Estudos sobre geografia urbana : processos, formas e funções; formação de cidades

June 3, 2017 | Autor: Dandara Santos | Categoria: Urban Geography, Cities
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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Centro de Ciências Matemáticas da Natureza

Instituto de Geociências

Departamento de Geografia

Geografia Urbana



1ª Avaliação

Trabalho sobre cidades, processos e formas






Professor:
William Ribeiro





Dandara Augusto Santos



Rio de Janeiro, 2 de maio de 2016



Introdução
É evidente que as cidades são a forma de organização da maioria da população no mundo, por isso o contato com o espaço urbano é muito inato, desde muito cedo aprendemos a entender, ainda que de forma não acadêmica, as formas e funções que envolvem nosso modo de organização.
Sabemos, que no centro da cidade, tendo como exemplo a cidade do Rio de Janeiro, encontraremos grandes prédios, sedes e/ou filiais de grandes empresas, edifícios destinados a gestão pública, muitos bancos, largas avenidas, diferentes modais de transportes, como um comércio diversificado quanto ao tipo de produtos como ao público ao qual são destinados, evidência da coexistência de diferentes estratos sociais, o que infere uma diferenciação no preço dos mesmos.
Por outro lado, há os bairros majoritariamente residenciais, mas que possuem atividade comercial não diversificado quanto ao centro da cidade. Dentre esses bairros, é clara uma diferenciação daqueles habitados por classes com poder aquisitivo maior, e menor esses últimos estão localizados, geralmente, mais afastados do centro, salvo às favelas, que, de acordo com a geomorfologia da cidade, cortada por morros, permitiu que a ocupação de parte da população de baixa renda se localizasse nas encostas daqueles, para que assim pudessem residir nas proximidades de seu trabalho, mesmo expostas aos riscos de erosão e movimento de massa.
Essas formas descritas, e suas funções intrínsecas, são observadas não só na cidade supracitada, mas na maioria dos espaços urbanos contemporâneos, que atingiram certa complexidade, erguidos sob a lógica industrial que tem tendência de homogeneização, visto à produção em larga escala. Assim os centros econômicos e de gestão apresentam paisagens semelhantes, como evidenciado pelas grandes construções e vias, nas fotos 1 e 2, respectivamente Rio de Janeiro e Sidney.
Foto 1 : centro do Rio de Janeiro, BrasilFonte 1 : https://c2.staticflickr.com/6/5126/5364370068_ddb2466f6d_b.jpg Foto 2 : centro de Sidney, AustráliaFonte2:http://www.10wallpaper.com/wallpaper/medium/1209/Sydney_central_business_district-architectural_scenery_wallpaper_medium.jpg

Foto 1 : centro do Rio de Janeiro, Brasil
Fonte 1 : https://c2.staticflickr.com/6/5126/5364370068_ddb2466f6d_b.jpg
Foto 2 : centro de Sidney, Austrália
Fonte2:http://www.10wallpaper.com/wallpaper/medium/1209/Sydney_central_business_district-architectural_scenery_wallpaper_medium.jpg

Em busca de um debate teórico-conceitual que permita o esclarecimento e o entendimento das formas observadas e descritas, deve-se considerar, primeiramente o processo que culminou nessas formas: o processo de urbanização. Para isso, faz-se pertinente e necessária a análise histórica da formação desses espaços urbanos, a partir das organizações mais primitivas, de modo que possam ser percebidos e analisados os requisitos fundamentais os quais o espaço urbano exige para ser constituído. Assim, podem-se compreender as rupturas e o desenvolvimento das complexidades que resultaram em reestruturações e destruições, persistentes até hoje, e, por conseguinte apreender as mudanças de formas e funções das cidades até a contemporaneidade.
Além de como outros processos e sistemas tiveram sua disseminação favorecida graças a concentração promovida pelas cidades, como foi o processo de industrialização, com suas revoluções, e o sistema capitalista que encontrou no espaço produzido pelo processo de urbanização as melhores estruturas para sua emergência e reprodução, ambos passam assim a influenciar nas dinâmicas e reestruturação da cidade.

Origem da cidade: sobre as condições necessárias para constituição e o seu processo de formação
No que tange às exigências fundamentais para que se possam obter organizações com níveis de sofisticação cada vez maiores, é obrigatório pensar, antes de tudo, sobre como a fixação dos grupos se deu. Numa análise bem atenta Lewis Mumford (1991,p.17) salienta a importância do que chama de suprimento alimentar amplo e seguro, dado pelo início das praticas de domesticação de animais e plantação de mudas de vegetais, o que exigia dos grupos um tempo de assentamento maior para espera do ciclo de desenvolvimentos dos últimos gêneros. Aquela domesticação de animais, no entanto, incluía a domesticação do próprio homem neolítico, o que se deu através das mulheres, que ao terem filhos eram submetidas a um ritmo diferente, influenciado pela condição de fêmea lactante que concentrava seus esforços para proteção e acolhimento do filho pequeno, essa revolução sexual teria sido pretérita e favorecedora da revolução agrícola. Dessa maneira, com a imposição de ocupação mais resistente, devido as áreas cultivadas, as aldeias surgem, como locais de maior segurança para as famílias, além de ser lugar de zelo, cuidado e nutrição dos rebentos. Nesse tipo de organização elementar, a mulher exerceu protagonismo, não só favorecendo essa associação, como na sistematização das atividades agrícolas, produção artesanal, e outras diversas funções (Mumfurd,1991,p.19).
Como visto o advento de novas técnicas dadas a partir das revoluções sexual e agrícola, possibilitaram o aldeamento, que foi um tipo de organização entre iguais, comuns, o que adéqua à denominação de comunidade, já que não havia divisão social do trabalho fora a de gênero. Contudo, a cidade, sendo uma produção social e lugar da diferença, só se dá no estabelecimento da diferença e através das diferenças. A condição para a criação dessas assimetrias nasce da emergência de classes, na diferenciação social do indivíduo posto o excedente alimentar, para que aqueles que, em princípio se diferenciaram, pudessem se ausentar da atividade agrícola, não a prejudicando. Foram os caçadores, essa classe que rompeu com equivalência entre os aldeões, representaram também, o elo do paleolítico com o neolítico, visto que essa função predominante no paleolítico perdeu sua razão de existência no período pré histórico posterior.O caçadores ressurgem, mas nesse contexto com o papel de proteção da aldeia contra animais ferozes e/ou outros homens, posição que garantiu prosperidade as aldeias, que tinham essa proteção. Esse cargo, por muitos caçadores foi entendido como superior, adquirindo uma posição de chefe, subjulgando e inferiorizando socialmente aqueles que não desempenhavam a sua atividade. Todo esse processo é evidenciado no trecho:
Isto quer dizer que com o correr do tempo a diferenciação do trabalho foi se delineando. Alguns homens na aldeia, os fortes caçadores, ficaram desobrigados de desenvolver atividades de produção alimentar, em troca da proteção que oferecia aos habitantes[...]o caçador tornou-se figura importante na comunidade agrícola, e passou a desempenhar uma tarefa maior, a de governar os aldeões.[...]A relação criada de dominação entre aldeões e caçador-chefe-político-rei criou condições para uma relação de exploração.
(SPOSITO,1994,p15,16)
É delineada a partir dessa relação exposta por Sposito (1994) a primeira relação de assimetria social que vai permitir a aparição de classes, que vai permitir o estabelecimento de uma lógica de exploração de indivíduos sobre os outros: a divisão social do trabalho. A divisão social do trabalho infere complexidade as funções sociais, surgem então, diversos outros papéis dentro da aldeia, acompanhado de uma estruturação física, de construção de muralhas ou sistemas de irrigação, que culminou na especialização das atividades desenvolvidas no território. Desempenhando o papel de sustento alimentício daquelas atividades, os agricultores que se dedicavam à função agrícola passaram a produzir não só para sustentar a si mesmo, mas também àqueles que estavam no que agora, estabelecido a divisão territorial do trabalho, pode-se chamar de cidade.
A cidade é uma forma resultante e condicionante, visto que não é forma-final, mas está em constante reestruturação por seus agentes, do processo de urbanização que tem como requisitos a fixação, a produção de excedente alimentar, ou seja, associação de dependência da cidade para com o campo, e a divisão territorial do trabalho.
É importante frisar que o campo e a cidade estabelecem relação complementar, e não antagônica, de modo que muito se pensa, campo e cidade fazem parte da mesma totalidade da divisão territorial do trabalho, um não tem razão de existência na ausência do outro.
Por fim, pôde-se perceber através dessa análise histórica do surgimento das cidades a real essência de formação desse tipo de organização, como aponta Sposito (1994,p17) de modo sucinto e elucidativo "[...] a cidade na sua origem não é por excelência o lugar de produção, mas o da dominação " e reiterado por Singer (1990,p 15) "a cidade é o o modo de organização espacial que permite à classe dominante maximizar a transformação do excedente alimentar, não diretamente consumido por ele, em poder militar e esse em dominação política. "


Dos processos de urbanização pré-capitalistas
A partir do entendimento do processo de urbanização, que desencadeia a forma de organização em cidades, explicitada anteriormente, além de sua relação com o campo e necessidade de estabelecimento de assimetrias, pode-se partir agora, para análise dos distintos agentes, formas, funções que resultaram em diferentes estruturas, e processos que formaram as cidades ao longo dos séculos, assim como as rupturas e os desenvolvimentos de complexidade, que também as transforma, dado o caráter dinâmico de reestruturação da cidade. Aqui se propõem um resgate dos espaços urbanos desde a Antiguidade Oriental e Clássica até a era do Capitalismo Monopolista.
Numa análise mais retida a localização geográfica dessas cidades, é importante ressaltar que eram condicionadas não só pelas estratégias de proteção militar, mas também pelas condições naturais aliadas a necessidade humana, assim deu-se primordialmente cidades nas proximidades de rios, e em locais de geomorfologia pouco acidentada. Como exemplo são as cidades datadas do período antes de Cristo, que ocuparam as proximidades dos Rios Tigres e Eufrates e os vales dos Rios Nilo, Indo e Amarelo.(SPOSITO,1994,18)
As cidades instauradas e desenvolvidas na Antiguidade Oriental e Clássica tiveram como marco importante para o estabelecimento da divisão social do trabalho o caráter escravista de suas sociedades, o que de certa forma garantiu a possibilidade de desenvolvimento urbano com base nessa exploração, mas que também submetia essas sociedades à necessidade de periódicas expansões em busca de exercer dominação sobre outros povos, isto é, escravizá-los, para manter seu modo de produção. Essa estrutura social formada com base na mão de obra escrava é dependente das expansões, de forma que se essas não forem realizadas, não há capacidade de manutenção da estrutura social e as sociedades e os impérios se desintegram.
Em contrapartida, os impérios que conseguiram se expandir e dominar territórios foram capazes de não só manter sua mão de obra, mas garantir o abastecimento agrícola, caracterizando um processo de expansão capaz de sustentar as demandas das cidades gestoras, ademais o principal motivador da ampliação da dominação era a questão militar, o objetivo era o controle do território. Portanto, com as conquistas de cidades menores, a sede desse império pode-se desenvolver as custas dessas dominações e se estabelecer como a principal cidade que abrigava as funções e personagens mais importantes da estrutura social, para afirmar sua supremacia ergueram-se construções monumentais, que não raro resistem até a atualidade, além de muros de proteção dessa cidade. Mumford (1991) esclarece o que chama de "" arquitetura monumental "" como expressão de poder:
As pesadas paredes de argila bem cozidas ou de sólida pedra davam às efêmeras funções do Estado a certeza de estabilidade e segurança, de poder ininterrupto e de autoridade inabalável. O que hoje chamamos de "arquitetura monumental" é, antes de tudo, a expressão do poder e esses poder exibi-se na reunião de custosos materiais de construção e de todos os recursos da arte, bem como num domínio de todos os estilos de acessórios sagrados.
(MUMFORD,1991,p78)
O território administrado por esses impérios, um em específico, o Império Romano, se estendeu por grande parte da Europa, criando cidades de diferentes níveis hierárquicos, uma vez estabelecida a divisão territorial do trabalho, que exigiu a maior inter-relações marcada pelos diversos fluxos, condições que a delineiam e o que entendemos hoje como rede urbana, definida por Roberto Lobato(1989) como:
"[...]grau mínimo de divisão territorial do trabalho.Em segundo lugar verifica-se a existência de pontos fixos no território[...]A terceira condição refere-se ao mínimo de articulação entre os núcleos anteriormente referidos[...] A rede urbana se constitui simultaneamente em um reflexo da e uma condição para a divisão territorial do trabalho. É um reflexo à medida que em razão de vantagens locacionais diferenciadas, verificam-se uma hierarquia urbana e uma especialização funcional definidoras de uma complexa tipologia de centros urbanos."
(LOBATO,1989)
Assim a constituição do território do Império Romano se deu como os nós, as cidades, e as relações e fluxos que as mantinham conectadas eram costuras, as linhas. Não só foi vista a emergência das primeiras inter-relações as quais podemos chamar de redes urbanas, mas a ampliação das áreas de dominação também representou a disseminação da urbanização por diversas extensões do território europeu.
No entanto a retração nos investimentos em outras áreas de dominação significou como dito a ruína desse Império. A falta de manutenção do modo de produção desmontou o Império Romano e, conseguintemente, desarticulou toda rede urbana construída, posto que o centro de gestão do território, Roma, perdeu essa função e capacidade de articulação entre as cidades. Logo, essa situação pulveriza o poder político, antes concentrado, desse modo algumas cidades se desestruturam completamente ou originam cidades menores, micro territórios, marcados pela menor complexidade do espaço urbano e estrutura social além do encolhimento das concentrações políticas e econômicas. Essa nova configuração das cidades desintegradas, caracteriza o sistema feudal, que desfaz com divisão territorial do trabalho entre as cidades, essa desarticulação leva a necessidade de constituição de muros, limitando-os, dada a maior vulnerabilidade do territórios, em razão da desconcentração dos poderes, com isso, a economia também passa a ter sua base, primordialmente, na produção agrícola.
O modo de produção que garantiu a estabilidade desse sistema ao longo de dez séculos tinha como o senhor feudal, o detentor de terras que teve seu direito garantido divinamente e os servos que deviam vassalagem ao senhor feudal eram preservados nessa posição muito pela ideologia da Igreja propagada na época, era a defesa dos "[...] ideais de pobreza e da terra como dádiva de Deus para o trabalho" (SPOSITO, 1994,p28). A influência e controle eclesiástico nesse sistema garantiram não só a estagnação, mas o retrocesso cultural e do conhecimento, são datados dessa época a perseguição, tortura e morte aos ditos hereges, ou supostos e os não seguidores do Catolicismo, teorias do conhecimento, como o heliocentrismo no campo astronômico foram ferozmente rechaçadas, tendo seus desenvolvedores perseguidos da mesma forma.
O rompimento com a sistema feudal foi lento, foram observados ao longo dos séculos da Idade Média a emergência de diversas cidades feudais, isso aponta a uma própria característica do sistema, que por mais que obedecesse a uma lógica "isolacionista", permitiu a sobrevivência do comércio, que se protegeu nos muros de seus feudos e burgos. Ver-se, então, que a lógica urbana renasce, com base territorial no próprio aglomerado medieval que, que não possuía esse caráter interno, mas com a volta da comunicação do comércio europeu com o Oriente, a atividade comercial se complexou cada vez mais, até não ser mais contidas por seus muros (SPOSITO,1994). Como visto, a emergência urbana através dos feudos se dá, primeiramente, a partir em seu próprio sentido, eminentemente protetor, mas dada a complexidade que o comércio atinge surgem cidades nos arrabalde das fortalezas (SPOSITO,1994).É importante frisar a importância da estrutura social, da época para o surgimento das cidades :
Em certos particulares, a cidade medieval alcançara êxitos que nenhuma cultura anterior havia atingido. [...] Embora a estrutura social da cidade permanecesse hierárquica, o fato de que o cervo podia tornar-se cidadão livre destruíra qualquer segregação biológica de classes e provocara uma medida crescente de mobilidade social.
(MUMFORD,1991,p 344)
O renascimento urbano, do fim do período medieval, é resultado da complexidade e rompimentos de estruturas a níveis, principalmente, de organização espacial, complexidade do comércio e das relações sociais observadas no sistema feudal, assim no século XV já são observadas uma malha relativamente densa de cidades, cuja base econômica era o comércio e o artesanato (SPOSITO,1994), caracterizando a reemergência do processo de urbanização.
Aqui é importante fazer sobressair o surgimento da cidade de forma atrelada ao comércio, que a partir desse momento vai estar presente em todas as formas urbanas, porém não necessariamente os locais de mercados são cidades, mas a atividade comercial sempre estará presente através dos diferentes agentes, capitalistas, trabalhadores e profissionais liberais, que imprimiram esse caráter, as cidades. É o adensamento, a complexidade e a diversificação dessa função econômica das cidades que definirá a renda de seus habitantes e, portanto o seu nível de influencia e inter-relações que irá estabelecer. Entretanto, vale lembrar que essas organizações não são definidas somente pelo caráter econômico.

Processos de urbanização a partir do capitalismo
Tal como visto anteriormente, a retomada do processo de urbanização mudou as bases econômicas das organizações feudais transformando-as em cidades. São dessas mudanças, oriunda das relações comerciais que se institui uma nova classe a burguesia, que será determinante no desenvolvimento do capitalismo, uma vez que é essa classe responsável, inicialmente, pela mediação das mercadorias, entre produtores e consumidores, é nessa intermediação que o valor de uso, referente ao beneficio da aquisição da mercadoria, passa a ser aliado ao valor de troca, o valor monetário da mercadoria. Assim a finalidade da produção passa a não ser somente servir as necessidades da sociedade, mas visa também o lucro, o ganho que se tem com essa atividade comercial, esse lucro é originado da diferença do valor que os comerciantes vendiam os produtos pelo valor de aquisição dos produtos pelos mesmos, sendo o primeiro maior que o segundo valor, permitindo a acumulação primitiva do capital.
Essa transição do valor de uso para o valor de troca mediado pela ascensão da burguesia, marca o início sistema econômico capitalista e de e sua inexorável relação com os espaços urbanos, através do reconhecimento de que "acumulação de capital ocorria num contexto geográfico, criando tipos específicos de estruturas geográficas" (HARVEY,2005,p 41).
No entanto, essa classe em seu desenvolvimento encontrou como entrave os monopólios sobre a produção artesanal e do excedente alimentar, esse último superado pela própria inserção do excedente na lógica comercial, que aos poucos foi liberando os servos do campo, influenciados também por uma ideologia disseminada na época, e obviamente apoiada pela burguesia, da cidade como local de liberdade. O outro empecilho era o monopólio da atividade artesanal exercido pelas corporações de ofício, sua superação aconteceu a partir das áreas externas as cidades, já que o monopólio das corporações só se faziam validos nas cidades, a resposta àquele teve como resultado a implementação da manufatura. Apesar do modo de produção ainda ser artesanal os artesãos foram organizados num mesmo local acelerando a processo produtivo. O advento da manufatura, através do fornecimento dado pelos comerciantes, não só instaurou uma nova forma de organização da produção, como representou o começo da subordinação da produção ao capital assim como aponta Sposito (1994,p.37) se deu a especialização e aprofundamento da divisão do trabalho e os primeiros passo para a emergência do trabalho assalariado. O completo estabelecimento do trabalho assalariado aconteceu com o surgimento da maquinofatura, da aliança entre o capital comercial, representado pela burguesia com a aristocracia real (consolidação da importância burguesa também no âmbito político), originando Estados Nacionais Absolutistas que quebrado aquele primeiro monopólio, puderam atribuir a terra valor comercial (apesar do período de concessão de terras dada pela demanda da população urbana crescente) com o tempo esse valor da terra acabou limitando o acesso à mesma, expropriando essa de muitos que não podiam pagar pelo seu valor, mas que ainda tinha sua força de trabalho para a produção nas fábricas. Essas foram as novas formas de organização da produção industrial favorecida pelo avanço da técnica que fortaleceu o controle da produção pelos comerciantes, posto o valor de aquisição dessas tecnologias, além de aniquilar a concorrência representada pelos artesãos e submetê-los também ao trabalho assalariado.
Ainda dentro desse contexto de formação dos Estados Absolutistas e o processo de urbanização moderna foi desencadeado, muito pela lógica de acumulação primitiva, incursões coloniais, a descoberta de novas áreas de dominação pelo mundo garantiu as atividades mercantilistas, que significou também a disseminação da urbanização como expõem Maria Encarnação Sposito:
A necessidade de ampliar as condições para o desenvolvimento do capitalismo impulsionou o empreendimento de grandes navegações marítimas. Promovia-se com isso a expansão colonial e a criação de novos monopólios comerciais. Este processo de reforço à economia mercantil permitiu a extensão da urbanização ao mundo colonial, a partir do século XV.
(SPOSITO,1994)
O cenário criado acima de acumulação do capital, aparição das fábricas, do trabalho assalariado, de firmação da burguesia assim como todos aqueles significados e consequências implícitos nesse contexto em que diversos agentes com distintos interesses agem no estabelecimento de um modo de produção, no caso, a industrialização, que acentuou o papel produtivo da cidade potencializando e colaborando para o maior contraste dos estratos sociais e suas relações.
Ao falar de Revolução Industrial é indispensável tratar da nova percepção do mundo que se instalara na época, a Idade Moderna abrigou uma abundância de fatos históricos, surgimentos de teóricos, em diversos campos de estudos que inspiraram e sustentam debates em seus âmbitos até hoje, e descobrimentos essenciais a contemporaneidade, muito disso se cria a partir de correntes que privilegiam o racionalismo, conseguido pela emancipação da produção de conhecimento da Igreja. Correntes de pensamento da época como o Iluminismo, Positivismo, inspiraram diversas revoluções sociais e científicas, respectivamente.
É importante entender que contexto histórico de prosperidade de conhecimento e desenvolvimento de técnicas produziu invenções que fizeram parte do processo de revolução da produção industrial e não desencadearam o mesmo, assim compreende-se que adventos como a "máquina a vapor foi descoberta porque se precisava promover uma revolução nos moldes da produção industrial, de sorte a ampliar as possibilidades da realização do capital" (SPOSITO,1994,p48), essas novas ferramentas permitiram a além da extração da mais-valia absoluta que já se praticava, outro tipo de exploração a mais-valia relativa. A industrialização foi marcada por desenvolvimentos de técnicas que propiciaram a utilização de fontes de energia não humanas, que aceleraram o processo produtivo. Esse processo amplo que envolve toda a produção de infra-estrutura que permite a constituição de um modo de produção, predominado pela atividade industrial sobre outras atividades econômicas, encontrou na cidade a melhor base territorial para se propagar, dado o caráter de concentração e centralidade – "[...]de acordo com quantidade de bens e serviços que ela oferta, e que faz com que ela atraia compradores de acordo com o nível de sofisticação do bem ou serviço[...]"(SOUZA,2003,p25) – exercendo atração de serviços e funções. Por isso a industrialização impacta muito o urbano intensificando suas características supracitadas, os padrões locacionais, de concentração referentes principalmente às negociações bancárias, mesmo com as desvantagens já conhecidas que geraram as deseconomias de aglomeração e o desenvolvimento técnico científico informacional, ainda persistem, bem restritos, como às Central Business District (CBD) que exercem centralidade máxima dentro das cidades, com os mais altos valores do solo abrigam sedes de grandes empresas, bancos, são lugares de decisão e gestão do território. Vale ressaltar também que a cultura, o poder religioso e político, também são grandes influenciadores da projeção de uma cidade (SOUZA, 2003).
Voltando a Idade Moderna e ao que se refere ao impacto da industrialização ao urbano a ampliação do mercado dada a maior eficiência produtiva gerou uma maior especialização funcional do trabalho, dentro das próprias unidades de produção, as indústrias, como das áreas de produção, o reaparecimento da divisão territorial do trabalho e articulação dessas áreas remonta as redes urbanas, porém agora, de uma forma tão complexa, que vai produzir toda uma infraestrutura a fim de sustentá-la.
Durante o século XIX o rápido crescimento da população que ocupava os espaços urbanos não foi acompanhado pelo crescimento territorial das cidades, agravado pelo difícil acesso à terra, como explicado as áreas que exercem centralidade têm alto valor especulativo, e sem regulação e intervenção do Poder Público, devido a corrente ideológica liberal da época, as ocupações se fizeram de diversas formas, sendo os centros os locais de alta densidade populacional em contraste com as periferias, as quais passam a ser exploradas com a saturação dos centros. A ocupação rápida e desordenada das cidades, por unidades indústrias, estabelecimentos comerciais, residências de diversos estratos sociais, associado à falta de saneamento, salubridade, e ventilação, afetou a todos, ademais os espaços de moradia muito reduzidos em que os operários eram submetidos criaram localidades de intensa aglomeração. Como se pode imaginar não foi difícil dentro dessa descrição a propagação de doenças, que facilmente geravam epidemias. É de acordo com essa conjuntura de insustentabilidade, principalmente da classe operária que não era regulamentada e tinha longas jornadas de trabalho e de crescente desigualdade social, que surgem os marcantes movimentos operários europeu, com emergência das correntes de pensamento anarquistas, socialista e comunistas, que de forma geral rechaçavam os princípios capitalistas e culminaram em encontros para discutir essas ideias as Internacionais. É derivado dessas circunstâncias também o aparecimento de gestores que passam a intervir de forma mais efetiva na organização e preservação das cidades, datam daí as reestruturações que abriram grandes avenidas, acompanhada das construções mais verticalizadas, e de um projeto sanitarista para a resolução dos problemas urbanos, passa-se a desenhar as formas urbanas a pensar a cidade.
Visto anteriormente o nascimento daquela característica mais eminente das cidades, o poder de acumulação, faz-se pertinente a discussão dessas formas contemporâneas, que são originadas através da preponderante vinculação de duas ou mais cidades, pelo deslocamento pendular diário, a aglutinação dos tecidos urbanos formam áreas conurbadas, que pode subentender diversas cidades, mas de modo que nenhuma exerça influencia regional, pois se trataria de uma metrópole. A constituição de uma metrópole subentende uma polarização, a criação de uma influencia regial. No Brasil, a criação de regiões metropolitanas seguiu uma lógica de eficiência de gestão integrada entre as cidades compreendidas dentro dessas regiões, a criação, seguiu, portanto bases político-administrativas e não conceituais, é importante elucidar isso para evitar confusões quanto à aplicação dos termos. O nível de complexidade que engloba duas ou mais metrópoles se refere à capacidade de integração por fluxos intensos de passageiros, o que exige uma malha de transporte muito eficiente e que absorva toda essa demanda, a megalópole, portanto não é uma forma espacial dada por aglutinação espacial, mas definida pela intensidade de fluxos. (SOUZA,2003)
É notório que a forma de organização mais favorável que o sistema econômico capitalista encontrou desde o seu surgimento como o capitalismo comercial até sua evolução ao capitalismo monopolista, foram os espaços urbanos por serem reunidas nesses locais as melhores condições à sua propagação, pela concentração, densidade, e possibilidade do ciclo do capital se concluir em menos tempo.
O nível das forças produtivas alcançados por aqueles países que já tinham alcançado uma plena industrialização permitiu a esses a maior competitividade dentro de um cenário econômico global além de um maior poder de exploração, já que os países que ainda não eram industrializados da mesma forma que os ditos centrais, geralmente, submetidos ao processo de colonização e/ou dominação, não tinham como oferecer concorrência acirrada, fornecendo produtos primários. Assim pode-se entender que a exploração das diferenças, precursora para urbanização se deu também de modo internacional, denominada divisão internacional do trabalho (DIT). Apesar dos países periféricos representarem no início da DIT fornecimento, majoritariamente de artigos não industrializados matéria prima, seus processo de industrialização foram estimulados pela própria inserção na DIT, mas sempre com a intenção de exploração das assimetrias como ilustra bem Sposito no trecho a seguir:
A troca desigual no capitalismo monopolista internacional tem um sentido mais restrito e decorre para Lapietz da capacidade do trabalhador da periferia de criar produtos/valores ao nível internacional – "fragmentos do valor internacional"- , mas de ter definido o valor de sua força de trabalho pelo padrão de vida de sua are de origem. Este diferencial amplia as possibilidade de reprodução do capital, tanto mais porque ele pode se deslocar para outros setores e/ou territórios, encontrando outros momentos e/ou lugares para se realizar
(SPOSITO,1993,p 63)
Da mesma forma que a industrialização se globaliza e atinge outros países o campo, também experimenta a inserção nessa lógica. As inovações tecnológicas no campo, portanto, só se fazem possível através da forte articulação com as cidades, que não só são concentra os centros de comando, mas abriga os lugares de inovação onde estão localizados as universidades e geralmente próximas à elas os centros de pesquisa, como é o caso do Centro de Pesquisa da Petrobras localizado dentro do Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro, essas instituições de ensino são também exemplos claros de divisão técnica do trabalho. O campo, então, submetido à lógica de produção industrial, com uma forte mecanização dependência de insumos, assume uma paisagem monótona dada à monocultura, e não mais suporta a atividade sustentadora da cidade pelo fornecimento de gêneros alimentícios, que passam a ser produzidos dentro dos espaços urbanos.
A transformação da industrialização na forma produz uma homogeneização, no campo a as paisagem assumem uma monotonia, já nos processos de urbanização, como é observado nas fotos 1 e 2, as cidades ganham formas semelhantes, e muitas vezes idênticas, vide os conjuntos habitacionais e condomínios.

Considerações finais
Ao longo da análise da formação das cidades foi possível observar não só aqueles requisitos de formação da sua materialidade, a fixação, nos primórdios, desenvolvimento de novas tecnologias de formação de classes sociais, para que possa haver a divisão social do trabalho, projetada no território como a divisão territorial do trabalho, garantindo exploração das diferenças tanto a nível territorial dada pela especialização de cada área e a formação de uma hierarquia, quanto ao grau social, representado pela exploração da força de trabalho através da mais-valia. A cidade se estrutura então a partir, através e para a diferença. É dessa forma, dependente condicionante e meio das estruturas sociais, que a cidade estabelece uma relação dialética para com a sociedade que a produz, da mesma forma que os que vivem essa assimétrica cidade são impostos a diferentes relações cotidianas.
Muitos desses processos de reestruturação de criação de novas formas, podem estar expostos nos espaços urbanos, as paisagens podem ser as formas mais acessíveis de expressão da sobreposição de tempos, e ser passível de análise a partir de diversas escalas através dos conceitos geográficos.
Ademais os processos de reestruturação, representados pelos processos de urbanização, tão falados dado o seu protagonismo por geração de novas formas e funções que exprimem novas relações moldando novas estruturas. Esses processos ao longo do tempo tiveram distintos desencadeadores, mas representaram sempre novas dinâmicas, que se materializavam em formas e suas complexidades e inter-relação em estruturas. Para exprimir o caráter atemporal desses processos, que são muito bem perceptíveis, a partir da identificação e de uma análise mais atenciosa das forças geradoras de reestruturação, trago para ilustrar um trecho do livro "A produção capitalista do espaço" que analisa o processo de reestruturação gerado pelas crises, assim explica David Harvey:
No sistema capitalista as muitas manifestações de crise [...] podem, desse modo, remontar a tendência básica da superacumulação. Como não há outras forças em ação dentro da anarquia competitiva do sistema econômico capitalista, as crises possuem uma função importante: elas impõem algum tipo de racionalidade no desenvolvimento econômico capitalista.[...]Essa racionalização apresenta um custo social e provoca trágicas conseqüências humanas[...] A reação social às crises pode afetar a maneira pela qual se resolve a crise, de modo que não há um único e necessário resultado para esse processo de racionalização forçada.[...]Em geral as crise periódicas devem ter o efeito de expandir a capacidade produtiva e de renovar as condições de acumulação do capital[...] 1)A produtividade da mão-de-obra aumentará muito pela utilização de máquinas e equipamentos mais sofisticados[...]Talvez seja útil levar em conta o último elemento e considerar como se pode elaborar um novo nível de demanda efetiva, capaz de aumentar a capacidade de demanda efetiva[...]1)A penetração do capital em novas esferas de atividade mediante (1) a organização de formas preexistentes de atividade ao longo de linhas capitalistas (por exemplo, a transformação da agricultura de subsistência do camponês em agricultura empresarial)[...].
(HARVEY,2005)


Referências bibliográficas
CORRÊA. Roberto Lobato. A rede urbana. São Paulo: Ática S.A,1989.
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
HARVEY. David. A produção capitalista do espaço.São Paulo: Annablume, 2005.
SINGER, Paul Israel. Economia política da urbanização. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. Sâo Paulo: Contexto, 1994.
SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-foi-a-inquisicao Acessado em 16:11 do dia 29 de abril de 2016

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