Estudos Sobre o Desenvolvimento

July 22, 2017 | Autor: Pedro Pereira Leite | Categoria: Museologia Informal, Estudos do Desenvolvimento
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ANA FANTASIA PEDRO PEREIRA LEITE

Estudos sobre o Desenvolvimento

Informal Museology Studies nº 8 Winter 2015

Ficha Técnica: Informal Museology Studies Papers on Qualitative Research Issue 8 – Winter /2015 Directory Pedro Pereira Leite ISSN – 2182-8962 Editor: Pedro Pereira Leite Publisher: Marca d’ Água: Publicações e Projetos Redaction: Casa Muss-amb-ike Ilha de Moçambique, 3098 Moçambique

Lisbon: Passeio dos Fenícios, Lt. 4.33.01.B 5º Esq. 1990-302 Lisbon –Portugal

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Conteúdo Apresentação ....................................................................................... 4 Leitura da Agenda Pós 2015 a partir da teoria crítica do desenvolvimento ................................................................................. 5 O contexto da Teoria do Desenvolvimento ................................................. 6 Os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio .............................................. 7 O contexto das políticas de ajuda ao desenvolvimento............................... 10 A crítica à economia do desenvolvimento e a emergência do pósdesenvolvimento .................................................................................. 12 O debate atual sobre os ODM: resultados e perspetivas. ............................ 17 Ficha de Leitura ................................................................................. 20 Uma leitura crítica da teoria do Pós-desenvolvimento ................................ 20

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Apresentação

Neste número reflecte-se de forma crítica o discurso sobre o desenvolvimento. Trata-se dum primeiro números duma reflexão que faremos em 2015 sobre a natureza hegemónico do discurso científico do ocidente. Uma narrativa construída para legitimar o domínio sobre a natureza e jestificar, grosso modo os modos de apropriação dos recursos naturais dos diferentes territórios. As ações do e para o desenvolvimento acentuam a critica de que a ciência eurocêntrica é um discurso sobre a realidade e uma forma de ação em função de fins que legitimam os processos.

A teoria crítica do desenvolvimento releva uma forma de consciência sobre as ações sobre o espaço e sobre a sociedade. Olhar para o desenvolvimento a partir duma teoria crítica conduza à questão da pósmodernidade, da crítica às práticas discursos. Assim o pós-desenvolvimento acaba por acentuar que as necessidades do desenvolvimento não são mais do que práticas discursivas que se constituem como reflexos de pensamento ocidental hegemónico. A consciência da relevância das narrativas sobre o real acentua a problemática de que a definição das “necessidades materiais”, vistas como o produto do desenvolvimento, são culturalmente construídas e mais não fazem que perpetuar relações de dominação. Uma crítica que conduz ao imperativo da necessidade de pensar um conceito alternativo e de formas alternativas de intervenção, fora do pensamento hegemónico ocidental. Uma alternativa que se procura enraizar nas experiencias dos movimentos sociais, sobretudo daqueles que, rejeitando uma agenda material ou assistencialista, se tem vindo a afirmar com base numa agenda nos direitos cívicos, identitários ou mesmo culturais. Movimentos que reivindicam formas de economias alternativas ao modelo hegemónico do mercado global. Movimento que revelam formas de economias locais alternativas. O contributo do debate sobre o pós-desenvolvimento criou um clima mais eclético e aproximações mais pragmáticas à questão do desenvolvimento e possibilitou a reconstrução. Estes trabalhos procuram desenvolver essa reflexão.

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Leitura da Agenda Pós 2015 a partir da teoria crítica do desenvolvimento Ana Fantasia CEsA.UL e Pedro Pereira Leite (CES.UC)

Resumo Em 2000 a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou e definiu oito objetivos de desenvolvimento do milénio a atingir em 2015. Com esse compromisso procurou alcançar um conjunto de ambiciosas metas, objetivadas através de indicadores quantitativos verificados num horizonte temporal de 15 anos. Anualmente os resultados atingidos são reportados à Assembleia Geral. Neste ano de 2015, é já claro o grau de aquisição destes objetivos, e discute-se de que forma é que se dará continuidade a esse compromisso. Neste artigo abordamos os contextos de formação destes objetivos no âmbito da Teoria do Desenvolvimento a partir da relação da compatibilização entre os fins, aqui apresentados como “os objetivos”, com os meios alocados pelos diferentes atores envolvidos. A análise dos meios leva-nos a mapear os processos implementados no campo da Ajuda ao Desenvolvimento. A partir dessa análise interrogamos a eficácia e a eficiência da ajuda ao desenvolvimento e a adequação do conceito de Desenvolvimento na discussão atual sobre os Objetivos de Desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: Pós-desenvolvimento, Teoria do Desenvolvimento, Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, Ajuda ao Desenvolvimento, Teoria Crítica

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O contexto da Teoria do Desenvolvimento

A Teoria do Desenvolvimento tem a sua origem com a dissolução dos Impérios coloniais a partir de 1945. Com o início da grande vaga independentista do pós-guerra regista-se a passagem duma tutela colonial, com definição das atividades a desenvolver por parte duma elite branca, para uma autonomia política de base “nacional” . Essa nova realidade exige a reformulação dos processos de desenvolvimento. A teoria do desenvolvimento surge como um ramo específico da economia, para resolver a questão de como promover o desenvolvimento nos países pobres. Ao longo destes anos foram-se formulando modelos de intervenção que procuravam responder a essa questão (Rist, 2002). Num primeiro tempo, entre os anos 50 e 60, o modelo dominante foi o da modernização. O modelo da modernização partia da constatação de que os sistemas coloniais haviam apostado numa produção extensiva de exportação para as metrópoles e nada haviam feito para organizar o território. Haveria portanto, dum lado um sector tradicional, essencialmente rural que implicava modernizar, ao mesmo tempo que, mantendo as indústrias existentes para exportação, se impunha assegurar um determinado nível de industrialização e urbanização. Trata-se dum modelo essencialmente dualista. A realidade veio a demonstrar vários limites à aplicação deste modelo, entre as quais se costuma salientar questões como a crescente taxa de urbanização que fez afluir às cidades grandes massas de camponeses, a crescente dificuldade em conciliar os processos industriais com as culturas tradicionais e uma mão-de-obra pouco qualifica. Isso conduziu a uma quebra dos preços das matérias-primas nos mercados mundiais, gerando a diminuição dos rendimentos gerais e concentração da riqueza nas elites locais. Contatava-se que não se estava a verificar “um desenvolvimento”. O aumento da pobreza e o agravamento das condições de vida nas cidades em África era evidente. As mulheres estavam marginalizadas nos processos económicos. A crescente conflitualidade entre estados ou regiões aumentava. Surge como alternativa o modelo das economias planificadas, onde em poucos anos, debaixo duma orientação do estado vários países tinham atingido um bom nível de “desenvolvimento”. O modelo apresentava algumas limitações. Obrigava a procurar modos de catalisar esse desenvolvimento. O Estado assumiu, em grande medida, a tarefa de procurar atrair recursos necessários para o investimento, ao mesmo tempo que criava as bases para implementar políticas públicas que assegurassem a modernização da sociedade e o seu bem-estar. As políticas de educação e saúde tornam-se prioritárias. No entanto, estes investimentos geravam uma elevada taxe de inflação, ao mesmo tempo que a transformação social demorava a acompanhar o processo. No âmbito internacional acentuava-se a degradação dos termos de

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troca entre o sul e o norte, aumentando as situações de dependência que vinham do tempo colonial. As soluções propostas para procurar ultrapassar a dependência foram variadas. Nuns casos a implementação de modelos de base socialista (propriedade coletiva e planificação económica), noutros a busca do equilíbrio nas relações de troca entre o centro e as periferias. Em todos os modelos defendia-se a industrialização como processo de substituição das importações e o aumento das proteções aduaneiras. A constituição do mercado, entenda-se como a troca mediada pela moeda, e a geração de capacidade de uso da massa monetária para o desenvolvimento (poupança/investimento), em paralelo com a eliminação de barreiras aduaneiras, emerge nos anos oitenta como modelo na teoria do Desenvolvimento. O modelo protecionista e/ou socialista não gerou desenvolvimento económico e não criou riqueza. Evidenciam-se diversos desequilíbrios que o modelo do ajustamento estrutural, que adiante detalharemos, se propunha resolver. Malgrado o crescente predomínio da economia de mercado continuou a verificar-se um elevado nível de pobreza e miséria nos países do sul. Nesta altura assistiu-se a uma diminuição muito fraca dos vários indicadores do desenvolvimento humano (renda, escolarização, acesso à saúde, igualdade de género, segurança alimentar, etc.) e como se multiplicaram os conflitos entre estado. Falava-se então da “década perdida” para África. O modelo do ajustamento estrutural, e a “mão invisível do mercado” não estavam a funcionar adequadamente. A emergência de novos atores evidenciava que a teoria do desenvolvimento económico necessitava de ser adequada aos novos problemas. Questões como os custos de externalidade dos investimentos (sobretudo em termos ambientais e sociais) bem como a criação de elites fortemente capitalizadas, com investimentos na economia global, levam ao questionamento do modelo do ajustamento estrutural para dinamização do mercado. No início do novo século os sintomas duma situação crítica da Teoria do Desenvolvimento acentuavam-se. É nessa altura que são definidos os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio.

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio

Quando em 8 de Setembro de 2000 a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), sob a presidência de Kofi Anan, aprovou a Declaração do Milénio (Assembley, 2000), que é adotada pelos seus 191 estados membros, assistiu-se a um momento de viragem, onde se procura estabelecer os princípios de um programa de intervenção global. Um programa que é limitado no tempo, até 2015, com definições de objetivos concretos, mensurados e medidos de ano a ano. Esse documento sintetiza um intenso esforço diplomático e de diálogo com diferentes organizações, de conciliações de diferentes acordos internacionais

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setoriais que se vinham a desenvolver ao longo dos anos 90. Declarações sobre meio-ambiente e desenvolvimento, direitos das mulheres, desenvolvimento social, sobre o racismo, o combate às epidemias e pandemias como o HIV, são traduzidos nesta declaração em oito capítulos e 32 parágrafos. Um dos seus aspetos mais relevantes traduziu-se na inclusão dos objetivos quantitativos para alcançar no espaço de 15 anos. São todos eles objetivos que se preocupam com o destino da humanidade e do planete nesse início do novo milénio. Esse esforço de compromisso traduziu-se, em termos práticos, no estabelecimento de oito objetivos de desenvolvimento para o milénio (ODM), que passaram a balizar as ações de ajuda ao desenvolvimento e a intervenção dos diferentes atores no âmbito da formulação dos projetos de desenvolvimento ou de investimento em políticas públicas. Os ODM foram, no seu tempo, uma forma inovadora de agir no âmbito da Ajuda ao Desenvolvimento. Os oito objetivos definidos são: Objetivo 1- Erradicar a pobreza extrema e a fome. Calculava-se que cerca de um bilhão e duzentos milhões vivessem com uma renda inferior a 1 U§/dia, na maioria dos casos localizadas em países do sul. O objectivo foi o de reduzir para metade esse número. Um objectivo que seria medido através da media da renda per capita e seria favorecido pelo investimento na criação de emprego, na melhoria da renda e no acesso à terra para trabalho agrícola, a formação e capacitação profissional Objetivo 2 -Atingir o ensino básico universal. Calculava-se que cento e treze milhões de crianças estavam fora dos sistemas de escolarização básica (aprendizagem da leitura, da escrita, e da aritmética).A ambição dos ODM era proporcionar à totalidade das crianças em idade escolar em 2015 o acesso ao sistema de ensino. Objetivo 3 - Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres. Um objectivo que procurava atingir uma maior igualdade entre o género, na medida em que os diferentes diagnósticos realizados indicavam que a pobreza e o analfabetismo e a violência atingiam de forma mais intensa e extensa as mulheres. A mobilização da participação das mulheres na vida social era vista como um importante indicador de capacidade, prpondo-se eliminar este desiquilibrio. Objetivo 4 Reduzir a mortalidade infantil – Calculava-se que em cada ano a mortalidade einfantil, sobretudo nos países do sul, ceifava, por falta de assistência médica, higiene e desconhecimento dos procedimento geriaticos adequados 11 milhos de crianças até 1 ano de idade. O objectivo tralado foi o de reduzir para 1 terço esse número para crinaças até aos 5 anos de idade,

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através da promoção de políticas e programas de saúde e educação para a saúde nas comunidades. Objetivo 5 Melhorar a saúde materna – Os dados sobre a saúde maternoinfantil indicavam que nos países do sul se registava uma morte de mulher em cada 48 partos. Uma situação cujas causas residiam na falta de serviços de saúde, de técnicos de saúde e de práticas meterno infantis desadequadas. O objectivo de reduzir em ¾ esse número apontava para o reforço das políticas publicas na área da saúde. Objetivo 6 Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças . Um problema que afectava nesse final do milénio do planeta, com uma maior intensidade no hemisfério sul. O objectivo defenido foi o de controlar a disseminação do HIV,e procurar controlar a incid~encia de malária e outras doenças epidémicas. Objetivo 7 - Garantir a sustentabilidade ambiental. Considerava-se na época que cerca de um bilhão de pessoas não tivessem acesso a água potável. O saneamento básico apresentava números ainda superiores. Por outro lado, os dados sobre o Estado do ambiente e a discussão sobre as alterações climáticas davam indicações sobre a necessidade de manter a bio-diversidade no planeta, com especial atenção às zona humidads, bem como a necessidade de reduzir as emissões de CO2 para a atmosfera.O objectivo defenido foi o de aumentar o consumo de energia a partir de fontes limpas, melhorar os processos de saneamento e abastecimento de água e assegurar a biodiversidade Objetivo 8 – Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Tratase dum último objectivo mais programático onde se procurava envolver os diferentes atores nos processos de desenvolvimento com uma especial enfase na redução das dívidas externas dos países do sul. Considerava-se ainda que era necessário estabelecer um mecanismo de trocas mundiais mais justo e promover o acesso aos benefícios da ciência e da tecnologia a todos, em particular aos mais jovens, através de programas de formação e capacitação. Este conjunto de objectivo é mensurado através de 22 metas e 48 indicadores que todos os anos permitiam a monitorização do processo em diferentes escalas (nacional, regional e global). Na época os ODM foram saudados não só pela primeira vez se ter conseguido alcançar um compromisso glocal ao nível da Organização das Nações Unidas, como também pela implicação nesse processo pelos diferentes atores. Como em todos os resultados das ações humanas, entre os desejos e a realidade, quinze anos depois nem tudo terá sido alcançado, nem todos os campos terão sido atingidos com igual eficácia. Há quem aponte vulnerabilidades e ausências. Mais à frente detalharemos essas questões a partir dos resultados. Mas antes disso procuraremos analisar esta questão de forma crítica.

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Este conjunto de objetivos é mensurado através de 22 metas e 48 indicadores que todos os anos permitiam a monitorização do processo em diferentes escalas (nacional, regional e global). Na época, os ODM foram saudados não só pelo facto de, pela primeira vez, se ter conseguido alcançar um compromisso global ao nível da Organização das Nações Unidas, como também pela implicação nesse processo pelos diferentes atores. Quinze anos depois, entre os desejos e a realidade nem todos os campos são atingidos com igual eficácia. Há quem aponte vulnerabilidades e ausências na formulação dos objetivos, ou deficiências nos processos.

O contexto das políticas de ajuda ao desenvolvimento

O contexto da formação dos ODM não pode deixar de ser analisado através das diferentes estratégias dos seus atores. Se os objetivos são consensuais, as estratégias implementadas, bem como os instrumentos mobilizados, podem ser diferenciadas em função do interesses dos diferentes atores. Entres estes constituem-se como especialmente relevantes aqueles que facilitam os processos de financiamento aos programas de ajudas ao desenvolvimento. A questão da Ajuda ao Desenvolvimento no início do milénio foi marcada por aquilo a que se poderá chamar o “Paradigma do Ajustamento Estrutural ou “Washington Consensus” (Proença, 2009). Segundo Sangreman os “conceitos de estabilização e ajustamento estrutural foram, nos anos 80 e 90, objecto de inúmeros textos oriundos de áreas de conhecimento muito diversas que procuraram precisar os seus contornos conceptuais, seja no sentido mais genérico como sinónimo de desenvolvimento, seja num sentido mais restrito de políticas económicas e sociais” (Proença, 2009). Essa questão assume relevância para os conjuntos dos países de África Caraíbas e Pacífico, (os estados ACP) mais vulneráveis em termos económicos e financeiros e em termos de coesão social e política. Na época assistia-se a hegemonia dos EUA e da Europa no campo das relações internacionais. Verificava-se à emergência da economia chinesa o seu papel como ator mundial com uma estratégia própria e dos BRICS, (Brasil, Rússia, India, China e Africa do Sul), sem que isso conduzisse a alternativas na Ajuda Internacional o Desenvolvimento. Neste contexto, os países mais pobres não dispunham de alternativas para o financiamento ao desenvolvimento. Os seus programas ficaram dependentes das ajudas externas para concretizar os ODM. As instituições de financiamento (BM e FMI) condicionavam a ajuda à aplicação de programas de ajustamento estrutural. Os beneficiários obrigaram-se a aceitar regras de estabilização económica e financeira, a implementar processos de abertura ao mercado e de democratização da vida política.

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O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional aproveitaram ainda para, através destes programas de ajustamento, restruturar as dívidas externas desta países, que na sequência do aumento dos preços do petróleo (após a 1ª guerra do Golfo) tinham disparado. A forte queda dos preços das matériasprimas no mercado mundial, em virtude dos sucessivos acordos comerciais de tarifas aduaneira (GATT) contribui igualmente para um crescimento da Dívida Externa. A capacidade que cada estado tinha de encontrar financiamento para desenvolver os seus projetos de desenvolvimento, estava condicionada ao cumprimento de políticas económicas e das decisões políticas (políticas de boa governação) e estimulo às trocas no mercado. Esta tendência dominante estava longe de ser linear. Como diz Sagreman na sua análise, os diferentes atores (quer as organizações internacionais, as ONG ou os estados) estabelecem diferentes estratégias de intervenção mais ou menos ajustadas, o que levou a alguma competição entre diferentes agências de financiamento, que em última análise também condicionavam os financiamentos aos objetivos de curto prazo desses atores(Proença, 2009). A questão da Eficiência da Ajuda ao Desenvolvimento (Aid Efectiviness) começa então discutir-se como problemática para se atingirem as metas do Desenvolvimento Económico e Humano. A eficácia da ajuda liga-se aos condicionalismos da boa governação e à capacitação dos atores, referenciais que passam a estar associados nos diversos projetos das organizações e agências internacionais e demais países dadores. Quando, em 2002 na Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em Monterrey, México, se estabelece o consenso entre os países doadores (e de uma maneira mais lata a comunidade internacional) sobre a necessidade duma ajuda eficaz, também se torna claro a constatação da necessidade de se aumentar o financiamento para o desenvolvimento, de forma a alcançar os ODM. O acordo, que fica conhecido como o “Consenso de Monterrey”, considera também que mais dinheiro não é uma condição suficiente por si só, reconhecendo a necessidade de agregar a questão da eficácia dessa ajuda. Os países doadores estabelecem um novo paradigma (“Monterrey consensus”) que implicou alterar os critérios da avaliação dos projetos. Não era suficiente analisando apenas os seus fins, mas sobretudo necessário centrar essa avaliação sobre os seus processos. O consenso teve importantes implicações nas práticas implementadas na ajuda ao desenvolvimento porque agregar a eficiência do processo tornou necessário o envolvimento dos destinatários das ajudas. Desde os anos oitenta que a questão do envolvimento dos atores locais era defendida pelas ONGD. Com Monterry essa visão tornou-se predominante e os atores locais passaram a ter uma voz mais ativa na elaboração e gestão dos projetos.

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Monterry substitui o paradigma do Ajustamento Estrutural ou “Washington Consensus” constituído por um conjunto de dez regras seguidas pelos economistas do FMI e Banco Mundial na análise de projectos. Os resultados dos ajustamentos estruturais eram crescentemente contestados na comunidade internacional face ao agravamento das condições de vida das populações em diversos países. Uma contestação que ganha força à medida que novos atores internacionais ganham relevância na economia internacional, como então estava a suceder com a China e a India. Não cabe, neste momento, desenvolver a análise dos processos da Ajuda ao Desenvolvimento, mas vale a pena realçar o seu contexto há época do Estabelecimento dos ODM, para compreender essa a questão da difícil compatibilização entre os fins e os processos. Essa questão leva também a um questionamento no campo interdisciplinar da Economia do Desenvolvimento sobre os seus resultados e prespetivas: em muitos casos nem o nível de vidas nem o bem-estar das populações, nas regiões de maior pobreza, estavam a ser alcançadas. Malgrado os relevantes esforços de financiamento a crescente consciência dos resultados da globalização da economia e a emergência de importantes atores não estatais, fazia entender a complexa interdependência nos processos de desenvolvimento e acentuavam a perceção da disparidade entre os fins pretendidos e os resultados alcançados. A procura de respostas para a interrogação sobre como é possível satisfazer as expectativas duma humanidade a viver em paz e a explorar os recursos do globo de forma sustentada para todos os seus habitantes, ganhou relevância teória que a economia crítica procura dar resposta..

A crítica à economia do desenvolvimento e a emergência do pósdesenvolvimento

Alguns autores consideram que o conceito de Desenvolvimento não passa duma “crença” construída pela Europa, como forma de manter a sua relação hegemónica com os seus antigos espaços de dominação colonial (Rist, 2002). Gilbert Rist faz uma análise do pensamento ocidental (onde o crescimento e desenvolvimento se inserem), que pressupõe, ao contrário de outras culturas, que esse movimento é sempre crescentes e não apresentam limites (Rist, 2002). Através de dicotomias que surgiram ao longo da história do pensamento europeu, tais como cristãos e infiéis, selvagens e civilizados, culturas orais e culturas escritas, povos sem história versus povos com história, a construção da narrativa sobre o desenvolvimento não pretende mais do legitimar o domínio da europa sobre o outro. O desenvolvimento, ao que se opõe o não desenvolvimento, é apresentado como o caminho a percorrer por todos os povos para poderem participar nos benefícios do avanço científico, civilizacional e político. A ciência e a democracia constituem os dois instrumentos necessários para atingir esse fim,

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ao qual se adiciona o mercado como espaço de concretização das trocas de bens e serviço. A narrativa construída sobre o desenvolvimento implica a ideia de crescimento contínuo e a delimitação do que não é desenvolvido. A ideia do não desenvolvido ou do subdesenvolvimento é uma ideia torna-se numa ideia de subordinação porque nela está implícita uma direção do justa do processo (que conduz ao desenvolvimento). A crítica ao desenvolvimento, porém, vai mais longe do que a constatações sobre as bases de enunciação do discurso. Ela releva também a impossibilidade teórica de que todos os espaços do planeta possam vir a ser desenvolvidos, na medida, em que considerando o desenvolvimento um processo de subordinação (do norte sobre o sul), ele contem, na sua essência, a necessidade de que, para que uns tenham acesso à abundância de bens essencial para satisfazer as necessidades dos seus mercados, haverá sempre a necessidade de haver outros que são excluídos do acesso à abundância desses bens. A crença no desenvolvimento ao reconhecer a existência da pobreza e da exclusão propõe uma via para a sua resolução. Uma via que é feita por uma prática de boas condutas e de procedimentos adequados, definidos pelos desenvolvidos, continuando a excluir qualquer forma de autonomia dos outros. O roteiro para o desenvolvimento é proposto como um percurso unidireccional. Um pensamento que se torna dominante com a falência das experiências de economia colectiva. O desenvolvimento com base no mercado ganhou relevância. A economia de marcado deveria esta ligada à democracia (tese que a economia chinesa não comprova). Assegurar as ajudas fazendo-as depender dos procedimentos democráticos, (ou orientada para determinado sectores, ou para projetos) não é mais do que uma forma de manter a hegemonia do norte. Ao valorizar programas se destinavam a eliminar os grandes problemas como a fome, a malnutrição, a saúde pública, a educação criaou-se uma retórica consensual em torno de objetivos, que mais não fez do que financiar infraestruturas públicas e apoiar-se as administrações locais na criação de sistemas de controlo social. Apoiaram-se exércitos e polícias para salvaguardar os investimentos. Para acalmar as consciências mais inquietas organizaram-se campanhas entre a sociedade civil para intervenções pontuais. Para salvar populações inteiras de fomes endémicas, organizaram-se campanhas de alimentação. Nos países do norte, as ONG organizavam-se para responder aos diferentes problemas e programas, aproveitando alguns financiamentos públicos. A teoria crítica do desenvolvimento denuncia que duma maneira ou doutra o fluxo financeiro da Ajuda ao desenvolvimento destinado aos países do sul acabavam por, na sua maioria, regressar aos países dadores sob a forma de benefícios dos atores envolvidos, ampliando as dependências locais, quer por

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tecnologia, quer por recursos humanos qualificados, que ainda pela assistência técnica. A teoria crítica do desenvolvimento, ao apontar estas contradições e realçando a complexidade dos problemas que procuram ser resolvidos, interroga-se sobre o que é necessário fazer, partindo do princípio que não há uma única solução. Recusando o determinismo unidirecional propõe examinar vias alternativas a partir da diversidade cultural de cada local e actor. É a partir da observação do local que devem ser problematizados as distintas opções. Mas optar a partir do local, não implica necessariamente rejeitar os benefícios que as tecnologias e a investigação científica trouxerem ao bem-estar e à saúde pública. Defende que é necessário colocar esse saber disponível para as diferentes capacidades individuais e colectivas nas comunidades. Contudo, a questão da ciência a da tecnologia na reflexão da teoria crítica do desenvolvimento, não é neutra. O acesso aos seus benefícios não pode continuar a ser uma forma e um processo de manter relações desiguais e situações de dependência. A teoria crítica considera que a ciência e a técnica podem trazer muitos benefícios, mas também pode ser responsáveis por muitos problemas, desde a degradação ambiental, à destruturação das relações sociais nas comunidades, na criação de desigualdades. Reconhece que em nome dos princípios do desenvolvimento se acabou por criar mais desigualdades e novas formas de distribuição das riquezas dos territórios, novos problemas socias e novas ambições que afetam a relação entre os povos (Rist, 2002). Que vias se podem abrir. Rist aponta três vias possíveis. Uma que podemos classificar como “normativista”, partindo da crítica à economia produtivista, procura equilibrar as relações entre o norte e o sul com base na cooperação entre estados. (Rist, 2002) Uma segunda posição, com base na experiencia dos movimentos sociais do sul, que podemos considerar como “construção de alternativas”. Segundo Rist, essa corrente parte do princípio que nada há que esperar da generosidade dos países do norte. Nas últimas décadas todas as relações foram feitas em nome do desenvolvimento e mais não sucedeu do que aprofundar das desigualdades entre os povos e o acentuar das dependências e hegemonia no norte. Há que devolver a autonomia política aos movimentos sociais, para que estes aprofundem as experiências políticas de afirmação de vias alternativas de vivência social e atividades económicas ao modelo de acumulação (Rist, 2002). Embora minoritários, estes movimentos sociais podem ser alternativas no futuro. Finalmente, a terceira via considerada por Rist, parte da crítica ao próprio conceito de desenvolvimento. É necessário que os europeus e os povos do norte deixem de procurar impor aos outros povos o que consideram melhor para eles (Rist, 2002). É a partir dessas três vias que se propõe aprofundar a

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sua teoria do pós-desenvolvimento , uma questão que não merce, por enquanto consenso científicol. A teoria crítica defende que é necessário que a ciência procure soluções fora da regularidade da lei postulada pelas normas científicas. (Rist, 2002). A procura de regularidades não faz mais do que encontrar soluções que reforçam as velhas convicções. A teoria crítica deve propor-se a procurar anomalias. Será nas anomalias que se encontram as alternativas. (Santos, 2000) Se a teoria do pós-desenvolvimento tem por base a crítica à crença da ideia do desenvolvimento, como uma noção contraditória, que mais não tem feito do que criar uma ilusão sobre os objetivos e que tem permitido a perpetuação e o reforço das relações de poder desigual. A ciência deverá abandonar a sua forma de narrativa de legitimação das práticas e envolver-se na reflexão sobre os conceitos básicos da economia. Por exemplo o conceito de mercado e circuito económico são formulados com base numa ideia mecanicista de que existe um equilíbrio entre os movimentos da matéria. O equilíbrio entre a oferta e a procura, postulado pela teoria da economia clássica, não leva em linha do conta que toda a ação implica uma transformação da energia. A teoria crítica do desenvolvimento deveria então estudar o modelo de troca, para entender como é que esse modelo tem contribuído para acentuar as dependências e propor alternativas. Há que ter a coragem de questionar um modelo que se mostrou perverso, não ficar de braços cruzados à espera que a miséria do mundo se instale. E isso deve ser feito a partir a definição feita pelos próprios implicados no processo. Em suma, atuar para a teoria crítica do desenvolvimento implica questionar os fundamentos da teoria. A questão que deve ser colocada é se será possível que a ideia de desenvolvimento possa contribuir para a resolução dos problemas. Segundo Rist, mesmo que se critique o conceito há que reconhecer que os problemas existem. E reconhecendo que os problemas são reais há que atuar e definir quais as bases dessa ação: os valores da prática. A crítica feita ao pós-desenvolvimento permite entender que o ponto de formulação da narrativa sobre o desenvolvimento e o lugar de enunciação dos projetos deve deixar de ser feita a partir dos valores dos países do norte, e procurar definir quais são as necessidades dos outros. Devemos partir dos valores e necessidades do outros e procurar satisfazê-las. A Teoria crítica enuncia um conjunto de princípios para a ajuda ao desenvolvimento, que passa pelo encontro com o outro,. Há que apostar na capacidade criadora e de inovação que surja desse encontro para procurar reflectir sobre a a experiencia do mundo. Para criar algo de novo há que explorar, com cautela, a fronteira da transgressão. (Rist, 2002) Rist reconhece que a partir dos relatórios do PNUD em 2000 (PNUD, 2000), o conceito de desenvolvimento deixou de estar centrado nos fins a atingir (o desenvolvimento) para se centrar nos problemas a resolver (os objetivos). Mas se os ODM se constituíram como o novo paradigma de ação, em torno

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deles também se constitui o núcleo de enunciação das narrativas das organizações internacionais. Rist exemplifica a partir da questão do problema da Pobreza. Sendo certo que o discurso sobre a pobreza é complexo e polissémico, não de pode ignorar que ele possa sugerir ao nível das diferentes religiões ou como discurso político. Recorda, por exemplo, que as narrativas sobre a fome (Castro, 1978) e a pobreza dominavam o discurso político das organizações internacionais, antes da sua substituição pela narrativa sobre o ajustamento estrutural (Rist, 2002). Como nota Rist, a resolução desse problema é apenas mais uma narrativa sobre os fenómenos do mundo observados a partir duma posição centrada no norte. Tal como anteriormente no discurso das ciências políticas se foram formulando outros problemas (o problema dos negros, dos desempregado, das mulheres, dos emigrantes ou do terrorismo) este á mais um discurso retórico. O que é necessário, do ponto de vista da Teoria Crítica de Rist é ultrapassar as limitações do paradigma em que na formulação dum problema se esquece que identificar que essa é uma operação mental disjuntiva. Uma operação em que ao se incluir se constroem categorias de exclusão. (Rist, 2002). Na análise sobre a pobreza, salienta Rist, é esquecido de que só há pobres porque existem ricos. Que é a concentração da riqueza nuns (indivíduos, organizações, ou países) que cria a pobreza noutros. Para Rist a questão da pobreza e da riqueza é uma problemática social. Esquecer essa relação leva a que não seja abordada a sua complexidade, fazendo emergir apenas uma quantidade. A partir da definição dum número (do número de pobres ou da renda disponível), leva a que os programas definam a quantidade de recursos a afetar a esse problema, de forma a atingir um determinado ponto no tempo. Essa formulação evita também questionar o problema da “pobreza” do ponto de vista da ciência e cria uma ilusão de que é possível ser resolvido pela técnica. Essa equivoco leva a ignorar, na definição da pobreza, as questões do relativismo cultural. Ignora, por exemplo, que em África e para as culturas africanas, um pobre é aquele que não tem família. Para Rist é necessário que a Teoria Critica deve procurar ultrapassar a questão dos consensos como uma limitação do discurso. Questiona a possibilidade de ultrapassar as limitações da democracia representativa nas Organizações Internacionais. Se a Declaração que dá origem aos ODM resulta dum consenso, a que a substituirá será também o será. A questão contraditória é que são os estados que acordam nesse alinhamentos de forças, muitas vezes não escutando as vozes dos destinatários. A Teoria Critica do Pósdesenvolvimento não poderá deixar de abordar as vias alternativas para, em vez dos consensos se estabelecem compromissos. Rist interroga-se sobre a possibilidade das organizações internacionais de ultrapassarem esse limite, considerando que essa limitação se manterá o que voltará a condicionar a extensão dos seus resultado. (Rist, 2002).

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O debate atual sobre os ODM: resultados e perspetivas.

Os resultados mais recentes sobre a taxa de cumprimento dos ODM foram publicados em 2014 Na sua análise é de realçar que os objetivos quantificados surgem agora na forma mais relativizada de alto, médio ou fraco, dividido por regiões do planeta. Ddos dezasseis indicadores distribuídos por nove regiões geográficas (a Europa e a América do Norte são excluídas) verificamos na maioria dos casos que os objetivos ficaram aquém do pretendido. Este tipo de apreciação vale o que vale. Há quem olhe para estes resultados, que em muitos casos são meras avaliações estatísticas aproximadas e referenciadas a anos anteriores, valorizando o que já foi feito; e há quem olhe para eles acentuando o que ainda falta fazer. Um balanço que será certamente feito a seu tempo O debate actual coloca no centro do debate a questão dos critérios definidor das normatividades. Questões como os direitos humanos, a venda de armas, a luta contra a desigualdade social ou mesmo a “boa governação” como transparência nas decisões políticas e administrativas e mecanismos de prevenção da corrupção, não surgem como objetivos a alcançar. Se isso permite deixar de lado as incómodas questões culturais e assumira universalidade consensual dos programas, deixa de lado os modos como se atingem os objectivo. Como tem vindo a ser acentuado nos vários debates sobre a questão, se isso permite que os valores da ação sejam estabelecidos por quem, a cada momento tem poder de condicionar. Esse critério condiciona os critérios de elegibilidade na selecção dos beneficiários e os fins que se pretendem atingir. É necessário, do ponto de vista da Teoria Crítica procurar alternativas em outros atores. Por outro lado, em relação à participação dos beneficiários na definição dos objetivos da ajuda, e apesar da Declaração de Paris (2005), sobre a eficácia da ajuda ao Desenvolvimento, entre outras, defender que as ajudas dos diferentes estado devem ser coerentes e alinhadas com os princípios políticos, quer dos dadores, quer dos ODM, quer dos próprios receptores (IPAD/OCDE, 2006), ainda se verifica que os destinatários ainda não fazem parte como atores ativos na definição dos seus programas. A questão do pós 2015 surge como um campo de debate complexo entre a forma como os objetivos do milénio vão ser prosseguidos e os processos de envolvimento dos atores. Do que até agora se tem concluído é que existe um deficit na inclusão dos atores locais na definição dos objetivos e uma menorização das questões culturais. O modo de inclusão dos atores locais é um campo complexo. Quem é o ator local é sempre um processo problemático, pois da sua capacidade de ações resultam melhores ou menos boas práticas. Por outro lado, também se verifica que em muitos dos espaços com piores resultados no alcáçar dos ODM, as estruturas locais são frágeis. Isso tem vindo a colocar questões sobre de que

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forma podem ser atribuídas as ajudas aos processos evitando a duplicação de circuitos de legitimidade. Finalmente a ausência do lugar da cultura nos processos de Ajuda ao desenvolvimento conduziu a uma relativa menorização dos processos. As ajudas ao Desenvolvimento em muitos casos foram canalizadas através da criação de novas estruturas de relacionamento social que se foram sobrepondo a diferentes redes de relação social e de organização dos poderes locais. Nos lugares de menor eficácia da ajuda ao Desenvolvimento esse fator parece ser determinante para inclusão dos atores nas redes de economia local.

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Ficha de Leitura Uma leitura crítica da teoria do Pós-desenvolvimento Ana Fantasia (CEsA.UL) Pedro Pereira Leite (CES.UC)

Neste trabalho efetuamos uma leitura crítica do artigo “Post-development as a concept and social practice”, de Arturo Escobar (2007) inserido no livro “Exploring Post-Development: Theory and Practice, Problems and Perspectives” editado por Aram Ziai, Routledge, pp 18 - 31 Nesse artigo de Arturo Escobar apresenta uma síntese detalhada da sua crítica ao conceito de desenvolvimento e propõe um novo fundamento epistémico para o conceito de desenvolvimento. Após uma revisão sobre a emergência do conceito de desenvolvimento e das várias criticas que têm vindo a surgir desde os anos oitenta, Escobar argumenta, perante a desadequação do conceito, sobre a necessidade duma transição paradigmática onde é essencial formular uma conceção que traduza o pensamento e a prática sobre as possibilidades de construção de formas alternativas de gerir a mudança social. O artigo desenvolve em seguida os fundamentos da crítica ao conceito de desenvolvimento, contextualiza a emergência da crítica feita pelo pós-desenvolvimento para terminar com a argumentação sobre a possibilidade de pensar a emergência do mundo global com uma nova forma de olhar para as possibilidades de uma ação inovadora no mundo. Arturo Escobar é um autor que se insere numa corrente do pensamento crítico sobre a teoria do desenvolvimento, que argumenta que o conceito e a sua prática resultam duma visão do mundo eurocêntrica. Esta corrente crítica afirma que o desenvolvimento é uma forma ideológica de imposição da hegemonia europeia sobre o resto do mundo. Escobar é considerado um dos autores de referência da teoria crítica ao desenvolvimento. A sua abordagem teórica é influenciada pela tradição dos estudos pós-coloniais e posestruturalistas. A sua obra é vasta. Em “Encountering Development: The Making and Unmaking of the Third World (1995), o autor apresenta a base dos seus argumentos sobre a teoria do pós-desenvolvimento. De seguida, em 1998 publica “Territories of Difference: Place, Movements, Life, Redes, e em 1999 uma colecção de ensaios em espanhol, “El final del salvaje. Naturaleza, cultura y política en la antropología contemporánea“, onde elabora argumentos sobre as relações com os saberes locais e o ambiente. Na sua obra “Más allá del Tercer Mundo. Globalización y diferencia”, publicada em 2005, aborda a questão da produção das subalternidades. Em 2010, no seu artigo “Latin América at Crossroads: alternativa modernizations, postliberalism, or post-development?” analisa a questão das transformações

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culturais, económicas e política durante a primeira década do milénio na América do Sul. Este texto elaborado em 2007, para inserção na obra de Aram Zial sobre o Pós-desenvolvimento, pode-se considerar como uma síntese das análises do autor sobre esse conceito. Nele Escobar efetua uma crítica radical ao discurso e à prática do desenvolvimento e explora visões alternativas para uma era de “pós-desenvolvimento”. Uma crítica que afirma a impossibilidade de que a ideia do desenvolvimento, criada com base no modelo de industrialização das sociedades ocidentais, possa ser aplicada nas sociedades do sul. Trata-se (a proposta do desenvolvimento) duma proposta externa aos fenómenos destas sociedades, que necessita de ser reformulada a partir dum discurso feito do seu interior, isso é construído a partir dos saberes e experiencias locais. O texto inicia-se com a análise do processo da crítica ao conceito de desenvolvimento. Situa a génese dessa crítica no livro coletivo, editado em 1992, com o título “Dicionário do Desenvolvimento” (Sachs, 1992). O desenvolvimento, nesse livro, surge como um conceito vazio. Uma palavra que significava tudo, que legitimava todas as ações, mas que se tornava impossível de precisar como conceito operacional. Da querela entre Crescimento e Desenvolvimento Económico, das teorias da modernização económica através dos investimentos em ciência e tecnologia, às críticas da teoria da dependência e do subdesenvolvimento, emerge nessa altura a necessidade de uma postura crítica a esse conceito. A consciência de que é um conceito criado pela ciência ocidental, que mantem a relação hierárquica entre o norte e o sul e que constitui a base dum discurso de legitimação do domínio do mundo ocidental leva a análise daquilo que é a sua prática. Um conjunto de ações que mais não faz do que perpetuar essa hegemonia. O pós-desenvolvimento é um primeiro passo para essa crítica. É certo que essa crítica feita pela teoria do pós-desenvolvimento apresenta uma analogia com os debates que então se faziam sobre o pós-modernismo e o pós-estruturalismo sobre as práticas discursivas. Essa consciência sobre o discurso conduziu à procura de alternativas aos discursos hegemónicos nas diferentes organizações internacionais. Afirma-se que o “discurso sobre o desenvolvimento” mais não faz do que reduzir os problemas a um conjunto de procedimentos a executar. Uma receita que os técnicos das diferentes organizações internacionais implementavam nos diferentes países sem atenderem às especificidades e necessidades locais. O pós-desenvolvimento deveria por isso incluir, na sua reflexão, a possibilidade de construção de alternativas, esgotadas que estavam, na época, os modelos e experiencias de economias colectivistas. Esses trabalhos levaram também ao questionamento sobre a “profissionalização das questões do desenvolvimento”, através da consciência de que a padronização dos procedimentos e dos programas sobre o

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desenvolvimento levava à exclusão dos conhecimentos e das capacidades locais. A crítica ao desenvolvimento começa a revelar que, os programas de ajuda ao desenvolvimento não eram mais do que formas de reprodução e de subordinação das diferentes economias dos países do sul às lógicas dos mercados de capitais da economia global. Finalmente, a crítica ao pósdesenvolvimento vem também chamar a atenção para que nos processos de desenvolvimento, embora as suas práticas fossem feitas em nome dos pobres e dos desfavorecidos, os resultados desse programas raramente produziam resultados que os beneficiavam. Com base nessa crítica ao conceito de desenvolvimento, a proposta de pósdesenvolvimento acaba por se sintonizar com as correntes de pensamento que questionam os tradicionais campos de conhecimento, propondo abordagens interdisciplinares para a compreensão dos fenómenos sociais. É através dessa relação interdisciplinar que a teoria do pós-desenvolvimento acaba por recolher contributos críticos operados no campo dos estudos culturais, da teoria e ética feminista e dos estudos ambientais. Escobar sugere que se poderá estar perante um quarto momento da história sociológica do desenvolvimento. Um momento em que se toma consciência de que o discurso sobre o desenvolvimento fez obliterar os diversos problemas que ele deveria resolver, tais como a fome e a pobreza que são gerados pelo processo de organização económica capitalista e neoliberal. A necessidade de legitimar o processo de desenvolvimento, como um processo generalizado de transformação económica, levou também à necessidade de, em nome do desenvolvimento, impor formas de modernização, organização institucional e política, que confrontou muitas das instituições locais e tradicionais, criando processos de relações complexos entre diferentes formas de organização. Esse reconhecimento levou ao descobrimento da importância do local. A emergência do local, no âmbito da teoria do desenvolvimento conduziu a uma certa “romantização” das tradições locais e à valorização dos movimentos sociais de base local, ignorando que esses movimentos e a organização social que os enquadra são também resultados de complexas relações de poder que os processos de desenvolvimento afrontavam. Ao fundamentar a crítica da Teoria do Desenvolvimento com base na teoria crítica do contexto do pensamento social do seu tempo, o pósdesenvolvimento introduz na agenda do desenvolvimento as questões sobre a pobreza, a fome e a violência enquanto problemas reais que afetam milhões de seres humanos vítimas da desigual distribuição da riqueza e do acesso aos benefícios dos recursos do planeta. O pensamento crítico vem tornar mais nítido o facto de que a análise dos fenómenos sociais é uma relação complexa. Chama a atenção para a essência do modelo teórico como representação duma realidade abstracta, que não pode deixar de ser desenvolvido de forma crítica sobre uma realidade pré-existente.

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Sintetizando, o contributo sobre a crítica ao discurso do desenvolvimento havia acentuado a natureza hegemónico do discurso científico do ocidente, construído para dominar a natureza e legitimar a apropriação dos recursos naturais pelas ações do desenvolvimento. Tornou mais nítida a questão de que a ciência eurocêntrica é um discurso sobre a realidade e uma forma de ação sobre esse real em função de fins que legitimam os processos. Essa consciência permite formular uma crítica radical às ações sobre o desenvolvimento a partir da sua legitimação. A questão de que as necessidades do desenvolvimento não são mais do que práticas discursivas que se constituem como reflexos de pensamento ocidental hegemónico. Através dessa formulação a teoria crítica do pós-desenvolvimento não só acentua a consciência de que as necessidades materiais são culturalmente construídas e mais não fazem que perpetuar relações de dominação, como afirma a necessidade de procurar formas alternativas de intervenção, fora do pensamento hegemónico ocidental. As análises feitas a partir dos movimentos sociais acabaram por revelar que as suas agendas não se constituíam como base material ou assistencialista, mas sim uma agenda com base em direitos cívicos, identitários ou mesmo culturais. Movimentos que reivindicam formas de economias alternativas ao modelo hegemónico do mercado global. Movimento que revelam formas de economias locais alternativas. O contributo do debate sobre o pós-desenvolvimento criou um clima mais eclético e aproximações mais pragmáticas à questão do desenvolvimento e possibilitou a reconstrução de novas agendas para os movimentos sociais, muitos deles através duma conexão entre a agenda política e económica às questões culturais. Segundo Escobar todas essas questões conduzem à interrogação sobre as formas de como se podem aprofundar as relações entre o desenvolvimento e a modernidade de forma a permitir emergir uma nova concepção sobre como o desenvolvimento pode ser concretizado e transformado. Partindo da hipótese que o fim da modernidade e a emergência da globalização é já um momento de transição paradigmática, Escobar propõe uma nova abordagem para o conceito de pós-desenvolvimento. Uma abordagem que sendo emergente se torna difícil de definir, e portanto de nomear. Com a formalização desse pensamento recusa as análises teóricas que admitem que a globalização é um novo estádio de desenvolvimento do capitalismo, acentuando que esse é um novo momento que tem que ser pensado com novos instrumentos teóricos. Aproxima-se dessa forma das propostas teóricas de alguns sociólogos, como Boaventura de Sousa Santos e Alain Joxe que recusam o modelo teórico de análise do capitalismo, construído com base na figura dos estados de desenvolvimento da economia, em que os processos de acumulação de capital

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geram crises que se resolvem pela sua superação que marca a emergência dum novo período com novas formas de acumulação. Acentua a proposta de Sousa Santos feita na “Crititica da Razão Indolente” (Santos, 2000), a defesa de que estamos no fim de um paradigma epistémico, marcado pela hegemonia do discurso científico, e por processos sociopolíticos fundamentados na regulação do poder e dos mercados. Na proposta de Alain Joxe feita no seu livro “L’ Impire du chaos” procura demonstrar que o Império é um novo sistema. Uma nova organização que não emana dos tradicionais estados nações, mas que se constitui como uma nova ordem mundial que não conhece fronteiras ou limites. Duas abordagens que, sendo convergentes com o pensamento de Escobar, não cabem aqui desenvolver. Em suma, neste artigo Escobar defende que apesar de todas as suas limitações o conceito de pós-desenvolvimento é ainda útil e ajuda a pensar a modernidade. Mas não chega reconhecer essas limitações. É necessário aprofundar o trabalho teórico com base nas experiencias pratica. Defende a necessidade de pensar a modernidade a partir da sua exterioridade (do que está para além), como um conjunto de multiplicidades. O desafio é pensar a partir da multiplicidade de trajectórias onde cada local tem de se pensar a si em relação com os outros lugares. Se a modernidade e a globalização criaram identidades fragmentadas, (diced identities) é necessário pensar a partir dessa diversidade como pluralidade e reconstruir caminhos diferenciados. Se aceitarmos o conceito de que temos que ultrapassar a ideia dos caminhos comuns que a modernidade parecia defender com a noção de desenvolvimento, e se aceitarmos que efectivamente estamos num período de transição paradigmática, isto significa, não só que os conceitos de desenvolvimento e terceiro mundo fazem parte do passado, como que necessitamos de criar novos nomes para as nossas práticas. BIBLIOGRAFIA Obras de Arturo Escobar 2014 “Encountering Development: The Making and Unmaking of the Third World”, Arturo Escobar. Princeton University Press. 2011 “ Territories of Difference: Place, Movements, Life, Redes (New Ecologies for the Twenty-First Century)". In Steiner, Claudia (April 2011). "Territories of Difference: Place, Movements, Life, Redes (review)". The Americas 67 Escobar, Arturo(2007) 'Worlds Studies, 21: 2, 179 —210

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