Estudo do Texto: De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio, de Gonzalo Armijos Palácios

July 6, 2017 | Autor: Ana Lucia Sorrentino | Categoria: Ensino de Filosofia, Prática de ensino de filosofia
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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Filosofia - Turma 4AFIN Disciplina: Didática Específica Prof. Tomás Mendonça da Silva Prado

Componentes do Grupo: Ana Lucia Sorrentino Henock José da Silva Mário Landim

Estudo do Texto: De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio de Gonzalo Armijos Palácios

São Paulo 2014

Introdução

Perto do término da graduação em filosofia, depois de três difíceis anos em que nos foram apresentados vários importantes filósofos e nos vimos constantemente desafiados a compreendê-los e a escrever sobre eles, nos percebemos amadurecidos para olhar de forma crítica - sem que isso represente qualquer ingratidão - para o próprio curso que nos ajudou a amadurecer. Vencidos três anos de graduação, já tivemos oportunidade de conviver, trocar ideias, textos e comentários com colegas da mesma área e pudemos observar comportamentos recorrentes. O aluno de filosofia, ao argumentar, quase sempre recorre a citações, como se aquilo que pensasse por si mesmo não tivesse legitimidade para ser levado em consideração. Pior do que isso, quando algum colega diz algo que ele julga brilhante, ele acredita que o colega está citando algum filósofo consagrado. E seus raciocínios perambulam entre um filósofo e outro, o que seria extremamente válido se isso culminasse em uma conclusão própria. Percebemos que, quase na maior parte das vezes, não é o que ocorre. É isso o que justifica nossa escolha pelo texto De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio, de Gonzalo Armijos Palácios, filósofo da atualidade, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e articulista do Jornal Opção. Palácios tem se empenhado em produzir textos filosóficos acessíveis ao leitor comum, fazendo, assim, um belo trabalho de desmistificação da filosofia. Além disso, é tema recorrente de seus textos a herança europeia que o Brasil abraçou sem reservas, a que ele se refere como a “peste do comentador”, uma espécie de “doença” acadêmica que faz com que estudantes de filosofia, em lugar de aprender a filosofar, aprendam apenas a comentar outros filósofos. Embora o texto de Palácios se refira mais especificamente ao ensino acadêmico, acreditamos que é preciso ter em mente que muitos de nós seremos professores do ensino médio e nossos alunos, caso optem pela filosofia, enfrentarão o mesmo problema. Se pudermos, desde o início, estimular neles a coragem de, através das reflexões provocadas por filósofos consagrados, chegar a conclusões próprias e se conseguirmos voltar seu olhar não apenas para os textos, mas para o mundo, acreditamos que estaremos dando um passo além no ensino de filosofia no Brasil.

A Traição aos Gregos

Gonzalo Armijos Palácios inicia De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio comparando a filosofia antiga à que se pratica hoje. Segundo ele, o caráter frutífero dos antigos filósofos se deve justamente ao rompimento com a tradição de sua época. Em contrapartida, os filósofos atuais os consideram insuperáveis e creem ser necessário filosofar a partir deles, chegando até mesmo a afirmar que não podemos filosofar senão sobre os problemas por eles colocados. Partindo da época medieval, a filosofia afastou-se do cotidiano, fechou-se para poucos e tornou-se incompreensível para o “comum dos mortais”. Assim, tal qual Heidegger, muitos outros filósofos atribuem a atual incapacidade de filosofar à superioridade da língua grega, o que Palácios refuta veementemente, alegando que, se assim fosse, o grego moderno, enriquecido por mais de dois mil anos de crescimento cultural, promoveria a prática da filosofia na Grécia atual, mas não é isso o que ocorre.

Para Palácios, é a nossa atitude perante as coisas que nos permite

filosofar, seja lá em que língua for. Perguntando-se sobre qual seria a atitude dos gregos que lhes possibilitava filosofar, Palácios reflete que, à medida que eles consideravam bárbaros todos os que não falassem a língua grega, se concebiam como o povo mais importante. Eles não se reportavam nostalgicamente a nenhuma história anterior a eles. Sua autoestima fazia com que se sentissem capazes de pensar por si mesmos. Ao contrário dos gregos, nós somos fruto de uma história mundial. Somos parte de um processo, fomos subjugados por outras culturas. Sentimos que os bárbaros somos nós. Como poderemos fazer filosofia se não nos sentirmos capazes de filosofar? Palácios entende que há filósofos modernos e contemporâneos que conseguiram e conseguem pensar por si mesmos, mas vê na academia o lugar onde os estudantes são forçados a admirar excessivamente a tradição e proibidos de afastar-se dela. À medida que os alunos se veem obrigados, por professores que se sentem incapazes de filosofar, a elaborar dissertações cujos títulos são variações da fórmula “O Conceito de xxx em yyy”, estimula-se neles um sentimento de inferioridade que impede o livre exercício do filosofar.

Para ele, os órgãos competentes deveriam proibir

trabalhos de filosofia que sigam tal fórmula e, no entanto, todas as bibliotecas universitárias estão lotadas com trabalhos dessa espécie. Isso é fazer história da filosofia ou “comentariologia”. Aqueles que se consideram “bons” em comentar textos alheios

acabam tornando-se especialistas e assim a filosofia esmorece. É isso o que Palácios considera uma traição aos gregos. E defende: “Se temos saudades dos gregos, façamos como eles, vamos direto ao assunto: filosofemos!” Nossa língua é suficientemente rica para nos permitir falar de assuntos atuais de nossa própria cultura. Comentar textos filosóficos não é filosofar, assim como criticar arte não é ser artista. O autor detecta que, se hoje não fazemos filosofia como na Grécia antiga, é porque entre o aprendiz de filosofia e seu problema filosófico próprio se interpõem intermináveis leituras secundárias de especialistas, de comentadores, de dissertações, de “atravessadores do pensamento”. Se o aluno de filosofia não filosofa é porque não lhe permitem filosofar. Transcrevemos, abaixo, por fidelidade à indignação de Palácios, um trecho de sua reflexão sobre a traição aos gregos: Não significa, portanto, que não possamos usar nossa língua para filosofar porque nossa língua não preste; é que os professores, as bancas examinadoras, os comitês que apoiam as publicações e as pesquisas filosóficas não deixam. Não permitem que seja feito o que os gregos faziam: usar sua língua para filosofar, sem ter de pedir autorização aos donos do saber, sem ter de fornecer bibliografias intermináveis que satisfaçam aos doutos ignorantes que ensinam mal o que não conseguem fazer bem. Assim, enquanto os especialistas, os não-filósofos, controlarem a produção e a difusão de ideias, aqui no Brasil, não existirá filosofia como existe música, arte e até ciência e tecnologia brasileiras. A tradição cartesiana – diz o colega Joel – nos tornou cegos. Eu acrescentaria: e, os especialistas, mudos.

Logos, Mente, Consciência

Palácios entende que Descartes introduziu o problema da dualidade corpo/alma e para resolvê-lo inventou o “método”, que seria como uma ponte para unir mundo e pensamento. Essa união entre mundo e pensamento passou a se fazer com dificuldade, de forma artificial, quando, na verdade, mundo e pensamento são uma só realidade. Esse era um problema que não incomodava os gregos, mas a filosofia moderna o abraçou. Para Palácios, o ser humano tem uma tendência natural para filosofar, uma curiosidade que surge desde muito cedo e o espírito humano é rico em intuições profundas, mas o meio o empobrece ou estimula. E para filosofar, basta que nos espantemos com algo e saiamos do nosso espanto filosofando. Em nossa própria língua.

Até porque não há língua melhor para falar dos problemas da nossa época e do nosso mundo do que a nossa própria língua. Ele acredita que a academia nos força a engolir um eurocentrismo. E exemplifica usando duas frases e pedindo ao leitor que esboce uma reação sobre elas: “Ninguém tratou a angústia como Jean Paul Sartre”

e “Ninguém tratou a saudade como João da Silva” Se o leitor estranhar a segunda e identificar “saudade” com bossanova é porque já está contaminado e, sendo brasileiro, não conseguirá ser filósofo, porque não é filósofo quem acha que não pode ser. Palácios desenvolve uma série de argumentos em defesa de sua tese de que não há língua privilegiada para filosofar nem tampouco assunto. E se irrita com a reverência aos gregos, que vê como merecedores de respeito, mas jamais infalíveis. E olha com desconfiança o fato de ninguém trazer à tona, na academia, os erros de filósofos que se consagraram.

O Começo do Filosofar

Gonzalo

entende

que

não

é

preciso

aprender

filosofia

cronologicamente para aprender a filosofar e diz que se formos esperar ler todos os filósofos para começarmos a filosofar, isso impedirá nosso trabalho filosófico. Sugere que nos perguntemos: eu quero saber ou quero fazer filosofia? A melhor forma de saber, afirma, é observando como se faz e fazendo. Lamenta o fato de muitos alunos abandonarem a filosofia por não se interessarem por aqueles problemas específicos abordados na academia. Se queremos filosofar, devemos argumentar, levantar hipóteses, dialogar com textos filosóficos sem temer questionar grandes filósofos. E não esquecer das perguntas que, na verdade, são o único método da filosofia:

- Concordo com isso? Sim? Não? Por quê?

Sugere que façamos 4 perguntas a nossos professores, quando eles entrarem no assunto “método de leitura”: - Está seguro que Platão fez fichamento? - Sabia Aristóteles o que era a hermenêutica? - Forneceu Kant referência bibliográficas quando escreveu a Crítica? - Fez Heidegger uma leitura estruturalista dos textos que leu?

Para filosofar é preciso ter espírito crítico, imaginação e poder argumentativo. Não é por termos lido que podemos ser filósofos, mas por estarmos habituados a pensar criticamente.

A escrita filosófica como código cifrado

Palácios diz sentir profunda estranheza quando percebe que há “leituras” diferentes de um mesmo autor. Acredita que o filósofo que escreve tenha desejado dizer uma coisa, não duas ou três. Quanto a isso, ele diz: “não devemos procurar cinco pés no gato. Devemos procurar a hipótese menos estapafúrdia.” E insiste: quem se limita a comentar não faz filosofia. Ele também rejeita a tese de que cada filosofia expresse a consciência histórica de sua época, porque em uma mesma época vários filósofos escrevem teses contrárias. Por fim, sustenta que nem é tanto a leitura que interessa, mas a escrita. Porque ela é o instrumento que ordena nossas ideias. É escrevendo que sistematizamos nosso pensamento, não lendo. Os textos devem ter uma estrutura argumentativa e a leitura deve ser subserviente à escrita, não o contrário. Enfim, faz-se filosofia descobrindo problemas, propondo soluções e discutindo-as. Nossos textos devem ser lidos e contestados. São como cartas das quais esperamos obter respostas.

Referência Bibliográfica: Palácios, Gonzalo Armijos. De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio. Editora UFG. 2004.

2014 São Paulo

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