e representantes do movimento negro para debater com os estudantes suas vivências relativas ao tema em comemoração.

Em seguida, apresenta o dever da União e dos Estados-Membros, de auxiliar no aumento e crescimento da pesquisa e pós-graduação, voltadas para os temas: relações étnicas, quilombos e populações negras: 422

Art. 12. Os órgãos federais, distritais e estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação poderão criar incentivos a pesquisas e a programas de estudo voltados para temas referentes às relações étnicas, aos quilombos e às questões pertinentes à população negra. Art. 13. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos competentes, incentivará as instituições de ensino superior públicas e privadas, sem prejuízo da legislação em vigor, a: I - resguardar os princípios da ética em pesquisa e apoiar grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos diversos programas de pósgraduação que desenvolvam temáticas de interesse da população negra; II - incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores temas que incluam valores concernentes à pluralidade étnica e cultural da sociedade brasileira; III - desenvolver programas de extensão universitária destinados a aproximar jovens negros de tecnologias avançadas, assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários; IV - estabelecer programas de cooperação técnica, nos estabelecimentos de ensino públicos, privados e comunitários, com as escolas de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e ensino técnico, para a formação docente baseada em princípios de equidade, de tolerância e de respeito às diferenças étnicas. Art. 14. O poder público estimulará e apoiará ações socioeducacionais realizadas por entidades do movimento negro que desenvolvam atividades voltadas para a inclusão social, mediante cooperação técnica, intercâmbios, convênios e incentivos, entre outros mecanismos. Art. 15. O poder público adotará programas de ação afirmativa. Art. 16. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos responsáveis pelas políticas de promoção da igualdade e de educação, acompanhará e avaliará os programas de que trata esta Seção.

A Lei 12.711/2012, inicialmente dita à reserva de vagas para estudantes que cursaram de forma integral o ensino médio em escolas públicas, criando cotas para esses estudantes, que historicamente tiveram dificuldade em ter acesso ao ensino superior, tanto nas instituições públicas como nas instituições privadas, porém a lei taxa as cotas apenas para as instituições federais de ensino superior, como apresentado no artigo 1º: Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Posteriormente a lei apresenta as cotas raciais, destacando a exigência de proporcionalidade entre os autodeclarados pretos, pardos e indígenas que realizam o processo seletivo e a população de mesma característica na unidade federativa, no caso das universidades federais, os estados-membros, levando em consideração o último censo 423

realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentando tais informações em seu artigo 3º: Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Art. 4o As instituições federais de ensino técnico de nível médio reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso em cada curso, por turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino fundamental em escolas públicas. Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

O artigo 5º faz referência à aplicação das cotas raciais, do procedimento a ser utilizado, como a proporcionalidade apresentada anteriormente, também para as instituições federais de ensino técnico de nível médio, como demonstrado a seguir: Art. 5o Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que trata o art. 4o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser preenchidas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino fundamental em escola pública.

Em seguida, é expressa a responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), por as cotas, como já demonstrado anteriormente, também serem asseguradas

para os que se declararem indígenas, no Censo do IBGE: Art. 6o O Ministério da Educação e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, serão

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responsáveis pelo acompanhamento e avaliação do programa de que trata esta Lei, ouvida a Fundação Nacional do Índio (Funai).

Outro elemento da lei estudada é o prazo de dez anos, contados da sua publicação para que o poder executivo promova uma revisão do programa de um modo geral, o que é apresentado no artigo 7º da lei: Art. 7o O Poder Executivo promoverá, no prazo de 10 (dez) anos, a contar da publicação desta Lei, a revisão do programa especial para o acesso de estudantes pretos, pardos e indígenas, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, às instituições de educação superior.

Portanto, como diz Avritzer e Gomes (2013), a necesssidade de uma democratização, de um reconhecimento para a desconstrução de um pensamento e comportamento discriminatório em relação à cor e/ou raça dos sujeitos envolvidos nesse contexto. Aqui, aponta o mínimo de vinte e cinco por cento, das vagas, para reserva das cotas, buscando equiparar o número de candidatos, com os não cotistas, diante de todos os critérios já apresentados: Art. 8o As instituições de que trata o art. 1o desta Lei deverão implementar, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) da reserva de vagas prevista nesta Lei, a cada ano, e terão o prazo máximo de 4 (quatro) anos, a partir da data de sua publicação, para o cumprimento integral do disposto nesta Lei.

Os aspectos da Lei 12.711/2012 apresentados até o momento demonstramum caráter afirmativo, correspondente aos anseios de determinados grupos da sociedade.ALei, quando debatida, tem alguns elementos ignorados, como por exemplo, a obrigatoriedade das cotas também para as instituições federais de ensino técnico de nível médio e a revisão obrigatória no prazo de dez anos, após sua publicação.

Considerações Finais Abordada por Mattos (2013), a chegada dos negros é muito conturbada, por chegarem ao Brasil, desprovido de qualquer tratamento humano, sendo tratados apenas

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como mercadorias em forma de mão-de-obra a ser explorada nas plantações de cana-deaçúcar da época. No período pós-abolição da escravatura, os negros e negras, agora pessoas livres em território brasileiro, passaram a enfrentar várias dificuldades, entre elas, destacamos a dificuldade de inserção no mercado de trabalho e a consequente dificuldade em relação à moradia. Nestas dificuldades, tem como marco a iniciativa do governo da época em promover uma campanha de europeização do povo brasileiro, fomentando, através da aplicação de recursos, a imigração européia ao país. Resultando em uma grande dificuldade para a adaptação dos libertos aos empregos, restando os sub-empregos, como tarefas domésticas

ou ligados aos

carregamentos, por exemplo. Como consequência, tiveram também dificuldade para moradia, habitando as margens dos centros urbanos, desenvolvendo as periferias. Porém, em meio a tanta dificuldade com a organização de diversos movimentos sociais, os negros e negras, conquistaram direitos e desenvolveram alternativas para enfrentar a situação, tendo destaque a criação de jornais, por os jornais da época projetarem o negro de forma pejorativa, e para veicular informações em meios próprios, para que não sofressem nenhum tipo de censuras. Em meio à esse, e outra parte imensa, do histórico do negro na sociedade brasileira, em 2010, teve a publicação da Lei 12.288, denominada o Estatuto da Igualdade Racial, que trás alguns deveres para o Estado e para a sociedade civil, buscando erradicar as discriminações enraizadas na cultura brasileira. Entre esses deveres, está a necessidade de ações afirmativas visando inserir o negro em vários seguimentos da sociedade, podendo ser apontada como uma ideia original para as cotas raciais, colocadas na Lei 12.711/2012. Após a análise, realizada no tópico anterior, em ambas as leis, podemos afirmar que as cotas raciais são colocadas como remédios afirmativos, trazidos na teoria da redistribuição de Fraser (2006). Ressaltando a probabilidade de tais remédios promoverem a diferenciação entre os grupos, por conservar as estruturas vigentes e 426

buscarem promover alguns grupos em detrimentos de outros como reparação de alguma injustiça, cultural ou econômica. Mesmo com essa questão, as cotas podem ser tratadas como instrumentos positivos na luta no combate ao racismo, por proporcionar o ingresso de não só a pessoas negras no ambiente acadêmico, mas culturas de raízes africanas, assim como outras, proporcionando uma diversificação deste ambiente, que em muitas regiões do país, ainda norteado por pensamentos arcaicos e noções eurocêntricas.

Referências AVRITZER, Leonardo; GOMES, Lilian C. B.. Política de Reconhecimento, Raça e Democracia no Brasil. Revista de Ciências Sociais, v. 56, p. 39-68, 2013. BRASIL. Lei 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: Acesso em: 05 jul. 2015. ______. Lei 12.771, de 29 de agosto de 2012. Lei 12.711. Disponível em: Acesso em: 05 jul. 2015. FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de Campo, v. 15, n. 14-15, p. 231-239, 2006. ______. Reconhecimento sem ética?.Lua Nova, p. 101-138, 2007. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social, 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. HOFBAUER, Andreas. Ações afirmativas e o debate sobre racismo no Brasil. Lua Nova, p. 9-56, 2006. MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013. PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas e direitos humanos. Revista USP, n. 69, p. 36-43, 2006. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Entenda a evolução das cotas na UnB. Disponível em: Acesso em: 08 jul. 2015.

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UM OLHAR DECOLONIZADOR SOBRE A REPRESENTAÇÃO DO/A NEGRO/A NA CONTEMPORANEIDADE: UM ESTUDO FEITO A PARTIR DOS OBJETOS FOTOGRAFADOS NA FEIRA DE CARUARU-PE.

Jaciana de Holanda Silva125 Maria Girlene Callado da Silva126 Maria de Fátima Rodrigues Duarte127 RESUMO O presente trabalho propõe discutir as relações étnico-raciais, tomando novos direcionamentos no que se refere a essa temática observando de uma maneira especial como o negro tem sido representado nos dias atuais. Deste modo tomando como objeto de estudo a representatividade do/a negro/a nos objetos da feira de Caruaru-PE, a nossa pesquisa realizada no ano de 2015, em que objetiva-se: Analisar como o/a negro/a são retratados nas imagens e objetos vendidos nas feiras. A) Perceber como a lógica colonizadora ainda perpassa a nossa sociedade. B) Compreender a luta dos/as negros/as para alcançar seu lugar de direito. Para tanto usamos uma abordagem qualitativa do tipo etnográfico e nossa base teórica está fundamentada em: BRASIL (2004), Brito (2011), Carneiro (2005), Estatuto da igualdade racial, Lei n° 12. 288, de 20 de julho de (2010), Ferreira e Silva (2003), Gomes (2005), Lei federal nº 10.639/03, Mignolo (2008) Quijano (2005), Segovia (1988). Palavras-chave: Negro, Sociedade, Decolonização.

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Universidade Federal de Pernambuco-Centro Acadêmico do Agreste, graduanda em Pedagogia. E-mail: [email protected]. 126 Universidade Federal de Pernambuco-Centro Acadêmico do Agreste, graduanda em Pedagogia. E-mail: [email protected]. 127 Universidade Federal de Pernambuco-Centro Acadêmico do Agreste, graduanda em Pedagogia. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO É notório que na contemporaneidade as discussões sobre as relações étnicoraciais, tenham tomado novos direcionamentos, no que se refere às discussões realizadas no âmbito dessa temática. Porém ainda há muitas resistências a essa abordagem, pelo fato da herança colonial se apresentar de forma forte e muito perversa em nosso meio social, o que tem nos inquietado no sentido de querer aprofundamentos sobre esse assunto. Nessa direção é necessário refletir como o/a negro/a tem sido retratado em nossa sociedade, tomando como ponto de partida nossas observações, pensamos então na seguinte questão problema: Como o/a negro/a são retratados nas imagens e objetos vendidos nas feiras? Um dos caminhos que nos levaram a pensar sobre isto, foi o de articular as nossas discursões realizadas em sala de aula na disciplina eletiva Tópicos Especiais em Educação - Racismo e Educação para as Relações Étnico-Raciais, disciplina esta, estudada no curso de pedagogia, no centro acadêmico do agreste, em que discutimos vários assuntos relacionados a esta temática e o trabalho proposto, em que consistia em uma visita até a feira de artesanato, na Cidade de Caruaru PE. Deste modo tomando como objeto de estudo a representatividade do/a negro/a nos objetos da feira de CaruaruPE, a nossa pesquisa realizada em 2015. Diante do trabalho proposto buscamos Analisar como o/a negro/a são retratados nas imagens e objetos vendidos nas feiras. A) Perceber como a lógica colonizadora ainda perpassa a nossa sociedade. B) Compreender a luta dos/as negros/as para alcançar seu lugar de direito. No sentido de romper com a lógica colonial de dominação e exclusão pautada em princípios da dicotomia, que existem entre brancos e negros que o nosso texto ira discorrer, mostrando através de um olhar crítico desvelado a partir das leituras dos vários teóricos e das discursões pontuadas em sala de aula durante a nossas aulas da disciplina eletiva, como o/a negro/a são vistos em nossa sociedade. Sendo assim, para discutimos e analisamos nosso objeto de estudo tomamos como base teórica BRASIL (2004), Brito (2011), Carneiro (2005), Estatuto da igualdade 429

racial, Lei n° 12. 288, de 20 de julho de (2010), Ferreira e Silva (2003), Gomes (2005), Lei federal nº 10.639/03, Mignolo (2008) Quijano (2005), Segovia (1988). No tratamento dos dados elencamos cinco categorias, a primeira que faz uma análise sobre a erotização doa negro/a, a segunda apresenta traços do patriarcado que perpassa a nossa sociedade, a terceira fala sobre a religião e o/a negro/a, a quarta faz inferências sobre o lugar social que o negro ocupa na sociedade, principalmente, no espaço econômico tecendo comentários sobre o trabalho, e na quinta parte mostramos uma análise sobre como a sociedade tem o embranquecido o negro. A Educação das Relações Étnico–Raciais é um direito que procura um espaço que o professor tenha uma aproximação com essa temática, e com isso ela possa adentrar a sala de aula. E esse conhecimento não se limita a professores negros, mas um conhecimento para todos. Essa é uma construção de uma cosmovisão que contemple políticas públicas de afirmação, ações de reconhecimento, valorização de identidade, cultura negra, contribuindo para que sejam eliminadas ideologias discriminatórias e estereótipos racistas.

METODOLOGIA Diante das reflexões e analises buscamos entender essa representatividade do negro(a) na contemporaneidade, o nosso objeto de pesquisa levou-nos a buscar fundamentações na abordagem qualitativa, a qual permite que a imaginação e a criatividade levem os investigadores a propor trabalhos que explorem novos enfoques. Essa abordagem por sua vez, como sinaliza Ludke (1986) tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Nesse sentindo, esta perspectiva, nos mostra como um fenômeno pode ser mais bem compreendido no contexto em que ocorre e do qual faz parte. Nesse percurso também fizemos uso da pesquisa etnográfica que como diria Segovia (1988) o método etnográfico tem a finalidade de desvendar a realidade através de uma perspectiva cultural, isto é, o mesmo busca compreender os significados 430

atribuídos pelos próprios sujeitos ao contexto e a sua cultura a qual estão inseridos, para isso utilizamos também, a abordagem qualitativa na análise dos objetos fotografados. O trabalho fotográfico teve ao todo 264 imagens de objetos entre eles, quadros, manequins bonecas, roupas, panos de prato entre outros dos quais apenas 30 imagens fizeram parte do nosso trabalho de análise das quais elencamos algumas para fazer parte de nossos estudos.

DISCUSSÃO TEÓRICA E ANÁLISE DOS RESULTADOS Para discussão teórica e análise dos resultados nos elencamos temáticas, que darão suporte para discussão, a) A erotização do/a negro/a, em que trabalharemos com; Gomes (2005), Ferreira e Silva (2013); b) Traços do patriarcado, em que discutiremos com Carneiro (2005), Gomes (2005) e c) O lugar social que o negro ocupa na sociedade em que faremos a ponte teórica com Quijano (2005), Gomes (2005) e Brito(2011). Estes autores trazem uma discussão pertinente a cerca das relações étnicoraciais que nos revelam uma ruptura com o que está impregnado em nossa sociedade, a descolonização é necessária, para que se perceba o quanto as diversas culturas e etnias tem suas especificidade e importância. Sobre os aspectos da descolonização Mignolo (2008) apresenta para nós que trata-se de desvendar qual é a logica da colonialidade e reprodução das raízes da colônia do poder e desligar-se de efeitos que por vezes como o autor pontua são totalitários e das subjetividades e categorias presentes no pensamento ocidental que acabam por fazer os indivíduos pensarem através de um mesmo olhar. Ao longo dos tempos, as formações de relações sociais foram determinadas para o surgimento de novas identidades como o negro, o índio e os mestiços. E na medida em que estas estavam em processo de configuração foram permeadas por relações de dominação e hierarquias correspondentes as suas identidades o que ainda vivenciamos na contemporaneidade. 431

Nesse víeis, o nosso texto está organizado de forma que o leitor compreenda e reflita a luz de teóricos o que de fato as imagens que estão ai no mercado realmente querem retratar, é preciso não perder de vista que as abordagens são desafiadoras por isso é necessário ter um olhar crítico sobre o que esta sendo visto para não continuarmos fortalecendo o mito da Democracia Racial. A erotização do/a negro/a Por muito tempo o negro (a) tem sofrido com discriminações e preconceitos diversos, nas imagens encontradas, na Feira de Caruaru pudemos perceber a afirmação dessa representação distorcida da realidade, que infelizmente ainda tão presente em nossa sociedade. Isso nos inquietou permitindo um olhar diferenciado sobre os objetos e imagens que lá deparamos. De maneira a nos remetemos a questionarmos, ou seja, parar e pensar, como essa lógica colonizadora e opressora esta viva e forte na sociedade, nos dias atuais podendo intervi até na formação do sujeito social. As imagens nos revelaram a presença de elementos que tentam desvalorizar as características dos aspectos físicos herdados pelos descendentes de africanos, inferiorizando sua cultura. Além de passar uma imagem negativa da mulher negra, essa representada por características e posturas corporais que a deixar visivelmente vulgar e sensual. Mulher essa denominada como aquela “predisposta ao sexo”. Essas representações vão sendo afirmadas na medida em que a sociedade continua reproduzindo esse conceito discriminador sobre essa identidade negra tão à margem e inferiorizada. Assim, é importante tomar conhecimento da complexidade que envolve o processo de construção da identidade negra em nosso país. Processo esse, marcado por uma sociedade que, para discriminar os negros, utiliza-se tanto da desvalorização da cultura de matriz africana como dos aspectos físicos herdados pelos descendentes de africanos. (BRASIL, 2004, p. 15)

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É gritante a forma como se expõem o corpo da mulher negra nas esculturas. Caracterizando não apenas os fenótipos que a classifica diante da sociedade, como os cabelos crespos e armados, ou seja, considerados “ruins”, como também os traços físicos bem avantajados e definidos, além dos seios em algumas imagens totalmente amostra, expondo assim de maneira banal o corpo da mulher. Ressaltamos a partir das imagens analisadas que a cor também influencia nessa lógica da nudez do corpo, pois, quanto mais escura a cor de sua pele mais amostra esse corpo está nas esculturas. Destacamos também que esses elementos são expressos pelos escultores de uma forma desproporcional ao comparamos com esculturas representando o branco. Podemos perceber na figura acima na ilustração dos traços físicos corporais das duas mulheres, apresentando o nariz, os olhos e os lábios grandes totalmente desproporcionais ao restante do tamanho de seu corpo.

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Percebemos dentre as imagens fotografadas que algumas delas têm impregnado traços muito forte da herança colonial que herdamos ao decorrer do nosso processo histórico cultural, nessa mesma linha de pensamento Carneiro apresenta que o que poderia ser considerado como história ou reminiscências do período colonial permanece, entretanto, vivo no imaginário social e adquire novos contornos e funções em uma ordem social supostamente democrática, que mantém intactas as relações de gênero segundo a cor ou a raça instituída no período da escravidão. As mulheres negras tiveram uma experiência histórica diferenciada que o discurso clássico sobre a opressão da mulher não tem reconhecido, assim como não tem dado conta da diferença qualitativa que o efeito da opressão sofrida teve e ainda tem na identidade feminina das mulheres negras. (2005, p. 1)

Observamos no trecho acima que as mulheres negras ainda sofrem nos dias de hoje pela questão de gênero, sendo por vezes estas consideradas apenas como um objeto sexual, ou seja, erotizadas e consideradas inferiores. Apesar de estamos em pleno século XXI, após o período da colonização ainda presenciamos práticas colonizadoras com caracteres escravistas, de subordinação do homem branco sobre o negro, neste caso sobre a mulher negra. Mulher essa que ainda luta por sua liberdade social, cultural, econômica, intelectual, enfim luta pelo reconhecimento de sua identidade. Identidade essa que por muitas vezes é negada, silenciada, pois, o espaço ao qual esse sujeito está inserido o oprimir, inferioriza suas raízes históricas. Mas, essa mulher tem história e apesar de nos deparamos ainda com esse cenário tão plural e ao mesmo tempo tão singular com relação à dominância do branco, ressaltamos as conquistas almejadas pelo homem e a mulher negra e que esses ainda continuam em processo de pelejar, em busca de uma sociedade igualitária entre os grupos étnicos que a compõe. Dando continuidade sobre essa discussão, enfatizamos ainda nessas imagens a presença cultural africana no vestuário dessas mulheres, como o turbante, as argolas, as estampas dos vestidos com um colorido vivo e alegre na maioria das figuras entre outros detalhes que os caracterizam enquanto povos pertencentes de um determinado grupo social. Grupo esse que através de seus traços tentam reafirma sua identidade.

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É interessante ainda ressaltar que não se encontra nenhuma imagem deste tipo, em posição vulgar representando uma mulher branca, pois, essa é considerada pura, virginal, jamais submetida a tanta exposição como a negra está sendo exposto diante das esculturas expressas nas figuras anteriores. É diante destas observações que percebemos uma sociedade desigual que classificar o ser humano simplesmente pela sua cor/raça social. Assim, não podemos negar que, na construção das sociedades, na forma como negros e brancos são vistos e tratados no Brasil, a raça tem uma operacionalidade na cultura e na vida social. Se ela não tivesse esses peso, as particularidades e características físicas não seriam usadas por nós, para identificar quem é negro e quem é branco no Brasil. (Gomes, 2005, p.48).

Mediante a essa sociedade construída por meio da hegemonia e superioridade do branco e da inferioridade do negro, podemos destacar em algumas imagens a negação da identidade negra. Com isso, Gomes afirma que: construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que, historicamente, ensina aos negros, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo é um desafio enfrentado pelos negros e pelas negras brasileiras. (2005, p.43)

Isso se torna evidente, por exemplo, ao analisarmos a figura abaixo, onde é possível observar a negação da identidade por meio da não afirmação de suas características originais do grupo étnico-racial a qual pertence. Por exemplo, ao tentar deixar os cabelos mais lisos os possíveis, pois, o cabelo liso é o considerado “bom” e é característica do branco, então constitui uma ideia de que quanto mais parecido o negro fica com as semelhanças do branco mais esse é aceito no meio social. Essa atitude é 435

muito presente e praticada em nossa sociedade, principalmente, pelas mulheres afrodescentes, pois, devido suas raízes biológicas e culturais apresentam certas características que são negadas em sua própria identidade, isso acontece devido à imposição do padrão de beleza imposto pela sociedade dominante.

Outra vez percebemos que as impressões deixadas da herança colonial são muito fortes, Ferreira e Silva (2013) diz que tal esquecimento são marcas da presença da herança colonial que perpassa a nossa sociedade e consequentemente, os currículos escolares, e afirma também que a presença do eurocentrismo nos currículos escolares, ou seja, a herança colonial ultrapassa o período do colonialismo e chega aos nossos dias como “história universal”. Além de contar apenas uma versão da história, silenciando tantas outras, busca-se negar as diferenças, cristalizar identidades e manter a hegemonia de um único padrão estabelecido como “normal”: o branco, o masculino, o heterossexual, o cristão, o urbano. (2013, p.4)

Assim, nessa negação da identidade do outro evidenciamos uma sociedade construída cultural e socialmente. Através do processo histórico ao qual o sujeito perpassa ao longo de cada geração de descendentes, por práticas discriminatórias, preconceituosas e racistas (re)produzidas nos espaços sociais e infelizmente também nos recintos escolares, ou seja, nos ambientes de formação do sujeito.

Traços do patriarcado 436

Vivemos em uma sociedade que na maioria dos casos enxerga a si mesma como portadora das igualdades, seja ela de gênero, condição racial ou mesmo social. Porém uma das questões essenciais a ser lembrada, quando falamos em igualdade de gênero é o fato de a mulher sempre ser colocada em uma posição submissa como a rainha do lar, como mãe solteira que engravida e fica sozinha, ou uma mulher que existe para saciar a vontade do homem, estando pré disposta ao sexo. As desigualdades de gênero perpassam os nossos dias atuais, por isso se faz necessário tais reflexões para que as mulheres não continuem pensando que só elas que tem o dever de cuidar de uma casa ou de um filho é necessário que a igualdade nas condições dentro e fora do lar seja um lugar de relações de igualdade tanto para homens como para mulheres. É preciso romper com o mito que cerca as mulheres, o mito da rainha do lar, essas na verdade não foram e nem são tratadas como rainha, nesse sentido Carneiro vem pontuando que quando falamos em romper com o mito da rainha do lar, da musa idolatrada dos poetas, de que mulheres estamos falando? As mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que não são rainhas de nada, que são retratadas como antimusas da sociedade brasileira, porque o modelo estético de mulher é a mulher branca. Quando falamos em garantir as mesmas oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho, estamos garantindo emprego para que tipo de mulher? Fazemos parte de um contingente de mulheres para as quais os anúncios de emprego destacam a frase: “Exige-se boa aparência” (2005, p. 11).

Diante do que foi exposto pensamos, sobretudo que, quando se trata das condições de gênero, de mulheres negras, a realidade é completamente perversa, ao ponto 437

de presenciarmos cenas desagradáveis de exploração e preconceito com as mesmas. Isso pode ser notado facilmente por meio da mídia ou mesmo no nosso dia-a-dia. Não podemos negar que nosso país é um país muito preconceituoso, as práticas vividas nos revelam essa dolorosa realidade, nesse sentido é importante refletir o Gomes nos mostra ao dizer que quanto mais a sociedade, a escola e o poder público negam a lamentável existência do racismo entre nós, mais o racismo existente no Brasil vai se propagando e invadindo as mentalidades, as subjetividades e as condições sociais dos negros. O abismo racial entre negros e brancos no Brasil existe de fato (2005, p. 47).

A citação nos mostra a ideia que perpassa na nossa sociedade sobre o mito da democracia racial, fazendo com que as pessoas pensem que não vivemos em uma sociedade preconceituosa, quando ela prega essa doutrina infelizmente mais preconceitos irão existir em nosso meio.

O lugar social que o negro ocupa na sociedade Na medida em que as relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação, tais identidades foram associadas às hierarquias e papeis sociais correspondentes, com constitutivas delas, e consequentemente, ao padrão de dominação que se impunha. Em outras palavras, raça e identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população. Quijano (2005) diz que o lugar social que o negro ocupa na sociedade, principalmente, no espaço econômico como, desde o processo da colonização sempre foi último lugar na pirâmide social, eram aqueles sujeitos dominados, escravizados pelos colonizadores. Sua classificação social era determinada pelo grupo étnico a qual pertença definida pela identidade social. Quijano afirma que na medida em que as relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação, tais identidades foram associadas às hierarquias e papeis sociais correspondentes, com constitutivas delas, e consequentemente, ao padrão de dominação que se impunha. Em outras palavras, raça e identidade

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racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população. ( 2005, p. 107)

Mas, mesmo com o fim da colonização, podemos perceber que ainda hoje essa realidade não é diferente, o negro, o indígena e o quilombola entre outros sujeitos, ainda ocupa os espaços mais desfavorecidos da sociedade com os trabalhos menos valorizados, com os piores salários e em condições desumanas. Para a mulher pertencente a um desses grupos a situação ainda é pior, pois, como sempre a mulher não tem voz nem autonomia. É encarregada das tarefas domésticas, destinada a ser dona do lar e para a produção de descendentes. É interessante ressaltar que dentre as imagens registradas em nenhuma delas encontramos esses povos exercendo funções de prestigio social.

Para a mulher pertencente a um desses grupos a situação ainda é pior, pois, como sempre a mulher não tem voz nem autonomia. É encarregada das tarefas domésticas, destinada a ser dona do lar e para a produção de descendentes. É interessante ressaltar que dentre as imagens registradas em nenhuma delas encontramos esses povos exercendo funções de prestigio social. Tornando-se assim visível o nível de disparidade entre negros e brancos nas representações sociais. As imagens nos colocam diante de uma realidade que infelizmente ainda causa certo preconceito por parte desses sujeitos o lugar de trabalho que o homem aparece nessas imagens não é comum nos nossos dias ainda o que faz com que as pessoas 439

acreditem ser médico, dentista ou enfermeiro não é coisa de branco. E quando a mulher é vista em um trabalho como este em que faz parte de grupos musicais, muitas piadas existem a esse respeito como, por exemplo, será que ela sabe tocar mesmo? Nesse contexto percebemos que as diferenças entre as profissões e o lugar que o negro é visto tende a gerar certo estranhamento isso significa que

somos educados e socializados a ponto de essas ditas diferenças serem introjetadas em nossa forma de ser e ver o outro, na nossa subjetividade, nas relações sociais mais amplas. Aprendemos, na cultura e na sociedade, a perceber as diferenças, a comparar, a classificar (Gomes, 2005 p. 49).

Nesse sentido as imagens em análise nos permitir também refletir sobre o desenvolvimento da consciência de que a sociedade é constituída por múltiplas e variadas culturas, que por sua vez definem povos, grupos sociais e etnias em suas percepções e relações com o espaço, tempo e de atitudes de respeito às diferenças socioculturais que marcam a sociedade brasileira. A diversidade étnico-racial é discutida por Brito (2011) no cotidiano escolar que apresenta um questionamento às formas de ver o mundo e atribuir sentido às relações sociais, implicando na articulação de diversos saberes e conhecimentos, nos convidando a refletir sobre o trabalho desenvolvido no espaço escolar, em vista do enfrentamento dos desafios do cotidiano. Com isso Brito afirma que

é preciso admitir que o trabalho de implementar medidas no sentido de democratizar as relações de trabalho constitui um elemento importante na agenda da gestão da escola, bem como da política educacional, visando à abordagem crítica do tema da diversidade étnico-racial, de modo a proporcionar condições para o desenvolvimento das atividades cujas características não venham a reproduzir hierarquias sociais marcadas historicamente pela divisão racial do trabalho peça distribuição desigual dos recursos de poder.(2011, p.69)

É importante a mudança dessa visão etnocêntrica do conhecimento, ampliando o currículo, trazendo para ele a diversidade cultural, racial e social, cabendo à escola inserir atividades que proporcionem uma contribuição histórico-cultural. Sendo o

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cumprimento da Lei, de responsabilidade não apenas do professor, mas envolve todo um sistema de ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se se perceber que a reafirmação da concepção colonizadora eurocêntrica ainda estar presente de maneira evidente em nossa sociedade, onde se alimenta uma visão estereotipada desses povos, nos quais vivem a margem de uma hierarquia social que discrimina e nega suas raízes culturais e seus valores humanos. Povos esses que são obrigados a não reafirmar suas identidades culturais, simplesmente porque são considerados como grupos étnicos inferiores não tendo o direito a ascensão social, pois o branco colonizador continua no poder colonizando sua cultura, seus conhecimentos e negando a diversidade que existe em nosso meio social. A partir dos dados concluímos que para romper com as barreias da discriminação e preconceito colocando o(a) negro(a) de maneira subalternizada é necessário que novas práticas e novas reflexões sejam tomadas como ponto de partida para esta discussão. Por isso, consideramos que estes estudos precisam de continuações outras que venham trazer novas reflexões. Os conhecimentos aprendidos fazem parte de um currículo que é embranquecido, em que não há espaço para outras culturas, que ficam à margem da sociedade, tendo seus saberes silenciados, e quando a cultura negra ou indígena aparece (ainda sendo de forma bastante diminuída) elas são simplesmente folclorizadas. As relações características de um patriarcado colonizado pelos portugueses, típicas da nossa sociedade brasileira, nos faz refletir que ainda vivemos cercados de preconceitos, racismos e descriminações o que impedem de o negro tomar posse do espaço que por muito tempo já deveria ter ocupado. Percebemos que a falta de uma discussão objetiva onde as pessoas compreendam que os direitos são para todos e que a pessoa negra precisa ser respeitada com a sua dignidade de cidadão que possui direitos assim como outras etnias e povos, em 441

muitos casos faz com que os sujeitos acabem pensando que os negros e brancos devam ocupar lugares opostos em nossa sociedade, tornando essa situação naturalizada como podemos perceber esses fatores nas situações que nos cercam no cotidiano na representatividade do negro ainda como um ser subalternizado e inferior. O reconhecimento da comunidade afro-brasileira implica na valorização da diversidade existente em nosso meio social, distinguindo o negro de outros grupos étnicos, o que implica consequentemente, na igualdade e na justiça de direitos civis, sociais, culturais e econômicos. Percebemos a reafirmação da concepção colonizadora eurocêntrica que ainda estar presente na sociedade contemporânea, onde se alimenta uma visão estereotipada desses povos, nos quais vivem a margem de uma hierarquia social que discrimina e nega suas raízes e culturais e seus valores humanos.

Povos esses que são obrigados a não

reafirmar suas identidades culturais, simplesmente porque são considerados como grupos étnicos inferiores não tendo o direito a ascensão social, pois o branco colonizador continua no poder colonizando sua cultura, seus conhecimentos e negando a diversidade que existe em nosso meio social. Os conhecimentos aprendidos no espaço escolar, faz parte de um currículo que é embranquecido, em que não há espaço para outras culturas, que ficam à margem da sociedade, tendo seus saberes silenciados, e quando a cultura negra ou indígena aparece( ainda sendo de forma bastante diminuída) elas são folclorizadas.

Infelizmente, o negro e o indígena continuam sendo retratados como uns seres escravizados, que ficaram presos no passado e não acompanharam a evolução da sociedade. São representadas através de figuras arcaicas e primitivas, sem acesso ao conhecimento, as tecnologias entre diversos avanços nos quais os brancos hegemônicos desfrutam. Ocupam os espaços sociais e econômicos, aqueles mais desfavorecidos, humilhantes e desumanos. Além de serem diariamente vitimas da exclusão social, do preconceito e da discriminação racial. 442

REFERÊNCIAS BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. BrasíliaDF. Outubro, 2004. BRITO, José Eustáquio de. Educação das Relações Étnico-Raciais: desafios e perspectivas para o trabalho docente, 2011. CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. São Paulo, n.8. 2005. FERREIRA, Michele Guerreiro ;SILVA, Janssen Felipe da. Educação das Relações Étnico-Raciais e as possibilidades de decolonização dos currículos escolares: 10 anos da Lei nº10.639/2003, 2013. GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre Relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. LUDKE, Menga. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo, SP. EPU, 1986.

MIGNOLO, Walter D.. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de Identidade em política. Revista Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 287-324, 2008.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In. Edgardo Lander (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais

443

Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. Setembro, 2005. SEGOVIA Herrera, M. Risco e segurança do trabalho desde o ponto de vista de um grupo de trabalhadores de uma agência de distribuição de energia elétrica. In: ENCONTRO

INTERAMERICANO

DE

PESQUISA

QUALITATIVA

EM

ENFERMAGEM, I. São Paulo. Trabalhos. São Paulo, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, 1988. p. 63-9.

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AS RELAÇÕES DE GÊNERO E ETNICIDADE NOS ESPAÇOS ESCOLARES: RECORTES DE DIÁRIOS DE CAMPO. Mirthis Yammilit da Conceição Almeida128 (UFPE-CAA, GESTOR, LEAN) Erica Patrícia do Nascimento129 (UFPE-CAA) RESUMO O presente texto é fruto do (re)visitamento aos diários de campo de quatro pesquisas desenvolvidas pelas autoras durante a graduação em pedagogia UFPE no Centro Acadêmico do Agreste (CAA), através da experiência com os componentes curriculares: Pesquisa e Prática Pedagógica I e o Estágio Supervisionado I. Assim, objetivou-se conhecer, e identificar as relações de gênero e etnicidade por meio dos escritos nos diários, visando o desenvolvimento de uma análise da temática a partir da perspectiva materialista histórica dialética. Contudo, o estudo nos direcionou a concluir que a existência de uma política afirmativa que legalize o ensino, sem investir na formação docente é pouco útil diante das lacunas no atendimento dessas demandas educacionais específicas em qualquer nível de ensino. Palavras-Chave: Educação; Relações de gênero e etnicidade; Espaço Escolar. INTRODUÇÃO: Partindo do entendimento de que o diário de campo se constitui como poderosa ferramenta metodológica, colocando em evidência diversas realidades escolares, buscouse delimitar a construção deste trabalho analítico a partir dos registros dos diários que tratavam (in)diretamente das relações étnicas e de gênero. O interesse pela temática surge no âmbito das lutas de classe e dos Movimentos Sociais Negros e Feministas que pretendem uma educação mais justa e o reconhecimento de diversos fatores, sejam eles

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Graduanda em Pedagogia pela UFPE-CAA, membro do Grupo de pesquisa GESTOR- Pesquisa em Gestão da Educação e Políticas do Tempo Livre, membro do grupo de pesquisa LEAN- Laboratório de Estudos Antropológicos, Gestão do Centro Acadêmico de Pedagogia (Movimento Estudantil). E-mail: [email protected] 129 Graduanda em Pedagogia pela UFPE-CAA E-mail: [email protected]

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históricos, geográficos, sociais, econômicos, políticos e etc. Diretamente relacionados ao debate sobre gênero e a necessidade de um feminismo que seja negro. Buscamos ao decorrer desse trabalho anunciar a abordagem de análise utilizada, ressaltando que existem mais de uma vertente para olhar as relações de gênero, assim como também, existem mais de uma vertente que trate das relações étnicas. Sejam elas, radicais como vertentes conservadoras, ou revolucionárias ou ainda abordagens desconstrutivistas. Contudo, ressaltamos que no âmbito escolar as relações de ensinoaprendizagem dependem do contexto das relações interpessoais que não sejam fundamentadas em juízos de valores ou estigmas sociais, até porque é exatamente neste espaço que a criança passa a ter um maior contato com outras culturas e costumes, logo a escola deve ser usada como ambiente que ajuda a formar indivíduos capazes de conviver com o outro, quebrando paradigmas relacionados a relações de gênero, racismo entre outros. DISCUSSÃO TEÓRICA: Nesse ponto devemos deixar claro a existência de diversas vertentes políticoideológicas que configuram quaisquer análise a cerca da temática. Existem movimentos conservadores dos denominados africanistas ou negacionistas na pretensão de negar, amenizar, relativizar as consequências das tragédias ocorridas com os povos africanos. São tentativas de banalização dos efeitos agressivos imperialistas e do racismo, argumentos de soldados ideológicos para que as pessoas não se conscientizem do preconceito e da desigualdade racial. Comumente existem vertentes conservadoras na luta de mulheres que pensam as relações de gênero visando a afirmação da inferioridade da mulher com relação à figura masculina, que visam a manutenção da opressão e da subalternização. Também existem vertentes da luta de mulheres que fomentam ideologicamente uma “guerra dos sexos” pondo a figura do homem como uma figura inimiga sem reconhecer que não vai existir a quebra das relações abusivas de opressão. Portanto.

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Como ação imediata, é preciso identificar as diferentes vertentes dos feminismos, explicitando as diferenças, encontrando os nossos comuns. É necessário reforçar o movimento feminista enquanto movimento produtor de idéias e práticas inovadoras, que questionam a estrutura social vigente – os domínios entre as nações; os mandos e desmandos do capital; a cristalização do poder como sendo atribuição masculina e branca, entre outros fatores.(RIBEIRO. 2006, p.809)

Deste modo, ressaltamos que a vertente político ideológico presente nesse trabalho tem por base a luta de classes, entendendo as relações de gênero a partir de um feminismo classista e as relações étnicas também sob uma perspectiva classista. É certo que o gênero não possui apenas sexo, mas possuiu classe. raça, etnia, orientação sexual, idade, etc. Essas diferenças e especificidades devem ser percebidas. No entanto, dentro desta sociedade, não podem ser vistas isoladas de suas macrodeterminações, pois, por mais que “o gênero una as mulheres”, a homossexualidade una gays e lésbicas, a geração una as(os) idosas(os) ou jovens, etc., a classe irá dividi-las(os) dentro da ordem do capital. (CISNE. [s.d.] p. 3)

Corroboramos com o pensamento da autora por entender que as relações de opressão e explorações se dão nas relações sociais e entre os pares, não é o fato de ser mulher que impede que esta mulher oprima outra sendo a primeira uma patroa e a segunda uma trabalhadora doméstica, assim como um negro pode oprimir o outro a partir da relação de poder que dispõe. As relações de opressão ocorrem no cerne das relações de poder e estas relações de poder estão diretamente ligadas à condição material da sociedade humana. Isso não é contraditório com as lutas ditas “específicas”. Primeiro, porque dentro da “ordem metabólica do capital” as expressões culturais não se dão nem se encontram dissociadas de seu metabolismo, mas dentro de sua ideologia e de sua reprodução com fins voltados a assegurar os interesses da burguesia (claro, via exploração da classe trabalhadora); segundo, porque lutar pela extinção das desigualdades, opressões e exploração, enfim, lutar por emancipação plena, liberdade, exige a defesa de valores libertários - que não cedem espaço para a existência de preconceitos, discriminações, subordinações - antes, garantem aos sujeitos sociais o direito da livre expressão de suas subjetividades. (CISNE. [s.d], p. 3)

Afirmamos que primeiro é preciso situar a sociedade e seu contexto histórico para assim trabalhar na superação das desigualdades sociais. “o materialismo considera que na sociedade tudo está ligado à natureza, visto que o homem age sobre ela para produzir seus materiais de consumo, no entanto, não somos produtos da natureza, mas sim da história 447

humana.” (PEREIRA e FRANCIOLI. 2011, p. 94). A sociedade se constitui a partir do trabalho “por meio do trabalho, os homens não apenas constroem materialmente a sociedade, mas laçam as bases para que se construam como indivíduos. A partir do trabalho, o ser humano se faz diferente da natureza, se faz um autentico ser social” (LESSA e TONET. 2011, p.17)

ou seja “ Para existirem, os homens devem

necessariamente transformar a natureza. Esse ato de transformação é o trabalho.” (LESSA e TONET. 2011, p.21). Assim em cada tempo histórico o homem estabelece relações de transformação da natureza e consequentemente diferentes relações de trabalho, que pressupõe diferentes meios de exploração do trabalho por meio das relações de poder resultado das relações abusivas e opressivas, o paradigma clássico da exploração do ser humano pelo ser humano. A história do Brasil tem sido marcada pela desumanidade, herança alicerçada desde os moldes de exploração no período colonial com o regime escravocrata, até os dias vigentes com o domínio conservador e a perpetuação de políticas neoliberais, numa sociedade subordinada ao capital internacional como sócio menor, num contexto global de exploração do trabalho, as relações sociais se dão dentro da lógica perversa do capital que se apropria da marginalização e aprofunda a ideia a cerca da perpetuação das desigualdades. Diante disso, o alcance do escopo das leis exige mais que o conhecimento historiográfico; ele demanda, também, o domínio sobre competências e habilidades docentes que permitam a crítica à traição e a desconstruções de preconceitos relacionados ao papel dos agentes na conformação da nacionalidade e da nação. (COELHO. 2013, p. 72)

No cotidiano escolar os indivíduos estão vulneráveis a diversos tipos de preconceito, racismo e agressões devido aos diversos tipos de relações que existem ou se desenvolvem nesse ambiente e em toda sociedade, então a escola é um importante agente contra esses tipos de constrangimentos com seus membros, tendo em vista que a escola é constituinte da sociedade, mas é constituída por ela. Dentre as formas através das quais o racismo aflora em nossa sociedade, as instituições de ensino (escola e instituições de ensino superior) são ambientes

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nos quais manifestações de racismo e as várias discriminações, que fazem parte da cultura da sociedade brasileira acontecem. (OLIVEIRA. 2011, p. 96)

Com isso Os movimentos sociais negros, bem como muitos intelectuais negros engajados na luta anti-racismo, levaram mais de meio século para conseguir a obrigatoriedade do estudo da história do continente africano e dos africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e do negro na formação da sociedade nacional brasileira. (SANTOS. 2005, p. 34)

Desse modo, os movimentos sociais ocupam um papel de suma importância, o de não apenas denunciar, mas, de reinterpretar a realidade social e assim propor uma reeducação populacional em todos os âmbitos, sejam eles acadêmicos, políticos, institucionais e etc. Portanto, na educação brasileira houve por muitos anos a ausência de uma reflexão sobre as relações raciais e principalmente das relações de gênero, isso gerou diversos impedimentos, principalmente no caráter das relações interpessoais que fossem respeitosas e geradoras de igualdade. Como contribuinte das relações de preconceito e racismo nas diversas instituições educacionais além de outras diferenças fenotípicas entre o negro(a) e o(a) branco(a) que sugerem a inferioridade o currículo escolar negou historicamente a identidade do povo e não apoiou as estratégias antirracistas sugeridas por essa classe marginalizada, porém, prezou pela manutenção das desigualdades, esse currículo esbarra nas relações de poder que seleciona o conhecimento e formula o currículo. Na escola, para além do currículo documental existe o currículo oculto, ambos materializados através das práticas educativas que englobam o fazer do professor e o fazer do aluno. O (A) professor (a) incumbido (a) da “missão” do ensino da matéria africana se verá obrigado(a) durante longo tempo a demolir os estereótipos e preconceitos que povoam as abordagens sobre essa matéria. Também terá de defrontar com os novos desdobramentos da visão hegemônica mundial que se manifesta por meio das “novas” ideias que legitimam e sustentam os velhos preconceitos. (WEDDERBURN. 2005, p.160) grifo nosso

Embora discordemos de que o fazer docente é uma missão, levamos em consideração de que ele se verá numa situação a qual estará incumbido de atender por meio de dispositivos legais (lei 10.639/03) uma educação afirmativa sob uma perspectiva antirracistas irá lidar com as relações de poder hegemônicas, com os esbarros 449

hegemônicos entre o paradigma do que é conhecimento científico e o que não é conhecimento científico e é senso comum ou conhecimento popular.

Que está

diretamente ligada às relações de poder e de opressão. Levando em conta tudo o que precede, os estudos sobre a história da África, especificamente no Brasil, deverão ser conduzidos na conjunção de três fatores essenciais: uma alta sensibilidade empática para com a experiência histórica dos povos africanos; uma constante preocupação pela atualização e renovação do conhecimento baseado nas novas descobertas científicas; e uma interdisciplinaridade capaz de entrecruzar os dados mais variados dos diferentes horizontes do conhecimento atual para se chegar a conclusões que sejam rigorosamente compatíveis com a verdade. (WEDDERBURN. 2005, p.160)

Portanto a importância da Lei Federal 10.639/03 é justamente a de uma educação antirracista para que haja o reconhecimento histórico, cultural, artístico, social, geográfico, político e econômico da identidade negra, as contribuições e outros fatos negados na educação brasileira durante séculos. Surge então a preocupação com a formação do professor incumbido dessa tarefa já que a lei não assegura as bases formativas do mesmo, questiona-se aqui, como está sendo o tratado da educação paras as relações étnicas se os professores não tem formação específica embora tenham que lidar legalmente com isso. Entre os principais obstáculos criados pelo sistema ao desempenho da população negra na sociedade brasileira, podemos apontar a inferiorização desta no ensino. Primeiro, são os livros didáticos, que ignoram o negro brasileiro e o povo africano como agentes ativos da formação territorial e histórica. Em seguida, a escola tem funcionado como uma espécie de segregadora informal. A ideologia subjacente a essa prática de ocultação e distorção das comunidades afrodescendentes e seus valores tem como objetivo não oferecer modelos relevantes que ajudem a construir uma auto-imagem positiva, nem dar referência a sua verdadeira territorialidade e sua história, aqui e sobretudo na África. (ANJOS, 2005. Pág.175)

Fica evidente a necessidade de uma formação que abranja uma reflexão crítica a cerca das relações de gênero e étnicas, visando alterações das práticas educacionais que violentam, negam e oprimem essas relações desde os espaços escolares, formação que precisa ser demandada pela mesma lei que demanda a obrigatoriedade do ensino, visando uma modificação curricular e de outros instrumentos de trabalho para o ensino, tendo em mente a inserção racial na formação brasileira, como afirma Anjos (2005, p. 175) “São uma porta concreta de solução para alterar esse quadro”. 450

METODOLOGIA: O lócus das pesquisas foram escolas publicas, nas quais, as autoras desenvolveram pesquisas individuais nos anos de 2013 e 2014. Com objetivo de: analisar como se davam as relações entre alunas negras e demais alunos no período em que os diários foram escritos. As pesquisas foram realizadas da seguinte forma: (PPP1, autor 1 e autor 2, e Estágio 1, autor 1 e autor 2) totalizando em quatro pesquisas e quatro diários, cada estudo foi desenvolvida numa escola pública diferente, sendo duas pesquisas referentes a cidade de Sairé-PE (PPP1 e estágio1 do autor1) e as outras duas na cidade de Santa Cruz do Capibaribe-PE, em duas escolas de ensino fundamental para a PPP1 e duas de educação infantil para o Estágio 1. Como temas das pesquisas realizadas tem-se “a materialização de conteúdos que contemplam a educação para as relações étnico-raciais”. fundamentada na obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, que encontra seu respaldo legal na lei 10.639∕03, as três temáticas, por conseguinte, estiveram ligadas a ao uso da ludicidade na prática do professor e suas implicações. O uso da ferramenta metodológica referente ao diário de campo foi fundamental para a discussão de gênero e etnicidade proposta no presente texto e com isso, passamos a conhecer, identificar e analisar nos espaços escolares as relações sociais explícitas e implícitas no trato com as alunas negras a partir de uma análise sob a perspectiva materialista histórica dialética. ANALÍSE/RESULTADOS: Ao (re)visitar os diários de campo nos deparamos com diversas situações, das quais anteriormente não havíamos direcionado nosso olhar para uma análise, contudo nos restrigimos aos nossos objetos e apenas registrávamos nossos dias nos espaços de pesquisas. É uma descorberta intrigante percerber como são materializados nas relaçoes interpessoais escolares os estigmas, os preconceitos, as opressões e as desigualdades descritos nos diários. Trazemos pois alguns dos extratos dos diários buscando explicitar as situações que mais chamaram nossa atenção. 451

Relato 1- durante o horário de intervalo a prof(a) de ed. Infantil fez a seguinte distribuição dos brinquedos,:1bola para todos meninos, bonecas e panelinhas para as meninas. No momento da brincadeira a criança negra que estava com a panelinha começou a chorar porque queria a boneca, mas, a professora a convenceu de fazer comidinha para suas coleguinhas e disse que não tinha mais boneca, a menina acabou se contentando. (10-10-14, Santa Cruz do Capibaribe- PE, Estágio.) Relato 2- Toda aula foi muito conceitual, Como por exemplo: 1-“A sociedade brasileira da época era formada por povos indígenas, portugueses e escravos”. (Resumo do quadro) 2- “Povos indígenas- são os povos nativos da terra que já possuíam uma organização de subsistência”. 3- “Portugueses- são pessoas vindas da Europa para colonizar o Brasil”. 4 -“Escravos- Pessoas que trabalhavam sem receber um salário, geralmente negros”. 5- “Senzala - casa dos escravos, onde eles comiam, descansavam e em algumas vezes faziam festas típicas.” 6- “Moenda- instrumento usado para moer a cana”. ( 08-082013, Sairé-PE, PPP1) Relato 3 - eles estiveram muito dispersos porque essa é a semana dos estudantes e as aulas estão sendo reduzidas a 30 minutos para contemplar os eventos programados para os estudantes. Hoje ocorreu o desfile da miss estudantil, mas, nenhuma das concorrentes a miss é negra. (10-08-2013, SairéPE, PPP1) Relato 4- A professora durante a tomada de leitura fez diversos penteados (cocó, luluzinha, tranças, Chiquinha, rabo de cavalo) nas alunas de cabelo liso, no entanto ao tomar leitura das crianças negras de cabelo crespo não deferiu nenhum toque. As crianças sentaram, fizeram a leitura e voltaram para sua carteira. (10-08-2013, Santa Cruz do Capibaribe-PE, PPP1) R5- hoje é a sexta-feira do brinquedo, as crianças estão todas sentadas no tapete para brincar, algumas crianças trouxeram seus brinquedos de casa, a professora pôs uma caixa de brinquedos no meio do tapete, e eles poderiam brincar com qualquer brinquedo. É quando ocorre o conflito, os meninos começaram a jogar um bebê negro pra lá e pra cá, como se fosse uma peteca, até que esse ping-pong bateu em “margarida”. e “tulipa” disse “essa boneca nojenta é igual a você”, “Margarida” respondeu, “eu não sou preta, eu sou branca, meu pai é branco também e minha mãe é morena, essa boneca feia não parece comigo. A profa, recolheu a boneca e disse: ela se parece com você sim, e Margarida chorou do intervalo até a hora da saída. (05-12-2014, Sairé-PE, Estágio.)

Fica evidente a cada relato que o ensino afirmativo que deveria ser regulamentado a partir da lei 10.639/03 após 10 anos de promulgação, ainda não foi efetivado. Precisa, o Brasil, país multiétnico e pluricultural, de organizações escolares em que todos se vejam incluídos, em que lhes seja garantido o direito de aprender e de ampliar conhecimentos, sem ser obrigados a negar a si mesmos, ao grupo étnico/racial a que pertencem e a adotar costumes, ideias e comportamentos que lhes são adversos. E estes, certamente, serão indicadores da qualidade da educação que estará sendo oferecida pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis. (MEC. 2005, p.18)

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Corroborando com a perspectiva apresentada no parecer do MEC é necessário se pensar numa política de formação que contemple uma formação humana e cidadã, deixando de lado a concepção presente na escola que continua sendo de um ensino enviesado pelos estigmas sociais, pela herança escravocrata, por uma escola contada pela hegemonia, pelo silenciamento, pela desumanidade da nossa sociedade que acaba ditando diversos binarismos. Causando diversos danos aos sujeitos. Segundo Cavaleiro (2007, p. 86): A ausência de informação pode representar para a criança branca a ideia de pertencer a um grupo étnico superior, visto que essa ideia é muito difundida pela sociedade de modo implícito e até mesmo explícito. Por outro lado, para a criança negra esse silencia sobre o preconceito pode leva-la a entender o seu grupo como inferior, ideia que se conforma automaticamente, á superioridade branca. [...] Diante disso, pode-se compreender a repulsa da criança em se identificar com o negro, com aquilo que lhe parece “ruim”. A recusa da criança expressa o seu temor de deixar o lugar que lhe foi dado – o de mais bonita- e se reconhecer negra. ( CAVALLEIRO. 2007, p. 86)

Por isso

defendemos uma educação que combata as opressões sofridas

historicamente pela mulher negra, comumente com os problemas escolares descritos nos diários como a auto-negação em ser menina negra, as transições capilares como saída para o bullying, as tentativas de invisibilidade das meninas negras na escola, a exclusão das meninas negras nos espaços de brincar, o repúdio com as bonecas negras na educação infantil tidas como feias e nojentas, a exclusão das meninas negras em situações de ciranda em que os demais colegas se negaram a pegar em suas mãos, a escola como um (des)lugar entre outras questões registradas nos diários. Tal debate é possível, não fácil. Pois, como já argumentado, conhecer a cultura “apagada” dos/as negros/as, suas lutas, conquistas, refletindo as implicações positivas dos acontecimentos que nortearam a história e cultura afro-brasileira e africana, exige, além do compromisso das instituições de ensino, um professorado preparado para discutir essas questões, o que implica na formação do/a professor/a, daí a importância em investigar o currículo da instituição de ensino superior. (SILVA. 2011, p.104)

Se não houver essa preocupação institucional, formativa e profissional, não haverá consequentemente muitos resultados positivos nessa educação antirracista que a lei indica. Nitidamente falta apoio e mudança nos centros e instituições formativos de ensino superior no que se refere adotarem para os cursos de licenciaturas uma grade de cadeiras 453

obrigatórias abranjendo essa discussão, para que o novo professor, não esteja apenas reproduzindo os juízos de valores lidando com a pluralidade racial na escola de maneira estigmatizada. É necessária também que a formação continuada abranja essas temáticas para que o professor que já esteja em sala se adeque as exigências governamentais. Por isso, as metodologias desenvolvidas nas formações devem proporcionar que o professor proceda a uma análise crítica da própria prática, estimulando uma atitude reflexiva sobre os acontecimentos de seu cotidiano escolar e os alicerçando aos conhecimentos essenciais para intervir na realidade concreta da instituição, sendo para isso necessário que ele reconheça o racismo institucional e estrutural da sociedade brasileira, rompendo com a ideologia do mito, o que pesquisas têm constatado que não é tarefa fácil, porque pede a quebra de paradigmas fortemente constituídos na sociedade brasileira. (DIAS. 2012, p. 172)

Uma das maiores denúncias é que Como resultado, essa cultura escolar acaba por oprimir e excluir determinadas crianças de maneira sistemática. Oprime, sobretudo, porque lhes torna inferiores nas relações com outras crianças. Exclui quando silencia diante das agressões presentes no seu espaço físico. Esse silêncio opressor e excludente revela a nãoimportância dada a essa temática no cotidiano escolar. (CAVALLEIRO, 2005, p.100)

CONSIDERAÇÕS FINAIS: Ao serem observadas e comparadas as pesquisas feitas seja através das PPP’s ou estágios por mais que tenham ocorrido em cidades diferentes é notável a presença de atitudes de preconceito seja por gênero, raça ou etnia é presente independente do lugar, logo percebemos que não existe então motivo especifico que influencie essas formações preconceituosas nas nossas crianças, porém é notório que não exista nesses profissionais (professores), um preparo para quebrar em seus alunos a ideia de descriminação, não retirando da família e responsáveis a culpa da formação pessoal desse individuo o qual já trás em todo seu histórico uma educação familiar pautada em preconceitos mas, esperase pois que seja a escola a peça diferenciada que venha para desmistificar essas culturas internalizadas e já vistas como normais. Logo se compreende que os dispositivos legais ao cunhar a obrigatoriedade do ensino da história e cultura dos afro-brasileiros não tornam obrigatória a formação regular nem continuada dos professores a cerca da temática, comumente, não se tem uma lei que 454

contemple obrigatoriamente as relações de gênero na escola. Nesse sentido, pensar uma educação antirracista e que contemple as relações de gênero, para que os indivíduos se reconheçam e assumam uma identidade socialmente positiva, buscamos desenvolver esse texto como uma contribuição para a discussão de gênero e tecnicidade nos espaços escolares é tarefa ainda difícil e até um pouco distante da nossa realidade educacional. Vale destacar que os conteúdos sobre os quais eram tratadas as temáticas étnicas ocorriam de maneira conceitual e sutil como, por exemplo: “Senzala - casa dos escravos, onde eles comiam, descansavam e em algumas vezes faziam festas típicas.”; “EscravosPessoas que trabalhavam sem receber um salário, geralmente negros.”; “Moendainstrumento usado para moer a cana.”. Negligenciando alguns fatores como a opressão simbólica, violência física, usurpação de bens e da dignidade dos Negros e Negros, não atendendo assim os objetivos da lei 10.639/08, nem tampouco da luta dos Movimentos Sociais Negros e Feministas que durante anos objetivam uma educação crítica e uma história contada pelos oprimidos, o que vemos é então uma história sendo contada por aqueles que se dizem “heróis”, sendo contada, pois da maneira que os favorece. Desse modo, é nítida a importância desse debate e do reconhecimento desses agentes na sociedade, ressaltando sua contribuição no âmbito da economia, da política e da cultura na sociedade brasileira, os resultados dessa análise apontam a necessidade de um enquadramento temático na formação profissional e continuada dos professores. O estudo nos direciona a concluir que a existência de uma política pública que legalize e incentive o ensino é pouco útil diante da falta de formação especifica para os professores em qualquer nível de ensino, inclusive as leis que criminalizam o racismo não impedem que as crianças desde a educação infantil sofram essa violência, por isso é necessário à formação de professores e essa discussão de gênero e etnicidade na escola, haja vista que os professores são indispensáveis para essa formação moral e cidadã na combatividade das opressões. O que se notou frente às pesquisas que realizamos é que a maioria dos professores observados além de não materializem em suas aulas o que a lei discorre e o que é realmente necessário acabam por enfatizarem preconceitos e tornando normal àquilo que 455

precisa ser modificado e reorientado da maneira correta, já que essa é a hora de realizar esse processo de realmente quebrar informações errôneas frente às informações e formações desse alunado. Seria equivocado dizer, pois que isso acontece por vontade própria por parte desses professores embora saibamos que realmente em alguns casos haja preconceito neste educador afirmamos que o sistema educacional o qual ele esta inserido é falho e cobra coisas as quais não foi oferecido subsídios para realização, assim como a materialização desse ensino. Os Movimentos sociais pretendem uma educação que combata as opressões sofridas historicamente pela mulher negra, comumente com os problemas escolares descritos nos diários como, por exemplo, a autonegação em ser menina negra e as transições capilares como saída para o bullying, as tentativas de invisibilidade das meninas negras na escola, a exclusão das meninas negras nos espaços de brincar, o repúdio com as bonecas negras na educação infantil tidas como feias e nojentas, a exclusão das meninas negras em situações de ciranda em que os demais colegas se negaram a pegar em suas mãos, a escola como um (des)lugar entre outras questões registradas nos diários. O estudo nos direciona a concluir que a existência de uma política pública que legalize e incentive o ensino é pouco útil diante da falta de formação especifica para os professores em qualquer nível de ensino, inclusive as leis que criminalizam o racismo não impedem que as crianças desde a educação infantil sofram essa violência, por isso é necessário a formação de professores e essa discussão de gênero e etnicidade na escola, haja vista que os professores são indispensáveis para essa formação cidadã na combatividade das opressões. Referências: ANJOS, Rafael Sanzio Araújo. A África, a Educação Brasileira e a Geografia. . In: Educação anti-racista; caminhos abertos pela Lei Federal nº. 10.639/03. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, pp. 167-184

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458

TRABALHOS COMPLETOS

GT – 4: Gênero, Corpos e Sexualidades

459

O MAIS ALÉM DA ANATOMIA: A Paternidade no filme Transamérica José Kleberson Rodrigues de Almeida Ananias130 RESUMO: O que é um pai? – A experiência inaugural de Freud com a Psicanálise Infantil contribuiu até onde foi possível para uma melhor compreensão sobre o universo da criança, bem como da influência exercida pelos seus genitores na constituição de seu psiquismo.

Dado o crescente debate acerca da realização de cirurgias de

transgenitalização, o presente trabalho discorre sobre as concepções de paternidade no filme Transamérica, articulando-o com as discussões propostas pela obra freudiana afim de mobilizar a comunidade em geral a respeito da referida temática, uma vez que a contemporaneidade nos leva a repensar a constituição dos sujeitos sexuados mais além dos binarismos e do Two Sex Model. Entendendo que o desejo revela-se discursivamente construído e que a transexualidade constitui uma das manifestações possíveis da sexualidade, espera-se contribuir para relativização do tradicional modelo de família, assim como dar subsídios necessários aos profissionais que trabalham ou estudam a temática transexual. Palavras-chave: Psicanálise; Paternidade; Transexualidade

INTRODUÇÃO

Desde que iniciou a prática da psicanálise em 1900, Sigmund Freud revolucionou o modo de compreensão de homem e de mundo de sua época ao romper com as concepções puramente biológicas de sexualidade e defender o caráter contingente do

Psicólogo do Centro de Referência em Assistência Social de Cachoeirinha – Pernambuco, com Especialização em Psicopedagogia Institucional. Email: [email protected] 130

460

Desejo a partir da invenção do conceito de Pulsão131 através do qual a Sexualidade impulsionaria o sujeito à obtenção de prazer pelos mais diversificados objetos, sem que esse fenômeno fosse entendido como anormalidade. Assim, Freud pode efetuar uma desnaturalização dos corpos desvinculando as sexualidades humanas de fins unicamente reprodutivos e iniciou consequentemente, uma discursividade acerca do homoerotismo e da Diversidade Sexual. Em 1905, no primeiro dos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, ao defender o aspecto não-patológico da homossexualidade, Freud posicionou-se contra sexólogos e cientistas em geral, apontando para a necessidade da problematização da própria heterossexualidade, que desde a invenção do conceito de Pulsão, já não podia ser compreendida a partir de bases puramente biológicas e químicas, uma vez que com o advento da Psicanálise, a sexualidade passou a ser vista como efeito de discurso e não apenas como um fenômeno puramente bioquimico. Alguns anos depois no artigo A Psicogênese de um Caso de Homossexualidade Feminina, publicado em 1920, Freud reafirmou sua posição em relação às homossexualidades denunciando a omissão da pesquisa psicanalítica que longe de propor uma solução para as práticas homossexuais, deve se contentar com o desvelo dos mecanismos psíquicos presentes nas escolhas objetais, sejam elas hetero ou homossexuais. Embora não tenha escrito nada a respeito da Transexualidade, podemos concluir a partir de uma leitura atenta e minuciosa de seus trabalhos, que o posicionamento de Freud sempre esteve voltado para o bem-estar dos sujeitos, e não o que propunha a Moral Sexual Civilizada que, diga-se de passagem, é o título de um de seus mais brilhantes trabalhos. Quando mencionamos os trabalhos de Freud acerca das homossexualidades não se trata de maneira alguma de relacionarmos os fenômenos, mas de ressaltar a postura do “Por Pulsão podemos entender, a principio, apenas o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-lo de ‘estímulo’ que é produzido por excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos de delimitação entre o físico e o psíquico: A hipótese mais simples e mais indicada sobre a natureza da pulsão seria que, em sim mesma, ela não possui qualidade alguma, devido apenas ser considerada como uma medida de exigência de trabalho feita à vida. (Freud, 1905, p.159) 131

461

Pai da Psicanálise diante de um tabu de sua época – qual seja, a homossexualidade, - para daí prosseguirmos com as contribuições psicanalíticas numa tentativa de elucidar outro tabu, dessa vez nosso contemporâneo, isto é, o fenômeno da Transexualidade. Articulado com as discussões propostas pela obra freudiana, o presente trabalho discorre sobre as configurações de Paternidade e Transexualidade presentes no filme Transamérica, afim de mobilizar a comunidade em geral a respeito desses fenômenos, uma vez que a contemporaneidade nos leva a repensar a constituição dos sujeitos sexuados mais além dos binarismos e do Two Sex Model, categorias do século XVIII e XIX que visavam a nomenclatura dos sujeitos a partir de suas performances sexuais e o enquadramento do Desejo Sexual dentro de nosologias, que definiriam os limites entre uma sexualidade dita normal e outra dita patológica. No primeiro capitulo, situaremos historicamente o conceito de Transexualidade, realizando um percurso histórico acerca da criação da categoria enquanto tal, indagando como eram percebidas as práticas ditas desviantes desde as Antigas Civilizações Gregas até o século XVIII. No segundo capítulo, analisamos as contribuições psicanalíticas a respeito da Sexualidade e, consequentemente, da Transexualidade, com o intuito de realizar uma problematização do modelo fálico-edípico, interrogando as influências históricas e culturais de Freud para a construção de sua Teoria Sexual. No terceiro capitulo, discorremos acerca das concepções de Paternidade em evidência na trama fílmica Transamérica, levantando uma crítica a modernidade na sua forma de compreender o fenômeno transexual e o exercício da paternagem. Para tanto, realizamos uma pesquisa e análise bibliográfica da obra de Freud, bem como da psicanálise contemporânea a partir de autores que procuram problematizar as implicações do referencial fálico-edípico como eixo central de subjetivação e erotização, tais como Jurandir Freire Costa e Judith Butler. Da mesma forma, nos debruçamos no campo da filosofia contemporânea, na obra dos autores Thomas Laqueur e Michel Foucault no que concerne a criação das categorias de sexo, gênero e desejo. Entendendo que a Transexualidade não constitui desvio ou mesmo degeneração e que a Psicologia deve contribuir para a erradicação dos preconceitos e discriminações em 462

torno das questões ligadas às práticas sexuais ditas desviantes daquelas estabelecidas sócio-culturalmente, através do presente trabalho espera-se contribuir com a discussão e o conhecimento referente à problemática transexual, evidenciando a existência desses sujeitos e a constituição de suas famílias, bem como dar subsídios necessários aos profissionais que trabalham ou estudam a referida temática. 1. “DO MEDO CRIOU-SE O TRÁGICO, NO ROSTO PINTOU-SE O PÁLIDO”: Um breve histórico acerca do surgimento da categoria Transexual É fato que a “nossa sexualidade é produto de condições históricas” (SPENCER, 1996, p.10) e que o dispositivo que nomeamos de gênero, é construído culturalmente. Dessa forma, o modo como a sexualidade se expressa apresenta inevitavelmente características de seu funcionamento político-cultural. Para Foucault (1988, p.100): A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder.

A constatação de que a sexualidade “é um nome dado a coisas diversas que aprendemos a reconhecer como sexuais de diversas maneiras” (COSTA, 1995, p.93) nos leva a relativização dos termos ‘certo’ e ‘errado’ e das noções de ‘bem’ e mal’ quando se trata de avaliar a opinião que as várias sociedades sempre tiveram sobre as práticas sexuais ditas desviantes, a partir de reflexões que permanecem abertas ao dialogo e a discussão. Analisar as práticas pelas quais os indivíduos foram levados a prestar atenção a eles próprios, a se decifrar, a se reconhecer e se confessar como sujeitos de desejo, estabelecendo para consigo uma certa relação que lhes permite descobrir, no desejo, a verdade de seu ser, seja ele natural ou decaído. [...] Compreender de que maneira o individuo moderno podia fazer a experiência dele mesmo enquanto sujeito de uma ‘sexualidade’ [...] (Foucault, 1984, p.11)

As antigas civilizações, segundo Spencer (1996), acreditavam que o impulso sexual era dominado pelo gene do egoísmo. No Velho Egito, o sexo era considerado 463

necessário, e estava por toda parte, embora as atividades sexuais não constituíssem um determinante da identidade, já que aqueles que não encarassem positivamente as práticas sexuais poderiam optar livremente pelo sacerdócio e celibato. O corpo masculino, na Grécia Antiga, respondia igualmente à visão erótica de uma mulher ou de um jovem atraente. Nessas sociedades (Laqueur, 2001) o pênis era, portanto, sinônimo de status e o ser ‘homem’ ou ser ‘mulher’ significava ocupar determinada posição social, assumir um papel cultural e não necessariamente pertencer a um ou a outro gênero. [...] na Grécia Antiga, não existia um só sexo especificado conforme nossos hábitos lingüísticos. Existiam as afrodisia, que eram os prazeres e vários eros que, todos sabemos, manifestava-se de várias maneiras: entre homens e homens; entre mulheres e mulheres; entre homens e mulheres; entre humanos e animais; entre deuses e homens; entre humanos e elementos naturais como a chuva, o vento, etc. [...] O eros grego, portanto, nem estava na realidade anatômica dos humanos, nem nos atos sexuais, nem tampouco no desejo interno de cada um, pois na Grécia não havia sido inventada a ‘interioridade’ psíquica que nos é familiar. (Costa, 1995, p.95)

Mudanças significativas em relação às práticas sexuais ocorreram entre a segunda metade do século XVII e a primeira metade do século XVIII. Através da emergência de discursos que multiplicaram-se com o intuito de impor restrições judiciais e penalidades de caráter criminal às chamadas perversões de irregularidade sexual foram cada vez mais associadas a insanidade mental. De acordo com Foucault (1988) essa nova caça às sexualidades periféricas provocou a incorporação das perversões e a classificação dos indivíduos em um ato de interdito onde os outrora sujeitos de desejo agora não passavam de sujeitos jurídicos. É dessa época, inclusive, o termo ‘inversão sexual’, utilizado pela primeira vez por Haverlock Ellis em 1897, para referir-se a sensibilidade feminina de alguns indivíduos.. Para Bento (2006) foi em meio a esse contexto de tentativa de catalogação das sexualidades ditas desviantes que a transexualidade pode emergir enquanto tal, já que o fenômeno transexual é uma presentificação segura das modificações históricas da percepção cientifica, cultural e politica da identidade sexual do século XX. De acordo com Bento (2006) a transexualidade caracteriza-se pelo intenso sentimento de não pertencimento ao sexo anatômico correspondente, sem manifestação de transtornos delirantes ou bases orgânicas, uma vez que 464

[...] a possibilidade técnica de satisfazer as demandas de adequação vindas dos transexuais graças aos hormônios e aos progressos da cirurgia plástica, contribuiu para dar a transexualidade, a partir dos anos 50, uma colocação distinta das descrições mais antigas. [...] Bernin Hausman [...] demonstrou bem como a reivindicação transexual desenvolveu-se numa dialética sutil entre a oferta tecnológica [...] e uma demanda de verdades mais e mais estruturadas por um discurso padronizado. (Castel, 2001, p.77-78)

Desse modo, o posicionamento médico-científico de modelo positivista que propunha a classificação de tipos e comportamentos sexuais teria sido o grande responsável pelo surgimento da categoria transexual enquanto tal. A tentativa de definir mais rigorosamente as características do ‘pervertido’ foi um elemento importante na hetero-normalização nos séculos XIX e XX. Essa definição era, em parte, um empreendimento no campo da sexologia que se debruçou em duas tarefas diferentes ao final do século XIX. Em primeiro lugar, procurou definir as características básicas do que constitui a masculinidade e a feminilidade normais, vistas como características biológicas distintas para os homens e as mulheres. Em segundo lugar, ao catalogar a infinita variedade de práticas sexuais, produziu uma hierarquia na qual o anormal e o normal poderiam ser distinguidos. Para a maioria dos sexólogos, tais análises estavam intimamente ligadas às atividades genitais e consequentemente, a escolha do objeto heterossexual. As demais atividades sexuais foram qualificadas como prazeres preliminares ou aberrações. (Vieira, 2009, p.493)

No que diz respeito à transexualidade, tratava-se de verificar como o fenômeno biológico da diversidade das emoções, sensações ou sentimentos eróticos, traduziam-se nas inclinações psíquicas, morais e/ou sociais dos homens e mulheres daquela época. Ganha espaço, portanto, o conceito de instinto sexual, considerado intrínseco ao caráter anatômico dos órgãos e que produzira diferenças entre homens e mulheres. O instinto sexual trazia consigo a ideia de normalidade, intrinsecamente ligada à natureza. O pesquisador Binet acreditava que nem a hereditariedade e a degeneração poderiam explicar a multiplicidade das perversões, entre elas, a Transexualidade. Logo, a Transexualidade tornou-se sinônimo de patologia, através do discurso médico-moral de sexólogos como Kraft-Ebbing, estabeleceno as bases que justificariam a existência da matriz heterossexual cisgêneros, que viria a constituir as chamadas sociedades heteronormativas.

2.

“DE NOITE NA CAMA, EU FICO PENSANDO...”: As contribuições freudianas para o conceito de Sexualidade 465

É inegável a influência de Freud no debate acerca da despatologização das sexualidades de sua época. Suas concepções penetraram lentamente na sociedade colocando “[...] por terra qualquer ordenação preestabelecida da sexualidade” (Cavalcanti, 2009, p.12 apud Néri, 2005, p.178). Com o advento da Psicanálise o Destino Biológico da Sexualidade passou a ser questionado, desprendendo a teoria psicanalítica das concepções normativas e organicistas da psiquiatria de sua época ao indagar o papel da hereditariedade e da degeneração. Para Costa (1995), Freud foi o primeiro e único pensador de seu tempo que mostrou a possibilidade que temos ao criar tantos variantes para termos como “sexo” e “sexualidade”, quanto nos possibilita a nossa imaginação. Com a possibilidade que temos de criar novas metáforas ou ressignificar, ampliando a extensão, o sentido de termos codificados pelo uso regular da língua, podemos criar mundos diversos, sem necessariamente propor modos de vidas incompreensíveis ou impossíveis. (ibid., p.246)

De acordo com Foucault (1988, p.112-113): [...] a posição singular da psicanálise no fim do século XIX não seria muito bem compreendida se desconhecêssemos a ruptura que operou relativamente ao grande sistema da degenerescência: ela retornou o projeto de uma tecnologia médica própria do instinto sexual, mas procurou liberá-la de suas correlações com a hereditariedade [...]

Através de seu texto A sexualidade na etiologia das neuroses, Freud (1988,p.251) denunciou explicitamente a atitude médica em relação aos assuntos sexuais, afirmando que quem quer que pretendesse certificar-se de que as neuroses de seus pacientes estão ou não ligadas à vida sexual deles, não poderia evitar interrogá-los sobre sua vida sexual com o intuito de lançar luz aos “novos problemas para cuja solução ainda não se realizou o esforço necessário” (ibidem). De acordo com Foucault (1988), levar em conta o sexo como tal significa formular um discurso racional sobre o mesmo independente da moral social vigente O importante nessa discursividade seria o reconhecimento de que é preciso superar os escrúpulos, o moralismo, e a hipocrisia, devendo-se falar de sexo publicamente “de uma maneira que não seja ordenada em função da demarcação entre o lícito e o ilícito” (ibid., p.27)

466

Em seu Fragmento de análise de um caso de histeria (1905), mais conhecido como o Caso Dora, Freud afirma que nunca deixou de considerar expressões sexuais de maneira geral em sua prática psicanalítica, pois a sexualidade seria a chave para o problema das psiconeuroses. Além disso, Freud denuncia a omissão médica em relação às práticas sexuais e as chamadas perversões, que para ele, não passam de convenções sociais, já que “na vida sexual de cada um de nós, ora aqui, ora ali, todos transgredimos um pouquinho os estreitos limites do que se considera normal”. (Freud, 1905a, p.55): Precisamos aprender a falar sem indignação sobre o que chamamos de perversões sexuais – essas transgressões da função sexual tanto na esfera do corpo quanto na do objeto sexual. Já a indefinição dos limites do que se deve chamar de vida sexual normal nas diferentes raças e épocas deveria arrefecer tal ardor fanático. Tampouco nos devemos esquecer de que a perversão que nos é mais repelente, o amor sensual de um homem por outro, não só era tolerada num povo culturalmente tão superior a nós quanto os gregos, como também lhe eram atribuídas entre eles importantes funções sociais. (ibid., p.55)

Estes escritos, evidentemente, antecedem os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade de 1905, onde, de acordo com Barbero (2005), ao introduzir conceitos como objeto e alvo sexuais, Freud pensaria as sexualidades em suas várias expressões e as outras formas de erotismo comumente chamadas de perversas, como variantes que formariam parte de uma normalidade possível, iniciando uma primeira sistematização teórica acerca da homossexualidade e da diversidade sexual como um todo. De acordo com Vieira (2009), os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade de Freud representaram uma refutação à apropriação médica do conceito de perversão sexual, já que o verdadeiro escândalo produzido por sua publicação consiste no fato de ter introduzido uma renovação na questão da causa das sexualidades e sua relação com o mal estar da civilização. Antes de Freud, procurava-se localizar a sexualidade da maneira mais estreita: no sexo, em suas funções de reprodução, em suas localizações anatômicas imediatas; era restringida a um mínimo biológico – órgão, instinto, finalidade. (Foucault, 1988, p.142)

Freud defenderá o aspecto não patológico das sexualidades, já que cada forma de expressão “[...] seria nada mais que uma outra senda empreendida pela pulsão em sua eleição ou catexis objetal” (BARBERO, 2005, p.100). 467

[...] a liberdade de dispor igualmente de objetos masculinos e femininos, tal como observada na infância, nas condições primitivas e nas épocas préhistóricas, é a base originária mediante a restrição num sentido ou no outro, desenvolvem-se tanto o tipo normal como o invertido. No sentido psicanalítico, portanto, o interesse sexual exclusivo do homem pela mulher é também um problema que exige esclarecimento, e não uma evidência indiscutível que se possa atribuir a uma atração de base química. (FREUD, 1905, p.138)

Ao questionar o Destino Biológico e a Norma Social para inserir-se na Lei do Desejo e suas variantes, Freud rompe com a concepção degenerativa e inata das sexualidades, apontando para o funcionamento daquilo que chamou de Inconsciente como o responsável pela a origem psíquica das performances sexuais como um todo, de onde podemos concluir que o posicionamento de Freud, embora não fosse contemporâneo das Transexualidades, seria o de defender o direito de exercer livremente suas identidades, performances e/ou práticas sexuais, uma vez que em todos os seres humanos habitam funcionamentos de ordem masculina e feminina numa mesma medida. Freud posicionou-se contra sexólogos e cientistas em geral, alertando para a necessidade da problematização das sexualidades, que já não podiam ser compreendidas a partir de bases puramente químicas, uma vez que com o advento da Psicanálise, a sexualidade passou a ser vista como efeito de discurso e não apenas como um fenômeno puramente biológico. Para Foucault (apud Cavalcanti, 2009, p.13) Freud seria um Fundador de Discursividade, na medida em que abre uma infinidade de discursos e múltiplas possibilidades de interpretação de sua obra. Daí onde podemos deduzir que, se estivesse vivo, Freud estaria em defesa da Liberdade de Performance Sexual e do Amor Livre, devendo apenas responsabilizar o sujeito em questão pela prática de si. Nada além disso. Em 1908 escreveu Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna, no qual afirmou que a saúde e a eficiência dos indivíduos estão sujeitas a danos irreparáveis em razão do regime ditatorial ao qual a moral sexual os obriga: A experiência nos ensina que existe para a imensa maioria das pessoas um limite além do qual suas constituições não podem atender às exigências da civilização. Aqueles que desejam ser mais nobres do que suas constituições lhe permitem, são vitimizados pela neurose. Esses indivíduos teriam sido mais saudáveis se lhes fosse possível ser menos bons. (ibid., p.177)

468

Freud caracteriza, ainda, como uma injustiça social o fato da sociedade exigir conduta sexual idêntica para todos, questionando o valor deste sacrifício, já que o princípio ético da psicanálise se direciona à importância da singularidade do sujeito e não em considerações valorativas sobre o que seria certo ou errado. Portanto, “Freud não pôde deixar de constatar que não existem normas sexuais fora da moral, só existem normas culturais”. (Barbero, 2005, p.161). Como ele próprio recomendava, era preciso apenas admitir, sem escandalizarse, que as relações eróticas [...] são tão diversificadas quanto podem ser quaisquer outras relações entre seres humanos. Na dinâmica inconsciente, existem tantas posições subjetivas do sujeito, diante da fantasia e da realidade amorosa de condutas [...] quantas são as posições dos sujeitos em qualquer montagem sexual. [...]Tudo isso tem a ver com o imaginário do dia. (COSTA, 1995, p.252)

Ainda em 1910, Freud publicou o texto Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância (1910c), obra que tentou por fim às controvérsias sobre masculinidades e feminilidades inatas ou adquiridas, ao classificar a escolha objetal, leia-se Performance Sexual e, a posteriori, Identidade de Gênero, seja ela qual for, como uma atitude emocional que “[...] qualquer pessoa, por mais normal que seja, é capaz de fazer [...]” (ibid., p.105). A psicanálise vem inserir-se nesse ponto: teoria da mutua implicação essencial entre a lei e o desejo e, ao mesmo tempo, técnica para eliminar, naqueles que estão em condições de recorrer a ela, os efeitos de recalque que a interdição pode induzir, permite-lhe, articularem em discurso o desejo [...]. (FOUCAULT, 1988, p.122)

Mantendo em mente a bissexualidade universal dos seres humanos, ou seja, a ideia de que todos nós, uns mais outros menos, possuímos características de ambos os sexos, Freud pode constatou que a noção de Macho e Fêmea eram nada mais que convenções sociais. De onde, mais uma vez, podemos inferir qual seria a postura adotada pelo Pai da Psicanálise em relação às Transexualidades. Freud defende ainda que a psicanálise seria incapaz de solucionar não só a questão das sexualidades como um todo, mas também aquilo que se denomina como “masculino” e “feminino”, deixando-nos uma grande lição no que tange à Problemática dos Gêneros. Um homem com características predominantemente masculinas e também masculino em sua vida erótica pode ainda ser invertido com respeito ao seu

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objeto, amando apenas homens, em vez de mulheres. Um homem em cujo caráter os atributos femininos obviamente predominam, que possa, na verdade, comportar-se como uma mulher, dele se poderia esperar, com essa atitude feminina, que escolhesse um homem como um objeto amoroso, não obstante pode ser heterossexual e não mostrar, com respeito a seus objeto, mais inversão do que um homem médio normal. O mesmo procede, quanto às mulheres, também aqui o caráter sexual psíquico e a escolha de objeto não coincidem necessariamente. O mistério da homossexualidade, portanto, não é de maneira alguma tão simples quanto comumente se retrata nas exposições populares: uma menina feminina, fadada assim a amar um homem, mas infelizmente ligada a um corpo masculino; uma mente masculina, irresistivelmente atraída pelas mulheres, mas, ai dela, aprisionada em um corpo feminino. (Freud, 1920, p.181-182)

Finalmente em 1930, Freud pronunciou-se em Viena para a imprensa, assinando uma petição favorável à revisão do código penal que retirou a Homossexualidade da lista de crimes passíveis de punição. (Vieira, 2009). Ele considerava a penalização da homossexualidade uma violação aos direitos humanos. (Barbero, 2005). Freud posicionou-se politicamente afirmando que só deveria ser acusado em um tribunal aquele que molestasse alguém que não pudesse ou quisesse dar seu consentimento. (Barbero, 2005). O crime, nesse caso, passava a ser o estupro ou sua tentativa, e não a homossexualidade propriamente dita. Sempre referida à norma em função de sua diferença a Transexualidade, ao lado da homossexualidade, passou a ser vista por muito tempo, como uma psicose ou perversão estrutural por boa parte dos psicanalistas pós-freudianos. No entanto, como pudemos constatar, as teorias freudianas representam um marco na história das sexualidades, pois, a partir delas se pode constatar a existência de fantasias sexuais femininas e masculinas presentes na maioria dos seres humanos, independente de seu sexo ou gênero. No entanto, como pudemos constatar, as teorias freudianas representam um marco na história da transexualidade, pois, a partir delas se pode constatar a existência de fantasias femininas e masculinas presentes em ambos os sexos. A constatação de que a psicanálise pós-freudiana até bem pouco tempo mostrouse incapaz de retomar as questões deixadas em aberto por Freud acerca da sexualidade, deve nos levar a observar a realidade social e as novas formas de identidade que a cada dia fazem emergir novos questionamentos. Devemos nos perguntar em cada caso, o que justificaria a chamada subversão, ou seja, questionar não só o que se quer subverter, mas 470

também se realmente se subverte o que quer que seja, uma vez que a subversão é sempre parcial. Do ponto de vista do Inconsciente, pode-se afirmar que não se nasce homem ou mulher, mas se torna por identificação. (LEVY, 2005). Desse modo, a identidade sexual e a escolha de objeto são apenas conseqüências e não podem sozinhas, especificar uma posição subjetiva. (ABREU, 2005, p.8-9). A contemporaneidade, portanto, nos convida a renunciar a dicotomia masculino/feminino, uma vez que, nela, constatamos a emergência de “[...] novas formas de relacionamentos e vínculos eróticos, afetivos e até familiares [...]” (BARBERO, 2005, p.13), levando-nos à problematização do fenômeno atual da visibilidade Trans, e da existência da constituição de suas famílias, bem como do exercício da paternagem e maternagem dos referidos sujeitos. Para Julien (2005), a visibilidade trans constitui-se como problemática importante na contemporaneidade por seu caráter de contestação das identidades fixas e imutáveis que proporciona, a partir da subversão das identidades conhecidas através dos conceitos de gênero masculino e feminino. A anatomia e a natureza, como nós conhecemos em termos mais amplos, obviamente não é um mero fato inalterado pelo pensamento ou convenção, mas uma rica construção complexa baseada não só na observação e em uma variedade de restrições sociais e culturais sobre a prática da ciência, como também na estética da representação. Longe de serem os fundamentos do gênero, os corpos masculinos e femininos [...] são, eles próprios artefatos cuja produção faz parte da história de sua época. (LAQUEUR, 2001, p.202).

A atualidade pode ser caracterizada pela abertura de um novo território para pensarmos não só a relação entre os sexos, mas também numa política acerca da visibilidade da transexualidade, já que “[...] quando existe uma questão política, os valores se modificam.” (CAVALCANTI, 2009, p.28). O mundo faz hoje novas experiências eróticas inventando novas formas de relacionamentos e vínculos, criando um fenômeno que a psicanálise tem que levar em conta, para não continuar pensando conservadoramente. A psicanálise contemporânea ao reconhecer as particularidades sociais deve, então, defender a singularidade do desejo, centrando-se na “singularidade do sujeito e não 471

em considerações gerais sobre qualquer tipo sobre o que seria certo ou errado”. (BARBERO, 2005, p.53). Birman (2007) crê que a prevalência doutrinária de certas concepções psicanalíticas constituiu obstáculo na escuta das novas formas de subjetividade que a contemporaneidade nos oferece, a exemplo da transexualidade, vista por muitos como Psicose e Perversão. Para Costa (1995), o verdadeiro problema não estaria na mera descrição positiva de velhas realidades, mas em indagar como a psicanálise pode intervir na clínica ou no espaço cultural, contribuindo na erradicação e no combate ao preconceito sexual. Nesse sentido, concordamos com Barbero (2005, p.13), quando afirma que: Devemos voltar à psicanálise tal como Freud a projetara, sem normas ou modelos de bom comportamento, sem dogmas e, dentro do possível, consciente das ideologias que pode carregar: uma psicanálise científica, dentro também do novo modelo científico que a psicanálise inaugura por si mesma (uma ciência do singular).

Deve-se, portanto, questionar o que a psicanálise tem a dizer sobre a transexualidade como um todo, para além dos preconceitos da cultura de onde surgiu. É preciso indagar se o fenômeno trans pode contribuir no sentido de fazer pensar uma psicanálise que não seja pela defesa de um grupo particular e, por isso mesmo, a favor da descategorização psicopatológica da transexualidade. Ao rejeitar a patologização moral da transexualidade, partimos em defesa de uma psicanálise que não se posicione em defesa de um grupo específico, mas contra a exclusão, discriminação, e segregação de qualquer grupo em função de sua prática sexual. A constatação de que, embora a sexualidade seja o resultante de construções culturais evidencia as particularidades, deve nos levar a pensar uma psicanálise que, reconhecendo as condições sociais, defenda a singularidade do desejo. De acordo com Pommier (2005), no que tange à sexualidade, ela busca a solução para o que haveria de insuportável no amor, pondo em cena a dialética entre o ser e o nada, conjugados a partir da concepção de falo. Esse autor defende ainda, que na excitação sexual, é sempre a castração que estará em jogo, a problemática entre a lei e o desejo. 472

Antes de continuar insistindo na busca pelo trauma, fixação ou regressão, supostamente responsável por uma transexualidade, a questão psicanalítica relevante é a de saber o que nos faz acreditar que existe uma transexualidae comum aos transexuais, uma vez que, transexualidade, homossexualidade e heterossexualidade são identidades culturais como quaisquer outras, e não marcam, necessariamente, uma lei universal de diferença entre os sexos, ou mesmo entre os sujeitos em questão. Um dia, espero, tais perguntas não terão mais o menor sentido ou interesse. Neste dia, homossexuais, bissexuais, heterossexuais e transexuais serão velhas fotos em sépia. Caducas preciosas e ridículas como as raças de Lorenz Oken. Nós outros, leigos ou psicanalistas – se a psicanálise ainda existir – estaremos ocupados com outras tarefas. [...] Estaremos ocupados em olhar, encantados, a infinita variedade de sentimentos [...]. É isto a norma da variação. É isto o Eros freudiano; a pulsão de vida. O mais é narcisismo das pequenas diferenças; thanatos; pulsão de morte. (COSTA, 1995, p.285)

3.

“CALADA A BOCA, RESTA O PEITO...”: Reflexões sobre a Paternidade em Transamérica e Considerações Finais

Quando Freud escreveu acerca das múltiplas manifestações e possibilidades das sexualidades, iniciou uma discursividade que nos possibilitou repensar os modelos de Família ditos tradicionais. Outra grande questão que permeia toda a obra freudiana diz respeito às funções inerentes a composição familiar em relação a estruturação psíquica dos infantes. Freud subverteu a norma heterossexual quando postulou que as funções Materna e Paterna não estariam (e nem precisavam estar) ligadas necessariamente a um homem (pai) e mulher (mãe). Para Freud (1915), tais funções dizem respeito a uma organização simbólica , da qual o homem e a mulher são apenas duas de suas possíveis representações. A Mãe, portanto, é o correspondente a toda dimensão de Sideração e relação de Dependência do sujeito para com os Outros/ outros. É nesse sentido, por exemplo, que chamamos a Terra e a Natureza de Mães, pois nossa existência está diretamente relacionada a existência e manutenção delas.

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O Pai, paradoxalmente, é a Encarnação de toda dimensão de Impossibilidade e Castração, e mantenedor da Ordem. Assim dizemos que são pais os Governos, o Exército, a Igreja, a Justiça, as Leis. Etc. Para a psicanálise o sujeito se organiza psiquicamente a partir do deslize entre uma Organização e outra. Entre o Pai e a Mãe. Entre a dependência e a frustração. É nesse sentido que podemos articular a Paternidade/ Maternidade presente na psicanálise com o exercício de Cuidado presente no filme Transamérica, uma vez que, na trama fílmica em questão, a Transexual transita em comunhão entre as duas representações simbólicas, operando a manutenção da Ordem (O pai), ao proibir o uso de drogas do filho e exercer a dependência afetiva, papel que a psicanálise atribui a função materna. Por tudo que foi discutido, podemos concluir que a existência de famílias Transexuais não apenas constitui uma realidade como não apresentam, necessariamente, riscos para a estruturação psíquica dos sujeitos. Esperamos, portanto, ter contribuído através deste trabalho com as discussões referentes a problemática da transexualidade como um todo.

REFERÊNCIAS ANANIAS, José Kleberson Rodrigues de Almeida. Um amor assim delicado: psicanálise, homossexualidade e novas formas de subjetivação. Trabalho de Conclusão de Curso em Psicologia. Faculdade do Vale do Ipojuca. Caruaru, 2012. BARBERO, Graciela Haydée. Homossexualidade e perversão na psicanálise: uma resposta aos gay & lesbians studies. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2005. CASTEL, Pierre Henri. Algumas reflexões para a cronologia do fenômeno transexual. (1910-1995). In: Revista Brasileira de História, 21 (41), 2001, pp.77-111. CAVALCANTI, Rosália Andrade. Corpos reinventados: a questão dos gêneros em Freud. Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica. Universidade Católica de Pernambuco. Recife, 2009. COSTA, Jurandir Freire. A face e o verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo, Escuta, 1995. FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1996. 474

______. A psicogênese de um caso de homossexualidade feminina. (1920), v. 18. Rio de Janeiro, Imago, 1996. ______. A sexualidade na etiologia das neuroses. (1898a), v.3. Rio de Janeiro, Imago, 1996. ______. A vida sexual dos seres humanos. (1916b), vol. 16. Rio de Janeiro, Imago, 1996 ______. Feminilidade. (1933), vol.22, Rio de Janeiro, Imago, 1996. ______. Fragmento de análise de um caso de histeria. (1905a), vol.7, Rio de Janeiro, Imago, 1996. ______. Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna. (1908d), v.9, Rio de Janeiro, Imago, 1996. ______. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. (1905), v. 7. Rio de Janeiro, Imago, 1996. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade, v.1: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 1988. . LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. SPENCER, Colin. Homossexualidade: uma história. Tradução de Rubem Mauro Machado. Rio de Janeiro: Record, 1996. VIEIRA, Luciana Leila Fontes. As múltiplas faces da homossexualidade na obra freudiana. In: Revista Mal Estar e Subjetividade. 9(2), jun. 2009.

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ANEXOS

Foto 1 – Mesa de Abertura do Seminário

Foto 2 – Público na abertura do Seminário

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Fotos 3 e 4 – Mostra Artística

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Foto 5 – Intervenção Feminista

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Foto 6 – Intervenção Musical / Foto 7 – Intervenção feminista

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Foto 8 – Mesa redonda: Direitos públicos e econômicos e o imaginário feminino

Foto 9 - GT 01 – Educação, Movimentos sociais e epistemologias

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Foto 10 – Conferência de Encerramento: Trajetórias e conquistas dos movimentos feministas de PE.



Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste (PPGEduC – UFPE – CAA). Pós-graduado em Epistemologia e história pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (FAFICA) e graduado em história pela mesma instituição. E-mail: [email protected]. Graduanda de Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco – Campus Acadêmico do Agreste – Núcleo de Formação Docente, atualmente Bolsista do Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina. E-mail: [email protected] i

² Graduando de Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco – Campus Acadêmico do Agreste – Núcleo de Formação Docente, atualmente Bolsista de iniciação científica (PROPESQ). E-mail: [email protected].

³ Pós-doutorem Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012). Doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra (2006). Mestre em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas RJ (2001). Graduada em Administração - Faculdades Integradas Anglo Americano - RJ (1993). Desde março de 2006 é Professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco/Núcleo de Formação Docente do Centro Acadêmico do Agreste (Caruaru). Professora do quadro permanente do Programa de PósGraduação em Educação Contemporânea e Coordenadora do Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina da UFPE/CAA. E-mail: [email protected].

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