Estudos de conjuntura 15, \"Entre a democracia e oligarquia\", Blog do CEE Fiocruz, dezembro de 2016.

May 26, 2017 | Autor: J. Domingues | Categoria: Brasil, Sistema Político, Crise
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Entre a democracia e a oligarquia

Publicado 10 Dezembro 2016

JOSÉ MAURÍCIO DOMINGUES

Falar de conjuntura no momento está difícil. Ela muda como papel ao vento. Mas com uma direção em meio a sua labilidade. E esta é a da desorganização da república. Até agora o Supremo Tribunal Federal (STF) resistiu a ser sugado para dentro do olho do furacão. A liminar conferida pelo ministro Marco Aurélio Collor de Mello e cassada pelo pleno do STF, após intensa articulação que envolveu Gilmar Mendes, Michel Temer e o alto tucanato, amenizou o explosivo conflito que se desenhava, mas trouxe o tribunal para o centro da crise e de pé trocado, com resultados desmoralizadores. Juntaram-se enfim os três poderes no cambalache nacional. Ao mesmo tempo a economia não melhora, a depressão se instala e 2017 promete ser um ano ainda pior, com mais desemprego e quebradeira dos estados,

independentemente das inócuas, desse ponto de vista, brutais reformas propostas e aos poucos aprovadas pelo governo Temer. O que houve? Como o que parecia sólido emerdou-se no ar? De uma crise política passamos velozmente a uma crise institucional, com uma economia que perdeu o rumo. A direita radicaliza seu projeto neoliberal, sem projeto de fundo, os políticos profissionais vivem o salva-se quem puder frente à operação Lava-Jato e a esquerda, em seus diversos quadrantes, sem estratégia clara e enfrentando o descrédito trazido pelos erros do PT, mostra-se incapaz de reagir à altura das exigências da conjuntura. Ao mesmo tempo o Judiciário, preocupado com seus altos salários e resvalando para o autoritarismo por vezes, evidencia as entranhas do funcionamento do sistema político, corrompido pelo conluio entre público e privado. Ele adquire centralidade na conjuntura em razão do desmoronamento daquele, mas também manifestando sua fragilidade ao ser sugado e deixar sugar pelos conflitos que nele se desdobram. Nada que ver com um ativismo judicial acachapante, sem falar que se localiza menos na política do que na zona criminal (dando razão à campanha da mídia de desmoralização da política).

Ao mesmo tempo o Judiciário, preocupado com seus altos salários e resvalando para o autoritarismo por vezes, evidencia as entranhas do funcionamento do sistema político, corrompido pelo conluio entre público e privado. Nada disso explica como chegamos tão rápido à situação atual. Será este sem dúvida um caso a ser analisado em detalhes por gerações de cientistas sociais. Tampouco é claro como sair do atoleiro. Na verdade, o cenário, ainda que de piora paulatina e não tão súbita, se assemelha cada vez mais ao da Argentina de 2001, com a diferença de que uma classe trabalhadora com muito fortes memórias de luta e capacidade de mobilização não se encontra presente no Brasil, ao contrário do que lá ocorre. Pode ser que eleições em 2018 – imprevisíveis, mas que decerto iniciarão o desmonte dos grupos instalados no momento no poder – permitam arrumar as coisas. Todavia, nem isso é garantido. Nesse ínterim, vão todos os personagens públicos de maneiras diversas se avacalhando ou forçando sua notoriedade e soluções que não são negociadas com a sociedade. Ademais, o que significa arrumar as coisas tem conteúdo ambíguo. Pode ser que a renovação do sistema político implique a consolidação de uma oligarquia liberal que fará de tudo para fechá-lo (dificilmente serão, de todo modo, os próceres do PSDB e PMDB a realizá-lo, abatidos provavelmente pela Lava-Jato; outros, distintos e de cara nova, tomarão seu lugar). A esquerda, que vive a miragem de Lula e Ciro Gomes como candidatos e presidente, não tem nem projeto nem alianças para governar – também dificilmente terá votos para ganhar uma eleição. Pode ser ainda – e essa é a melhor perspectiva e esperança – que um centro comprometido com uma normalização nos quadros da democracia liberal emerja e estabeleça um terreno mais neutro de disputa. Inútil provavelmente dizer que é nesta alternativa que a esquerda deveria ter que apostar. O tempo é senhor e nos ensinará esses caminhos. Ou não, o que nos reservará o nada invejável espaço de esquerda meramente testemunhal, ante um estado forte e impermeável. A ver como nos saímos nos próximos anos. * Professor e pesquisador de Sociologia do Iesp/Uerj e pesquisador-associado ao CEE/Fiocruz

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