Estudo sobre identificação de antigos alojamentos de escravos no atual centro histórico tombado da Cidade de Penedo, Alagoas, Brasil

May 22, 2017 | Autor: Luana Teixeira | Categoria: History of Slavery, Patrimonio Cultural
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© 2016 Copyright by autor Coleção História Social Coordenação: Kênia Sousa Rios (UFC) Conselho Editorial: Paulo Knauss (UFF) Tânia Regina de Luca (UNESP) Aline Montenegro (Museu Histórico Nacional) Edilberto Cavalcante Reis (UECE) Júnia Sales Pereira (UFMG) Maria Auxiliadora Schmidt (UFPR) Rafael Zamorano Bezerra (Museu Histórico Nacional) Maraliz de Castro Vieira Christo (UFJF) Lúcia Rodrigues Alencar (Instituto Frei Tito de Alencar) José Neves Bitencourt (IPHAN) Francisco Régis Lopes Ramos (UFC)

Diagramação: Gilberlânio Rios Capa: Taliba Figura de capa: Guilllaume Levasseur 1601 DC mapa mundi Revisão de edição: Paulo César dos Santos

Catalogação Bibliográfica Bibliotecária: Perpétua Socorro Tavares Guimarães-CRB 3 /801

Memórias da escravidão em torno do Atlântico / Organização de Franck Ribard .- Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2016. 196 p. il. ISBN: 978-85-420-0981-1 1. Escravidão - aspecto histórico I. Ribard, Franck II. Título

2. Memória da escravidão

3. História CDD: 900

Apoio: Programas de Pós-Graduação em História da UFC, UFPE, UT2J (França), CAPES

Sumário

Apresentação ...................................................................................................7 Vivencias de Negros em espaços de “Morenos” e “Galegos”. ..........................11 Eurípedes Funes Hilário Ferreira Sobrinho Memória, História e Escravidão: a carta da escrava esperança garcia e os usos da memória da escravidão para a construção da identidade negra no Piauí .........31 Francisca Raquel da Costa Malunguinho quilombola e Malunguinho da Jurema: notas sobre as memórias da escravidão em Pernambuco .......................................................................50 Marcus J. M. de Carvalho O dito & o escrito: a família Cazumbá no Recôncavo Baiano [c.1879 – 2015] ..........................................................69 José Bento Rosa da Silva. Literatura de cordel, memória e escravidão ....................................................93 Emanuele Carvalheira de Maupeou Estudo sobre identificação de antigos alojamentos de escravos no atual centro histórico tombado da cidade de Penedo, Alagoas, Brasil ..............................107 Luana Teixeira A escravidão no cinema histórico do Brasil, da França e da África francófona (1964-2000). ...............................................................................................124 Franck Ribard Une autre mémoire de l’esclavage. De l’usage des cultes d’origine africaine dans la patrimonialisation du passé esclavagiste cubain. Le cas du central Méjico. ..........138 Maxime Toutain

L’esclavage dans l’espace public néo-Orléanais : Effacement institutionnel et mémorialisation collective ...........................................................................160 Nathalie Dessens Saint-Nazaire ou la laborieuse gestation d’un memorial de la traite négrière 178 Valérie Robin et Richard Marin

Estudo sobre identificação de antigos alojamentos de escravos no atual centro histórico tombado da Cidade de Penedo, Alagoas, Brasil

Luana Teixeira103

Esse artigo apresenta resultados preliminares das pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto Memórias da Escravidão. Trata-se de identificar no conjunto urbanístico tombado da Cidade do Penedo, em Alagoas, os lugares relacionados à escravidão urbana no século XIX. Para esse momento, discutirei duas questões centrais da investigação: onde os escravos que chegavam a Penedo para serem embarcados em decorrência do comércio interprovincial ficavam alojados durante os dias – muitas vezes semanas - em que ficavam à espera de embarcar? É possível identificar esses locais hoje no sítio histórico tombado? Os estudos buscam contribuir com o debate acerca da representatividade dos monumentos, alvos da proteção patrimonial inseridos na área tombada, e refletir sobre a presença da população escrava na história da cidade. A Cidade do Penedo originou-se de um antigo povoado colonial, fundado na metade do século XVI. Elevada à Vila em 1636, foi ocupada pelos holandeses no ano seguinte, mantendo-se sob seu domínio até a Restauração Portuguesa em 1645. Em 1817, Alagoas emancipou-se e Penedo, ao lado da capital Maceió, tornaram-se as duas principais praças comerciais da província. Estrategicamente encravada nos penedos do Rio São Francisco, a cerca de 40 quilômetros de sua foz, no século XIX, a cidade fortaleceu sua posição 103 Artigo escrito no âmbito do curso Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, pesquisa de doutorado financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). As questões que levaram ao desenvolvimento deste artigo deveram-se à permanência de seis meses (2014-2015) na Université Toulouse II – Le Mirail, na modalidade Doutorado Sanduíche financiada pelo Projeto Capes-Cofecub Memórias da Escravidão. Uma versão preliminar foi apresentada no Colloque International ‘Sociétés, mobilités, déplacements - lesterritoires de l’attente’, realizado na Université de La Rochelle em dezembro de 2014. Agradeço a Rafael Denes Arruda por seus comentários à versão final. Email: [email protected].

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de entreposto comercial do Rio São Francisco, ganhando grande dinamismo comercial e envolvendo-se diretamente no comércio interprovincial de escravos. Nesse período, juntaram-se ao antigo casario, como a Casa de Câmara e Cadeia e o Convento São Francisco, novas edificações, sem, no entanto, alterar substancialmente o traçado urbano colonial. A decadência econômica da cidade no século XX viabilizou a manutenção deste traçado e de grande parte de seu casario. Assim, ao longo do século, diversas igrejas e edifícios foram tombados individualmente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.104 Em virtude de seu valor histórico e arquitetônico, em 1986, o conjunto urbanístico passou a ser protegido pelo Governo do Estado de Alagoas e, em 1996, ele recebeu do Governo Federal o título de Patrimônio Histórico e Paisagístico Nacional. O artigo está dividido em três partes. Em um primeiro momento, explano acerca do comércio interprovincial de escravos em Penedo, evento que levou à necessidade de estabelecer alojamentos temporários de escravos na cidade. A seguir, abordo o tema do alojamento de escravos envolvidos no comércio ao longo da escravidão moderna, destacando as mudanças na configuração desses lugares de espera ao longo do tempo. As mudanças na forma de se agenciar os espaços ocupados pelos escravos ao longo do trânsito inerente ao processo de venda de seus corpos é um aspecto da vida material de grande interesse para se refletir sobre as mudanças ocorridas nos quatro séculos de vigência do regime escravista na América. Por fim, reflito sobre a possibilidade de identificação desses lugares na configuração atual do centro histórico de Penedo, buscando contribuir, deste modo, para o diálogo entre as pesquisas acadêmicas e as ações de preservação do patrimônio cultural. 1. Entre 1850 e 1881, houve um grande incremento nas negociações interprovinciais de escravos no Brasil, impulsionadas pelo fim do tráfico atlântico e pelo contexto de desenvolvimento econômico no Sudeste, baseado na exploração da mão de obra escrava.105 Há três séculos, a economia brasileira vinha sendo sustentada pela monocultura escravista; o fim do tráfico atlântico de escravos coincidiu com o período em que um novo produto ascendia na pauta exportadora: o café. Desde a década de 1820, o Brasil despontava mundialmente como grande produtor cafeeiro e o volume desta cultura, bem como 104 O tombamento é o principal instrumento jurídico de proteção ao patrimônio cultural material no Brasil, ver: RABELLO, 2014. 105 Província foi a unidade política utilizada para dividir o Império. No fim de 1880 e início de 1881, as principais províncias importadoras impuseram impostos equivalentes ao valor do escravo, levando ao declínio do comércio interprovincial de escravos. Em 1885, a Lei 3.270, de 28 de setembro (conhecida como SaraivaCotegipe), parágrafo 19 do Artigo 3º, proibiu-o definitivamente.

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sua influência sobre a política econômica nacional continuou crescendo vertiginosamente nas décadas seguintes. Em parte, foram fazendeiros envolvidos com este negócio os responsáveis pela continuidade do tráfico de escravos africanos após 1831, ano da primeira lei brasileira que proibiu o comércio atlântico de cativos.106 Por vinte anos, o contrabando de escravos africanos perpetuou-se no Brasil, no entanto, na década de 1850, os interesses econômicos dos monocultores escravistas não puderam mais sustentar as pressões interna e externa por seu fim de fato. A segunda lei de proibição do comércio de escravos estrangeiros passou a vigorar em 1850 e sua plena aplicação logo foi verificada.107 Naquele momento, o sistema de produção cafeicultora baseado na monocultora e na mão de obra escrava tinha se tornado a principal fonte de riqueza do país; antes de encaminhar mudanças na organização do trabalho, grandes proprietários optaram em buscar outros meios para continuar a explorar a mão de obra escrava. O desenvolvimento econômico desigual das regiões brasileiras levou a um contexto de concentração da demanda pela mão de obra escrava, o que influiu diretamente para a elevação do preço oferecido pelos escravos nos mercados do Sudeste (CONRAD, 1978, p. 65). Com o cessar da chegada de escravos estrangeiros, comerciantes estabelecidos nos negócios de cabotagem logo perceberam boas possibilidades de lucro na compra e venda de cativos de umas para outras partes do Império, aumentando consideravelmente o número de transações entre as diferentes províncias brasileiras – o dito comércio interprovincial de escravos.108 Por caminhos terrestres, fluviais ou marítimos, antigas redes de comércio e transporte foram utilizadas para fazer transportar milhares de escravos de diversas regiões do Brasil até onde havia necessidade e dinheiro suficiente para se pagar por essa mão de obra a cada dia mais cara. Dezenas de rotas se formaram, algumas de pequenas distâncias, estruturadas no interior das províncias do Império (de suas áreas periféricas para as monocultoras ou das cidades para seus arredores agrícolas principalmente). Outras envolviam milhares de quilômetros de distância e sistemas complexos de transporte, principalmente quando levavam cativos do interior do Nordeste brasileiro para as zonas cafeicultoras do Sudeste. Estima-se que mais de 220.000 escravos foram transferidos para o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, ao longo dos anos 1850, 1860 e 1870, sendo 106BRAZIL, Império do. Lei sem número de 07.11.1831. 107BRAZIL, Império do. Lei 581, de 04.09.1850. 108Há vários trabalhos sobre o comércio interprovincial de escravos, entre eles: CONRAD (1978), FLAUSINO (2006), GRAHAM (2002), KLEIN (1871), MOTTA (2012), NEVES (2000), PIRES (2009), SILVA (2007), SCHEFFER (2012), SLENES (1976; 2005) e SOBRINHO (2012).

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a maioria proveniente das províncias do Nordeste (SLENES, 2005, p. 331). A consolidação de novas regiões e rotas fornecedoras regulares de escravos foi uma das principais consequências desse processo de transferência forçada de trabalhadores. Circuitos foram criados, influindo diretamente sobre as dinâmicas comerciais de algumas cidades que serviram como entrepostos destes deslocamentos. Uma das cidades que sofreu as transformações e efeitos desse processo foi Penedo, na província de Alagoas. A cidade do Penedo era banhada pelo Rio São Francisco, o segundo maior do Brasil. Dali ao Oceano Atlântico, a navegação era franca às embarcações de médio porte que praticavam o comércio de cabotagem ao longo da costa brasileira. Portanto, embora não seja oceânico, o porto da Cidade do Penedo conectava-se diretamente ao comércio atlântico pelas águas do rio. Rumo ao interior, o Rio São Francisco estendia-se por milhares de quilômetros. Desde Penedo, a navegação em médias embarcações à vela, remo ou vapor era viável até o Porto de Piranhas, pouco menos de 200 quilômetros a Noroeste, formando a região conhecida como Baixo São Francisco. Em Piranhas, uma série de quedas formava a grande cachoeira de Paulo Afonso, obrigando que o transporte de pessoas e mercadorias fosse feito por terra até a parte superior do rio, na Província de Pernambuco. Desde os tempos coloniais, esses caminhos foram utilizados para ligar o interior do Nordeste brasileiro ao litoral. Com a estabilidade política do Império, nos anos 1850, uma série de projetos foi pensada para facilitar a integração dos sertões brasileiros aos portos atlânticos. Alavancados pela introdução dos navios a vapor, os investimentos feitos na região do Baixo São Francisco, ainda que modestos, foram suficientes para que nas décadas seguintes a Cidade do Penedo vivesse anos de crescimento, impulsionada pela sua posição estratégica de entreposto entre o interior do São Francisco - especialmente os sertões pernambucanos e alagoanos - e os grandes portos do Império - principalmente o da Bahia, Recife e Rio de Janeiro. Por sua localização estratégica, desde antes do fim definitivo do comércio transatlântico de escravos, cativos do sertão alagoano e pernambucano passavam pelo Porto do Penedo rumo ao Sul. No entanto, o contexto de aquecimento do mercado nacional de escravos e de desenvolvimento de meios mais rápidos e eficazes de comunicação fez com que, entre 1850 e 1881, essa movimentação se intensificasse. O envolvimento dos grandes negociantes do Penedo com o comércio de escravos fazia afluir para a cidade senhores de toda a região para vendê-los, ao mesmo tempo em que agentes ou os próprios 110

comerciantes adentravam o interior para comprar escravos. Chegando a Penedo, os cativos eram destinados aos principais portos do Império, principalmente ao Rio de Janeiro. Ilustração I – Localização de algumas cidades de origem de escravos que foram comercializados por Penedo e dos principais portos atlânticos com os quais a cidade possuía relações comerciais.

Estimo que mais de quatro mil escravos saíram do Porto do Penedo para serem vendidos no Sudeste entre 1850 e 1881. Esse trânsito ocorria em uma cidade portuária na qual viviam cerca de 500 escravos (TEIXEIRA, 2016a, p. 135). O volume e a frequência com que escravos chegavam do interior para serem remetidos para os portos oceânicos marcaram o cotidiano da cidade. Como as saídas dos navios não eram diárias, esses cativos permaneciam dias, muitas vezes semanas, alojados à espera de embarcar. Coloca-se, portanto, uma questão: onde e em que condições estes escravos permaneciam enquanto esperavam pelo momento de serem embarcados? 2. 111

Quando o século XIX raiou, alojamentos de escravos do comércio eram já bastante conhecidos. Desde que o comércio atlântico de escravos foi ativo, houve várias soluções para a necessidade de se organizar alojamentos de cativos nas diversas fases entre a primeira venda/aprisionamento e a chegada ao destino final. As mais conhecidas são os barracões que passaram a pontilhar a costa africana a partir do século XVIII. Até então, os tumbeiros passavam meses navegando e atracando em portos e baías africanas à espera de completar seu carregamento de escravos. O estabelecimento de barracões na costa foi uma maneira de sistematizar os processos de transbordo de escravos, reunindo-os em grandes e provisórias construções desde antes da iminência da chegada dos navios compradores (PÉTRÉ-GRENOUILLEAU, 2014, p. 76). Do outro lado do Atlântico, especificamente no Brasil, até 1831, os navios tumbeiros chegavam diretamente aos grandes portos brasileiros. Como afirma Carvalho, havia uma rotina portuária complexa de recepção desses cativos. No que diz respeito ao alojamento, segundo o autor: O local de depósito deveria ser seguro, mas minimamente ventilado, atendendo a teoria miasmática que dominava a medicina na primeira metade do século XIX. Os doentes mais graves deveriam ser afastados dos demais. Os desenganados colocados a uma distância considerada segura para que os chamados “eflúvios pestilenciais” emanados dos seus corpos moribundos não se espalhassem (CARVALHO, 2012, p. 227).

Barracões também existiam para alojar os escravos quando saíam dos portos. No entanto, após 1831, com a ilegalidade, o desembarque passou a ocorrer às escondidas e em portos naturais, e os barracões passaram a ter um papel fundamental nos negócios. Após as penosas viagens, muitas vezes era necessário agenciar um local em que fosse possível aos escravos recuperarem-se fisicamente e receber alguma instrumentação mínima em língua portuguesa com intuito de disfarçarem-se de ladinos (SILVA, 2007).109 A esses barracões recorriam também os compradores, exercendo eles uma dupla função de alojamento e mercado. Se não fossem vendidos ali, os cativos eram levados a outros estabelecimentos, muitas vezes nos grandes centros urbanos, onde, por leilões ou vendas convencionais, eram repassados aos compradores. Talvez essa ainda não fosse a última etapa de seu penoso deslocamento. Novamente comprados por comerciantes, cativos podiam seguir para os interiores, sendo colocados em novos alojamentos/mercados ou oferecidos de porta em porta até que enfim fossem comprados por um senhor que iria explorar sua mão de obra efetivamente. 109 Ladino significava escravos habituados ao Brasil. No contexto do tráfico ilegal, dizer que um escravo era ladino equivalia a afirmar que ele teria chegado ao país antes de 1831.

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O volume do comércio atlântico e o fato de tratar-se de escravos estrangeiros, recém-chegados, de diversas proveniências e falantes de diferentes línguas, tornavam estes alojamentos relacionados ao tráfico atlântico em verdadeiras prisões, onde os escravos permaneciam acorrentados a maior parte do tempo, eram subnutridos e sub-hidratados, encontravam-se cercados de moléstias por todos os lados e sujeitos a castigos ferozes a qualquer sinal de insubmissão. Os lugares de espera da migração forçada do cativo africano até a América, de um lado ao outro do Atlântico, bem como nos tumbeiros, foram, sem sombra de dúvidas, uma das mais cruéis obras humanas. Interessa, no entanto, aproximar-se de um desses lugares de espera, notadamente aqueles inseridos nos corações das cidades brasileiras, que funcionavam simultaneamente como alojamento e local de negociação de cativos: os mercados de escravos. Ao contrário dos barracões nos interiores, estes mercados encontravam-se nos centros urbanos, e por isso, era necessário um mínimo de cuidado e higiene para serem tolerados. Por outro lado, entre as ruas e praças pelas quais transitavam centenas de pessoas diariamente, expunham os males da escravidão aos olhos de todos. Nos mercados/alojamentos das cidades, era possível observar “uma parte da escravidão que poderia ser usada para entender toda a instituição, a escravidão reduzida à simplicidade de uma forma pura: uma pessoa com um preço” (JOHNSON, 1999, p. 2).110 Um exemplo de como a cena dos mercados urbanos causava um impacto aos olhos dos coevos é a recorrência do tema nos relatos e ilustrações de estrangeiros que visitaram o Brasil no século XIX. Édouard Riou, Jean Baptiste Debret, August Earle, Johan Moritz Rugendas, entre outros, foram apenas alguns dos artistas que, por observação direta ou por meio de relatos de viajantes, registraram cenas compostas em um mercado de escravos.111 No entanto, no processo de repressão ao tráfico atlântico houve uma notável transformação no modo como os escravos eram alojados e expostos à venda. Após 1831, pouco a pouco, os grandes mercados de escravos, onde cativos eram vendidos na rua, foram desaparecendo. Exemplo maior é o Mercado do Valongo, no Rio de Janeiro, símbolo da brutalidade do regime escravista, ele foi fechado em 1831 como parte dos processos de repressão ao comércio transatlântico (HONORATO, 2012). Os grandes mercados de escravos nas cidades foram decaindo, para ressurgirem anos depois bastante modificados. Quando o tráfico finalmente chegou ao fim e o comércio in110 Tradução livre: “a part of slavery that could be used to understand the whole of the institution. Slavery reduced to the simplicity of a pure form: a person with a price”. 111 A ilustração de Riou encontra-se na obra de François August Biard e de Earle em Maria Dundas Graham Callcott.

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terprovincial passou a transferir milhares de escravos entre as províncias do Império, as condições de seu transporte mudaram radicalmente. Tratando especificamente do comércio marítimo, a redução dos grupos de cativos transportados foi significativa, especialmente porque não se tratavam mais de embarcações especializadas no comércio de cativos. Inseridos dentro das rotas regulares de comércio, embarcados em navios que transportavam passageiros e cargas diversas, os grupos de escravos comercializados muitas vezes não passavam de meia dúzia. Essa circunstância alterou completamente a dinâmica deste comércio, colocando em completo ostracismo os grandes “depósitos” de escravos. Um dos poucos indícios documentais sobre as transformações nesses alojamentos foi apresentado por Sidney Chalhoub ao analisar o caso da sublevação de escravos da Casa de Comissões de José Moreira Veludo, no Rio de Janeiro, certamente um dos maiores alojamentos de escravos do comércio interprovincial daqueles anos no Brasil. Em 1872, cerca de 20 escravos alojados ali atacaram o negociante a paus e lenhas, ferindo-o gravemente. Veludo foi socorrido e conseguiu livrar-se de mal maior. O inquérito policial que se formou contra os agressores, além das inúmeras informações analisadas por Chalhoub em sua obra ‘Visões da Liberdade’, traz indícios importantes sobre o alojamento dos escravos. A Casa de Comissões era uma empresa que envolvia transações financeiras, como empréstimos e atividades bancárias, assim como compra e venda de produtos de terceiros, mediante percentual fixo. Pelo que pude levantar, desde a proibição da venda de escravos em leilões - em 1869 - eram esses estabelecimentos os principais articuladores do comércio de escravos na capital do Império. No piso superior do sobrado de Veludo, funcionava o escritório, e no piso inferior, aos fundos, dormiam os escravos, 50 no momento da sublevação. Provavelmente havia ainda outros aposentos, destinados a armazenar mercadorias e uma área de atendimento ao público. Eram, portanto, estabelecimentos comerciais que não se dedicavam exclusivamente ao alojamento e venda de escravos, funcionando, geralmente, no coração das cidades, como a Rua do Ourives, endereço do negócio de Veludo. Os eventos naquela Casa de Comissões indicam que os escravos que ali permaneciam à espera da venda não se encontravam acorrentados, pois não há menção à restrição de mobilidade destes no interior do aposento que ocupavam; tampouco havia celas.112 Existia um quintal fechado por um muro, aparentemente 112 Essa configuração é bastante diferente de uma slave pen nos Estados Unidos, principais locais de articulação do comércio interno naquele país, após a proibição do tráfico Atlântico em 1808 e que eram muito semelhantes à arquitetura das cadeias (JOHNSON, 1999).

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derrubado nos eventos da sublevação. O inquérito de 1872 informa, portanto, que na capital do Império, em um dos principais pontos de negociação de escravos, o agenciamento do local de alojamento dos cativos era bastante improvisado e ocorria no mesmo edifício da Casa de Comissões onde o negociante trabalhava, armazenava e negociava outros produtos. Assim como no transporte, não havia especialização no comércio interprovincial de escravos, tampouco lugares exclusivos onde eles permaneciam enquanto esperavam serem transferidos para outro senhor. Considerando que na capital do Império, principal cidade do comércio interprovincial de escravos, não havia lugares determinados para alojar e vender escravos, é de se esperar encontrar o mesmo sistema operando nas praças comerciais das províncias. De fato, um dos poucos indícios que pude encontrar para Alagoas, atesta-o. Ao longo das décadas de 1840 a 1870, Francisco Ferreira de Andrade foi um comerciante ativo do Jaraguá, região portuária de Maceió, capital de Alagoas. Fazia parte de seus negócios comprar e vender escravos, muitos dos quais embarcavam para fora da província, ou seja, ele atuava no comércio interprovincial de escravos.113 Em 1857, José Hilário de Lima Cavalcante, morador no Pilar, cidade vizinha, produziu um Auto de Justificação em virtude de indagações feitas pelo Chefe de Polícia da Bahia ao seu congênere em Alagoas sobre a identidade de seu escravo Ventura, que suspeitava chamar-se José e ter fugido daquela província. Hilário afirmava ter comprado o escravo de Francisco Ferreira de Andrade, em 1849, antes da fuga do referido José. Para comprovar sua alegação, são inquiridas testemunhas, as quais afirmam que em 1848 Ventura encontrava-se sob consignação na casa de negócios de Andrade. A prática da consignação era comum nos negócios de escravos no Brasil Imperial, ocorrendo quando um senhor passava os poderes a um comerciante para que ele negociasse os escravos. Uma das testemunhas da justificação afirmou que o Ventura não poderia ser o José, pois: “em setembro de 1848 [ele] já se achava na casa do negociante Francisco Ferreira de Andrade onde o vira por várias vezes quando aí ia comprar gêneros até que foi o dito escravo comprado pelo justificante”.114 Apesar de muito sucinta, a fonte informa que, durante o tempo em que esteve sob consignação de Andrade, ou seja, esperando para ser vendido, Ventura encontrava-se no mesmo estabelecimento em que o negociante pra113 Antônio Francisco de Andrade exportou 27 escravos e foi procurador de outros 22 entre 1851 e 1872, segundo registro de passaportes de escravos. Arquivo Público de Alagoas. Livros de Passaportes da Secretaria de Polícia de Maceió, 1850-1877 (5 volumes). Caixas: 5.282, 5.300 e 5.518. 114 A ortografia foi atualizada, mantendo-se a pontuação original. Arquivo Público de Alagoas. Caixa 1587: Presidência da Província de Alagoas, ofícios recebidos de diversas autoridades, 1881 e Secretaria de Polícia, ofícios recebidos de diversas autoridades, 1857.

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ticava outras atividades comerciais. Embora não detalhe, é bastante provável que ali ele dormisse, comesse e possivelmente também trabalhasse enquanto aguardava ser embarcado para fora da província. Ao fim, Ventura, que era africano e diziam ter 40 anos em 1857, acabou sendo vendido para o interior de Alagoas, onde talvez tenha permanecido até o fim dos seus dias, visto que já era um escravo “velho” para o comércio interprovincial.115 Em Penedo, a situação, provavelmente, era a mesma: os escravos deviam ficar alojados na região comercial da cidade, ou seja, nos estabelecimentos próximos ao Rio São Francisco. Hoje, grande parte desta área da cidade encontra-se preservada. Surge então o questionamento: seria possível apontar para uma dessas casas e sobrados e afirmar que ali foi um alojamento de escravos? 3. Assim como ocorre em outros centros históricos tombados no Brasil, a motivação que levou à declaração do Penedo como Patrimônio Histórico e Paisagístico Nacional relaciona-o à tradição elitista, branca e católica (FONSECA, 2005). Um traçado urbano tipicamente construído pela administração colonial portuguesa, prédios públicos, as igrejas barrocas, o suntuoso convento, o sobrado onde se hospedou o Imperador D. Pedro II e outros elementos de uma história oficial foram levantados como argumentos de valorização  histórica e cultural, justificando a proteção patrimonial por parte do Estado. A história da escravidão, da população escrava e de seus descendentes apenas alegoricamente insere-se nas narrativas sobre a cidade, por exemplo, no caso da Igreja Nossa Senhora da Corrente. Próximo ao altar da igreja barroca/rococó há um espaço oco ocultado por uma portinhola. É conhecida na cidade, e está escrito no totem turístico localizado na entrada da Igreja, que à esquerda do altar “existe uma abertura camuflada que servia para ocultar o escravo africano em fuga”.116 A análise crítica leva a questionar a veracidade da informação e refletir sobre outras possibilidades para a construção da narrativa sobre o esconderijo de escravos fugidos no interior da igreja. Uma possibilidade é que este processo esteja permeado por fragmentos de memórias que diziam respeito a territorialidades relacionadas à presença de escravos na área onde hoje se encontra assentada a Igreja Nossa Senhora da Corrente. Retornarei a seguir ao assunto.

115 A idade de escravos africanos, em meados do século, costumava ser bastante alterada – para cima - devido às leis restritivas à sua entrada no país. De qualquer modo, menos de 5% do conjunto dos escravos envolvidos no comércio interprovincial tinham mais de 36 anos (TEIXEIRA, 2016b, p. 80). 116 Totem localizado na Igreja Nossa Senhora da Corrente, Penedo, Alagoas. Pesquisa de campo em 21.05.2014.

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Em geral, assim como no caso da abertura oculta na Igreja, no conjunto das narrativas associadas à cidade tombada, a escravidão e os escravos aparecem apenas residualmente, escondidos, enforcados ou no espaço restrito da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Omite-se o fato de que a escravidão era sistêmica nas cidades coloniais e depois imperiais. A onipresença de cativos nos espaços da cidade, evidenciada por qualquer pesquisa documental séria, desaparece na narrativa oficial e também na construção da cidade patrimonializada. Assim, a preservação do monumento histórico é parcial, herdeira de uma construção sobre o passado marcada por um forte viés ideológico que reproduz velhas formas de significar a formação da sociedade brasileira. Identificar no espaço da cidade tombada territórios e lugares de experiência da escravidão visa entender o centro histórico para além de uma alegoria sobre o passado e buscar criar nexos que possam trazer para as práticas sobre o patrimônio cultural o conhecimento acadêmico sobre a história da cidade. A pesquisa sobre a identificação dos locais de alojamentos de escravos em Penedo visa a esse fim. É tirar o escravo do esconderijo e colocá-lo no meio da praça, ou seja, deslocar a escravidão das margens e inseri-la no centro do processo histórico do Brasil oitocentista. Quando realizei as pesquisas de arquivo para o doutorado entre 2012 e 2014, em conversas informais foi indicado que um sobrado, logo depois do Paço Imperial, teria sido um lugar de alojamento de escravos antes do embarque para fora da província. A edificação, localizada na antiga Rua da Corrente, beirava o rio, avizinhando a Praça e a Igreja da Corrente e um dos cais de embarque mais antigos da cidade. Hoje, o prédio pertence ao município, sendo utilizado como sede da Capespe (Clube de Pesca de Penedo) e mais recentemente foi arrendado para um bar.117 No início do século XX, havia sido transformado em cadeia, momento em que, provavelmente, foram colocadas grades nas janelas que permanecem até hoje, destacando o prédio entre os demais. Apesar de, provavelmente, não ter relação com o momento em que o sobrado teria sido usado como alojamento de escravos, a presença das grades reforça simbolicamente seu uso como alojamento de escravos. Contudo, pesquisando sobre o comércio de escravos em Penedo no Segundo Reinado, encontrei dados interessantes que apontam para a hipótese de que o sobrado da Capespe possa ter efetivamente servido como alojamento de cativos. Permitam-me uma pequena digressão. Nos idos de 1869, o português José Maria Gonçalves Pereira estabeleceu-se em Penedo. Àquela 117 Nos últimos anos, a Casa do Penedo, responsável pelo projeto de instalação do Museu do Rio São Francisco, buscou realizar acordo de comodato com a Prefeitura para transformar a edificação em um Portal Digital do Rio São Francisco. No entanto, as negociações não avançaram. Ver: http://www.casadopenedo.com.br/projetos/. Acesso em: 11.10.2015.

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época, com 35 anos, em uma década, ele tornou-se o “maior e mais empreendedor negociante que já teve o Baixo São Francisco”.118 José Maria envolveu-se em diversas atividades, especialmente na exportação (para dentro e fora do Império) de algodão e couros, principais produtos da região, instalou fábricas de pilar arroz, um pequeno estaleiro e uma pequena fundição, arrematou contratos de navegação a vapor e de construção do matadouro público e era o financiador de praticamente todo o comércio de Penedo a Piranhas. Além dessas - e outras - atividades, desde que chegou a Penedo, José Maria envolveu-se com o comércio interprovincial de escravos, mantendo-se no negócio ao longo da década de 1870, quando as transações de escravos entre províncias do Império alcançaram o auge. Não menos - e provavelmente muito mais - que 200 escravos embarcaram para o Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia pelas mãos do negociante.119 Dividindo-se esse número por 10 anos e lembrando que os embarques não costumavam ser de grandes grupos de escravos, é possível propor que frequentemente ao longo dos anos de 1870, José Maria esteve com escravos em Penedo, os quais precisava alojar por algum tempo antes de embarcá-los para fora da província. A vitalidade de suas atividades pode ser vista nos diversos anúncios que publicava nos jornais da cidade, como: “José Maria Gonçalves Pereira precisa comprar para uma encomenda seis escravos de 14 a 20 anos, assim como molecas de 14 a 18 e as paga bom preço agradando.”120 Para levar adiante tantos e tão amplos empreendimentos, logo após estabelecer-se na Cidade do Penedo, o português passou a adquirir vários imóveis para viabilizar suas atividades. Em abril de 1871, comprou um imponente sobrado de um andar e seis portas com máquina de pilar arroz na Rua da Corrente, número 3, e em maio do mesmo ano, adquiriu outro sobrado no número 5 da mesma rua.121 Em Março de 1873, comprou um trapiche coberto de telhas com cinco portas de frente na Praça Imperial da Corrente, utilizado para o embarque e desembarque de navios e para estocagem.122 A área da cidade correspondente à Praça e Rua da Corrente (também nomeada Rua da Matriz) onde está localizado o sobrado Capespe, foi, portanto, justamente a região da cidade onde José Maria Gonçalves Pereira, o maior negociante de 118 Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Jornal do Penedo. Cidade do Penedo, anno X, n. 45, 24.12.1880, p. 1. 119 O número de 200 foi obtido através de informações constantes das fontes e, por isso, a quantidade de escravos negociados por José Maria deve ter sido muito superior. 120 Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.Jornal do Penedo. Penedo, annoVIII, n. 16, Sexta-feira, 15.11.1878. 121 Cartório do 1ºOfício de Penedo. Livro de notas número 21, Livro de lançamento de procurações, cartas de liberdade e outros. 1870-187, p. 83 e 92. 122 Cartório do 1ºOfício. Livro de notas número 22, Livro de lançamento de procurações, cartas de liberdade e outros. 1871-1873, p. 152.

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escravos do Penedo na década de 1870, escolheu para instalar seus negócios. Por uma foto de 1869, é possível saber que o sobrado que havia sido indicado como lugar de alojamento de escravos já estava de pé quando o negociante começou a adquirir imóveis no entorno da Igreja da Corrente. Imagem 1 –Início da Rua da Corrente. A terceira edificação corresponde ao atual sobrado da Capespe.

Fonte: Fotografia de Abílio Coutinho, tomada em 1869, por ocasião da visita do presidente da província José Bento Figueiredo Junior, e foi publicada em: Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Viagens de José Bento da Cunha Figueiredo Junior à Província das Alagoas. Maceió, Grafmarques, Reedição, 2010.

Considerando, como foi dito na seção anterior, que os escravos do comércio eram alojados nos mesmos estabelecimentos em que os comerciantes praticavam outras atividades, é latente a possibilidade de que algum dos sobrados de José Maria na Rua da Corrente servisse como alojamento de cativos. Os dados da pesquisa ainda não permitem afirmar que esse local fosse exatamente o sobrado da Capespe. No entanto, a construção da narrativa sobre ele como local de alojamento de escravos estaria, no mínimo, associada à efetiva utilização das edificações da Rua da Corrente para esse fim. Tendo em vista que José Maria comprou um trapiche ali, pode-se sugerir que era nos entornos da Igreja da Corrente onde o comércio interprovincial de escravos tornara-se mais comum em seus últimos anos na Cidade do Penedo. A chegada de escravos do interior, o desembarque, o alojamento por dias ou semanas nas propriedades do comerciante e o embarque em pequenos grupos teriam movimentado aquela parte da cidade dando-lhe feições muito próprias no contexto da cidade escrava. Até mesmo as narrativas sobre o esconderijo da 119

Igreja da Corrente podem ter sido frutos do contexto vivido naquela área da cidade nos anos 70 do século XIX, que foram, simultaneamente, aqueles de maior fluxo e os últimos de vigência do comércio interprovincial de escravos. Como foi dito no início do artigo, trata-se de uma pesquisa em andamento, e por isso, as questões relativas à localização dos alojamentos de escravos, bem como a forma como foram construídas as narrativas sobre estes lugares e como estas se articularam com a memória sobre a escravidão na cidade estão em aberto. Ainda assim, muitos dados confluem para a perspectiva de que os entornos da Igreja Nossa Senhora da Corrente tiveram um papel central no cotidiano da cidade escrava nas décadas derradeiras da escravidão. É no rastro dessa hipótese que darei continuidade às investigações. Considerações finais

Parte da invisibilização dos espaços relacionados aos escravos nos conjuntos urbanísticos tombados pelas agências de patrimônio cultural no Brasil deve-se à dificuldade de diálogo entre as pesquisas acadêmicas desenvolvidas sobre a escravidão nas últimas décadas e a sociedade civil de forma geral. O que se observa é a reiteração de uma imagem bastante simplificada do passado escravista simbolicamente reduzida aos instrumentos de violência, como os pelourinhos e os troncos, e genericamente identificadas temporalmente, indiferenciando as transformações na sociedade ao longo dos séculos de vigência da escravidão no Brasil. Existem vários campos de atuação que viabilizam diminuir a distância entre a pesquisa científica e a democratização do conhecimento, um deles é o do patrimônio cultural. No entanto, muitas vezes, boas intenções não são acompanhadas do cuidado devido à pesquisa e terminam chegando ao mesmo lugar de partida, a reificação de velhas narrativas relacionadas exclusivamente a um passado europeu, elitista e católico. Os estudos sobre os alojamentos dos escravos em Penedo têm por fim dois objetivos. O primeiro é o aprofundamento do conhecimento sobre a presença escrava na cidade, não apenas da população residente, mas também dos fluxos de cativos que a marcaram por cerca de quatro décadas, buscando evidenciar aspectos do cotidiano urbano que envolviam outros segmentos sociais e trazer à tona a dimensão do conflito social, muitas vezes esquecida nos discursos enaltecedores do passado. O segundo é, por meio do esforço de identificar esses locais no contexto do atual centro histórico tombado, trazer o conhecimento para fora dos muros da universidade e inseri-lo em narrativas mais amplas, buscando, nesse processo, conectar os problemas acadêmicos à 120

experiência patrimonial viabilizada pelas ações de preservação pela qual vêm passando esses centros históricos tombados.123 Conectar essas duas questões nesse artigo é, portanto, um esforço no sentido de buscar novos caminhos para divulgar os resultados das pesquisas acadêmicas.

123 Por meio do Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas (PAC-Cidades Históricas) do Governo Federal, desde 2013, foram designados 20 milhões de reais para serem investidos em ações de preservação e restauro do sítio histórico de Penedo. Ver: http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/ 3354/quinze-anos-de-investimentos-ininterruptos-na-preservacao-do-patrimonio-cultural. Acesso em: 11.11.2015.

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