Estudo exploratório de “marcas de corte” presentes em grandes pedras do Complexo Megalítico da Grota do Medo, Terceira, Açores, Portugal

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Estudo exploratório de “marcas de corte” presentes em grandes pedras do Complexo Megalítico da Grota do Medo, Terceira, Açores, Portugal

Ribeiro, G.1, Lemos, J.1, Cabral, L.1 & Rodrigues A.F.1 1- Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores.

Resumo Este trabalho resulta da exploração da hipótese de que as designadas, em arqueologia, “marcas de corte”, que aparecem em pedreiras antigas, povoados antigos ou na proximidade de construções megalíticas, e também presentes em grandes rochas do Complexo Megalítico da Grota do Medo, no Posto Santo, Ilha Terceira, Açores, Portugal, não tinham como finalidade única “partir pedra” ou aparelhar pedra para algum tipo de construção. Esta hipótese opõe-se àquela que as tenta explicar como servindo para partir a pedra para qualquer tipo de construção. A hipótese de estudo centrou-se exclusivamente no estudo da possibilidade das marcas em análise poderem constituir um sistema numérico. Dada a impossibilidade de registar todas as marcas de corte existentes numa área de 25 ha, que de acordo com Rodrigues (2013) corresponde à área do Complexo Megalítico da Grota do Medo, exploraram-se apenas as rochas presentes numa pequena área, junto à entrada da Mata do Pico do Espigão (cerca de dois mil metros quadrados). Indagaram-se propriedades aritméticas do número de “marcas de corte” encontrado, por pedra, e compararam-se algumas das propriedades desse conjunto de números com outras de sistemas de numeração conhecidos. Tentou-se também perceber se existiria alguma relação entre o número de “marcas de corte” inscritas numa pedra e a sua disposição espacial no terreno, para além de outras significações, como por exemplo medidas de distâncias ou características de calendários.

Palavras-chave: Marcas de Corte, Pedreira, Arqueologia, Sistemas de Numeração, Propriedades Numéricas.

Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

1-Introdução

O Complexo Megalítico da Grota do Medo possui um número incontável de pedras que apresentam “marcas de corte”, cuja justificação vigente é de que serviriam para fraturar as rochas para obter pedras mais pequenas para construções. Nesse contexto e nesse paradigma, parte do local é visto como uma pedreira arcaica onde as “marcas de corte” observadas nas grandes pedras do local resultaram de uma tentativa para partir as pedras e assim poder manuseá-las ou transportá-las. Um olhar mais atento sobre o ambiente do Complexo Megalítico da Grota do Medo revela enormes efeitos de erosão nas pedras, que não parecem ser compatíveis com um período equivalente ao da ocupação portuguesa da ilha. Na imagem 1, são claramente identificadas “marcas de corte”, numa pedra que apresenta sinais de intensa erosão hídrica ou eólica. As “marcas de corte” que aí se encontram também estão erodidas e levaram-nos a colocar a hipótese de terem sido feitas no momento em que a pedra se partiu. Assim sendo, existem fortes indícios de que sendo esse lugar uma antiga pedreira, ela seria, no mínimo, uma das primeiras pedreiras utilizada pelos primeiros povoadores da Terceira.

Figura 1 – Pedra do Complexo Megalítico da Grota do Medo, onde se observam três “marcas de corte” no plano frontal de uma rocha, muito erodido. Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

Algumas técnicas de divisão de pedras, como aquelas que aparentam ser o objetivo das “marcas de corte”, são ainda usadas, mas, refira-se a título e exemplo, que já os construtores megalíticos empregavam o mesmo método de divisão de pedra, em diferentes locais do mundo, o que significa que a cronologia a que poderíamos associar essas marcas, é muito ampla. A técnica neolítica de divisão de pedras não é incomum, já que é um método eficiente, sendo ainda hoje em dia amplamente utilizada em alguns lugares (Ancient-Wisdom, 2014). São encontradas “marcas de corte” semelhantes às da Grota do Medo em Portugal, como em todo o mundo, quase sempre em pedreiras que datam do neolítico, mas algumas mais recentes, encontradas na Europa, chegam até ao Renascimento. Alguns autores, como McPherron et al., (2010) defendem que as “marcas de corte” em pedras gigantes podem ter sido feitas com intenção de comunicação, remontando as mais antigas, encontradas na Etiópia, há cerca de 34000 anos atrás. No maior Complexo Megalítico Europeu, descoberto na Turquia em 1993, maior do que o de Carnac em França, Erdogu (2003) estudou as “marcas de corte” e marcas em forma de taça (fossetes) nas pedras dos menires e antas em torno da Montanha Muhittin Baba. Verificou que existem relações entre a montanha e os menires e antas que a rodeiam, parecendo que estes monumentos megalíticos foram todos simbolicamente ligados. Até nos pontos mais elevados da Montanha Muhittin Baba se encontram fossetas e “marcas de corte”, cuja simbologia ainda é, hoje em dia, incorporada nos mitos e histórias das pessoas que vivem nas proximidades do local. Na ilha Terceira, e numa tentativa de encontrar mitos e lendas associadas à cultura local, especialmente na população do Posto Santo, relacionadas com o Complexo Megalítico da Grota do Medo, Vieira et al., (2013), no inquérito que realizaram à população, não encontraram qualquer referência ao megalitismo ou à exploração de pedras na mata do Espigão, contrariamente ao que acontece com as populações que vivem em torno da Montanha Muhittin Baba, na Turquia. Independentemente da antiguidade das “marcas de corte” das pedras do Complexo Megalítico do Posto Santo, ou de quem as fez, a ausência de referências históricas à existência de uma pedreira arcaica nesse lugar, dá sentido à questão de investigação aqui colocada: Constituirão essas “marcas de corte” um sistema de numeração? Existirão propriedades algébricas por detrás dessas “marcas de corte”? Existirá alguma Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

relação entre o número de “marcas de corte” numa grande pedra e a sua posição no espaço? Foram essencialmente essas questões que nos levaram a encetar a investigação que aqui se apresenta.

2-Metodologia

Este estudo exploratório centrou-se numa área relativamente pequena do Complexo Megalítico da Grota do Medo. Consistiu na inventariação do número de “marcas de corte” presentes em pedras relativamente grandes e na sua esquematização em termos espaciais. O local de estudo situa-se imediatamente à entrada da Mata do Espigão até ao topo da primeira subida através do caminho florestal aí existente. Após o registo das marcas, tentou-se encontrar propriedades numéricas que lhe pudessem ser associadas claramente, e procurou-se verificar se existiam algumas semelhanças com sistemas de numeração arcaicos ou com grafismos próximos. A combinação de fossetes (semelhantes a pontos) com “marcas de corte” (semelhantes a traços) tem paralelos com o sistema de numeração Maia, daí que tenhamos admitido como hipótese que uma das bases numéricas que pudesse estar subjacente a esses símbolos fosse a base vigesimal, com semelhanças à numeração Maia e Mesoptâmica.

3- Resultados e interpretação de dados Na figura 2, esquematizam-se as posições das pedras gigantes encontradas com “marcas de corte” e junto a elas assinalam-se os números de “marcas de corte” que cada uma possui. Os números de “marcas de corte” não formam uma sequência simples de números naturais, havendo dois números que se repetem e um número que se distancia muito dos restantes. A sucessão encontrada foi então, 1, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 8, 9, 18. Matematicamente, o mais próximo que se encontra da sequência anterior é a Sequência H de Hofstadter (Hofstadter,1989) definida pela equação 1:

{

𝐻(0) = 0 𝐻(𝑛) = 𝑛 − 𝐻[𝐻(𝐻(𝑛 − 1)], 𝑛 > 0

Equação 1

Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

A sequência H de Hofstadter forneceria para o caso em questão os números: 0, 1, 1, 2, 3, 4, 4, 5, 5, 6, 7, 7, 8, 9, 10, 10, 11, 12, 13, 13, 14, 14, 15, 16, 17, 17, 18, 18. Apesar de existir alguma semelhança entre a sequência encontrada com a sequência H de Hofstadter, os números repetidos encontrados limitam-se apenas ao 1 e ao 8, que por acaso na sequência de Hofstadter, o 8 aparece uma única vez. Neste contexto, não há fundamento matemático para garantir que os números encontrados constituem uma sequência definida por relações de recorrência não lineares.

Figura 2 – Esquema da distribuição espacial de rochas e respetivo número de “marcas de corte”, encontradas na área de estudo.

Admitindo que as repetições são meros acidentes, obteríamos para o caso em estudo a série 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 18. Essa série é muito próxima da de números que são repdígitos na base 8. Um repdígito é um número composto pela repetição de um único dígito numa base específica (Weisstein, 2014). Assim sendo, um repdígito generalizado é um número que se escreve como d, dd, ddd, dddd, ……dddddd e que contém apenas zero ou mais vezes o dígito d, na sua base b, ou seja: 0
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