Estrutura genética do vector de malária Anopheles atroparvus em Portugal: implicações num contexto de aquecimento global

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WSCRA2010 - II Workshop Internacional sobre Clima e Recursos Naturais nos Países de Língua Portuguesa, Bragança, Portugal, 15 - 19 Novembro 2010

Estrutura genética do vector de malária Anopheles atroparvus em Portugal: implicações num contexto de aquecimento global Patrícia Salgueiroa, Carla A. Sousab, José Luis Vicentea, Virgílio E. do Rosárioa,c, João Pintoa,b a

Centro de Malária e outras Doenças Tropicais, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa, Portugal, Email: [email protected], [email protected] b Unidade de Entomologia Médica, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa, Portugal, Email: [email protected], [email protected] c Unidade de Malária, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa, Portugal, Email: [email protected]

Resumo No contexto actual de alterações climáticas e ambientais, a preocupação com doenças (re) emergentes torna-se cada vez maior. Em particular, tem-se vindo a dar mais atenção a doenças transmitidas por insectos vectores, das quais se destaca a malária, pelo enorme impacto que tem na população humana. Num cenário potencial de ressurgimento da malária na Europa, a taxa de transmissão de parasitas Plasmodium importados será certamente afectada por padrões de estrutura e de conectividade entre as populações do vector. E este é o tema central do presente trabalho aplicado ao antigo mosquito vector de malária em Portugal, Anopheles atroparvus. Assim, foram genotipados 10 marcadores moleculares (microssatélites) em mosquitos colhidos em 10 locais de Portugal entre 1993 e 2008. Os dados obtidos sugerem um fluxo genético generalizado no país, e uma correlação positiva entre a distância geográfica e a diferenciação genética das populações de A. atroparvus. Estimativas de tamanho efectivo populacional (Ne) baseadas em amostras temporais variaram entre 1990 e 12197 indivíduos por geração. Foram detectados indícios de contracção populacional em quase todas as amostras. Estes resultados podem ser ainda consequência das intensas medidas anti-vector tomadas no passado (até à década de 70 do século XX). A presente monitorização da estrutura populacional de A. atroparvus em Portugal, serve de base de caracterização dos últimos 15 anos. Recomenda-se a sua continuação no futuro, bem como a avaliação contínua de parâmetros ecológicos e biológicos em localidadessentinela. Estas deverão incluir áreas com elevada pressão turística e/ou com populações humanas migrantes.

Abstract With the present state of environmental and climate change, there is a growing concern about (re) emerging diseases, particularly those that are vector-borne. Of these, malaria is the vector-borne disease with the highest impact on human population. In a potential scenario of malaria resurgence in Europe, the rate of transmission of Plasmodium parasites will be most certainly affected by patterns of structure and connectivity among vector populations. This is the main subject of the present work, regarding the former malaria mosquito vector in Portugal, Anopheles atroparvus. Thus, we genotyped 10 microsatellite markers in mosquitoes collected at 10 sites in Portugal, between 1993 and 2008. Our data suggest a widespread gene flow over the country, and a positive correlation between geographical distances and genetic differentiation among A. atroparvus populations. Estimates of effective population size (Ne) based on temporal samples ranged between 1990 and 12197. Tests of "bottleneck effect" suggest a population contraction in almost all populations sampled. These results can be explained by the intensive anti-vector 357

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campaign taken in the past (until 1970s). This present population structure assessment of A. atroparvus in Portugal constitutes the background knowledge of the last 15 years. We recommend that the assessment of ecological, biological and genetic parameters of sentinel-localities should be maintained in the future. These should include areas of tourism and with migrant human populations.

1. Introdução No actual contexto de alterações climáticas e ambientais, e também de globalização da mobilidade entre populações, há uma preocupação crescente com a emergência ou reemergência de algumas doenças, em particular as que são transmitidas por vectores (e.g. malária, infecções arbovirais). De facto, esta preocupação tem sido consubstanciada por casos recentes como o da Epidemia de Febre Chikungunya no Nordeste de Itália em 2007 (Rezza et al., 2007), ou os casos de Febre do Nilo Ocidental, recentemente detectados em Portugal em 2004 e 2010 (Esteves et al., 2006; Direcção Regional de Saúde, 2010). Como os ciclos de vida e distribuição de muitos insectos vectores são directamente afectados por condições climáticas (Patz & Kovats, 2002), alterações no clima poderão influenciar o potencial de incidência, a transmissão e a área de ocorrência de algumas doenças transmitidas por insectos (McMichael et al., 2006). Para resolver algumas desta questões, surgiu o projecto europeu FP6/EC “Emerging Diseases in an European changing eNviroment” (EDEN), no âmbito do qual se pretendeu determinar as condições ambientais que podem influenciar a distribuição geográfica, a variação temporal e a dinâmica de doenças emergentes, de forma a: 1) estabelecer sistemas de vigilância eficientes; 2) identificar locais de risco e; 3) dotar as autoridades nacionais e europeias de informação para o controlo de possíveis epidemias. Uma das doenças – alvo do projecto EDEN foi a malária. Apesar de ter sido erradicada na maioria no território Europeu até à década de 70 do século XX, a doença ressurgiu a partir de focos residuais na Europa de Leste, resultando em mais de 30000 casos no ano de 2000 (WHO, 2009). Desde 1975 que as temperaturas em Portugal têm aumentado cerca de 0.5°C por década (Miranda et al., 2006). Nos últimos anos, e no âmbito do projecto EDEN, tem-se procurado avaliar o efeito das mudanças climáticas na distribuição de Anopheles atroparvus, o mosquito vector de malária em Portugal. Neste contexto, têm-se desenvolvido alguns trabalhos de caracterização biológica (Sousa, 2008) e de modelação ecológica (Capinha et al., 2009) do vector. Outra peça de informação importante é a estrutura populacional de A. atroparvus e o nível de conectividade entre populações. Este conhecimento poderá ajudar a compreender o potencial de transmissão da malária mediada pelo vector, num cenário hipotético de introdução local de parasitas. Assim foi analisada a variabilidade genética de 10 amostras do vector de malária A. atroparvus, colhidas nas últimas duas décadas, utilizando marcadores moleculares de DNA microssatélite. Os objectivos deste estudo foram: 1) comparar os níveis de variabilidade genética entre populações de A. atroparvus, 2) estimar o tamanho efectivo populacional (Ne) deste vector e detectar alterações demográficas; 3) determinar a estrutura populacional e os padrões de fluxo genético. As implicações destes resultados são discutidas tendo em conta o presente cenário de aquecimento global.

2. Materiais e Métodos 2.1 Amostragem Foram realizadas colheitas entomológicas durante os verões (Junho a Outubro) dos anos: 1993, 2001, 2007 e 2008 em 10 localidades de Portugal Continental. Para quatro das localidades houve duas amostragens, ao longo do tempo de estudo (Figura 1; Quadro 1). Os mosquitos foram identificados até ao nível específico ou de complexo de espécies através

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da observação estereoscópica de caracteres morfológicos, utilizando chaves de identificação (Ribeiro & Ramos, 1999) Todos os espécimes foram preservados, individualmente a 4 °C em tubos com gel de sílica.

Figura 1. Mapa de Portugal com a localização dos pontos de amostragem: (1) Comporta, (2) Pego, (3) Carvalhal, (4) Montalegre, (5) Montesinho, (6) Aveiro, (7) Serra da Estrela, (8) Almeida, (9) Barrancos, (10) Castro Marim.

Quadro 1. Descrição dos locais de colheita de Anopheles atroparvus em Portugal e número de indivíduos (N) usado na análise de microssatélites Localidade

Altitude (m)

Coordenadas

Castro Marim

25

37°14’N/07°26’W

Barrancos

327

38°07’N/06°58’W

Aveiro

19

40°44’N/08°34’W

Montalegre Pego Carvalhal

874 24 24

41°46’N/07°45’W 38°17’N/08°46’W 38°18’N/08°45’W

Comporta

24

38°22’N/08°47’W

Serra da Estrela Almeida Montesinho

1000 585 1005

40°26’N/07°31’W 40°44‘N/06°49‘W 41°55’N/06°46’W

Ano 2008 1993 2008 1993 2008 1994 1993 2001 2001 2001 2007 1993 1993 1993

Abreviatura AL08 AL93 BR08 BR93 AV08 AV93 MC93 PG01 CL01 CP01 CP07 SE93 AE93 MS93

N 45 38 45 44 45 45 45 45 45 45 45 42 45 37

2.2 Análise molecular O ADN foi extraído com um método de fenol-clorofórmio (Donnelly et al., 1999). A identificação molecular de espécies do complexo Anopheles maculipennis foi feita por PCRRFLP (Sousa, 2008). Foram genotipados 10 microssatélites usando os primers e condições descritos em Weill et al. (2003).

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2.3 Análise estatística Tendo em conta o intervalo de 15 anos entre amostragens (1993 - 2008), dividimos as amostras em dois grupos: 1) um grupo que incluiu as amostras colhidas entre 1993 e 2001, e 2) um grupo com as amostras mais recentes, colhidas em 2007-2008. A análise de diversidade genética, heterozigotia, equilíbrio de Hardy-Weinberg e desequilíbrio de linkage foi efectuada com os programas: FSTAT (Goudet, 1995), GENEPOP (Raymond & Rousset, 1995), MICROCHECKER (Van Oosterhout et al., 2004), FREENA (Chapuis & Estoup, 2007). No que se refere às estimativas de diferenciação e fluxo genético entre populações recorreu-se a: SPAGEDI (Hardy & Vekemans, 2002), ARLEQUIN (Excoffier et al., 2005), GENECLASS (Piry et al., 2004) e BAPS (Corander et al., 2004). Para o cálculo de tamanhos efectivos populacionais (Ne), utilizou-se o NeEstimator (Peel et al., 2004). Quanto à detecção de contracções populacionais utilizaram-se testes de heterozigotia disponíveis no programa BOTTLENECK (Piry et al., 1999).

3. Resultados e Discussão 3.1 Comparações geográficas Os resultados obtidos revelaram uma reduzida diferenciação populacional (FST = 0 - 0.01) e um elevado fluxo genético (nº de potenciais migrantes entre 1993 e 2001= 10) em todo o território português, entre as populações de A. atroparvus. No entanto, detectámos uma correlação significativa entre a diferenciação genética e a distância geográfica, revelando um efeito de isolamento por distância. Amostras de altitudes mais elevadas (> 327m, AE93, BR93, MC93, MS93 e SE93, Quadro 1) apresentaram uma diversidade genética significativamente superior (P
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