ESTUDO DO EFEITO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NO MUNICÍPIO DE SINTRA - PROJECTO SIAM

June 13, 2017 | Autor: Filipe Duarte Santos | Categoria: Climate Change Adaptation, Biodiversity, Permaculture
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ESTUDO DO EFEITO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NO MUNICÍPIO DE SINTRA – PROJECTO SIAM Márcia Santosa), Alexandra Correiaa), David Avelarb), João Santos Pereiraa), Filipe Duarte Santosb) a)

Instituto Superior de Agronomia - Universidade Técnica de Lisboa b) Faculdade de Ciências – Universidade de Lisboa

Sumário Localizada fundamentalmente no Parque Natural Sintra-Cascais, a floresta do concelho de Sintra apresenta um sério problema de plantas invasoras, as quais limitam a regeneração de vegetação natural e constituem mantos extensos altamente susceptíveis aos incêndios. Este trabalho procura apresentar os resultados preliminares de um estudo sobre impactes das alterações climáticas na floresta do concelho de Sintra. O aumento da frequência de ondas de calor e como tal, do risco de incêndio poderá ser um dos cenários. Em consequência, a vegetação natural poderá desaparecer gradualmente sendo substituída por plantas invasoras de reduzida diversidade biológica. O estudo de cronosequências pós fogo permitiu estudar a evolução da vegetação em diversos estágios da sucessão, averiguando o efeito da recorrência do fogo na capacidade de regeneração da vegetação. O reduzido número de parcelas inventariadas conduziu-nos a avançar apenas conclusões preliminares que sugerem existir apenas uma tendência na maior diversidade biológica vegetal de estágios da sucessão mais avançados e que aparentemente espécies pioneiras e de crescimento rápido impedem o restabelecimento de outros tipos de vegetação, num curto espaço de tempo. Em qualquer estágio da sucessão parece verificar-se uma elevada carga de combustível e como tal, elevado risco de incêndio. O aumento da área ocupada por invasoras tende a relacionar-se com a área ardida e com a recorrência de incêndios. Existe uma tendência entre a sazonal ocorrência de incêndios e factores climáticos, observando-se uma correlação face a fenómenos climatológicos extremos, nomeadamente as ondas de calor. Aparentemente o microclima existente na serra de Sintra poderá ser a resposta para a redução da combustibilidade na encosta norte da serra. Palavras chave: Alterações climáticas, Serra de Sintra, Fogo, Invasoras

ENQUADRAMENTO A floresta do concelho de Sintra ocupa uma área com cerca de 11953 ha, localizada fundamentalmente no Parque Natural Sintra-Cascais. O problema das invasoras (principalmente espécies do género Acacia sp., Hakea sp. e Pittosporum sp.) é particularmente sério nestas áreas naturais onde, em alguns casos, impedem a regeneração da vegetação natural dominando a paisagem sob a forma de mantos extensos altamente susceptíveis aos incêndios. Neste trabalho apresentam-se os resultados preliminares de um estudo sobre impactes das alterações climáticas na floresta do concelho de Sintra (Protocolo entre o Município de Sintra, a Fundação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e o Instituto de Ciência Aplicada e Tecnologia da Faculdade de Ciências de Lisboa). Um dos possíveis cenários de alteração climática é o aumento da frequência de ondas de calor com um risco exacerbado de incêndio. Tendo em conta as características actuais da serra de Sintra, esta alteração poderá levar ao desaparecimento gradual da vegetação frondosa da serra, com expansão gradual de comunidades dominadas por plantas invasoras de reduzida diversidade biológica. Através da construção de cronosequências após fogo em várias zonas da serra afectadas por incêndios florestais desde 1975, identificaram-se e inventariaram-se os tipos de comunidades vegetais aí existentes em termos de riqueza específica, biomassa acumulada e percentagem de coberto. O objectivo foi estudar a evolução da vegetação em diversos estágios da sucessão ecológica e averiguar o efeito da recorrência do fogo sobre a capacidade de regeneração da vegetação natural e o aparecimento de espécies invasoras. METODOLOGIA Em gabinete cruzou-se a informação sobre ocupações de uso do solo do município (Plano Verde de Sintra – Câmara Municipal de Sintra) com as áreas ardidas no município desde 1975 a 2005 (Laboratório de Detecção Remota e Análise Geográfica – Instituto Superior de Agronomia) recorrendo a um sistema de informação geográfica (Arcview GIS 3.2a). O objectivo foi construir cronosequências de fogo de modo a identificar: a) Vários estágios da sucessão ecológica, escolhendo áreas homogéneas do ponto de vista da exposição, declive, tipo de solos e ardidas uma única vez em intervalos regulares, desde o fogo mais recente ao mais antigo;

b) Áreas ardidas mais do que uma vez de modo a estudar o efeito da recorrência sobre a vegetação (apenas encontrámos locais onde ocorreram no máximo dois incêndios) . Após a definição de quais as áreas possíveis para o estudo em SIG, identificou-se e marcou-se no terreno com GPS o centro do que seriam as parcelas de inventário. As medições efectuadas em cada parcela (de 500m2) compreenderam a quantificação da biomassa de combustível através da inventariação da vegetação arbustiva (identificação das espécies e medição de fitovolume), arbórea (identificação de espécies e medição de altura e diâmetro) assim como uma estimativa da percentagem de coberto ocupada por cada um dos tipos de formações (arbóreas/arbustivas) e por espécie (naturais/invasoras). As parcelas marcadas localizam-se maioritariamente na encosta sul da serra de Sintra, tendo em consideração que as características dos locais onde se inserem devem apresentar características semelhantes (vegetação arbórea, limites dos incêndios bem definidos e presença de invasoras de porte arbóreo). Marcaram-se inclusive pontos a Norte, Nordeste e Sudeste da serra de Sintra contudo não foram considerados pois eram pouco representativos, com vegetação rasteira e sem interesse a nível florestal bem como afectos à elevada pressão antropogénica. Efectuaram-se várias correlações estatísticas entre clima (nomeadamente temperaturas médias e precipitação) e área ardida, recorrência de incêndios e características da vegetação encontrada. RESULTADOS Impacte do fogo na sucessão ecológica e na ocupação por espécies invasoras A análise e tratamento dos dados permitiu dividir a vegetação em três estágios da sucessão ecológica. O Primeiro estágio inclui fogos ocorridos de 1996 a 2005 e portanto mais recentes, o estágio Intermédio inclui fogos ocorridos de 1987 a 1995 e o estágio Avançado inclui fogos ocorridos de 1975 a 1986 (Quadro 1). Quadro 1: Caracterização resumo dos estágios de sucessão estudados.

Estágio da sucessão

Primeiro

Intermédio

Avançado

Ano do fogo

1996 - 2005 Arbustivas: 18.5 Arbóreas: 2.7

1987 - 1995 Arbustivas: 64.4 Arbóreas: 53.6

Arbustiva dominada por acácias

Vegetação arbustiva maioritariamente dominada por quercíneas

< 1986 Arbustivas: 87.8 Arbóreas: 57.1 Vegetação com estrato arbóreo e arbustivo com espécies naturais e com elevada diversidade

Biomassa (tms/ha) Ocupação e riqueza específica:

A acumulação de biomassa é inferior nos primeiros estágios de sucessão, isto é nas áreas ardidas há menos tempo e maior nos estágios avançados pelo desenvolvimento de vegetação de porte arbóreo. Os valores mais elevados de produtividade primária líquida1 foram observados nas parcelas ardidas recentemente (Figura 1) e dominadas por espécies invasoras. As vantagens competitivas deste grupo de vegetação, isto é, pioneiras e de crescimento rápido, levam a que patamares de elevada acumulação de biomassa sejam atingidos em poucos anos, representando por um lado, um risco exacerbado de incêndio e por outro, impedindo que outro tipo de vegetação consiga restabelecer-se.

1

Produtividade primária líquida PPL (tms/ha/ano) = crescimento + perdas pela queda de folhada. Nesta situação a PPL foi calculada pelo quociente entre a biomassa total existente no ano x (tms/ha) e o número de anos decorridos desde o último fogo (ano). A biomassa resultante da mortalidade natural não foi contabilizada. Factor de expansão de 0.5 para as raízes.

3.5

t ms/ha/ano

70%

40% 40%

3.0 2.5

75%

Figura 1 – Relação entre número de anos decorridos desde o último fogo e PPL (tms/ha/ano). Valores junto aos símbolos representam a percentagem de cobertura da parcela em espécies invasoras de porte arbustivo e arbóreo.

2.0 1.5 R2ajust=0.40 f=y0+a*x y0=2.92 a=-0.07

1.0 0.5 0.0

0

10

20

30

40

Número de anos decorridos desde o último fogo Parece haver uma tendência, embora não significativa, para o aumento da área ocupada por invasoras em áreas ardidas recentemente. Duas hipóteses poderão explicar este facto: 1) áreas ardidas recentemente são mais susceptíveis, porque a área de espécies invasoras na serra tem vindo a aumentar nas últimas décadas, facilitando a disseminação de propágulos e sementes; 2) a recorrência de incêndios, isto é, o número de vezes que uma dada área é percorrida por um fogo num dado espaço de tempo, impede o restabelecimento de outro tipo de vegetação com menos vantagens competitivas (HOLMES & COWLING, 1997). De acordo com a figura 2, parece existir uma tendência para o aumento da percentagem de área da parcela coberta por espécies invasoras com a recorrência de incêndios, sustentando a segunda hipótese. Na realidade, embora não tendo sido possível comprová-lo até à data, é provável que ocorra uma conjugação das duas hipóteses levantadas anteriormente.

% area coberta por vegetação invasora

100

Figura 2 – Relação entre a percentagem de área coberta por vegetação invasora e a recorrência de incêndios. Nas caixas estão representados o percentil 25 e 75. Linhas no interior da caixa representam a mediana (normal) e a média (a negrito). Na linha de erros estão representados os percentis 10 e 90 quando o número de observações permitiu o seu cálculo. Utilizando um teste de comparação múltipla (Student-Newman-Keuls Method), as médias não foram significativos (P=0.095) entre a classes 0 e 1.

80 60 40 20 0

0

1

2

Recorrência Relação entre clima e área ardida Tal como acontece no resto do país, existe uma marcada sazonalidade da época de incêndios na serra de Sintra. A informação recolhida (dados de registos diários dos incêndios ocorridos no município – Autoridade Florestal Nacional, 2008) revela que o maior número de ignições e a maior extensão de área ardida ocorre nos meses de Verão, de Junho a Outubro, estando directamente relacionado com as condições climáticas nesses meses, daí a relação inversa com o índice de secura pp/2T e com a elevada disponibilidade de combustível fino que se encontra no auge da estação de crescimento. É de salientar ainda um ligeiro pico quer de número de ignições, quer de área ardida, no mês de Março, que pode ser explicado por: 1) maior afluência de pessoas à serra durante o período da Páscoa, o que constitui potenciais fontes de ignição; 2) redução da precipitação total neste período, já verificada em outras estações do país (MIRANDA et al., 2006), traduzindo-se numa maior secura da biomassa combustível e portanto, da sua inflamabilidade (ver figura 3).

140

8

80

4

60 2

40 20

0

0

Índice de secura (pp/2T)

6

100 e nº de ignições

Área ardida mensal (m2)

120

Figura 3 – Média mensal da área ardida (m2) (____), número de ignições (.....) e índice de secura pp/2T (_._._) de 1996 a 2003.

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Uma análise das anomalias da humidade relativa e das temperaturas máximas de Verão (de Junho a Setembro) (Figura 4) revelam uma tendência para o aumento da área ardida total anual com o aumento das temperaturas máximas registadas nos meses de Verão e o inverso com a humidade relativa, o que poderá ser um indicador da inflamabilidade da vegetação. Esta tendência foi observada em estudos anteriores (PEREIRA et al., 2002).

Anomalia da HR (%) em cima e da Tmax (em baixo) (ºC) dos meses de Verão (Julho a Setembro)

6

R2ajust=0.10 f=y0+a*x y0=1.16 a=-0.004

4 2 0

Figura 4 – Anomalia da área ardida total anual (m2) com a anomalia da temperaturas máximas nos meses de Verão (Julho a Setembro) (ºC) e da Humidade relativa do ar (%) nesses meses. Anomalias calculadas através dos valores observados em relação aos valores teóricos esperados a partir da recta da regressão linear. Correlação entre Área Ardida e anomalias da Tmax = 0.46 e com a HR = -0.38.

-2 -4 -6 -8 2 1 0

R2ajust=0.17 f=y0+a*x y0=0.30 a=0.0013

-1 -2 0

200

400

600

800

1000

Anomalia da área ardida (m2)

Porém, a ocorrência de incêndios está porventura mais correlacionado com fenómenos climatológicos extremos (por exemplo, ocorrência de ondas de calor) do que com valores mensais de temperatura e/ou precipitação. Por exemplo, numa análise da área total ardida nos anos entre 1996 e 2003, verificou-se que 80% da área total ardida num ano ocorre em média num período de 22 dias (min. 12; máx. 28) corroborando esta hipótese. Este fenómeno verifica-se aliás em análises à escala do país (TRIGO et al., 2006). Será necessário portanto uma análise diária mais detalhada da relação entre o número de ignições e outros parâmetros climáticos, como por exemplo os ventos, os nevoeiros e a precipitação oculta, dado a serra de Sintra se tratar de um local com um microclima muito particular. Note-se porém, que o clima ou as condições climatéricas não justificam por si só o número de ignições bem como a extensão da área ardida. Outros factores como a topografia, a

proximidade a fontes de ignição e a criminalidade, poderão estar na sua origem e deverão ser considerados numa análise futura. CONCLUSÕES As conclusões a reter da análise dos resultados obtidos são preliminares, dado o reduzido número de parcelas inventariadas, impossibilitando um tratamento estatístico mais detalhado. Podemos no entanto concluir que: 1) a diversidade biológica vegetal parece ser maior em estágios de sucessão mais avançados. 2) existe uma tendência para uma elevada carga de combustível em qualquer estágio da sucessão e portanto com elevado risco de incêndio (a acumulação de biomassa tende a ser inferior nos primeiros estágios da sucessão relativamente aos mais avançados devido à presença, nestes últimos, de vegetação de porte arbóreo). 3) num curto espaço de tempo, espécies pioneiras e de crescimento rápido aparentam impedir que outro tipo de vegetação se consiga restabelecer, proporcionando elevada acumulação de biomassa e como tal, um elevado risco de incêndio. 4) o aumento da área ocupada por invasoras parece estar relacionado com áreas ardidas recentemente e com a recorrência de incêndios. 5) a sazonalidade na ocorrência de incêndios apresenta apenas uma tendência quando associada às condições climatéricas, apesar de aparentemente correlacionada com fenómenos climatológicos extremos, como as ondas de calor. 6) o particular microclima da serra parece traduzir um efeito muito importante na redução da combustibilidade, principalmente na encosta norte da serra. Futuramente pretende-se efectuar análises mais exaustivas dos dados existentes, bem como de outras variáveis ou parâmetros, como o relacionar o número de ignições e a área ardida com ventos, nevoeiros e precipitação oculta bem como outros factores, nomeadamente a topografia e as fontes de ignição, e deste modo procurar obter conclusões mais concretas. Agradecimentos Os autores desejam agradecer à Câmara Municipal de Sintra pelas informações; à Fundação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, pelo apoio financeiro durante o projecto; ao Prof. José M.C. Pereira pela assistência; ao Projecto SIAM-Sintra 2008. Referências Bibliográficas HOLMES & COWLING. (1997) – The effects on invasion by Acacia saligna on the guild structure and regeneration capabilities of South African fynbos shrublands. Journal of Applied Ecology. 34(2), pp. 317-332 MIRANDA, P., A. VALENTE, A. TOMÉ, R. TRIGO, M.F. COELHO, A. AGUIAR and E. AZEVEDO. (2006) – O clima de Portugal nos séc. XX e XXI. In Alterações climáticas em Portugal - Cenários, Impactes e medidas de adaptação. Eds. F.D. Santos and P. Miranda. Gradiva, Lisboa, p. 505. PEREIRA, J.S., A.V. CORREIA, A.C. CORREIA, M. BRANCO, M. BUGALHO, M.C. CALDEIRA, S.C. CRUZ, H. FREITAS, Â.C. OLIVEIRA, P.J.M. C., R.M. REIS and M.J. VASCONCELOS. (2002) – Forest and Biodiversity. In Climate Change in Portugal, Impacts and Adaptation Measures - SIAM Project. Eds. F.D. Santos, K. Forbes and R. Moita. Gradiva, Lisboa, p. 454. TRIGO, R.M., J.M.C. PEREIRA, M.G. PEREIRA, B. MOTA, T.J. CALADO, C.C. DACAMARA, F.E. SANTO. (2006) – Atmospheric conditions associated with the exceptional fire season of 2003 in Portugal. International Journal of

Climatology. Vol.26, Issue 13, pp.1741-1757 http://www.afn.min-agricultura.pt/portal/prevencao-a-incendios-dfci/estatisticas

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