ESTUDO SOBRE OS LIMITES DA INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NA FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE 1

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Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016

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ESTUDO SOBRE OS LIMITES DA INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NA FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE1 Maycon Raul Hidalgo (Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática – PCM/UEM – Bolsista CAPES/DS) Resumo O objetivo deste trabalho foi identificar as dificuldades dos licenciandos na inserção da História e Filosofia da Ciência (HFC) como ferramenta de ensino de ciências. Para tanto, formamos um grupo de trabalho com 16 licenciandos de um curso de Ciências Biológicas que possibilitou momentos de discussões acerca da HFC enquanto ferramenta de auxílio ao Ensino de Ciências. Nossos resultados apontam que durante o primeiro contato com os pressupostos da HFC os licenciandos enfrentam diversas dificuldades, muitas delas devido às concepções de ensino que tiveram contato em suas próprias formações básicas. Ao fim, propomos que a inserção da HFC na formação inicial deve ter como característica a integração prática, por meio de planejamentos paralelos às discussões teóricas, auxiliando assim os licenciandos a compreenderem como trabalhar com esta ferramenta de ensino. Palavras chave: Ensino de ciências, História e Filosofia da Ciência, Formação de Professores. Introdução A História e Filosofia da Ciência (HFC) é atualmente defendida, enquanto ferramenta de apoio ao professor de Ciências, entre os mais variados pesquisadores da área. No entanto, as pesquisas apresentadas na literatura atual voltam-se principalmente para as possibilidades que a HFC pode proporcionar no ensino básico. Neste cenário surgem algumas críticas, como as proferidas por Mathews (1995), Bastos e Krasilchick (2004), Borges (2007), Meghlioratti, Andrade e Caldeira (2010), Bizzo (2012) Cachapuz (2014), entre outros que afirmam ser necessário um olhar mais sistemático para a formação inicial de professores sob a perspectiva da HFC, compreendendo assim as dificuldades que se apresentam aos licenciandos quanto à utilização de novas perspectivas e metodologias que são propostas. A HFC tem como característica proporcionar maiores interações entre os

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Este artigo teve por base o trabalho de dissertação defendido em 30/01/2015.

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diferentes campos de conhecimento, como nos afirma Cachapuz (2014); e torna-se essencial que os professores sejam formados de modo a serem capazes de utilizar desta ferramenta. Com a HFC o ensino do conhecimento científico passaria a se integrar em uma perspectiva de ensino “em” e “sobre” ciências. De acordo com Mathews (1995), um ensino “em” ciências se configura como sendo a apresentação e discussão dos fatores internos da ciência, ou seja, de suas leis, teorias, hipóteses, etc.; já o ensino “sobre” ciências, diz respeito às categorias externas da ciência, isto é, as relações sociais que compõe a construção do conhecimento. Apesar dos documentos oficiais já contemplarem a HFC como uma atividade de extrema importância no processo de EC em suas elaborações acerca do como trabalhar com esta ferramenta, tais documentos fazem este processo parecer mais simples do que é realmente (BIZZO, 2012). É neste sentido que o presente trabalho se insere, buscando discutir com os próprios licenciandos as dificuldades encontradas na utilização da HFC como ferramenta de auxílio ao professor. Metodologia O presente trabalho foi realizado com dezesseis estudantes do curso de licenciatura em Ciências Biológicas em uma universidade pública do estado do Paraná com o objetivo de identificar as dificuldades que os licenciandos têm em inserir as perspectivas da HFC no ensino dos conteúdos científicos. Para tanto, constituímos um grupo de trabalho (GT) onde os licenciandos foram convidados a participar da presente pesquisa a partir de leituras sobre as atividades que vem sendo realizadas com a ferramenta HFC. Os dados foram coletados por meio de gravação em áudio para posterior transcrição e análise. A organização dos dados seguiram os pressupostos da análise de conteúdo de Bardin (2011) que possibilita “tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise” (p. 125). Utilizamos a categorização “a posteriori” que implica em conceber as categorias por meio do próprio corpus, isto é, a partir de um processo de releitura dos dados - esta forma de categorizar é também conhecida como emergente. Os dados foram analisados a partir da literatura pertinente.

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Resultados e discussões As discussões foram realizadas em sete encontros, sendo que tiveram como base textos de introdução à HFC e artigos que relatam a utilização da HFC no processo de ensino e aprendizado de Ciências. Os debates ocorridos nos possibilitou organizar e categorizar as principais dificuldades argumentadas pelos licenciandos; esta pode ser visualizada no quadro 01. Quadro 01: Dificuldades na inserção da HFC no Ensino de Ciências.

Fonte: autores.

Como é possível identificar no quadro 01, a principal dificuldade dos licenciandos em trabalhar com a HFC no processo de ensino e aprendizado de Ciências se pauta na ‘insegurança’. Porém, identificamos duas vertentes dessa dificuldade. A primeira relacionada ao como lidar com a indisciplina dos alunos, ou seja, em relação às atitudes do ser professor, como podemos ver no relato seguinte: L14: [...] como eu vou dominar a sala de aula [risos da sala] por que o conteúdo eu tenho confiança, mas eu não sei se dou conteúdo ou paro a molecada [E4].

A insegurança relatada por L14 é relacionada ao agir enquanto professor e pode ser compreendida se considerarmos que os licenciandos estavam em seus primeiros contatos como professores, isto é, no processo de estágio supervisionado. Nossos dados corroboram com a perspectiva de Bejarano e Carvalho (2003) quando afirmam ser comum aos professores iniciantes sentirem-se inseguros quanto suas posições, i.e, suas atitudes enquanto professores. Nesta perspectiva, consideramos que a insegurança apresentada não deve ser considerada como um empecilho à utilização da HFC como

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ferramenta de ensino, visto que está relacionado ao tornar-se professor e não com a ferramenta proposta em si. A segunda vertente da categoria em questão está relacionada diretamente com a HFC, pois demonstra a insegurança em trabalhar com uma ferramenta a qual lhes é estranha. Para os licenciandos há uma dificuldade em compreender a integração entre os conceitos e a HFC no processo de ensino e aprendizado, como pode ser compreendido no relato a seguir: L13: Eu acho que não estou preparada para dar aula desse jeito professor, tipo, não sei se a gente consegue fazer essa integração que a gente tem discutido [A sala fica em silêncio] [E7].

Perceba-se que L13 relata a insegurança quanto sua capacidade de utilizar-se da HFC no processo de ensino. Compreendendo o processo de ensino e aprendizagem como uma atividade social, temos de considerar que somos levados a utilizar das mesmas estratégias de ensino ao qual tivemos contato enquanto estudante, como afirma Nóbrega e Prado (2012); neste sentido, compreende-se a dificuldade dos licenciandos em sentir-se seguros quanto à utilização da HFC como ferramenta de ensino, visto que não foram formados em uma perspectiva integradora, semelhante a proposta apresentada. O desafio, deste modo, perpassa a necessidade de que esta proposta seja apresentada com maior ênfase e com aspectos da prática docente, auxiliando os licenciandos na diminuição de tal insegurança. Seguindo o quadro 01, a segunda dificuldade mais citada é a escolha e transposição de conceitos, e nesta categoria torna-se mais evidente a dificuldade dos licenciandos em abordarem os conceitos de modo integrado; tratando o ensino de ciências, por meio da HFC, de modo essencialmente linear e conteúdista, como é possível perceber no relato a seguir: Questão apresentada: Como vocês abordariam a HFC no processo de ensino? L8: Acho que no começo, sabe? Eu acho que a HFC deve ser no início da aula, a explicação do porque ele está estudando aquilo, sabe? Como era e porque aconteceu, porque é importante. Assim, sem chegar e ir colocando as fórmulas e leis no quadro, mas apresentar primeiro o porquê daquelas formulas e leis [E3].

O relato apresentado demonstra a intenção de uma abordagem histórica no sentido linear do conceito, discutindo sim, em alguns momentos, as transições pelas quais a Ciência passou, mas, por fim, qual seria o produto desta abordagem de ensino? Os elementos retirados das discussões iniciais não nos apresenta essa relação, no entanto, é possível inferir, dado as características do ensino tradicional ao qual esta abordagem 3182 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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linear tem base, que o acúmulo de dados ao qual o aluno se debruçaria na tentativa de memorizar nomes e datas realocando-os em uma avaliação seria o aspecto final deste tipo de inserção da HFC. Devemos ressaltar que ao defendermos a inserção da HFC no ensino, espera-se que o professor seja capaz de auxiliar o aluno a compreender não somente o conceito em si, mas também a construção da própria ciência; como nos afirma Mathews (1995) a HFC deve prezar pela compreensão da construção do conhecimento, tendo, o aluno, base para a construção do seu próprio, isto é, uma aprendizagem “em” e “sobre” a ciência. A HFC não deve assim ser compreendida no sentido de memorização de datas e nomes, mas na capacidade do aluno em discutir e rediscutir os assuntos propostos, estabelecendo relações com novas ações do cotidianos em que se insere. Os dados que ora apresentamos remete novamente, em maior ou menor grau, às característica da própria formação pelo qual os licenciandos estiveram expostos; cabe aqui a afirmação de Morin (2012, p.24): “Como nosso modo de conhecimento desune os objetos entre si, precisamos conceber o que os une”. Nossos dados demonstram que é preciso inserir este ‘conceber’ já nas salas de aula das licenciaturas auxiliando os licenciandos na dificuldade que apresentam em trabalhar os conceitos de modo integrado. A dificuldade 03, refere-se à desmotivação dos alunos, do ensino básico, em relação à aprendizagem, para o estudante não há uma motivação ou integração nos conceitos que lhes proporcione um “querer” estudar a ciência. Vejamos os relatos: L2: Mas, sei lá, é tudo muito separado, os alunos nem sabe por que estão estudando isso ou aquilo e [...] (frase fica incompleta com a interrupção de L3) [E4]. L3: [...] ele vê a ciência como algo inatingível (L3 – E4) (L2 concorda).

Perceba-se que ao apresentarem o quadro geral da educação (em suas visões) os licenciandos discutem também a necessidade de encontrar algum aspecto que proporcione uma integração entre os conceitos. Ora, não é exatamente este o princípio da utilização da HFC? Neste caso, percebe-se a dificuldade dos licenciandos em compreender a HFC em uma perspectiva integradora ao utilizarem argumentos da falta de conexão dos conceitos como dificuldade para a utilização da HFC. Este aspecto relaciona-se diretamente com a dificuldade apresentada anteriormente, pois ao compreenderem a inserção da HFC como um aspecto linear e conteúdista, as integrações dos conceitos são dificultadas. Neste contexto, eles são

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incapazes de transcender os modelos teóricos comentados em sala, compreendendo a falta de integração como dificuldade a principal da ferramenta proposta. A desmotivação dos alunos apresentada insere-se neste contexto, visto que ao não compreenderem como integrar tais conceitos no processo de ensino os licenciandos temem pela falta de interesse deles. Consideramos assim prerrogativas de Mathews (1995), Oiagen (2007), Corrêa (2010), Ortiz e Silva (2014), Hidalgo e Lorencini Jr. (2014), etc., que afirmam ser necessário a inserção de aspectos práticos da HFC enquanto ferramenta de ensino nos cursos de formação de professores, para que estes sejam capazes de compreender os princípios e as características integrados que ferramenta pode proporcionar ao ensino de Ciências, reafirmamos que esta dificuldade – bem como as anteriores - tende a diminuir se a utilização da HFC for abordada com maior ênfase durante os cursos de formação de professores. Por outro lado, temos de considerar a dificuldade 04, tempo para leituras. Essa é relativa aos próprios licenciandos, sendo relatada da seguinte forma: L14: [...] é que eu acho que muita leitura, é complicado, porque a gente não está acostumado a ficar lendo tanto, a gente não tem tempo (E4).

Perceba-se que o obstáculo “tempo” está presente em algumas citações, e é recorrente em vários momentos, demonstrando uma falta de organização do próprio tempo disponível; assim como da falta de familiaridade com leituras. Considerando que compreender a inserção da HFC no ensino de ciências necessita do entender o contexto em que se construíram determinadas teorias, suas significações filosóficas, discussões institucionais referentes à educação científica, bem como as leituras da área científica e de ensino, é essencial que o professor construa um referencial da própria prática. Faz-se necessário que o professor de ciências compreenda sua disciplina em todas as suas vertentes; se por um lado, a HFC é uma ferramenta que pode contribuir para um ensino mais “humanizado” da ciência, por outro, não é possível alcançar seu objetivo, caso os professores não compreendam o cerne das discussões históricas e filosóficas a que tal perspectiva de ensino propõe (MATHEWS 1995). Relembramos, aqui, a segunda vertente da primeira dificuldade apresentada; ela dizia respeito à insegurança que a falta de conhecimento sobre as propostas e possibilidades que a HFC poderia trazer ao ensino. Contudo, ao apresentarem a dificuldade tempo de leituras percebemos a falta de organização de estudo e assiduidade com as leituras que embasam tal proposta; deste modo, pensamos que para que a HFC se 3184 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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concretize como uma ferramenta de ensino realmente eficaz, precisamos construir junto aos licenciandos - e professores em atuação - a cultura em leituras dos materiais sobre a área em que atuam, não somente em relação aos conceitos básicos, mas também em relação as características históricas e filosóficas deste conhecimento. Realçamos, neste sentido, que a inserção destas ações já no processo de formação de professores pode auxiliar na formação desta cultura, e consequentemente diminuir as dificuldades de abordagem da HFC. Seguindo o quadro 01, a próxima dificuldade apresentada refere-se ao excesso de conceitos necessário de ser trabalhado no ensino básico. Sendo a HFC uma perspectiva de ensino que demanda tempo para ser trabalhada em sala de aula, seria, de acordo com os licenciandos, demasiado complicado utilizá-la no processo de ensino de ciências. Vejamos o relato: L13: Eu concordo professor, e até acho que se a gente conseguisse integrar seria melhor, mas sabe o que eu acho professor? É que é muito conteúdo, se você for ver o livro inteiro, é muita coisa [E6].

A questão do excesso de conceitos foi um assunto amplamente debatido enquanto fator limitante na inserção da HFC no ensino. A fala de L13 exemplifica este aspecto, entretanto o livro é percebido como um currículo a ser “vencido”, logo abordar os conteúdos com o viés da HFC torna-se um obstáculo. A tendência em tratar o livro didático como currículo a ser seguido demonstra por um lado a fragilidade de compreensão dos conceitos curriculares, e por outro uma insegurança – já discutida anteriormente - oriunda do conflito de seus modelos de professor. “Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está ligado, a decompor e não a recompor” diz-nos Morin (2012, p15). Concordamos com o autor, e pensamos que a dificuldade ora discutida está diretamente ligada a este processo, pois somente em um sistema essencialmente fragmentado e linear o “vencer” o conteúdo torna-se um objetivo de ensino. Em um momento em que fala-se frequentemente de interdisciplinaridade e multidisciplinaridade, é preciso resgatar a capacidade de reintegrar o conhecimento. Para tanto, não podemos ser ingênuos em pensar que esse processo é uma tarefa simples, pois tal perspectiva deve necessariamente alcançar a educação básica e, no entanto, não é possível que isso aconteça antes de alcançar a formação dos professores, que lá irão atuar. Em geral, o ciclo de desintegração dos conceitos mantêmse.

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Como nos diz Bejarano e Carvalho (2003), e nossos próprios dados demonstram, os professores sentem-se inseguros frente aos desafios da profissão. Assim, esperar que eles iniciem o processo de integração do conhecimento sem, em sua formação, terem realmente vivenciado e refletido sobre esse processo pode ser considerado ingenuidade. Já afirmamos e reafirmamos aqui a necessidade da HFC ser inserida no processo de formação de professores, contudo é preciso frisar que esta inserção deve necessariamente ter em seus aspectos atividades que permitam os licenciandos vivenciarem as variadas formas de utilização da ferramenta, contribuindo para a diminuição das inseguranças e compreensão das possibilidades de integração do conhecimento que a ferramenta proporciona. A próxima dificuldade apontada pelos licenciandos é o reducionismo dos livros didáticos. Vejamos um dos relatos: L8: Mas não dá para ficar só em um ponto de vista, porque o livro só traz um ponto de vista e num rodapézinho sabe [E5].

Percebemos que L8 menciona como os aspectos da HFC são apresentados nos livros ao qual ele tem contato. A menção ao “rodapézinho” infere sobre a visão da inserção da HFC que o próprio livro traz, como um conteúdo a mais a ser trabalhado - de forma descontextualizada. No entanto, deve-se considerar o fato de que, apesar de os livros didáticos serem um elemento de extrema importância no processo de ensino e aprendizagem e, por muitas vezes, ser o principal instrumento de informações científicas confiáveis dos alunos, ele não deve de forma alguma sê-lo também para os professores. Deste modo, pensamos que o livro necessita de um aprimoramento em relação aos aspectos da HFC, e como nos apresenta Rosa (2008), tal melhoria vêm sendo feita a partir das avaliação PNLD2. O livro, ao nosso ver deve ser um apoio ao estudante, contudo não devemos nos esquecer que o livro deve prezar pelos conceitos e conteúdos específicos das disciplinas não tornando-se um livro de HFC. Assim, é papel do professor atuar de forma a instigar tal reflexão, ajudando-o a buscar novas fontes de discussão do assunto. Novamente atenua-se a necessidade dos docentes estarem conscientes do processo de construção de conhecimento, em suas variadas vertentes; para tanto é preciso que tais profissionais conscientizem-se da necessidade da leitura, tanto dos clássicos como das novas perspectivas, de sua área de atuação.

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Programa Nacional de Livros Didáticos

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A fragmentação das disciplinas também foi citada pelos licenciandos, como é possível perceber no relato a seguir: L4: Porque é como a gente discutiu, não é isolado né, se não fica tudo em compartimento do mesmo jeito, acho que a gente ainda não conseguiu dar conta nem da interdisciplinaridade e seria interessante para dar certo para colocar a HFC [E6].

Percebe-se que o licenciando concorda com a necessidade de integrar os conceitos, apenas não consegue encontrar uma forma para concretizar seu pensamento neste sentido. Como já discutimos anteriormente esta dificuldade pode ser explicada à luz das ideias de Matthews (1995), Bejarano e Carvalho (2003), Nóbrega e Andrade (2012), entre outros, quando defendem que cada licenciando traz consigo uma compreensão do que é ser professor, oriunda de suas vivências enquanto alunos. Quando na transição do ser aluno ao ser professor a pressão da responsabilidade que lhe pesa, o faz buscar inconscientemente modelos para se apoiar em sua prática profissional. Os licenciandos entram em uma dualidade, por um lado concorda com os pressupostos teóricos da necessidade de integração dos conceitos e, por outro, não consegue reinterpretar sua prática de modo integrado, retomando assim o processo de fragmentação dos conceitos; igualmente como vimos durante as discussões da escolha e transposição de conceitos e sobre o excesso de conceitos. Não existe um modelo intermediário para que este licenciando se apoie em sua ação pedagógica. Por isso temos constantemente afirmado que tal modelo deve necessariamente ser-lhes apresentados durante sua formação profissional inicial. Chegamos à dificuldade com menos citações durante as discussões aqui apresentadas, a saber: atividades de apoio. Compreenda-se como atividade de apoio todo o processo de atividades correlatas ao conteúdo específico que possa auxiliar de algum modo no alcance dos objetivos propostos pela aula em questão, para tanto o local de realização pode ser considerado como todo espaço pedagógico ao qual o professor tenha possibilidade de planejar e aplicar as atividades. Vejamos seguinte relato em relação ao conteúdo de Evolução: L2: É professor, tá a gente discutiu que tem que integrar e tudo mais, e tem até aqueles exemplos do texto, mas o material é muito pouco não é, é mais filosófico teórico né? [E7].

No relato de L2 percebe-se que para ele, os conteúdos que possuem um grau de abstração maior, no caso os conteúdos mais filosóficos, devem ser tratados de forma expositiva, por não possuir muitas atividades práticas. Tal aspecto pode inferir que para 3187 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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o licenciando em questão, atividades de apoio resumem-se em atividades práticas, isto é, que resultem em um produto a ser observado. Um sentido empirista do processo de ensino e da utilização de atividade de apoio. Contudo, como nos apresenta Corazza, Lorencini Jr. e Magalhães Jr. (2014) as atividades devem ser estabelecidas de modo que as interações dialógicas sejam proporcionadas; o aluno deve ter a liberdade de demonstrar seu conhecimento, formulando

hipóteses,

debatendo

conceitos,

organizando

mapas

conceituais,

relacionando concepções e conteúdos, de modo que a interação não se restrinja ao professor-aluno, mas também no sentido aluno-aluno. Igualmente às dificuldades apresentadas anteriormente, para proporcionar um ambiente como o que defendemos aqui é preciso que os professores tenham tido contato durante sua formação com este tipo de abordagem; assim a formação inicial constitui-se como o momento ideal para inserir este modo de compreender as atividades de apoio entre os estudantes, bem como integrar ao pensamento do professor em formação novas formas de ver o ensino de ciências e as atividades de apoio que não o empírico – como é o caso da ferramenta ora proposta. Ressaltamos que não estamos aqui deflagrando e/ou negando a potencialidade das atividades práticas que tenham como objetivo a observação de fenômenos – estes com seus potenciais já amplamente discutidos e fundamentados mas refletindo sobre novas formas de abordar conteúdos abstratos.

Considerações finais Tratamos até aqui as dificuldades apresentadas pelos licenciandos quando questionados sobre a viabilidade de utilizar a HFC como ferramenta de ensino. As discussões foram marcadas por limitações inerentes à prática docente que levaram os licenciandos a repensarem, por meio das discussões em grupo sobre a HFC, aspectos como a escolha e transposição de conceitos, o excesso de conteúdo, a insegurança, a desmotivação dos alunos, os reducionismos dos livros e as atividades de apoio. Nossos resultados indicam que a principal dificuldade dos licenciandos em utilizar a HFC como ferramenta de apoio ao ensino está na capacidade de se desvincular dos modelos de professor e aluno que lhes acompanharam por grande parte de suas vidas, enquanto estudantes da educação básica – quiçá, também na educação superior. Este fator permeou todas as categorias discutidas demonstrando que durante a formação inicial é 3188 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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necessário que se tenha uma maior vivencia e reflexão acerca das perspectivas de ensino à qual estamos a defender. Os licenciandos mostram-se aptos a discutirem os problemas da educação científica (os reducionismos, simplificações e a desmotivação dos alunos), inclusive propondo e relacionando aspectos das teorias centrais do construtivismo como a relação do ensino e aprendizagem, das metodologias diferenciadas, inter e multidisciplinaridade, entre outros. Ao que refere-se à inserção da HFC, constatamos que os licenciandos tendem a oscilar entre dois perfis, sendo um perfil teórico em que buscam argumentos em seu arcabouço teórico para discutir os problemas e possíveis soluções; e um perfil prático onde retornam aos seus pré-modelos sempre que as discussões os colocam como atuantes do processo. Pensamos deste modo, que para a inserção da HFC no processo de ensino e aprendizagem ser bem sucedida no ensino básico, faz-se necessário que antes os cursos de licenciaturas comecem a utilizar esta ferramenta de modo contínuo no processo de formação de professores, inclusive proporcionando vivencias com este enfoque, para que as oscilações entre os dois perfis (teórico e prático) sejam cada vez menores. Pensamos ser necessário ressaltar aqui a dificuldade “tempo para leituras” que corresponde a falta de hábitos de leitura de textos bases para a compreensão de conceitos. Este fator é um limitante para a ferramenta que ora se apresenta, pois um dos pilares desta ferramenta está na capacidade dos professores em integrar conceitos inserindo os estudantes em um ambiente dialético e crítico, no entanto como pode um professor instigar os senso crítico de seus alunos a partir de concepções e considerações que ele próprio não domina? Ponderamos assim, ser necessário um processo de apresentação destes conceitos históricos e filosóficos de modo que o licenciando sinta a necessidade de buscar as informações necessárias em textos que abordam esta perspectiva de ensino, principalmente na imersão destes professores em formação em situações de ensino em que a ferramenta HFC seja o enfoque central. Propomos para novos trabalhos o acompanhamento de planejamentos de aulas com o auxílio da HFC, visando identificar e discutir quais as dificuldades são apresentadas neste momento de aprendizagem do ser professor. Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. 3189 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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