Estudo Comparativo do Nível de Estresse do Setor Administrativo e do Setor de Produção

June 16, 2017 | Autor: Márcio Marçal | Categoria: Ergonomics, Stress
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III FISIOTRAB Congresso Brasileiro de Fisioterapia do Trabalho Curitiba, Paraná – Brasil 29 e 30 de junho de 2006

TRABALHO GANHADOR DO PRÊMIO 3º FISIOTRAB ESTUDO COMPARATIVO DO NÍVEL DE ESTRESSE DO SETOR ADMINISTRATIVO E DO SETOR DE PRODUÇÃO DE UMA EMPRESA BENEFICIADORA DE CABOS DE AÇO

MARÇAL, M A; SOARES, B B F N; CALIXTO, C H C; MASSOTE, R A CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE (UNI-BH), BELO HORIZONTE, MG

Estresse pode ser definido como um conjunto de reações e modificações do organismo de caráter adaptativo químico e fisiológico com o objetivo de manter a homeostase (1). Segundo a Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes, no Brasil, o estresse é a segunda causa de afastamento do trabalho (2). O estresse é uma reação adaptativa do organismo humano ao mundo em constante mudança. Todavia, quando suas causas se prolongam e os meios de enfrentamento são escassos, o estresse pode avançar para a fase de maior gravidade, quando o corpo se torna vulnerável a diversas doenças. O estresse ocupacional pode ser gerado por sentimentos de incapacidade; conteúdo de trabalho, que consiste principalmente no cumprimento de prazos e metas

pelo

trabalhador;

condições

precárias

de

trabalho;

fatores

organizacionais, como falta de diálogo entre supervisores e subordinados; e pressões

econômico-sociais

provenientes

das

exigências

da

sociedade

consumista (3). Carayon e col. relataram ainda que o estresse ocupacional está diretamente relacionado a fatores ligados à organização do trabalho como, pressão por produtividade, retaliação, falta de controle sobre a tarefa, relação abusiva entre empregador e empregado e ciclos de trabalho descanso

incoerentes com o limite biológico (4). Quando o trabalhador apresenta um estilo de enfretamento deficitário, pode estar fazendo uso de estratégias inapropriadas para o contexto – como se comunicar agressivamente em um ambiente de trabalho formal e hierarquizado – ou estratégias pouco variadas, como trabalhar em ritmo acelerado constantemente e sem aceitar ajuda ou ainda estratégias com efeitos colaterais, como o alcoolismo. Tais maneiras de enfrentamento podem facilitar para que o estresse no trabalho produza alterações fisiológicas, como imunossupressão e alterações na pressão arterial (5), além de distúrbios emocionais, ansiedade, depressão levando a redução do desempenho e produtividade, assim como o aumento do índice de acidentes de trabalho, ou seja, quanto maior for a demanda e menor for o controle, maior será a ocorrência de estresse e maior será o prejuízo para a saúde do trabalhador (6). O objetivo do nosso trabalho foi, através de questionários específicos, avaliar e comparar o nível de estresse entre os trabalhadores do setor de produção e do setor de administração em uma empresa de confecção de laços de cabo de aço e acessórios para manuseio de carga. Tendo em vista que ruído intenso, trabalhos repetitivos, manuseios de carga e posturas inadequadas, entre outros, são fatores causais de estresse, nossa hipótese foi de que os indivíduos do setor de produção deveriam ser mais estressados que o setor da administração.

População do estudo O estudo foi realizado em uma empresa de confecção de laços em cabos de aço e acessórios para manuseio de carga da cidade de Belo Horizonte Participaram do estudo 25 trabalhadores, sendo que, 13 pertenciam ao setor da administração (grupo administração) e 12 pertenciam ao setor de produção (grupo produção). Apenas 28% destes trabalhadores eram mulheres sendo que nenhuma delas trabalhava na produção. A idade dos trabalhadores variou de 20 a 60 anos

Materiais e métodos Através de três questionários existentes na literatura (personalidade, estresse e dor), avaliou-se o nível de estresse de 25 trabalhadores de uma empresa de cabos de aço. Todos os indivíduos foram informados dos objetivos do estudo e concordaram

em

participar

do

projeto.

Cada

trabalhador

recebeu

individualmente, orientações de preenchimento dos três questionários. Os questionários aplicados foram: o questionário nórdico padrão (8), questionário Glazer (9) e o questionário de estresse (10). Os questionários foram aplicados no horário de almoço a fim de se evitar paralisações na empresa. No mesmo dia em que os questionários foram aplicados, os pesquisadores realizaram um check list no ambiente de trabalho tendo sido observado o nível de ruído, luminosidade, acomodações e carga horária. Vale ressaltar que os setores de produção e administração da empresa ficam em galpões separados por uma avenida e distam um do outro aproximadamente 200 metros. Após o preenchimento dos questionários, foram feitas comparações do nível de dor, do nível de estresse e do tipo de personalidade entre os trabalhadores do grupo produção e do grupo administração.

Estatística Foi utilizado o teste estatístico de Mean Whitney com p < 0,05

Resultados Durante a visita foram observados os seguintes itens tanto no setor produção quanto no setor administração que foram: ruído, luminosidade, acomodações e carga horária. O nível de ruído no setor produção é bem maior do que no setor administração, haja vista às máquinas que ali trabalham. Existe ruído no setor administração, porém este ruído é proveniente das vias de tráfego e não chega a incomodar os trabalhadores. A luminosidade em ambos os ambientes foi considerada como muito boa, pois além da luz natural, a luz artificial fica acesa

praticamente o dia todo. A carga horária de todos os trabalhadores da empresa é a mesma. De 8:00hs às 18:00hs com intervalo para almoço com 2 horas de duração. Os indivíduos do setor produção trabalham em pé, porém existe uma grande rotatividade nas funções exercidas, enquanto os trabalhadores do setor administração trabalham assentados, mas sem grande rotatividade. Com base nos resultados encontrados após a aplicação do questionário de estresse, foi visto que dos 12 trabalhadores do grupo produção, 5 não apresentaram estresse e 7 apresentaram estresse moderado; e dos 13 trabalhadores do grupo administração, 4 não apresentaram estresse, 8 apresentaram estresse moderado e 1 apresentou estresse intenso, sendo que do total de trabalhadores pesquisados (25), 36% não apresentaram estresse e 64% apresentaram algum grau de estresse. Houve diferença significante entre os grupos administração e produção ao se analisar o questionário de estresse onde foi encontrado um p = 0,0066. Com relação ao questionário Glazer de personalidade, dos 12 trabalhadores do grupo produção, 1 foi classificado como A1, 1 foi classificado como A2, 6 foram classificados como AB e 4 trabalhadores foram classificados como B2; e dos 13 trabalhadores do grupo administração, 2 foram classificados como A1, 7 foram classificados como A2, 3 foram classificação como AB e apenas 1 trabalhador foi classificado como B2 (gráfico 1). Com relação ao questionário de dor, dos 25 trabalhadores pesquisados, foram encontrados que 7 trabalhadores do grupo administração e 6 do grupo produção apresentaram dor no pescoço e nas costas, sendo que destes, 1 trabalhador do grupo administração e 5 do grupo produção foram impedidos temporariamente exercer suas atividades devido a essas dores; 6 trabalhadores do grupo administração e 3 do grupo produção apresentaram dor nos ombros, sendo que 1 trabalhador do grupo administração foi temporariamente impedido de exercer suas atividades devido à dores; 2 indivíduos do grupo administração e 4 do grupo produção apresentaram dor em punhos e mãos, sendo que 2 trabalhadores do grupo produção foram impedidos temporariamente de exercer suas atividades devido a essas dores; 3 trabalhadores do grupo administração e 4 do grupo produção apresentaram dor em MMII, sendo que 1 trabalhador de

cada grupo foi impedido temporariamente de exercer suas atividades devido às dores. Apenas 2 trabalhadores do grupo administração e 1 do grupo produção não apresentaram dores.

Gráfico 1

Gráfico 2

Discussão Neste estudo foi observado que tanto o grupo produção quanto o grupo administração apresentaram um perfil comportamental que indica ou sugere uma probabilidade considerável de estresse ocupacional no decorrer de suas vidas, porém, o grupo administração apresentou níveis significativamente maiores que o grupo produção (P=0,0066) no nível A2 e o grupo produção apresentou nível significativamente maior em comparação com o grupo administração no nível B2 Durante a análise dos questionários, foi percebido que alguns itens tiveram certa relevância, o que sugere a diferença de personalidade. No grupo administração, os itens mais marcados foram: ter que acabar as coisas que começa; competição entre colegas, sempre com pressa, guardar para si os sentimentos, dores na parte inferior das costas e dores no pescoço; e os itens menos marcados pelos trabalhadores do grupo administração foram: dores na parte inferior das costas, dores de cabeça e irritabilidade. Com relação os indivíduos do grupo produção, os itens mais marcados foram: ter que acabar as coisas que começa; grande número de interesses e dores de cabeça; e os itens menos marcados foram: interromper os outros; fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, nervosismo e irritabilidade. Os funcionários do setor administrativo, trabalhavam sob grande pressão pois, existiam metas a serem cumpridas em um curto espaço de tempo e o comportamento da chefia era pouco encorajadora, além de extremamente crítico e exigente, o que levou a uma grande competição inter-pessoal, como assinalado no questionário (ter que acabar as coisas que começa, competição entre colegas, etc...). Glina e col em um trabalho com 109 indivíduos operadores de telemarketing acharam dados semelhantes em relação aos fatores causais de estresse (5). O fato de o setor de administração (onde se encontra a chefia) ser separado do setor de produção pode ter contribuído para que o nível de perfil comportamental relacionado ao estresse do grupo administração estivesse em um nível bem maior que o do grupo produção. Fatores como ambiente ruidoso, manuseio de carga e repetitividade de tarefas,

existentes no setor de produção, parece não ter influência no nível de estresse dos trabalhadores do grupo produção, o que contrariou nossas expectativas. A personalidade dos trabalhadores do grupo administração sugere que esses

indivíduos

tem

tendência

a

levar

uma

vida

mais

estressada,

diferentemente dos trabalhadores do grupo produção, que tem tendência a levar uma vida bem menos estressada. Ambos os grupos apresentaram dores no último ano, porém os indivíduos que se ausentaram do trabalho devido a dor foi muito maior no grupo produção, 7 ausências contra apenas 2 do grupo administração. Isto sugere que os indivíduos do grupo administração têm que trabalhar sentindo dores devido a grande competição inter-pessoal

causada pelo fato de a chefia

exercer grande pressão sobre estes indivíduos. Apesar de os trabalhadores do grupo produção relatarem alto nível de dor com grande ausência no trabalho, isto parece não ter sido suficiente para determinar o estresse nestes indivíduos. Existem trabalhos na literatura que relatam sintomas físicos e emocionais como fatores causais de estresse bastante semelhantes a este artigo, como por exemplo, no trabalho produzido por Miyamoto e col (1). Estes trabalhos, porém relatam somente o estresse em ambiente administrativo ou em escritório. No entanto, trabalhos que relatam o estresse no ambiente de linha de montagem comparados com o estresse no setor administrativo são um tanto quanto escassos.

Conclusão Este estudo concluiu que tanto os trabalhadores do setor de produção quanto os trabalhadores do setor administrativo apresentaram um perfil comportamental indicativo de estresse, porém as probabilidades dos indivíduos levarem uma vida estressada são maiores no setor administrativo. As comparações feitas nesse estudo indicam que isso se dá devido à grande pressão imposta aos trabalhadores do setor administrativo pela chefia. Como por exemplo o cumprimento de grandes metas em um curto espaço de tempo, além da alta competitividade inter-pessoal existente no setor.

O

estudo

indica

também

que

parte

do

estresse

adquirido

pelos

trabalhadores da produção deve-se ao reflexo das exigências impostas pelo setor administrativo, pois existe uma pressão para que os produtos sejam confeccionados e entregues na data combinada. Este estudo concluiu ainda que apesar dos níveis de dores ocupacionais serem semelhantes em ambos os grupos, houve um maior nível de estresse nos trabalhadores do setor administrativo com relação ao setor de produção, demonstrando que as dores ocupacionais não são as principais causas de estresse em uma empresa de confecção de laços em cabos de aço.

Referências: 1. Miyamoto, S. Fisioterapia preventiva atuando na ergonomia e no stress do trabalho. Fisioter Univer São Paulo Vol 6 n1 p83-91, 1999;

2. Associação Brasileira para prevenção de Acidentes (2000). Revista da Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes, 35, 210 3. Lida, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: E Blücher, c1990. 465 p. 4. Carayon P, Smith MJ, Haims MC. Work organization, job stress, and workrelated musculoskeletal disorders. Hum Factors, Dec 1, 1999; 41(4): 644-63

5. Lipp, MEN. Estresse: conceitos básicos. Pesquisa sobre estresse no Brasil. Saúde, ocupações e grupos de risco (p 17-31) . 1996 6. Cahil J Psychosocial aspects of interventions in occupational safety and health Am J Ind Med, April 1, 1996; 29(4): 308-13. 7. Glina,D. Fatores de estresse no trabalho de operadores de centrais de atendimento telefônico de um banco em São Paulo. Ver Bras Med Trab, Belo Horizonte, vol1, n1, p 31-39, 2003; 8. Pinheiro AF, Tróccoli BT, Carvalho,CV. Validação do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares como medida de morbidade. Revista de Saúde Pública, 36 (3) 2002 9. Rio RP. O Fascínio do Stress. Belo Horizonte, Livraria Del Rey Editora 1995 10. Paschoal T, Tamayo A. Validação da escala de estresse no trabalho. Estudos de Psicologia, 9 (1) 2004

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