Estruturas musicais simétricas na seção B do Estudo No 10 para violão de Heitor Villa-Lobos (VISCONTI 2012).pdf

May 26, 2017 | Autor: Ciro Visconti | Categoria: Music, Music Theory, Classical Guitar, Symmetry, Musical Analysis, Heitor Villa-Lobos (1887-1959)
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XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012

Estruturas musicais simétricas na seção B do Estudo No 10 para violão de Heitor Villa-Lobos Ciro Visconti CMU-ECA/USP - [email protected] Paulo de Tarso Salles CMU-ECA/USP - [email protected] Resumo: este trabalho é parte de uma análise que pretende investigar os diversos tipos de estruturas musicais simétricas empregadas por Heitor Villa-Lobos na composição do Estudo no 10, Para Violão, e verificar se tais estruturas, são em parte responsáveis pela origem das sequências tonais e atonais que surgem na obra. Palavras-chave: Villa-Lobos, Estudos para Violão, Análise Musical, Simetria Symmetrical Musical Structures in the Section B of Heitor Villa-Lobos’s Guitar Etude no 10 Abstract: This paper is a part of anausis wich intends to search for several kinds of symmetrical musical structures applied by Heitor Villa-Lobos on his Guitar Etude no 10, and verify that these structures are in part responsible for the tonal and atonal sequences that arise in the work. Key words: Villa-Lobos, Guitar Etudes, Musical Analysis, Simmetry

1. Introdução Inúmeras análises dos 12 Estudos para Violão já foram feitas, e a maioria delas, dada a importância dos Estudos no repertório do instrumento, é destinada ao desenvolvimento da interpretação e execução da obra e não propriamente às técnicas de composição. Contudo, algumas dessas análises apontam questões fundamentais das estruturas melódica, harmônica e formal da obra. Marco Pereira (1984, p. 55), por exemplo, ao analisar o Estudo no 10 afirma que “este estudo não deve ser analisado de um ponto de vista tonal apesar de Villa-Lobos haver colocado alterações de clave sugerindo uma possível tonalidade de Si menor”. Por outro lado, Krishna Salinas Paz (1993, p. 29) afirma que na seção B há uma melodia pentatônica no baixo, ao passo que Eduardo Meirinhos (1997, p. 256) analisa essa mesma melodia como sendo baseada no modo Lídio. Essas análises apontam para um cenário aparentemente paradoxal, no qual observa-se a utilização de estruturas diatônicas como escalas, modos e armaduras de claves, mas nenhuma tonalidade é de fato estabelecida. Esta análise, por enquanto restrita à seção B da obra, tem por objetivo investigar se tanto a falta da sensação de tonalidade como a utilização do material diatônico surgiram, no

Estudo no10, em consequência das estruturas simétricas que nele aparecem. Essas estruturas, catalogadas por Hermann Weyl (1997, p. 13) e instrumentalizadas para a análise musical em obras de Villa -Lobos por Paulo de Tarso Salles (2009, p. 43), ocorrem no Estudo no 10

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principalmente na forma de simetrias translacionais, que, segundo Weyl, “são transformações que deixam invariável a estrutura do espaço” (1997, p. 53). Essas transformações, também chamadas por Weyl de “automorfismos” (1997, p. 56), podem mudar de escala mantendo todas as dimensões lineares em uma certa proporção” (1997, p. 56), e por isso iremos relacionar a simetria translacional às transposições. No Estudo no10 elas acontecem principalmente entre os tetracordes da sessão B, em boa parte devido ao que Salles chama de “combinações simétricas de digitação instrumental” (2009, p. 48), termo que utiliza para as transposições que ocorrem devido ao deslocamento das digitações no violão. 2. Análise da seção B do Estudo no10 para violão Marco Pereira indica que o Estudo no 10 apresenta uma Forma Ternária Simples A-B-A 1, na qual as seções se dividem da seguinte maneira: A - très animé (compassos 1-20) B - un peu animé (compassos 21-56) ponte - (compassos 57-65) A 1 - coda - vif - (compassos 66-73) (Pereira, 1984, p. 55)

Seguiremos essa divisão formal feita por Pereira 1, em que a seção B inicia no compasso 21 e se prolonga até o 65. Faremos uma subdivisão em três segmentos: o primeiro, do compasso 21 ao 42; o segundo, do compasso 44 ao 56; e o terceiro, compasso 57 ao 65, é o segmento que Pereira definiu como “ponte” (Pereira, 1984, p. 55). Essa disposição da seção B está relacionada à simetria bilateral e à média aritmética. Isso porque o somatório do número de compassos dessa seção é de 45, fazendo com que a média aritmética caia sobre o vigésimo terceiro compasso da seção B 2 (compasso 43). Com isso, temos uma relação palindrômica (22-1-22), na qual os primeiros 22 compassos são referentes ao primeiro segmento e os 22 últimos são referentes ao segundo e ao terceiro segmento. Entre eles há o compasso 43, que se destaca por ter uma constituição completamente diferente de todos os demais dessa seção, já que é formado apenas pela nota

Si tocada em um ritmo que evolui de colcheias para quiáteras de colcheias: Exemplo 1: compasso 43 do Estudo no 10.

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O primeiro segmento da seção B é composto a duas vozes, na qual a voz mais aguda é um ostinato tocado em ritmo de semicolcheias com ligaduras, e a mais grave é uma melodia com figuras rítmicas mais longas. Villa-Lobos deu ao ostinato da voz superior um tratamento semelhante ao de figurações presentes na seção A, combinando o deslocamento das digitações com as notas de cordas soltas, gerando a simetria translacional intercalada a um pedal de notas regulares. Dessa forma, a figuração dessa voz superior terá sempre as notas Mi ou Si 3 como a última de cada grupo de semicolcheias, enquanto as demais notas do compasso são coleções formadas por tetracordes que são transpostos conforme a mudança de digitação. Entre os compassos 21 e 27 as notas da figuração do ostinato da voz superior ficam inalteradas 4. Se dessa figuração separarmos as notas digitadas das que fazem o pedal com a corda solta, teremos o tetracorde [2, 4, 7, 9], cuja forma primária é (0257) representante da classe de conjunto 4-23 5. A formação dos tetracordes dessa classe de conjunto pode ser feita a partir de uma sequência de quintas justas, e assim a segunda nota é a média geométrica entre a primeira e a terceira, e a terceira é a média geométrica entre a segunda e a quarta 6:

Exemplo 2: a) figuração do ostinato da voz superior entre os compassos 21 e 27; b) separação entre as notas pedal (compasso à esquerda) e as notas digitadas (compasso à direita).

Nesse mesmo trecho, a melodia da voz inferior é composta pelas notas Fá, Sol, Ré e Dó. Apesar de Paz afirmar que essa melodia é feita com a escala pentatônica (Paz, 1993, p. 256) e de Meirinhos (alongando sua análise até o compasso 30) associá-la ao modo Lídio, é notável que esse tetracorde, cuja forma normal é [0, 2, 5, 7], é uma transposição do tetracorde da voz superior na relação T10:

Exemplo 3: os tetracordes da voz superior e inferior do trecho que vai do compasso 21 ao 27.

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No compasso 28 essas simetrias são quebradas em ambas as vozes. Na voz superior há um tetracorde formado pelas notas Fá#, Sol, Si e Dó#, com forma primária (0157) e representante da classe de conjunto 4-16, que não possui nenhuma relação simétrica. A melodia da voz inferior também quebra a simetria entre observada no trecho anterior. Salles descreve que o estabelecimento de estruturas simétricas e a consequente quebra das simetrias são parte da técnica composicional de Villa-Lobos (Salles, 2009, p. 52). Contudo, essa quebra de simetria dura apenas um compasso No trecho seguinte (c. 29-34) as duas relações simétricas são restabelecidas, visto que os tetracordes 4-23 são transpostos na relação T10 7. Além disso, uma nova simetria é estabelecida, pois os tetracordes desse trecho são transposições T4 dos tetracordes do trecho dos compassos 21-27:

Exemplo 4:

O compasso 35 pode ser considerado um compasso de ligação entre os trechos dos compassos 29-34 e 36-38, pois quebra o padrão estabelecido tanto na voz superior quanto na inferior. Contudo, ao contrário da figuração do compasso 28, no qual há uma quebra das relações simétricas, a figuração da voz superior do compasso 35 se relaciona com as simetrias dos trechos anteriores. Essa relação acontece de forma não linear, pois os tetracordes da classe de conjunto 4-23 são formados entre as notas digitadas do primeiro e terceiro e do segundo e quarto grupo de semicolcheias:

Exemplo 5: a) figuração da voz superior do compasso 35; b) tetracordes formados com as notas digitadas do primeiro e terceiro (à esquerda) e do segundo e quarto (à direita) grupo de semicolcheias.

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O trecho que vai do compasso 36 ao 38 retoma a ação das duas vozes em tetracordes que se relacionam por transposição. Esse trecho também dialoga com os trechos dos compassos 21-27 e 29-34, pois utiliza os mesmos tetracordes:

Exemplo 6: Os tetracordes da voz superior e inferior do trecho dos compassos 36-38.

No último trecho do primeiro segmento da seção B (c. 39 ao 42), ocorre uma nova quebra da simetria. Nesse ponto o tetracorde não simétrico (c. 28), formado por Fá#, Sol, Si e Dó#, é retomado para a figuração da voz superior 8. No entanto a voz inferior prolonga sua melodia extrapolando esse trecho e o próprio primeiro segmento, até ser resolvida no compasso 44 com a nota Mi. Villa-Lobos retoma o tetracorde 4-23 de maneira assimétrica, mas ao fazê-lo restabelece a simetria. É notável que essa melodia inicie com as notas Fá# e Lá (c. 39-40) e em seguida estabeleça uma tensão com a nota Si, tocada por três compassos seguidos em um ritmo que progressivamente fica mais rápido, que só é resolvida na nota Mi do compasso 44. Essa sensação resolutiva parece estar menos ligada à relação DominanteTônica que existe entre as notas Si e Mi do que ao fato da nota Mi completar o tetracorde 423, que pauta praticamente toda a seção B:

Exemplo 7: a) Melodia tocada na voz inferior entre os compassos 39 e 44. b) O tetracorde 4-23 extraído da melodia acima.

O segundo segmento da seção B (c. 44-56) é composto em sua maior parte de apenas uma voz, tendo uma segunda linha melódica no baixo somente nos últimos cinco compassos. O ostinato em ritmo de semicolcheias que ocorre em todo o primeiro segmento continua nesse trecho com algumas modificações em sua figuração, que surgem porque nesse segmento a digitação passa por todas as cordas do violão, ao invés de ser feita somente na primeira e na segunda corda. A consequência disso é que na última semicolcheia de cada grupo, a qual sempre recai o pedal regular de corda solta, as notas usadas são: Mi, Si, Sol, Ré, Lá e Mi 9.

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Ao analisar a melodia em ostinato desse segmento da mesma maneira que foi feito com a voz superior do segmento anterior, ou seja, separando a coleção de notas digitadas das notas tocadas em corda solta, nos deparamos novamente com uma sequência formada pela transposição de tetracordes de forma primária (0257), representantes da classe de conjunto 423. É notável que, se colocarmos todas as notas desses tetracordes em um único conjunto, teremos uma sequência de onze sons que deixa de fora apenas a classe de nota 4 (Ré#/Mib). Essa classe de nota também é a única ausente no primeiro segmento da seção B:

Exemplo 8: a-f) Tetracordes do segundo segmento da seção B; g) Conjunto das 11 notas que aparecem nos tetracordes acima.

Entre os compassos 51 e 54 observamos o retorno das mesmas coleções melódicas usadas no trecho dos compassos 21-27, com a melodia do ostinato estabilizada no tetracorde [2, 4, 7, 9] e a reentrada da voz inferior com o tetracorde [0, 2, 5, 7]. Destacamos anteriormente a relação de transposição entre essas duas classes de conjunto. No entanto, é possível analisar a coleção de notas da voz inferior com a sua melodia prolongada até o compasso 56 e, dessa forma, a sequência de notas na sua forma normal seria: Fá, Sol, Lá, Dó Ré . Esse pentacorde de forma primária (02579) - representante da classe de conjunto 5-35 tem as mesmas notas de uma escala pentatônica, o que aponta para a análise melódica feita por Paz (1993, p. 256). Contudo, é necessário destacar que as coleções representantes da classe de conjunto 5-35 também podem ser originadas a partir de uma sequência de quintas justas, na qual poderiam ser verificadas três mediações geométricas 10:

Exemplo 9: Pentacorde usado na melodia da voz inferior entre os compassos 52 e 56.

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Segundo a divisão de Pereira (1984, p. 55) o segmento entre os compassos 57 e 65 é uma ponte que faz a transição entre a seção B e a seção A 1 . Em toda a composição esse é o trecho que mais pode ser associado a um modelo tonal, como uma espécie de codetta da seção B.

Exemplo 10: Ponte entre a seção B e a seção A 1 .

Referências: MEIRINHOS, Eduardo. Fontes manuscritas e impressas dos 12 Estudos para violão de Heitor Villa-Lobos. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 1997. PAZ, Krishna Salinas. Os 12 Estudos para violão de Heitor Villa-Lobos: revisão dos manuscritos autógrafos e análise comparativa de três interpretações integrais. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993. PEREIRA, Marco. Heitor Villa-Lobos: sua obra para violão. Brasília: Musi Med, 1984. RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão. Letras Clássicas, n. 2, p. 251-299, 1998. STRAUS, Joseph. Introduction to post-tonal theory (third edition). New Jersey: Prentice Hall, 2005. SALLES, Paulo de Tarso. Villa-Lobos: processos composicionais. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. VILLA-LOBOS, Heitor. Villa-Lobos: collected works for solo guitar. França: Max Eschig, 1990. WEYL, Herman. Simetria. Tradução: Victor Baranauskas - São Paulo: Edusp, 1997. Notas

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A nossa análise, assim como a de Pereira, foi feita com a versão da partitura dos Estudos da Editora Max Eschig. 2 Considerando o compasso 21 como o primeiro da seção B e o compasso 65 como o quadragésimo quinto, calcula-se a média aritmética entre eles: (1 + 45) : 2 = 23. O vigésimo terceiro compasso da seção B é o compasso 43 do Estudo no 10. 3 A única exceção é o terceiro tempo do compasso 39 que tem a nota Sol, tocada na terceira corda solta, como a última de seu grupo de semicolcheias. 4 Com exceção de uma curta melodia no compasso 24. 5 Segundo a catalogação de Allen Forte (Straus, 2005, pp. 261-264). A utilização da Teoria dos Conjuntos é vantajosa em nossa análise por não estar associada ao Sistema Tonal ou a qualquer outro tipo de sistema de composição. Sendo assim, pode revelar as conexões simétricas que ocorrem entre coleções diatônicas sem a necessidade de relacioná-las às escalas ou modos da teoria tradicional. 6 Ricardo Rizek demonstrou a sequência de quintas justas utilizando a média geométrica na figura 4 de seu artigo “Teoria de Harmonia em Platão” (Rizek, 1998, Letras Clássicas, p. 265). 7 Com exceção do compasso 34, no qual a figuração da voz superior é feita com o mesmo tetracorde (4, 6, 9, 11) da voz inferior do trecho dos compassos 29-34. 8 No compasso 39 as notas Ré e Mi são adicionadas à figuração no terceiro tempo. 9 Notas referentes às seis cordas soltas do violão. 10 No caso, o pentacorde Fá, Sol, Lá, Dó, Ré pode ser originado pela sequência de quintas Fá, Dó, Sol, Ré e Lá. Nessa sequência Dó é a média geométrica entre Fá e Sol, Sol é a média geométrica entre Sol e Ré e Ré é a média geométrica entre Sol e Lá.

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