Estrutura e conjuntura na crise brasileira

May 24, 2017 | Autor: P. Ribeiro | Categoria: Brazilian Politics
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Quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Política

Estrutura e conjuntura na crise brasileira Pedro Floriano Ribeiro

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ma sensação generalizada de crise paira sobre a sociedade brasileira desde, ao menos, meados de 2013. O “putsch” parlamentar que afastou Dilma Rousseff da Presidência não desanuviou o ambiente, o que sugere que as bases dessa crise são também estruturais, indo além de uma conjuntura moldada pela crise econômica e pela inépcia política do governo derrubado. Mesmo deixando de lado as importantes variáveis econômicas (desequilíbrio fiscal persistente, reprimarização e dependência da exportação de commodities etc.), há uma complexa teia de fatores por trás desse momento conturbado — sendo impossível abordá-los em profundidade em poucas linhas. Começando por um fator estrutural evidente: as diversas operações dos últimos anos desvelaram a corrupção como norma institucionalizada de financiamento político e relacionamento público-privado, que vem de longa data e atinge todas as forças políticas do país. Conheceu-se a simbiose entre uma elite política patrimonialista e acostumada à impunidade e uma elite econômica ávida por prebendas, favores, concessões monopolísticas e a captura do Estado, mais afim a práticas “rent-seeking” do que à livre concorrência. Dois problemas estruturais de fundo emergem aqui. Primeiro, a fragilidade histórica de mecanismos de controle do Estado (seu fortalecimento recente é o que

Crise deriva de fatores estruturais e de conjuntura tem ajudado a levantar esse véu). Segundo, a falência do modelo de financiamento da política no Brasil, numa era em que os custos de campanha crescem em ritmo muito maior do que as receitas legalmente oferecidas. Não há bala de prata aqui: o reforço dos mecanismos de fiscalização e a proibição de doações empresariais devem levar a um modelo de custeio majoritariamente público. A democracia tem seus custos, a serem suportados pela sociedade — que deve discutir não apenas as fontes de recursos, mas os custos das campanhas. O sistema partidário mais fragmentado do mundo (em termos do Legislativo) se coloca como outra questão de natureza estrutural. Grosso modo, a intensificação da fragmentação de 2010 para cá poderia ter gerado dois resultados distintos, em termos de governabilidade: 1) multiplicar o portfólio de coalizões potenciais à disposição do executivo, reduzindo os custos de manutenção dos condomínios governistas ao permitir o deslocamento, para posições secundárias, dos parceiros mais dispendiosos (notadamente o PMDB), em prol de partidos menores; 2) aumentar esses custos de transação, ao obrigar o executivo a negociar com mais parceiros sem poder prescindir dos aliados tradicionais, dado o posicionamento estratégico destes no Congresso. Sem

sucesso, o governo Dilma 1 investiu na primeira via. Ficou claro que só a soma aritmética das bancadas não faz uma coalizão: a centralidade do PMDB no jogo congressual definiu a balança para a segunda via, com custos crescentes de negociação. Se algumas regras do nosso bom sistema eleitoral contribuíram para a fragmentação (como as coligações nas eleições para o Legislativo), decisões do STF foram mais importantes: o veto à cláusula de desempenho em 2007 e a concessão ao PSD, em 2012, de recursos do fundo partidário proporcionais ao tamanho de sua bancada (recém-criada integralmente por deputados eleitos por outras legendas) foram fortes incentivos à multiplicação de partidos. Além de desconhecimento sobre os princípios de um sistema de representação proporcional assentado nos partidos, decisões do tipo podem ser entendidas como ingerências desnecessárias do Judiciário sobre o Legislativo — e aqui se adentra o terreno de outra variável estrutural da crise. O Judiciário é parte indispensável do sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira. No entanto, ainda que provocados (e frente à procrastinação decisória recorrente em muitos casos), o STF e outras Cortes superiores poderiam deliberar por obrigar Executivo e Legislativo a decidirem, em vez de tomarem a decisão em seu lugar. Mais preocupante, recentes ingerências de setores do Judiciário sobre o Legislativo parecem destinadas tão somente a “emparedar” a classe política, manipulando a desconfiança da opinião pública em relação a ela com vistas a objetivos corporativos — garantir a conservação de uma casta privilegiada do Estado brasileiro, avessa a mecanismos de controle e transparência e com salários e benefícios muito superiores aos auferidos pelo funcionalismo dos demais Poderes. Aspecto aparentemente conjuntural da crise, a “débâcle” do PT ajudou a tornar esse cenário de extrema fragmentação ainda mais confuso, na medida em que a marca forte do partido funcionava como fator estruturador da dinâmica congressual e da opinião pública, mobilizando seguidores e opositores. A decorrente desorganização ideológica do sistema e a ausência de atores capazes de aglutinar a miríade de interesses fragmentários que explodiram a partir de 2013 contribuem para a radicalização do debate público — já exasperado pelos “filtros-bolha” das redes sociais, pelo descrédito generalizado da classe política e pela ação irresponsável de parte da mídia. Por fim, também pode ser tomado como conjuntural a implantação — primeiro por Dilma de modo envergonhado, depois por Temer de modo exacerbado — de uma agenda não claramente aprovada nas urnas em 2014. Para amplos setores da população, fica a sensação de engodo eleitoral e de falta de legitimidade do governo — o que pode derivar perigosamente para a deslegitimação da própria democracia. Nenhuma das questões elencadas é de fácil solução; a superação da crise envolve, no entanto, que ao menos algumas dentre elas sejam bem equacionadas. Pedro Floriano Ribeiro é professor de ciência política na Universidade Federal de São Carlos, e colunista convidado do “Valor”. Entre 2015 e 2016, ocupou a Cátedra Celso Furtado na Universidade de Cambridge (St. John’s College). Maria Cristina Fernandes volta a escrever em fevereiro E-mail [email protected]

Prefeito de BH vai rever parcerias com Andrade Gutierrez e Odebrecht MARCUS DESIMONI / NITRO

Marcos de Moura e Souza Belo Horizonte O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), quer rever as parcerias público-privadas (PPPs) firmadas pela gestão anterior com as construtoras Andrade Gutierrez e Odebrecht. Em entrevista ao Valor, ele afirmou que os contratos são caros para cofres da cidade e que os resultados não compensam. Kalil disse também que está negociando um financiamento de R$ 1 bilhão com a Caixa Econômica Federal para um pacote de obras em favelas. Uma das PPPs na mira do prefeito é a do Hospital Metropolitano Célio de Castro, chamado de hospital do Barreiro, que foi assinada em 2012 com uma concessionária liderada pela Andrade Gutierrez. A outra PPP é com a Odebrecht e tem como objeto a construção e gestão de escolas municipais de educação infantil e fundamental. “Nós estamos gastando R$ 6,5 milhões por mês para 80 leitos”, disse Kalil, que acaba de completar um mês no cargo. “Isso é uma aberração em matéria de lei.” Os 80 leitos correspondem a 20% da capacidade do hospital. A PPP transferiu para a Andrade e outras duas construtoras menores a conclusão das obras do hospital e de serviços de limpeza, refeições, mão de obra administrativa e outros — menos os serviços médicos. “Quer dizer, para colocarem esterilizador, limpador de banheiro, faxineira eu tenho uma despesa hoje de R$ 6,5 milhões. Alguma coisa não está batendo”, disse. Ele afirmou que está encarregando “o departamento jurídico” da prefeitura de analisar como rever o contrato. “Temos que rever, nós não aguentamos.” Na entrevista, Kalil afirmou que uma opção da prefeitura seria chamar as empresas para um acordo e pagar pelos serviços da obra. “E depois tentar viabilizar o hospital, porque do jeito que a PPP foi feita ela é completamente inviável.” Kalil disse que o mesmo vale para a PPP das escolas. O contrato prevê a construção e a administração de todos os serviços não educacionais das unidades. Todas as 51 unidades contratadas junto a Odebrecht já ficaram prontas e estão operando.

Kalil: “Nós estamos gastando R$ 6,5 milhões por mês para 80 leitos. Isso é uma aberração em matéria de lei”

“No caso das escolas é a mesma coisa. Nós não podemos gastar R$ 80 mil, R$ 150 mil por escola para ter faxineira lá dentro. Eles [a Odebrecht] já receberam R$ 150 milhões na frente para fazer as 50 escolas”, disse Kalil, acrescentando que além das parcelas mensais a prefeitura precisa reservar mais R$ 100 milhões para o contrato. Um dos argumentos da gestão anterior era a rapidez com que as escolas eram erguidas. “Não tem necessidade de construções rápidas com esse custo, isso não adianta”, afirmou ele, prometendo que sem PPP vai universalizar a oferta de vagas que cabem à prefeitura no ensino infantil e fundamental até o fim do mandato. Numa eventual briga nos tribunais, Kalil aposta que o município sairá vitorioso. “Eu duvido muito que algum juiz que vai estudar um caso desse de algum ganho para alguém contra a educação e contra a saúde.” Por meio de nota, a Andrade Gutierrez rebateu. “A concessionária cumpre integralmente com o contrato de PPP". Disse que as obras, instalações e equipagem estão totalmente concluídas há cerca de um ano. “A concessionária mantém equipes e gestão adequadas para apoiar a operação assistencial, em tempo integral, de forma a suprir as demandas totais de um hospital com 13 andares e 45 mil metros quadrados.” Mas,

segundo a empresa, o hospital continua operando abaixo da capacidade por que a prefeitura ainda “não conseguiu contratar profissionais da área clínica necessários, de forma a atingir o nível adequado para o atendimento da população”. A Odebrecht não quis fazer comentários. Logo nos primeiros dias no cargo, Kalil extinguiu cerca de 3 mil cargos comissionados, alegando necessidade de economia e para eliminar alegados cabides de emprego. Já recontratou cerca de 400, mas promete cortar mais, agora nas empresas municipais. O enxugamento juntamente com uma proposta de redução no número de secretarias — que ainda será enviada à Câmara dos Vereadores — permitirá uma economia de cerca de R$ 46 milhões por ano, segundo o prefeito. Kalil herdou um município com situação financeira relativamente equilibrada. Mas a previsão é de receitas e despesas menores que as do ano passado. Não está nos planos da prefeitura privatizar nem de outras PPPs. “Eu acho que o caminho é a simplicidade e fazer economia”. Nos planos da prefeitura estão um financiamento junto à Caixa para um pacote de obras de saneamento e habitação em favelas. O plano deve ser detalhado em um mês, disse ele. “Com a Caixa, a prefeitura vai

aportar mais ou menos R$ 180 milhões e consegue um financiamento de R$ 1 bilhão”. O plano é tocar essas obras até 2018. “Orientei o secretário de Obras a fazer pequenos lotes para que muitas empresas participem.” Ele disse que nos últimos anos as obras ficaram concentradas “em três ou quatro empreiteiras”. O próprio Kalil é dono de uma construtora, a Erkal, que por anos teve contratos com a prefeitura. Por ser prefeito, não tem mais contratos com o município. Empresário e ex-presidente do clube de futebol Atlético Mineiro, Kalil nunca tinha disputado uma eleição antes da do ano passado. Foi eleito numa coligação PHS, Rede e PV e um discurso de rejeição a políticos tradicionais. Derrotou um candidato do PSDB, apoiado pelo senador tucano Aécio Neves e tem uma relação amistosa com o governador Fernando Pimentel (PT). “Eu não tenho nenhum motivo para ser contra o governador para ser arredio a ele. Tudo o que foi pedido do governo até agora a prefeitura foi atendida”. Nas eleições para governador em 2018 — em que Pimentel poderá tentar um segundo mandato —, o prefeito poderá a ser um cabo eleitoral importante. Esse não é assunto para o momento, diz. Mas lembra: “Nunca um governador de Minas Gerais foi eleito sem ganhar em Belo Horizonte.”

Pacote de ajuste fiscal provoca protestos no Rio Robson Sales Do Rio O governo do Rio de Janeiro deve enviar hoje para a Assembleia Legislativa o projeto que prevê a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) e o empréstimo de R$ 3,5 bilhões, que pode colocar em dia o salário dos servidores fluminenses. Os textos devem ser votados dia 7. Serão os dois primeiros projetos do plano de recuperação fiscal desenhado pelo Ministério da Fazenda e o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), e o envio provocou um intenso conflito do lado de fora do

Palácio Tiradentes, prédio histórico no Centro da cidade que abriga o parlamento fluminense. Ao longo da tarde manifestantes e policiais entraram em confronto, houve disparos de bombas de gás, balas de borracha e spray de pimenta. Ônibus foram queimados e ruas, interditadas. A segurança no local foi reforçada com cerca de 500 policiais militares e da Força Nacional. Os manifestantes criticam o pacote que será votado na Assembleia e que prevê, entre outros pontos, o aumento da contribuição previdenciária dos servidores de 7% para 14% e a criação de alíquota extraordinária de

8% para servidores ativos e de 6% para os inativos. O presidente da Assembleia, Jorge Picciani (PMDB), reeleito ontem para o comando da casa, é o principal articulador da aprovação de medidas de austeridade fiscal do Estado. O secretário estadual da Casa Civil, Christino Áureo, participou de cerimônia de abertura do ano legislativo fluminense da Assembleia ontem, representando Pezão. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) entrou na sexta-feira com uma ação para conseguir novos financiamentos, apesar de o Estado ter ultrapassado os li-

mites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e também para usar os recursos para o pagamento de pessoal, o que seria vetado pela lei. O cálculo é que, dessa vez, o governo do Rio consiga aprovar as medidas de austeridade, embora com aperto. Nos bastidores, o impeachment de Pezão já é considerado possível caso o pacote fiscal não seja aprovado. “Mais do que possível eu acho que é necessário [o impeachment]”, afirmou o deputado Luiz Paulo Correa da Rocha (PSDB), um dos principais opositores do atual governo na Casa.

Doria busca apoio de vereadores para privatizações Cristiane Agostine De São Paulo O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), buscou ontem o apoio dos vereadores para aprovar programas de privatização e concessão do patrimônio público da capital. Doria participou da abertura do ano legislativo e, em reunião com lideranças parlamentares na Câmara Municipal, negociou um acordo em torno de seu programa de desestatização. O prefeito afirmou que pretende vender o Anhembi ainda este ano. Doria levou 11 secretários para a abertura da primeira sessão legislativa deste ano e voltou a afirmar que irá à Câmara Municipal todos os meses, conforme promessa feita no primeiro dia do mandato. Seu antecessor, Fernando Had-

dad (PT), foi quatro vezes à Casa, nos quatro anos de governo. Antes de discursar no plenário, o prefeito se reuniu com líderes partidários, com exceção do PT para falar sobre o programa de desestatização, que deve ser debatido nas próximas semanas. Segundo Doria, é “bem provável” que neste ano a prefeitura faça a modelagem do projeto de venda do Anhembi, lance os editais e privatize. Em relação ao autódromo de Interlagos, o tucano disse a venda pode ser feita neste ano ou no início de 2018. Para o estádio do Pacaembu, o prefeito planeja a concessão, “muito provavelmente por 15 anos”, mas não deu uma previsão sobre quando isso acontecerá. Doria defendeu ainda as parcerias público-privadas e disse que dará continuidade, “com

pequenos reparos, se for necessário”, à PPP da iluminação iniciada pela gestão Haddad. Doria discutiu também com os vereadores um projeto para endurecer a punição a pichadores. O prefeito disse que a proposta deve ser aprovada na próxima semana. O tucano já havia anunciado que multará em R$ 5 mil quem for pego pichando a cidade. Se for reincidente, a multa será de R$ 10 mil e se pichar algum monumento público, o valor a ser pago será o do dano causado. Doria disse se o pichador não tiver recursos para pagar, terá que trabalhar como gari ou jardineiro para o município. O PT não quis participar da reunião de Doria com os líderes partidários, em protesto a xingamentos feitos pelo prefeito contra o ex-presidente Luiz Inácio

Lula da Silva. Em carta divulgada à imprensa, o líder da bancada petista, Antonio Donato, afirmou que Doria ofendeu Lula. O líder do PT citou uma “atividade midiática” de Doria, que ao “plantar uma muda de Pau-Brasil, de maneira gratuita e rasteira ofendeu o ex-presidente”. No plenário, o vereador Eduardo Suplicy (PT) cobrou um pedido de desculpas do prefeito a Lula. O tucano não se desculpou e desconversou. “Prefiro não me manifestar por respeito à situação de saúde de dona Marisa, a quem respeito”, disse, em referência à esposa de Lula, Marisa Letícia, que está internada, em razão de um acidente vascular cerebral. “A família Lula da Silva vive neste momento um drama pessoal. Prefiro não me manifestar aqui, neste momento. Oportunamente posso fazê-lo”, disse.

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