Estudos de conjuntura 13, \"O aprofundamento do golpe: neutralização do centro, fim da Lava-Jato e resistência popular\", Blog do CEE Fiocruz, setembro de 2016.

May 30, 2017 | Autor: J. Domingues | Categoria: Esquerda, Centro, Lava Jato
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O aprofundamento do golpe: neutralização do centro, fim da Lava-Jato e resistência popular  Publicado 09 Setembro 2016

JOSÉ MAURÍCIO DOMINGUES

Três possibilidades vinham se pondo no sentido de promover ou ao menos possibilitar uma renovação do sistema político brasileiro em meio à crise política dos últimos anos. Primeiramente, a ascensão de uma centro-esquerda capaz de, em médio prazo, deslocar o predomínio dos atuais partidos de centro, em especial o PMDB fisiológico, os quais serviram de sustentação aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e acabaram por ser agentes ativos do golpe parlamentar do impeachment. Em segundo lugar, a atuação decidida e autônoma do Judiciário, em especial do Ministério Público, dando continuidade às investigações da Operação Lava-Jato para além do PT. Finalmente, a reorganização do campo popular e de esquerda. Com a polarização desencadeada pelo impeachment, esse novo centro se encontra severamente dividido. A maior expressão disso é a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva. Seus setores parlamentares mais importantes e boa parte de suas bases se encontram à esquerda, ao passo que sua principal liderança e comando nacional inclinam-se à direita. O novo e promissor partido certamente sofrerá com isso, inclusive nas atuais eleições municipais. Esse centro está neutralizado a esta altura, embora em médio e longo prazo provavelmente tenha de buscar alternativa pela esquerda – moderadamente, pois o campo da direita segue bem ocupado.

Com a nomeação de José Bonifácio Borges de Andrada como vice de Rodrigo Janot na Procuradoria Geral da República, a derrota dos setores progressistas dentro do Ministério Público é patente A operação Lava-Jato possivelmente chegará a seu fim. Com a nomeação de José Bonifácio Borges de Andrada como vice de Rodrigo Janot na Procuradoria Geral da República, a derrota dos setores progressistas dentro do Ministério Público é patente. Ao que parece, um delicado equilíbrio aí existia, o qual foi rompido com a saída de Ela Wiecko. Notoriamente ligado ao PSDB e a Aécio Neves, Andrada

decerto trabalhará para blindar sobretudo os quadros desse partido e, em acordo mais amplo, provavelmente o PMDB e o governo Temer. A ideia de que o Judiciário atua como uma forca pretoriana é em boa medida desmentida por esse desfecho. Suas divisões internas e fragilidade frente ao sistema político e seus setores mais conservadores se fazem evidentes neste momento, com o projeto de moralização da política que parecia sustentar posto em xeque. Se o papel de Janot desde já se põe como negativo e suspeito, pois ou tem sido de fato ativo na articulação seletiva da Lava-Jato contra o PT ou começou a aceitar as pressões para enterrá-la sem lastimar o PSDB e Neves, o desdobramento das divisões internas do MP deve ser analisado com cuidado na sequência dos acontecimentos e nos próximos anos. A ver também como se desdobrarão as delações da Obrebrecht e da OAS e como o MP reagirá às leis de anistia que o Congresso pretende inventar para se absolver de crimes de caixa dois eleitoral (o que permitirá muito mais que isso, obviamente).

Mais amplamente, uma nova esquerda levará tempo ainda para emergir, sabe-se lá com que feições Sobram as forças populares e a esquerda que, divididas, tentam resistir e se reorganizar. O esforço terá de ser enorme para fazer frente às medidas neoliberais, altamente regressivas e impopulares, anunciadas pelo governo Temer. Mais amplamente, uma nova esquerda levará tempo ainda para emergir, sabe-se lá com que feições. A derrota da esquerda tem historicamente implicado uma direitização da sociedade e do Estado. Sem forças morais e programáticas, e sobretudo isolada, fica sujeita, ainda que possivelmente mobilizada, à ofensiva da direita. É o momento que vivemos, como se ela estivesse largada em mar revolto. O mar, como sabemos, não tem cabelos onde possamos nos segurar. Resistir e superar essas três debilidades são demandas tão difíceis quanto urgentes de serem respondidas.

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