ESTRATÉGIAS MISSIONÁRIAS DO BHAKTI-YOGA (TEMPLO VRINDA ACLIMAÇÃO) NA CIDADE DE SÃO PAULO.

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ESTRATÉGIAS MISSIONÁRIAS DO BHAKTI-YOGA (TEMPLO VRINDA ACLIMAÇÃO) NA CIDADE DE SÃO PAULO. Angelica Tostes Thomaz Orientadora: Dra Lidice Meyer Pinto Ribeiro Apoio: PIBIC Mackenzie Resumo: O objetivo desse artigo é apresentar alguns apontamentos realizados na cidade de São Paulo, Bairro da Aclimação, sobre a religião Bhakti-Yoga, ou como são mais conhecidos, o Movimento Hare Krishna, especificamente, a Missão Vrinda, sobre as estratégias missionárias da religião. Entre os métodos que foram utilizados constam: entrevistas de transeuntes e devotos do templo; pesquisa bibliográfica e etnográfica e análise dos projetos para a propagação da religião na cidade de São Paulo. Os resultados da pesquisa mostram que a maior estratégia para atrair pessoas para o Movimento Hare Krishna Vrinda é o convite de amigos/parentes e que os motivos que são mais preponderantes para a inserção na religião é o autoconhecimento e a busca de um sentido para a vida.

Palavras-chave: hare krishna, vrinda, estratégias missionárias Abstract: The aim of this article is to present some notes about the Bhakti-Yoga religion from São Paulo, in the neighbourhood of Aclimação. This religion is best known as the Hare Krishna movement and, more specifically, as the Vrinda Mission concerning the religion's missionary strategies. Are included between the used methods: passerby interviews and the temple’s devotees; bibliographic and ethnographic research and projects analyses for the religion propagation on the city of São Paulo. The work’s results show that the major strategy to bring/attract people for the Hare Krishna Vrinda Movement is the invitation of friends/family and the reasons that prevail on the religion insertion are the self-knowledge and the search for the meaning of the life. Keywords: hare krishna, vrinda, missionary strategies

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1- Introdução Paulraj Michael define o Bhakti Yoga como “Bhakti may be defined as a love-impulse or love culture which demands both a vertical commitment (to serve God) and a horizontal envolvement (to share with others)”1 (MICHAEL, 2011, p. 250-251). Com uma filosofia de “vida simples e pensamentos elevados”, a religião vem ganhado seu espaço na sociedade ocidental desde a década de 70 (ADAMI, 2009, p.2). Porém, com altos e baixos, ressurge como um novo “mercado” religioso para a juventude do século XXI. Os apontamentos foram feitos sobre os estudos desse mercado religioso e como se dá o proselitismo da religião na cidade de São Paulo. 2- Referencial Teórico Peter Berger e sua teoria sobre Novos Mercados Religiosos é a base para essa pesquisa. Em O Dossel sagrado: Elementos para uma teoria sociológica da religião (1985) é tratado sobre a temática da religião como um grande mercado de bens simbólicos e significação. O Movimento Hare Krishna Vrinda consta nessa disputa do Mercado Religioso. Para uma análise sobre conceitos sobre sagrado e profano na religião foi utilizado Émile Durkheim em As Formas Elementares de Vida Religiosa (1989). Para que fosse notado que por mais que o Movimento Hare Krishna Vrinda possa ser considerado uma forma alternativa de crença, ainda permanece os mesmos conceitos de religiões ditas tradicionais. 3- Método Esse trabalho foi desenvolvido através de entrevista de alguns devotos e visitantes que transitavam pelo templo, observação em rituais (serviços do templo e oferendas diárias paras as divindades) e ritos de passagem (iniciações e casamento) e análise de programas (workshops, cursos e palestras), folhetos, divulgação redes sociais (Facebook) e eventos. Para a análise destas observações e dados obtidos nas entrevistas foi de grande importância a pesquisa bibliográfica e etnográfica realizada.

O Movimento Hare Krishna e a Sociedade Internacional para a Consciência Krishna (ISKCON) Para a melhor compreensão do Movimento Hare Krishna é necessário entender suas origens. O movimento surge da tradição Vaishnava, “uma das muitas tradições que fazem parte do hinduísmo” (VIOLIN, 2012, p.9). O termo “hinduísmo” é muito amplo e genérico.

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Tradução da autora: “Bhakti pode ser definida como impulso de amor ou cultura de amor, que demanda tanto comprometimento vertical (para servir a Deus) e o envolvimento horizontal (para compartilhar com os outros).”

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Esse termo nunca foi utilizado por indianos e não consta em nenhum dos escritos sagrados (Vedas). Max Weber diz que o termo “hindu” ou “hinduísmo” É uma expressão que aparece pela primeira vez com a dominação islâmica ao referirse aos nativos da Índia não convertidos. Os próprios indianos não hão começado a designar como ‘hinduísmo’ sua afiliação religiosa até a literatura moderna (WEBER, 1987, tomo II: 14).

A tradição que deu origem ao Movimento Hare Krihsna foi fundada por Sri Chaitanya Mahaprabhu (Bêngala; 1486-1533). Conhecido como Gaudiya Vaishnava, foi a primeira tradição a elevar Krishna acima de todos os deuses do panteão hindu, considerando-o a Suprema Personalidade de Deus (BOTELHO, 2012, p.4).

Seu fundador foi o grande

incentivador para todos cantarem em público o Maha Mantra e alertou sobre a importância de cantar os nomes do Senhor (COBRA, 2007, p.17). No livro sagrado Srimad Bhaghavatam está escrito que “Simplesmente por cantar o Santo Nome de Krishna a pessoa é liberada de todas as reações de uma vida pecaminosa. [...]” (2.15.107). Em outras passagens há referência que cantar os nomes de Krishna é a “suprema atividade religiosa” (3.3.22) e que “ao cantar sem ofensas a pessoa conseguirá o tesouro do amor puro por Deus” (3.4.70-1). Chaitanya entrou em muitos conflitos com ortodoxos por essas razões e também por acreditar que todos deveriam ter acesso aos textos sagrados em sua própria língua, não apenas em Sânscrito, incentivando, então, seus devotos a traduzirem os textos para o Bengalês. (BOTELHO, 2012, p.4). Passando por posteriores dissidências e tortuosos caminhos na linhagem de líderes, em 1918 o líder Bhaktisiddhanta fundou a Gaudya Math Institute for Teaching Krishna Consciousness. Um dos discípulos desse mestre espiritual, chamado Abhay Charan De Bhaktivedanta S. Prabhupada recebeu a ordem de sannyasi aos sessenta e quatro anos, e começou a difundir a mensagem original de Chaitanya, além de traduzir e imprimir os livros sagrados védicos, viajando para o Ocidente em 1965 (Nova Iorque) e iniciando sua pregação. (COBRA, 2007,p.4).

A ISKCON (Sociedade Internacional para a Consciência Krishna) fundada em 1996 em Nova Iorque é a responsável pela construção e difusão dessa religião no mundo (ADAMI, 2009, p.1). Nos anos 70 ocorre a fundação da Bhaktivedanta Book Trust (BBT) principal editora utilizada na divulgação da religião e a fonte de renda do movimento.

O processo para se alcançar o conhecimento (ou a consciência) de Krishna é a BhaktiYoga (Ioga da devoção), sacrifício prescrito por Sri Chaitanya (século VI) – a Suprema Personalidade de Deus (avatar) no mundo material na forma de um devoto puro de Krishna. A forma de bhakti - ioga privilegiada nesta era(era das desavenças ou Kalu Yuga) – é um antigo canto dos vedas: o mantra Hare Krishna. O processo mais adequado para a auto-realização e o relacionamento com o mundo transcendental é cantar os nomes de Deus ( Rama e Krishna). Cantá-lo significa purificar a existência, neutralizar as ansiedades e alcançar a consciência de Deus. (OLIVEIRA, 1990, p.199)

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Os princípios que regem a ISKCON estão no livro sagrado Bhagavad-Gita, Como Ele É. Esse livro conta a épica história do guerreiro Arjuna e da aparição de Krishna para ajudá-lo a não desistir da batalha de Kuruksetra. O Bhagavad-Gita é uma transcrição de trechos dos vedas (MahaBharata – sexto canto) com comentários de Srila Prabhupada.

A palavra “Veda” significa conhecimento, revelação. É um termo sânscrito que equivale ao de ciência. Os livros que compõe os Vedas são considerados autoridade, verdades no campo do conhecimento. O conjunto de livros védicos é denominado também de shastras – livros revelados – e oferecem explicações seja de cunho material, quanto espiritual. (MOROTTO, 2007, p.11)

Outro livro de suma importância para a prática Bhakti-Yoga é o Srimad Bhagavatam, que conta a história da infância de Krishna e seus passatempos preferidos. E é um guia para os devotos adorarem Krishna da maneira que ele o instruiu. Os vedas são a base para todo o Movimento Hare Krishna. É neles que se encontram a razão da doutrina que todos os caminhos levam a Deus, pois “Os Vedas [...] se referem a um Deus Supremo ao qual se atribuem diferentes nomes” (MOROTTO, 2007, p.16). Tendo como referencial a literatura védica, Srila Prabhupada define princípios para todos os devotos de Krishna, os quatro essenciais são: 

Não comer carne, peixes, aves ou ovos



Não se intoxicar



Não praticar sexo ilícito (fora do casamento)



Não praticar jogos de azar

Srila Prabhupada divulgou por toda Nova Iorque o mantra: “Hare Krishna Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare, Hare Rama Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare”. E é tido como o principal mantra da religião, pois, para eles, cantar os nomes de Deus é um ato sublime. “Os mantras são particularmente importantes no Hinduísmo. Os mantras acompanham os rituais da vida diária; um hindu vive e morre cercado de mantras, desde o ventre da mãe até a pira funeral. Manuais de mantras são publicados por toda a Índia” (SMITH, 2001, p 263). Para Oliveira “cantá-lo significa purificar a existência, neutralizar as ansiedades e alcançar a consciência de Deus” (OLIVEIRA, 1990).

Movimento Hare Krishna no Brasil Em 1974 a ISCKON inicia suas atividades no Brasil. Jovens que buscavam por um novo ideal e sentido de vida alugaram em São Paulo uma casa para que fosse iniciadas práticas de Bhakti-Yoga. (COBRA, 2007, p.16) 4

Silas Guerriero em seu artigo sobre O Movimento Hare Krishna no Brasil (2001) distingue o movimento em três períodos: 1) 1974-1977, o início do movimento no Brasil, caracterizado por algumas poucas pessoas que traziam dos Estados Unidos e Europa artigos e livros de Prabhupada, começando assim pequenas comunidades religiosas, gerando estranhamento quando era feito seu proselitismo; 2) Após 1977 foram construídos vários templos nas capitais e grandes cidades. Período de investimentos em marketing, institucionalização e crescimento para a religião. Forte crescimento editorial da BBT Brasil e de grande expansão, pois as pessoas estavam abertas para ouvir os devotos; 3) Nos anos 90 acontece a consolidação do Movimento Hare Krishna no Brasil, passando a ser um novo “produto” no mercado religioso brasileiro. Perde seu caráter revolucionário e passa a assumir um papel mais de “igreja” do que o templo que outrora era. Grande rotatividade de membros e o Movimento Hare Krishna perde o seu vigor. Em todas essas fases, no Brasil e no mundo, houve cismas da religião. Movimentos se separaram da grande ISKCON, porém, com o mesmo foco: propagar a consciência de Krishna pelo mundo, como por exemplo, a IRM (ISKCON Revival Movement), organização que se apresenta como vinda direta de Prabhupada. Em 1984 houve outro cisma, formando assim a Missão Vrinda. Missão Vrinda Há um conhecimento restrito das instituições do Movimento Hare Krishna. Muitos pensam que apenas a ISKCON existe no Brasil. No entanto, há diversas missões e instituições com a prática Bhakti-Yoga. Dentre as muitas instituições presentes no Brasil está a Missão Vrinda. “A VRINDA – uma organização liderada por um dos discípulos mais antigos de Prabhupada. Possui uma abrangência significativa nos países da América do Sul.” (ADAMI, 2009,1). Ulrich Harlan nasceu na Alemanha em 1953, na cidade de Osterkappeln. Foi iniciado pelo próprio Srila Prabhupada, tornando-o a mudar o nome para B.A. Paramadvaiti Swami, ou como todos chamam, Guru Maharaj. Após anos de prática Bhakti-Yoga fundou sua própria missão, a Missão Vrinda. Os motivos do cisma com a ISKCON são encobertos, alguns devotos dizem que foi por causa de escândalos acontecidos após a morte de Prabhupada, outros que simplesmente foi a resposta para um “chamado” de Krishna. Nas próprias palavras do Guru Maharaj, ele explica: Yo serví a mi Maestro Espiritual Srila Prabhupada en ISKCON desde 1971 hasta su partida del mundo en 1977. Luego recibí una inspiración en mi corazón de mi Sannyas Guru, Srila Sridhara Maharaja. Aprendí la importancia de la unión en diversidad. Fundé mi misión con base en el principio amoroso: La inspiración, en vez de la imposición institucional. Fue este espíritu el que me llevó también a aceptar discípulos para continuar el servicio a mis Maestros. (Disponível em: < http://www.vrindavan.org/vrinda/fundador.htm > Data de acesso: 10 de dez. 2014).

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O Swami B.A. Paramadvaiti desvincula-se da ISKCON, formando sua própria missão em 1984, segundo os preceitos de Prabhupada. Partindo dos primeiros templos na Alemanha e Suíça, viajou continentes até a América Latina e propagou a Consciência Krishna através de templos no Chile, Colômbia, Uruguai, Brasil e outros países, destacados no site dedicado à Paramadvaiti (Disponível em: < http://gurumaharaj.wikispaces.com/32-+o+que+e+vrinda > Data de acesso: 24 de out. 2013). Outro Guru de suma importância para a Missão Vrinda é o Srila Atulananda Acharya, ou como é conhecido, Gurudeva Atulananda. Nascido no Chile em 1952, de família tradicionalmente católica, sempre teve um bom relacionamento com a religião cristã. Entretanto, após conhecer a filosofia da Bhakti-Yoga, recebeu iniciação espiritual em 1973 do próprio Srila Praphubada. Após ser iniciado viajou pelo mundo propagando a Consciência de Krishna. Com o objetivo de divulgar mais a religião em seu próprio país, Srila Atulananda voltou para o Chile em 1985 e ajudou a Srila Paramadvaiti Swami a fundar definitivamente a Missão Vrinda. Segundo Mangala Swami, monge renunciante (sannyasi)2 que vive e é responsável pelos templos no Brasil, diz sobre Srila Atulananda:

Sua forma de apresentar a filosofia Védica é especialmente encantadora e erudita, através de suas mais de 50 obras em forma de livros, artigos, poesias e canções. Além disso realizou traduções do sânscrito ao espanhol dos textos mais seletos da Cultura Védica, como por exemplo, o Srimad Bhagavatam, Bhagavad Gita e Caitanya Caritamrita, entre outros. (Disponível em: < http://atulanandadas.com.br/sobre/srilaatulananda-acarya/> Data de acesso: 03 de mar. 2015).

O símbolo da Missão Vrinda é uma planta chamada Tulasi e há uma razão para isso. Na mitologia do Movimento Hare Krishna Vrinda, Vrinda Desi é uma devota muito pura em forma de planta, a tulasi. E essa planta ajudaria a todos os devotos sinceros de Krishna a permanecerem nos princípios da Bhakti-Yoga e abençoando toda a sua casa. É possível receber sementes de tulasi gratuitamente em todos os centros Vrinda. No Brasil a Missão Vrinda tem suas primeiras tentativas de se estabelecer há 20 anos atrás, porém, se consolidou efetivamente há 12 anos, segundo o Guru Maharaj Mangala. Hoje consta com mais de 5 templos e fazendas ecológicas em todo Brasil (São Paulo, Guarujá, Mairiporã, Florianópolis, Minas Gerais e Belém).

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“Sannyasin= renunciante, nome dado aos monges hindus. A palavra Sannyasa significa perfeito abandono (San = perfeito; Nyasa = abandonar, renunciar). Os sannyasins abandonaram completamente todas as ataduras familiares, deveres profissionais e posses materiais. Usam vestimentas alaranjadas, a cor da chama do fogo, para simbolizar que queimaram todos os desejos no fogo da renúncia.” (GANDHI, 2011, p. 83).

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Templo Aclimação A cidade de São Paulo é conhecida pela miscigenação de culturas. Em cada bairro, existem diversos centros religiosos. O bairro da Aclimação não é exceção dessa diversidade. Entre diversos templos evangélicos, católicos, budistas, maçons, umbandistas, consta também o Templo Vrinda Aclimação, localizado na Rua Muniz de Souza. Há 5 anos em um casarão antigo e convencional de dois andares do bairro da Aclimação as práticas Bhakti-Yoga são diariamente efetuadas. Logo na entrada encontram-se plantas, flores, destaca-se aqui o respeito pela natureza como forma de adoração a Krishna, e uma pequena escada que leva para a recepção, uma pequena varanda com uma mesa e cadeiras. Lá os devotos recepcionam os visitantes, devotos e clientes do restaurante vegetariano que funciona durante a semana. O aroma de incenso e pimenta é peculiar e único, sendo possível senti-lo a distancia. O primeiro salão é o lugar em que é servido as refeições do restaurante, também serve de espaço para a venda de incensos, livros, representações das deidades e outros objetos relacionados ao Movimento Hare Krishna. E é neste lugar onde se tem que deixar os sapatos para se entrar do salão no qual se encontram as deidades, um lugar santo. Este comportamento demonstra a clara percepção de separação entre o espaço sagrado e o espaço profano, que cerca o templo. Para Mircea Eliade isso se explica da seguinte forma:

O sagrado é sempre perigoso para quem entra em contado com ele sem estar preparado, sem ter passado pelos “movimentos de aproximação” que qualquer ato de religião requer. “Não te aproximes daqui – diz o Senhor a Moisés - , tira os teus sapatos, porque o lugar onde estás é terra santa”. Daí os inúmeros ritos e prescrições (como é o caso dos pés nus) relativos à entrada no templo, atestados frequentemente tanto entre os semitas como entre os outros povos do mediterrâneo. (ELIADE, 1998, p. 298)

Este salão é o maior do casarão e muito bem decorado. Nas paredes brancas se encontram quadros de Srila Prabhupada, Guru Maharaj, Gurudeva Atulananda e também, claro, com muitas imagens de Krishna em diversos momentos e fases da vida. Também há uma faixa de tecido da Missão Vrinda com muitos símbolos das religiões do mundo como forma de respeito a todas. E é nesse lugar que se encontra o altar com as deidades, coberto por cortinas vermelhas que vão do teto até o chão. No altar encontram-se as diversas deidades, entre elas, Sri Caitanya Mahaprabhu , Sri Nityananda, Sri Gandharvika , Sri Giridhari (Krishna). No altar também é possível encontrar fotos de Srila Prabuphada, Guru Maharaj, Gurudeva Atulananda e outros guru anteriores a estes mencionados. 7

Adentrando-se ao templo logo se vê a cozinha de Krishna – onde só é possível entrar com a roupa de adoração, dhoti para os homens e saree para as mulheres,

uma faixa comprida de tecido de algodão elaboradamente amarrada ao corpo. Para as mulheres são 6m e para os homens 4m. Pode ser colorido, branco, laranja – e como é característico na Cultura Védica, as cores têm significado e história. (Disponível em: < http://vrindasp.com.br/importancia-da-roupa-espiritual/> Data de acesso: 24 de mar. 2015).

Nessa cozinha são feitos os alimentos das divindades, portanto há uma dicotomia entre o sagrado e profano que Durkheim propõe: “A divisão do mundo em dois domínios, compreendendo, um tudo o que é sagrado, outro tudo o que é profano, tal é o traço distintivo do pensamento religioso” (1989, p. 68). Essa divisão do mundo se aplica igualmente aos rituais. Fazer os alimentos para as deidades é um rito diário do templo e que tem suas regras, como por exemplo, não experimentar a comida enquanto se está preparando, pois primeiramente deve ser consagrada à Krishna e ele deve ser servido primeiro.

Mas o aspecto característico do fenômeno religioso é o fato de que ele pressupõe uma divisão bipartida do universo conhecido e conhecível em dois gêneros que compreendem tudo o que existe, mas que se excluem radicalmente. As coisas sagradas são aquelas que os interditos protegem e isolam; as coisas profanas, aquelas às quais esses interditos se aplicam e que devem permanecer à distância das primeiras. As crenças religiosas são representações que exprimem a natureza das coisas sagradas que essas mantêm entre si e com as coisas profanas. Enfim, os ritos são regras de comportamento que prescrevem como o homem deve se comportar com as coisas sagradas (DURKHEIM, 1989, p. 72).

Bem perto se encontra a cozinha dos devotos e a lanchonete Vrinda. Ao fundo se encontra o dormitório masculino, conhecido como “castelinho” e a área de serviços. No segundo andar há três outros cômodos, um deles é o dormitório do Srila Maharaj Mangala, responsável pelo templo. O outro cômodo é o dormitório feminino para as devotas internas e o outro é um salão para as práticas de Yoga-Inboud. Na garagem do Templo são realizados eventos e palestras do projeto sobre alimentação vegetariana, discussões de filmes, festivais de pizza etc.. Na garagem também é o lugar no qual os devotos têm suas aulas diárias sobre os livros sagrados (Bhagavad-Gita e Srimad Bhagavatam). O Templo Vrinda Aclimação, além de Templo, funciona como o Centro Cultural Vrinda, utilizado para festivais, eventos e cursos.

Sincretismo religioso 8

Uma radicalidade duradoura e constantemente reinvestida teria assim dotado o Brasil de um habitus (história feita estrutura) de porosidade das identidades e de ambivalência dos valores de uma tendência, sempre frustrada, mas permanentemente retomada, em direção a conjunção do múltiplo numa unidade nunca atingida. Com a condição de situá-la claramente em seu nível estrutural, de não confundi-la com fáceis versões que, em lugares e momentos diferentes, ela apresenta, talvez continue sendo epistemologicamente chamar esta porosidade de “sincretismo”. (SANCHIS, 2001, p.45).

Essa porosidade se encontra nitidamente no Movimento Hare Krishna. Uma adaptação ocidental a uma cultura dita “oriental”. Esse sincretismo é visível quando bem observado nas palestras, declarações, textos do Movimento Hare Krishna. Nas palestras de domingo há um uso do termo Deus para se referir à Krishna e citações bíblicas, como, por exemplo, quando o Guru Maharaj estava palestrando no Brasil no Templo Aclimação (06/04/2014) e citou a passagem bíblica que diz: Mestre, qual é o maior mandamento da Lei? "Respondeu Jesus:” ‘Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento’. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. (Mateus 22:36-39)

Novamente com referências cristãs, no dia 17 de agosto de 2014 foi realizado no Centro Cultural Indiano em São Paulo o “Natal Indiano”. O natal é uma festividade religiosa cristã, que tem por sua resignificação (pois, originalmente é uma festa pagã para o deus Sol, no solstício de inverno) o nascimento de Jesus de Nazaré.3 Para atrair o público foi utilizado um termo convencional para a cultura ocidental no lugar do verdadeiro nome indiano para a festividade do nascimento de Krishna, o Janmastami. Logo no início do Movimento Hare Krishna, se tornar um devoto implicaria em você abdicar de toda sua vida - trabalho, família, estudos - e morar no templo e ser um devoto interno. Ainda existem casos assim, porém o perfil da religião mudou e o que antes era algo restrito aos que renunciavam tudo, hoje é muito mais aberto aos que escolhem a vida “secular” e também “espiritual”.

O movimento deixa de ser revolucionário e inovador, acomodando-se no interior de um campo mais amplo das demais denominações religiosas. Passa a ser mais uma religião dentre várias ofertas existentes na sociedade brasileira, assumindo as características próprias de uma igreja. (GUERRIERO, 2001, p.5)

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Para mais informações sobre a festividade cristã vide estudo de Sergio Paulo de Melo Feitosa: http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3330

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Essa mudança abre as portas para que o Movimento Hare Krishna seja mais uma religião no chamado Novos Mercados Religiosos – NMR, visão proposta por Berger (1985). O que por Sanchis é tido como “o lugar onde o consumidor adquire produtos simbólicos das várias sínteses que lhes são oferecidas, construindo seu próprio universo de significados, que está em constante refazer e de acabamento sempre protelado” (SANCHIS, 2001). Essa “oportunidade” do consumidor poder escolher ser devoto de Krishna sem abdicar do que antes era cobrado torna o Movimento mais aprazível, atraindo assim mais fiéis.

Resulta daí que a tradição religiosa, que antigamente podia ser imposta pela autoridade, agora em que ser “colocada no mercado”. Ela tem que ser “vendida” para uma clientela que não está mais obrigada a “comprar”. A situação pluralista é, acima de tudo, uma situação de mercado. Nela, as instituições religiosas tornam-se agência de mercado e as tradições religiosas tornam-se comodidades de consumo. (BERGER,1985, p. 149).

Em quase todas as palestras é dito que “não importa sua religião, apenas a pratique bem”. Essa frase sempre ressoa nos ouvidos dos visitantes, dos quase devotos e devotos do templo. Para os devotos de Krishna todos os deuses são avatares (encarnações) de Krishna, assim não importa qual seja sua religião, se você a praticar bem está, na verdade, adorando a Krishna. Essa mentalidade tem como bases alguns textos do livro sagrado Bhagavad-Gita. No capítulo X trata sobre as manifestações de Krishna, entre alguns versos está: “Nem os deuses nem os grandes videntes conhecem Minha origem; porque Eu sou, de todos os modos, a origem deles.” v.2 ; “Eu sou a fonte de tudo, tudo procede de Mim” v.8. Tendo isso em vista, em 2014 uma mulher cristã visitou o templo para conhecer a religião e a questão cultural do Movimento Hare Krishna. Nesse dia, essa mulher fez amizade com uma das futuras devotas do templo (que ainda não era iniciada), entre conversas e trocas de contato, ela a convidou para ir visitar um grupo de sua igreja evangélica. A futura devota respondeu-lhe que veria com os seus gurus a respeito. Dias se passaram e a resposta veio: Não. O pedido para visitar outras correntes de fé foi negado e todo o discurso sobre “todos os caminhos levam ao mesmo Deus” caiu em descrédito. Ao negar essa simples ida ao grupo de outra religião nota-se o medo de perder consumidores da fé em Krishna para tipo de fé religiosa. E todas as similaridades com a fé cristã descritas aqui que o Movimento Hare Krishna Vrinda tanto menciona, na verdade não existem no sentido prático, apenas no teórico para atrair novos membros.

4- Resultados e discussão: Estratégias Missionárias e o Público-Alvo 10

4.1 Projetos do Templo Vrinda Aclimação No templo Vrinda Aclimação existem diversos projetos de cunho social e espiritual, e todos eles surgem também como estratégias missionárias para atrair novos adeptos à religião. Segue lista de projetos e atividades do templo: - Yoga Inbound: Esse projeto é uma Escola de Yoga Inboud fundada pelo Guru Maharaj. É um sistema de Yoga que mescla a sabedoria védica com os princípios básicos do autoconhecimento. Aberto a todo o público, oferece aulas semanais de acordo com o pacote que o cliente escolher. - Artivismonk: Um grupo de monges e voluntários do templo Aclimação fundaram o Artivismonk, que realiza palestras, apresentações de teatro, aulas de yoga, circo, música em diversos locais como orfanatos, praças, universidades, escolas, presídios etc. As campanhas que o projeto trabalha são: yoga vs droga; ecologia; consumo consciente, alimentação saudável e outros. -Casa da Sabedoria: É o projeto de distribuição de roupas e alimentos para comunidades carentes. Toda quinta-feira o Templo Vrinda Aclimação entrega sopa para os moradores de rua

da

Praça

da

Sé.

- Revolução da Colher: é a divulgação do vegetarianismo e ecologia que o Centro Cultural Vrinda promove. A Revolução da Colher atua com publicações de artigos e receitas vegetarianas; Sexta-Feita OK – exibição de filmes no Centro Cultural Vrinda (templo); distribuição

de

panfletos

sobre

vegetarianismo;

seminários

e

palestras.

- Oida Terapia e Valores e Ciência: que são os princípios para uma vida em sociedade segundo o movimento. É a cura pela fé que é apresentada no livro do Guru Maharaj sobre Oida-Terapia (Psicologia Perene). - Festival Indiano: onde acontece a prática do Bhakti Yoga através do Mantra Yoga e de palestras com diversos gurus. Um dos principais meios de propagação da religião. - Academia Vaishnava: A Academia Vaishnava tem dois braços: 1) curso de culinária vegetariana e consciente; 2) grupos de estudos da filosofia védica que acontece todos os dias às 19h. - Facebook: plataforma na rede social para a divulgação dos eventos e projetos, fotos, vídeos e notícias do templo Vrinda Aclimação, da filosofia védica e dos gurus do templo. -Workshops diversos: Workshops acontecem esporadicamente no templo Vrinda. Workshops para diversos públicos como crianças, mães, mulheres, vegetarianos, etc. Já foi realizado workshops de: panquecas vegetarianas, ciclo feminino, origami para as crianças, cura e tratamento pela alimentação e muitos outros. 11

-Site institucional e blog: No site institucional são divulgados todos os eventos e o calendário mensal do templo, assim como ensinamentos, textos e explicações sobre o Movimento Hare Krishna Vrinda. E no blog do Vrinda as questões mais específicas da fé védica são explicadas, como por exemplo, o porquê das roupas devocionais, quem eles são, o que acreditam etc. - Sankirtana: distribuição e venda de livros sobre a Consciência de Krishna. Grupos se reúnem em praça pública (Av. Paulista, em frente universidades, em diversos pontos da cidade) cantam seus mantras e param os transeuntes para conversar e propagar a filosofia védica.

4.2 Análises da eficácia dos projetos como proselitismo Foram realizadas entrevistas em dias alternados com as pessoas que estavam frequentando o templo (devotos, não-devotos, visitantes, simpatizantes) para saber como eles encontraram o Templo Vrinda. Com tantos projetos supõe-se que algum deles seja o mais eficaz para esse proselitismo. A seguir o gráfico das 25 pessoas entrevistadas e como elas conheceram o Templo Vrinda Aclimação:

Estratégias Missionárias 25

Amigos

20 15

Sites e Blog

10

Escola de Yoga

Academia…

Oida Terapia

Artivismonk

Sankirtana

Casa da…

Workshops

Facebook

Revolução da…

Viagens do…

Festival Indiano

Centro Cultural…

Escola de Yoga

Festival Indiano

Amigos

Centro Cultural Vrinda

0

Sites e Blog

5

Viagens do Templo Vrinda Revolução da Colher Facebook

Gráfico 1: Estratégias Missionárias do templo

Segundo esta pesquisa, realizada entre 2014-2015, 44% das pessoas entrevistada conheceram o Movimento Hare Krishna Vrinda através de amigos devotos/ simpatizantes da religião. Com isso, nota-se que o método mais eficaz para atrair novos adeptos para a religião Bhakti Yoga é por influência de amigos pertencentes à religião ou com algum laço afetivo. Por mais que o mercado da religião use técnicas e métodos de proselitismo vindas do marketing, como eventos, apoio de mídias sociais etc. ainda sim o maior meio para a atração/conversão é o social. 12

4.3 Jovens adultos e conversão Com a faixa-etária dos entrevistados entre 18 a 38 anos, pode-se dizer que os principais frequentadores são jovens adultos. Segundo M. P. Riccards, professor da Universidade de Massachusetts, esses jovens estão entre duas etapas no desenvolvimento religioso. Os jovens de 19 a 30 estão na etapa de reavaliação:

Nela parece surgir num grande número de pessoas uma reavaliação durante a qual as realidades religiosas perdem seu caráter sobressalente e se fazem cada vez menos aparentes. A religião ou é aceita de forma bastante passiva ou é abandonada com a mesma passividade (ÁVILA, 2003, p. 179).

A partir dos 30 anos essa etapa é passada para trás entrando em uma nova, a etapa da determinação: “Implica uma determinação última da importância da religião na vida do indivíduo. A religião ou é incorporada à sua visão da realidade ou abandonada durante a maturidade.” (ÁVILA, 2003, p.179). Esses jovens adultos ao serem introduzidos em alguma religião podem ou não se “converter” a ela. Segundo Antônio Ávila (2003), pelo viés da psicologia da religião, o processo de pode ter 4 fatores:

1)

Predisposição de personalidade: pessoas com vulnerabilidade psicológica tem

mais disposição para a conversão, principalmente de Novos Movimentos Religiosos, segundo C. Ullman (1982). 2)

A busca de solução para um conflito pessoal: William James (1986) já afirmava

em sua obra Variedades da experiência religiosa que, grande parte dos convertidos havia enfrentado uma crise pessoal profunda. Ou seja, buscar na religião a resposta para essas crises. 3)

A identidade e busca de sentido: Geralmente acontece na adolescência e

juventude. Uma busca de algo que transcende a eles mesmos. 4)

Razões sociais: Amigos, familiares, parceiros que animam para frequentar

alguma religião e assim a conversão acaba acontecendo por um contágio coletivo.

A tabela a seguir mostra quais os motivos que levam/levaram as pessoas a frequentar/visitar o Templo Vrinda Aclimação. Com a liberdade de assinalar mais de uma opção na entrevista. Os dados revelam um índice grande pelo interesse em autoconhecimento e busca do sagrado, o que se entende por “identidade e busca de sentido”. 13

RAZÕES QUE MOTIVARAM A IDA AO TEMPLO Liberdade de culto

5

Ausência de preconceitos sexuais

3

Ausência de preconceitos sociais/econômicos

4

Busca do sagrado

13

Realização espiritual

12

Realização pessoal

6

Autoconhecimento

14

Vivência em comunidade

4

Outros

6

Tabela 2: razões para frequentar o templo

Na descrição de Ávila (2003) sobre os 4 tipos de conversão nota-se que dois últimos fatores são os mais preponderantes no caso do Movimento Hare Krishna Vrinda, pois muitos são levados para a religião justamente por essas causas: autoconhecimento/busca do sagrado (identidade/busca de sentido) e influência de amigos (razão social.) Nos dois fatores está presente a questão de identidade e alteridade. Para Berger Uma das qualidades essenciais do sagrado, como é encontrado na “experiência religiosa”, é a alteridade, sua manifestação como algo totaliter aliter, se comparado à vida humana comum, profana. É precisamente essa alteridade que jaz no coração do temor religioso [...] É essa alteridade, por exemplo, que esmaga a Arjuna na clássica visão da forma divina de Krishna no Bhagavad Gita [...] (1985, p. 99)

A seguir Berger discorre sobre versos do livro sagrado do Movimento Hare Krishna que mostram a visão assombrosa e numinosa de sua divindade. Ver Krishna como totalmente Outro é ver como algo que pode suprir essa busca de sentido, esse autoconhecimento, pois só há conhecimento de si mesmo quando comparado a outro ser. “Os conceitos de identidade e diferença parecem ser então antes de tudo relacionais. Ou seja, um não é sem o outro, eles se determinam reciprocamente.” (REPA, 2010, p. 21). Da mesma maneira que é possível fazer esse reconhecimento de si mesmo quando comparado ao sagrado, é possível também se reconhecer no outro “comum”. A construção de identidade nos jovens adultos se dá muito através de suas relações de amizade. Pois, como Luiz Repa indaga: “O que é essa identidade que parece não existir senão 14

por um ato ao mesmo tempo cognitivo e social por parte do outro?” (2010, p. 20). Essa construção de identidade está ligada ao fato que o homem constrói o mundo de maneira coletiva (BERGER, 1983, 29) e que essa construção de mundo se dá pela conversação entre aqueles os quais há uma significação (amigos, parentes, mestres). Sobre a questão da identidade, Berger afirma É possível resumir a formação dialética da identidade pela afirmação de que o indivíduo se torna aquilo que os outros o consideram quando tratam com ele. Podese acrescentar que o indivíduo se apropria do mundo em conversação com os outros e, além disso, que tanto a identidade como o mundo permanecem reais para ele enquanto ele continua a conversação. (1985, p. 29).

Não importa a idade, o ser humano é um ser sociável, que deve se relacionar e se construir a partir disso. É por isso que, como mencionado anteriormente, 44% desses jovens adultos conheceram a religião através de relações de amizade. Essa conversação com os outros que leva o jovem adulto a construir sua própria religiosidade e completa sua própria significância em relação a si mesma (autoconhecimento). 4.4 Movimento Hare Krishna Vrinda como mercado religioso “[...] a ideia de religião é inseparável da ideia de igreja, faz pressentir que a religião deve ser coisa eminentemente coletiva” (DURKHEIM, 1989, p. 79). Entende-se por igreja: um grupo social caracterizado pelas mesmas práticas e costumes regidos por uma crença comum. O Movimento Hare Krishna, ou a Bhakti Yoga, é uma religião que tem como base a vida em comunidade

de

fé,

ou

seja,

nos

termos

de

Durkheim,

possui

uma

igreja.

A questão do termo igreja para o MHK pode ser estendido e analisado segundo a visão de mercado religioso. O mercado religioso é uma metáfora atual proposta por Berger (1985, p.159) sobre como a sociedade contemporânea lida com a religião. A religião torna-se uma “marca” que deve satisfazer seu “cliente” e suas “necessidades”, portanto, há uma competição de mercado, assim como no grande sistema capitalista. Esse “consumidor” do produto religião tem um livre mercado para escolher qual produto lhe apraz e lhe satisfaz de maneira completa, não tendo assim nenhum vínculo permanente com nenhuma instituição fixa. Assim, deve haver um forte marketing nas religiões para que elas fixem no topo do ranking de “religiões consumidas”, e isso gera uma padronização e forte sincretismo entre elas, pois hoje quem está no controle das religiões é o consumidor delas, o “cliente”. “Na medida em que as “necessidades religiosas” de certas camadas de clientes ou de clientes em potenciais, são semelhantes, as instituições religiosas, ao atender a essas “necessidades”, tenderão a padronizar seus produtos de acordo com elas” (BERGER, 1985, p.159). Um exemplo disso é a padronização dos Festivais de Indianos do Templo serem 15

realizados em um domingo, visto que, o domingo é considerado culturalmente o dia do Senhor para muitos que professam a fé cristã. Ao estabelecer o dia de domingo como centro de sua atividade, o Templo estabelece uma competição/correlação com as igrejas católicas e evangélicas que pregam o domingo como dia sagrado. Nota-se no gráfico a seguir que o grande percentual dos entrevistados era de religião católica. 25

Católicos

20

Ateus e sem religião

15

Espíritas

10

Umbandistas

5

União do Vegetal

0

Santo Daime Religiões

Judeu

Gráfico 3: religiões pertencentes

A religião que se professa hoje já não é aquela na qual se nasce, mas a que se escolhe. A religião que alguém elege para si hoje, escolhida de pluralidade em permanente expansão, também não é a que seguirá amanhã. (PRANDI, 2001, p. 51)

O Movimento Hare Krishna Vrinda se coloca em posição de mais uma religião no vasto campo da pluralidade do mercado religioso brasileiro. Mesmo com discurso sincrético de “você pode ter a sua religião e obter a Consciência de Krishna”, na prática não é bem assim. Não existe religião sem igreja. Embora o conceito de mercado religioso e a “compra” de produtos de várias religiões para compor a sua própria “religiosidade” esteja em evidência, ainda assim é algo muito vazio, é uma suposta espiritualidade enfraquecida pela pluralidade. E entra em discordância com o conceito de religião proposto por Durkheim, no qual define religião como: “um sistema solidário de crenças seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas; crenças e práticas que unem a mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os que a ela se aderem” (1989, p. 79). Ou talvez seja a hora de considerar a decadência da religião como “comunidade” e apenas considerar as práticas de magia, proposta igualmente por Durkheim, (1989, p. 74) que está igualmente repleta de religião, sendo constituída por crenças, ritos, mitos, dogmas, porém apenas servem para “fins técnicos e utilitários”. Finalizando com as palavras de Silas Guerriero, considerando a ISCKON a Missão Vrinda: 16

O Movimento Hare Krishna é, ou pretende ser, igual em todo canto, mas termina assumindo características locais devido aos estereótipos da cultura em que se insere e às idiossincrasias de suas lideranças. De maneira geral, o ethos americano, dado que a expansão do movimento partiu dos EUA, empreendeu à ISCKON uma estrutura rígida muito mais próxima de algumas igrejas cristãs que a seita oriental. Entre nós, é interessante notar certo paralelismo entre o que acontece com nesse movimento e aquelas características de independência frente à ortodoxia, sincretismo e mobilidade. Essa forma de viver a religião acabou influenciando os próprios rumos do Movimento Hare Krishna por aqui. Muito além de ser uma corrente hindu dentro dos moldes tradicionais da vivência e aprendizagem com o guru, a ISCKON é mais uma religião ocidental com crenças em mitos e símbolos védicos (GUERRIERO, 2010, p.114)

5- Considerações finais Reitero a citação de Vernant que está introdução do livro de Peter Berger (1985) para as considerações finais desta pesquisa: Quanto mais se estudam as religiões, melhor se compreende que elas, do mesmo modo que as ferramentas e a linguagem estão inscritas no aparelho do pensamento simbólico. Por mais diversas que elas sejam, respondem sempre a esta vocação dupla e solidária: para além das coisas, atingir um sentido que lhe dê uma plenitude das quais elas mesmas parecem privadas; e arrancar cada ser humano de seu isolamento, enraizando-o numa comunidade que o conforte e o ultrapasse. (1985, p.5)

Berger aborda a religião, em seus dois primeiros capítulos de O Dossel Sagrado, como construtora do mundo e como mantenedora do mundo (1985). O homem tem o poder de mudar a si próprio, mudar a sociedade, mudar a própria religião. Portanto, em 2015, notamse tais resultados sobre a religião Bhakti-Yoga e suas estratégias missionárias em São Paulo, entretanto, tudo pode mudar, pois o mundo é um fluxo contínuo, ou também, tudo pode permanecer o mesmo. A citação de Vernant sintetiza os resultados dessa pesquisa. As maiores estratégias missionárias que qualquer religião pode ter é a dupla vocação proposta por ele, recapitulando: 1) “atingir um sentido que lhe dê uma plenitude” – autoconhecimento e busca do sagrado; 2) “arrancar cada ser humano de seu isolamento, enraizando-o numa comunidade que o conforte e o ultrapasse” – razão social.

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