Estudos de caso e mapeamento de processo: uma introdução

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Estudos de caso e mapeamento de processo: uma introdução

André Borges IPOL - UNB

Brasília, DF Maio 2015

Introdução

Nas últimas duas décadas vem se observando uma revalorização dos estudos de caso e das narrativas históricas na produção acadêmica internacional da ciência política. Ainda que a utilização de métodos qualitativos tenha sido, desde muito tempo, um diferencial importante da subárea de política comparada, está em curso a construção de um arcabouço metodológico muito mais sólido e integrado, que tem como uma de suas pretensões utilizar a abordagem do estudo de caso para desenvolver e testar teorias. Para Mahoney (2010), trata-se de uma "nova metodologia da pesquisa qualitativa", desenvolvida parcialmente em contraposição ao mainstream metodológico da ciência política norte-americana, porém sem deixar de lado a preocupação com a validade e generalidade das pesquisas. O debate metodológico que acompanhou e acompanha o "revival" dos métodos qualitativos na ciência política tem como ponto central os conhecidos argumentos sobre as limitações intrínsecas ao estudo de um único caso, a saber: impossibilidade de se testar todas as possíveis combinações de causas hipotéticas e ausência de generalidade (Geddes, 2003; King, et al., 1994). Os defensores da "nova metodologia qualitativa" responderam a estas objeções questionando alguns dos pressupostos da visão metodológica tradicional, além de apontarem na direção de estratégias de desenho de pesquisa capazes de maximizar o poder explicativo dos estudos de caso (George and Bennett 2005; Hall 2003; Mckewon 2004) Este capítulo apresenta uma revisão deste debate metodológico e suas implicações para o desenvolvimento recente dos métodos histórico-comparativos. Em particular, o artigo aborda as potencialidades do “mapeamento de processo” (process tracing) com vistas à construção de argumentos teóricos a partir de estudos de caso.

1. Estudo de caso, narrativas e inferência causal

Na definição de George e Bennet (2005: 5), o estudo de caso é uma abordagem e um método de pesquisa que se caracteriza pelo “(...) exame detalhado de um aspecto de um episódio histórico com o intuito de desenvolver ou testar explicações que podem ser generalizadas para outros eventos". O que diferencia o estudo de caso, segundo um conhecido manual de metodologia, é o fato desta abordagem investigar um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claros. Em outras palavras, os estudos de caso são utilizados quando o pesquisador tem interesse em entender melhor condições contextuais, acreditando que estas são pertinentes para o fenômeno em estudo (Yin 1994). Diferentemente da abordagem macro-comparativa de caráter estatístico, que busca divorciar os “casos” do contexto, de modo que o foco possa recair sobre um determinado conjunto de variáveis, o estudo de caso tem como unidade de análise um ou mais eventos ou classes de um fenômeno, que são abordados de forma detalhada e holística (Ragin 1987). Muito embora alguns manuais de metodologia associem o estudo de caso ao exame detalhado de um único caso, na prática é bastante comum

encontrar estudos que se debruçam sobre dois ou mais casos, adotando uma perspectiva comparativa. Assim, George e Bennet (2005, p. 18) e Yin (1994, p. 14) afirmam que os métodos de estudo de caso podem envolver tanto a análise “dentro do caso” (i.e., estudo detalhado de um caso, usualmente ao longo de um determinado período), quanto a comparação entre um pequeno número de casos, concomitantemente à análise intracaso. Yin (1994) estabelece ainda uma distinção entre “estudo de caso” e “pesquisa qualitativa”. Os estudos de caso podem ser baseados em um mix de evidências qualitativas e quantitativas. . A utilização de métodos múltiplos é uma das potenciais vantagens dessa abordagem, ao permitir a triangulação de evidências. A literatura metodológica recente tem adotado como um dos seus pressupostos centrais a impossibilidade de transposição do modelo de explicação causal da análise estatística multivariada para o contexto do estudo de caso. Este é um ponto central para entender o debate metodológico em curso, e que exige uma breve digressão sobre inferência causal nas ciências sociais. Na análise estatística, uma relação causal é pressuposta sempre que a combinação específica de valores de duas variáveis distintas ocorre com mais regularidade do que o esperado com base na distribuição das respectivas freqüências. Em termos simples, se as variáveis x e y estiverem causalmente ligadas uma mudança em no valor de x (variável independente) irá produzir uma mudança no valor de y (variável dependente) após um intervalo de tempo 1. Colocado desta forma, o processo de identificação de associações causais entre variáveis parece simples e até mesmo trivial. Entretanto, tendo em vista a multiplicidade de fatores causais possíveis, especialmente no caso de fenômenos sociais e políticos complexos, o processo de inferência causal e teste de teorias e hipóteses obriga o pesquisador a estabelecer alguns procedimentos de controle com objetivo de separar as causas hipotéticas relevantes das não-relevantes. Quanto maior a complexidade do fenômeno em estudo e o número de possíveis causas envolvidas, tanto maior deverá a ser a dificuldade de isolar as causas que realmente importam, especialmente na presença de efeitos causais aparentes que são, em realidade, fruto de terceiras causas não incluídas na teoria ou modelo em análise. Em um conhecido manual de metodologia comparativa, Peters (1998) toma como exemplo dessas dificuldades a conhecida associação entre democracia e gastos sociais. Isto é, regimes democráticos tendem a gastar mais com políticas sociais do que regimes autoritários. O problema é que o nível de desenvolvimento econômico de um país está relacionado tanto com democracia quanto com o nível de gastos sociais. Países mais ricos têm mais facilidade de manter sistemas democráticos e também de alocar recursos para as políticas sociais. Assim, presumir que a democracia produz mais gastos sociais é apenas parcialmente correto, pois nós deveríamos medir essa associação na presença de uma medida de desenvolvimento econômico. Em termos mais precisos, se houver uma relação não espúria entre democracia e gasto social, isto implica dizer que, comparando países de renda aproximadamente igual, encontraremos, na média, níveis mais elevados de gasto social entre regimes democráticos do que entre regimes autoritários. Uma implicação óbvia do exemplo acima é que qualquer análise sobre a relação entre regimes políticos e gasto social irá produzir, muito frequentemente, inferências incorretas se baseada em dados não representativos do conjunto da população de países. Imaginemos uma amostra de cinco países – A, B, C e D – sendo C e D regimes 1

Os modelos estatísticos presumem a existência de no mínimo uma variável independente (x), ou explicativa, e uma variável dependente (y), que é a variável a ser explicada.

autoritários e A e B democráticos. Imaginemos ainda que A e B são países avançados com renda per capita superior a 25000 doláres anuais e C e D países muito pobres, com renda inferior a 3000 dolares per capita. Dada a associação entre renda per capita e gasto social , a comparação entre esses países nada poderá nos dizer sobre o impacto do regime político sobre o gasto. É possível que A e B tenham níveis de gasto mais elevados do que C e D apenas e tão somente por conta da sua maior renda, sendo a associação observada entre democracia e gasto um efeito puramente amostral. Via de regra, a pesquisa quantitativa tenta resolver o problema da inferência causal através do aumento do tamanho da amostra e do uso de critérios aleatórios, sempre que possível, na seleção dos casos. Ou, havendo disponibilidade de dados, por meio da inclusão de todos os casos que compõem a população relevante (Geddes, 2003). O pressuposto desta estratégia é que um grande número de casos facilita a eliminação das causas não-relevantes e evita problemas de viés de seleção (selection bias). Um N grande possibilita a aplicação de técnicas de regressão multivariada que permitem obter controle estatístico com a estimação de coeficientes que mensuram o efeito da variável x sobre y que é independente de outras variáveis, z e w no modelo associadas tanto a x quanto a y. No exemplo acima, poderíamos estimar um modelo de regressão linear que tivesse gasto social como variável dependente e como independentes uma “escala de democracia” capaz de classificar os países no continuum autoritário-democrático e a renda per capita. Em termos um tanto simplistas, neste modelo hipotético o coeficiente estimado para a escala de democracia nos daria o efeito do regime político sobre o gasto social, “descontando” o efeito da renda per capita sobre gasto social e sobre o nível de democracia. A transposição da mesma lógica de inferência para o estudo de caso resulta necessariamente em dificuldades e limitações intransponíveis. Dentre estas limitações, vale ressaltar o caráter “indeterminado” dos desenhos de pesquisa que analisam um pequeno número de casos. Isto é, a impossibilidade de realização de inferências válidas quando o número de casos é menor que o número de variáveis explicativas em potencial. Por exemplo, um estudo comparativo de apenas dois casos com três variáveis causais hipotéticas de caráter dicotômico não possibilita, logicamente, testar todas as combinações causais possíveis. Segundo o clássico manual de metodologia qualitativa editado por King, Keohane e Verba (1994, , p. 119-120) (doravante KKV), pesquisas sobre um único caso seriam úteis tão somente como fonte de falsificação de proposições não-probabilísticas, dada a impossibilidade de se testar o impacto de variáveis explicativas a partir uma única implicação observável. Há, no entanto, uma diferença chave entre a estratégia de pesquisa macroquantitativa e o estudo de caso, que tem implicações profundas sobre o desenho de pesquisa, inferências e teste de hipóteses. Segundo Ragin (1987) o primeiro tipo de estratégia é "variable-oriented", ou seja, centrada nas variáveis, o que significa dizer que os casos individuais tendem a desaparecer quando se trabalha nesta perspectiva. Assim, o estudioso do fenômeno da estabilidade democrática que utiliza em um grande banco de dados com informações econômicas, sociais e políticas de mais de uma centena de nações dificilmente terá condições de (ou interesse em) investigar a fundo as diferenças entre os casos da Argentina e Serra Leoa, ou entre estes e os Estados Unidos. O que importa neste tipo de pesquisa é o impacto das variáveis explicativas do modelo, (ex., renda per capita, urbanização e porcentagem de analfabetos), sobre a variável dependente (no exemplo, o grau de estabilidade democrática). De forma diversa, a aplicação de métodos qualitativos ao estudo de fenômenos complexos e multidimensionais como as transições para a democracia e o desenvolvimento dos welfare states obriga o pesquisador a tratar os casos como

totalidades e não como coleções de variáveis. Especialmente quando se trabalha com unidades de análise de nível sistêmico, como países ou governos subnacionais, cada caso se apresenta como um "pacote" de variáveis entrelaçadas no tempo e no espaço, tendo a analise detalhada das seqüências históricas e eventos que compõem o caso o papel de desvendar os mecanismos causais associados a estas configurações de fatores (George and Bennett 2005; Peters 1998) Neste tipo de desenho de pesquisa, é possível ao pesquisador multiplicar o número de observações fazendo comparações ao longo do tempo, ou analisando unidades subsistêmicas. Por exemplo, um estudo sobre os efeitos da transição democrática sobre a formação do sistema partidária em um país federativo poderia analisar distintas trajetórias de transição no nível subnacional, comparando dois ou mais estados.Isso implica dizer que o estudo de um único caso, ao contrário do suposto por KKV, não necessariamente é um estudo que produz uma única observação para cada uma das variáveis (George and Bennett 2005). Há que se notar ainda que a lógica frequentista não se encaixa muito bem aos estudos de caso, uma vez que um único caso “crucial” pode apoiar dramaticamente uma nova teoria ou possibilitar a rejeição de uma teoria existente. Ou seja, a questão não é tanto o número de observações, mas o quanto uma dada observação afeta o conhecimento teórico pré-existente (Mahoney 2010). Rueschmeyer (2003, p. 311) observou que a crítica convencional ao estudo de caso único desconsidera as possibilidades do estudo de casos “menos prováveis” (least likely), isto é, menos prováveis em termos de uma teoria de ampla aceitação ou de uma perspectiva teórica implícita. Isto é, se conseguirmos comprovar que uma teoria se aplica a um caso onde esperamos que a sua aplicabilidade seja pequena, teremos um teste de hipótese bem mais forte relativamente à análise de um casos “mais provável”. De forma análoga, ao demonstrar que uma as hipóteses geradas por uma teoria não encontram comprovação em um caso onde esperaríamos que a probabilidade de confirmá-las fosse alta, teremos fortes razões para rejeitar as hipóteses. Outra vantagem da metodologia de estudo de caso estaria na possibilidade de mapear e identificar mecanismos causais em oposição a efeitos causais identificados por meio da associação entre uma variável antecedente e uma consequente. Modelos estatísticos são especialmente úteis para identificar efeitos causais, entendidos como o impacto de uma variável independente x sobre a variável dependente y. Entretanto, a associação estatística entre duas variáveis nada nos diz sobre os mecanismos que conectam essas variáveis. Por exemplo, vamos supor que haja uma relação estatística positiva entre nível salarial dos professores do ensino médio e rendimento dos alunos no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Ainda que esta relação seja intuitivamente persuasiva, não há como extrair conclusões mais sólidas a respeito sem saber quais processos subjacentes respondem por ela. É possível que o aumento dos salários dos docentes esteja contribuindo para atrair candidatos mais qualificados ao magistério. Professores mais qualificados conseguem preparar aulas melhores e motivar mais os alunos. Disso resulta maiores níveis médios de aprendizado e, assim, notas melhores no ENEM. Esta cadeia causal é sintetizada abaixo: Salários docentes mais altos → Atração de professores mais qualificados → Aulas melhores e mais motivação dos alunos → Maiores níveis de aprendizado → Melhores notas no ENEM. Observe que o nosso modelo estatístico hipotético só nos dá informações sobre os pontos inicial e final da cadeia causal, em itálico, que são as nossas variáveis.

Podemos inferir que salários docentes mais elevados resultam em notas melhores no ENEM. Mas não sabemos exatamente como esse efeito opera. Talvez o efeito mais importante seja a atração de professores mais qualificados, que produzem aulas melhores e portanto motivam os alunos. Ou pode ser que com salários mais altos os professores tenham condição de ter um bom padrão de vida sem ter que trabalhar para duas ou três escolas ao mesmo tempo. Com isso, os docentes podem dedicar mais tempo à preparação de aulas e ao atendimento aos alunos, também resultando em melhores níveis de aprendizado. Quando queremos identificar o mecanismo causal que opera por trás de um resultado de interesse, a metodologia de mapeamento de processo pode ser especialmente adequada.

2. Usando narrativas para desenvolver e testar teorias: o mapeamento de processo Bennet (2010) define mapeamento de processo como o exame de pedaços de evidência dentro de um mesmo caso que contribuam para apoiar ou rejeitar uma hipótese alternativa. O pesquisador deve olhar para as implicações observáveis das explicações hipotéticas, quase sempre examinando-as em um nível sub-sistêmico. O objetivo é determinar se os eventos ou processos dentro do caso seguem o previsto por teorias alternativas. Uma metáfora simples permite entender de forma intuitiva a lógica do mapeamento de processo. Quando vemos dois dominós caídos nas extremidades de uma fileira de 50 dominós, podemos dizer que o dominó 1 causou a queda do dominó 50? Se não pudermos ver o que aconteceu aos 48 dominós entre os dois, é difícil dizer. É possível que o dominó 1 e o dominó 50 tenham sido empurrados independentemente, ou talvez a mesa tenha balançado de modo a derrubar somente dois dominós, etc. (George e Bennet, 2005, p. 206). Numa situação como essa, somente a observação de toda sequência de fatos que levou à queda do domino 50 nos permitiria dizer com certeza o que efetivamente causou o resultado observado. Para George e Bennet (2005) a explicação a partir do mapeamento de processo se ampara em um entendimento de causalidade distinto daquele preconizado pelo neopositivismo. Os autores argumentam que há basicamente dois tipos de formulação teórica: a) teorias que podem explicar e prever processos e resultados; e b) teorias que podem explicar processos e resultados, mas não prevê-los. A ciência social trabalha muito mais frequentemente com teorias do segundo tipo (idem, p. 130-131). Entretanto, as perspectivas neo-positivistas se preocupam primordialmente com a identificação de regularidades que possam ser expressas em leis e enunciados gerais, de caráter probabilístico, cujo fim último seria prever a probabilidade de ocorrência de determinado fenômeno. Essa visão encontra-se condensada no modelo da relevância estatística (S-R) para o qual determinados fatores são causais se levam a um aumento da probabilidade de que um determinado resultado aconteça, independente da probabilidade resultante ser alta ou baixa (George e Bennet, p. 134). Para os defensores da metodologia de mapeamento de processo, o modelo S-R é limitado na medida em que não é capaz de distinguir entre efeitos causais e mecanismos causais, além de não dar conta de relações causais complexas, a exemplo de processos causais condicionados pela passagem do tempo (Bennett and Elman 2006; Mahoney 2010).A explicação baseada em mecanismos causais exige que haja consistência entre a teoria e aquilo que é conhecido no menor nível de análise possível. Nessa abordagem uma explicação adequada requer também a especificação de hipóteses sobre o processo

causal que levou ao efeito observado.Mecanismos causais podem ser entendidos como "(...) processos físicos, sociais ou psicológicos de caráter não-observável através dos quais os agentes com capacidade causal operam, mas apenas em condições e contextos específicos, para transferir energia, informação ou matéria para outras entidades" (George & Bennet, 2005: 137). Dentre as vantagens da identificação e mapeamento dos processos causais que levam a um determinado resultado pode-se citar a multiplicação do número de observações "dentro do caso", além da possibilidade de testar várias implicações de uma teoria ao longo de uma determinada cadeia causal (George e Bennet, 2005, p. 207). O mapepamento de processos também pode ser complementar a outros métodos de pesquisa como a análise estatística. Tarrow (2010) argumenta que estudos baseados na lógica da correlação podem ser complementares aos estudos que se valem de mapeamento de mecanismos. Ele dá como exemplo disso a associação entre participação em redes sociais e disposição para a ação coletiva. Essa é uma correlação tão frequente que assume quase o caráter de uma lei sociológica. No entanto, não importa a força dessa correlação; sem entender os mecanismos que a causam, é muito difícil precisar as suas implicações em termos de resultados. Ou seja, a relação entre participação em redes sociais e disposição para a ação coletiva pode ser decorrência do controle social, solidariedade, ideologia, dentre outros fatores. Sem adentrar o processo de mobilização para explicar seus mecanismos de conexão, não é possível entender como a cadeia causal opera. (Tarrow, 2010, p. 252). Variedades de mapeamento de processo e mecanismos causais Segundo George e Bennet (2005) há diversas variedades de mapeamento de processo. O tipo mais simples é a narrativa detalhada. Consiste numa narrativa ou estória detalhada apresentada na forma de uma crônica que se propõem a revelar como um determinado evento veio a acontecer. Na forma mais analítica de process-tracing, partes da narrativa são acompanhadas de hipóteses causais bastante específicas ao caso em estudo. Nesta vertente, teoria e hipóteses são de baixo escopo de generalização, e não extrapolam o caso em estudo. Já a explicação analítica converte uma narrativa histórica em um explicação causal amparada em argumentos teóricos explícitos. Finalmente, o investigador pode utilizar o mapeamento de processo para construir uma explicação geral. Isto pode ocorrer tanto por conta da falta de dados ou de uma teoria necessárias a uma explicação mais detalhada ou por conta dos objetivos da pesquisa.Neste caso, trata-se de um típico movimento de subida de “escada da generalização” (George e Bennet, 2005, p. 210-211). É importante notar que o mapeamento de processo não se confunde com a explicação histórica ou com o relatos etnográfico detalhado (thick description) da pesquisa antropológica. Isto porque o mapeamento de processo tem como objetivo explícito a utilização das narrativas para desenvolver e/ou testar teorias. No entanto, como observa o historiador J. L. Gaddis (2003), em um conhecido ensaio sobre as peculiaridades da pesquisa histórica, os historiadores buscam, no máximo, inserir generalizações dentro das suas narrativas, enquanto os cientistas sociais tendem a encaixar as narrativas a um hipótese ou hipóteses gerais. Para Gaddis, a finalidade maior dos cientistas sociais é confirmar ou refutar uma hipótese, e, assim, eles subordinam a narrativa a essa tarefa. Essa perspectiva seria estranha ao empreendimento da pesquisa histórica, dado que os historiadores raramente reivindicam a aplicabilidade para suas descobertas além de tempos e locais específicos. O desenvolvimento de teorias e a tentativa de isolar as causas de um fenômeno não estariam entre os objetivos

mais importantes do historiador (Gaddis 2003, , p. 80). Para defensores do mapeamento de processo como George e Bennet (2005), de forma diversa, mesmo narrativas detalhadas, de caráter descritivo, teriam como fim último o desenvolvimento explicações teóricas, sendo apenas passos preliminares na identificação de processos causais em potencial. Colocando a questão em outros termos, o mapeamento de processo é um método que tem como objetivo central descrever e testar mecanismos causais teoricamente relevantes por meio da utilização de narrativas. Desse ponto de vista, torna-se de suma importância a identificação do tipo de mecanismo causal que se pretende investigar. Mecanismos que envolvem dependência de trajetória trazem como elemento chave distintos efeitos resultantes da sequência de eventos no tempo. Por exemplo, um evento crítico Z que se desenrolou no tempo t1 pode afetar toda uma série de eventos subsequentes, afetando a ocorrência de X muitos anos ou décadas depois. Imaginemos ainda que X não poderia ter acontecido se outro evento W tivesse se desenrolado antes de Z. Neste caso, a ordem dos eventos (Z-W-X) é crucial para o resultado, uma vez que X só ocorreu porque W aconteceu depois do evento crítico Z. Em termos mais formais, dizemos que há dependência de trajetória quando acontecimentos críticos no passado distante afetam um caso tão profundamente que alteram a evolução e o impacto de desenvolvimentos posteriores, reduzindo o número de alternativas outrora disponíveis. Em termos mais precisos, dependência de trajetória se refere a processos sociais marcados pela presença de retroalimentação positiva (positive feedback), ou seja, processos nos quais a probabilidade de que passos adicionais na direção do aprofundamento de uma trajetória sejam tomados aumenta com cada movimento dentro do caminho escolhido. Isto se dá porque os benefícios relativos de permanência na trajetória, comparados às alternativas previamente possíveis, aumenta ao longo do tempo (Pierson 2004). Um elemento importante para determinar a presença ou não de mecanismos do tipo dependência de trajetória é a possibilidade causal, que significa que mais de uma caminho poderia ter sido escolhido. Ou seja, para a dependência de trajetória ser pertinente, é necessário que hajam diferentes histórias, igualmente prováveis (Bennett and Elman 2006). O mapeamento de processo é especialmente adequado para lidar com este tipo causalidade, pois permite que sejam feitas distinções entre partes distintas da história e entre pontos diferentes no tempo. Uma vez que a temporalidade assume papel importante na explicação - entre outras razões porque se presume que os constrangimentos colocados aos caminhos alternativos se ampliam ao longo do tempo a definição do período inicial e final da narrativa é de grande importância para o teste adequado de hipóteses. Cabe ao pesquisador definir também quais os pontos chaves na árvore de decisão, em especial as conjunturas críticas , onde a história poderia ter se desenrolado de forma diversa. Conforme notam George e Bennet (2005), não se pode pressupor que a dependência de trajetória nos pontos iniciais do desenvolvimento do caso determinou todos os resultados subsequentes. O mapeamento de processo permite avaliar em quem medida e como possíveis resultados de um caso foram restringidos pelas escolhas feitas nos vários pontos de decisão ao longo do caminho (idem, p. 213). Vale notar que fenômenos que envolvem dependência de trajetória se desenrolam, via de regra, por longos períodos de tempo - décadas ou mesmo séculos. Portanto, não parece razoável supor que este tipo de mecanismo esteja presente na operação de fenômenos mais limitados no tempo. Na ciência política brasileira, o estudo de Maria do Carmo Campello de Souza (1990), Estado e Partidos Políticos apresenta um exemplo conhecido e muito bem sucedido de explicação com base em mecanismos de dependência de trajetória. A

principal hipótese da autora é que a baixa institucionalização dos partidos políticos brasileiros se explica por conta da sequência histórica de formação do Estado nacional e do sistema partidário. Os partidos organizados em bases nacionais surgiram após a consolidação de um Estado burocrático centralizado e intervencionista, ao longo do período transcorrido entre a revolução de 1930 e o fim do Estado Novo. Diante de uma burocracia com alta capacidade de intervenção no domínio econômico e social, e cujo aparato corporativsita se encarregou de absorver e controlar as demandas de empresários e trabalhadores, os partidos políticos acabariam por assumir posição secundária na mobilização e organização dos grupos sociais, bem como no processo governativo. O livro de Campello de Souza demonstra como estruturas estatais criadas ainda na década de 1930 acabaram por condicionar o desenvolvimento do sistema partidário mais de uma década depois, no período democrático iniciado em 1945. A evidência histórica apresentada pela autora demonstra que a continuidade entre o Estado Novo e a democracia pós-1945 decorreu, dentre outros fatores, da posição privilegiada do ditador Getúlio Vargas e dos apoiadores do antigo regime no momento da transição. De fato, o principal partido do novo regime, o PSD, surgiu a partir da aglutinação do sistema de interventorias estaduais criadas por Vargas e suas respectivas bases municipais (Campelo de Souza 1990, , p. 111-113). A estruturação do sistema partidário, em realidade, não obedeceu à mobilização de distintas forças sociais, mas a uma disputa entre forças pró- e anti-governo: de um lado, os grupos governistas nos estados, reunidos no PSD, e de outro, as elites políticas desalojadas pelas interventorias, que acabariam por fundar a UDN. O outro partido criado "dentro" do Estado, o PTB, era reflexo direto das estruturas corporativas estatais criadas ao longo do período Vargas. De um lado a estrutura partidária formou-se basicamente por decisão governamental, de cima para baixo, e não por clivagens sócio-econômicas. De outro, garantiu-se a continuidade, após 1945, de um Estado burocrático e centralizado e de um Executivo hipertrofiado que chamava para si a responsabilidade pela implementação das grandes políticas, o que resultou inevitavelmente no enfraquecimento dos partidos e na sua relegação a papel secundário de administração do clientelismo (idem, p. 30-31 e 41-42). Outro tipo de mecanismo causal que pode ser objeto de mapeamento de processo é a convergência de diversas condições, variáveis independentes ou cadeias causais. O clássico estudo de Skocpol (1979)sobre Estados e revoluções é um exemplo desse tipo de análise. Como nota Mahoney (2012), a chave do argumento de Skocpol sobre a revolução francesa está na combinação de dois mecanismos distintos - revoltas camponesas frequentes e desmantelamento do Estado - que teriam desencadeado um total ruptura da ordem social. Skocpol demonstra , por meio do mapeamento de processo, que estes mecanismos estavam conectados a várias outras condições causais, como a competição internacional entre a França e outras nações vizinhas e a presença de laços de solidariedade em comunidades camponesas relativamente autônomas. Uma forma de processo causal ainda mais complexa envolve a interação de variáveis causais que não são independentes umas das outras (George e Bennet, 2005, p. 212). Dizemos que há interação quando os efeitos de x sobre y dependem do valor de uma terceira variável z; analogamente, os efeitos de z sobre y dependem do valor de x. Embora as interações possam ser analisadas por meio de modelos estatísticos multivariados, há uma limitação neste tipo de análise uma vez que os coeficientes mensuram apenas os efeitos da interação, mas não permitem aprofundar a compreensão dos mecanismos por trás da interação. Um exemplo deixará este último ponto claro. Digamos que um pesquisador deseje demonstrar que há uma interação entre pobreza e crescimento urbano rápido e

desordenado, que resulta em maiores taxas de criminalidade violenta. Em termos mais precisos, a hipótese é que o efeito da pobreza sobre a criminalidade (operacionalizada como taxa de homicídios) é potencializado pelo crescimento urbano desordenado. Deste modo, mantida a pobreza constante, localidades que experimentam processos rápidos e caóticos de urbanização devem experimentar níveis mais altos de criminalidade violenta, comparativamente a outros que experimentam mudanças mais graduais ou mesmo que apresentam população majoritariamente rural. Por outro lado, um aumento intenso da pobreza deve ter efeito muito mais forte sobre os homicídios em municípios que apresentam urbanização rápida do que entre aqueles que não experimentam essa condição. A análise estatística de um série temporal da variação dos homicídios no nível municipal poderia testar essa hipótese com a inserção de um termo interativo entre a proporção da população abaixo da linha de pobreza e o crescimento da urbanização em relação ao ano anterior. Controlando pelo nível médio de urbanização no período e outras características demográficas sociais e econômicas dos municípios, seria possível estimar a magnitude do efeito médio da pobreza sobre a taxa de homicídios, para distintos níveis de crescimento da urbanização. Note, porém, que obter efeitos interativos estatisticamente significativos apenas nos permitiria identificar efeitos causais, não trazendo nenhuma informação sobre possíveis mecanismos por trás desta interação. Estes teriam que ser pressupostos ou intuídos com base em teorias existentes. Um possível mecanismo por trás da interação entre pobreza x urbanização rápida e desordenada poderia estar no aumento dos preços dos imóveis e expulsão das comunidades pobres para áreas urbanas periféricas, em paralelo à incapacidade do Estado de prover serviços básicos frente à crescente demanda. O surgimento de favelas afastadas do centro, em assentamentos precários e com a virtual ausência do Estado, tanto como garantidor da ordem pública, quanto como prestador de serviços básicos, abriria espaço para o enfraquecimento dos mecanismos de controle social, criando um caldo de cultura favorável à delinquência. A ausência do Estado e a situação de segregação frente à "cidade legal", daria espaço para o surgimento de atividades ilícitas como o tráfico de drogas e para a resolução de conflitos por via da força. O pesquisador poderia então complementar a sua análise com uma pesquisa sobre a evolução da criminalidade em uma comunidade pobre ao longo de várias décadas num dado município. Com base nos registros das reuniões da associação de moradores, entrevistas com lideranças locais e moradores em geral, dados do censo demográfico e notícias da imprensa local, o pesquisador poderia construir uma narrativa rica e detalhada da evolução da criminalidade em paralelo às mudanças sociais ocasionadas pelo crescimento urbano. Esta narrativa poderia então ser confrontada com os mecanismos que estariam por trás da interação entre pobreza e urbanização caótica. Por exemplo, o pesquisador poderia demonstrar que, após a transferência da comunidade do centro da cidade para uma região distante na periferia, teria havido um grande crescimento das taxas de evasão escolar e desemprego entre os jovens na comunidade. O crescimento do contingente de jovens fora da escola e sem inserção no mercado de trabalho seria uma primeira evidência da desestruturação social provocada pela expulsão dos moradores do centro da cidade, criando contexto favorável à criminalidade. Evidências adicionais poderiam ser obtidas verificando-se as mudanças no noticiário ao longo do tempo, (ex., em que ponto no tempo a delinquência juvenil e o tráfico de drogas começaram a ser associados ao cotidiano da comunidade?) e por meio de entrevistas detalhadas que permitissem verificar as mudanças no cotidiano da comunidade (ex., em que momento as pessoas começaram a ter medo de sair à noite? Por que isso aconteceu?). Os passos seguintes da cadeia causal poderiam ser

verificados, observando-se as mudanças no acesso a serviços como coleta de lixo, esgotamento sanitário, policiamento e transporte público ao longo dos dois períodos (antes e depois da saída do centro da cidade). Uma vez mapeada a cadeia causal relevante, caberia comparar o nível médio de renda dos moradores e outros indicadores associados à pobreza (ex. desnutrição), antes e depois da mudança do centro para a periferia. Caso o pesquisador conseguisse demonstrar que os níveis globais de bemestar material não se alteraram significativamente, não obstante o crescimento expressivo das taxas de criminalidade violenta no período, haveria então evidências de interação. Ou seja, a pobreza sozinha não parece gerar índices elevados de criminalidade, sendo necessária a sua combinação com a desestruturação social causada pela urbanização rápida e desordenada para gerar esse tipo de fenômeno. Uma questão central no debate em torno do uso de narrativas e do mapeamento de processo para desenvolver e testar teorias diz respeito ao confronto entre evidências e hipóteses. Isto é, quais são os testes empíricos que os pesquisadores podem utilizar na aplicação do mapeamento de processo? Há basicamente dois tipos de teste. Os testes do sarrafo (hoop tests) podem eliminar hipóteses alternativas, mas não dão evidência em apoio a uma hipótese não eliminada. A hipótese precisa "saltar o sarrafo" para permanecer na lista de explicações plausíveis, mas sucesso em passar o teste não é um critério suficiente para validar a hipótese. Fazendo uma analogia com uma investigação criminal, neste tipo de teste checamos se o acusado estava presente na cidade em que ocorreu o crime no dia do assassinato. Se a resposta for sim, não eliminamos o acusado com o suspeito, mas por outro lado não temos como provar que ele realmente cometeu o crime(Bennett 2010). Ou seja, este tipo de teste permite identificar causas que são necessárias para a ocorrência do fenômeno - o acusado não poderia ter cometido o crime sem estar fisicamente presente na cidade no dia em que este aconteceu - , mas que não são suficientes para explicá-lo. Já a passagem pelo "teste da pistola fumegante" (smoking gun tests) é condição suficiente mas não necessária para a validade de hipótese. Assim, se o pesquisador propõe a hipótese de que uma determinada causa ou resultado ocorreu, a consequência de passar pelo teste da pistola fumegante é confirmar a sua presença. Porém, obter um resultado negativo no teste não elimina a possibilidade de que a causa ou resultado existe (Mahoney 2012, , p. 8). Isto é, o fato do suspeito ter em suas mãos uma pistola com fumaça saindo do cano imediatamente após o assassinato implica o suspeito diretamente; porém a ausência desta evidência não exonera o suspeito (Bennet, 2010, p. 213). Como podemos inferir conexões causais a partir destes testes? Para avaliar uma hipótese sobre o efeito de X sobre Y, os testes do sarrafo checam a existência de um ou mais mecanismos intervenientes (M) conectando X e Y, estabelecendo condições de necessidade ou suficiência (Mahoney, 2012, p. 10). Dizemos que uma causa x é necessária quando podemos provar que um fenômeno y não deverá ocorrer sempre que x estiver ausente. Por outro lado, se uma causa necessária estiver presente, o fenômeno y poderá estar presente ou ausente. Quando uma causa x é suficiente, a presença de x estará sempre associada à ocorrência do fenômeno y. Porém, a ausência de uma determinada causa suficiente não implica a não ocorrência do fenômeno. É somente na situação em que um fator x é um causa necessária e suficiente o resultado estará sempre presente quando x estiver presente, e ausente quando x estiver ausente (Mahoney, 2003, p. 341). Do ponto de vista lógico, a hipótese de que X é necessário para a ocorrência de Y, requer que X também seja necessário para todos os mecanismos intervenientes

suficientes para Y, incluindo nesta lista combinações de condições suficientes. Em contraste, se a hipótese é que X é suficiente para Y (incluindo combinações de condições que são, em conjunto, suficientes para Y), um teste do sarrafo pode ser realizado em conjunção com qualquer mecanismo que é necessário para o resultado. Para que a hipótese passe o teste, X deve ser suficiente para M. O pressuposto aqui é que se X é realmente suficiente par Y, X também deve ser suficiente para todos os mecanismos intervenientes que são necessários para Y (Mahoney, 2012, p. 11). Um bom exemplo de aplicação destes testes aparece na pesquisa de Luebbert (1991) sobre a estabilidade/ruptura da democracia liberal no período do entre guerras na Europa. Conforme Mahoney (2012, p. 22), o argumento central de Luebbert é que uma aliança entre partidos liberais e o movimento operário era condição suficiente para o desenvolvimento da democracia liberal na Inglaterra no período transcorrido entre as duas grandes guerras mundiais. Um elemento chave do argumento envolve um teste do sarrafo com um mecanismo interveniente: um movimento operário polticamente moderado. Luebbert (1991) pressupõe que este mecanismo era necessário para a democracia liberal. Assim, se a hipótese estiver correta, a aliança entre o trabalhismo e liberalismo deve se condição suficiente para este mecanismo. Como vimos, uma causa suficiente de um resultado deve ser suficiente para todos os mecanismos que são necessários para o resultado. Luebbert demonstra que a sua hipótese é capaz de "pular o sarrafo" através da comparação entre o caso inglês e de outros países europeus, onde existiam movimentos operários fortes e ideológicos. Nestes outros casos, movimentos operários dotados de consciência de classe contribuíram para a instabilidade política, de modo que o equilíbrio só poderia ser restabelecido com uma profunda revisão do modelo liberal. Neste sentido, a análise comparativa de Luebbert demonstra que o mecanismo interveniente - um movimento operário moderado - era condição necessária para a estabilidade da democracia liberal. Por outro lado, a evidência histórica sobre a Inglaterra demonstra que a aliança entre liberalismo e trabalhismo foi suficiente para garantir a moderação ideológica do movimento operário. Ao demonstrar a conexão de suficiência entre a sua variável independente (aliança liberal-trabalhista) e o mecanismo interveniente (movimento operário moderado), bem como a relação de necessidade entre o mecanismo e o resultado (estabilidade da democracia liberal), Luebbert consegue comprovar a relação de suficiência entre a aliança liberal-trabalhista e a sobrevivência na democracia liberal na Inglaterra (Mahoney, 2012, p 12). No que diz respeito ao teste da pistola fumegante, se há razões para crer que a causa hipotética é necessária para o resultado, o analista pode realizar o teste identificando um mecanismo que é necessário para o resultado. O pressuposto por trás do teste é que, muito embora nós talvez não tenhamos como saber se X é realmente necessário para Y, é provável que tenhamos condições de estabelecer que M é necessário par Y. Assim, podemos investigar se X é necessário para M. Isto é, a questão de saber se X é necessário para M pode ser mais facilmente respondida porque X e M estão mais próximos entre si no tempo e portanto podem ser mais facilmente conectados em termos causais (idem, p. 12). Considerações finais A utilização do mapeamento de processo permite aos pesquisadores tratar de modo mais rigoroso e sistemático a construção de narrativas em seus estudos de caso. Em especial, a literatura metodológica que se desenvolveu em torno desse tipo de análise condensa duas preocupações centrais da nova metodologia qualitativa na ciência

política. Em primeiro lugar, a preocupação com a complexidade causal intrínseca a muitos fenômenos políticos de grande escopo e/ou que se desenrolam por longos períodos de tempo. Em segundo lugar, o reforço do estudo de um ou poucos casos analisados de forma profunda dentro de um contexto específico, como estratégia de grande importância para a descoberta científica no âmbito das ciências sociais. Apesar das vantagens evidentes do mapeamento de processo, cabe algumas notas de cautela. A utilização adequada desta metodologia requer do pesquisador a capacidade de identificar e classificar os mecanismos causais presentes em um fenômeno de interesse. Além disso, para que se justifique a sua utilização é necessária a existência de uma cadeia causal ininterrupta. É preciso ainda que o pesquisador consiga ajustar a narrativa aos conceitos e hipóteses de interesse. A mera descrição de fatos, de forma sequencial, não se confunde com o mapeamento de processo, uma vez que este método envolve, necessariamente, a organização de narrativas com base em teorias ou o uso dessas mesmas narrativas, de forma indutiva, para produzir novas hipóteses e argumentos teóricos. Por fim, e não menos importante, cabe ressaltar as potencialidades de combinação entre o mapeamento de processo de sequências causais complexas e a utilização de métodos macro-comparativos qualitativos; o mesmo valendo para análises multivariadas com o objetivo de testar hipóteses sobre efeitos causais. Neste sentido, é fundamental que o pesquisador tenha ciência das vantagens e limitações dos vários métodos à sua disposição, para garantir a definição das estratégias de pesquisa mais adequadas ao seu objeto de estudo.

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