Estudo - A Tauromaquia como Património Cultural e Imaterial da UNESCO

June 26, 2017 | Autor: Ana Pereira | Categoria: Patrimonio Cultural, Tauromaquia, UNESCO world heritage
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Ana Filipa de Jesus Pereira

A Tauromaquia como Património Cultural e Imaterial da UNESCO

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Coimbra 2015

Ana Filipa de Jesus Pereira

A Tauromaquia como Património Cultural e Imaterial da Unesco

Trabalho realizado no âmbito do Mestrado em Política Cultural Autárquica Unidade Curricular: Instrumentos Jurídicos e Financeiros, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Matilde Lavouras No ano letivo de 2014-2015

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Índice Introdução ____________________________________________________________ 4

A Tauromaquia ________________________________________________________ 5

A secção de municípios com atividade taurina da ANMP •

Municípios integrantes ______________________________________________ 8



Municípios com tauromaquia declarada Património Cultural e Imaterial de Interesse Municipal ________________________________________________10

A candidatura a Património Cultural e Imaterial da UNESCO ___________________11

Conclusão ___________________________________________________________ 13

Fontes ______________________________________________________________ 14

Legislação ___________________________________________________________ 14

Bibliografia __________________________________________________________ 15

Webgrafia ___________________________________________________________ 15

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Introdução A cultura tauromáquica, presente em grande parte do território nacional, representa todo um conjunto de atividades relacionadas com o touro, que vão muito além da simples Corrida de Toiros. De origem pré-histórica, a tauromaquia faz parte da cultura dos povos da bacia mediterrânica, em especial na Península Ibérica, onde sempre existiram, em abundância, touros selvagens. Se até ao século I a.C. os touros serviam essencialmente de alimento, a partir daqui, com a chegada dos Romanos, o touro começou a ser utilizado em espetáculos de arena, onde a valentia dos homens era posta à prova, perante a agressividade do touro. A queda do império romano, não levou, no entanto, à extinção destes espetáculos. Volvidos alguns séculos os espetáculos com touros passaram a fazer-se nas ruas e, embora de forma mais desordenada, continuaram a fazer parte dos costumes do povo. Estas foram as primeiras formas de tauromaquia popular e, provavelmente, as origens dos espetáculos tauromáquicos a que hoje assistimos. Foram também estas que, dado o elevado número de feridos e mortos durante os espetáculos, levaram aos movimentos anti-taurimos, com a proibição dos mesmos por parte da coroa e do Vaticano. No entanto estas proibições não foram acatadas pelas populações que continuaram a realizar os espetáculos de maneira mais clandestina. Estes espetáculos só voltaram a ser aceites pelo público, quando a aristocracia os começou a encarar como divertimento e treino para a guerra, e a partir daqui, a Tourada deixou de ser um espetáculo do povo e tornou-se um espetáculo da nobreza, passando assim a ter a aceitação de todos os estratos sociais. A partir daqui começaram a criar-se regras, códigos de conduta, de valores éticos, estéticos e espaços destinados a este espetáculo, levando a que, a partir do século XIX, o espetáculo adquirisse o formato que chegou até aos nossos dias. Nesta exposição pretende-se explorar a cultura tauromáquica e a sua influência no território e na população, bem como a sua candidatura a Património Mundial Cultural e Imaterial da Unesco.

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A Tauromaquia A Tauromaquia é toda a cultura que envolve o touro. Começa nas ganadarias, local onde se criam os touros. Espaços, por norma, com grandes campos e que, devido a não serem tocados pelo Homem, acabam por preservar uma variedade bastante grande de fauna e flora. Das ganadarias passamos às coudelarias, local onde se criam os cavalos, nomeadamente o cavalo Lusitano. O cavalo, peça fundamental na atividade tauromáquica, é indispensável desde a criação do touro até à lide nas Corridas de Touros. Para além destes dois espaços a cultura tauromáquica envolve ainda todos os trajes associados ao touro, nomeadamente o traje campino, inspirado no traje do Ribatejo. Dos cavaleiros, inspirado no traje de montar a cavalo no século XVIII ou dos cavaleiros amadores, inspirado no traje tradicional português.1 Dos forcados, inspirado no traje dos campinos. Dos toureiros e bandarilheiros, inspirado no “traje de luces”.2 E também dos adornos dos cavalos, nas cortesias.3 No entanto, a cultura tauromáquica não se fica por aqui. Engloba as festas e feiras tauromáquicas, as Largadas de Touros, as Garraiadas, Largadas à Corda e Corridas de Toiros. A cultura tauromáquica envolve ainda danças e expressões musicais, tais como as Sevilhanas, Passo Doble ou Flamenco, e também a “música de banda”, estilo muito antigo e criado com o propósito de animar a Corrida de Toiros. Sendo ainda tema em alguns fados. Por último, mas não menos importante, a Tauromaquia, envolve ainda a vida de milhares de pessoas, em todo o mundo, que vivem e dependem da cultura tauromáquica.

As Touradas representam o domínio do Homem, isto é, da razão, sobre a força bruta do animal, onde o Homem tenta lidar um animal que é livre de se defender, com o intuito de criar arte. Na tourada o Homem representa os valores humanos da coragem e da superação, perante a força bruta do touro.

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Aplica-se ao caso português, em Espanha o traje dos cavaleiros amadores inspira-se no traje tradicional espanhol. 2 Traje tradicional de toureio Espanhol. Em seda colorida coberto com adornos dourados ou prateados. 3 As cortesias marcam o início da corrida de touros, na corrida à portuguesa. 5

Contrariamente ao que é comumente escrito a Tourada, ou Corrida de Toiros, não tem origem medieval, é uma criação moderna, tendo nascido em pleno século das luzes, consubstanciando uma ideia fundamental do Iluminismo, ou seja, o domínio do homem sobre a natureza, através do uso da razão. O mesmo domínio que podemos observar no mote de Kant, “Sapere Aude”,4 que marcou toda uma época e levou ao nascimento da ciência moderna e de novas corrente filosóficas, entre outros. Esta ideia do domínio da razão sobre a natureza é um dos pilares da civilização ocidental, dando espaço ao progresso social e material que os últimos séculos representam. Assim a Corrida de Toiros não é medieval e muito menos pré-histórica. No entanto as suas raízes remontam à pré-história e são comuns a todos os países da bacia mediterrânica. As primeiras representações de touros têm mais de 20.000 anos e podem observar-se em Foz Côa, Altamira, em Espanha e nas Grutas de Lascaux em França.5 Já o primeiro registo pictórico, de um espetáculo envolvendo um touro, remonta ao século XV a.C. em Cnossos na ilha de Creta. Como resultado o touro é, portanto, desde há milénios, figura central da cultura e da religião dos países do mediterrâneo. No caso da Península Ibérica, as primeiras formas de Tauromaquia surgiram de forma desordenada e praticada, aleatoriamente, por jovens rapazes, nas ruas e nos campos, como forma de divertimento e também de maneira a se exibirem. Foi nesta forma que os jogos taurinos mais se disseminaram e no século XV eram já prática enraizada em todos os povos do mediterrâneo. Estas primeiras formas de tauromaquia popular foram, provavelmente, a origem das atuais Largadas ou Garraiadas. No entanto, devido ao elevado número de feridos e mortos durante estes espetáculos, os reis começaram a limitá-los e o Papa Pio V, em 1567, decidiu que seriam excomungados todos aqueles que participassem nestes espetáculos. Estas proibições não foram acatadas pelas populações que continuaram a realizar as tauromaquias, agora com um caráter muito mais clandestino. Os espetáculos taurinos só voltaram a ser perfeitamente aceites em público quando a aristocracia passou a encarar a atividade como um divertimento e uma forma de treinar para a guerra. Os 4

“Atreve-te a saber”, mote Kantiano que marcou toda a época do Iluminismo

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As gravuras de Altamira e Lascaux datam de aproximadamente 15.000 anos atrás. 6

espetáculos com touros passaram assim do povo para a nobreza, que com outros meios e uma grande influência sobre o monarca, começou a exigir a construção de recintos destinados ao espetáculo tauromáquico. A coroa acabou por ceder e desde então a destreza na hora de matar o touro passou a ser uma qualidade imperativa nos homens de elevado estatuto social. Nestes espetáculos o povo estava interdito de participar, limitando-se a sua participação a ações esporádicas e meramente utilitárias que tinham o propósito de auxiliar ou proteger os nobres que ali se exibiam. Estes “moços”6 são a origem dos Forcados. Aqui chegados, a Tauromaquia começou a ter verdadeira aceitação por parte de todas as classes sociais. Tornou-se heterogénea e ganhou a dimensão social que ainda hoje tem. Os nobres continuaram a exibir-se e o povo, que antes era meramente espetador, começou também a participar e a mostrar a sua destreza. Começaram também a multiplicar-se as Praças e as Corridas de Toiros e nasceram também as primeiras Escolas de Toureio e os primeiros Toureiros profissionais. Foram então criadas regras e técnicas para a prática do toureio que começou a ser estudado com grande profundidade. É graças a esta técnica e ao profissionalismo, aliados ao alto sentido de espetáculo que a Tauromaquia adquiriu, que aos pouco levaram a que fosse criado um conjunto de regras e códigos de conduta, valores éticos e estéticos, e que convergiram, no século XIX, na Tauromaquia moderna e no espetáculo que hoje se denomina Corrida de Toiros. Em conclusão, a Corrida de Touros é um espetáculo moderno porque, apesar das origens remotas, não tem mais de dois séculos. Moderno porque exalta a natureza racional do homem. Moderno porque justamente numa época que perdeu, aos poucos, o significado dos ritos, da morte, da natureza e da animalidade, a Corrida de Toiros é o local escolhido por muitas pessoas para aí poderem encontrar, ao mesmo tempo, a imagem, a realidade e o simbolismo.

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“Moços” – nome dado aos rapazes do povo que auxiliavam e protegiam os nobres que se exibiam no espetáculo. Tinham também como função impedir que o touro saísse da arena ou atacasse o rei. 7

A Secção de Municípios com Atividade Taurina da ANMP Municípios Integrantes A Secção de Municípios com Atividade Taurina (SMAT) foi constituída em Setembro de 2001 no âmbito da Associação Nacional de Municípios Portugueses e integra 41 municípios. Os municípios com atividade taurina pertencentes a esta secção são os seguintes: 1. Alandroal; 2. Alcácer do Sal; 3. Alcochete; 4. Almeirim; 5. Alter do Chão; 6. Angra do Heroísmo; 7. Arruda dos Vinhos; 8. Azambuja; 9. Barrancos; 10. Beja; 11. Benavente; 12. Calheta (Açores); 13. Cartaxo; 14. Coruche; 15. Cuba; 16. Fronteira; 17. Golegã; 18. Lagoa (Algarve); 19. Lisboa; 20. Moita; 21. Montijo; 22. Moura; 23. Pombal; 24. Portalegre; 25. Póvoa do Varzim; 26. Praia da Vitória; 8

27. Redondo; 28. Reguengos de Monsaraz; 29. Sabugal; 30. Salvaterra de Magos; 31. Santa Cruz da Graciosa; 32. Santarém; 33. Setúbal; 34. Sobral de Monte Agraço; 35. Sousel; 36. Tomar; 37. Velas; 38. Viana do Alentejo; 39. Vila Franca de Xira; 40. Vila Nova da Barquinha; 41. Vila Nova de Poiares.

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A Secção de Municípios com Atividade Taurina da ANMP Municípios com tauromaquia declarada Património Cultural e Imaterial de Interesse Municipal Dentro desta secção (SMAT) e de entre os suprarreferidos municípios com atividade taurina, existe ainda um grupo de municípios que declararam a tauromaquia como Património Cultural e Imaterial de Interesse Municipal. São eles: 1. Vila Franca de Xira; 2. Sabugal; 3. Barrancos; 4. Pombal; 5. Alter do Chão; 6. Monforte; 7. Fronteira; 8. Alcochete. A principal razão apresentada para a classificação da Tauromaquia como Património Cultural e Imaterial de Interesse Municipal é a seguinte: “a Tauromaquia, nas suas mais diversas manifestações, engloba um conjunto de tradições e expressões orais, de artes do espetáculo, de práticas sociais, rituais e eventos festivos, de conhecimentos e práticas relacionadas com a natureza e de aptidões ligadas ao artesanato tradicional”.

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A Candidatura a Património Cultural e Imaterial da UNESCO Os mesmos municípios que classificaram a atividade taurina como bem de interesse municipal querem agora que a mesma seja considerada Património Cultural e Imaterial da UNESCO. Em 2012 apresentaram a candidatura a Património Mundial da UNESCO baseando-se nos seguintes pontos: A Tauromaquia é, indiscutivelmente e nas suas diversas manifestações, parte integrante do património da cultura imaterial portuguesa, remontando as suas origens bem para lá das origens da portugalidade. Em particular, a Tauromaquia assume, nos municípios uma muito relevante importância cultural, social e económica. É inegável que as tauromaquias populares e de praça fazem parte dos costumes das gentes, sendo que as Festas, das quais é indissociável o Toiro de Lide e tudo o que o rodeia constituem a maior manifestação de comunidade e dos laços interpessoais e geracionais que a constituem, contribuindo assim para a criação e para a manutenção de um elemento vivificador comum. Ademais, a Tauromaquia gera, para o Município e para os Munícipes importantes benefícios económicos, traduzidos num forte e intenso intercâmbio comercial que dinamiza toda a região. Finalmente, e não menos importante, a Tauromaquia, em particular a criação do Toiro de Lide e do Cavalo Lusitano, contribuem para um desenvolvimento ambiental sustentável, resguardando relevantes áreas naturais da expansão urbana e da agricultura intensiva, permitindo assim que nesses espaços se desenvolvam também, e de forma protegida, inúmeras espécies de fauna e flora. Deste modo, o ecossistema do Toiro e do Cavalo constitui assim um exemplo a seguir e um dos últimos redutos onde o interesse do Homem é consonante com o interesse ambiental. Para tal apoiam-se na Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, aprovada em 2003 pela UNESCO e ratificada pela República Portuguesa em 2008, cujo objetivo é salvaguardar o património cultural imaterial e fomentar o respeito pelo património cultural imaterial das comunidades, dos grupos e dos indivíduos.

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Esta Convenção reconhece que as comunidades, os grupos e os indivíduos desempenham um papel importante na produção, salvaguarda, manutenção e recriação do património cultural imaterial, contribuindo, desse modo, para o enriquecimento da diversidade cultural e da criatividade humana. E ainda no Artigo 78º da Constituição da República Portuguesa. Incumbe ao Estado promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum. Com efeito, é tarefa mas também dever do poder central e local reconhecer, salvaguardar e valorizar as diferentes expressões culturais existentes por todo o País, não se confundindo tal tarefa ou dever com a criação, por parte do Estado de novas ou diferentes manifestações culturais, nem com imposições de umas em detrimento de outras.

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Conclusão A Tauromaquia tem em Portugal um papel de destaque, principalmente nos municípios do interior do país. Em particular no centro-sul. A candidatura da Tauromaquia a património cultural e imaterial da Unesco engloba um conjunto de práticas e saberes que vão muito além da Corrida de Toiros e que se encontram profundamente enraizados na cultura da Península Ibérica. A Tauromaquia e a sua principal expressão, a Corrida de Toiros, não são, portanto, tradições bárbaras, são expressões artísticas, plenas de rituais e simbologia, sendo um dos poucos lugares em que se pode observar a ligação do homem com a natureza, e a forma como o Homem através da razão, cria arte. Sendo o touro bravo o principal elemento da tauromaquia e tendo em conta que este apenas existe para as lides e para as Corridas de Touros, sem as mesmas o touro bravo já não existiria. É por isso importante a sua preservação, passando como tal, pela preservação do espetáculo tauromáquico. Tendo em conta que este é um assunto controverso e não querendo entrar nos confrontos pró/anti-tourada, considero que a classificação da Tauromaquia como Património Cultural e Imaterial da UNESCO é uma mais-valia, não só para a cultura e tradição do país, mas também para a preservação do Touro bravo e dos costumes a ele associados. E ainda para a conservação de milhares de postos de trabalho ligados à atividade taurina. A proibição do espetáculo tauromáquico implicaria a perda de toda uma cultura e tradições, a extinção de uma espécie animal e consequente perda de um ecossistema que hoje só existe e se mantém graças ao touro bravo. É importante também referir que a não conservação do espetáculo tauromáquico leva a grandes perdas sociais e económicas nos municípios em que é uma das principais expressões culturais e que portanto atrai milhares de visitantes. Assim a não preservação do espetáculo tauromáquico seria sinónimo de perdas inestimáveis para o país aos mais diversos níveis, tornando-se necessário pensar a questão no seu todo e não apenas na Corrida de Touros.

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Fontes http://www.tvi24.iol.pt/sociedade/tauromaquia/declaram-as-touradas-patrimoniocultural - Consultado pela última vez em 03-Janeiro-2015 às 21h35 http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=2615521 Consultado pela última vez em 03-Janeiro-2015 às 21h37

Legislação Decreto-Lei no 62/91, de 21 de Novembro – Regulamento Taurino em vigor

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Bibliografia PRÓTOIRO, Federação Portuguesadas Associações Taurinas, Resposta à Petição nº 2/XII/1ª, Assembleia da República, Comissão de Ciência, Educação e Cultura, Lisboa, 2011

Webgrafia http://pt.wikipedia.org/wiki/Tourada - Consultado pela última vez em 03-Janeiro-2015 às 21h47 http://martaanabela.tripod.com – Consultado pela última vez em 03-Janeiro-2015 às 21h52 http://movprotourada.no.sapo.pt/ - Consultado pela última vez em 03-Janeiro-2014 às 21h54 http://movimentoprotourada.jimdo.com/ - Consultado pela última vez em 03-Janeiro2014 às 21h55

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